jornal grimpa #05 (2006)

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PONTA GROSSA ABRIL/MAIO 2006 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA NEM TUDO SAO ESPINHOS www.parimpa.cpin&r NÚCLEO 31 DE MARÇO: NASCIMENTO E BATISMO DE UMA HOMENAGEM À DITADURA ENTREVISTA COM O MÚSICO MÁRIO GALLERA FRONTEIRAS DO PARANÁ: RIOMAFRA, UMACIDADE PARA DOIS ESTADOS ERA DO RÁDIO: TUDO COMEÇOU COM A REDE DE ALTO FALANTES CAMPOSGERAIS E MAIS: A NOIVA DO ALAGADO * HOMEM-BUNDA * TOPE TOPETE FRASES CÓMICAS TEXTOS DE LEITORES BIG BROTHER BRASIL * ARRIGO BARNABÉ CONTO E VERSO.

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Jornal Grimpa #05. Abril-maio 2006. Ponta Grossa (PR) - Brasil. Tabloide 16 p. (12 p. PB + 4 p. color). Tiragem de 2.500 exemplares. Distribuição gratuita. Para saber mais do impresso, leia “JORNAL GRIMPA: Nem tudo são espinhos na imprensa paranaense: Descrição e memória de um periódico do interior” (VI Encontro Nacional de História da Mídia, UFF). Baixe o PDF em http://bit.ly/jornalgrimpa_Alcar2008 Expediente  Edição: Ben-Hur Demeneck e Rafael Schoenherr. Projeto: Luciano Schimitz. Ilustrações: Diego de los Campos. SUMÁRIO: (02) OMBUDSMAN Marcelo Engel Bronosky. (03-05) Marinho Gallera entrevistado por André Rosa e Marcelo Teixeira. JORNALISMO (06) Limites do Paraná: Rio Negro/Mafra: Caroline Passos. (08-10) Núcleo 31 de Março x ditadura: texto de Ben-Hur Demeneck. (11) Rede de Alto-Falantes Campos Gerais: João Quaquio. (12-13) HUMOR: “Sádico”, Danilo etc. (13) LITERATURA Concurso literário. (14) Colunas de música e TV. (15) Conto: Luciano D´Miguel. (16) Poesia: Ricardo Oyarzabal.

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Page 1: Jornal Grimpa #05 (2006)

PONTA GROSSAABRIL/MAIO 2006

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

NEM TUDO SAO ESPINHOS

www.parimpa.cpin&r

NÚCLEO 31DE MARÇO: NASCIMENTO E BATISMO DE UMA HOMENAGEM À DITADURAENTREVISTA COMOMÚSICOMÁRIOGALLERA•FRONTEIRAS DO PARANÁ:RIOMAFRA,UMACIDADEPARA DOIS ESTADOS

•ERA DO RÁDIO:TUDOCOMEÇOUCOMA REDE DEALTO FALANTESCAMPOSGERAISEMAIS:A NOIVADO ALAGADO * HOMEM-BUNDA* TOPE TOPETE FRASESCÓMICAS TEXTOS DELEITORES

•BIG BROTHER BRASIL * ARRIGO BARNABÉ CONTO E VERSO.

Page 2: Jornal Grimpa #05 (2006)

GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006 GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006

Mãos em aceno, outrora lenços brancos, lágrimas nos olhos, bocas numa - quase - infinita separação, uma gigantesca parábola de baba suspensa no ar, mães desesperadas pelo eterno retorno dos filhos, caixas de quinquilharia, sacolas plásticas coloridas e listradas (provavelmente à espera de componentes eletrônicos como recheio), policiais de todas as patentes, cachorros, prostitutas de folga e a serviço, galinhas, autóctones, bêbados.

Apesar da assepsia burguesa de algumas rodoviárias, que mesclam ferro e vidro na tenta-tiva infrutífera de mais um cartão postal, a cachaça branca e pura (?) ainda é uma constante. Ainda que escondida na mochila falsificada, a reboque, a garrafa plástica marca presença em muitas andanças solitárias por este mundo. Diz-se de quem bebe tal fortificante que “desenvolve, vez por outra, uma certa mediunidade”.

Descrente de tal fato, o escriturário de voz e mãos ásperas busca argumentos que justi-fiquem o sonoro “não” há pouco proferido a um ancião que gentilmente lhe oferecia uma bicada. Por árdua insistência ou mesmo ausência de subsídios teóricos para uma discussão mais avançada, o aspone viu-se literalmente numa sinuca de bico.

Após dar dois ou cinco (já não sabia ao certo) “gorpes na minduba”, percebeu que suas relações de espaço e tempo estavam um tanto defasadas. Diga-se de passagem, já havia sacado isso desde que nasceu para o mundo do trabalho e assumiu a camisa com logotipo, bate e não quara, para realçar sua personalidade mórbida. Meia reflexão e... pimba! Ali definitivamente não era o seu lugar.

Campo Vermelho há muito lhe causava asco. Estava naquele terminal para aproveitar as merecidas férias que a empresa nunca lhe concedera. Ao menos uma vez na vida exercitou seu poder de escolha e decidiu não aparecer na repartição. Passou duas noites em claro e não decidiu para onde iria. O celular não havia sido desligado e descarregou, pois não parava de tocar.

Analfabeto tecnológico, o auxiliar administrativo (título que lhe dava orgulho só em pen-sar) desconhecia o modo silencioso. Por pouco, numa das muitas piscadas de dois minutos, um pivete não lhe toma o aparelho. Não que fosse intenção trocá-lo por pedras entorpecentes de baixo custo, mas para tornar-se, ao menos uma vez, alguém querido naquela estação.

À verdade os dois, moleque e encamisado, embora distoantes quanto à tez, sonhavam

em ser heróis. Missão impossível, uma vez que eram frutos de uma mesma árvore, Societatum marginalis, dita inexistente pelos fitologistas, exótica pelos políticos e abundante pelos radialistas. Sim, porque aquele funcionário caxias, com seus sapatos de liquidação deveras engraxados, teve os dois pezinhos descalços e fincados na lama em sua mais tenra infância - sobre a qual sempre chovia!

E a precipitação caía como uma luva à composição do cenário daquele vilarejo cinza

entrecortado pelo verde desbotado dos arbustos estéreis. Uma semana de chuvas e a “Sacra Liga Feminina de Combate ao Não Sei o Quê” já computava os cobertores sobressalentes, bem como as aparições na mídia. Não seria incomum ligar o televisor e deparar-se com algum padre, para-mentado e trajando batina do mais refinado linho, elogiando a solidariedade daquele povo.

Ligeiramente torpe (permitam aqui um eufemismo barato para não extirpar a aura do herói), indignado e incomodado com sua indecente indecisão ou com as regras da flor do lácio que apontavam para o excesso de prefixos negativos a beirar a colisão, reconheceu o pobre néscio que lhe restavam poucas alternativas, quem sabe apenas uma. Um tanto óbvio apontar para o suicídio. Mas o crucifixo, sempre colado à sujeira dos seus pêlos peitorais, remontava aos castigos de vinte e tantos anos atrás e sobretudo às cicatrizes deixadas pelo milho em seus joelhos, símbolos de sua inconteste devoção.

Contudo, jamais tivesse lido ou tido qualquer metamorfose em sua vida, inconsciente-mente não queria para si o destino de um Gregor Samsa. Tampouco poderia se tornar um Dean Moriarty da noite para o dia. Uma coisa, porém, era certa: à exceção de alguns panfletos de toda sorte que recebia ao cruzar o calçadão central daquele povoado e de uma cartilha do EJA, só se recordava de ter contacto com a Bíblia que, por descuido, sempre manuseava de ponta-cabeça. Certa vez, um artista plástico emergente parou-o na rua e, após fitá-lo por quase meia hora, teori-zou aos brados sobre a grandiosidade estética daquele jeito alternativo de ler. Um luxo!!!

Desembaçou os olhos da neblina do passado, que volta e meia pairava sobre sua pacata existência. Deu uma chance ao presente do indicativo, único tempo merecedor da vivência e flagrou-se solitário naquele colosso subutilizado. Pensou em comer um pão com mortadela, mas nenhuma birosca estava aberta. Buscou algum pacote de frituras industrializadas em sua moch... Poxa (interjeição comedida se comparada ao palavreado chulo que ecoava naquele lugar), ela não estava mais ali! Não lhe restaram outras vestes, senão aquelas com logomarca. Pôs-se, então, a correr desvairadamente em direção à rodovia, não muito distante do elefante branco.

Caroneiro acidental, mexia desesperadamente a mão direita no afã de que alguém parasse ao enxergar em suas lágrimas a síntese de uma sina sofrida. As alucinações lhe perturbavam o cérebro, mas lentamente viu surgir à sua frente um ser semi-nu de feições pouco amistosas. Nada de nomenclaturas politicamente corretas, o que estava à outra margem, separado por poucos metros e um movimento assustador de veículos de todos os tamanhos e velocidades (conside-rando-se o rigor dos buracos da estrada), era mesmo um índio. Aparentemente emerso de algum filme que pudesse ter visto num outro canal que não o preferido de sua mãe e de mais da metade de seus convivas, “aquilo” lhe incomodava.

Horas a fio com o dedo em riste. O medo em suas pupilas dilatadas. Um desejo de sair a voar, ser Mercúrio, mesmo sem saber de quem se tratava. As palpitações cardíacas o deixavam estático. E quando o desespero já lhe comia o fígado, rasga o espaço uma onomatopéia digna das histórias de Thor. A freada brusca lhe contraiu todos os esfíncteres. Correu até o motorista. O destino? Pedra Perdida. Nunca ouvira falar em tal lugar, mas agradeceu com as mãos aos céus o fato de ter alcançado aquela - até então impossível - graça e, principalmente, de ter se livrado daquele “perigoso” guerreiro gê.

Mal sabia Alaor (chamemos assim esse borra-botas!) o que lhe esperava serra abaixo...

[Quando a pacatez da existência não deixa pedra sobre pedra]

Luciano D’Miguel

Por quemos suínosobram

Ilustrações: Diego de los Campos

“Caroneiro acidental, mexia

desesperadamente a mão direita no

afã de que alguém parasse ao enxergar em suas lágrimas a síntese de uma sina

sofrida”

GRIMPA # 03Artigo “Mais uma casa a menos”, de André Rosa: 1) o texto apresenta

o cemitério São José apenas como “cemitério municipal”, uma imprecisão porque há vários cemitérios municipais; 2) O citado cemitério não ficava no antigo Largo São João (atual praça Barão de Guaraúna). Havia no largo um cemitério homônimo, e onde hoje está o São José era o terreno “Chácara do Ferigot” – local que também fazia sepultamentos. Esse, por motivos políticos, não era abençoado pelo bispo. Entretanto, devido ao contexto higienista da época, houve realocação das pessoas sepultadas no primeiro cemitério para o segundo. O São José foi legalizado em 1881, o que faz dele o mais antigo da cidade.

Correção feita pelo colaborador Almir Nabozny.GRIMPA # 04Cruzadinha: No item A das horizontais, a questão correta seria “Instituto

Superior de Estudos Brasileiros (...)” para a resposta proposta, “ISEB”. A pergun-ta original incorre em erro por atribuir ao “S” da sigla o significado “Social”.

Correção feita pelo leitor Acir da Cruz Camargo.

Mensagem do leitor Acir da Cruz Camargo enviada por e-mail. Observação: Os grifos são nos-sos. E o texto não está na íntegra, por questões de espaço a carta teve alguns cortes.

Esta edição está excelente [a de número 04], acessível e não deixou leitores fora do shop-ping, como nas primeiras edições, em que apre-sentava uma linguagem rebuscada e complexa. Percebi no jornal o elemento político, feito com sabor agradável, não enjoativo, temperado bem com o cotidiano, necessário para resistir os es-píritos conformados, a classe senhorial de nossa cidade. Se contrapõe aos atos administrativos de retrocesso nas conquistas da política cultural da cidade, nomeadamente, a extinção da Fundação Cultural, o marco inicial da escalada conserva-dora.

A edição tem relevância documental, portanto, histórica, devendo os pesquisadores manter zelosamente em arquivos o periódico, es-pecialmente esta edição, e aos trabalhadores da cultura sua divulgação. A maior contribuição do jornal está constatada em dois artigos, a entrev-ista concedida pelo Sr. Antonio do Valle, que na perspicácia do entrevistador do autêntico quadro em que se encontra o teatro entre nós. Preza aos céus que os senhores feudais do teatro em nossa cidade o estudem com responsabilidade, perscru-tando em cada pergunta e resposta da entrevista. Antonio do Valle compreensivamente desconhece o envolvimento ideológico de pessoas da cidade, que embora críticas somam as forças reacionárias. Nesse sentido empresta ao Grimpa o caráter de denunciador da absoluta falta de uma política de cultura, especialmente de teatro para a cidade. O Fenata não é o festival da cidade, muito menos da comunidade intelectual, política e universitária.

Grupos fechados, que exigem uma sabatina para se abrir a novos componentes, são comuns. O compartilhamento de visões e de posturas é algo corrente em todo canto do mundo. É sabido que um período de fechamento pode fazer a diferença na sobrevivência de uma idéia, filosofia, ou de uma cultura. A reclusão, o isolamento, tem seus benefícios não só para a intimidade (na reconhecida contribuição que traz a solidão para o pensamento) como para o público (reflexão da identidade, dos valores comuns). No entanto, conforme o distanciamento vai ficando crônico, irrefreável, sem dar espaço algum para a novidade, corremos o risco do colapso. A autofagia, canibal-ismo, é comum na vida interior das caixas bem pregadas.

Se identidade e diversidade têm cada uma suas vantagens e complementos, fi-camos a nos perguntar da natureza de nossas ações. Estariam nossos grupos, dos afe-tivos aos profissionais, dos comunitários aos culturais, sabendo coadunar abertura e fechamento, diversidade e identidade?

Ponta Grossa acaba sendo nosso principal cenário para objetos de pesquisa e reflexão, não só porque é o ponto de irradiação do Grimpa. É também um local em que se agudizam contrastes da região: um interessante conflito do rural com o industrial, do cosmopolita com o provinciano, do citadino com o mundial, do parado com o retrógrado, da fragilidade econômica com a pompa em qualquer circustância. A tantas cidades vale nossa pergunta, que para aqui é visivelmente pertinente: não somos muito fechados a novas influências?

Vamos aos lugares de debate e percebamos se não há por ali alguma autoridade auto-proclamada.Vejamos se nesses comportamentos que levam um tema ao esta-do de sítio, há uma rotatividade do conhecimento. Estaremos nós fazendo isso? O Grimpa, quem sabe? A pessoa ao lado? Quantos somos esses iluminados, messias que professamos o que é a cultura e o que é o conhecimento com arrogância e des-façatez? Quantos estamos reivindicando uma autoridade vitalícia, indiscutível? Pois se o que é feito tem valor e sempre terá, se está assinalado pela boa sorte, se o ferrete da virtude fez seu castigo, então avancemos do canibalismo velado ao verdadeiro, que é mais honesto.

Nossos grupos estão preservando sua identidade ou estão se amargando na sua mesmice? Não sabemos se a agressividade dos provocadores vem da raiz de seus pensamentos, estes conjeturados em grupo, apimentados pelo gênio do indivíduo. Ou se é mais “ismo” que circula como uma resposta que nada explica, justo porque não foi pensada. A questão é se sabemos se nossa fraternidade torna alguns mais iguais que outros. Se ignoramos quantos e vários olhos (e intuições) são precisos para afrouxar a amarra de nossos desejos e interesses.

Ou será o contrário: somos os mesmos inventores que trouxeram pelos séculos as artes, a filosofia, a ciência?

O Grimpa 5 - no pior estilo, ainda bem, ‘como fazer’ característico dos vendidos manuais de auto-ajuda que alegram de administradores a chefes de famílias em tardes quase ensolaradas de domingo - presta o delicado (des)serviço de pensar em identi-dade cultural (e pessoal!) por aqui (também) em termos de repressão. O que devemos esperar de um lugar que homenageia e guarda (?) lembranças da material e violenta inadmissão de um Outro na sociedade? Mas calma lá, pois isso não é sociologia...

Edição e pauta: Ben-Hur Demeneck (MTb 5664/PR) e Rafael Schoenherr (MTb 11364/RS) Arte e projeto gráfico: Luciano SchmitzIlustrações: Diego de los Campos (capa)Cartoons, charge e humor: Álvaro Fonseca Jr. (Tope Topete), Artur Pena (lenda urbana), Danilo Kossoski (charge) e James Robson França [o “Sádico”] (Homem-bunda e charge política)Cartograma e organização de dados demográficos: Almir Nabozny e Marcio OrnatOuvidoria: Marcelo Engel BronoskyFotografias: Alceu Bortolanza (31 de Março), Caroline Passos e João Carlos Freitas (Rio Negro/Mafra), Diogo Antonelli (Palmas/Abelardo Luz).Entrevista: André Rosa e Marcelo TeixeiraReportagem: Ben-Hur Demeneck (31 de Março), Caroline Passos (Rio Negro/Mafra), Diogo Antonelli (Palmas/Abelardo Luz), João Quaquio (RAF)Crítica e literatura: Alceu Bortolanza (música), Helcio Kovaleski (TV), Luciano D’Miguel (crônica) e Ricardo Oyarzabal (poesia)

GRIMPA – Edição de Abril/Maio 2006Distribuição gratuita – 2.500 exemplaresPágina na internet: www.ogrimpa.com.br

Contas de e-mail:[email protected]íticas, sugestões e elogios ao jornal. [email protected]ão de temas para as [email protected] comercial. [email protected] aos responsáveis pela seção de [email protected] aos responsáveis pela seção de literatura.

Para enviar cartas: Caixa Postal 220 – CEP 84001.970 – Ponta Grossa / PR Números atrasados:Para receber um exemplar, envie uma carta para a caixa postal do Grimpa. Coloque seu endereço com-pleto e um conjunto de selos que some R$ 0,80. Se preferir dois exemplares, remeter R$ 1,20 em selos.

ISSO NÃO É AUTO-AJUDA

“Livre pensar é só pensar” (Millôr Fernandes)

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O LEITOR

A última edição de o Grimpa (jan./fev. 2006) manteve a mesma linha editorial dos anteriores. Conjugou matérias sobre cultura, lazer, contos, crônicas e entrevistas, além de uma boa dose de hu-mor. No geral as pautas cobriram os gêneros jornalísticos mais característicos. Mas, será que a forma de abordar os assuntos está atendendo a uma das propostas do jornal, a saber, oferecer (in)formação dife-renciada sobre a cultura regional? Apresentar propostas de transformação aos modos de compreender a cultura no seu sentido mais amplo? A lógica adotada nesta edição, com algumas exceções (quase tudo tem exceção!), apresentou abordagens que não avançaram significativamente nesta direção, se não ve-jamos: a matéria Mercado das saudades e dos fantasmas sobre o abandono do Mercado Municipal de Ponta Grossa. Antes de qualquer coisa, cabe destacar a dificuldade de se falar de fenômenos históricos próximos, como é o caso, na medida em que há pouca ou quase nenhuma referência bibliográfica sistematizada sobre o assunto, salvo exceções (outra!). Por isso, o jornalista/pesquisador deve “fortalecer” a reportagem a partir de entrevistas, buscando cercar - nas contradições e nas similitudes dos dados co-letados -, a compreensão sobre o assunto. Neste sentido, achei falta de algumas fontes. A principal foi a que desse a posição oficial da época sobre a construção do Mercado e as várias tentativas de revitalizar, demolir ou transformar o prédio ao longo dos anos, ou no mínimo as principais iniciativas neste sentido. Isso facilitaria tomada de posição sobre o assunto, indicando ao leitor as mais adequadas. É necessário que o jornalista exponha o que pensa, e principalmente, aponte direções, perspectivas. Entretanto, a re-portagem acaba antes disto. Em alguns momentos o Grimpa se preocupa demais com a estética literária. Não dá para fazer arte pela arte, é preciso intervir.

Marcelo Engel Bronosky

A Coluna do Ombudsman é um espaço de debate, portanto não deixe de comentar as matérias, criticando e sugerindo temas. Participe pelos e-mails: [email protected] ou [email protected] C

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É preciso sim, superar o picaretismo que marca o feudalismo teatral da cidade. É significativa a mensagem deixada em o Grimpa, de que o artista deve fazer um espetáculo com sua alma, e faltou ao entrevistado, o acréscimo de uma categoria fundamental na construção de uma sociedade mais cidadã e bem mais instruída culturalmente, o interesse do povo, temáticas que digam respeito ao cotidiano e a realidade popular.

(...) Outro artigo, fonte preciosa de pes-quisa, de nota, está o que historifica os primórdios da televisão entre nós. Aqueles que acostumados ao culto de grandes e figuras que se construíram às custas da produção física, da empostação de voz, se surpreenderão com o destaque, justo e correto em perspectiva teórica, dada ao papel do Sr. Mário Krenski, na construção da empreitada na região dos Campos Gerais. É a revolução na historiografia da imprensa no Paraná. Longe de li-star figurões da academia, apresentadores preten-siomente de peso, a figura de grandeza ímpar de Mário Krenski, se constitui num testemunho vivo, útil, necessário de se recorrer, da história da comu-nicação entre nós.

(...) O artigo “Onde acaba o Paraná” é uma preciosa fonte de reflexão, sugestão, e da importância de valorizar e conhecer o nosso Es-tado. É um artigo simples, mas com uma riqueza de informações, abrangendo numa combina-ção fenomenal, antropologia, cultura, lingüística, história e costumes. Desdobrado esse artigo, visto em suas minúcias, sugere pesquisas outras como ramos de um tronco textual.

(...) A continuidade do Grimpa é ne-cessária, importante, porque significa que nossa capacidade de resistir à cultura da ignorância e do autoritarismo, não só está viva e ativa, mas sendo feita com muita sabedoria e método.

EXPEDIENTE

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GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006 GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006

O ESQUECIDO DO MÊS...O ESQUECIDO DO MÊS...

Alceu BortolanzaQuase como um desafio, recebi a proposta de escrever sobre algum músico pa-

ranaense. A princípio parecia uma tarefa um tanto complicada, pois pouco sabemos de paranaenses que depois de algum sucesso extra-regional, ainda houvessem tido a graça de “cair no esquecimento”.

O Paraná sempre sofreu de crises de identidade. Não podemos dizer que por aqui surjam criações musicais com a mesma abundância de outros Estados. Ou pelo menos, não têm o mesmo espaço para serem mostradas. Nem seria o caso da música erudita, pois nessa área temos vários (Alceo Bocchino, Bento Mossurunga, e muitos novos talentos), mas como falamos sempre no âmbito da música pop, nos restam pouquíssimos baluartes em-punhando essa bandeira. Poderíamos citar o grupo “Blindagem” com a poesia de Leminski. Mas, infelizmente nunca conseguiram chegar ao reconhecimento nacional; dizem alguns que o sotaque atrapalhou, o que não creio, pois não são diferentes de alguns gaúchos que tiveram melhor sorte. A indústria fonográfica não está instalada por aqui e talvez por isso a brasa fique longe da nossa sardinha.

Mas, dentro da nossa proposta de resgatar a memória de quem deixou de ser lem-brado, o que se encaixa mesmo e com todos os méritos é o londrinense Arrigo Barnabé. Nascido em 1951, viveu por lá seus primeiros vinte anos. A seguir foi para São Paulo contin-uar os estudos, onde fez curso de Composição na Escola de Comunicações e Artes da USP. Neste período, participou do Festival Universitário da TV Cultura com a música “Diversões Eletrônicas”. Seu primeiro LP independente, “Clara Crocodilo”, saiu em 1980. Formou a banda “Sabor de Veneno”, com integrantes como Vânia Bastos, Tetê Espíndola, Suzana Salles, Paulo Barnabé e outros. Então começa seu reconhecimento nacional como “músico de vanguarda”, fazendo fusão de música erudita contemporânea, jazz e MPB, misturados ao caos da linguagem urbana. Sem abrir mão do humor que daí se depreende. Detalhe: ele precisou estar em São Paulo para que isso ocorresse. O concretismo, o erotismo e a transcendência filosófica sempre foram os ingredientes principais de sua linguagem radical, onde os lobos, crocodilos e tubarões são representantes do comportamento humano.

Em 1984, com o segundo LP “Tubarões Voadores”, foi aclamado pela crítica, até mesmo internacional. Mas, como todo radical (no bom sentido), caiu no vazio da incom-preensão e passou a ser rejeitado pela indústria fonográfica que antes de tudo anseia lu-cros, sem preocupar-se tanto com qualidade ou formas alternativas de expressão musical. Esquecendo até que o mercado não necessita apenas de forjadores de sucesso. Filosofia que acaba colaborando com a manutenção do conservadorismo cultural, impossibilitando a compreensão de uma nova ordem por parte do espírito musical brasileiro. E isso fez com que Arrigo tentasse uma adequação aos padrões vigentes. Não deu certo, pois não con-seguiu moldar sua forma de expressão a tais exigências, o que o fez voltar ao velho estilo. Passou então a se dedicar à composição de trilhas sonoras para filmes, teatro e documen-tários. Foram mais de uma dúzia até aqui. O principal foi “Cidade Oculta”, onde atuou também como ator e roteirista. Entre os mais recentes trabalhos em trilhas, participa de “Ed Mort” e “Oriundi”.

Portanto, do Paraná, que parece restrito aos regionalismos e não haver de quem se falar, surge sim, esse verdadeiro Stockhausen da MPB, como experimentalista que é. Um dos grandes responsáveis pela maior revolução na música brasileira depois da “Tropicália” de Tom Zé, Caetano e Gil.

Se o ouvido já não estiver viciado aos sons da moda e o espírito for livre, leve e solto, vale a pena ouvir e divertir-se com as autênticas invencionices de Arrigo Barnabé. São como estocadas em nossa cultura massificada, tão carente de subversores.

* ALCEU BORTOLANZA é colecionador de discos

‘não’-realidade

‘não’-realidadeHelcio Kovaleski

Muito provavelmente, quando você, caro leitor, estiver lendo esta crítica, a sexta edição do Big Brother Brasil (BBB), da Rede Globo, já deverá ter chegado ao fim. No dia em que este texto foi escrito (21 de março), ha-via quatro ocupantes na famosa casa localizada no bairro de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro: Mara, Agustinho, Rafael e Mariana - a líder da semana. Gustavo tinha acabado de ser elimi-nado com 63 % dos votos. Este que lhe escreve nem seria louco de prever quem ganhou o fabuloso prêmio de um milhão de reais, e não é bem esse o objeto de reflexão da coluna.

Segundo medição do Ibope feita em 750 domicílios da Grande São Paulo entre 27 de fevereiro e 5 de março, e publicada na edi-ção de 19 de março da Folha de S. Paulo, o programa figurava em segundo lugar com 42 pontos, ou 3.663.000 telespectadores, per-dendo apenas para a telenovela Belíssima (46). Responda rápido: assistir ao programa afetou o seu dia-a-dia? Causou alguma ruptura no seu modo de viver? Pois é. Independente da res-posta ser sim ou não, o fato é que tais números mostram que essa parceria entre a Globo e a holandesa Endemol, criadora do formato tele-visivo dos “reality shows”, continua sendo um sucesso no Brasil.

A idéia dessas “representações da rea-lidade” (numa tradução bem manca) nasceu, segundo o professor Arlindo Machado, da PUC-SP e ECA/USP, na década de 1930 com o programa radiofônico “Candid Microphone”, de Allen Funt, que, em 1940, faria “Candid Camera”. Nesse programa, “câmeras escondi-das na paisagem flagravam situações cômicas ou vexatórias, sem que os seus protagonistas soubessem que estavam sendo filmados”. Ou seja, esse tipo de programa surgiu antes mesmo que o escritor inglês George Orwell cunhasse a expressão “big brother” (“grande irmão”) em seu visionário “1984”.

Depois veio, ainda segundo Machado, “possivelmente, a primeira experiência explíci-ta de vigilância autoconsentida” num programa chamado “An American Family”, exibida pela rede norte-americana PBS, em 1972, que deu origem à expressão “télévision-vérité” (“tele-visão-verdade”), do teórico francês Jean Bau-drillard. Era, nada mais, nada menos, que a vida cotidiana de uma família americana “de verdade”, sem atores e nem a mais remota ficção, observada minuciosamente em sua vida privada por inúmeras câmeras durante sete meses seguidos.

Em termos de história da televisão, por-tanto, o BBB não chega a ser uma novidade. Porém, há algo de instigante exatamente na expressão que o define. Como é que um pro-grama exibido a partir de uma casa sem con-

ArrigoArrigoBarnabéBarnabé

tato com o mundo exterior pode ser chamado de “reality show”? Ora, se o lugar de ser e de estar no mundo contemporâneo cada vez mais se pauta pelas notícias do que acontece em es-cala planetária, e se esse fator confere um grau de legitimidade à existência humana, então, ao invés de chamá-lo de “show de realidade”, o correto não seria, tão-somente, denominá-lo “show de ‘não’-realidade”? Pois, se não existem notícias, não há história, nem, muito menos, História. Como pode ser tomado como realidade aquilo que está fora dela? E o mais contraditório: como essa “não-realidade” tem a capacidade de agendar a vida cotidiana de milhões de espectadores e até mesmo pautar telejornais, jornais, revistas, internet e emisso-ras de rádio?

Segundo o psicanalista Jurandir Freire Costa, o que chama a atenção num programa como o BBB não é exatamente o fato das in-timidades serem expostas em rede nacional, como num “mercado das pulgas”, mas sim “a miserabilidade, a pobreza de espírito” das intimidades expostas. Ou seja, se oferece um produto embalado para presente em horário nobre e o que se tem é a miséria humana de ações banalmente cotidianas.

A propósito, é exatamente nesse quesi-to que o BBB não evoluiu praticamente em nada. Um detalhe aqui, outro ali, mas o apelo sexual (e escatológico) de “flagrar” descuidos de nudez involuntária ou cenas privadas (des-culpem o trocadilho!) e as armações entre os participantes para derrubar rivais continuam. Só que, agora, os “brothers” entram na casa mais antenados, no mínimo porque “apren-deram” a jogar como espectadores.

Aliás, o atual programa pode ser con-siderado como o mais morno de todas as edi-ções. Houve um ou outro bate-boca entre participantes (Mariana versus Iran, Rafael ver-sus Mara), e somente na reta final. No início do programa, todos eram tão irmãozinhos e santinhos do pau oco - embalados pelo “monge” Gustavo - que dava a impressão de que não ia rolar uma briguinha que fosse. Um namorico, então... E a patuléia não quer saber disso. Para sua alegria, a ripa desceu. Pouco, mas desceu.

Em suma, é mais ou menos nisso que continua se resumindo o ato de assistir ao BBB: ver, ao vivo e a cores, situações “reais” de algo que está mais próximo das pessoas do que se imagina, mas que elas preferem assistir pela tevê. Mesmo que sejam realidades inventadas para fins de entretenimento. Paradoxal, no mínimo.

Helcio Kovaleski é diretor de vídeo e roteirista de cinema

Shows deShows de

Entrevista com Marinho Gallera

EU NÃO TENHO

Entrevista com Marinho GalleraMário Amadeu Gallera aportou em Curitiba para

se tornar parceiro e amigo de figuras como Paulo Ví-tola, Lápis, Leminski, Solda, Alice Ruiz e Paulo César Botas. O músico, natural de Araraquara, faz parte de uma geração marcante da cultura paranaense. Her-deiro musical do maestro Lindolfo Gaya, participou de um período muito peculiar da história de Curitiba – um momento em que a cidade deixava para trás as casas de madeira e calmas ruas estreitas para tornar-se um grande centro urbano. A imagem da cidade “moderna” se consolidou, em grande parte, a partir das intervenções desta geração de poetas, escritores, publicitários e músicos. Os projetos – discos, shows, peças de teatro, filmes, campanhas publicitárias – se confundem com as transformações culturais e sociais ocorridas nos últimos 30 anos na capital do Paraná. Um dos seus últimos projetos, o cd “Fazia Poesia”, lançado no fim de 2005, é fruto da sua parceria com Paulo Leminski. Ambos foram grandes amigos e Marinho carrega a honra de ser o mais próximo par-ceiro musical do grande poeta paranaense. Grande parte desta parceria está presente neste disco, que é o mais recente lançamento da carreira de Mário, iniciada nos anos 70, com o projeto coletivo “Mapa” [“Movimento de Atuação Paiol”, iniciativa da Funda-ção Cultural de Curitiba para promover os artistas locais em nível nacional]. Nesta entrevista, Marinho comenta sua trajetória desde a chegada a Curitiba, os encontros e parcerias com figuras como Geraldo Vandré, Radamés Gnattali, Vinicius e Toquinho, Mil-ton Nascimento e destaca o papel de sua geração no estabelecimento de uma imagem de Curitiba como “pólo cultural”. O disco “Curitiba, cidade da Gente”, lançado em 1982, mesmo sem entrar no “mercadão”, como diz Marinho, acabou marcando época. Uma valorização das raízes da cidade, que de uma “mocinha” bem comportada se prepara para fazer parte do circuito cultural brasileiro. O encon-tro com Marinho, ocorrido numa tarde fria e tipica-mente curitibana, em outubro de 2005, foi recheado de uma boa prosa, cafés e cigarros. Confira os prin-cipais pontos dessa conversa, que contou com a par-ticipação de Athon Gallera e Luciano D’Miguel.

COMPROMISSO COM O NOVO,

QUERO FAZER MÚSICA COMUM

O que te motivou a vir a Curitiba?M: Vim fazer faculdade de Ciências Sociais. A

primeira coisa que fiz em Curitiba foi teatro, porque eu tinha essa experiência. Lá em Araraquara tinha o Zé Celso Martinez, de uma geração um pouco mais velha do que eu, da geração do Inácio de Loyola [Brandão]... Aí não deu mais para continuar com a faculdade, comecei a viajar muito. Foi quando co-nheci pessoas que tinham contato nacional, como a diretora da Fundação Cultural, Marilisa Passioni e Aramis Millarch, jornalista que era presidente da As-sociação dos Pesquisadores de Música Popular. Nessa época, Radamés Gnattali veio gravar aqui com a Camerata Carioca - aquele pessoal todo: o Raphael [Rabello], Mauricio Carrilho, Hermínio Belo [de Car-valho]. O Aramis tinha acesso a toda essa gente. Ofe-receram o Teatro Paiol para o pessoal daqui ter onde reunir, trocar idéias e ir montando aos poucos shows coletivos. Nesse primeiro momento, era o Paulo Ví-tola que organizava o negócio. Eu me tornei parceiro do Vítola já nessa época.

Você conheceu o Vítola por causa do Paiol?M: O Aramis tinha me apresentado antes. Eu to-

cava na noite aqui também, o Vítola morava perto de onde eu tocava. Por volta de 72 que a gente começou a fazer uma música ou outra. Ele fez “Ci-dade Sem Porta”, com arranjos do Waltel Branco, para inauguração do Guairão.

E como você conheceu o Leminski?M: Via um colega de agência de publicidade,

um cara que trabalhava no Pasquim. O Leminski estava começando em música também, já me convi-dava para ir na casa dele, ele ia a minha casa, a gente trocava idéias.

Como foi o processo que resultou no Mapa? A idéia, como diz na contracapa do disco, era colocar o Paraná no cenário nacional?

M: Isso é uma coisa complicada. Não era nos-sa pretensão. Talvez a Fundação Cultural pensasse que pudéssemos chegar num negócio desses. Acho que o grande resultado do Mapa foi essa junção de gente, porque muita gente continuou parceira, co-locou o pé na estrada por causa disso. Foi indicado o Roberto Nascimento para fazer a direção musical. O Roberto estava voltando do México, tinha tocado com Elizeth [Cardoso], Cartola, João Gilberto. Era um cara que estava montando a Sociedade Musical Brasileira. Tinha Aldir Blanc, Sidney Muller, Ivan Lins, o João Bosco, começando. Essa gente toda nós con-tatamos, eles vieram para cá, a gente ia para lá.

Foi a primeira vez de todo mundo.M: Estava todo mundo começando. O Leminski

ligou a coisa com o passarinho que vem, assovia e sopra para o compositor a canção. O show foi feito em cima desse mote. Tinha gente como o Carlos Gomes, o Celso Loch, o Sergio Maluf, o Phebus Moscus – um grego que morou em Ponta Grossa, pianista muito bom. O disco foi essa coisa coletiva. Uns que estão aqui foram gravar, continuaram no

André Rosa e Marcelo Teixeira

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GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006 GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006

“Aí, o Vitola disse: ‘Cerveja é Original, o resto é cópia’”

Nhô Belarmino e Nhá Gabriela durante a grava-ção de “As mocinhas da cidade”, para o disco

“Cidade da Gente”, 1982.

Da janela do estúdio, Áurea e Athon observam Leminski, Vitola, Paulo Botas, Marinho

e Selma Castro.

Paulo Vitola e Marinho Gallera gravando “Onze Cantos”, 1979

Leminski, Alice Ruiz e Marinho, no Pilarzinho em 1981

negócio. Outros, não continuaram. Também integraram o Mapa o Alfreli Amaral, dos Metralhas. “Vamos fazer tudo junto” – era essa a idéia. É aí que você conhece as pessoas, faz uma medida das tuas coisas. Você tem que optar, ou faz uma coisa pelo teu ambiente ou você tem que ir pro “mercadão”. O Leminski e o Vítola foram pro Rio e depois voltaram, porque não era bem aquilo. Se quiser fazer alguma coisa endereçada pro “mercadão”, você tem que procurar esse “mercadão”. Eu não tenho esse interesse. Se eu tivesse, eu já teria ido. É outro lance: fazer sua músi-ca, ou seu teatro, ou sua literatura de uma maneira mais independente, dê no que der. Hoje é possível fazer isso.

E naquela época, como é que era?M:Naquela época a gente ficava encerrado mesmo. É lógico que

todo mundo tem sonho de fazer sucesso no Rio de Janeiro, né? Mas tínhamos noção que não era uma coisa fácil, que ia pintar de um dia pro outro. De repente entra uma música minha e do Vítola, gravada pelo Paulo Chaves, na trilha de uma novela.

“Receita”?M: É, [a novela] chamava-se “Espantalho”. Na seqüência, o Leminski

fez o negócio com o Guilherme Arantes, também. Apareceu o Moraes Moreira, o Caetano Veloso, que gravou “Verdura”. O lance é você acre-ditar no ofício e ir em frente.

E o contexto político brasileiro da época?M: Pois é, tudo o que você quisesse fazer, tinha que passar primeiro

pela censura. Eu tenho até hoje os certificados da censura. Atravancava de um lado, mas não é por isso que você não vai fazer as coisas. Todos nós arrumamos um jeito de fazer. Era um pouco mais demorado, mais burocrático, mas se conseguia. Eu fazia teatro político na época. Isso existia em todo lugar: no Rio de Janeiro, em São Paulo, Porto Alegre, e aqui também. Eu fazia teatro e tocava na noite.

Então, veio o “Curitiba, cidade da gente”?M: Em 1981, nós tivemos uma peça, “Ó Curitiba, nossa tribo, salve

salve”, feita para inaugurar o Teatro de Bolso. O Vítola havia feito o “Ci-dade sem Porta”, e várias músicas não haviam sido gravadas. Fizemos essa peça, com muitas músicas novas e interessantes sobre a história da cidade. Fizemos o projeto, levamos na Fundação Cultural. Aí aparece quem? Estava chegando em Curitiba o maestro Lindolfo Gomes Gaya. Eu já havia estado com ele, produzindo o show “Andanças”. O Gaya me ligou: “Tô indo praí, vê se você me arruma alguma coisa”. Eu falei: “Tô começando a gravar”. Ele foi comigo ao estúdio, ajudou à beça no disco, foi uma experiência fantástica. Fez, de cabo a rabo, “Choro de Rua” e o samba “Ford Bigode”. Falamos com seu Salvador [Graziano, da dupla Nhô Belarmino e Nhá Gabriela] para que gravasse “As mocinhas da cidade”. “Cidade da Gente” deu um resultado legal. Gravamos num padrão técnico melhor, com cordas de verdade, o Gaya regendo a or-questra.

Você continuou tocando na noite?M: Noite não, aí a gente fazia Paiol, Reitoria. Com o Paulo Botas

eu fiz muito show, porque o Paulo era de palco mesmo. Ele tinha uma ligação com a Escola de Comunicação e Artes da USP. A gente fazia shows políticos. Ele cantava bem pacas, eu tocava viola. Era ótimo to-car, porque ele tinha uma empatia fantástica. Ele costumava cantar com Milton Nascimento, fazia show com [Paulo] Belinati na Europa. Paulo é uma figura.

Dá para pensar nos anos 80, em uma imagem de Curitiba para a qual vocês contribuíram bastante, concorda?

M: Sim. Além disso, tanto o Vítola quanto eu participamos de cam-panhas [publicitárias]. Eu fiz o jingle “Lixo que não é lixo”. [Todos can-tarolam: “lixo que não é lixo...”]. Algo de que eu adorei ter participado.

Claro, é uma música que é conhecida no mundo inteiro, né?

M: Fizemos o jingle do “É com esse que eu vou”, quando surgiu o ônibus vermelho [refere-se ao expresso, inaugurado em 1975]. O Vítola pegou a música do Pedro Caetano. O Jaime Lerner, enquanto prefeito, levava essas trilhas para qualquer viagem que ele fazia.A mulher de um amigo meu, que é carioca, me disse: “Vi um tape teu no Japão”. O músi-co tem dessas coisas, né? A gente não vai, mas as músicas da gente sim. [risos].

O Athon [Gallera, músico, filho do entrevistado] nos contou que você teve um namoro com o choro?

M: Se eu pudesse, faria um disco só de choro, mas é que tem outras coisas que envolvem a minha formação. A bossa-nova foi o lance que me norteou, assim como a música regional. Eu tinha muito acesso a cinema. Morei em cima de um cinema e quinta-feira, passavam três filmes. Eu entrava no cinema às 7 horas da manhã e saía às 11. Vi todos aqueles números musicais que havia nos filmes brasileiros. Trio Irakitan era legal. O Radamés sempre puxou para essa coisa do choro, Brasil, popular-eru-dito. Depois, um sobrinho dele [Roberto Gnatalli] me deu muito material. Eu tenho um material do Radamés fantástico.

Fora a música brasileira, o que mais que rolava?M: Sempre gostei muito de musical americano. Gershwin, Richard

Rodgers. “My fair lady”, “Porgy and Bess”. A ópera sempre morou comi-go por causa da minha mãe, que cantava ópera italiana. Quando eu ouvi a opereta americana, fiquei fascinado, realmente.

Você tá aqui, nesta foto, com o Vítola, no Passeio Público, tomando

uma cerveja Original...M: Deixa eu te contar a história dessa cerveja Original. Eu ia todo

sábado para Ponta Grossa. Aí, eu fui lá na fábrica [da cervejaria Adriática, demolida em 1996] e o cara me falou que ia me arrumar dois engradados de Original. Acho que foi o Zé Chemin [poeta e ecologista ponta-gros-sense] que me apresentou o cara: “Então, semana que vem, o senhor traz os dois engradados que eu arrumo a cerveja” [risos]. Quando eu coloquei os engradados no carro, fui num telefone público, liguei pro Vítola e falei: “Tô com dois engradados de Original aqui”, e ele: “Então, já vou por a carne para assar, venha direto para minha casa” [risos]. Passamos dois dias tomando os engradados. Aí o Vítola falou assim: “Cerveja é Original, o resto é cópia”. Havia garrafa de Original espalhada em tudo quanto é canto. Estava próximo de fazer as fotos do disco, ele disse: “Temos que guardar uma para tirar a foto, tem que ser com Original, o resto é cópia” [gargalhadas].

Coisa irônica, hoje a Original é que é uma cópia...M: Era uma cerveja forte pacas.

E sobre a produção cultural em Ponta Grossa?M: Eu conheço o que o Athon faz. Eu sei que o Waltel Branco ficou

lá um tempo. Eu gostava muito daquela banda que tem lá.Athon: A Lyra dos Campos.M: Eu gostava muito. Acho legal a cidade ter banda. A primeira vez

que eu ouvi uma música minha assim, arrumada, uma marchinha, ouvi tocada pela banda do 13.º Batalhão da Polícia de Araraquara. Foi ótimo.

O Leminski era uma pessoa que estava em todas, não?M: Me lembro muito bem do Leminski: isso é aqui é pro Ivo [Ro-

drigues, vocalista das bandas “A Chave” e “Blindagem”], isso aqui é pro Marinho... O Blindagem gravou um monte de coisas boas dele, tudo rock pesado, com palavras apropriadas. Comigo ele fazia música doce, MPB. Ele conhecia a gente. O Leminski escrevia mesmo, o tempo todo ele bolava poesia. Tinha uma vastidão de criatividade. Para dar vasão a toda essa quantidade de textos, ele precisava de muita gente. A Estrela [Ruiz Leminski, filha do poeta] me disse: “O pai não ficou com tantos parceiros assim. Talvez seja você quem tenha o maior número de músicas com ele”.

“Hoje vamos ver como é fácil fazer um jornal de interior...” (Ana Maria Braga)

“Será que esse projeto vai decolar?” (Santos Dummont)

“As bênçãos chegam uma de cada vez, a desgraça vem em grupo” (Bruce Lee)

“A cada texto uma dúvida: um defunto-autor ou um autor-defunto?” (Brás Cubas)

“Há algumas gordurinhas, mas nada de desastroso” (Ivo Pitanguy)

“Leitura que desejo a todas as crianças” (Herodes)

“Ou o problema está na vela ou no pistão, amigo” (mecânico)

“Esse grupo é muito fechado” (João Havelange)

REPERCUSSÃO NEGATIVA DO GRIMPA

Destacamos também os textos de

Fabielle de Almeida [viaja-se com livros, um dos companheiros é Gulliver]Amazonas Mendes Filho [a lembrança de uma viagem comemorativa por novos tempos]Willian Vanderlei Meira [texto sóbrio, bem pontuado e organizado]Karen Andressa Soares [dinâmico, envolvente e divertido]

“(...) Só que num determi-nado momento dessa viagem, eu percebi que tudo isso havia sido um sonho, que aquele mundo de paz havia acabado e a roda gigante das crianças havia parado.

Voltei para o meu mundo onde todos trabalham em bus-ca do que poucos conseguem.

Enfim, foi uma viagem que chegou ao fim”

Taysa Cristiane da Silva

“Na verdade não gosto mui-to de falar sobre minha última viagem, então vou falar sobre uma possível grande viagem que possa vir acontecer.

Ela seria para a cidade do Cabo, no México. Gostaria de ir com os meus amigos para lá e passar um mês hospedado em um hotel a beira mar, fazer festa todas as noites, sair para danceterias, fazer muita ba-gunça, conhecer pessoas no-vas (...)”

Cleverson dos Santos

“Lá [em Rondônia] as pes-soas cobram muito caro pela comida e por outras coisas. Por exemplo, um bujão de gás era R$ 50,00. E existiam muitos animais ameaçados, como arara-azul e tamanduá-bandeira mortos na beira da estrada, chegava dar dó”

Hariane dos Santos

MINHAÚLTIM

A

GRANDE

VIAGEM

Estes textos foram sele-cionados entre dezenas. Essa quantidade só foi possível alca-nçar pelo trabalho junto a tur-mas de ensino médio do colégio Regente Feijó, durante aulas de português ministradas pela pro-fessora Márcia Sielski:

A ganhadora do livro “Pé na estrada” (Jack Kerouac) é Taysa Cristiane da Silva. Consideramos que seu texto reúne originalidade, boa redação e força discursiva. Cumprimentamos a autora. A ela e aos ou-tros participantes, nossos votos por continuarmos na grande aventura da escrita e da leitura!

A Hevely Villalba Santos, nossa gratidão por nos confiar textos tão bem guardados.

Confira nosso novo concurso, a promoção “Olho no lance”.

ALGUMAS IMAGENS DAS VIAGENS

“Eu estava ansioso pois nunca tinha visto o mar, somente pela TV, mas não é a mes-ma coisa”

Dudeson Alex

“Pedi para minha avó fazer sonhos, bo-los e o que não pode faltar, aquele pão quentinho saindo do forno”

Juliana Castro

“Estávamos sem sorte nesses dias, porque todos tinham levado só roupa de calor, e nos quatro dias que ficamos lá só choveu e fez frio...”

Michelle de Moura

“Nós perdemos logo de início para uns japonei-zinhos de Londrina, eles jogavam muito e tinham um treinamento e uma estrutura bem melhor que Ponta Grossa, mas a viagem compensou nossa derrota, ficamos quase uma semana em Toledo”Thiago Neves

RESPOSTAS da cruzadinha # 04VERTICAIS1. ADIN / 2. Gengibirra / 3. Rebuscada / 4. Anus / 5. Maçaroca / 6. Incauto / 7. Put / 8. Halo / 9. Vira / 10. Rococó.HORIZONTAISA. ISEB / B. PGS / C. Mica / D. Fidusca / E. Graspa / F. Caraguatá / G. Gen / H. Nua / I. Banto / J. R / K. Rei / L. Cancha / M. Azul / N. Roto / O. Hino / P. Burro / Q. Pi / R. Vão / S. RP / T. MC.

“O universo não passa de uma idéia passageira de Deus – o que é um pensamento duplamente desagradável se você tiver

acabado de pagar a entrada de sua casa própria” (Woody Allen)

“Consciência tranqüila é sinal de falta de memória” (Fausto Wolff)

“Com a bossa de qualquer bom brasileiro, possuo um sangue quente de um artista, sou milionário, incenso de humorista,

mas juro que estou duro e sem dinheiro” (Juca Chaves)FR

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Essa edição agradece a contribuição dos amigosMárcia Sielski, Osmar Demeneck Jr., Rafael Wanke e Jorge Cunha

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GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006 GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006

Vocês eram muito amigos, né?M: Éramos bem amigos. A Áurea [Ruiz Leminski, filha do

poeta] tem a idade do Athon. Eles conviveram, a gente ia no ani-versário de um, eles vinham no de outro. Tanto que quando eu fiz esse projeto [refere-se ao CD “Fazia Poesia”], a Alice [Ruiz], a Estrela e a Áurea assinaram junto. Como é que um cara vai fazer um projeto com as músicas do Leminski? A família tem que es-tar na jogada. Foi um projeto aprovado de ponta a ponta. Existe um vídeo também. O projeto “Fazia Poesia” é o tape e o disco. Isso aqui [refere-se à capa do cd] é o cenário que foi refeito, os livros são os mesmos. A Áurea tinha todos os livros.

Ele sempre quis gravar um disco, não é? É a memória dele neste CD.

M: É o registro, mesmo, das músicas que foram feitas com ele, que não foram gravadas. Eu fiz questão de fazer. “Flor de cheiro”, “Quem faz amor faz barulho”, “Live with me”– ele musicou um poema do Shakespeare baseado no “Yellow Sub-marine”...

Ele era beatlemaníaco, né?M: Beatlemaníaco.

Ainda bem...M: “Caixa furada” é um samba. Ele nem tocava esse samba,

ele batucava. [Cantarola e batuca na mesa] “A caixa furada que me deste ...” Eu peguei essa música, botei na partitura, escrevi os arranjos, deixei tudo bonitinho.

Como era o processo de criação entre vocês dois?M: O Leminski vinha com os textos para mim: “Essa é para

você”. Aí eu falava, “Paulo, você tem que ver como é que tá”. Ele falava: “Tá bom, veja aí”. “Fazia poesia”, tem um verso que fala “cada tábua que caía doía no coração”. Ele falou assim: “Não esqueça do Adoniran, hein?” [risos]. Mas o “Fazia poesia” é o seguinte: em 1985, um grupo de estudantes universitários queria fazer um jogral. Esse pessoal ficou de fazer um espetá-culo só com poemas do Leminski. Eles o convidaram para par-ticipar. E o Leminski falou assim: “Se vocês convidarem o Mário, eu vou. Ele toca, eu canto, porque eu não vou só declamar poemas. Eu quero ir para cantar”. Ele gostava de cantar, e disse para mim: “Você tem que ir, porque eu só sei tocar umas cinco músicas no violão. Você vai, toca as da gente e acompanha as outras”. Ensaiamos e fizemos o “Polonaises”, em vários lugares. O show foi muito louco, repercutiu legal. Quando o Leminski morreu, fizeram o “Perhappiness” lá na Pedreira. Veio gente como o Itamar [Assumpção], o Moraes [Moreira], o Jorge Maut-ner. Reuniram os daqui também. Na seqüência, foi feito uma coisa mais elaborada, a Alice estava morando aqui ainda, e a gente queria tocar as músicas do Leminski. Ela participou da feitura do negócio, ajudou a escolher os poemas, aprovou. E daí tomou forma o projeto, eu como co-autor de certas canções e elas como herdeiras. Saiu o vídeo, só com poemas do Leminski e algumas canções do disco. Mas não é comercializado.

Todo mundo que é paranaense tem Leminski como refer-ência, hoje.

M: Leminski era maldito, cara. Era execrado no começo. O homem não era brincadeira. O pessoal institucional, como você fala, tentava achar defeito no cara. Porque as coisas são assim, né? Tem sempre gente tentando puxar o tapete. Mas ele era fogo, sabia de tudo. Não era um aventureiro. O Paulo teve mui-tos problemas familiares por ser do jeito dele, mas deixou uma herança que ainda está para ser descoberta completamente. A obra dele é muito forte. Eu fico muito contente por poder par-ticipar disso.

Uma coisa interessante é que você, Mário, é um paulista que vem para Curitiba e ajuda a construir uma identidade para capital do Paraná.

M: É que eu cheguei num momento em que as coisas es-tavam acontecendo. O [Paulo] Vítola, o [Paulo] Leminski e o Lápis são curitibanos. Mas o Solda é de Itararé e o [Paulo César] Botas são de Jacarezinho. Voltando ao “Fazia Poesia”. O Athon tocou também no disco. Vamos ver se no novo disco, ele traba-lha mais. Já estou fazendo preparação de estúdio, com os músi-cos, as músicas estão prontas, repertório escolhido. Chama-se “Velhos Amigos”. É um projeto que trata de toda a obra do Paulo Vítola, são dois cds e um livro. No livro, vai tudo o que ele produziu para jornal, prosa, verso, letras de músicas, resenhas. Então, isso é para fechar todo um ciclo que vem desde “Cidade

sem porta”, “Cidade da Gente”, “Velhos Amigos”. Fecha-se o ciclo da cidade. Aí, a gente vai partir para outros projetos que não têm mais a ver com essa temática.

É possível ver a formação da identidade curitibana muito ligada com o que vocês fizeram. Nos anos 70 e 80, falava-se de Curitiba como uma cidade ecológica, funcional, onde existem modelos de urbanização. Fala-se hoje da “Curitiba tecnológica”. Como você vê isso?

M: O trabalho que eu e Vítola estamos fazendo está rolando na música convencional. Não tenho compromisso com o novo, quero fazer música comum. Veja, nesse disco [“Velhos Amigos”] em nenhum momento se fala na palavra Curitiba. Só na última faixa é que se cita o nome Curitiba, uma única vez. O Vítola fez coisas de um formalismo que não cita a palavra, ele cita fatos, acontecimentos e situações do dia-a-dia. Mas eu vou fazer o quê, tecnologicamente? Eu entendo Curitiba do meu jeito. Os estúdios são equipados com tecnologia de ponta para gravar. Mas eu não vou fazer pirotecnia. Nós estamos numa fase em que a gente quer as coisas organizadas, a música instrumental muito bem tocada, com bons músicos. Eu quero fazer esse tipo de coisa: utilizar essa tecnologia e pegar o que tem de mais tradi-cional e deixar com a cara mais limpa possível. Veja a música do Tom Jobim, Ary Barroso, Chico Buarque: uma música limpa.

E o Tom Zé?M: Ah, o Tom Zé é outro caso. Sou fã do Tom Zé, mas eu

não conseguiria fazer nada parecido com o que ele faz, a não ser de brincadeira. Gênios existem. Eu não estou nessa turma. Quero fazer as coisas no padrão da música brasileira. Eu adoro música instrumental. Tanto é que grande parte do “Velhos Ami-gos” saiu do instrumental. Eu ainda vou conseguir fazer um tra-balho inteiro instrumental.

Voltando mais uma vez: você falou da sua família, sua mãe cantava, e seu pai era músico também?

M: Meu pai era farmacêutico. Por toda a juventude, minha mãe cantou em corais. Hoje ela está com 80 anos. Em Ara-raquara sempre teve ótimos corais. Eu acompanhava minha mãe em todos os ensaios. Ela cantava na igreja, também, mas lá eu não ia, a música sacra não me encantava. Sentava ao lado da pianista nos ensaios. Fui atrás dessas coisas. Cantava em serena-tas, com meu violão. Eu ouvia Dorival Caymmi. Francisco Alves, Orlando Silva. Mas Caymmi é quem eu ouvia mais. E as coisas do cinema americano.

Como é que você espera que as pessoas vejam sua obra, hoje e no futuro?

M: Eu espero que as pessoas simplesmente gostem e ouçam. Quando eu gravo canções, eu dou muita ênfase à palavra, a pa-lavra é o principal. O Gaya sempre dizia uma coisa: a arte não deve agredir, a arte é mais do coração que da razão. Eu encaro a música como ofício. Como um sapateiro, um costureiro: tem que fazer bem feito. Tem que estudar, mesmo, com professo-res. Eu tive um embalo quando eu conheci o Gaya. Eles [Gaya e sua esposa] não tinham filhos, eles quase me adotaram. O grande lance que o Gaya fez para mim foi a amizade que ele me deu. Me punha ao lado do piano, me deu um caderno de choros. Ele dizia: “Treine isso, treine a leitura”. Eu falei para ele que quando eu fizesse 60 anos eu ia começar a fazer arranjo. Eu estou com 57 e já consegui alguma coisinha. O princípio é estudar. Depois, se relacionar com os outros músicos, sem hierarquia, sem querer ser mais do que ninguém, porque todo mundo tem algo para passar pro outro. Não sentar em cima de informação. Estudar e trocar idéia é fundamental. Há lugar para todo mundo. Vinicius falava, né? “Vai ouvir Pixinguinha que vai grudar no seu ouvido”.

Vinicius inaugurou o Paiol, né?M: Tem uma boa com o Vinicius, que é o seguinte: ele e To-

quinho foram no Batuque, que era o barzinho onde eu tocava. Foi aquela festa. Aí o eu deixei o Toquinho no hotel, e ele me falou: “Olha, você vai continuar, toma cuidado, que o velho é barra pesada. Já que você vai ficar com ele, eu vou dormir”. E eu falei, “deixa comigo”. Aí, seis horas da manhã, saímos de um lugar, já tínhamos tomado uns dois litros de uísque. Ele pegou os óculos escuros, pôs na cara, virou para mim e falou:

PARA ONDE É QUE NÓS VAMOS AGORA?

[risos]

A trajetória fonográfica de Marinho Gallera começa com o álbum “MAPA” [Movimento de Atuação Paiol], lançado em 1976. O disco, produzido por Roberto Nascimento, foi uma iniciativa da Fundação Cultural de Curitiba para divulgar a cena musical curitibana no restante do país. Este álbum foi uma produção coletiva que contou com a participação de Mário, Paulo Vítola, Paulo César Botas, Paulo Leminski, Sérgio Maluf, Celso Loch, entre outros. A música “ Receita”, de Mário e Vítola, fez parte da trilha sonora da novela “O Espantalho”, da Rede Globo, em 1977.

“ONZE CANTOS” foi uma produção realizada com o objetivo de ser distribuída aos clientes da agência “Múltipla Pro-paganda”, onde trabalhavam Marinho, Vítola e Leminski. Lan-çado em 1979, além de músicas novas, recebeu a gravação de algumas canções da peça “ Curitiba Velha de Guerra”, produzida por Vítola e Mário Gallera.

“CURITIBA, CIDADE DA GENTE” foi Lançado em 1982. O LP duplo possui 24 canções cuja temática central é a história de Curitiba: a floresta de araucárias povoada por povos indí-genas, a cidadezinha com inúmeros engenhos de erva-mate, a belle époque curitibana, que recebe a visita do zeppelin e já tem no cinema sua principal diversão. Também estão presentes, neste trabalho que marcou os anos 80, referências ao circo da família Queirolo, ao Passeio Público, aos automóveis Ford e à miscigenação que deu origem às “polaquinhas pixaim”. Músi-cas como “ Ford Bigode”, “Chucrute, abacaxi e vinavuste”, além da clássica “Mocinhas da Cidade”, numa gravação de Nhô Be-larmino e Nhá Gabriela feita especialmente para o disco, são conhecidas e cantadas até hoje nos círculos musicais da capital do Paraná e também tocam nas rádios FM’s com programação alternativa.

O álbum “A PAIXÃO SEGUNDO CRISTINO”, com Paulo César Botas, é a única gravação desta obra de Geraldo Vandré. Virou show em 1984, percorrendo os bairros de Curitiba durante a Semana Santa. “Eu comecei a fazer lá em São Paulo, com o Paulo, aí nós retomamos e eu pensei que dava pra fazer um negócio maior. Eu e o Gaya escrevemos (os arranjos). A gente fez em todos os bairros de Curitiba, fomos no Guairão e tudo, mas o legal era nos bairros”. O disco possui uma temática política, já que as músicas eram representadas pelos frades dominicanos do mosteiro de São Bento, em São Paulo, nos anos 70, junto com Vandré e o Trio Maranhão, como resistência à ditadura militar. Depois, Paulo Botas – que é dominicano – chamou Mário pra continuarem a fazer o trabalho, e o disco se tornou um espetá-culo de grande sucesso.

O CD “FAZIA POESIA”, de 2004, traz a gravação de canções criadas pelo poeta Paulo Leminski e seu principal par-ceiro musical. O disco conta com a produção de Mário e Álvaro Ramos, além das participações de Alice Ruiz, Áurea e Estrela Le-minski, Eduardo Spiller, Paulo César Botas, Paulo Vítola, Athon Namur Gallera, Sérgio Albach, Mário Conde, entre outros. Paulo Leminski sempre flertou com a música popular – escreveu músi-cas em parceria com Itamar Assumpção, Morais Moreira, Waly Salomão e foi gravado por Caetano Veloso e Guilherme Arantes, além do conjunto de rock Blindagem. Um de seus sonhos era a gravação de um disco com suas canções. A morte prematura do poeta, em 1989, deixou a cargo de seus amigos e família a realização deste sonho, que mostra a grande criatividade do poeta paranaense, não restrita apenas ao plano da literatura. A sensação que se tem ao ouvir é a de que o poeta está presente em espírito e na força das palavras e das melodias. Para 2006, está previsto o lançamento de “Velhos Amigos”, que retoma a parceria entre Mário e Vítola, e vai, segundo Mário, “ fechar o ciclo da cidade, para que então possamos voltar nosso trabalho para outras temática

OS DISCOS DE MARINHO GALLERA

André Rosa

TIRAS

HOMEM-BUNDA - Sádico

TOPE

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sentado nos bancos do Ponto Azul, saberiam o mesmo que eu sei._Você quer ir, Artur? – perguntou Robson – A gente sai daqui na sexta-

feira à tarde, e voltamos no domingo de noitinha. Levamos algumas barracas, material de pesca, sanduíches, e pronto!

_Bem, eu não sou muito fã de pescaria. Mas gosto de acampamento. Beleza... Conte comigo!

_Não faz isso! – exclamou Mário – Você vai passar a noite no meio do mato e a noiva vai pegar você.

_Que noiva? – perguntei._É o fantasma de uma noiva. – explicou Robson – De acordo com Mário,

há vários anos um casamento deveria ter ocorrido na beira do Alagados. Mas devido a um acidente, a coitada morreu antes da cerimônia, quando já vestia véu e grinalda.

_É isso mesmo! – disse Mário – e agora o fantasma da noiva continua vagando pela mata em torno da represa. Algumas pessoas já a viram flutuar sobre a água. Ela tenta afogar os homens, ou arranhar o rosto dos que passam por lá à noite.

_Ora, por favor... Isso é ridículo!_Pois é. Eu falei pra ele. – comentou Robson. – Só que Mário garante

que um amigo dele, soldado, falou que a história é verdadeira. O cara disse que participou de um treinamento militar noturno, à beira do Alagados. E no meio da noite foi atacado pelo tal fantasma. Diz o Mário que o Exército deu até licença de alguns dias para que o soldado se recupere do susto.

_Ridículo, Mário._Foi o que eu disse pra ele. Tá vendo, Mário. O Artur aqui não é covarde

que nem você!_Pois é. – disse Mário, cabisbaixo._Mas diz aí, Mário, quando seu amigo volta pro quartel? – perguntei,

rindo._Não sei. Pergunta pra ele... Ô, Ferreira!! – gritou, em direção ao bal-

cão. Um rapaz se virou para nós e então pude ver os quatro grandes

arranhões que tornavam ainda mais macabro seu rosto abatido. Enquanto o rapaz caminhava num ritmo militar em direção à nossa mesa, só me ocorreu cochichar uma pergunta ao Robson:

_Por que não acampamos no Rio Tibagi, que é mais perto, hein?

Alagados

Artur Pena

CONTA OUTRA

Anoivado

HUMORHUMOR

Foi em outra tarde abafada que encontrei Mário e Robson esvaziando uma garrafa de cerveja no bar onde já é costume travarmos breves ou longos diálogos. Mas dessa vez eles discutiam antes mesmo de minha chegada.

_Mário, você tá louco? Isso é tudo boato! – disse Robson, indignado._Não, não e não! Já disse que não vou... Com esse tipo de coisa não se

brinca. – disse Mário._Oi, Pessoal... – falei – O que tá acontecendo aqui? Vocês estão na

primeira garrafa e já brigam desse jeito?_É o Mário! – falou Robson – O cara é muito medroso... Imagine que eu

o convidei para uma pescaria lá na represa do Alagados. Mas ele não quer ir, só porque ouviu uma história sobre fantasma...

_Ai, não... – eu disse – outra! De onde você tira tanta criatividade, Mário?

_Não invento nada. Se vocês conversassem com esse pessoal que fica

NÃOACREDITEEMTUDOOQUEVOCÊLÊESPECIALMENTESEESTIVERDEPONTA-CABEÇA

Ilustração extraída de: www.hum.utu.fi/ naistutkimus/links.html Mat

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O virtual município de Riomafra sintetiza as relações de aproximação e dependência entre Paraná e Santa Catarina

Comouma ponte

sobreáguas turbulentas...

Caroline Passos

Fotos: João Carlos Freitas e Caroline Passos

Praça Barão do Rio Branco, meados da década de 1930. Quando a radiodifusão era implantada no Brasil e não havia chegado a Ponta Grossa, as pessoas saiam de suas casas nos finais de semana em direção à Concha Acústica para assistir ao show de calouros da Rede de Alto Falantes Campos Gerais (RAF, que passa a receber esse nome somente mais tarde). O que muitas pessoas vêem hoje na televisão já era feito por Carlos Affonso Buch e seus discípulos, claro, com a magia que não existe em nossos lares ao ligar a TV. A população ficava ansiosa para saber qual dupla sertaneja iria se apresentar naquele dia ou se aquele conjunto de seresteiros muito conhecido na cidade daria o ar da graça com suas melodias. Vez ou outra, os artistas do Rio de Janeiro ou São Paulo, famosos nas emissoras pioneiras no radialismo, como a Rádio Nacional ou a Tupi, ambas fluminenses, compareciam à praça, dando oportunidade aos seus fãs de os conhecerem de perto. Nessas oportunidades, como contam vários radialistas que trabalharam na RAF, a reação dos indivíduos era imediata ao se depararem com a imagem de seus ídolos. Algumas vezes espanto, outras admiração ou então orgulho, quando a imaginação se aproximava da realidade: “Era assim mesmo que eu o pensava!”.

Mas não era só o entretenimento e as manifestações da cultura local que ganhavam as ruas da cidade pelo sistema de som. Notícias, informações e recados também eram anunciados àqueles que transitavam pela área central, em direção ao trabalho, ao comércio, no retorno ao lar ou simplesmente passeavam pela Praça Barão do Rio Branco, a observar a fonte luminosa que ali existia, traços de uma urbanidade em expansão em Ponta Grossa. Era ali onde ficava o estúdio da RAF. Em mais de três décadas de existência e de serviços prestados à comunidade, Carlos Buch, considerado o mestre dos veteranos do rádio ponta-grossense, viu muita coisa acontecer - de ditaduras a conflitos mundiais. Mas, no auge de seus oitenta anos, recorda com emoção de um fato em especial: a chegada do homem à Lua. “Na madrugada daquele dia, ficaram de plantão um locutor e um sonoplasta durante toda a noite”, lembra ele.

Em 1947, de colaborador da RAF, Carlos Buch passou a proprietário. Antes, Dibaldo Samuel Squinazi era o dono do sistema de som. A partir daí, a abrangência da rede aumentou. Em 1949, as cornetas antes restritas às proximidades da Concha Acústica e do Ponto Azul, o “terminal” de transporte coletivo da época, se espalharam pela Avenida Vicente Machado, Pra-ça Barão do Guaraúna e Praça João Pessoa, onde fica atualmente a Estação da Saudade. Alguns falam em 12 pontos do espaço urbano onde as cornetas eram fixadas, outros falam em 16. “Os ventos levavam o som para outros bairros, como o Olarias, Oficinas”, destaca Aldo Mikaelli, que iniciou carreira na rede e atua há mais de 40 anos no rádio. Ele produzia e apresentava, aos domingos, às 20h, junto com o ex-radialista Valdir Becher, o programa Rosas de Tango, que chegou a ser implantado depois em outra emissora, a Rádio Sant’Ana, quarta a ser instalada na cidade, em 10 de maio de 1962. O público que saía de casa para ouvi-lo era bem específico: os amantes do ritmo que fez sucesso na Argentina. Porém, com o tempo, a audiência ganhou novos adeptos a partir do momento que se incluiu o bolero e outros ritmos, mas sem perder o tango de foco. Não havia uma mera reprodução de canções, mas também eram contadas a história e algumas curiosidades sobre canções e cantores. “À medida que se anunciava uma música, a gente também contava a história do autor, da música ou cantor. O ouvinte tinha in-

teresse em conhecer. Eu mesmo sempre achava que o tango era argentino e, na verdade, ele é africano. Seu nome vem de tanganu e eu nunca vou esquecer deste detalhe”, lembra Becher.

Os ícones do rádio, que vieram a fazer sucesso na Rádio Clube Pontagrossense, a PRJ 2, primeira do município e no interior do Paraná, na Rádio Central, na Difusora ou na Sant’Ana, passaram primeiro pelo aprendizado de Carlos Buch, que constituiu na RAF uma escola de locutores. “Garotos ainda me procuravam para falar no Serviço de Alto Falantes, encontrando ali a motivação maior para abraçar a carreira”, destaca Buch. A voz caracterizava cada um deles. “O Nilson de Oliveira tinha voz fina e medo de microfones, o Osires Nadal só queria fazer es-porte, mas achava que tinha voz feia, o Nei Costa possuía uma bela voz, mas era muito magro e as pessoas não acreditavam que era dono de voz tão forte e bonita”, recorda o vovô do rádio.

O esporte era muito divulgado. “Além de despertarmos a atenção dos jovens pelo rádio, nós realizamos transmissões de futebol e basquete, como Ponta Grossa x Universidad Católica do Chile. Nos grandes eventos, como a Copa de 1950, apresentávamos programas especiais e retransmitíamos os jogos do Brasil. Em 1958, passávamos todos os jogos da Copa e apresentáva-mos o programa Ki-Bom na Copa do Mundo. Em âmbito local, o clássico “Opeguá” (Operário X Guarany) animava os torcedores e trazia à tona toda a rivalidade presente entre eles. “Quando o Operário ganhava, os torcedores do Guarany não apareciam na Rua XV de Novembro. A moçada do Operário desfilava na segunda-feira. Quando o Guarany ganhava o Opeguá, não se via operariano nas ruas. Todo o pessoal do Guarany aparecia de camisa”, relata o radialista Milton Araújo Xavier, um dos mais antigos em atividade, com cerca de 50 anos de carreira. O placar esportivo era feito com muita simplicidade: todos os resultados eram anotados num quadro-negro, anunciados nos microfones e exibidos às pessoas que iam no estúdio ou na praça conferir. Assim era feita a resenha esportiva.

A RAF era o meio mais acessível de informação e cultura a uma população de aproxi-madamente 43 mil habitantes na década de 1950, de acordo com dados do IBGE. Esse público era, em sua maioria, pobre e analfabeto. Somente uma minoria poderia obter acesso às publi-cações impressas ou mesmo possuir poder aquisitivo para comprar um receptor de rádio para ouvir as emissoras nacionais ou locais. Dados do censo de 1940 indicam que menos de 10% dos domicílios do país tinham aparelho radiofônico. Essa realidade só começa a mudar a partir do término da Segunda Guerra Mundial, quando o desenvolvimento industrial passa a tornar o acesso ao rádio, aos poucos, generalizado. Enquanto isso, Carlos Buch ensinava aos iniciantes no mundo do rádio como transmitir a informação de forma clara, para que todas as classes sociais pudessem compreendê-la. As fontes eram o meio impresso, as rádios ou até mesmo pessoas bem informadas na cidade. É por causa dessa circulação da informação que a Rede de Alto-Falantes Campos Gerais era considerada um serviço de utilidade pública, além de ter sido a vanguarda do rádio em Ponta Grossa e região.

João Quaquio é jornalista, autor do vídeo-documentário “Memórias do Rádio”.

Memórias de uma época em que as notícias e o lazer circulavam na praça ou logo ali na esquina

João Quaquio

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À noite, a feira de artesanato. Todas as semanas os moradores comem maçã-do-amor, espetinho, bebem quentão e refrigerante na praça. As crianças correm e brincam, os cachor-ros sem dono as seguem em busca de um carinho por mais breve que seja. Os senhores encontram-se no mesmo local, em volta da estátua, para comer e lembrar “daquele tempo bom que não volta mais” ou para falar da situação política estampada nos jornais. As mu-lheres vendem artesanato, cuidam dos filhos e conversam sobre tudo um pouco. Embora já na primavera, o frio insistente ainda torna os cachecóis de lã objeto de grande procura... A cena é comum em filmes e novelas. As cidades pequenas sempre são representadas pela tranqüilidade e intimidade entre os habitantes. Mas a imagem descrita não é de um roteiro de ficção, é apenas o cotidiano da Feira da Lua realizada na praça João Pessoa, no centro de Rio Negro, fim (ou início?) do Paraná.

Embora seja uma cidade pequena, Rio Negro não é como uma qualquer. A divisa entre este estado e Santa Catarina marca a história e a cultura dos moradores daqui. A avenida XV de Novembro, comum em tantos outros lugares, mostra nos prédios que a cidade lembra bem de suas origens. Os edifícios contemporâneos que hoje abrigam lojas de calçados e roupas dividem espaço com a arquitetura com fachada ornamentada do início do século passado. No antigo cinema, hoje uma pizzaria, pouca gente percebe os traços modernistas inspirados na art decó sob a tinta cinzenta. Mesmo assim, a estrutura ainda sobrevive, enquanto outras casas, como a da antiga pensão em frente à Igreja Luterana, são demolidas.

Apresentada assim, Rio Negro poderia ser confundida como qualquer outra cidade do mesmo porte. Mas a impressão permanece enquanto a descrição limita-se à sua aparên-cia. A história do município tem muito que contar. Aqui apenas três pontes separam Paraná de Santa Catarina. Num passo, muda-se de um estado para outro e é exatamente isso que fascina os visitantes.

O município de Mafra – a cidade irmã, foi criado em 1917, após a Guerra do Con-testado. As lutas armadas sequer chegaram até aqui e acredito que na época talvez pouca gente soubesse que havia um conflito por território. Antes disso, tudo era Rio Negro. A cen-tenária ponte férrea Dr. Diniz Assis Henning, ou Ponte Velha, como chamam os habitantes, já unia as margens do rio de águas escuras que deu nome à cidade.

A região foi civilizada pelos tropeiros que seguiam do Rio Grande do Sul até São Paulo seguindo o rio. Aqui abriram a Estrada da Mata no século XVIII e formaram as primeiras colô-nias. Até hoje a cultura trazida pelos homens que conduziam gado permanece viva por aqui. Nos bailes e nos clubes tradicionalistas a música indispensável é a gaúcha, já não muito tradi-cionalista, e os trajes continuam sendo o vestido de prenda para as moças e as bombachas para os rapazes. É como entrar num pedaço do Rio Grande sem tirar os pés do Paraná.

O último passo antes de Santa Catarina preserva cultura e hábitos típicos de pa-ranaenses, “catarinas” e gaúchos. O sotaque é uma mistura dos três estados com o “enes” e “erres” marcados, pronúncia ligeirinha, “nés” no término das frases e “capaz?” para expressar surpresa. Difícil diferenciar dos catarinenses do outro lado das pontes.

A aparência de Rio Negro é o que mais destoa de Mafra. A cidade mais jovem, com 30 mil habitantes a mais (50 mil ao todo), parece ter progredido economicamente, caracter-ística refletida no centro saturado de lojas, bancos, lanchonetes, supermercados e bares. A rua principal, Felipe Schmidt, está sempre movimentada e é o principal local para o comércio com a maioria das antigas fachadas já substituída pela arquitetura impessoal, branca e geo-métrica. Lá muitos rionegrenses ganham a vida. Rio Negro precisa de Mafra, assim como os mafrenses precisam do Paraná. A simbiose se fez necessária para o crescimento de ambas cidades. Distante 310 km de Florianópolis, Mafra sempre teve Curitiba (a 103 km) como uma segunda capital (ou seria primeira?).

Uma das conseqüências da falta de fronteiras é a união de interesses. Afinal, Rioma-fra forma um município com aproximadamente 80 mil habitantes. Os moradores daqui se acostumaram com a divisa e já não vêem diferença entre os lados da ponte, a não ser quanto à administração pública. Atravessam todos os dias as pontes Velha, Nova (Rodrigo Ajace) e dos Peixinhos (na BR 116) para trabalhar, estudar, fazer compras, num vai e vem que já se tornou trivial. Até as notícias dos jornais contemplam os dois lados. As matérias falam de Rio Negro e Mafra como se fossem um único lugar. Falar em Riomafra é costumeiro, aceitável e conveniente para a população. Hoje seria difícil, e até impossível, desmembrá-los. Afinal, quem atravessa os 119m da ponte Nova ou os 110m da Velha nem olha mais para o rio largo e escuro ou para a linha do trem logo abaixo. O cotidiano faz perder a sensibilidade para a mudança de ambientes. Mas a fronteira dá suas lembranças quando o trânsito fica impedido para a passagem do trem em frente à ponte férrea, 10 ou 15 minutos de vida que se perdem antes de ir para outro Estado.

Para chegar ao fim do Paraná, vindo de Ponta Grossa são 155 Km. o viajante passa de Palmeira para Porto Amazonas, atravessa a ponte interditada sobre o rio Iguaçu, chega à Lapa e suas estradas nauseantes construí-das “pra inglês ver”, Campo do Tenente e finalmente Rio Negro. No caminho, as paisagens bucólicas das plantações de soja e milho, como na maioria do Estado. Ao chegar à última cidade do Paraná, o portal de entrada lembra a colonização ucraniana e uma estátua, a alemã - culturas ainda presentes na culinária, fisionomia dos habitantes e arquitetura de algumas casas e prédios. Um dos exemplos é o Seminário Seráfico São Luiz de Tolosa, construído em 1923, local onde funciona atualmente a Prefeitura Mu-nicipal e o Cine Teatro Antônio Cândido do Amaral. Para chegar à Santa Catarina é simples, basta seguir a primeira rua, Saturnino Olinto, na entrada de Rio Negro até a Vi-cente Machado e finalmente, a Ponte Rodrigo Ajace que liga os centros de Riomafra.

A ponte centenária Dr. Diniz Assis Henning guar-da uma lenda: teve que ser alongada com uma estrutura de concreto por ter sido trocada por outra. A ponte maior teria sido levada por engano para a cidade de Rio Negro na África, enquanto a da África teria vindo para o Brasil. Nos anos 1970 foi interditada por não ter estrutura sufi-ciente para agüentar o tráfego. Em 1999 foi reformada e tornou-se ponto turístico. Hoje é um caminho alternativo para chegar em Rio Negro - com mão única, às vezes os motoristas têm que esperar o trem passar para chegar ao Paraná.

OS CAMINHOSque levam

À FRONTEIRA

ENGANOintercontinental

Grimpa é assunto na edição de número 77 da página de cultura Rabisco (www.rabisco.com.br). É interpretado como “uma opção diferenciada para o jornalismo de um Estado que já teve experiências independentes bastante signifi cativas – haja vista os exemplos da revista ‘Joaquim’ (...) e o jornal ‘Nicolau’ (...) – mas que ultimamente anda meio carente de projetos dessa natureza”. Alguns trechos de “Jornalismo sem espinhos”, autoria de Luiz Rebinski Junior:

“(...) Seja em textos que desbravam Ponta Grossa ou em matérias que ultrapassam os limites da cidade, o que interessa [no jornal Grimpa] é dar voz a pessoas que, aparente-mente, não têm muito a dizer.

É justamente aí que reside a grande ‘sacada’ do ‘Grimpa’. Os textos são fruto de mui-ta conversa, de caminhadas longas e bate-papos despretensiosos. Redescobrir lugares esquecidos da cidade e trazer à tona personagens pouco acostumados com os holofotes é um dos objetivos do jornal. Distribuído gratuitamente em diversas cidades no Paraná – principalmente na região dos Campos Gerais, mas também na capital –, o ‘Grimpa’ também conserva um lado on the road , que ajuda a enfatizar o aspecto documental do

periódico. (...)Aliás, os maneirismos, gírias e cacoetes dos habitantes da região também têm seu

lugar nas páginas do ‘Grimpa’. Cada edição do jornal tem um título, todos levando em consideração a tradição oral do local. A iniciativa, segundo os editores, é uma maneira de se aproximar ainda mais do público (...) É um trabalho que requer sensibilidade e percep-ção aguçadas. Em que os detalhes fazem a diferença. Uma travessa abandonada ou um comércio que resiste ao tempo, tudo pode virar uma boa pauta para o ‘Grimpa’.

(...) Ignorando os clichês tão comuns no meio jornalístico, o ‘Grimpa’ surge como uma opção diferenciada para o jornalismo de um Estado que já teve experiências inde-pendentes bastante signifi cativas (...) mas que ultimamente anda meio carente de pro-jetos dessa natureza.

Jornalismo, assim como literatura, se faz com pequenas ações. O ‘Grimpa’, bem como o também paranaense ‘Rascunho’ (jornal literário), é um exemplo de que no cam-po da cultura não adianta apenas lamentar pelos incentivos perdidos, é preciso mais, é preciso atitude e vontade”.

que começaram comprar televisão –eram mais caras que um carro!”. Sobre essas mudanças que o tempo faz sobre nossas percepções e necessidades, cabe uma viagem há quarenta anos para conferir que essa vila “era mais longe” do que é agora. Com comércio, aparelhos de rádio e televisão, veículos de transporte particulares e públicos, as relações socias sofreram uma acelera-ção e as distâncias geográficas parecem menores. Pessoas de out-ros bairros, contemporâneas à década de 60, dizem “como era longe o 31 do centro!”.

CENTRO E BAIRRO [A Redenção e Dona Maroca] O núcleo 31 de Março representa uma nova fase na es-

trutura populacional de Ponta Grossa. Há uma modificação no formato centro-periferia; pela primeira vez uma região periférica apresenta níveis de povoamento equivalentes ao centro da ci-dade. A reportagem não teve acesso a dados demográficos do final da década de sessenta para ilustrar essa afirmação, repeti-da em artigos e monografias de geógrafos locais. O único dado provém da matéria de 31 de Março de 1967 (Diário dos Cam-pos) sobre a solenidade de lançamento do núcleo; daqueles três chefes de família das primeiras casas, dois eram pais de quatro filhos e um era pai de seis.

Dados do Censo de 2000, referentes a 745 domicílios dos 1.000 pertencentes ao 31 de Março, indicam uma média de 3,4 habitantes por residência num total de 2.557 residentes. O que ajuda a entender um pouco o porquê da região ficou conhe-cida como Redenção. Esse era o nome de uma novela passada no período 66-68 cujo personagem mais popular era a fofoqueira Dona Maroca. Como as casas da 31 foram feitas muito próxi-mas umas às outras, algum sarrista espalhou a fama que era uma região propícia ao diz-que-diz-que, pois se um vizinho falava al-guma coisa não era difícil que o outro escutasse. E deu certo, a história entrou para o folclore urbano da cidade. Há quem ainda trate a região por Redenção, não há o que se culpar: essa foi novela mais longa da história da TV brasileira, com 596 capítulos. No entanto, um tratamento corrente para o núcleo é chamá-lo na forma reduzida, no feminino, como em “vou na 31”.

De boca a boca do apelido de um núcleo, passemos ao formalismo que há para uma rua receber um nome. A designa-ção de um logradouro público (avenidas, ruas, praças, alamedas etc) tende a homenagear pessoas, riquezas naturais, geografia e história de uma cidade. Em se tratando de pessoas, seus nomes só podem ser dados quando falecidas. Segundo a historiadora Elisabeth Johansen, a lógica da nomenclatura de logradouros em Ponta Grossa privilegia representantes da elite do município ou vultos nacionais. O exemplo transgride até mesmo a exigência de falecimento das figuras homenageadas: Francisco Búrzio e Santos Dummont.

Regra essa aplicável ao centro e aos bairros da cidade, embora haja exceções interessantes. Nas vilas Cipa e Pina há ho-menagem a cidades paranaenses (Coronel Vivida, Piraquara, An-tonina, Capanema), no Jardim Vitória há nomes alusivos à mito-logia grega (Cronos, Artêmis, Têmis, Hermes), no Jardim Sâmara, planetas, (Vênus, Terra, Marte, Júpiter), no Santa Paula, árvores (Chorão, Goiabeira, Cerejeira, Carvalho). Na 31, há aproximada-mente uma década, as suas vias receberam nomes de minerais, dos mais conhecidos como a safira, o topázio, a esmeralda, a ame-tista, diamante e o rubi, aos difíceis aragonita, moldavita, citrino, zircão e berilo. Entre essa curiosa reunião de elementos naturais, figura um nome e uma patente militar: Sargento Carlos Argemiro de Camargo. Nome de uma das principais ruas do núcleo, onde está o ponto final da linha do ônibus. É a única que remete ao contexto militar da data 31 de Março. Essa via teve seu nome escolhido antes mesmo da construção das habitações.

VIRANDO NOME DE RUA [do Panteon ao ponto final]Em 27 de Março de 1965, um grupo de militantes da

Força Armada de Libertação Nacional (FALN) foi cercado por militares na estrada entre Capanema e Cascavel. Houve resistên-cia e Carlos Argemiro Camargo, terceiro sargento do Exército, foi baleado e faleceu. O autor dos disparos teria sido o ex-coronel Jefferson Cardim, chefe do grupo insurgente. Segundo a organiza-ção Ternuma, defensora do “movimento democrático de 31 de Março”, Sargento Camargo foi a primeira vítima militar na “mão de terroristas”, isso a poucos dias de ser completado um ano de regime. Nota oficial que tratava da contenda no oeste parananse, lamentava a morte do militar como de alguém que “no cum-primento do dever, morreu em ação, contra maus brasileiros que tentam subverter a ordem”.

Em 3 de Abril, o Jornal da Manhã estampa a manchete “Gal. Carmo: ‘Sarg. Camargo sobe ao Panteon da gratidão do Povo’” [Camargo era ponta-grosssense]. A missa de sétimo dia do militar reuniu na Catedral prefeito, vice-prefeito, vice-presidente da Câmara, um deputado, um general, juízes, promotores pú-blicos, o comandante do 13º R.I e representações dos colégios e escolas católicas da cidade. Em meio aos comentários de um conterrâneo morto, especialmente alguém simbolicamente forte para o regime instalado, é enviado à Câmara projeto de lei do prefeito José Hoffmann dispondo sobre abertura de um crédito especial de 3 milhões de cruzeiros, destinados à construção de uma residência para a viúva do sargento, para qual uma imobi-liária local já cedera terreno. Um mês depois, 8 de maio, o Ex-ecutivo encaminha outro projeto de lei, dessa vez propondo a nomeação de rua homenageando o Sargento. Dois meses após sua morte, Argemiro de Camargo vira nome de rua.

Na argumentação do projeto de lei, o texto dizia: “está o heróico soldado pontagrossense sendo alvo das mais justas home-nagens póstumas de tôda a Pátria”. Mesmo Curitiba se adiantava em nomear via pública com o nome do Sargento. Outro ponto levantado era a visita de um redator do diário carioca “O Globo”, para acompanhar ida da mãe do militar falecido ao Rio de Janei-ro, para receber cumprimentos de autoridades e a declaração de “Mãe Brasileira” do ano. “Não seria justo, assim, que Ponta Grossa ficasse alheia a êsse movimento verdadeiramente nacional e não prestasse também, como berço natal do herócio Sargento, o justo tributo póstumo que se faz merecedor”, arremata a redação.

Bairro Neves, conjunto 31 de Março, 2006, Rua Sargento Argemiro Camargo. O ônibus do sistema público de transporte faz suas manobras na estreita rua transversal até conseguir seu re-torno da Carlos Argemiro. A condução estaciona em um ponto, aguardando dar horário para refazer o trajeto da linha. Motorista e cobrador conversam, nesse horário de domingo ninguém parece interessado em ir ao Centro. Quando vêem o rosto desconhecido perguntam a seu portador o motivo das fotos. “É uma reportagem sobre o núcleo 31”, “pois é, é o primeiro do Paraná!” – diz um deles. Posam para uma fotografia e há a despedida.

Essa é uma pequena história de uma vila e seu nome. De uma rua e seu nome. Designações que consumam desespero daquelas idéias que querem ser únicas e eternas. Dialogar com os moradores das ruas minerais ou na Argemiro, desemboca, como em todo lugar, na rica variedade de opiniões e reações humanas. Mesmo naquelas que ponderam o positivo daqueles tempos mili-tares, de quem teve oportunidade de conseguir uma residência, há a lembrança que a “lei era outra” e não convinha pensar com a própria cabeça sob pena de ter de juntar as coisas e ir embora. Como o morador com medo do major, guardião da casa própria e fantasma do despejo. Para onde ir, era difícil saber.

Leitura interessante sobre a era militar no Estado é o texto “A Re-volução de 1964 e o movimento militar no Paraná: a visão da caserna”, autoria de José Carlos Dutra. Pesquisa baseada em uma entrevista co-mum feita a três oficiais paranaenses que tiveram participação ativa nas movimentações de 31 de Março. Atualmente são todos generais (Ítalo, Justo e Negrão). Dois trechos foram editados para comparar o uso da “revolução democrática” com a repressão. Os três oficiais dizem não ter havido alguma reação civil ao golpe, embora faelm em prisões e intervenções para neutralizar grupos perigosos à ordem.

1) General Justo: “a grande maioria da população mostrava-se aliviada com a queda do regime então existente e mostrava seu con-tentamento, publicamente. Os que eram contra o movimento não tiveram, portanto, condições de esboçar qualquer reação (...) que eu me recorde, ocorreram poucas prisões e deram-se mais na área sindi-cal. Na área militar lembro-me da prisão do Comandante do CPOR, Coronel Barcelos, que foi submetido a inquérito, transferido para a reserva e em seguida posto em liberdade”.

2) General Negrão: “a reação da maioria foi de apoio, pois to-dos estavam preocupados com os rumos dos acontecimentos. Não houve reação civil (...) Ao que eu saiba não houve tais prisões. Como era natural, foram neutralizados aqueles elementos agitadores (...) intervenções em sindicatos, sim. Em órgão estaduais desconheço.Em órgãos federais sim. Um órgão que teve sua direção modificada foi a Rede Ferroviária Paraná-Santa Catarina”

3) General Ítalo: “Das pessoas presas julgo as mais importantes o advogado Vieira Neto e o médico Jorge Karam (...) a alegação era a de serem simpatizantes do movimento comunista e não concordarem com a revolução (...) Como já disse, houve intervenção em todos os sindicatos. O mais visado foi o dos bancários, tendo em vista ser o mais influenciado e dominado pelos comunistas”.

Os benefíciosGeneral Negrão chama 31 de Março de “revolução moderniza-

dora” e considera que “as Forças Armadas foram arrastadas por apelo da sociedade, que pedia um ‘basta’ ao descalabro em que estávamos sendo mergulhados” e indica que as publicações da imprensa daquela época defendiam um “contra-golpe”. E que “nunca o Paraná teve tanta representatividade nos altos escalões da República”.

Para o General Justo, ainda com problemas de ordem política “os benefícios que [os militares] proporcionaram a toda a população brasileira foram, no entanto, muito maiores”, citando exemplos como o FGTS [Fundo de Garantia por Tempo de Serviço], o PIS-PASEP [Pro-grama de Integração Social-Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público] e o BNH [Banco Nacional de Habitação].

A REVOLUÇÃO PELOS GENERAIS

A influência do regime militar sobre os jornais locais da época pode ser sentida pela temática, angulação e teor das manchetes, ma-térias, editoriais e artigos. Fazer do aniversário do golpe, ou como preferiam chamar, “da revolução democrática”, uma “manifestação do povo” era um interesse patente. O Diário dos Campos de 31 de Março de 1965 trazia na primeira página do segundo caderno “1º aniversário da Revolução Democrática de 31 de Março - Ao Exército Brasileiro – ORDEM DO DIA” (do Ministro da Guerra, Artur Costa e Silva). Em seguida uma notícia, “Gal. Justino receberá hoje home-nagem da AL [Assembléia Legislativa]”, e os artigos “Mensagem ao Povo do Paraná” (do Comandante da 5ª. RM e 5ª. DI), “Aniversário da Revolução Democrática” e “Salve Pátria livre e soberana” – estes dois escritos pelo prefeito e vice-prefeito de Ponta Grossa, respec-tivamente. Na mesma edição uma matéria enuncia “Povo princesino festeja hoje 1º aniversário da Revolução”. E no editorial de 2 de Abril a posição era “31 de Março continua sendo expressão da vontade popular”, corroborando essa idéia uma matéria vinha com o título “Povo pontagrossense vibrou comemorando 31 de Março”.

Na edição de sábado do Jornal da Manhã de 3 de Abril de 1965, o falecimento de Argemiro de Camargo é assunto principal da capa e segue para oitava página, desdobrando-se em dois assuntos, a so-lenidade fúnebre e o projeto de lei do executivo visando amparar a viúva do militar. Na capa, o discurso do Comandante da 5ª. Região Militar é repassado quase na íntegra: “Carlos Argemiro de Camargo, modesto na sua grandeza militar, sobe ao Panteon da gratidão do povo da terra que o viu nascer, enquanto aqueles maus brasileiros são lançados à execução de seus irmãos [Cardim, suposto autor dos disparos fatais, era ex-coronel], se irmãos podemos chamar aquelas bestas-feras que macularam o uniforme do soldado brasileiro, enver-gando-o para a consecução de um plano contrário aos nossos ideais”. Na matéria da oitava página, o tratamento relatorial do repórter dá lugar a um teor diferenciado, assumindo uma postura análoga aos discuros dos oficiais: “Sargento Camargo, do 13º Regimento de In-fantaria, traiçoeiramente assassinado quando, no cumprimento do dever, integrava o pelotão de captura à horda comunista, que pro-curou perturbar a vida democrática da Nação”

DISCURSO MILITAR NOS JORNAIS

1) Motorista e cobrador da linha “31 de Março” posam para fotografi a (BH), “o núcleo tem quase 40 anos”; 2) Vilson Ferreira da Silva, presidente da Associação de Moradores do 31 de Março. Espaço de organização da sociedade civil; 3) Nomea-ção-relâmpago, dois meses após sua morte Sargento vira nome de rua (maio de 65); 4) Coletivo estacionado no ponto fi nal da 31, rua Carlos Argemiro. Se o nome da linha fosse Redenção, poucos se confundiriam em pegar o ônibus certo.

LEGENDAS (FOTOS NO SENTIDO HORÁRIO)

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GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006 GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006

uma pequena obra faraônica

Núcleo31deMarço,

1000 casas usadas simbolicamente como instrumento de afirmação do golpe de estado

Após 1964, o primeiro militar morto em atividades de repressão era ponta-grossense

No bairro Neves, região norte de Ponta Grossa, encontra-se o núcleo habitacional 31 de Março, data do golpe de estado que derrubou o presidente João Goulart. O con-junto foi inaugurado em 1967, após exatos três anos de regime militar. Em 65, havia sido decretada uma lei que atribuía o nome de rua Sargento Carlos Argemiro de Camargo, que viria a ser uma das principais do núcleo. O homenageado foi o primeiro militar morto em exercício de repressão. Sargento Camargo era ponta-grossense.

O órgão responsável pela construção foi a Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar / COHAB/PR), ligada ao projeto federal Sistema Financeiro de Habitação. Para se ter uma idéia das dimensões do projeto, em 1967, os outros quatro conjuntos entregues pela regional da Cohapar não totalizavam 500 casas. Apenas 31 unidades para “Operários do D.E.R”, também em Ponta Grossa. Para Jaguariaíva eram 244 unidades (conjunto Presi-dente Kennedy), 83 para Piraí do Sul (conj. Cristo Redentor) e 80 para Sengés (conj. Paulo Pimentel). E se considerados o histórico da regional da Cohapar, as mil casas da 31 de Março representam 6,82 % das suas unidades construídas até hoje*.

O Álbum de Ponta Grossa 67-68 (gestão Plauto Miró Guimarães) traz em suas primeiras páginas uma fotografia aérea do conjunto 31 de Março. As casas ficam pequenas à observação, mesmo a imagem ocupando toda a página. E, se os olhos deixam algum detalhe escapar, o texto anexo tira as dúvidas das proporções da obra: “dos 142.000 habi-tantes da Princesa dos Campos 6.552 habitam nas casas populares financiadas pelo BNH e construídas pela COHAB-PG [regional da Cohapar] nos núcleos ‘31 de março’ e ‘Operários do der’, são 1.031 casas das 3.000 em Ponta Grossa”. Esse bloco de informações termina destacando a “influência” de generais na ampliação da atuação da companhia de habi-tação regional para cidades como Arapongas, Jaguariaíva, Sengés e Piraí do Sul: “José Bretas Cupertino e Luiz Gonzaga Pereira da Cunha, ilustres generais, foram os primeiros a incentivar Plauto e Calasans neste projeto ímpar no interior e concretizado para o orgulho de princesinos”. Luiz Gonzaga da Cunha seria o nome de um conjunto de outras 100 habitações, em janeiro de 69.

Ben-hur Demeneck

NOTICIANDO O NÚCLEO 31 [altas autoridades e o extenso programa]Em 31 de Março de 1967, a manchete do Diário dos

Campos é “Nação comemora IIIº aniversário da revolução”. Capa traz convite da Câmara para o público prestigiar home-nagem ao presidente da companhia de habitação local, Ani-zio Calasans, e “PG recebe hoje casas da COHAB” anuncian-do a solenidade de entrega das 1000 casas do núcleo 31 de Março. Valoriza-se a presença de “altas altoridades do Estado, civis, militares e eclesiásticas” entre elas a do governador Pau-lo Pimentel. O projeto, como outros da Companhia de Habi-tação, objetiva “proporcionar àqueles que tenham pequenos rendimentos, a aquisição, ampliação ou construção de mora-dia própria, seja na zona urbana ou rural, desde que não se-jam proprietários de outra casa”, missão firmada desde a sua constituição segundo as palavras da própria Cohapar em sua página virtual. Mesmo assim, na cerimônia de lançamento do núcleo, a entrega das três casas baseia-se num elemento caro à memória das Forças Armadas: “os três primeiros a rece-berem as casas, tôdas do tipo AA3, foram beneficiados pelo critério adotado, que baseou-se tratarem-se de cidadãos per-tencentes a gloriosa Força Expedicionária Brasileira” (Diário dos Campos, 1967). Mostra da contínua procura do regime em se afirmar, traço comum em seus 21 anos.

Anterior à abertura do núcleo, notas nos diários locais mostram a expectativa da inauguração: “COHAB con-vocou inscritos ontem” (15 Mar), “Núcleo da COHAB rece-beu visita” (16 Mar), “Paulo [Pimentel, o então governador do Paraná] presente a inauguração” (29 Mar). Repercussão que segue nos dias seguintes da cerimônia, “Paulo inaugura núcleo da COHAB” (1º Abr), “BNH [Banco Nacional de Habi-tação] cumprimenta a COHAB local” (02 Abr); essas notas todas são do Diário dos Campos. A quinze dias da cerimô-nia, o Jornal da Manhã traz na capa a nota “Núcleo 31 de Março”, informando seus leitores do grandeza do projeto: “já está sendo organizado o extenso programa a ser cumprido no próximo dia 31 do mês em andamento, oportunidade em que será inaugurado o primeiro núcleo de casas populares, no

Jardim N.S. da Conceição. As casas que estão sendo construí-das pela Companhia de Habitaçao Popular de Ponta Grossa (COHAB), foram o primeiro bloco de mil unidades construí-das por aquela entidade”.

NA VILA DE HOJE [A casa do major que virou farmácia]Vilson Ferreira da Silva, 47, é profissional autônomo

na compra e venda de gado. A sede do grupo que preside fica na vila Ana Rita, a algumas quadras da entrada do nú-cleo 31 de Março. Silva assumiu a liderança da associação de moradores em 2005, empossado no final do terceiro mês daquele ano, ao gosto de tudo que há na sua região – farmá-cia, mercearia e muros trazem o número 31 como o seu distintivo. O prédio da associação possui um grande salão para eventos, que vemos assim que entramos. Logo à direita está um escritório, com metade das paredes rodeadas por estantes de livros. “Ler também é um exercício”, anuncia uma cartolina, estímulo para os vizinhos encontrarem suas aven-turas no mundo da expressão escrita. Uma pergunta pode vir à cabeça, por que o “também é um exercício”? A explicação primeira vem do ginásio adjacente, que não falta sua procura para o futebol.

Silva chegou ao 31 em 1967, com oito anos de idade. Ficou um tempo fora para depois, em 1972, voltar em de-finitivo. Conta que na entrada do núcleo (onde hoje há uma farmácia) havia a “casa do major”, escritório onde os mora-dores quitavam as parcelas da casa própria. O responsável pelo recebimento era um oficial do Exército, o major. A partir de 1974 é que teria havido uma diminuição no valor das prestações, quando a ocupação das quadras beirou a totali-dade. “No início, não era fácil para o trabalhador em geral honrar os pagamentos”, segundo Silva. “E se o morador via que não daria para pagar, juntava suas coisas e ia embora”, completa. Ninguém se atrevia a ver executada a ordem de despejo. O atual presidente da associação diz que hoje vi-vemos tempos suposta democracia, mas considera que é um tempo que “não é bem assim para tirar você de uma casa”. O major era, ao mesmo tempo, o guardião do sonho da mo-radia como o fantasma daqueles que sofriam com o sabido arrocho salarial. “Quando mudei, 67, entre as mil casas havia 3 TVs. Reunia um monte de piá para assistir (...) geladeira, também, eram umas três. Só quando saiu a Copa de 70 é

APESAR DE VOCÊ Hoje farmácia, durante a ditadura, casa do major. Local onde as dívidas de habitação eram quitadas pelos moradores do núcleo. Quem recebia era um oficial do Exército. Sonho de manter a casa rivalizava com medo do despejo – “a lei era outra”

Fotos: Alceu Bortolanza e BHD

BHD

Banco de Sangue Hospital Bom Jesus

Para doar você precisa

Entrada pela Rua LondrinaHorário: de 2º a 6º das 8h às 18h e

Sábado das 8h às 12 h: ter entre 18 e 65 anos, estar bem de saúde,

não possuir nenhuma doença crônica, não estar fazendo tratamento outomando medicamentos. E, se você é mulher, não estar durante

período de menstruação.E mais: levar documentos de identidade, estar bem alimentado (mas

guardando intervalo de pelo menos 1h30min da última refeição).

SALVE UMA VIDA, DOE SANGUE

Dúvidas?Ligue para(42) 3222.2332M

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uma pequena obra faraônica

Núcleo31deMarço,

1000 casas usadas simbolicamente como instrumento de afirmação do golpe de estado

Após 1964, o primeiro militar morto em atividades de repressão era ponta-grossense

No bairro Neves, região norte de Ponta Grossa, encontra-se o núcleo habitacional 31 de Março, data do golpe de estado que derrubou o presidente João Goulart. O con-junto foi inaugurado em 1967, após exatos três anos de regime militar. Em 65, havia sido decretada uma lei que atribuía o nome de rua Sargento Carlos Argemiro de Camargo, que viria a ser uma das principais do núcleo. O homenageado foi o primeiro militar morto em exercício de repressão. Sargento Camargo era ponta-grossense.

O órgão responsável pela construção foi a Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar / COHAB/PR), ligada ao projeto federal Sistema Financeiro de Habitação. Para se ter uma idéia das dimensões do projeto, em 1967, os outros quatro conjuntos entregues pela regional da Cohapar não totalizavam 500 casas. Apenas 31 unidades para “Operários do D.E.R”, também em Ponta Grossa. Para Jaguariaíva eram 244 unidades (conjunto Presi-dente Kennedy), 83 para Piraí do Sul (conj. Cristo Redentor) e 80 para Sengés (conj. Paulo Pimentel). E se considerados o histórico da regional da Cohapar, as mil casas da 31 de Março representam 6,82 % das suas unidades construídas até hoje*.

O Álbum de Ponta Grossa 67-68 (gestão Plauto Miró Guimarães) traz em suas primeiras páginas uma fotografia aérea do conjunto 31 de Março. As casas ficam pequenas à observação, mesmo a imagem ocupando toda a página. E, se os olhos deixam algum detalhe escapar, o texto anexo tira as dúvidas das proporções da obra: “dos 142.000 habi-tantes da Princesa dos Campos 6.552 habitam nas casas populares financiadas pelo BNH e construídas pela COHAB-PG [regional da Cohapar] nos núcleos ‘31 de março’ e ‘Operários do der’, são 1.031 casas das 3.000 em Ponta Grossa”. Esse bloco de informações termina destacando a “influência” de generais na ampliação da atuação da companhia de habi-tação regional para cidades como Arapongas, Jaguariaíva, Sengés e Piraí do Sul: “José Bretas Cupertino e Luiz Gonzaga Pereira da Cunha, ilustres generais, foram os primeiros a incentivar Plauto e Calasans neste projeto ímpar no interior e concretizado para o orgulho de princesinos”. Luiz Gonzaga da Cunha seria o nome de um conjunto de outras 100 habitações, em janeiro de 69.

Ben-hur Demeneck

NOTICIANDO O NÚCLEO 31 [altas autoridades e o extenso programa]Em 31 de Março de 1967, a manchete do Diário dos

Campos é “Nação comemora IIIº aniversário da revolução”. Capa traz convite da Câmara para o público prestigiar home-nagem ao presidente da companhia de habitação local, Ani-zio Calasans, e “PG recebe hoje casas da COHAB” anuncian-do a solenidade de entrega das 1000 casas do núcleo 31 de Março. Valoriza-se a presença de “altas altoridades do Estado, civis, militares e eclesiásticas” entre elas a do governador Pau-lo Pimentel. O projeto, como outros da Companhia de Habi-tação, objetiva “proporcionar àqueles que tenham pequenos rendimentos, a aquisição, ampliação ou construção de mora-dia própria, seja na zona urbana ou rural, desde que não se-jam proprietários de outra casa”, missão firmada desde a sua constituição segundo as palavras da própria Cohapar em sua página virtual. Mesmo assim, na cerimônia de lançamento do núcleo, a entrega das três casas baseia-se num elemento caro à memória das Forças Armadas: “os três primeiros a rece-berem as casas, tôdas do tipo AA3, foram beneficiados pelo critério adotado, que baseou-se tratarem-se de cidadãos per-tencentes a gloriosa Força Expedicionária Brasileira” (Diário dos Campos, 1967). Mostra da contínua procura do regime em se afirmar, traço comum em seus 21 anos.

Anterior à abertura do núcleo, notas nos diários locais mostram a expectativa da inauguração: “COHAB con-vocou inscritos ontem” (15 Mar), “Núcleo da COHAB rece-beu visita” (16 Mar), “Paulo [Pimentel, o então governador do Paraná] presente a inauguração” (29 Mar). Repercussão que segue nos dias seguintes da cerimônia, “Paulo inaugura núcleo da COHAB” (1º Abr), “BNH [Banco Nacional de Habi-tação] cumprimenta a COHAB local” (02 Abr); essas notas todas são do Diário dos Campos. A quinze dias da cerimô-nia, o Jornal da Manhã traz na capa a nota “Núcleo 31 de Março”, informando seus leitores do grandeza do projeto: “já está sendo organizado o extenso programa a ser cumprido no próximo dia 31 do mês em andamento, oportunidade em que será inaugurado o primeiro núcleo de casas populares, no

Jardim N.S. da Conceição. As casas que estão sendo construí-das pela Companhia de Habitaçao Popular de Ponta Grossa (COHAB), foram o primeiro bloco de mil unidades construí-das por aquela entidade”.

NA VILA DE HOJE [A casa do major que virou farmácia]Vilson Ferreira da Silva, 47, é profissional autônomo

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Silva chegou ao 31 em 1967, com oito anos de idade. Ficou um tempo fora para depois, em 1972, voltar em de-finitivo. Conta que na entrada do núcleo (onde hoje há uma farmácia) havia a “casa do major”, escritório onde os mora-dores quitavam as parcelas da casa própria. O responsável pelo recebimento era um oficial do Exército, o major. A partir de 1974 é que teria havido uma diminuição no valor das prestações, quando a ocupação das quadras beirou a totali-dade. “No início, não era fácil para o trabalhador em geral honrar os pagamentos”, segundo Silva. “E se o morador via que não daria para pagar, juntava suas coisas e ia embora”, completa. Ninguém se atrevia a ver executada a ordem de despejo. O atual presidente da associação diz que hoje vi-vemos tempos suposta democracia, mas considera que é um tempo que “não é bem assim para tirar você de uma casa”. O major era, ao mesmo tempo, o guardião do sonho da mo-radia como o fantasma daqueles que sofriam com o sabido arrocho salarial. “Quando mudei, 67, entre as mil casas havia 3 TVs. Reunia um monte de piá para assistir (...) geladeira, também, eram umas três. Só quando saiu a Copa de 70 é

APESAR DE VOCÊ Hoje farmácia, durante a ditadura, casa do major. Local onde as dívidas de habitação eram quitadas pelos moradores do núcleo. Quem recebia era um oficial do Exército. Sonho de manter a casa rivalizava com medo do despejo – “a lei era outra”

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Entrada pela Rua LondrinaHorário: de 2º a 6º das 8h às 18h e

Sábado das 8h às 12 h: ter entre 18 e 65 anos, estar bem de saúde,

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GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006 GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006

À noite, a feira de artesanato. Todas as semanas os moradores comem maçã-do-amor, espetinho, bebem quentão e refrigerante na praça. As crianças correm e brincam, os cachor-ros sem dono as seguem em busca de um carinho por mais breve que seja. Os senhores encontram-se no mesmo local, em volta da estátua, para comer e lembrar “daquele tempo bom que não volta mais” ou para falar da situação política estampada nos jornais. As mu-lheres vendem artesanato, cuidam dos filhos e conversam sobre tudo um pouco. Embora já na primavera, o frio insistente ainda torna os cachecóis de lã objeto de grande procura... A cena é comum em filmes e novelas. As cidades pequenas sempre são representadas pela tranqüilidade e intimidade entre os habitantes. Mas a imagem descrita não é de um roteiro de ficção, é apenas o cotidiano da Feira da Lua realizada na praça João Pessoa, no centro de Rio Negro, fim (ou início?) do Paraná.

Embora seja uma cidade pequena, Rio Negro não é como uma qualquer. A divisa entre este estado e Santa Catarina marca a história e a cultura dos moradores daqui. A avenida XV de Novembro, comum em tantos outros lugares, mostra nos prédios que a cidade lembra bem de suas origens. Os edifícios contemporâneos que hoje abrigam lojas de calçados e roupas dividem espaço com a arquitetura com fachada ornamentada do início do século passado. No antigo cinema, hoje uma pizzaria, pouca gente percebe os traços modernistas inspirados na art decó sob a tinta cinzenta. Mesmo assim, a estrutura ainda sobrevive, enquanto outras casas, como a da antiga pensão em frente à Igreja Luterana, são demolidas.

Apresentada assim, Rio Negro poderia ser confundida como qualquer outra cidade do mesmo porte. Mas a impressão permanece enquanto a descrição limita-se à sua aparên-cia. A história do município tem muito que contar. Aqui apenas três pontes separam Paraná de Santa Catarina. Num passo, muda-se de um estado para outro e é exatamente isso que fascina os visitantes.

O município de Mafra – a cidade irmã, foi criado em 1917, após a Guerra do Con-testado. As lutas armadas sequer chegaram até aqui e acredito que na época talvez pouca gente soubesse que havia um conflito por território. Antes disso, tudo era Rio Negro. A cen-tenária ponte férrea Dr. Diniz Assis Henning, ou Ponte Velha, como chamam os habitantes, já unia as margens do rio de águas escuras que deu nome à cidade.

A região foi civilizada pelos tropeiros que seguiam do Rio Grande do Sul até São Paulo seguindo o rio. Aqui abriram a Estrada da Mata no século XVIII e formaram as primeiras colô-nias. Até hoje a cultura trazida pelos homens que conduziam gado permanece viva por aqui. Nos bailes e nos clubes tradicionalistas a música indispensável é a gaúcha, já não muito tradi-cionalista, e os trajes continuam sendo o vestido de prenda para as moças e as bombachas para os rapazes. É como entrar num pedaço do Rio Grande sem tirar os pés do Paraná.

O último passo antes de Santa Catarina preserva cultura e hábitos típicos de pa-ranaenses, “catarinas” e gaúchos. O sotaque é uma mistura dos três estados com o “enes” e “erres” marcados, pronúncia ligeirinha, “nés” no término das frases e “capaz?” para expressar surpresa. Difícil diferenciar dos catarinenses do outro lado das pontes.

A aparência de Rio Negro é o que mais destoa de Mafra. A cidade mais jovem, com 30 mil habitantes a mais (50 mil ao todo), parece ter progredido economicamente, caracter-ística refletida no centro saturado de lojas, bancos, lanchonetes, supermercados e bares. A rua principal, Felipe Schmidt, está sempre movimentada e é o principal local para o comércio com a maioria das antigas fachadas já substituída pela arquitetura impessoal, branca e geo-métrica. Lá muitos rionegrenses ganham a vida. Rio Negro precisa de Mafra, assim como os mafrenses precisam do Paraná. A simbiose se fez necessária para o crescimento de ambas cidades. Distante 310 km de Florianópolis, Mafra sempre teve Curitiba (a 103 km) como uma segunda capital (ou seria primeira?).

Uma das conseqüências da falta de fronteiras é a união de interesses. Afinal, Rioma-fra forma um município com aproximadamente 80 mil habitantes. Os moradores daqui se acostumaram com a divisa e já não vêem diferença entre os lados da ponte, a não ser quanto à administração pública. Atravessam todos os dias as pontes Velha, Nova (Rodrigo Ajace) e dos Peixinhos (na BR 116) para trabalhar, estudar, fazer compras, num vai e vem que já se tornou trivial. Até as notícias dos jornais contemplam os dois lados. As matérias falam de Rio Negro e Mafra como se fossem um único lugar. Falar em Riomafra é costumeiro, aceitável e conveniente para a população. Hoje seria difícil, e até impossível, desmembrá-los. Afinal, quem atravessa os 119m da ponte Nova ou os 110m da Velha nem olha mais para o rio largo e escuro ou para a linha do trem logo abaixo. O cotidiano faz perder a sensibilidade para a mudança de ambientes. Mas a fronteira dá suas lembranças quando o trânsito fica impedido para a passagem do trem em frente à ponte férrea, 10 ou 15 minutos de vida que se perdem antes de ir para outro Estado.

Para chegar ao fim do Paraná, vindo de Ponta Grossa são 155 Km. o viajante passa de Palmeira para Porto Amazonas, atravessa a ponte interditada sobre o rio Iguaçu, chega à Lapa e suas estradas nauseantes construí-das “pra inglês ver”, Campo do Tenente e finalmente Rio Negro. No caminho, as paisagens bucólicas das plantações de soja e milho, como na maioria do Estado. Ao chegar à última cidade do Paraná, o portal de entrada lembra a colonização ucraniana e uma estátua, a alemã - culturas ainda presentes na culinária, fisionomia dos habitantes e arquitetura de algumas casas e prédios. Um dos exemplos é o Seminário Seráfico São Luiz de Tolosa, construído em 1923, local onde funciona atualmente a Prefeitura Mu-nicipal e o Cine Teatro Antônio Cândido do Amaral. Para chegar à Santa Catarina é simples, basta seguir a primeira rua, Saturnino Olinto, na entrada de Rio Negro até a Vi-cente Machado e finalmente, a Ponte Rodrigo Ajace que liga os centros de Riomafra.

A ponte centenária Dr. Diniz Assis Henning guar-da uma lenda: teve que ser alongada com uma estrutura de concreto por ter sido trocada por outra. A ponte maior teria sido levada por engano para a cidade de Rio Negro na África, enquanto a da África teria vindo para o Brasil. Nos anos 1970 foi interditada por não ter estrutura sufi-ciente para agüentar o tráfego. Em 1999 foi reformada e tornou-se ponto turístico. Hoje é um caminho alternativo para chegar em Rio Negro - com mão única, às vezes os motoristas têm que esperar o trem passar para chegar ao Paraná.

OS CAMINHOSque levam

À FRONTEIRA

ENGANOintercontinental

Grimpa é assunto na edição de número 77 da página de cultura Rabisco (www.rabisco.com.br). É interpretado como “uma opção diferenciada para o jornalismo de um Estado que já teve experiências independentes bastante signifi cativas – haja vista os exemplos da revista ‘Joaquim’ (...) e o jornal ‘Nicolau’ (...) – mas que ultimamente anda meio carente de projetos dessa natureza”. Alguns trechos de “Jornalismo sem espinhos”, autoria de Luiz Rebinski Junior:

“(...) Seja em textos que desbravam Ponta Grossa ou em matérias que ultrapassam os limites da cidade, o que interessa [no jornal Grimpa] é dar voz a pessoas que, aparente-mente, não têm muito a dizer.

É justamente aí que reside a grande ‘sacada’ do ‘Grimpa’. Os textos são fruto de mui-ta conversa, de caminhadas longas e bate-papos despretensiosos. Redescobrir lugares esquecidos da cidade e trazer à tona personagens pouco acostumados com os holofotes é um dos objetivos do jornal. Distribuído gratuitamente em diversas cidades no Paraná – principalmente na região dos Campos Gerais, mas também na capital –, o ‘Grimpa’ também conserva um lado on the road , que ajuda a enfatizar o aspecto documental do

periódico. (...)Aliás, os maneirismos, gírias e cacoetes dos habitantes da região também têm seu

lugar nas páginas do ‘Grimpa’. Cada edição do jornal tem um título, todos levando em consideração a tradição oral do local. A iniciativa, segundo os editores, é uma maneira de se aproximar ainda mais do público (...) É um trabalho que requer sensibilidade e percep-ção aguçadas. Em que os detalhes fazem a diferença. Uma travessa abandonada ou um comércio que resiste ao tempo, tudo pode virar uma boa pauta para o ‘Grimpa’.

(...) Ignorando os clichês tão comuns no meio jornalístico, o ‘Grimpa’ surge como uma opção diferenciada para o jornalismo de um Estado que já teve experiências inde-pendentes bastante signifi cativas (...) mas que ultimamente anda meio carente de pro-jetos dessa natureza.

Jornalismo, assim como literatura, se faz com pequenas ações. O ‘Grimpa’, bem como o também paranaense ‘Rascunho’ (jornal literário), é um exemplo de que no cam-po da cultura não adianta apenas lamentar pelos incentivos perdidos, é preciso mais, é preciso atitude e vontade”.

que começaram comprar televisão –eram mais caras que um carro!”. Sobre essas mudanças que o tempo faz sobre nossas percepções e necessidades, cabe uma viagem há quarenta anos para conferir que essa vila “era mais longe” do que é agora. Com comércio, aparelhos de rádio e televisão, veículos de transporte particulares e públicos, as relações socias sofreram uma acelera-ção e as distâncias geográficas parecem menores. Pessoas de out-ros bairros, contemporâneas à década de 60, dizem “como era longe o 31 do centro!”.

CENTRO E BAIRRO [A Redenção e Dona Maroca] O núcleo 31 de Março representa uma nova fase na es-

trutura populacional de Ponta Grossa. Há uma modificação no formato centro-periferia; pela primeira vez uma região periférica apresenta níveis de povoamento equivalentes ao centro da ci-dade. A reportagem não teve acesso a dados demográficos do final da década de sessenta para ilustrar essa afirmação, repeti-da em artigos e monografias de geógrafos locais. O único dado provém da matéria de 31 de Março de 1967 (Diário dos Cam-pos) sobre a solenidade de lançamento do núcleo; daqueles três chefes de família das primeiras casas, dois eram pais de quatro filhos e um era pai de seis.

Dados do Censo de 2000, referentes a 745 domicílios dos 1.000 pertencentes ao 31 de Março, indicam uma média de 3,4 habitantes por residência num total de 2.557 residentes. O que ajuda a entender um pouco o porquê da região ficou conhe-cida como Redenção. Esse era o nome de uma novela passada no período 66-68 cujo personagem mais popular era a fofoqueira Dona Maroca. Como as casas da 31 foram feitas muito próxi-mas umas às outras, algum sarrista espalhou a fama que era uma região propícia ao diz-que-diz-que, pois se um vizinho falava al-guma coisa não era difícil que o outro escutasse. E deu certo, a história entrou para o folclore urbano da cidade. Há quem ainda trate a região por Redenção, não há o que se culpar: essa foi novela mais longa da história da TV brasileira, com 596 capítulos. No entanto, um tratamento corrente para o núcleo é chamá-lo na forma reduzida, no feminino, como em “vou na 31”.

De boca a boca do apelido de um núcleo, passemos ao formalismo que há para uma rua receber um nome. A designa-ção de um logradouro público (avenidas, ruas, praças, alamedas etc) tende a homenagear pessoas, riquezas naturais, geografia e história de uma cidade. Em se tratando de pessoas, seus nomes só podem ser dados quando falecidas. Segundo a historiadora Elisabeth Johansen, a lógica da nomenclatura de logradouros em Ponta Grossa privilegia representantes da elite do município ou vultos nacionais. O exemplo transgride até mesmo a exigência de falecimento das figuras homenageadas: Francisco Búrzio e Santos Dummont.

Regra essa aplicável ao centro e aos bairros da cidade, embora haja exceções interessantes. Nas vilas Cipa e Pina há ho-menagem a cidades paranaenses (Coronel Vivida, Piraquara, An-tonina, Capanema), no Jardim Vitória há nomes alusivos à mito-logia grega (Cronos, Artêmis, Têmis, Hermes), no Jardim Sâmara, planetas, (Vênus, Terra, Marte, Júpiter), no Santa Paula, árvores (Chorão, Goiabeira, Cerejeira, Carvalho). Na 31, há aproximada-mente uma década, as suas vias receberam nomes de minerais, dos mais conhecidos como a safira, o topázio, a esmeralda, a ame-tista, diamante e o rubi, aos difíceis aragonita, moldavita, citrino, zircão e berilo. Entre essa curiosa reunião de elementos naturais, figura um nome e uma patente militar: Sargento Carlos Argemiro de Camargo. Nome de uma das principais ruas do núcleo, onde está o ponto final da linha do ônibus. É a única que remete ao contexto militar da data 31 de Março. Essa via teve seu nome escolhido antes mesmo da construção das habitações.

VIRANDO NOME DE RUA [do Panteon ao ponto final]Em 27 de Março de 1965, um grupo de militantes da

Força Armada de Libertação Nacional (FALN) foi cercado por militares na estrada entre Capanema e Cascavel. Houve resistên-cia e Carlos Argemiro Camargo, terceiro sargento do Exército, foi baleado e faleceu. O autor dos disparos teria sido o ex-coronel Jefferson Cardim, chefe do grupo insurgente. Segundo a organiza-ção Ternuma, defensora do “movimento democrático de 31 de Março”, Sargento Camargo foi a primeira vítima militar na “mão de terroristas”, isso a poucos dias de ser completado um ano de regime. Nota oficial que tratava da contenda no oeste parananse, lamentava a morte do militar como de alguém que “no cum-primento do dever, morreu em ação, contra maus brasileiros que tentam subverter a ordem”.

Em 3 de Abril, o Jornal da Manhã estampa a manchete “Gal. Carmo: ‘Sarg. Camargo sobe ao Panteon da gratidão do Povo’” [Camargo era ponta-grosssense]. A missa de sétimo dia do militar reuniu na Catedral prefeito, vice-prefeito, vice-presidente da Câmara, um deputado, um general, juízes, promotores pú-blicos, o comandante do 13º R.I e representações dos colégios e escolas católicas da cidade. Em meio aos comentários de um conterrâneo morto, especialmente alguém simbolicamente forte para o regime instalado, é enviado à Câmara projeto de lei do prefeito José Hoffmann dispondo sobre abertura de um crédito especial de 3 milhões de cruzeiros, destinados à construção de uma residência para a viúva do sargento, para qual uma imobi-liária local já cedera terreno. Um mês depois, 8 de maio, o Ex-ecutivo encaminha outro projeto de lei, dessa vez propondo a nomeação de rua homenageando o Sargento. Dois meses após sua morte, Argemiro de Camargo vira nome de rua.

Na argumentação do projeto de lei, o texto dizia: “está o heróico soldado pontagrossense sendo alvo das mais justas home-nagens póstumas de tôda a Pátria”. Mesmo Curitiba se adiantava em nomear via pública com o nome do Sargento. Outro ponto levantado era a visita de um redator do diário carioca “O Globo”, para acompanhar ida da mãe do militar falecido ao Rio de Janei-ro, para receber cumprimentos de autoridades e a declaração de “Mãe Brasileira” do ano. “Não seria justo, assim, que Ponta Grossa ficasse alheia a êsse movimento verdadeiramente nacional e não prestasse também, como berço natal do herócio Sargento, o justo tributo póstumo que se faz merecedor”, arremata a redação.

Bairro Neves, conjunto 31 de Março, 2006, Rua Sargento Argemiro Camargo. O ônibus do sistema público de transporte faz suas manobras na estreita rua transversal até conseguir seu re-torno da Carlos Argemiro. A condução estaciona em um ponto, aguardando dar horário para refazer o trajeto da linha. Motorista e cobrador conversam, nesse horário de domingo ninguém parece interessado em ir ao Centro. Quando vêem o rosto desconhecido perguntam a seu portador o motivo das fotos. “É uma reportagem sobre o núcleo 31”, “pois é, é o primeiro do Paraná!” – diz um deles. Posam para uma fotografia e há a despedida.

Essa é uma pequena história de uma vila e seu nome. De uma rua e seu nome. Designações que consumam desespero daquelas idéias que querem ser únicas e eternas. Dialogar com os moradores das ruas minerais ou na Argemiro, desemboca, como em todo lugar, na rica variedade de opiniões e reações humanas. Mesmo naquelas que ponderam o positivo daqueles tempos mili-tares, de quem teve oportunidade de conseguir uma residência, há a lembrança que a “lei era outra” e não convinha pensar com a própria cabeça sob pena de ter de juntar as coisas e ir embora. Como o morador com medo do major, guardião da casa própria e fantasma do despejo. Para onde ir, era difícil saber.

Leitura interessante sobre a era militar no Estado é o texto “A Re-volução de 1964 e o movimento militar no Paraná: a visão da caserna”, autoria de José Carlos Dutra. Pesquisa baseada em uma entrevista co-mum feita a três oficiais paranaenses que tiveram participação ativa nas movimentações de 31 de Março. Atualmente são todos generais (Ítalo, Justo e Negrão). Dois trechos foram editados para comparar o uso da “revolução democrática” com a repressão. Os três oficiais dizem não ter havido alguma reação civil ao golpe, embora faelm em prisões e intervenções para neutralizar grupos perigosos à ordem.

1) General Justo: “a grande maioria da população mostrava-se aliviada com a queda do regime então existente e mostrava seu con-tentamento, publicamente. Os que eram contra o movimento não tiveram, portanto, condições de esboçar qualquer reação (...) que eu me recorde, ocorreram poucas prisões e deram-se mais na área sindi-cal. Na área militar lembro-me da prisão do Comandante do CPOR, Coronel Barcelos, que foi submetido a inquérito, transferido para a reserva e em seguida posto em liberdade”.

2) General Negrão: “a reação da maioria foi de apoio, pois to-dos estavam preocupados com os rumos dos acontecimentos. Não houve reação civil (...) Ao que eu saiba não houve tais prisões. Como era natural, foram neutralizados aqueles elementos agitadores (...) intervenções em sindicatos, sim. Em órgão estaduais desconheço.Em órgãos federais sim. Um órgão que teve sua direção modificada foi a Rede Ferroviária Paraná-Santa Catarina”

3) General Ítalo: “Das pessoas presas julgo as mais importantes o advogado Vieira Neto e o médico Jorge Karam (...) a alegação era a de serem simpatizantes do movimento comunista e não concordarem com a revolução (...) Como já disse, houve intervenção em todos os sindicatos. O mais visado foi o dos bancários, tendo em vista ser o mais influenciado e dominado pelos comunistas”.

Os benefíciosGeneral Negrão chama 31 de Março de “revolução moderniza-

dora” e considera que “as Forças Armadas foram arrastadas por apelo da sociedade, que pedia um ‘basta’ ao descalabro em que estávamos sendo mergulhados” e indica que as publicações da imprensa daquela época defendiam um “contra-golpe”. E que “nunca o Paraná teve tanta representatividade nos altos escalões da República”.

Para o General Justo, ainda com problemas de ordem política “os benefícios que [os militares] proporcionaram a toda a população brasileira foram, no entanto, muito maiores”, citando exemplos como o FGTS [Fundo de Garantia por Tempo de Serviço], o PIS-PASEP [Pro-grama de Integração Social-Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público] e o BNH [Banco Nacional de Habitação].

A REVOLUÇÃO PELOS GENERAIS

A influência do regime militar sobre os jornais locais da época pode ser sentida pela temática, angulação e teor das manchetes, ma-térias, editoriais e artigos. Fazer do aniversário do golpe, ou como preferiam chamar, “da revolução democrática”, uma “manifestação do povo” era um interesse patente. O Diário dos Campos de 31 de Março de 1965 trazia na primeira página do segundo caderno “1º aniversário da Revolução Democrática de 31 de Março - Ao Exército Brasileiro – ORDEM DO DIA” (do Ministro da Guerra, Artur Costa e Silva). Em seguida uma notícia, “Gal. Justino receberá hoje home-nagem da AL [Assembléia Legislativa]”, e os artigos “Mensagem ao Povo do Paraná” (do Comandante da 5ª. RM e 5ª. DI), “Aniversário da Revolução Democrática” e “Salve Pátria livre e soberana” – estes dois escritos pelo prefeito e vice-prefeito de Ponta Grossa, respec-tivamente. Na mesma edição uma matéria enuncia “Povo princesino festeja hoje 1º aniversário da Revolução”. E no editorial de 2 de Abril a posição era “31 de Março continua sendo expressão da vontade popular”, corroborando essa idéia uma matéria vinha com o título “Povo pontagrossense vibrou comemorando 31 de Março”.

Na edição de sábado do Jornal da Manhã de 3 de Abril de 1965, o falecimento de Argemiro de Camargo é assunto principal da capa e segue para oitava página, desdobrando-se em dois assuntos, a so-lenidade fúnebre e o projeto de lei do executivo visando amparar a viúva do militar. Na capa, o discurso do Comandante da 5ª. Região Militar é repassado quase na íntegra: “Carlos Argemiro de Camargo, modesto na sua grandeza militar, sobe ao Panteon da gratidão do povo da terra que o viu nascer, enquanto aqueles maus brasileiros são lançados à execução de seus irmãos [Cardim, suposto autor dos disparos fatais, era ex-coronel], se irmãos podemos chamar aquelas bestas-feras que macularam o uniforme do soldado brasileiro, enver-gando-o para a consecução de um plano contrário aos nossos ideais”. Na matéria da oitava página, o tratamento relatorial do repórter dá lugar a um teor diferenciado, assumindo uma postura análoga aos discuros dos oficiais: “Sargento Camargo, do 13º Regimento de In-fantaria, traiçoeiramente assassinado quando, no cumprimento do dever, integrava o pelotão de captura à horda comunista, que pro-curou perturbar a vida democrática da Nação”

DISCURSO MILITAR NOS JORNAIS

1) Motorista e cobrador da linha “31 de Março” posam para fotografi a (BH), “o núcleo tem quase 40 anos”; 2) Vilson Ferreira da Silva, presidente da Associação de Moradores do 31 de Março. Espaço de organização da sociedade civil; 3) Nomea-ção-relâmpago, dois meses após sua morte Sargento vira nome de rua (maio de 65); 4) Coletivo estacionado no ponto fi nal da 31, rua Carlos Argemiro. Se o nome da linha fosse Redenção, poucos se confundiriam em pegar o ônibus certo.

LEGENDAS (FOTOS NO SENTIDO HORÁRIO)

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O virtual município de Riomafra sintetiza as relações de aproximação e dependência entre Paraná e Santa Catarina

Comouma ponte

sobreáguas turbulentas...

Caroline Passos

Fotos: João Carlos Freitas e Caroline Passos

Praça Barão do Rio Branco, meados da década de 1930. Quando a radiodifusão era implantada no Brasil e não havia chegado a Ponta Grossa, as pessoas saiam de suas casas nos finais de semana em direção à Concha Acústica para assistir ao show de calouros da Rede de Alto Falantes Campos Gerais (RAF, que passa a receber esse nome somente mais tarde). O que muitas pessoas vêem hoje na televisão já era feito por Carlos Affonso Buch e seus discípulos, claro, com a magia que não existe em nossos lares ao ligar a TV. A população ficava ansiosa para saber qual dupla sertaneja iria se apresentar naquele dia ou se aquele conjunto de seresteiros muito conhecido na cidade daria o ar da graça com suas melodias. Vez ou outra, os artistas do Rio de Janeiro ou São Paulo, famosos nas emissoras pioneiras no radialismo, como a Rádio Nacional ou a Tupi, ambas fluminenses, compareciam à praça, dando oportunidade aos seus fãs de os conhecerem de perto. Nessas oportunidades, como contam vários radialistas que trabalharam na RAF, a reação dos indivíduos era imediata ao se depararem com a imagem de seus ídolos. Algumas vezes espanto, outras admiração ou então orgulho, quando a imaginação se aproximava da realidade: “Era assim mesmo que eu o pensava!”.

Mas não era só o entretenimento e as manifestações da cultura local que ganhavam as ruas da cidade pelo sistema de som. Notícias, informações e recados também eram anunciados àqueles que transitavam pela área central, em direção ao trabalho, ao comércio, no retorno ao lar ou simplesmente passeavam pela Praça Barão do Rio Branco, a observar a fonte luminosa que ali existia, traços de uma urbanidade em expansão em Ponta Grossa. Era ali onde ficava o estúdio da RAF. Em mais de três décadas de existência e de serviços prestados à comunidade, Carlos Buch, considerado o mestre dos veteranos do rádio ponta-grossense, viu muita coisa acontecer - de ditaduras a conflitos mundiais. Mas, no auge de seus oitenta anos, recorda com emoção de um fato em especial: a chegada do homem à Lua. “Na madrugada daquele dia, ficaram de plantão um locutor e um sonoplasta durante toda a noite”, lembra ele.

Em 1947, de colaborador da RAF, Carlos Buch passou a proprietário. Antes, Dibaldo Samuel Squinazi era o dono do sistema de som. A partir daí, a abrangência da rede aumentou. Em 1949, as cornetas antes restritas às proximidades da Concha Acústica e do Ponto Azul, o “terminal” de transporte coletivo da época, se espalharam pela Avenida Vicente Machado, Pra-ça Barão do Guaraúna e Praça João Pessoa, onde fica atualmente a Estação da Saudade. Alguns falam em 12 pontos do espaço urbano onde as cornetas eram fixadas, outros falam em 16. “Os ventos levavam o som para outros bairros, como o Olarias, Oficinas”, destaca Aldo Mikaelli, que iniciou carreira na rede e atua há mais de 40 anos no rádio. Ele produzia e apresentava, aos domingos, às 20h, junto com o ex-radialista Valdir Becher, o programa Rosas de Tango, que chegou a ser implantado depois em outra emissora, a Rádio Sant’Ana, quarta a ser instalada na cidade, em 10 de maio de 1962. O público que saía de casa para ouvi-lo era bem específico: os amantes do ritmo que fez sucesso na Argentina. Porém, com o tempo, a audiência ganhou novos adeptos a partir do momento que se incluiu o bolero e outros ritmos, mas sem perder o tango de foco. Não havia uma mera reprodução de canções, mas também eram contadas a história e algumas curiosidades sobre canções e cantores. “À medida que se anunciava uma música, a gente também contava a história do autor, da música ou cantor. O ouvinte tinha in-

teresse em conhecer. Eu mesmo sempre achava que o tango era argentino e, na verdade, ele é africano. Seu nome vem de tanganu e eu nunca vou esquecer deste detalhe”, lembra Becher.

Os ícones do rádio, que vieram a fazer sucesso na Rádio Clube Pontagrossense, a PRJ 2, primeira do município e no interior do Paraná, na Rádio Central, na Difusora ou na Sant’Ana, passaram primeiro pelo aprendizado de Carlos Buch, que constituiu na RAF uma escola de locutores. “Garotos ainda me procuravam para falar no Serviço de Alto Falantes, encontrando ali a motivação maior para abraçar a carreira”, destaca Buch. A voz caracterizava cada um deles. “O Nilson de Oliveira tinha voz fina e medo de microfones, o Osires Nadal só queria fazer es-porte, mas achava que tinha voz feia, o Nei Costa possuía uma bela voz, mas era muito magro e as pessoas não acreditavam que era dono de voz tão forte e bonita”, recorda o vovô do rádio.

O esporte era muito divulgado. “Além de despertarmos a atenção dos jovens pelo rádio, nós realizamos transmissões de futebol e basquete, como Ponta Grossa x Universidad Católica do Chile. Nos grandes eventos, como a Copa de 1950, apresentávamos programas especiais e retransmitíamos os jogos do Brasil. Em 1958, passávamos todos os jogos da Copa e apresentáva-mos o programa Ki-Bom na Copa do Mundo. Em âmbito local, o clássico “Opeguá” (Operário X Guarany) animava os torcedores e trazia à tona toda a rivalidade presente entre eles. “Quando o Operário ganhava, os torcedores do Guarany não apareciam na Rua XV de Novembro. A moçada do Operário desfilava na segunda-feira. Quando o Guarany ganhava o Opeguá, não se via operariano nas ruas. Todo o pessoal do Guarany aparecia de camisa”, relata o radialista Milton Araújo Xavier, um dos mais antigos em atividade, com cerca de 50 anos de carreira. O placar esportivo era feito com muita simplicidade: todos os resultados eram anotados num quadro-negro, anunciados nos microfones e exibidos às pessoas que iam no estúdio ou na praça conferir. Assim era feita a resenha esportiva.

A RAF era o meio mais acessível de informação e cultura a uma população de aproxi-madamente 43 mil habitantes na década de 1950, de acordo com dados do IBGE. Esse público era, em sua maioria, pobre e analfabeto. Somente uma minoria poderia obter acesso às publi-cações impressas ou mesmo possuir poder aquisitivo para comprar um receptor de rádio para ouvir as emissoras nacionais ou locais. Dados do censo de 1940 indicam que menos de 10% dos domicílios do país tinham aparelho radiofônico. Essa realidade só começa a mudar a partir do término da Segunda Guerra Mundial, quando o desenvolvimento industrial passa a tornar o acesso ao rádio, aos poucos, generalizado. Enquanto isso, Carlos Buch ensinava aos iniciantes no mundo do rádio como transmitir a informação de forma clara, para que todas as classes sociais pudessem compreendê-la. As fontes eram o meio impresso, as rádios ou até mesmo pessoas bem informadas na cidade. É por causa dessa circulação da informação que a Rede de Alto-Falantes Campos Gerais era considerada um serviço de utilidade pública, além de ter sido a vanguarda do rádio em Ponta Grossa e região.

João Quaquio é jornalista, autor do vídeo-documentário “Memórias do Rádio”.

Memórias de uma época em que as notícias e o lazer circulavam na praça ou logo ali na esquina

João Quaquio

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GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006 GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006

Vocês eram muito amigos, né?M: Éramos bem amigos. A Áurea [Ruiz Leminski, filha do

poeta] tem a idade do Athon. Eles conviveram, a gente ia no ani-versário de um, eles vinham no de outro. Tanto que quando eu fiz esse projeto [refere-se ao CD “Fazia Poesia”], a Alice [Ruiz], a Estrela e a Áurea assinaram junto. Como é que um cara vai fazer um projeto com as músicas do Leminski? A família tem que es-tar na jogada. Foi um projeto aprovado de ponta a ponta. Existe um vídeo também. O projeto “Fazia Poesia” é o tape e o disco. Isso aqui [refere-se à capa do cd] é o cenário que foi refeito, os livros são os mesmos. A Áurea tinha todos os livros.

Ele sempre quis gravar um disco, não é? É a memória dele neste CD.

M: É o registro, mesmo, das músicas que foram feitas com ele, que não foram gravadas. Eu fiz questão de fazer. “Flor de cheiro”, “Quem faz amor faz barulho”, “Live with me”– ele musicou um poema do Shakespeare baseado no “Yellow Sub-marine”...

Ele era beatlemaníaco, né?M: Beatlemaníaco.

Ainda bem...M: “Caixa furada” é um samba. Ele nem tocava esse samba,

ele batucava. [Cantarola e batuca na mesa] “A caixa furada que me deste ...” Eu peguei essa música, botei na partitura, escrevi os arranjos, deixei tudo bonitinho.

Como era o processo de criação entre vocês dois?M: O Leminski vinha com os textos para mim: “Essa é para

você”. Aí eu falava, “Paulo, você tem que ver como é que tá”. Ele falava: “Tá bom, veja aí”. “Fazia poesia”, tem um verso que fala “cada tábua que caía doía no coração”. Ele falou assim: “Não esqueça do Adoniran, hein?” [risos]. Mas o “Fazia poesia” é o seguinte: em 1985, um grupo de estudantes universitários queria fazer um jogral. Esse pessoal ficou de fazer um espetá-culo só com poemas do Leminski. Eles o convidaram para par-ticipar. E o Leminski falou assim: “Se vocês convidarem o Mário, eu vou. Ele toca, eu canto, porque eu não vou só declamar poemas. Eu quero ir para cantar”. Ele gostava de cantar, e disse para mim: “Você tem que ir, porque eu só sei tocar umas cinco músicas no violão. Você vai, toca as da gente e acompanha as outras”. Ensaiamos e fizemos o “Polonaises”, em vários lugares. O show foi muito louco, repercutiu legal. Quando o Leminski morreu, fizeram o “Perhappiness” lá na Pedreira. Veio gente como o Itamar [Assumpção], o Moraes [Moreira], o Jorge Maut-ner. Reuniram os daqui também. Na seqüência, foi feito uma coisa mais elaborada, a Alice estava morando aqui ainda, e a gente queria tocar as músicas do Leminski. Ela participou da feitura do negócio, ajudou a escolher os poemas, aprovou. E daí tomou forma o projeto, eu como co-autor de certas canções e elas como herdeiras. Saiu o vídeo, só com poemas do Leminski e algumas canções do disco. Mas não é comercializado.

Todo mundo que é paranaense tem Leminski como refer-ência, hoje.

M: Leminski era maldito, cara. Era execrado no começo. O homem não era brincadeira. O pessoal institucional, como você fala, tentava achar defeito no cara. Porque as coisas são assim, né? Tem sempre gente tentando puxar o tapete. Mas ele era fogo, sabia de tudo. Não era um aventureiro. O Paulo teve mui-tos problemas familiares por ser do jeito dele, mas deixou uma herança que ainda está para ser descoberta completamente. A obra dele é muito forte. Eu fico muito contente por poder par-ticipar disso.

Uma coisa interessante é que você, Mário, é um paulista que vem para Curitiba e ajuda a construir uma identidade para capital do Paraná.

M: É que eu cheguei num momento em que as coisas es-tavam acontecendo. O [Paulo] Vítola, o [Paulo] Leminski e o Lápis são curitibanos. Mas o Solda é de Itararé e o [Paulo César] Botas são de Jacarezinho. Voltando ao “Fazia Poesia”. O Athon tocou também no disco. Vamos ver se no novo disco, ele traba-lha mais. Já estou fazendo preparação de estúdio, com os músi-cos, as músicas estão prontas, repertório escolhido. Chama-se “Velhos Amigos”. É um projeto que trata de toda a obra do Paulo Vítola, são dois cds e um livro. No livro, vai tudo o que ele produziu para jornal, prosa, verso, letras de músicas, resenhas. Então, isso é para fechar todo um ciclo que vem desde “Cidade

sem porta”, “Cidade da Gente”, “Velhos Amigos”. Fecha-se o ciclo da cidade. Aí, a gente vai partir para outros projetos que não têm mais a ver com essa temática.

É possível ver a formação da identidade curitibana muito ligada com o que vocês fizeram. Nos anos 70 e 80, falava-se de Curitiba como uma cidade ecológica, funcional, onde existem modelos de urbanização. Fala-se hoje da “Curitiba tecnológica”. Como você vê isso?

M: O trabalho que eu e Vítola estamos fazendo está rolando na música convencional. Não tenho compromisso com o novo, quero fazer música comum. Veja, nesse disco [“Velhos Amigos”] em nenhum momento se fala na palavra Curitiba. Só na última faixa é que se cita o nome Curitiba, uma única vez. O Vítola fez coisas de um formalismo que não cita a palavra, ele cita fatos, acontecimentos e situações do dia-a-dia. Mas eu vou fazer o quê, tecnologicamente? Eu entendo Curitiba do meu jeito. Os estúdios são equipados com tecnologia de ponta para gravar. Mas eu não vou fazer pirotecnia. Nós estamos numa fase em que a gente quer as coisas organizadas, a música instrumental muito bem tocada, com bons músicos. Eu quero fazer esse tipo de coisa: utilizar essa tecnologia e pegar o que tem de mais tradi-cional e deixar com a cara mais limpa possível. Veja a música do Tom Jobim, Ary Barroso, Chico Buarque: uma música limpa.

E o Tom Zé?M: Ah, o Tom Zé é outro caso. Sou fã do Tom Zé, mas eu

não conseguiria fazer nada parecido com o que ele faz, a não ser de brincadeira. Gênios existem. Eu não estou nessa turma. Quero fazer as coisas no padrão da música brasileira. Eu adoro música instrumental. Tanto é que grande parte do “Velhos Ami-gos” saiu do instrumental. Eu ainda vou conseguir fazer um tra-balho inteiro instrumental.

Voltando mais uma vez: você falou da sua família, sua mãe cantava, e seu pai era músico também?

M: Meu pai era farmacêutico. Por toda a juventude, minha mãe cantou em corais. Hoje ela está com 80 anos. Em Ara-raquara sempre teve ótimos corais. Eu acompanhava minha mãe em todos os ensaios. Ela cantava na igreja, também, mas lá eu não ia, a música sacra não me encantava. Sentava ao lado da pianista nos ensaios. Fui atrás dessas coisas. Cantava em serena-tas, com meu violão. Eu ouvia Dorival Caymmi. Francisco Alves, Orlando Silva. Mas Caymmi é quem eu ouvia mais. E as coisas do cinema americano.

Como é que você espera que as pessoas vejam sua obra, hoje e no futuro?

M: Eu espero que as pessoas simplesmente gostem e ouçam. Quando eu gravo canções, eu dou muita ênfase à palavra, a pa-lavra é o principal. O Gaya sempre dizia uma coisa: a arte não deve agredir, a arte é mais do coração que da razão. Eu encaro a música como ofício. Como um sapateiro, um costureiro: tem que fazer bem feito. Tem que estudar, mesmo, com professo-res. Eu tive um embalo quando eu conheci o Gaya. Eles [Gaya e sua esposa] não tinham filhos, eles quase me adotaram. O grande lance que o Gaya fez para mim foi a amizade que ele me deu. Me punha ao lado do piano, me deu um caderno de choros. Ele dizia: “Treine isso, treine a leitura”. Eu falei para ele que quando eu fizesse 60 anos eu ia começar a fazer arranjo. Eu estou com 57 e já consegui alguma coisinha. O princípio é estudar. Depois, se relacionar com os outros músicos, sem hierarquia, sem querer ser mais do que ninguém, porque todo mundo tem algo para passar pro outro. Não sentar em cima de informação. Estudar e trocar idéia é fundamental. Há lugar para todo mundo. Vinicius falava, né? “Vai ouvir Pixinguinha que vai grudar no seu ouvido”.

Vinicius inaugurou o Paiol, né?M: Tem uma boa com o Vinicius, que é o seguinte: ele e To-

quinho foram no Batuque, que era o barzinho onde eu tocava. Foi aquela festa. Aí o eu deixei o Toquinho no hotel, e ele me falou: “Olha, você vai continuar, toma cuidado, que o velho é barra pesada. Já que você vai ficar com ele, eu vou dormir”. E eu falei, “deixa comigo”. Aí, seis horas da manhã, saímos de um lugar, já tínhamos tomado uns dois litros de uísque. Ele pegou os óculos escuros, pôs na cara, virou para mim e falou:

PARA ONDE É QUE NÓS VAMOS AGORA?

[risos]

A trajetória fonográfica de Marinho Gallera começa com o álbum “MAPA” [Movimento de Atuação Paiol], lançado em 1976. O disco, produzido por Roberto Nascimento, foi uma iniciativa da Fundação Cultural de Curitiba para divulgar a cena musical curitibana no restante do país. Este álbum foi uma produção coletiva que contou com a participação de Mário, Paulo Vítola, Paulo César Botas, Paulo Leminski, Sérgio Maluf, Celso Loch, entre outros. A música “ Receita”, de Mário e Vítola, fez parte da trilha sonora da novela “O Espantalho”, da Rede Globo, em 1977.

“ONZE CANTOS” foi uma produção realizada com o objetivo de ser distribuída aos clientes da agência “Múltipla Pro-paganda”, onde trabalhavam Marinho, Vítola e Leminski. Lan-çado em 1979, além de músicas novas, recebeu a gravação de algumas canções da peça “ Curitiba Velha de Guerra”, produzida por Vítola e Mário Gallera.

“CURITIBA, CIDADE DA GENTE” foi Lançado em 1982. O LP duplo possui 24 canções cuja temática central é a história de Curitiba: a floresta de araucárias povoada por povos indí-genas, a cidadezinha com inúmeros engenhos de erva-mate, a belle époque curitibana, que recebe a visita do zeppelin e já tem no cinema sua principal diversão. Também estão presentes, neste trabalho que marcou os anos 80, referências ao circo da família Queirolo, ao Passeio Público, aos automóveis Ford e à miscigenação que deu origem às “polaquinhas pixaim”. Músi-cas como “ Ford Bigode”, “Chucrute, abacaxi e vinavuste”, além da clássica “Mocinhas da Cidade”, numa gravação de Nhô Be-larmino e Nhá Gabriela feita especialmente para o disco, são conhecidas e cantadas até hoje nos círculos musicais da capital do Paraná e também tocam nas rádios FM’s com programação alternativa.

O álbum “A PAIXÃO SEGUNDO CRISTINO”, com Paulo César Botas, é a única gravação desta obra de Geraldo Vandré. Virou show em 1984, percorrendo os bairros de Curitiba durante a Semana Santa. “Eu comecei a fazer lá em São Paulo, com o Paulo, aí nós retomamos e eu pensei que dava pra fazer um negócio maior. Eu e o Gaya escrevemos (os arranjos). A gente fez em todos os bairros de Curitiba, fomos no Guairão e tudo, mas o legal era nos bairros”. O disco possui uma temática política, já que as músicas eram representadas pelos frades dominicanos do mosteiro de São Bento, em São Paulo, nos anos 70, junto com Vandré e o Trio Maranhão, como resistência à ditadura militar. Depois, Paulo Botas – que é dominicano – chamou Mário pra continuarem a fazer o trabalho, e o disco se tornou um espetá-culo de grande sucesso.

O CD “FAZIA POESIA”, de 2004, traz a gravação de canções criadas pelo poeta Paulo Leminski e seu principal par-ceiro musical. O disco conta com a produção de Mário e Álvaro Ramos, além das participações de Alice Ruiz, Áurea e Estrela Le-minski, Eduardo Spiller, Paulo César Botas, Paulo Vítola, Athon Namur Gallera, Sérgio Albach, Mário Conde, entre outros. Paulo Leminski sempre flertou com a música popular – escreveu músi-cas em parceria com Itamar Assumpção, Morais Moreira, Waly Salomão e foi gravado por Caetano Veloso e Guilherme Arantes, além do conjunto de rock Blindagem. Um de seus sonhos era a gravação de um disco com suas canções. A morte prematura do poeta, em 1989, deixou a cargo de seus amigos e família a realização deste sonho, que mostra a grande criatividade do poeta paranaense, não restrita apenas ao plano da literatura. A sensação que se tem ao ouvir é a de que o poeta está presente em espírito e na força das palavras e das melodias. Para 2006, está previsto o lançamento de “Velhos Amigos”, que retoma a parceria entre Mário e Vítola, e vai, segundo Mário, “ fechar o ciclo da cidade, para que então possamos voltar nosso trabalho para outras temática

OS DISCOS DE MARINHO GALLERA

André Rosa

TIRAS

HOMEM-BUNDA - Sádico

TOPE

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o

sentado nos bancos do Ponto Azul, saberiam o mesmo que eu sei._Você quer ir, Artur? – perguntou Robson – A gente sai daqui na sexta-

feira à tarde, e voltamos no domingo de noitinha. Levamos algumas barracas, material de pesca, sanduíches, e pronto!

_Bem, eu não sou muito fã de pescaria. Mas gosto de acampamento. Beleza... Conte comigo!

_Não faz isso! – exclamou Mário – Você vai passar a noite no meio do mato e a noiva vai pegar você.

_Que noiva? – perguntei._É o fantasma de uma noiva. – explicou Robson – De acordo com Mário,

há vários anos um casamento deveria ter ocorrido na beira do Alagados. Mas devido a um acidente, a coitada morreu antes da cerimônia, quando já vestia véu e grinalda.

_É isso mesmo! – disse Mário – e agora o fantasma da noiva continua vagando pela mata em torno da represa. Algumas pessoas já a viram flutuar sobre a água. Ela tenta afogar os homens, ou arranhar o rosto dos que passam por lá à noite.

_Ora, por favor... Isso é ridículo!_Pois é. Eu falei pra ele. – comentou Robson. – Só que Mário garante

que um amigo dele, soldado, falou que a história é verdadeira. O cara disse que participou de um treinamento militar noturno, à beira do Alagados. E no meio da noite foi atacado pelo tal fantasma. Diz o Mário que o Exército deu até licença de alguns dias para que o soldado se recupere do susto.

_Ridículo, Mário._Foi o que eu disse pra ele. Tá vendo, Mário. O Artur aqui não é covarde

que nem você!_Pois é. – disse Mário, cabisbaixo._Mas diz aí, Mário, quando seu amigo volta pro quartel? – perguntei,

rindo._Não sei. Pergunta pra ele... Ô, Ferreira!! – gritou, em direção ao bal-

cão. Um rapaz se virou para nós e então pude ver os quatro grandes

arranhões que tornavam ainda mais macabro seu rosto abatido. Enquanto o rapaz caminhava num ritmo militar em direção à nossa mesa, só me ocorreu cochichar uma pergunta ao Robson:

_Por que não acampamos no Rio Tibagi, que é mais perto, hein?

Alagados

Artur Pena

CONTA OUTRA

Anoivado

HUMORHUMOR

Foi em outra tarde abafada que encontrei Mário e Robson esvaziando uma garrafa de cerveja no bar onde já é costume travarmos breves ou longos diálogos. Mas dessa vez eles discutiam antes mesmo de minha chegada.

_Mário, você tá louco? Isso é tudo boato! – disse Robson, indignado._Não, não e não! Já disse que não vou... Com esse tipo de coisa não se

brinca. – disse Mário._Oi, Pessoal... – falei – O que tá acontecendo aqui? Vocês estão na

primeira garrafa e já brigam desse jeito?_É o Mário! – falou Robson – O cara é muito medroso... Imagine que eu

o convidei para uma pescaria lá na represa do Alagados. Mas ele não quer ir, só porque ouviu uma história sobre fantasma...

_Ai, não... – eu disse – outra! De onde você tira tanta criatividade, Mário?

_Não invento nada. Se vocês conversassem com esse pessoal que fica

NÃOACREDITEEMTUDOOQUEVOCÊLÊESPECIALMENTESEESTIVERDEPONTA-CABEÇA

Ilustração extraída de: www.hum.utu.fi/ naistutkimus/links.html

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GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006 GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006

“Aí, o Vitola disse: ‘Cerveja é Original, o resto é cópia’”

Nhô Belarmino e Nhá Gabriela durante a grava-ção de “As mocinhas da cidade”, para o disco

“Cidade da Gente”, 1982.

Da janela do estúdio, Áurea e Athon observam Leminski, Vitola, Paulo Botas, Marinho

e Selma Castro.

Paulo Vitola e Marinho Gallera gravando “Onze Cantos”, 1979

Leminski, Alice Ruiz e Marinho, no Pilarzinho em 1981

negócio. Outros, não continuaram. Também integraram o Mapa o Alfreli Amaral, dos Metralhas. “Vamos fazer tudo junto” – era essa a idéia. É aí que você conhece as pessoas, faz uma medida das tuas coisas. Você tem que optar, ou faz uma coisa pelo teu ambiente ou você tem que ir pro “mercadão”. O Leminski e o Vítola foram pro Rio e depois voltaram, porque não era bem aquilo. Se quiser fazer alguma coisa endereçada pro “mercadão”, você tem que procurar esse “mercadão”. Eu não tenho esse interesse. Se eu tivesse, eu já teria ido. É outro lance: fazer sua músi-ca, ou seu teatro, ou sua literatura de uma maneira mais independente, dê no que der. Hoje é possível fazer isso.

E naquela época, como é que era?M:Naquela época a gente ficava encerrado mesmo. É lógico que

todo mundo tem sonho de fazer sucesso no Rio de Janeiro, né? Mas tínhamos noção que não era uma coisa fácil, que ia pintar de um dia pro outro. De repente entra uma música minha e do Vítola, gravada pelo Paulo Chaves, na trilha de uma novela.

“Receita”?M: É, [a novela] chamava-se “Espantalho”. Na seqüência, o Leminski

fez o negócio com o Guilherme Arantes, também. Apareceu o Moraes Moreira, o Caetano Veloso, que gravou “Verdura”. O lance é você acre-ditar no ofício e ir em frente.

E o contexto político brasileiro da época?M: Pois é, tudo o que você quisesse fazer, tinha que passar primeiro

pela censura. Eu tenho até hoje os certificados da censura. Atravancava de um lado, mas não é por isso que você não vai fazer as coisas. Todos nós arrumamos um jeito de fazer. Era um pouco mais demorado, mais burocrático, mas se conseguia. Eu fazia teatro político na época. Isso existia em todo lugar: no Rio de Janeiro, em São Paulo, Porto Alegre, e aqui também. Eu fazia teatro e tocava na noite.

Então, veio o “Curitiba, cidade da gente”?M: Em 1981, nós tivemos uma peça, “Ó Curitiba, nossa tribo, salve

salve”, feita para inaugurar o Teatro de Bolso. O Vítola havia feito o “Ci-dade sem Porta”, e várias músicas não haviam sido gravadas. Fizemos essa peça, com muitas músicas novas e interessantes sobre a história da cidade. Fizemos o projeto, levamos na Fundação Cultural. Aí aparece quem? Estava chegando em Curitiba o maestro Lindolfo Gomes Gaya. Eu já havia estado com ele, produzindo o show “Andanças”. O Gaya me ligou: “Tô indo praí, vê se você me arruma alguma coisa”. Eu falei: “Tô começando a gravar”. Ele foi comigo ao estúdio, ajudou à beça no disco, foi uma experiência fantástica. Fez, de cabo a rabo, “Choro de Rua” e o samba “Ford Bigode”. Falamos com seu Salvador [Graziano, da dupla Nhô Belarmino e Nhá Gabriela] para que gravasse “As mocinhas da cidade”. “Cidade da Gente” deu um resultado legal. Gravamos num padrão técnico melhor, com cordas de verdade, o Gaya regendo a or-questra.

Você continuou tocando na noite?M: Noite não, aí a gente fazia Paiol, Reitoria. Com o Paulo Botas

eu fiz muito show, porque o Paulo era de palco mesmo. Ele tinha uma ligação com a Escola de Comunicação e Artes da USP. A gente fazia shows políticos. Ele cantava bem pacas, eu tocava viola. Era ótimo to-car, porque ele tinha uma empatia fantástica. Ele costumava cantar com Milton Nascimento, fazia show com [Paulo] Belinati na Europa. Paulo é uma figura.

Dá para pensar nos anos 80, em uma imagem de Curitiba para a qual vocês contribuíram bastante, concorda?

M: Sim. Além disso, tanto o Vítola quanto eu participamos de cam-panhas [publicitárias]. Eu fiz o jingle “Lixo que não é lixo”. [Todos can-tarolam: “lixo que não é lixo...”]. Algo de que eu adorei ter participado.

Claro, é uma música que é conhecida no mundo inteiro, né?

M: Fizemos o jingle do “É com esse que eu vou”, quando surgiu o ônibus vermelho [refere-se ao expresso, inaugurado em 1975]. O Vítola pegou a música do Pedro Caetano. O Jaime Lerner, enquanto prefeito, levava essas trilhas para qualquer viagem que ele fazia.A mulher de um amigo meu, que é carioca, me disse: “Vi um tape teu no Japão”. O músi-co tem dessas coisas, né? A gente não vai, mas as músicas da gente sim. [risos].

O Athon [Gallera, músico, filho do entrevistado] nos contou que você teve um namoro com o choro?

M: Se eu pudesse, faria um disco só de choro, mas é que tem outras coisas que envolvem a minha formação. A bossa-nova foi o lance que me norteou, assim como a música regional. Eu tinha muito acesso a cinema. Morei em cima de um cinema e quinta-feira, passavam três filmes. Eu entrava no cinema às 7 horas da manhã e saía às 11. Vi todos aqueles números musicais que havia nos filmes brasileiros. Trio Irakitan era legal. O Radamés sempre puxou para essa coisa do choro, Brasil, popular-eru-dito. Depois, um sobrinho dele [Roberto Gnatalli] me deu muito material. Eu tenho um material do Radamés fantástico.

Fora a música brasileira, o que mais que rolava?M: Sempre gostei muito de musical americano. Gershwin, Richard

Rodgers. “My fair lady”, “Porgy and Bess”. A ópera sempre morou comi-go por causa da minha mãe, que cantava ópera italiana. Quando eu ouvi a opereta americana, fiquei fascinado, realmente.

Você tá aqui, nesta foto, com o Vítola, no Passeio Público, tomando

uma cerveja Original...M: Deixa eu te contar a história dessa cerveja Original. Eu ia todo

sábado para Ponta Grossa. Aí, eu fui lá na fábrica [da cervejaria Adriática, demolida em 1996] e o cara me falou que ia me arrumar dois engradados de Original. Acho que foi o Zé Chemin [poeta e ecologista ponta-gros-sense] que me apresentou o cara: “Então, semana que vem, o senhor traz os dois engradados que eu arrumo a cerveja” [risos]. Quando eu coloquei os engradados no carro, fui num telefone público, liguei pro Vítola e falei: “Tô com dois engradados de Original aqui”, e ele: “Então, já vou por a carne para assar, venha direto para minha casa” [risos]. Passamos dois dias tomando os engradados. Aí o Vítola falou assim: “Cerveja é Original, o resto é cópia”. Havia garrafa de Original espalhada em tudo quanto é canto. Estava próximo de fazer as fotos do disco, ele disse: “Temos que guardar uma para tirar a foto, tem que ser com Original, o resto é cópia” [gargalhadas].

Coisa irônica, hoje a Original é que é uma cópia...M: Era uma cerveja forte pacas.

E sobre a produção cultural em Ponta Grossa?M: Eu conheço o que o Athon faz. Eu sei que o Waltel Branco ficou

lá um tempo. Eu gostava muito daquela banda que tem lá.Athon: A Lyra dos Campos.M: Eu gostava muito. Acho legal a cidade ter banda. A primeira vez

que eu ouvi uma música minha assim, arrumada, uma marchinha, ouvi tocada pela banda do 13.º Batalhão da Polícia de Araraquara. Foi ótimo.

O Leminski era uma pessoa que estava em todas, não?M: Me lembro muito bem do Leminski: isso é aqui é pro Ivo [Ro-

drigues, vocalista das bandas “A Chave” e “Blindagem”], isso aqui é pro Marinho... O Blindagem gravou um monte de coisas boas dele, tudo rock pesado, com palavras apropriadas. Comigo ele fazia música doce, MPB. Ele conhecia a gente. O Leminski escrevia mesmo, o tempo todo ele bolava poesia. Tinha uma vastidão de criatividade. Para dar vasão a toda essa quantidade de textos, ele precisava de muita gente. A Estrela [Ruiz Leminski, filha do poeta] me disse: “O pai não ficou com tantos parceiros assim. Talvez seja você quem tenha o maior número de músicas com ele”.

“Hoje vamos ver como é fácil fazer um jornal de interior...” (Ana Maria Braga)

“Será que esse projeto vai decolar?” (Santos Dummont)

“As bênçãos chegam uma de cada vez, a desgraça vem em grupo” (Bruce Lee)

“A cada texto uma dúvida: um defunto-autor ou um autor-defunto?” (Brás Cubas)

“Há algumas gordurinhas, mas nada de desastroso” (Ivo Pitanguy)

“Leitura que desejo a todas as crianças” (Herodes)

“Ou o problema está na vela ou no pistão, amigo” (mecânico)

“Esse grupo é muito fechado” (João Havelange)

REPERCUSSÃO NEGATIVA DO GRIMPA

Destacamos também os textos de

Fabielle de Almeida [viaja-se com livros, um dos companheiros é Gulliver]Amazonas Mendes Filho [a lembrança de uma viagem comemorativa por novos tempos]Willian Vanderlei Meira [texto sóbrio, bem pontuado e organizado]Karen Andressa Soares [dinâmico, envolvente e divertido]

“(...) Só que num determi-nado momento dessa viagem, eu percebi que tudo isso havia sido um sonho, que aquele mundo de paz havia acabado e a roda gigante das crianças havia parado.

Voltei para o meu mundo onde todos trabalham em bus-ca do que poucos conseguem.

Enfim, foi uma viagem que chegou ao fim”

Taysa Cristiane da Silva

“Na verdade não gosto mui-to de falar sobre minha última viagem, então vou falar sobre uma possível grande viagem que possa vir acontecer.

Ela seria para a cidade do Cabo, no México. Gostaria de ir com os meus amigos para lá e passar um mês hospedado em um hotel a beira mar, fazer festa todas as noites, sair para danceterias, fazer muita ba-gunça, conhecer pessoas no-vas (...)”

Cleverson dos Santos

“Lá [em Rondônia] as pes-soas cobram muito caro pela comida e por outras coisas. Por exemplo, um bujão de gás era R$ 50,00. E existiam muitos animais ameaçados, como arara-azul e tamanduá-bandeira mortos na beira da estrada, chegava dar dó”

Hariane dos Santos

MINHAÚLTIM

A

GRANDE

VIAGEM

Estes textos foram sele-cionados entre dezenas. Essa quantidade só foi possível alca-nçar pelo trabalho junto a tur-mas de ensino médio do colégio Regente Feijó, durante aulas de português ministradas pela pro-fessora Márcia Sielski:

A ganhadora do livro “Pé na estrada” (Jack Kerouac) é Taysa Cristiane da Silva. Consideramos que seu texto reúne originalidade, boa redação e força discursiva. Cumprimentamos a autora. A ela e aos ou-tros participantes, nossos votos por continuarmos na grande aventura da escrita e da leitura!

A Hevely Villalba Santos, nossa gratidão por nos confiar textos tão bem guardados.

Confira nosso novo concurso, a promoção “Olho no lance”.

ALGUMAS IMAGENS DAS VIAGENS

“Eu estava ansioso pois nunca tinha visto o mar, somente pela TV, mas não é a mes-ma coisa”

Dudeson Alex

“Pedi para minha avó fazer sonhos, bo-los e o que não pode faltar, aquele pão quentinho saindo do forno”

Juliana Castro

“Estávamos sem sorte nesses dias, porque todos tinham levado só roupa de calor, e nos quatro dias que ficamos lá só choveu e fez frio...”

Michelle de Moura

“Nós perdemos logo de início para uns japonei-zinhos de Londrina, eles jogavam muito e tinham um treinamento e uma estrutura bem melhor que Ponta Grossa, mas a viagem compensou nossa derrota, ficamos quase uma semana em Toledo”Thiago Neves

RESPOSTAS da cruzadinha # 04VERTICAIS1. ADIN / 2. Gengibirra / 3. Rebuscada / 4. Anus / 5. Maçaroca / 6. Incauto / 7. Put / 8. Halo / 9. Vira / 10. Rococó.HORIZONTAISA. ISEB / B. PGS / C. Mica / D. Fidusca / E. Graspa / F. Caraguatá / G. Gen / H. Nua / I. Banto / J. R / K. Rei / L. Cancha / M. Azul / N. Roto / O. Hino / P. Burro / Q. Pi / R. Vão / S. RP / T. MC.

“O universo não passa de uma idéia passageira de Deus – o que é um pensamento duplamente desagradável se você tiver

acabado de pagar a entrada de sua casa própria” (Woody Allen)

“Consciência tranqüila é sinal de falta de memória” (Fausto Wolff)

“Com a bossa de qualquer bom brasileiro, possuo um sangue quente de um artista, sou milionário, incenso de humorista,

mas juro que estou duro e sem dinheiro” (Juca Chaves)FR

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FILIE-SE À GRIMPICE:ajude a preservar o jornalismo, o humor e a literatura

Essa edição agradece a contribuição dos amigosMárcia Sielski, Osmar Demeneck Jr., Rafael Wanke e Jorge Cunha

Info: [email protected]

M.C. Sistemas

(42) 3238 23029972 2836

SonorizaçãoCircuito fechado de TV

AlarmesPortões/Porteiros eletrônicos

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GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006 GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006

O ESQUECIDO DO MÊS...O ESQUECIDO DO MÊS...

Alceu BortolanzaQuase como um desafio, recebi a proposta de escrever sobre algum músico pa-

ranaense. A princípio parecia uma tarefa um tanto complicada, pois pouco sabemos de paranaenses que depois de algum sucesso extra-regional, ainda houvessem tido a graça de “cair no esquecimento”.

O Paraná sempre sofreu de crises de identidade. Não podemos dizer que por aqui surjam criações musicais com a mesma abundância de outros Estados. Ou pelo menos, não têm o mesmo espaço para serem mostradas. Nem seria o caso da música erudita, pois nessa área temos vários (Alceo Bocchino, Bento Mossurunga, e muitos novos talentos), mas como falamos sempre no âmbito da música pop, nos restam pouquíssimos baluartes em-punhando essa bandeira. Poderíamos citar o grupo “Blindagem” com a poesia de Leminski. Mas, infelizmente nunca conseguiram chegar ao reconhecimento nacional; dizem alguns que o sotaque atrapalhou, o que não creio, pois não são diferentes de alguns gaúchos que tiveram melhor sorte. A indústria fonográfica não está instalada por aqui e talvez por isso a brasa fique longe da nossa sardinha.

Mas, dentro da nossa proposta de resgatar a memória de quem deixou de ser lem-brado, o que se encaixa mesmo e com todos os méritos é o londrinense Arrigo Barnabé. Nascido em 1951, viveu por lá seus primeiros vinte anos. A seguir foi para São Paulo contin-uar os estudos, onde fez curso de Composição na Escola de Comunicações e Artes da USP. Neste período, participou do Festival Universitário da TV Cultura com a música “Diversões Eletrônicas”. Seu primeiro LP independente, “Clara Crocodilo”, saiu em 1980. Formou a banda “Sabor de Veneno”, com integrantes como Vânia Bastos, Tetê Espíndola, Suzana Salles, Paulo Barnabé e outros. Então começa seu reconhecimento nacional como “músico de vanguarda”, fazendo fusão de música erudita contemporânea, jazz e MPB, misturados ao caos da linguagem urbana. Sem abrir mão do humor que daí se depreende. Detalhe: ele precisou estar em São Paulo para que isso ocorresse. O concretismo, o erotismo e a transcendência filosófica sempre foram os ingredientes principais de sua linguagem radical, onde os lobos, crocodilos e tubarões são representantes do comportamento humano.

Em 1984, com o segundo LP “Tubarões Voadores”, foi aclamado pela crítica, até mesmo internacional. Mas, como todo radical (no bom sentido), caiu no vazio da incom-preensão e passou a ser rejeitado pela indústria fonográfica que antes de tudo anseia lu-cros, sem preocupar-se tanto com qualidade ou formas alternativas de expressão musical. Esquecendo até que o mercado não necessita apenas de forjadores de sucesso. Filosofia que acaba colaborando com a manutenção do conservadorismo cultural, impossibilitando a compreensão de uma nova ordem por parte do espírito musical brasileiro. E isso fez com que Arrigo tentasse uma adequação aos padrões vigentes. Não deu certo, pois não con-seguiu moldar sua forma de expressão a tais exigências, o que o fez voltar ao velho estilo. Passou então a se dedicar à composição de trilhas sonoras para filmes, teatro e documen-tários. Foram mais de uma dúzia até aqui. O principal foi “Cidade Oculta”, onde atuou também como ator e roteirista. Entre os mais recentes trabalhos em trilhas, participa de “Ed Mort” e “Oriundi”.

Portanto, do Paraná, que parece restrito aos regionalismos e não haver de quem se falar, surge sim, esse verdadeiro Stockhausen da MPB, como experimentalista que é. Um dos grandes responsáveis pela maior revolução na música brasileira depois da “Tropicália” de Tom Zé, Caetano e Gil.

Se o ouvido já não estiver viciado aos sons da moda e o espírito for livre, leve e solto, vale a pena ouvir e divertir-se com as autênticas invencionices de Arrigo Barnabé. São como estocadas em nossa cultura massificada, tão carente de subversores.

* ALCEU BORTOLANZA é colecionador de discos

‘não’-realidade

‘não’-realidadeHelcio Kovaleski

Muito provavelmente, quando você, caro leitor, estiver lendo esta crítica, a sexta edição do Big Brother Brasil (BBB), da Rede Globo, já deverá ter chegado ao fim. No dia em que este texto foi escrito (21 de março), ha-via quatro ocupantes na famosa casa localizada no bairro de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro: Mara, Agustinho, Rafael e Mariana - a líder da semana. Gustavo tinha acabado de ser elimi-nado com 63 % dos votos. Este que lhe escreve nem seria louco de prever quem ganhou o fabuloso prêmio de um milhão de reais, e não é bem esse o objeto de reflexão da coluna.

Segundo medição do Ibope feita em 750 domicílios da Grande São Paulo entre 27 de fevereiro e 5 de março, e publicada na edi-ção de 19 de março da Folha de S. Paulo, o programa figurava em segundo lugar com 42 pontos, ou 3.663.000 telespectadores, per-dendo apenas para a telenovela Belíssima (46). Responda rápido: assistir ao programa afetou o seu dia-a-dia? Causou alguma ruptura no seu modo de viver? Pois é. Independente da res-posta ser sim ou não, o fato é que tais números mostram que essa parceria entre a Globo e a holandesa Endemol, criadora do formato tele-visivo dos “reality shows”, continua sendo um sucesso no Brasil.

A idéia dessas “representações da rea-lidade” (numa tradução bem manca) nasceu, segundo o professor Arlindo Machado, da PUC-SP e ECA/USP, na década de 1930 com o programa radiofônico “Candid Microphone”, de Allen Funt, que, em 1940, faria “Candid Camera”. Nesse programa, “câmeras escondi-das na paisagem flagravam situações cômicas ou vexatórias, sem que os seus protagonistas soubessem que estavam sendo filmados”. Ou seja, esse tipo de programa surgiu antes mesmo que o escritor inglês George Orwell cunhasse a expressão “big brother” (“grande irmão”) em seu visionário “1984”.

Depois veio, ainda segundo Machado, “possivelmente, a primeira experiência explíci-ta de vigilância autoconsentida” num programa chamado “An American Family”, exibida pela rede norte-americana PBS, em 1972, que deu origem à expressão “télévision-vérité” (“tele-visão-verdade”), do teórico francês Jean Bau-drillard. Era, nada mais, nada menos, que a vida cotidiana de uma família americana “de verdade”, sem atores e nem a mais remota ficção, observada minuciosamente em sua vida privada por inúmeras câmeras durante sete meses seguidos.

Em termos de história da televisão, por-tanto, o BBB não chega a ser uma novidade. Porém, há algo de instigante exatamente na expressão que o define. Como é que um pro-grama exibido a partir de uma casa sem con-

ArrigoArrigoBarnabéBarnabé

tato com o mundo exterior pode ser chamado de “reality show”? Ora, se o lugar de ser e de estar no mundo contemporâneo cada vez mais se pauta pelas notícias do que acontece em es-cala planetária, e se esse fator confere um grau de legitimidade à existência humana, então, ao invés de chamá-lo de “show de realidade”, o correto não seria, tão-somente, denominá-lo “show de ‘não’-realidade”? Pois, se não existem notícias, não há história, nem, muito menos, História. Como pode ser tomado como realidade aquilo que está fora dela? E o mais contraditório: como essa “não-realidade” tem a capacidade de agendar a vida cotidiana de milhões de espectadores e até mesmo pautar telejornais, jornais, revistas, internet e emisso-ras de rádio?

Segundo o psicanalista Jurandir Freire Costa, o que chama a atenção num programa como o BBB não é exatamente o fato das in-timidades serem expostas em rede nacional, como num “mercado das pulgas”, mas sim “a miserabilidade, a pobreza de espírito” das intimidades expostas. Ou seja, se oferece um produto embalado para presente em horário nobre e o que se tem é a miséria humana de ações banalmente cotidianas.

A propósito, é exatamente nesse quesi-to que o BBB não evoluiu praticamente em nada. Um detalhe aqui, outro ali, mas o apelo sexual (e escatológico) de “flagrar” descuidos de nudez involuntária ou cenas privadas (des-culpem o trocadilho!) e as armações entre os participantes para derrubar rivais continuam. Só que, agora, os “brothers” entram na casa mais antenados, no mínimo porque “apren-deram” a jogar como espectadores.

Aliás, o atual programa pode ser con-siderado como o mais morno de todas as edi-ções. Houve um ou outro bate-boca entre participantes (Mariana versus Iran, Rafael ver-sus Mara), e somente na reta final. No início do programa, todos eram tão irmãozinhos e santinhos do pau oco - embalados pelo “monge” Gustavo - que dava a impressão de que não ia rolar uma briguinha que fosse. Um namorico, então... E a patuléia não quer saber disso. Para sua alegria, a ripa desceu. Pouco, mas desceu.

Em suma, é mais ou menos nisso que continua se resumindo o ato de assistir ao BBB: ver, ao vivo e a cores, situações “reais” de algo que está mais próximo das pessoas do que se imagina, mas que elas preferem assistir pela tevê. Mesmo que sejam realidades inventadas para fins de entretenimento. Paradoxal, no mínimo.

Helcio Kovaleski é diretor de vídeo e roteirista de cinema

Shows deShows de

Entrevista com Marinho Gallera

EU NÃO TENHO

Entrevista com Marinho GalleraMário Amadeu Gallera aportou em Curitiba para

se tornar parceiro e amigo de figuras como Paulo Ví-tola, Lápis, Leminski, Solda, Alice Ruiz e Paulo César Botas. O músico, natural de Araraquara, faz parte de uma geração marcante da cultura paranaense. Her-deiro musical do maestro Lindolfo Gaya, participou de um período muito peculiar da história de Curitiba – um momento em que a cidade deixava para trás as casas de madeira e calmas ruas estreitas para tornar-se um grande centro urbano. A imagem da cidade “moderna” se consolidou, em grande parte, a partir das intervenções desta geração de poetas, escritores, publicitários e músicos. Os projetos – discos, shows, peças de teatro, filmes, campanhas publicitárias – se confundem com as transformações culturais e sociais ocorridas nos últimos 30 anos na capital do Paraná. Um dos seus últimos projetos, o cd “Fazia Poesia”, lançado no fim de 2005, é fruto da sua parceria com Paulo Leminski. Ambos foram grandes amigos e Marinho carrega a honra de ser o mais próximo par-ceiro musical do grande poeta paranaense. Grande parte desta parceria está presente neste disco, que é o mais recente lançamento da carreira de Mário, iniciada nos anos 70, com o projeto coletivo “Mapa” [“Movimento de Atuação Paiol”, iniciativa da Funda-ção Cultural de Curitiba para promover os artistas locais em nível nacional]. Nesta entrevista, Marinho comenta sua trajetória desde a chegada a Curitiba, os encontros e parcerias com figuras como Geraldo Vandré, Radamés Gnattali, Vinicius e Toquinho, Mil-ton Nascimento e destaca o papel de sua geração no estabelecimento de uma imagem de Curitiba como “pólo cultural”. O disco “Curitiba, cidade da Gente”, lançado em 1982, mesmo sem entrar no “mercadão”, como diz Marinho, acabou marcando época. Uma valorização das raízes da cidade, que de uma “mocinha” bem comportada se prepara para fazer parte do circuito cultural brasileiro. O encon-tro com Marinho, ocorrido numa tarde fria e tipica-mente curitibana, em outubro de 2005, foi recheado de uma boa prosa, cafés e cigarros. Confira os prin-cipais pontos dessa conversa, que contou com a par-ticipação de Athon Gallera e Luciano D’Miguel.

COMPROMISSO COM O NOVO,

QUERO FAZER MÚSICA COMUM

O que te motivou a vir a Curitiba?M: Vim fazer faculdade de Ciências Sociais. A

primeira coisa que fiz em Curitiba foi teatro, porque eu tinha essa experiência. Lá em Araraquara tinha o Zé Celso Martinez, de uma geração um pouco mais velha do que eu, da geração do Inácio de Loyola [Brandão]... Aí não deu mais para continuar com a faculdade, comecei a viajar muito. Foi quando co-nheci pessoas que tinham contato nacional, como a diretora da Fundação Cultural, Marilisa Passioni e Aramis Millarch, jornalista que era presidente da As-sociação dos Pesquisadores de Música Popular. Nessa época, Radamés Gnattali veio gravar aqui com a Camerata Carioca - aquele pessoal todo: o Raphael [Rabello], Mauricio Carrilho, Hermínio Belo [de Car-valho]. O Aramis tinha acesso a toda essa gente. Ofe-receram o Teatro Paiol para o pessoal daqui ter onde reunir, trocar idéias e ir montando aos poucos shows coletivos. Nesse primeiro momento, era o Paulo Ví-tola que organizava o negócio. Eu me tornei parceiro do Vítola já nessa época.

Você conheceu o Vítola por causa do Paiol?M: O Aramis tinha me apresentado antes. Eu to-

cava na noite aqui também, o Vítola morava perto de onde eu tocava. Por volta de 72 que a gente começou a fazer uma música ou outra. Ele fez “Ci-dade Sem Porta”, com arranjos do Waltel Branco, para inauguração do Guairão.

E como você conheceu o Leminski?M: Via um colega de agência de publicidade,

um cara que trabalhava no Pasquim. O Leminski estava começando em música também, já me convi-dava para ir na casa dele, ele ia a minha casa, a gente trocava idéias.

Como foi o processo que resultou no Mapa? A idéia, como diz na contracapa do disco, era colocar o Paraná no cenário nacional?

M: Isso é uma coisa complicada. Não era nos-sa pretensão. Talvez a Fundação Cultural pensasse que pudéssemos chegar num negócio desses. Acho que o grande resultado do Mapa foi essa junção de gente, porque muita gente continuou parceira, co-locou o pé na estrada por causa disso. Foi indicado o Roberto Nascimento para fazer a direção musical. O Roberto estava voltando do México, tinha tocado com Elizeth [Cardoso], Cartola, João Gilberto. Era um cara que estava montando a Sociedade Musical Brasileira. Tinha Aldir Blanc, Sidney Muller, Ivan Lins, o João Bosco, começando. Essa gente toda nós con-tatamos, eles vieram para cá, a gente ia para lá.

Foi a primeira vez de todo mundo.M: Estava todo mundo começando. O Leminski

ligou a coisa com o passarinho que vem, assovia e sopra para o compositor a canção. O show foi feito em cima desse mote. Tinha gente como o Carlos Gomes, o Celso Loch, o Sergio Maluf, o Phebus Moscus – um grego que morou em Ponta Grossa, pianista muito bom. O disco foi essa coisa coletiva. Uns que estão aqui foram gravar, continuaram no

André Rosa e Marcelo Teixeira

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Page 15: Jornal Grimpa #05 (2006)

GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006 GRIMPA ABRIL/MAIO DE 2006

Mãos em aceno, outrora lenços brancos, lágrimas nos olhos, bocas numa - quase - infinita separação, uma gigantesca parábola de baba suspensa no ar, mães desesperadas pelo eterno retorno dos filhos, caixas de quinquilharia, sacolas plásticas coloridas e listradas (provavelmente à espera de componentes eletrônicos como recheio), policiais de todas as patentes, cachorros, prostitutas de folga e a serviço, galinhas, autóctones, bêbados.

Apesar da assepsia burguesa de algumas rodoviárias, que mesclam ferro e vidro na tenta-tiva infrutífera de mais um cartão postal, a cachaça branca e pura (?) ainda é uma constante. Ainda que escondida na mochila falsificada, a reboque, a garrafa plástica marca presença em muitas andanças solitárias por este mundo. Diz-se de quem bebe tal fortificante que “desenvolve, vez por outra, uma certa mediunidade”.

Descrente de tal fato, o escriturário de voz e mãos ásperas busca argumentos que justi-fiquem o sonoro “não” há pouco proferido a um ancião que gentilmente lhe oferecia uma bicada. Por árdua insistência ou mesmo ausência de subsídios teóricos para uma discussão mais avançada, o aspone viu-se literalmente numa sinuca de bico.

Após dar dois ou cinco (já não sabia ao certo) “gorpes na minduba”, percebeu que suas relações de espaço e tempo estavam um tanto defasadas. Diga-se de passagem, já havia sacado isso desde que nasceu para o mundo do trabalho e assumiu a camisa com logotipo, bate e não quara, para realçar sua personalidade mórbida. Meia reflexão e... pimba! Ali definitivamente não era o seu lugar.

Campo Vermelho há muito lhe causava asco. Estava naquele terminal para aproveitar as merecidas férias que a empresa nunca lhe concedera. Ao menos uma vez na vida exercitou seu poder de escolha e decidiu não aparecer na repartição. Passou duas noites em claro e não decidiu para onde iria. O celular não havia sido desligado e descarregou, pois não parava de tocar.

Analfabeto tecnológico, o auxiliar administrativo (título que lhe dava orgulho só em pen-sar) desconhecia o modo silencioso. Por pouco, numa das muitas piscadas de dois minutos, um pivete não lhe toma o aparelho. Não que fosse intenção trocá-lo por pedras entorpecentes de baixo custo, mas para tornar-se, ao menos uma vez, alguém querido naquela estação.

À verdade os dois, moleque e encamisado, embora distoantes quanto à tez, sonhavam

em ser heróis. Missão impossível, uma vez que eram frutos de uma mesma árvore, Societatum marginalis, dita inexistente pelos fitologistas, exótica pelos políticos e abundante pelos radialistas. Sim, porque aquele funcionário caxias, com seus sapatos de liquidação deveras engraxados, teve os dois pezinhos descalços e fincados na lama em sua mais tenra infância - sobre a qual sempre chovia!

E a precipitação caía como uma luva à composição do cenário daquele vilarejo cinza

entrecortado pelo verde desbotado dos arbustos estéreis. Uma semana de chuvas e a “Sacra Liga Feminina de Combate ao Não Sei o Quê” já computava os cobertores sobressalentes, bem como as aparições na mídia. Não seria incomum ligar o televisor e deparar-se com algum padre, para-mentado e trajando batina do mais refinado linho, elogiando a solidariedade daquele povo.

Ligeiramente torpe (permitam aqui um eufemismo barato para não extirpar a aura do herói), indignado e incomodado com sua indecente indecisão ou com as regras da flor do lácio que apontavam para o excesso de prefixos negativos a beirar a colisão, reconheceu o pobre néscio que lhe restavam poucas alternativas, quem sabe apenas uma. Um tanto óbvio apontar para o suicídio. Mas o crucifixo, sempre colado à sujeira dos seus pêlos peitorais, remontava aos castigos de vinte e tantos anos atrás e sobretudo às cicatrizes deixadas pelo milho em seus joelhos, símbolos de sua inconteste devoção.

Contudo, jamais tivesse lido ou tido qualquer metamorfose em sua vida, inconsciente-mente não queria para si o destino de um Gregor Samsa. Tampouco poderia se tornar um Dean Moriarty da noite para o dia. Uma coisa, porém, era certa: à exceção de alguns panfletos de toda sorte que recebia ao cruzar o calçadão central daquele povoado e de uma cartilha do EJA, só se recordava de ter contacto com a Bíblia que, por descuido, sempre manuseava de ponta-cabeça. Certa vez, um artista plástico emergente parou-o na rua e, após fitá-lo por quase meia hora, teori-zou aos brados sobre a grandiosidade estética daquele jeito alternativo de ler. Um luxo!!!

Desembaçou os olhos da neblina do passado, que volta e meia pairava sobre sua pacata existência. Deu uma chance ao presente do indicativo, único tempo merecedor da vivência e flagrou-se solitário naquele colosso subutilizado. Pensou em comer um pão com mortadela, mas nenhuma birosca estava aberta. Buscou algum pacote de frituras industrializadas em sua moch... Poxa (interjeição comedida se comparada ao palavreado chulo que ecoava naquele lugar), ela não estava mais ali! Não lhe restaram outras vestes, senão aquelas com logomarca. Pôs-se, então, a correr desvairadamente em direção à rodovia, não muito distante do elefante branco.

Caroneiro acidental, mexia desesperadamente a mão direita no afã de que alguém parasse ao enxergar em suas lágrimas a síntese de uma sina sofrida. As alucinações lhe perturbavam o cérebro, mas lentamente viu surgir à sua frente um ser semi-nu de feições pouco amistosas. Nada de nomenclaturas politicamente corretas, o que estava à outra margem, separado por poucos metros e um movimento assustador de veículos de todos os tamanhos e velocidades (conside-rando-se o rigor dos buracos da estrada), era mesmo um índio. Aparentemente emerso de algum filme que pudesse ter visto num outro canal que não o preferido de sua mãe e de mais da metade de seus convivas, “aquilo” lhe incomodava.

Horas a fio com o dedo em riste. O medo em suas pupilas dilatadas. Um desejo de sair a voar, ser Mercúrio, mesmo sem saber de quem se tratava. As palpitações cardíacas o deixavam estático. E quando o desespero já lhe comia o fígado, rasga o espaço uma onomatopéia digna das histórias de Thor. A freada brusca lhe contraiu todos os esfíncteres. Correu até o motorista. O destino? Pedra Perdida. Nunca ouvira falar em tal lugar, mas agradeceu com as mãos aos céus o fato de ter alcançado aquela - até então impossível - graça e, principalmente, de ter se livrado daquele “perigoso” guerreiro gê.

Mal sabia Alaor (chamemos assim esse borra-botas!) o que lhe esperava serra abaixo...

[Quando a pacatez da existência não deixa pedra sobre pedra]

Luciano D’Miguel

Por quemos suínosobram

Ilustrações: Diego de los Campos

“Caroneiro acidental, mexia

desesperadamente a mão direita no

afã de que alguém parasse ao enxergar em suas lágrimas a síntese de uma sina

sofrida”

GRIMPA # 03Artigo “Mais uma casa a menos”, de André Rosa: 1) o texto apresenta

o cemitério São José apenas como “cemitério municipal”, uma imprecisão porque há vários cemitérios municipais; 2) O citado cemitério não ficava no antigo Largo São João (atual praça Barão de Guaraúna). Havia no largo um cemitério homônimo, e onde hoje está o São José era o terreno “Chácara do Ferigot” – local que também fazia sepultamentos. Esse, por motivos políticos, não era abençoado pelo bispo. Entretanto, devido ao contexto higienista da época, houve realocação das pessoas sepultadas no primeiro cemitério para o segundo. O São José foi legalizado em 1881, o que faz dele o mais antigo da cidade.

Correção feita pelo colaborador Almir Nabozny.GRIMPA # 04Cruzadinha: No item A das horizontais, a questão correta seria “Instituto

Superior de Estudos Brasileiros (...)” para a resposta proposta, “ISEB”. A pergun-ta original incorre em erro por atribuir ao “S” da sigla o significado “Social”.

Correção feita pelo leitor Acir da Cruz Camargo.

Mensagem do leitor Acir da Cruz Camargo enviada por e-mail. Observação: Os grifos são nos-sos. E o texto não está na íntegra, por questões de espaço a carta teve alguns cortes.

Esta edição está excelente [a de número 04], acessível e não deixou leitores fora do shop-ping, como nas primeiras edições, em que apre-sentava uma linguagem rebuscada e complexa. Percebi no jornal o elemento político, feito com sabor agradável, não enjoativo, temperado bem com o cotidiano, necessário para resistir os es-píritos conformados, a classe senhorial de nossa cidade. Se contrapõe aos atos administrativos de retrocesso nas conquistas da política cultural da cidade, nomeadamente, a extinção da Fundação Cultural, o marco inicial da escalada conserva-dora.

A edição tem relevância documental, portanto, histórica, devendo os pesquisadores manter zelosamente em arquivos o periódico, es-pecialmente esta edição, e aos trabalhadores da cultura sua divulgação. A maior contribuição do jornal está constatada em dois artigos, a entrev-ista concedida pelo Sr. Antonio do Valle, que na perspicácia do entrevistador do autêntico quadro em que se encontra o teatro entre nós. Preza aos céus que os senhores feudais do teatro em nossa cidade o estudem com responsabilidade, perscru-tando em cada pergunta e resposta da entrevista. Antonio do Valle compreensivamente desconhece o envolvimento ideológico de pessoas da cidade, que embora críticas somam as forças reacionárias. Nesse sentido empresta ao Grimpa o caráter de denunciador da absoluta falta de uma política de cultura, especialmente de teatro para a cidade. O Fenata não é o festival da cidade, muito menos da comunidade intelectual, política e universitária.

Grupos fechados, que exigem uma sabatina para se abrir a novos componentes, são comuns. O compartilhamento de visões e de posturas é algo corrente em todo canto do mundo. É sabido que um período de fechamento pode fazer a diferença na sobrevivência de uma idéia, filosofia, ou de uma cultura. A reclusão, o isolamento, tem seus benefícios não só para a intimidade (na reconhecida contribuição que traz a solidão para o pensamento) como para o público (reflexão da identidade, dos valores comuns). No entanto, conforme o distanciamento vai ficando crônico, irrefreável, sem dar espaço algum para a novidade, corremos o risco do colapso. A autofagia, canibal-ismo, é comum na vida interior das caixas bem pregadas.

Se identidade e diversidade têm cada uma suas vantagens e complementos, fi-camos a nos perguntar da natureza de nossas ações. Estariam nossos grupos, dos afe-tivos aos profissionais, dos comunitários aos culturais, sabendo coadunar abertura e fechamento, diversidade e identidade?

Ponta Grossa acaba sendo nosso principal cenário para objetos de pesquisa e reflexão, não só porque é o ponto de irradiação do Grimpa. É também um local em que se agudizam contrastes da região: um interessante conflito do rural com o industrial, do cosmopolita com o provinciano, do citadino com o mundial, do parado com o retrógrado, da fragilidade econômica com a pompa em qualquer circustância. A tantas cidades vale nossa pergunta, que para aqui é visivelmente pertinente: não somos muito fechados a novas influências?

Vamos aos lugares de debate e percebamos se não há por ali alguma autoridade auto-proclamada.Vejamos se nesses comportamentos que levam um tema ao esta-do de sítio, há uma rotatividade do conhecimento. Estaremos nós fazendo isso? O Grimpa, quem sabe? A pessoa ao lado? Quantos somos esses iluminados, messias que professamos o que é a cultura e o que é o conhecimento com arrogância e des-façatez? Quantos estamos reivindicando uma autoridade vitalícia, indiscutível? Pois se o que é feito tem valor e sempre terá, se está assinalado pela boa sorte, se o ferrete da virtude fez seu castigo, então avancemos do canibalismo velado ao verdadeiro, que é mais honesto.

Nossos grupos estão preservando sua identidade ou estão se amargando na sua mesmice? Não sabemos se a agressividade dos provocadores vem da raiz de seus pensamentos, estes conjeturados em grupo, apimentados pelo gênio do indivíduo. Ou se é mais “ismo” que circula como uma resposta que nada explica, justo porque não foi pensada. A questão é se sabemos se nossa fraternidade torna alguns mais iguais que outros. Se ignoramos quantos e vários olhos (e intuições) são precisos para afrouxar a amarra de nossos desejos e interesses.

Ou será o contrário: somos os mesmos inventores que trouxeram pelos séculos as artes, a filosofia, a ciência?

O Grimpa 5 - no pior estilo, ainda bem, ‘como fazer’ característico dos vendidos manuais de auto-ajuda que alegram de administradores a chefes de famílias em tardes quase ensolaradas de domingo - presta o delicado (des)serviço de pensar em identi-dade cultural (e pessoal!) por aqui (também) em termos de repressão. O que devemos esperar de um lugar que homenageia e guarda (?) lembranças da material e violenta inadmissão de um Outro na sociedade? Mas calma lá, pois isso não é sociologia...

Edição e pauta: Ben-Hur Demeneck (MTb 5664/PR) e Rafael Schoenherr (MTb 11364/RS) Arte e projeto gráfico: Luciano SchmitzIlustrações: Diego de los Campos (capa)Cartoons, charge e humor: Álvaro Fonseca Jr. (Tope Topete), Artur Pena (lenda urbana), Danilo Kossoski (charge) e James Robson França [o “Sádico”] (Homem-bunda e charge política)Cartograma e organização de dados demográficos: Almir Nabozny e Marcio OrnatOuvidoria: Marcelo Engel BronoskyFotografias: Alceu Bortolanza (31 de Março), Caroline Passos e João Carlos Freitas (Rio Negro/Mafra), Diogo Antonelli (Palmas/Abelardo Luz).Entrevista: André Rosa e Marcelo TeixeiraReportagem: Ben-Hur Demeneck (31 de Março), Caroline Passos (Rio Negro/Mafra), Diogo Antonelli (Palmas/Abelardo Luz), João Quaquio (RAF)Crítica e literatura: Alceu Bortolanza (música), Helcio Kovaleski (TV), Luciano D’Miguel (crônica) e Ricardo Oyarzabal (poesia)

GRIMPA – Edição de Abril/Maio 2006Distribuição gratuita – 2.500 exemplaresPágina na internet: www.ogrimpa.com.br

Contas de e-mail:[email protected]íticas, sugestões e elogios ao jornal. [email protected]ão de temas para as [email protected] comercial. [email protected] aos responsáveis pela seção de [email protected] aos responsáveis pela seção de literatura.

Para enviar cartas: Caixa Postal 220 – CEP 84001.970 – Ponta Grossa / PR Números atrasados:Para receber um exemplar, envie uma carta para a caixa postal do Grimpa. Coloque seu endereço com-pleto e um conjunto de selos que some R$ 0,80. Se preferir dois exemplares, remeter R$ 1,20 em selos.

ISSO NÃO É AUTO-AJUDA

“Livre pensar é só pensar” (Millôr Fernandes)

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O LEITOR

A última edição de o Grimpa (jan./fev. 2006) manteve a mesma linha editorial dos anteriores. Conjugou matérias sobre cultura, lazer, contos, crônicas e entrevistas, além de uma boa dose de hu-mor. No geral as pautas cobriram os gêneros jornalísticos mais característicos. Mas, será que a forma de abordar os assuntos está atendendo a uma das propostas do jornal, a saber, oferecer (in)formação dife-renciada sobre a cultura regional? Apresentar propostas de transformação aos modos de compreender a cultura no seu sentido mais amplo? A lógica adotada nesta edição, com algumas exceções (quase tudo tem exceção!), apresentou abordagens que não avançaram significativamente nesta direção, se não ve-jamos: a matéria Mercado das saudades e dos fantasmas sobre o abandono do Mercado Municipal de Ponta Grossa. Antes de qualquer coisa, cabe destacar a dificuldade de se falar de fenômenos históricos próximos, como é o caso, na medida em que há pouca ou quase nenhuma referência bibliográfica sistematizada sobre o assunto, salvo exceções (outra!). Por isso, o jornalista/pesquisador deve “fortalecer” a reportagem a partir de entrevistas, buscando cercar - nas contradições e nas similitudes dos dados co-letados -, a compreensão sobre o assunto. Neste sentido, achei falta de algumas fontes. A principal foi a que desse a posição oficial da época sobre a construção do Mercado e as várias tentativas de revitalizar, demolir ou transformar o prédio ao longo dos anos, ou no mínimo as principais iniciativas neste sentido. Isso facilitaria tomada de posição sobre o assunto, indicando ao leitor as mais adequadas. É necessário que o jornalista exponha o que pensa, e principalmente, aponte direções, perspectivas. Entretanto, a re-portagem acaba antes disto. Em alguns momentos o Grimpa se preocupa demais com a estética literária. Não dá para fazer arte pela arte, é preciso intervir.

Marcelo Engel Bronosky

A Coluna do Ombudsman é um espaço de debate, portanto não deixe de comentar as matérias, criticando e sugerindo temas. Participe pelos e-mails: [email protected] ou [email protected] C

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É preciso sim, superar o picaretismo que marca o feudalismo teatral da cidade. É significativa a mensagem deixada em o Grimpa, de que o artista deve fazer um espetáculo com sua alma, e faltou ao entrevistado, o acréscimo de uma categoria fundamental na construção de uma sociedade mais cidadã e bem mais instruída culturalmente, o interesse do povo, temáticas que digam respeito ao cotidiano e a realidade popular.

(...) Outro artigo, fonte preciosa de pes-quisa, de nota, está o que historifica os primórdios da televisão entre nós. Aqueles que acostumados ao culto de grandes e figuras que se construíram às custas da produção física, da empostação de voz, se surpreenderão com o destaque, justo e correto em perspectiva teórica, dada ao papel do Sr. Mário Krenski, na construção da empreitada na região dos Campos Gerais. É a revolução na historiografia da imprensa no Paraná. Longe de li-star figurões da academia, apresentadores preten-siomente de peso, a figura de grandeza ímpar de Mário Krenski, se constitui num testemunho vivo, útil, necessário de se recorrer, da história da comu-nicação entre nós.

(...) O artigo “Onde acaba o Paraná” é uma preciosa fonte de reflexão, sugestão, e da importância de valorizar e conhecer o nosso Es-tado. É um artigo simples, mas com uma riqueza de informações, abrangendo numa combina-ção fenomenal, antropologia, cultura, lingüística, história e costumes. Desdobrado esse artigo, visto em suas minúcias, sugere pesquisas outras como ramos de um tronco textual.

(...) A continuidade do Grimpa é ne-cessária, importante, porque significa que nossa capacidade de resistir à cultura da ignorância e do autoritarismo, não só está viva e ativa, mas sendo feita com muita sabedoria e método.

EXPEDIENTE

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LANC

Aí né dragão dc rolaComa siri, a loba, o galo,Oral cotaA lula o torraEu que lá te ia

Escreva um texto sobre futebole envie para o [email protected].

Queremos que escreva sobre "um personagem folclórico do reino do futebol".Conte a história que sabe sobre algum torcedor figura, ou de um bandeirinha exótico,ou de um técnico de personalidade,ou umjogador apagado que faz algo genialO personagem é você quem escolhe, a históriaé você quem conta.Assunto não falta, pois a criatividade no futebol não se resumeàs quatro linhas.O melhor texto (na modesta opinião da redação) ganhará um livrodeautoriado escritoruruguaio EduardoGaleano. Nessa obra "Pele, DiStéfano, Maradono,Zizinho, Didi, Garrincha, Obdúlio Varella ocarrasco uruguaiode 1950, o aranha negroYachin, Leõnidas, Platini,Domingos da Guia, Friedenreich e muitos outros craques sâomostrados nos seus momentos de esplendor e desgraça" (sinopseda editora).

Mj extos serão aceitos até 30 deJunho.

PROMOÇÃO

OLHONO

Os revogáveis ao diaboE a terra teme além

O racional à tona, é de poderAfiados

Oi dará cocaApraz somos, ué três?

E fede sua má

A caduca, sue dela coresEis azul a leva

A saraivada e arde par

Aí as rodoO natal retém

E aula revive ator

Osso é dramaturgia

O norte alamedaCai essa pá e a pata raio

Só cabelosOh leve, oh nívea origem

Arreador o toma sopaÉs a gula: arroz, orégjno

Ta lá, naco! Ah! Carro bem sujo

Alô, Ivete, me anima ovo de emaSal e aí e tal...

Eu que arroto a lulaAto claro

O lago, a bolaíris

Amo calor e doa gardénia

Eta motim, o repusO Pedro, cá e vem

Eta coala barrocoA magno para Missa

O telegrama o lêParir

Ah! Li RamoSem Atlas e solo BrasilA rota forte me anula

Arrebatar a malucos o laborOh! CocoOre cola

Por a cara

Acir alivia a birraOh! Com a baia o mato

A da casa o loco

Sai cá brigaOlé do metro

SoroManaus a divadoai nua sala,

Saúde

VERSO PALÍNDROMORicardo Oyarzabal(Labazrayo Kevos Odracir)

Ilustração:Diego De LosCamposArte: Luciano Schmitz (Delusch Design)

Aí vila ricaAraca, RopalóceroO cocho robalo só cu

Lama rata berra sai eleCata parePopa o porto póAluna e metro fatorAlisar bolos e salta mêsO mar, ilhaRir apelo

Jus me borra cháOcanal ã tona, gero zorra.

Aluga-se apósA moto roda, erra me giro,

E a vinho e velho SolE Baços oi ara

Tapa e a passe ia

Cadê?Mala e trono aí.

Gruta, mar de osso

Esta poesia é um exercício, ursa experiência das possibilidades de ex¬

pressão.Palíndromocorroexptóao dicionário é"fraseoj palavraque.ouse leiada esquerda paraa direita,ou da direitaparaa esqueroa.temomesmosentktó".Exemplos:"radar"."Roma é amor", "Socorram-me. siPi noônibus em Marrocos"."abracadabra". Logo. quando chegar ao último verso, se quiser cctocar a cabeçana mesma batedeira das estrofes anteriores, leia de trés para frente, da direitapara a esquerda.

A suave Eva usaÉ duas alasA união da vida suaNamorosorteModelo agirBacias

O colo, a sacada o ta móA iabá mochoArriba

Rota é viverA lua em éter

Lata noodor, saia

Rã, pedra é a da via rasaA vela, luz a si

E ser o caleDeus acuda cá a maus

É de féSer teu som os zarpa acocar adio

Só daí: fá, ré, dóPede a nota lá,No ícaro mela

Arreta e mete.

Oba, ido a si é vagp verso.

Amar gel e to assimAraponga má ocorraBalao cateMevê acorde pó!Supero mitoMate

Elas ameÉ do vô a minaE mete violão