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Cultura Cultura Jornal Angolano de Artes e Letras IRENE NETO NA ACADEMIA GALEGA DA LÍNGUA PORTUGUESA “A língua é claramente uma corrente de circulação que nos aproxima, de forma surpreendente, criando cumplicidades e pertenças históricas, culturais, apesar dos dialectos e subdialectos, falares e subfalares diferentes”, disse Irene Neto, Presidente do Conselho de Administração da Fundação Dr. António Agostinho Neto no acto de tomada de posse como Académica Correspondente da Academia Galega da Língua Portuguesa, em Santiago de Compostela, Galiza, a 14 de Janeiro de 2017.A VII Edição da Feira do Dondo abriu as portas no dia 9 Dezembro de 2016, na presença do Secretário de Estado da Cultura, Cornélio Caley, que a conotou com “a reconstituição de uma viagem histórica ao encon- tro do entreposto comercial do séc. XVII, a que se junta um roteiro turístico e cultural, que tinha como ponto de partida e confluência o Dondo”. O NASCIMENTO DA NOSSA CAPITAL A cidade de Luanda comemorou este ano, no dia 25 de Janeiro, 441 anos de idade. Local costeiro, já assinalado em cartas geográficas da época, foi considerado um dos melhores portos naturais do mundo, o que em parte pode explicar a razão pela qual Luanda se tornou porventura, em alguns períodos da História, o principal porto exportador de escravos do mundo. ARTES NASCE A AMORD Poderá acontecer vermos os hits de 50 Cent, Ariana Grande ou Byoncé serem dançados em palco por bailari- nos que executarão passos de kizom- ba, mas que dirão apenas tratar-se de Urban Kiz. Bem, virou febre e, no Youtube, a kizomba ficou resumida ao termo Kiz, para se acrescentar outra palavra: Urban, certamente a querer dizer kizomba urbana. Contudo, questionamos: urbana em contradição a que kizomba? De gueto, musseque ou sanzala? Págs. 8 e 9 Págs. 3 e 4 ECO DE ANGOLA CRISE: PALAVRA DO ANO 2016 O público angolano esperou oito meses, desde Maio do ano passado, para ficar a saber que “Crise” é mesmo a apalavra do ano 2016. A terceira mais votada foi Kixikila e a segunda Kandando. ECO DE ANGOLA Pág. 4 ANGOLA PRECISA DEFENDER A KIZOMBA HISTÓRIA Págs. 14 e 15 8 e 9 Págs. ECO DE ANGOLA ECO DE ANGOLA 4 Pág. 4 L DO ANO 2016 A PAL CRISE: DO ANO 2016 AVRA CRISE: ECO DE ANGOLA Págs. Págs. HISTÓRIA 14 e 15 Págs. . andando K oi K otada f mais v a do ano 2016. A t vr a apala a ficar a saber que par , desde M meses o angolano esper O públic DO ANO 2016 ila e a segunda ixik oi K a eir c er a do ano 2016. A t é mesmo ise r C a ficar a saber que , aio do ano passado , desde M o ou oit o angolano esper DO ANO 2016 iando cumplicidades e per , cr e t eenden pr sur e uma c t amen A língua é clar “A PORTUGUESA DA LÍNGUA GALEGA NA ACADEMIA IRENE NETO ECO DE ANGOLA enças hist t iando cumplicidades e per culação que nos apr e de cir t en r or e uma c PORTUGUESA NA ACADEMIA e 4 3 , apesar ais , cultur icas ór enças hist ma or xima, de f o culação que nos apr , apesar ma 14 e 15 omo pon , que tinha c al cultur omer o c epost tr o do en tr om ou c onot , que a c aley C o de 2016, na pr embr ez D o de 2017.A 14 de Janeir alega da Língua P cademia G A omada de posse c o de t t o no ac Net onselho de A e do C t esiden r P os e subdialec t dos dialec iando cumplicidades e per , cr e t eenden pr sur onfluência o D tida e c o de par t omo pon VII, a que se jun . X cial do séc omer onstituição de uma viagem hist ec a r om io de Estado da C etár ecr esença do S o de 2016, na pr ondo abr a do D eir dição da F VII E tiago de C an tuguesa, em S or alega da Língua P cadémica C omo A omada de posse c undação Dr ação da F dministr onselho de A es dif es e subfalar , falar os t os e subdialec enças hist t iando cumplicidades e per . ondo onfluência o D o e ístic o tur eir ot ta um r VII, a que se jun on ica ao enc ór onstituição de uma viagem hist nélio or a, C ultur io de Estado da C tas no dia 9 iu as por ondo abr aliza, a ela, G ompost tiago de C e da t esponden r or cadémica C gostinho ónio A t n . A undação Dr , o ene Net r , disse I es t en er es dif , apesar ais , cultur icas ór enças hist - tador de escr xpor e a, em alguns per tur en v por e pode e t o que em par onsider oi c época, f ocal c . L anos de idade uanda c A cidade de L O NASCIMENTO DA NOSSA CA on nélio tas no dia 9 aliza, a gostinho , apesar . os do mundo v a tador de escr ia, o pr ór ist íodos da H a, em alguns per azão pela qual L xplicar a r e pode e t es por ado um dos melhor onsider , já assinalado em car o eir ost ocal c , no dia 25 de Janeir e ano ou est omemor uanda c O NASCIMENTO DA NOSSA CA o t incipal por ia, o pr nou or uanda se t azão pela qual L , ais do mundo tur os na t áficas da r tas geog , já assinalado em car , 441 o , no dia 25 de Janeir PITAL O NASCIMENTO DA NOSSA CA 31 de Janeiro a 13 de Fevereiro de 2017 | Nº 127 | Ano V Director: José Luís Mendonça Kz 50,00

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CulturaCulturaJornal Angolano de Artes e Letras

IRENE NETO NA ACADEMIA GALEGA DA LÍNGUA PORTUGUESA“A língua é claramente uma corrente de circulação que nos aproxima, de forma surpreendente, criando cumplicidades e pertenças históricas, culturais, apesar dos dialectos e subdialectos, falares e subfalares diferentes”, disse Irene Neto, Presidente do Conselho de Administração da Fundação Dr. António Agostinho Neto no acto de tomada de posse como Académica Correspondente da Academia Galega da Língua Portuguesa, em Santiago de Compostela, Galiza, a 14 de Janeiro de 2017.A VII Edição da Feira do Dondo abriu as portas no dia 9 Dezembro de 2016, na presença do Secretário de Estado da Cultura, Cornélio Caley, que a conotou com “a reconstituição de uma viagem histórica ao encon-tro do entreposto comercial do séc. XVII, a que se junta um roteiro turístico e cultural, que tinha como ponto de partida e con�uência o Dondo”.

O NASCIMENTO DA NOSSA CAPITALA cidade de Luanda comemorou este ano, no dia 25 de Janeiro, 441 anos de idade. Local costeiro, já assinalado em cartas geográ�cas da época, foi considerado um dos melhores portos naturais do mundo, o que em parte pode explicar a razão pela qual Luanda se tornou porventura, em alguns períodos da História, o principal porto exportador de escravos do mundo.

ARTES

NASCE A AMORD

Poderá acontecer vermos os hits de 50 Cent, Ariana Grande ou Byoncé serem dançados em palco por bailari-nos que executarão passos de kizom-ba, mas que dirão apenas tratar-se de Urban Kiz. Bem, virou febre e, no Youtube, a kizomba �cou resumida ao termo Kiz, para se acrescentar outra palavra: Urban, certamente a querer dizer kizomba urbana. Contudo, questionamos: urbana em contradição a que kizomba? De gueto, musseque ou sanzala?

Págs.8 e 9

Págs.3 e 4ECO DE ANGOLA

CRISE:PALAVRA DO ANO 2016 O público angolano esperou oito meses, desde Maio do ano passado, para �car a saber que “Crise” é mesmo a apalavra do ano 2016. A terceira mais votada foi Kixikila e a segunda Kandando.

ECO DE ANGOLA Pág.4ANGOLA

PRECISA DEFENDER A KIZOMBA

HISTÓRIA Págs.14 e 15

8 e 9 Págs.

ECO DE ANGOLAECO DE ANGOLA 4Pág.

4

LAVRA DO ANO 2016

AV PALCRISE:

DO ANO 2016 AVRA

CRISE:

ECO DE ANGOLAPágs.Págs. HISTÓRIA 14 e 15

Págs.

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PITALO NASCIMENTO DA NOSSA CA

31 de Janeiro a 13 de Fevereiro de 2017 | Nº 127 | Ano V • Director: José Luís Mendonça • Kz 50,00

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2 | ARTE POÉTICA 31 de Janeiro a 13 de Fevereiro de 2017 | Cultura

Propriedade

Sede: Rua Rainha Ginga, 12-26 | Caixa Postal 1312 - Luanda Redacção 222 02 01 74 |Telefone geral (PBX): 222 333 344Fax: 222 336 073 | Telegramas: ProangolaE-mail: [email protected]

CulturaJornal Angolano de Artes e LetrasUm jornal comprometido com a dimensão cultural do desenvolvimento

Nº 127 /Ano V/ 31 de Janeiro a 13 de Fevereiro de 2017

E-mail: [email protected]: www.jornalcultura.sapo.aoTelefone e Fax: 222 01 82 84

CONSELHO EDITORIAL

Director e Editor-chefe:José Luís MendonçaSecretária:Ilda RosaAssistente Editorial:Coimbra Adolfo (Matadi Makola)Fotografia:Paulino Damião (Cinquenta)Arte e Paginação:Jorge de SousaAlberto Bumba Sócrates SimónsEdição online: Adão de Sousa

Colaboram neste número:

Angola: António Fonseca, Estêvão Conde Mbambi, Fi-lipe Zau, Gildo Pimentel, Patrício Batsikama, SandraPoulson

SENEGAL: Sarah Carrere Mbodj

Normas editoriais

O jornal Cultura aceita para publicação artigos literário-científicos e re-censões bibliográficas. Os manuscritos apresentados devem ser originais.Todos os autores que apresentarem os seus artigos para publicação aojornal Cultura assumem o compromisso de não apresentar esses mesmosartigos a outros órgãos. Após análise do Conselho Editorial, as contribui-ções serão avaliadas e, em caso de não publicação, os pareceres serãocomunicados aos autores.

Os conteúdos publicados, bem como a referência a figuras ou gráficos jápublicados, são da exclusiva responsabilidade dos seus autores.

Os textos devem ser formatados em fonte Times New Roman, corpo 12,e margens não inferiores a 3 cm. Os quadros, gráficos e figuras devem,ainda, ser enviados no formato em que foram elaborados e também numficheiro separado.

Conselho de Administração

António José Ribeiro

(presidente)

Administradores Executivos

Victor Manuel Branco Silva Carvalho

Eduardo João Francisco Minvu

Mateus Francisco João dos Santos Júnior

Catarina Vieira Dias da Cunha

António Ferreira Gonçalves

Carlos Alberto da Costa Faro Molares D’Abril

Administradores Não Executivos

Olímpio de Sousa e Silva

Engrácia Manuela Francisco Bernardo

SARAH CARRERE MBODJPOETA DO SENEGAL

TESTAMENTOQue meu corpo descanse dentro de um baobá ococom o cheiro de resina e de madeirae que retenha comigo os segredos maravilhososque me confiaram os griots, os sábios e os reis.Que meu corpo descanse dentro de um baobá ocoonde os homens acudiriam a todos em peregrinaçãojá as escutara, pensadora e silenciosaao redor da árvore, cresceriam flores selvagens.Que meu corpo descanse dentro de um baobá ocoNa planície distante, onde caminham os zebus brancose marcam encontros os pastores enamoradospara observar o voo dos cormorões.Que meu corpo descanse em um baobá ocoacima da colina cor de sombra queimadalonge dos ruídos dos homensmas próximo aos rumores divinosperceberei cantos da selva sagrada.Aqui estou, descansando por fim em um baobá ocoas estrelas acima luzem como cauriso céu é como um sudário estendido da bacia azulA Ursa Maior e Órion, cúmplices, me sorriem…. !Cresceram os baobás que chegam a Casteleu conheci Goré com seu molhe de madeiraseu baile de signaras, borboletas de rendas.Em Dakar existiam somente barracos e avenidas arenosasOnde estão as casas de madeira da rua Rafenel?Os jardins floridos bordejados de coqueiros?Onde a gente se divertia nos quiosques de músicos?Com concursos de tiro e corridas a pé?A península de Cabo Verde onde está Dakaresmaltada de pontes sobre pilotisrodeadas de basaltoestá sempre aqui,molhando o grande azul.__________________________________________Sarah Carrere Mbodj é do Senegal.Poeta, tradutora e musicista. É a única artista feminina que levou,

além das fronteiras da África, a arte de tocarKora, um instrumento musi-cal africano, tradicionalmente, até agora, de uso exclusivo dos homens.

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IRENE ALEXANDRA NETO ACADÉMICA CORRESPONDENTE DA

ACADEMIA GALEGA DA LÍNGUA PORTUGUESA

“A tomada de posse como Académi-ca Correspondente da Academia Gale-ga da Língua Portuguesa de Irene Ale-xandra Neto, Presidente do Conselhode Administração da Fundação Dr. An-tónio Agostinho Neto e Deputada daAssembleia Nacional de Angola, re-presenta mais um passo no fortaleci-mento das relações culturais da Galizacom a Angola, iniciadas há mais de umquarto de século pelo Movimento Lu-sófono Galego, e que nesse ínterimproduziram insuspeitados desenvol-vimentos”, disse o Académico JoámE-vansPim no acto de recebimento daAcadémica Correspondente Irene Ale-xandra Neto, na Casa da Língua Co-mum, em Santiago de Compostela, Ga-liza, a 14 de Janeiro de 2017. O acto foiilustrado com a edição comemorativada antologia Poesia de Amor dos Anos80 (breve antologia de poemas de JoséLuis Mendonça, Rui Augusto, J. A. S.LopitoFeijóo K., Paula Tavares, João-Maimona e JoãoMelo).Na cerimónia de tomada de posse,na qual GilvanMüller de Oliveira, pre-sidente do Instituto de Investigação eDesenvolvimento em Política Linguís-tica do Brasil, foi também empossadocomo Académico Correspondente,Irene Neto proferiu um discurso deaceitação no qual afirmou que “Venhoda África Austral, onde no Sul de An-gola, as províncias do Cunene e doCuandoCubango lembravam aos ex-ploradores portugueses as terras dofim do mundo. Chegando eu ao Reinode Espanha, na Península Ibérica, naComunidade Autónoma da Galícia,passando ao lado do Cabo Finisterra,onde outros descobridores, roma-nos, pensavam ter chegado ao final

do mundo conhecido, vislumbrei al-guns paralelismos neste eixo atlânti-co, de Norte a Sul, não apenas geográ-ficos mas certamente culturais. A lín-gua é claramente uma corrente decirculação que nos aproxima, de for-ma surpreendente, criando cumplici-dades e pertenças históricas, cultu-rais, apesar dos dialectos e subdialec-tos, falares e subfalares diferentes.Alguns a baptizaram com o fraternalconceito de “irmandades da fala”, juí-zo que não impede dissidências orto-gráficas ou mesmo políticas, fonéti-cas ou etimológicas, no espaço cres-cente da língua portuguesa para unse da lusofonia para outros.”Afirmou ainda que “O quesito daslínguas reveste-se de força identitáriae é de uma delicadeza, não apenas cul-tural, como política e económica. Esteveículo comum de afirmação, de sím-bolos e sons, numa musicalidade pró-pria de afectos e histórias, de comér-cio e de cultura, de preservação e deresistência legítima e até gloriosa, fazcom que sociedades tão díspares edistantes, de pé quando o universo seajoelha perante mundos de maiorpreponderância, se procurem e seagrupem em academias de letras ecomunidades de países, tal como estaAcademia Galega de Língua Portu-guesa e a Comunidade de Países deLíngua Portuguesa.Tendo Angola adoptado, aquandoda sua independência em 1975, o por-tuguês como língua oficial, esta afir-mou-se rapidamente como uma lín-gua nacional, dentro do nosso variadomosaico etnolinguístico. À semelhan-ça do que ocorreu noutros países queforam colonizados por potências es-

trangeiras, paradoxal e ironicamente,a língua do colonizador acabou porser o cimento unificador do territórionacional, povoado de comunidadescom línguas diferentes e um elementoda mesma identidade nacional.A história da aculturação e assimi-lação durante séculos travou e atrasoua modernização das línguas nacionaismaternas. Assim, para acompanhar osavanços tecnológicos, económicos eculturais, a língua portuguesa, híbridapelos matizes locais próprios, desde osotaque à inclusão de vocábulos deoutras línguas nacionais, tornou-se notraço de união territorial, de Cabindaao Cunene e do mar ao leste.Desde os Descobrimentos portu-gueses do século XV, a língua portu-guesa convive com múltiplas línguas eperdeu a pureza original indo-euro-peia, itálica, românica, galaico-portu-guesa. Podemos dizer que os habitan-tes dos territórios por onde aporta-ram as caravelas de Vasco da Gama,Diogo Cão e outros, aprenderam a lín-gua conquistadora mas esta, por suavez, foi polinizada pelas línguas e cos-tumes de Angola, Brasil, Cabo Verde,Guiné Bissau, Moçambique, Macau,São Tomé e Príncipe, Timor-Leste epersiste ainda no Japão, Malásia, Indo-nésia, Singapura, Senegal, Togo, Índia,Sri Lanka e até na língua suaíli.A língua portuguesa tem hoje cercade 280 milhões de falantes, sendo oportuguês a 4ª língua mais falada domundo depois do mandarim, do espa-nhol e do inglês, a 3ª mais falada nohemisfério ocidental e a mais faladano hemisfério sul da Terra. Com a elei-ção por aclamação do Eng.º AntónioGuterres para Secretário-geral das

Nações Unidas, o primeiro portuguêspara tal cargo, a língua portuguesa po-derá ganhar uma nova projecção e vi-sibilidade política, e tornar-se umadas línguas oficiais desse importanteorganismo internacional.”Estiveram presentes na cerimóniaRudesindo Souto, presidente da Acade-mia Galega da Língua Portuguesa e de-mais Académicos, Alexandre Banhos,presidente da Fundação Meendinho;José LuisFontenla, presidente das Ir-mandades da Fala da Galiza (que assi-naram em 1991 o primeiro convéniocom a União dos Escritores Angolanos)e académico de honra da AGLP; AntiaCortiças, presidente da Associação dosDocentes de Português na Galiza e ain-da as Deputadas do Parlamento Euro-peu Lídia Senra, da Alternativa Galegade Esquerda (integrada no grupo par-lamentar europeu GUE/NGL - Euro-peanUnitedLeft – NordicGreenLeft), aex-Deputada do Parlamento Europeu(e que será novamente deputada em2018 pelo acordo de rotação que esta-beleceu a sua coligação) Ana Miranda,do Bloque Nacionalista Galego (inte-grada no grupo parlamentar europeuGreens–EuropeanFreeAlliance). RETROSPECTIVAEm 2010 a Academia Galega da Lín-gua Portuguesa, herdeira do trabalhode dinamização das relações da Galizacom o resto do mundo de expressãoportuguesa, promoveu um novo Con-vénio de Cooperação e Apoio Recí-proco entre a instituição galega e aFundação Dr. António Agostinho Ne-to, em termos muito similares ao for-malizado em 1992 entre as Irmanda-des da Fala da Galiza e Portugal, re-presentada por José Luís Fontenla eMaria Rosa da Rocha Valente, e aUnião dos Escritores Angolanos, re-presentada por João André da SilvaFeijóo, que lavraram o primeiro con-vénio de colaboração entre entidadesculturais galegas e angolanas.O protocolo, assinado em 13 de Abrilpor Maria Eugénia da Silva Neto, Presi-dente do Conselho de Fundadores daFAAN, Irene Alexandra Neto, Presiden-te do Conselho de Administração daFAAN, José-MartinhoMonteroSanta-lha, Presidente da AGLP, e Ângelo Cris-tóvão, Secretário da AGLP, facilitou, en-tre outras acções, o apoio do Governoda República de Angola à candidaturada AGLP ao estatuto de observadorconsultivo da CPLP, processo ainda emandamento, que, sem dúvida, tem ain-da muitos frutos por oferecer.PERFIS DOS NOVOS ACADÉMICOSIrene Alexandra da Silva Neto(1961) é Presidente do Conselho de

Irene Alexandra, segunda a contar da esquerda e Gilvan de Oliveira, segndo a contar da direita

ECO DE ANGOLA |3Cultura | 31 de Janeiro a 13 de Fevereiro de 2017

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O público angolano esperou oito me-ses, desde Maio do ano passado, para fi-car a saber que “Crise” é mesmo a apala-vra do ano 2016. A Palavra do Ano 2016 foianunciada pelo Embaixador de Portugal,João Caetano da Silva, num acto soleneque decorreu dia 18 de Janeiro de 2017,no Camões/Centro Cultural Português,com música e poesia, numa parceria coma Plural Editores.A sessão contou com momentosmusicais, protagonizados por MagdaMendes e Nell Jazz, e de poesia livresobre as três palavras mais votadas,nas vozes de Pedro Bélgio (kixikila),Mbanza Muxima (kandando) e Mar-cos Kingondo “Ginguba” (crise), comapresentação a cargo de ArmindoPaim e Kiokamba Cassua. Durante o mês de dezembro os an-golanos puderam votar livremente naPalavra do Ano 2016, escolhendo umadas dez palavras candidatas: kandan-do, crise, diversificação, esperança,kamba, kandengue, kínguila, kixiqui-la, liberdade e paz.Das dez, a terceira mais votada foiKixikila, a segunda foi Kandando e oprimeiro lugar coube a Crise.Feliciano Kidá, director do Centrode Formação Artística, esteve na ceri-mónia em representação da ministrada Cultura, Carolina Cerqueira, paraapresentar a palavra Kandando, a se-gunda mais votada.A PALAVRA DO ANO é uma iniciati-va da Plural Editores que tem comoprincipal objectivo sublinhar a rique-za lexical e o dinamismo criativo dalíngua portuguesa, património vivo eprecioso de todos os que nela se ex-pressam, acentuando, assim, a impor-tância das palavras e dos seus signifi-cados na produção individual e social

dos sentidos com que vamos interpre-tando e construindo a própria vida.A lista de palavras candidatas aPALAVRA DO ANO é produto do tra-balho permanente de observação eacompanhamento da realidade dalíngua portuguesa, levado a cabo pe-la Plural Editores, em Angola, atravésda análise de frequência e distribui-ção de uso das palavras e do relevoque elas alcançam, tanto nos meiosde comunicação e redes sociais comono registo de consultas online e mo-bile dos dicionários da Porto Editora,tendo em consideração também assugestões dos angolanos através dositewww.palavradoano.co.ao.A partir de agora, inicia-se o tra-balho que conduzirá à definição das10 palavras candidatas a Palavra doAno 2017.

Administração da Fundação Dr. An-tónio Agostinho Neto e Deputada daAssembleia Nacional de Angola, naque preside a 7ª Comissão de Saúde,Família, Juventude e Desportos, Anti-gos Combatentes e Acção Social. De 2005 a 2007 foi Vice-Minis-tra das Relações Exteriores da Re-pública de Angola para a Coopera-ção, sendo a primeira mulher an-golana a exercer esse cargo. Comanterioridade, fez parte do GrupoDinamizador do Ensino Superior,da Brigada Jovem de Literatura deLuanda e da Direcção da Alliance-Française de Luanda. Actualmenteé membro do Comité Central doMPLA e do Júri do Prémio Interna-cional de Investigação Histórica“Agostinho Neto”.GilvanMüller de Oliveira é Profes-sor Adjunto no Departamento de Lín-gua e Literatura Vernáculas da Uni-

versidade Federal de Santa Catarinae Secretário Executivo Adjunto daMAAYA - Rede Mundial de Multilin-guismo, com sede em Paris. Entre 2010 e 2014 respondeu pelaDirecção Executiva do Instituto In-ternacional da Língua Portuguesa(IILP), da Comunidade dos Países deLíngua Portuguesa (CPLP), situadoem Cabo Verde. À frente dessa insti-tuição promoveu o desenvolvimentodo Vocabulário Ortográfico Comumda Língua Portuguesa (VOC) e do Por-tal do Professor de Português LínguaEstrangeira/Língua Não Materna, en-tre outras iniciativas. Fruto desse tra-balho intenso, em 2014 recebeu oPrêmio Personalidade Lusófona doAno do Movimento Internacional Lu-sófono (MIL) e em 2015 o Prémio-Meendinho, da Fundação Meendinho,por serviços prestados à Língua Por-tuguesa e à Galiza.CRISE É MESMO A PALAVRA

DO ANO 2016 EM ANGOLA

Irene Neto

4 | ECO DE ANGOLA 31 de Janeiro a 13 de Fevereiro de 2017 | Cultura

ANTÓNIO FONSECANo último número deste jornal,foi publicado um artigo por mimassinado sob o título “Misosoniji-nongongo: pedras angulares da fi-losofia cultural de Angola”. Verifi-cando-se uma gralha no título e aolongo do texto do mesmo, importaesclarecer o seguinte: o género re-ferido como “jinongongo”, na ver-dade é, na língua kimbundo, cha-mado jinongonongo, tal como pu-

de esclarecer no livro Contribui-ção ao Estudo da Literatura OralAngolana, a propósito dessa mes-ma gralha verificada nos livros deCarlos Ervedosa Itinerário da Lite-ratura Angolana e Roteiro da Lite-ratura Angolana.Os jinongonongo são constituí-dos pelas adivinhas e assim se ini-ciam:- Nongonongojami- Nongojoka…

JINONGONONGO E NÃO “JINONGONGO”

Kidá anunciando a segunda palavra mais votada

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A cultura é um bem maior. Uma so-ciedade que preserve e dignifique osseus bens culturais, enriquece espon-taneamente. A manutenção do que so-mos como povo, deve ser aliada à cul-tura do livro e da transcrição do queainda não esta escrito, nas zonas maisrecônditas do nosso País.Pensando no Dia Nacional da Cultu-ra que se comemora todos os anos a 8de Janeiro, dia em que o poeta maior oPresidente Agostinho Neto, empossouos Órgãos Sociais da União dos Escrito-res de Angolanos, no ano de 1979, emLuanda, o nosso grupo de solidarieda-de social foi mais uma vez servir de in-termediário na doação de roupas,brinquedos, bolas e essencialmente li-vros, para a Biblioteca, da Associaçãodos Naturais e Amigos da Cela, ASNAC. No dia da partida ninguém dormiudescansado. O cansaço da arrumaçãodos Kibutos, coisas, juntamente com aansiedade tomou conta de todos nós,beneméritos, turistas, e peregrinos. Afi-nal íamos DAR, Distribuir Amor e Ri-queza “ espiritual “ passear e rezar. Co-mo diria a publicidade fazer três em um. O sol tinha acabado de nascer paranos iluminar a estrada, pois não eraum dia qualquer, era Sexta-feira 13, deJaneiro dia de sorte para o grupo queestava abençoado por São Cristóvão,Padroeiro dos motoristas, caminhan-tes e também peregrinos, estava à nos-sa espera lá no cimo do Morro com oseu nome e que também se chama Wa-ko. Protegendo-nos em toda a estrada,picada e caminho minados. Não fosseele poderíamos ter sido abalroadosencosta abaixo, pelo camião com atre-lado carregadíssimo que se entesou-rou á nossa frente no preciso momen-to que íamos a passar, entre o Morrodos Veados, e os Ramiros. O Kwanza era a nossa praia, não okwanza Rio, nem o Kwanza Moeda,mas sim o Kwanza - Sul, aquela Pro-víncia de águas de vários sabores, do-ces do Rio Keve, do Rio Cuvo, do RioNhia, do Rio Longa, o Rio Luai, e salga-das do Oceano Atlântico, de terras devárias cores, brancas da praia, barren-tas vermelhas da Gabela, laranjas daKibala, pretas aráveis. E campos de vá-rios cheiros, de pasto, de bovino e ca-prino, de agricultura, de citrinos, defrutas, de milho de café robusta , demorros de várias alturas, Serra do En-gelo, Serra da Gabela, Morro do Caten-gue ou Cruzeiro, de temperaturas degraus diferentes, quentes no litoral efrias no planalto. O fresco do clima e o quente dasgentes, era o que nós pretendíamos.Depois da Escola dos Petróleos, vira-mos à esquerda e sempre a subir, re-pousamos nas Cachoeiras do Binga,paragem obrigatória do viajante paradescanso do corpo da mente e recep-ção dos borrifos do Rio Keve de águapura e Benta.

Com esta maravilhosa paisagem de-mos uma Conferencia de imprensa áTelevisão Publica de Angola, Jornal deAngola, Voz da América, e Rádio Na-cional de Angola, sobre a nossa missãode solidariedade. Continuamos a subir pela estradamulher, curvas e contracurvas da Ser-ra da Gabela, e quando começamos adescer deparamo-nos à nossa frentecom o Morro de Catengue ou o Cruzei-ro sem pano e sem sutiã, erguidas co-mo se de virgem fossem, eram as DuasMamas, pedras com esse formato, láestava ela torneada a Pedra da Grávi-da, segundo a Linda Marques, conce-bida por um Esquindoso, amante, dei-tada de barriga para cima, com dificul-dades de parir, como se diria aqui, denascer, um mundo melhor mais soli-dário, mais amigo do seu semelhante.Na Kibala já estávamos mais anima-dos, de barriguinha cheia e pernas es-ticadas para dançarmos durante apro-ximadamente duas horas, a dança doventre, nos 73 quilómetros seguintesque nos faltavam para chegarmos à Ci-dade do Wako – Kungo, ex. Santa Com-ba Dão, Município da Cela. Não temautomóvel, mesmo sendo jipe 4x4,que resista, nem jibóia que persista, áfalta de asfalto, na estrada “asfaltada”,pois a profundidade das crateras, aspiscinas de água barrenta, a escuridãodo antes da chuva, os Kupapatas, mo-tas de dois lugares levando quatropessoas, os Kaleluias, triciclos quetransportam pessoas e carga, ambosem serviço de Táxi, e tal como a estra-da sem algum reflector. É simples-mente um troço macabro. Agora percebo porque a palavra Wa-ko, em Kimbundo, significa maldiçãopois esta transpôs-se para o troço Kiba-la – Wako – kungo, na sua plenitude.Mas nós reflectimos, e deslocamo-nos por uma boa causa, era o futurodas nossas crianças que estava emjogo, e a sua alegria. Chegamos amas-sados, mas bem. No dia a seguinte logo pela manhãmunidos de paus para ajudar a cami-nhada e começamos a subir o Morrodo Wako, o íngreme da montanha, oempedrado, por vezes, granítico in-certo, solto e não-alinhado do piso, aszonas livres da encosta a serem culti-vadas pelo povo, parte da zona minadamal assinalada, brilho do Sol era cadavez mais intenso, o suor a consumir-nos, o corpo e as nossas pernas a nãoaguentarem a idade, e os paus que nãofaziam de cadeira. Tudo era dificulda-de, a começar pela idade.Não fosse a meio do trajecto, ao fimde hora e meia de caminharmos, pa-rarmos na Fonte da Juventude, e be-bermos água fresca, pura e refrescan-te, cheirando a lixívia, da roupa quepor lá é lavada pelas mulheres autóc-tones, o trajecto seria muito mais pe-sado. Mas nós somos, voluntários, pe-regrinos e persistentes. Deslumbra-mo-nos com uma panóplia de cores,

primeiramente na falda da montanhacom os vermelhos do salalé e do adobedas paredes das casas, contrastandocom o espelhar dos telhados de zinco.Á medida que subíamos o íngreme ca-minho, os vários verdes das planta-ções, do milho, para subsistência e pa-ra o cabrito comer, deixando crescernas sua entranhas umas florezinhasvermelhas, serrilheiras, para quebrara monotonia da visão do peregrino. Eos tons de verde do capim seco, dosarbustos e de algumas árvores quebrotavam do meio dos cinzentos pe-dregulhos, soltos pela própria nature-za, pela força do salalé e pela desmi-nagem contrastavam com o Picão, apequena florzinha branca, tanto nocaminho como na berma. No cimo do Morro, o Edifício de li-nhas direitas, com uma só entrada, vi-rada para a Cidade, com um pára-raiose uma cruz encima, sem portas, nemjanelas, nem vitrais, paredes escritas esujas, completamente vandalizado,degradado e desnudado, subsistiu aotempo tal como a imagem invisível dequem nos protegeu até ao destino e vi-

ce-versa, São Cristóvão. Aqui rezei por todos e chorei pormim. E no pátio da Capela de São Cris-tóvão comemos em conjunto umasmaçarocas cozidas acompanhadas degalinha rija frita e variada salada. A paisagem infinita e de belezaúnica permitiu-nos vermos a cordi-lheira de montes, o Kungo, o Lupupa,o Ngoia, fazermos umas fabulosasimagens fotográficas.Estávamos num dos pontos do triân-gulo formado pela Capela de São Cris-tóvão, no cimo do Wako, a Capela deNossa Senhora dos Montes Ermos, có-pia da Capela com o mesmo nome, si-tuada em Freixo de Espada a Cinta emTrás dos Montes, Portugal, e o Cruzeiro.Segundo os autóctones estes três mon-tes encimados, dois por uma Capela eoutro por um Monumento, um Cruzeiro,fazem no meio uma encruzilhada, ondeo povo do Wako – Kungo, diz ter magiaenfeitiçante, não podendo esse espaçoser cultivado, nem visitado. Depois determos estado no vértice do Triângulo, osoutros visitamos nos dias seguintes, aju-dados pelos nossos pauzinhosdescemos

NDENGUES YA TANGA 1

Sandra Poulson falando à imprensa

LETRAS | 5Cultura | 31 de Janeiro a 13 de Fevereiro de 2017

SANDRA POULSON

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o Morro e fomos ao que nos levou aoKwanza-Sul, a Biblioteca.O nosso ponto de glória nesse diaera a entregarmos duzentos e trinta li-vros á ASNAC, entre infantis, dicioná-rios, livros escolares, romances, en-saio, livros técnicos, material escolar,e prateleiras, doados pelos nossosamigos, familiares, a Biblioteca Nacio-nal de Angola, a Fundação Kissama, aEMME, a Loja dos Filhotes, a BisturiAngola, Carneiro e Irmão, escritor Ro-derickNehone, entre outros.Acompanhou-nos nesta singela ceri-mónia, para além das crianças, o Se-

nhor Padre Lourenço, pároco de NossaSenhora da Assunção. Aproveitei paradizer umas palavras aos presentes masdirigidas as crianças, pois são mais elasque precisam do incentivo à leitura e àfrequência desta oficina de leitura. - Hoje estamos em presença de livronovo para gente nova e menos nova.Deixamos aqui estes livros para estu-darem, trabalharem e saborearem.- As Bibliotecas proporcionam àspessoas de baixa renda satisfazerem asua curiosidade desenvolverem osseus interesses intelectuais, consulta-rem e aprofundarem a sua investiga-

ção, da mesma forma que aqueles quetêm possibilidades financeiras paracomprar livros. - As Bibliotecas enriquecem-nospermitindo-nos tudo saber, tudo ver enada ignorar, tornando-nos bons cida-dãos do Mundo. São centros de pes-quisa - Os livros são os nossos maioresbens, sem eles não podíamos viver. Va-mos conservá-los.- Dentro deste espaço é outro Mundo,e este é para ler, escrever, meditar e inte-riorizar, daí aqui desliga-se os telefones,não se arrastam as cadeiras, aqui só fa-lamos com as letras e em silêncio. As le-

tras e o silêncio é que falam para nós.O silêncio na leitura é como o coaxardo sapo, não pode ser parado. Deixemas letras falar, os livros cheirar e amente trabalhar sobre o papiro.Em prol da Cultura, dos mais neces-sitados, e do Turismo, valeu o sacrifício.Agradeço aos Beneméritos, ao sãoCristóvão, às gentes que nos acolhe-ram, aos futuros leitores de palmo emeio, e a todos os que permitiram es-tender a mão estender a mão a quemtem para nos dar muito amor.1- Crianças a ler

6| LETRAS 31 de Janeiro a 13 de Fevereiro de 2017 | Cultura

As candidaturas à segunda edição do Prémio Literário UCCLA “Novos Talen-tos, Novas Obras em Língua Portuguesa” foram alargadas até ao dia 21 de Marçode 2017, Dia Mundial da Poesia.O Prémio Literário UCCLA é uma iniciativa conjunta da UCCLA, Editora A Belae o Monstro e Movimento 2014, que conta com o apoio da Câmara Municipal deLisboa, e tem como objectivo estimular a produção de obras literárias, nos do-mínios da prosa de ficção (romance, novela e conto) e da poesia, em língua por-tuguesa, por novos escritores.São admitidas candidaturas de concorrentes que sejam pessoas singulares,de qualquer nacionalidade, fluentes na língua portuguesa, com idade não infe-rior a 16 anos. No caso dos menores de 18 anos, a atribuição de prémios ficarásujeita à entrega de declaração de aceitação pelos respectivos titulares do po-der paternal. Constituição do Júri:António Carlos Secchin, BrasilGermano de Almeida, Cabo VerdeInocência Mata, São Tomé e Príncipe Isabel Alçada, PortugalJosé Luís Mendonça, AngolaJosé Pires Laranjeira, PortugalBiblioteca Nacional de Angola (Luanda)A participação na presente iniciativa deverá ser feita até às 24:00 h do dia21/03/2017, por meio de correio electrónico, para o endereço [email protected] nos termos previstos no presente artigo. O correio eletróni-co com a candidatura deverá conter os seguintes elementos: a) A Obra, nos termose com o formato previsto neste artigo; b) Declaração de Conformidade, com os ele-

mentos abaixo descritos; c) Cópia do documento de identificação do autor. A Obra deverá ser apresentada em ficheiro de formato Word, com o tipo de le-tra Times New Roman, tamanho 12, espaçamento 1,5 e a página deverá ser for-matada de modo a que as margens superiores e inferiores apresentem 2,5 cen-tímetros, a margem esquerda apresente 4 centímetros e a margem direita apre-sente 3 centímetros, não excedendo as 400 (quatrocentas) páginas. Como o ob-jectivo é a publicação da obra no espaço lusófono, por motivos editoriais, asObras devem ter um mínimo de 50 páginas. No estilo literário Poesia a formatação ficará ao critério do autor de forma aobter uma melhor leitura/exposição das poesias. Na Obra não deve existir menção ao nome/pseudónimo do autor, essa infor-mação apenas deverá constar no Anexo Apenas poderão candidatar-se ao presente Prémio Obras redigidas em lín-gua portuguesa, que não tenham sido editadas e às quais não tenha sido atribuí-do anteriormente qualquer prémio. Cada candidato não poderá já ter outras Obras editadas e apenas poderáapresentar uma Obra a concurso. Da Declaração de Conformidade a remeter pelo autor no correio electrónico decandidatura deverão constar os elementos que a seguir se enunciam, podendo serutilizado o modelo que se junta como Anexo 1: a) Declaração de que o candidato é oautor exclusivo da Obra; b) A Obra é original e inédita; c) A Obra não foi objecto dequalquer prémio ou menção em qualquer outro concurso ou iniciativa similar; d) AObra não foi apresentada a qualquer concurso relativamente ao qual se encontrependente a sua decisão; e) Desconhece qualquer acção ou interpelação que ponhaou possa vir a por em causa a autoria e/ou exploração da Obra. 7. Os elementos quecompõem a candidatura deverão ser remetidos numa só comunicação electrónica,sem prejuízo da possibilidade da comissão de selecção das candidaturas poder soli-citar e decidir a rectificação ou complemento de algum dos elementos recebidos.

2.ª EDIÇÃO DO PRÉMIO LITERÁRIO UCCLA

PRAZO DE CANDIDATURASALARGADO

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UNAP CELEBRA CULTURA E ARTESPATRÍCIO BATSÎKAMA|A criação artística é a génese da Cul-tura. Criar implica arrumar ideias ecorporizá-las em “símbolo”. A mentehumana – que é o núcleo do pensamen-to – relaciona vários códigos, constróilinguagens e cria a própria existência. AUNAP expõe aqui códigos e linguagenspara dialogar as memórias de “8 de Ja-neiro” e “25 de Janeiro”. Cientes dassuas responsabilidades, os profissio-nais da Arte celebram aqui a criação daCultura. Trata-se da Cultura de Paz,pois a arte funciona na base do diálogo.A “Cultura fortalece a Nação”, diz oChefe de Estado angolano, eng. JoséEduardo dos Santos. Logo, os criado-res artísticos são promotores da Cul-tura de Paz cuja exposição nos mostraduas leituras. A primeira consiste nabusca de linguagens da Paz, com no-vos códigos de diálogos que os profis-sionais da UNAP. A segunda reverte-seno asseguramento de uma geração fu-tura capaz de continuar essa nobremissão: BJAP (Brigada de Jovens Ar-tistas Plásticos).

O ideário desta exposição estrutu-ra-se em três pressupostos.O primeiro navega-se no lema “ACultura faz-se nos municípios...”. Asobras expostas apresentam-nos as lin-guagens artísticas que traduzem as vá-rias facetas da sociedade nas comuni-dades (bairro, município). Os muníci-

pes conservam uma angolanidade ri-ca: servindo das heranças culturais(língua, alembamento, altruísmo, etc.),os angolanos criem e recriem a sua cul-tura desafiando as suas dificuldadessociais, transformando-as em alegria(kazukuta, kizomba, kuduru, etc.).O segundo consiste na vontade dedignificar a classe. A UNAP é o único es-paço onde todos os profissionais dasArtes Plásticas encontram abrigo. Elarepresenta a dignidade da classe. A teo-ria do Dr. Agostinho Neto sobre a ope-racionalização da Cultura em Angolaem “8 de Janeiro” está clara, quanto a is-so. Curiosamente, desde 25 de Janeirode 1575 a anatomia sociocultural deLuanda pluralizou-se e metamorfo-seou-se. O Edifício da UNAP representao símbolo desta pluralidade, e chamaos seus associados ao permanente diá-logo multicultural, multirracial.O terceiro pressuposto é a celebra-ção da Cultura de Paz como remédio apatologia social (Cultura de Guerra),tanto quanto como instrumento da re-conciliação entre os Angolanos. Os te-mas que cada profissional apresentanesta montra confirmam o engajamen-to da classe para Cultura de Paz, na ba-se das heranças culturais, a sua trans-formação na actualidade. A Cultura dePaz significa, também, a criação dobem-estar de cada um na base dos“produtos culturais” que disponibilizano mercado e conta com as autorida-des do país para criar o mercado fun-cional. Os seus profissionais clamampelo trabalho, pelo abrigo legal e pelasua responsabilização na municipali-zação das Artes Plásticas (Cultura).Razão pela qual a Galeria 25 de Maioreabriu as suas portas. É por isso que aUNAP re-aparelhou a máquina admi-nistrativa para dignificar a classe, coma bênção do Ministério. Pela mesmarazão de ser, esta exposição convida asociedade inteira no compromisso daconstrução da Nação sentimental, on-de todos encontram o seu espaço deestar e as oportunidades de bem-estar.Secretário de Estado enaltece organizadores Falando na inauguração da “ExpoCultura e Artes”, no passado dia 27 deJaneiro, o Secretário de Estado da Cul-tura, Cornélio Calei, referiu que esteevento vem demonstrar o empenho ea dedicação dos criadores nacionaispara o crescimento e o desenvolvi-mento das artes plásticas nacionais.“Estou satisfeito com a exposição,o que demonstra a dedicação dos or-ganizadores em prol do desenvolvi-mento, crescimento e reconhecimen-to das artes plásticas nacionais.De acordo com o Secretário de Es-tado, urge a necessidade de se arran-jar um espaço maior com a finalidadede albergar mais obras de criadores ede dar oportunidade a outros artistas.

Reunindo um conjunto de mais de40 obras, nas diversas disciplinas ar-tísticas, a exposição visou saudar oDia da Cultura Nacional, assinalado a8 de Janeiro, e os 441 anos da Cidadede Luanda (25 de Janeiro).A “Expo Cultura e Artes”, que ficapatente até 17 de Fevereiro, reúneobras de vários artistas, com desta-que para Marcela Costa, Filomena Co-quenão, Francisco Van-Dúnem “Van”,António Tomás Ana “Etona”, AntónioGonga, Kabudi Ely, Guizef, Paulo Ka-pela e Adão Mussungo, MansongiAfonso, Fineza Teta, Josefina Manzai-la “Odeth”, Kidá, Paulo Kussy, Maton-do Alberto, Álvaro Macieira, EngráciaFerreira e Guilherme Mampwya.Secretário de Estado da Cultura junto de Etona

A primeira consiste nabusca de linguagens daPaz, com novos códigosde diálogos que osprofissionais da UNAP. Asegunda reverte-se noasseguramento de umageração futura capaz decontinuar essa nobremissão: BJAP (Brigada deJovens Artistas Plásticos).

ARTES |7Cultura | 31 de Janeiro a 13 de Fevereiro de 2017

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NASCE A AMORD“ANGOLA PRECISA DEFENDER A KIZOMBA”

Membros constituentes da comissão instaladora da associação de dança por nascer

MATADI MAKOLA|Poderá acontecer, e sem causargrande espanto ou admiração, vermosos hits de 50 Cent, Ariana Grande ouByoncé serem acompanhados em pal-co com bailarinos que executarão pas-sos de kizomba mas que dirão apenastratar-se de Urban Kiz. Bem, virou fe-bre e, no Youtube, a kizomba ficou re-sumida ao termo Kiz, para se acres-centar outra palavra: Urban, certa-mente a querer dizer kizomba urbana.Contudo, questionamos: urbana emcontradição a que kizomba de gueto,musseque ou sanzala? A saber. Quem visualizar este termo no You-tube, pode tanto ficar decepcionadopela forma como a kizomba, dança, fi-ca descaracterizada, ou encher-se degarbo se achar nesta mudança de rit-mo alguma criativa imaginação. Ur-ban Kiz funde-se com técnicas de dan-ça tecno, tanto que apressa os passoscomo paralisa em alguns momentos,tornando a dança de base kizomba, ajá Urban Kiz, uma espécie daquele to-que maquinal que os americanos ti-nham difundido quando a dança tecnoestava em voga. Trata-se do famosopasso robocope, que tanto vimos a serpublicitado nos filmes de acção, dra-ma e comédia já bem cozinhados emHollywood. O Urban Kiz é moldávelaos tipos de música em voga na Améri-ca e Europa, tanto que quem visuali-zar o Youtube encontrará o LiberianGirl, de Michael Jackson, a ser dançadoao estilo Kizomba, bem como SeanPaul, Henrique Iglesias e outras péro-las inimagináveis até então. Pelas nos-sas carências, escusamo-nos de discu-

tir a nossa inferioridade mediática e agigantesca distância entre a nossa in-dústria de entretenimento e a deles,tanto europeus como americanos.Porque o fenómeno kizomba pode es-tar a conquistar espaços que não ima-ginamos, somente ouvindo o testemu-nho de quem vive lá fora e frequentaos sítios em que esta dança vai sendometamorfoseada segundo os segmen-tos culturais dos povos que a recepcio-nam. Ora, se fosse apenas pela umbi-gada contínua da tarraxinha, claro es-tá que teríamos mais dificuldades emtomar a dita Urban Kiz como sendouma dança derivada da kizomba, oumesmo uma kizomba acelerada aopasso tecno, porque a nossa chamadatarraxinha muito se assemelha a esti-los que no Brasil chamam de brega,que é um movimento ainda mais ma-çante do que a tarraxinha, e arrocha,mas que se distingue por ter passossemelhantes ao da lambada. Diante deste crescimento vertiginosoe múltiplo, cabe-nos sermos fortes e ho-mogéneos a nos defendermos, comotambém não criarmos empecilhos emnos difundirmos, desde que sejamos,principalmente, fortes a sermos nós. Akizomba avança e o medo é de um dia to-mar o mundo sem que ainda seja mun-dialmente conhecida como angolana,sendo estas algumas das preocupaçõesexpressas pelo mestre Petchú (PedroVieira Dias), durante o encontro queaconteceu na tarde do dia 25 de Janeirono Palácio de Ferro, abrangido na IIITrienal de Luanda, e que definiu osmembros da comissão instaladora deuma associação de dança por vir a nas-cer brevemente, mas que ainda, en-

quanto movimento, responde pelo no-me de Amplo Movimento de Revitaliza-ção da Dança em Angola-AMORD, coor-denado por Maneco Vieira Dias. “Eu acho que isso parte de uma or-ganização de vários eventos cá. Sendoa kizomba já uma indústria comercial,como eu gosto de dizer, porque em ca-da canto do mundo não passa um finalde semana sem acontecer um festival,e em muitos destes a kizomba já se fazpresente. Enquanto a Cultura olhar

com certa ingenuidade ao movimentoda dança kizomba que está a acontecerfora de Angola, não vai ganhar nadacom isso, muito menos o próprio país.Primeiro passaria para o registo daprópria palavra kizomba, até porque játivemos casos na Europa em que indi-víduos tomaram a vil e delinquenteconduta de auto patentearem-se comocriadores deste género. Várias vezesabordei essas pessoas. A kizomba, sen-do propriedade do povo angolano, a

Mestre Petchú

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que esse é um grande desafio para oministério da Cultura, dando-lhe pos-sibilidade de entender o que se passacomo fenómeno a nível do mundo, en-quanto indústria rentável”. Petchú, este professor de dançasangolanas na diáspora, deixa a seguin-te sugestão, quando questionado so-bre as medidas a tomar que ajudem oconhecimento da kizomba: “Outra su-gestão, para bem definir o estilo doqual poderão nascer outros, seria fa-zer e promover espectáculos de ki-zomba e encorajar os músicos a leva-rem bailarinos deste género aquandodas suas deslocações no estrangeiro.Mas há músicos angolanos que parti-cipam nestes festivais, e ainda recen-temente o Yuri da Cunha esteve em Es-panha para participar no Festival Dan-ce. Agora, a ideia, conforme atestam os

músicos, é que neste momento a dan-ça é que está a levar a música. Se elescomo músicos têm esta consciência,porquê não levar gente a dançar nes-tes espectáculos?”, questiona.E aponta outra solução: “Primeiro,Angola precisa defender a kizomba. Te-mos de ver a kizomba não só como dan-ça de farra ou de discoteca mas tam-bém como uma dança possível de serelevada à arte de espectáculo. Acreditoque espectáculos só de kizomba ousemba podem vincar tanto dentro co-mo fora do país. Mukano Charles é quetem conseguido levar alguns bailarinosde semba e kizomba para fora do país,quando a ideia não é ficar pelos concur-sos e sim evoluir para espectáculos.Precisamos de representação de pes-soas que saiam daqui de Angola paradefesa deste género que cada vez mais

vai conquistando o mundo”, aponta otambém bailarino do Kilandukilu. Não somos inferiores A sala concordava em unanimida-de que a dança está a passar por umperíodo muito difícil, e que quase de-sapareceu do panorama cultural.Maneco Vieira Dias, numa espécie deslogan de motivação, fez entender ospresentes, de plateia composta porquadros do MINCULT, bailarinos, di-rectores de grupo e amantes da dan-ça, que a classe da dança não é infe-rior às restantes classes artísticas dopaís, apontando como exemplo o mo-do estóico como o teatro foi se assu-mindo para conseguir alguns ganhose visibilidade junto do público. E dis-so, conclui: “Não somos inferiores,nem vamos a reboque”, para aplauso

de todos, que vêm na AMORD umaesperança para a dança em Angola.Maneco pontua que a ideia de criaruma associação surgiu um pouco de-pois do encontro entre a ministra daCultura, Carolina Cerqueira, e a clas-se artística, para que a dança possaganhar um lugar devido, paralelo àmúsica, literatura, artes plásticas, ar-tesanato e teatro. Porém, o espectáculo “Ninguém pá-ra o Vento”, apresentado nos dias 21 e22 no decurso da III Trienal de Luan-da, foi um sinal do modo inclusivo co-mo a futura associação pretende tra-balhar, garantido, conforme leu a pro-fessora de dança Elizeth Rodrigues notexto de apresentação do movimento,que todos participem de forma iguali-tária e sem as prejudiciais distinçõesque só têm separado a classe. KIZUA GOURGEL NO CAMÕESMELODIAS AMANHECIDAS

MATADI MAKOLA|Kizua Gourgel, acompanhado deToty Samed e Gari Sinedima, foi agrande voz da comemoração dos trin-ta anos de cooperação entre Angola e aUnião Europeia. Sem necessariamen-te se apresentar num formato habitualdas performances de massa, em maisde uma hora de espectáculo no auditó-rio Pepetela, do Centro Cultural Portu-guês-Camões, passeou por sucessosseus já sobejamente conhecidos pelopúblico e revisitou temas de sua elei-ção que fizeram grande diferença noprocesso de construção musical e detendência estética da sua carreira demúsico. Foi uma noite de trova deplausível qualidade no refinamento

musical. Numa quinta-feira de Janeiro,dia 19, a sala estava abarrotada, já semlugares e ainda com mais de três deze-nas de pessoas em pé na sala de expo-sição do Camões por não terem conse-guido arranjar espaço dentro do audi-tório, e viram-se obrigados a desisti-rem de ouvir ou a ficar mesmo aí empé, a puxar um dedo de conversa e aapreciar a exposição enquanto ouviamo som que se escapava de dentro parafora. À vista, ainda no início do espec-táculo, pelo abarrotar de gente que seconstatava no local, era incontornávelnão chegar-se à conclusão que o Ca-mões já tem um público suficiente e su-perior ao espaço que oferece a sala,sendo que as pessoas dependam dasorte e da disponibilidade de chegar

muito mais cedo ou a estarem vulnerá-veis a correrem o grande risco de vol-tarem para casa sem verem consegui-do o grande objectivo que os tenha le-vado para aí. Em resumo, parece-nosque o auditório Pepetela será semprepequeno para acolher os amantes deKizua, Gari e Toty, principalmente peloencanto mediático e carisma que esteúltimo tem conseguido nos últimosmeses, a pesar o facto de ter lançado oseu EP em Dezembro último. Contudo, lá tivemos música. Sim-ples em palco, sempre deixando a per-ceber que a sua música diga mais so-bre si, começou por contextualizarque é, em termos de queda musical, fi-lho de André Mingas. Mas não ficoupor aí, herdando do gosto apurado dasua mãe a fluidez romântica de EltonJohn, e da infância a contribuição deJorge Palma. Bem, se isso define ounão Kizua, ou baliza a sua recepção es-tética, não é bem por aí, mas ajuda ademarcar o seu campo musical, e eraessa a intenção dessa noite. Com a mú-sica “Vai”, escrita para uma pessoamuito especial na sua vida, tambémveio denunciar o móbil das letras deKizua, sempre a derramar sentimen-tos ou a usar as melodias para os fazeramanhecer. Disse-nos que tem com-posições que demoram anos ou mesesa serem escritas e outras que demo-ram momentos, certamente saídas àforça do sentimento, e muitas vezessaem de forma brilhante. Mas, e porque há razão em associa-lo a cultores da bossa nova, sendo queé um género muito próximo ao produ-to final de Kizua, só que desta vez commais força pop, para assim sair “Ma-lembe Malembe”, que conta com a par-ticipação da brasileira Ellém Oléria,num projecto tutelado pela FundaçãoArte e Cultura. Faltava somente fecharo círculo com chave de ouro, e é assim

que traz Teta Lando pelo seu “Negrade Carapinha Dura”. Mas se enganaquem julgar que Kizua tem temor pelotema, como acontece com muitos in-térpretes da nossa praça, que produ-zem temas consagrados muito aquémda original, certamente com medo dedescaracteriza-la, esquecendo-se quea interpretação é sobretudo adicionara personalidade musical do intérpre-te. Kizua mostra respeito pelos gran-des que interpreta, mas segue a simesmo quando o faz, tanto que defi-niu assim a sua maneira de ver os te-mas intemporais: “Os clássicos sãosempre para o futuro”. Voltando-semais para si, inclui no repertório o te-ma “Cacimbo”, escrita quando contavaainda 15 anos de idade, em louvor aesta Luanda que fez 441 anos de exis-tência neste Janeiro. E desta infânciaem Luanda desemboca em memóriasdo legado do pai, Beto Gourgel, comcanções de amor e revolução. Gari Sinedima subiu ao palco paranos dar um banho de luz, e mostrou aopúblico presente que já tem temas su-ficientes para, pelo menos, estar na al-tura de lançar alguma coisa sua, po-dendo ser um EP ou mesmo um disco,na melhor das situações, para nãoconfinar-se à condição de intérprete.Toty trouxe temas do seu EP e maisuma vez nos fez temer se não esta-mos a perder um grande guitarristaem favor de um cantor, ao decidir in-vestir na sua carreira enquanto voca-lista. Esperemos que se apegue tantoao microfone como à guitarra, paranos brindar esse seu dedilhar apai-xonante, sempre subtil e primorosoao atravessar géneros e geraçõesmusicais, tanto que Kizua não escon-deu a admiração, vaticinando com asseguintes palavras: “Se hoje falamosde Mingas, Zau ou Mukenga, amanhãacrescentaremos Toty”.

Kizua Gourgel

ARTES |9Cultura | 31 de Janeiro a 13 de Fevereiro de 2017

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Heavy CVOZ NOVA CONTRA UM

PROBLEMA NÃO TÃO NOVOMATADI MAKOLA|Por ainda não estarmos a par da no-va nomenclatura que agora assume,diremos que o até então músico HeavyC (HC) viu-se obrigado a suprimir o ar-tista em si. Contrariamente a esta reve-lação, estamos seguros ser a mais puraverdade de que a cabaça de beats deHC ainda transborda de novidades.Não lhe faleceu a inspiração. Semprefoi um artista que, embora se tenha fir-mado bem na kizomba propriamenteao jeito angolano, não se inibiu de tam-bém ser artesão de outros géneros de-rivados da pop music, como o rap,R&B, guero Zouk… Sempre vimos HC,ele e a sua Buedbeats, como um grupoindissolúvel, mesmo que até agora datão confiante e pomposa produtora sóconheçamos o seu rosto, caso para di-zer que HC por sí só é uma empresa.Por lá passaram nomes como Yola Se-medo, Matias Damásio, Ary, Pérola, Yo-la Araújo, Dog Murras, Army Squad,Edmázia, Marita Vénus, Negro Bué, An-selmo Ralph, Yuri da Cunha, Dog Mur-ras, Gomez, Kalibrados, Edmázia… Mas, por mais insólito que seja, des-de 10 de Dezembro do ano passadoque convivemos com a voluntária ebenevolente retirada de HC do mundoda música. Pelo menos é assim que pa-rece, embora as notícias também dei-xem a entender que esta atitude nãocondiz com a vontade do músico, massim uma condição do mercado, que ocoage a executar uma espécie de “ha-raquiri artístico”, de certa forma; por-que HC sempre será um guerreiro daarte da novíssima música angolana. Ainda tem fãs que expressam nasredes sociais que nunca o HC conse-guirá desfazer-se da sua condição demúsico. Razão não lhes falta para re-futar desta forma, um pouco em con-tradição a uma hipérbole sem tama-nho dos títulos que a imprensa ali-mentou, estampando ora que o músi-co abandonou a carreira, ora que omúsico pós fim à condição de músico.A primeira pode até ter algum senti-do, porque HC não está a passar poruma fase próspera da sua multiface-tada carreira de intérprete, composi-tor, produtor e director musical, comtodas estas qualidades carregadascom significativa mestria nos géne-ros pop que domina. Os seus mais de20 anos de carreira musical já cria-ram raízes, tanto que é um dos nomesque faz o número reduzido de pes-soas que podem ser apontadas comoresponsáveis do rosto actual da Ki-

zomba e R&B de cariz angolano. A passar por aborrecíveis dificulda-des financeiras, HC decidiu reivindi-car da forma mais dura possível: en-tregando-se a um interregno da suacarreira musical. E é um golpe. Pelamesma forma como se sente golpeadoe abandonado pelo circuito que domi-na os eventos de música, HC golpeia osseus fãs e amantes incansáveis da suamúsica com o triste anúncio de porfim à carreira musical. Esses fãs que oacompanham desde as aparições cal-mas e familiares em sofás de casa,quando este era convidado em pro-gramas de grande audiência como oJanela Aberta (onde, em jeito de brin-cadeira, também se tinha mudado deHeavy C para Leve C, mas sempre depés descalço. E, anos antes, apareciacom o cabelo encaracolado e turbanteelástica, de jeans e t-shirt. Essa ima-gem de HC foi poderosa o suficientepara mantê-lo em alta por largosanos) a shows de movimentar multi-dões, mereciam maior consideração.Mas, se lhe pedir que recue da sua de-cisão seja pedir algo para além de si,conformemo-nos, que o autor de “PraValer” ( um registo musical que em na-da deve a outras produções bem con-seguidas por contemporâneos seus depeso, casos, por exemplo, de Kaisha,Nicols, Ali, Philipe Monteiro, Marysa…,) simplesmente cessou. Das razões que aponta, não é só oseu pé de meia que já vai sem nenhumcêntimo, é também uma atitude paraapelar à consciência de todos os músi-cos. Vejamos o que enumerou no pro-grama Zap News: “Desvalorização mu-sical, falta de estrutura, abertura de fa-lência, perdeu a piada, e a máfia”, apon-ta o músico. Afinal, o que é a máfia?Um problema não tão novoResponde Heavy C: “Máfia na selec-ção de shows; máfia na selecção dosmúsicos; máfia na selecção de imagenspara as empresas”. O músico diz aindaque a falência trata-se de não haver di-nheiro para os músicos, questionandoa seguir se é possível que um elefanteseja alimentado à base de ginguba. Quantos mais terão de encetar estaatitude algo cobarde para o problemaestar à mesa de encargos de entidadescompetentes, não sabemos. Espere-mos o que o futura nos reserva, pormais que o presente precipite motivospara cogitar. Se vermos bem, este pro-blema não é assim tão novo e já mes-mo neste quinzenário foi tratado comalguma preocupação. Falamos, por

exemplo, da renúncia à música de Be-to Dido, trazida com lamúria e tristezadesconcertantes pela pena do escribaJosé Luís Mendonça, isto numa dasedições de 2014, quando o embalo dacrise económica ainda não era umapreocupação em voga, mas já a queixacontra essa “máfia” que HC agora le-vanta se revelava preocupante. Mesesdepois, Belmiro Carlos, SG da UNAC,volta a meter o dedo na ferida, numaentrevista concedida a este quinzená-rio e conduzida pelo autor destas li-nhas, onde diz num dos pontos: “É ver-dade que os empresários têm toda a li-berdade de escolher os artistas comquem querem trabalhar, mas é precisohaver um certo sentido de razoabili-dade”, e também diz: “Aqui o grandeproblema é uma gravíssima falta deestrutura no ambiente de trabalho ar-tístico a nível nacional …”, igualíssimarazão de HC. Agora sim, a vermos a dimensão doproblema, devemos aplaudir, e en-quanto estão aí, a coragem e visão deEstêvão Neto, do Centro Cultural e Re-creativo Kilamba, e Yuri Simão, da NovaEnergia, porque ambos pautaram por

uma política de shows inclusiva, semdesprimor de género e de idade, e nempor isso não surtiu efeito, dado que hábocas que ainda se apegam ao discursoetário e preconceituoso de que há mú-sicas de kota e que esta já não bate, pormais que se lhes diga que a música, co-mo qualquer objecto passível de análi-se artística, define-se primeiro em serboa ou má, e depois discute-se o resto.Vejamos que o Show do Mês investe omesmo nível de atenção tanto a umaYola Semedo como aos Kiezos, e ambos

Heavy C

“Não se podealimentar umelefante comginguba”, alegaHeavy C numaentrevistaconcedida aoprograma ZapNews

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PARADA DOS KANDENGUESCOMPLETA DEZOITO ANOS DE EXISTÊNCIA

NDAKA YO WINI NO ARTES AO VIVO

Victor Barros

Lukeny Bamba

os shows deram sucesso, para não di-zer da memorável passagem de Eucli-des da Lomba naquela casa, que veioprovar como a kizomba feita com al-gum requinte ainda se impõe. Já Estê-vão há muito que tem lutado contra osilêncio da chamada geração de ourodo semba, que têm no Centro Cultural eRecreativo Kilamba o mínimo de aten-ção possível, muitas vezes acompanha-dos por jovens como Yuri da Cunha eEdy Tussa, que se esforçam para beberda experiência desses Kotas que pare-cem ser as vítimas habituais e confor-

madas dessa “máfia”. Este seu fim tem os seus fins, e noslevar à reflexão sobre os problemas dafalta de estrutura e equidade do mer-cado musical é certamente um deles. Éassim que Heavy C seja, certamente, amais nova voz contra essa problemáti-ca, porque mais outros se viram obri-gados a por fim à carreira, mas semtalvez esta toda atenção mediáticaque levantou HC, e talvez num silênciodoloroso num quintal qualquer destesPrenda, Catambor, Avó Kumbi, Ran-gel..., onde convivem e se movimen-

tam ofuscados, com saudades dostempos em que eram grandes estrelas.Mas uma estrela é sempre uma estre-la: fazemo-la brilhar, como bem vi-mos, já a fechar o ano de 2016, o showque o Conjunto Angola 70 deu na For-taleza São Miguel no dia 18 de Dezem-bro, promovido pelo Instituto CulturalAlemão – Goethe Institut, que fez dostubarões do semba a sua grande apos-ta, com direito à promoção e movi-mentação na Europa, através da pro-dutora Mano a Mano, de Otoniel Silva.Sigamos exemplo.

Fontes:http://jornalcultura.sapo.ao/ar-tes/discordo-destes-sembas-com-guitarra-a-saber-a-jazzhttp://jornalcultura.sapo.ao/ar-tes/beto-dido-uma-renuncia-impos-sivel/fotoshttps://www.youtube.com/watch?v=truluWXHSzAhttp://jornaldeangola.sapo.ao/cultura/musico_heavy_c_abandona_os_palcos

Há 10 anos, Lukeny Fortunato conce-beu um projecto de animação cultural,chamado Artes ao Vivo. Agora com par-ceria de Victor de Barros, Artes ao Vivoabriu o ano de 2017 com Ndaka yo Wini,um cantor jovem que, como o próprionome indica, é um cultor determinadoda africanidade, aliando às sua melodiasmaioritariamente em Umbundo precio-sos ritmos da modernidade musical uni-versal. O artista retira de dentro da caba-ça a inspiração que lhe permite trans-formar as ondas da tradição popular emnovas construções, numa busca cons-tante e rigorosa da sublimação da músi-ca angolana. Na noite do passado dia 17de Janeiro, ali no My Space, ao Centro deFormação de Jornalistas (Cefojor), Nda-ka yo Wini provou ser a exímia Voz doPovo, quando interpretou Ohele e ou-tras canções, num espectáculo ondeparticipou um público diversificado eque juntou outros músicos como Cyriuse Bona Ska e que brindou os presentescom um recital de poesia e outro de spo-ken word, para além da interessanteconversa sobre Políticas Culturais, pro-tagonizada por José Luís Mendonça eVictor de Barros. O momento contouainda com a re-apresentação da obraBalumuka, do jornalista Rubio Praia.

Foi lançado o último número da pu-blicação infanto-juvenil Parada DosKandengues, Parada Jurássica é o títulodesta edição, onde os destemidos perso-nagens da Parada se vêm transportadospara um cenário da pré-história, concre-tamente no período jurássico. Um T-Rexensandecido sai pela Parada afora ten-tando abocanhar os nossos Kanden-gues. Só lendo a revistinha do princípioao fim o leitor saberá o desfecho.A presente edição, o número 26 dessacolecção, comporta ainda outras histó-rias, tais como “Realidade Pintada”, ondeo Salvador Daki surpreende o Chaka com

a sua capacidade criativa. “Árias Devasta-doras” em que o temível MumYah é afu-gentado pela Mimi Soluço. “A FórmulaVivificante”, uma história em que os per-sonagens da Parada salvam o seu dese-nhador de monstros do borrão e acabamsaindo por Luanda afora. Enfim… são di-versas histórias divertidas, mas todaselas encerrando mensagens cívicas e pe-dagógicas para o deleite dos leitores.Importa frisar que a Parada dosKandengues é o produto da Sisma Co-mics um projecto criado para o fomen-to dos hábitos de leitura dos mais no-vos por um lado e por outro a promo-

ção da arte narrativa em banda dese-nhada, bem como do surgimento denovos talentos dessa forma de expres-são artística. A parada dos kanden-gues é a publicação angolana em BDcom maior longevidade encerrandodezoito (18) anos de existência, com-pletos neste mês de Janeiro.Para maiores informações consulte oSitewww.kandengues.com, ou a páginado Facebookparada dos kandengues ouainda entre em contacto com a editorapelos canais:Telf: 226215098; Email:[email protected],[email protected]

Ndaka yo Wini

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IntroduçãoCom a modernidade, o mundo tra-dicional africano está muito abalado,apesar de algumas resistências. Con-tudo, a África já é um mundo moderno.os africanos ganharam uma nova for-ma de vida fruto das mutações cultu-rais que se registam no âmbito da mo-dernização, que é também um ele-mento da globalização. Desconsiderar o fenómeno da mo-dernidade no actual contexto africa-no leva à realização de um trabalhodescontextualizado, que não permiti-rá captar a realidade total do mundoafricano. o nosso escopo volta-se, napresente reflexão, para a cultura afri-cana, procurando compreender co-mo pode ela, nos meandros da mo-dernidade, gizar o seu destino, por-tanto o seu próprio futuro. Para uma exaustiva desenvolturado tema iremos recorrer aos subsí-dios quer da História, antropologia,sociologia, antropologia filosófica eoutras ciências afins, dada a interde-pendência epistemológica que há en-tre essas disciplinas. sob o ângulo de uma acurada análi-se que se possa fazer dos termos que otítulo desta breve reflexão ostenta, sal-tar-se-á à vista um binómio que formaum todo coadunável: cultura e moder-nidade, associando-se àquele primeiroelemento o adjectivo biforme que comele concorda em género e número. nãoiremos proceder, porém, a uma incur-são histórica dos conceitos já citados,prevenindo-nos da vã prolixidade. Por cultura entende-se o conjuntode tudo aquilo que a humanidade re-cebeu da natureza como aptidões,mas também produziu pela sua pró-pria actividade criadora bem como to-das as organizações sociais e costu-mes, todas as formas de conduta e dedesenvolvimento da vida, desde aspráticas técnicas até à linguagem, esti-lo de arte e formas de pensar . Pode-se, à partida, distinguir trêsacepções do conceito cultura:acepção axiológica: a cultura opõe-se ao bárbaro. o que, de um ponto devista superior, pode parecer bárbaro,visto de um ponto de vista inferior, po-de já ser cultura. Estes conceitos, por-tanto, são apenas relativos. acepção antropológica: diferente-mente do animal, o modo como o ho-mem se alimenta, vive em comunida-de, reza, ama, se articula ao mundo,baseia-se na sua própria descoberta eactividade e, portanto, como criaçãohumana, é cultura. acepção histórico-etnológica: expli-ca que o homem é dotado de poder cria-dor de cultura e que a cultura não é umaprescrição da natureza embora esta te-

nha uma influência sobre aquela. Como se pode compreender, a acep-ção antropológica de cultura constitui,indubitavelmente, o fundamento daacepção histórico-etnológica, emborapermaneça a ideia de que o que se cap-ta é apenas uma cultura variada e his-toricamente específica . De acordo com a. giddens, moder-nidade pode ser entendida comoaproximadamente equivalente aomundo “industrializado” desde que sereconheça que o industrialismo não ésua única dimensão institucional. Es-se autor emprega ainda o termo mo-dernidade para referir-se às institui-ções e modos de comportamento esta-belecidos pela primeira vez na Europadepois do feudalismo, mas que só noséculo XX se tornaram mundiais noseu impacto . modernidade implica ocontrolo regular das relações sociaisdentro de distâncias espaciais e tem-porais indeterminadas. o mundo da “alta modernidade”estende-se além dos domínios das ac-tividades individuais e dos compro-missos pessoais. Ele está repleto deriscos e perigos, para os quais o ter-mo “crise” – não como mera interrup-ção, mas como um estado de coisasmais ou menos permanentes – é par-ticularmente adequado . as institui-ções modernas diferem de todas asanteriores de ordem social quanto aoseu dinamismo, ao grau em que inter-

ferem com hábitos e costumes tradi-cionais, e a seu impacto global . Pode-se apontar aqui, em tom alto,algumas, entre as principais caracte-rísticas da modernidade sem, no en-tanto, fazer uma incursão mais genéri-ca das mesmas: o relativismo, a globa-lização, o consumismo, a comunicaçãoe a indústria da cultura, desencantosocial em relação à religião, à política,o culto à ciência, à ideia de progresso.as ideias tradicionais deixaram de serreferências válidas e tendem a des-mistificação de um todo. o que impor-ta é o imediato, o aqui e o agora pre-sentes. o individualismo substituiu osprojectos colectivos, onde se aprecia oculto ao hedonismo . Enfim, todos es-ses factores são essenciais se quiser-mos entender a actual civilização naqual estamos imbuídos. Embora antropólogos, etnólogos ehistoriadores divirjam muito na de-terminação das áreas culturais daÁfrica, o certo é que existem no conti-nente áreas culturais, isto é, espaçoabrangido por culturas semelhantes.Essa ideia é veementemente defendi-da pelo historiador Cheik anta Diop, oqual sustenta que a cultura africanabaseia-se numa unidade cultural darealidade negro-egípcia que se espa-lhou por toda a África negra . Para essehistoriador senegalês, as diversas re-giões ou ciclos culturais de África nãopassam de aspectos diferentes de uma

só e única cultura. Por esse motivomesmo, sustenta o historiador, os afri-canos têm de assumir o seu passado ea sua cultura como unidade conjunta,resultante de todas as manifestaçõesculturais regionais . a partir do enfoque histórico dadopor Cheik anta Diop, já se pode forjaro conceito de cultura africana, o qualnão se reduz apenas às experiênciasparticulares das regiões africanas,mas sim abarca a manifestação origi-nal e global destas culturas regionais.Pelo que, a cultura africana deve serentendida como manifestação espiri-tual e global da Comunidade negraem todos os aspectos: estatais, artís-ticos, linguísticos, económicos, filo-sóficos, etc., acumulados pelos ne-gros africanos através de todos ostempos, desde as primeiras balbucia-ções no Egipto proto-histórico .Sociedade Tradicional Africana e ModernidadeHá já muito que se deu a abolição dasociedade tradicional africana. a his-tória no-lo atesta vivamente fazendomenção à época dos descobrimentos eexpansionismo europeu datada do sé-culo XV. Embora os contactos entreÁfrica e Europa datem desde o séculoXV, é sobretudo, a partir dos séculosXVii e XViii que se vai operar umatransformação mais radical da socie-dade africana devido às inovações tra-

ESTÊVÃO CONDE MBAMBI

A CULTURA AFRICANA NOS MEANDROSDA MODERNIDADE: QUE FUTUROS?

Grupo de dança

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zidas pela revolução industrial inicia-da na grã-Bretanha, marcando assim,a passagem das sociedades tradicio-nais africanas às sociedades moder-nas. Essas inovações facilitaram a co-lonização europeia da época, pois, aviragem brusca nos usos e costumes,deixou os africanos desorientados.a modernidade, expansão da cultu-ra ocidental nas sociedades não oci-dentais, tocando os aspectos como atecnologia, a economia, a política, osmass media, a religião, a urbanização,a industrialização e a cultura, é já umfenómeno irrefutável . a irrefutabili-dade desse fenómeno, em África, étambém uma clara verdade. a ques-tão, porém, que levantamos é: Como aÁfrica, em sede de vertiginosas mu-danças impostas pela modernidade,pode desenhar o seu próprio futuro?Em nosso entender, o posiciona-mento do homem africano não deveconsistir mais em refutar a mudança,mas sim definir o que deve ser muda-do, já que nem todas as formas de mu-danças geram benefícios. Entremen-tes, a definição desse ideal requer dosafricanos uma “redescoberta de sipróprios e da África” para uma claratomada de consciência da sua situaçãoexistencial do presente e projectar umfuturo melhor para todos os africanos. a falta de um conhecimento pro-fundo e verdadeiro de si e da Áfricaleva a que os africanos enfrentem re-tumbantes aporias e não saibam to-mar decisões certas para solucionaros diversos problemas do quotidianoe projectar o continente no caminhodo desenvolvimento futuro.o conhecimento profundo e verda-deiro da África e do homem africanode que falamos consiste em ir ao en-contro da identidade africana pro-priamente dita. Essa identidade, ge-nuína, embora já não exista, e, talvez,jamais seja alcançada, nunca foi co-nhecida essencialmente. se é conheci-da, o é superficialmente. Esse argu-mento, encontra respaldo no pensa-mento de samuel Huntington, na suafabulosa obra “o Choque de Civiliza-ções e a recomposição da ordemmundial, quando afirma: a identidadecultural define o lugar, os amigos e osinimigos de um Estado na actual polí-tica mundial . a identidade culturalafricana deve ser repensada e rebus-cada para, a partir dela, traçar-se o ru-mo para o futuro do continente.a modernidade e sua mentalidadesão pesado desafio ao homem africa-no e à sua cultura. ante esse fenómenomascarado, o homem africano não de-ve cruzar as mãos e recusar as mudan-ças que ocorrem na sua sociedade, so-bretudo as que afectam os seus valo-res mais profundos como a língua, aprópria pessoa, as tradições, a reli-gião, etc. a África deve procurar adap-tar-se aos novos ventos da moderni-dade mesmo que soprem contra ela,no sentido de criar condições favorá-veis ao seu próprio desenvolvimentoquer no presente quer no futuro.a modernidade, se bem encarada eusufruída, é um caminho aberto para odesenvolvimento tanto presente co-

mo futuro do continente africano. Elatraz em si as potencialidades desse de-senvolvimento e as condições paraque ele se torne uma realidade incon-tornável no seio dos povos e países.nessa perspectiva, a modernidade éconditio sine qua non para o progres-so da humanidade, sem, no entanto,excluir todos os desaires que é capazde gerar à semelhança da revoluçãoindustrial, parafraseando Basil David-son . tudo depende da opção de cadaum, a opção depende dos africanos. aescolha dos africanos definirá o pre-sente e o futuro da África. aliás, a mo-dernidade, enquanto cultura de pen-samento, é uma época de exaltação daliberdade humana. a ciência e a técnica, duas dimen-sões humanas endeusadas pela mo-dernidade, são-no, na medida em quese constituíram numa espécie de tram-polim para o alcance do progresso edesenvolvimento. a África também échamada, nesta época da alta moder-nidade, como assevera giddens, aolhar com particular atenção para es-ses dois fenómenos e a fazer um inves-timento cada vez mais acentuado parasua conquista, sem olvidar da essênciada sua cultura. É que a ciência e a técni-ca, para além de serem em si produtode uma cultura, são, em si, uma formade cultura. E, é dessa forma de culturaque a África também se deve ocupar aproduzir para se auto-afirmar nessemundo cada vez mais moderno.a valorização e investimento naciência e na técnica, em África, irão de-sembocar na revalorização do homemafricano bem como levarão a que osefeitos da guerra, do subdesenvolvi-mento e da permanente dependênciaexterna do continente diminuam, paraalém de contribuírem eficazmente naresolução de outros problemas nãomenos importantes como a fome, aemigração, o desemprego, o sanea-mento básico, a saúde, a educação, etc . À elite intelectual africana tambémé confiada a árdua tarefa de realizar es-tudos, pesquisas sobre a situação ac-tual do continente, isto é, procurar re-velar as usas disparidades e insuces-sos e sugerir novas perspectivas queorientem o continente para temposmelhores. aos governantes das naçõesé igualmente incumbida a missão dezelar pela preservação do acervo cul-tural do continente garantindo que oeco cultural do continente soe bem al-to e se mantenha incólume nos nossosdias, mesmo que sejam os mais afecta-dos pela mentalidade modernista. Conclusãoa cultura africana mantivera desdemuito cedo um contacto mais directocom a cultura europeia. Embora talcontacto sucedesse já no século XV,apenas nos séculos XVii e XViii é que aÁfrica vai ser trespassada pela moder-nidade. a modernidade é um fenóme-no responsável pelas bruscas mudan-ças verificadas na economia na política,na cultura e na sociedade africana, fe-rindo, em alguns casos, não raras vezes,o seu mosaico cultural e não só.

a cultura modernista é um desafioao homem africano e à sua cultura.apesar das bruscas mudanças, a defini-ção do futuro do continente dependedos próprios africanos. Para tal, um co-nhecimento mais profundo de si e darealidade africana se impõe como umanecessidade ao homem africano de ho-je bem como a adaptabilidade às cir-cunstâncias impostas pela mentalida-de modernista. Ela, a modernidade, é jáum caminho aberto para o desenvolvi-mento do continente, pois, já traz em sipotencialidades como a ciência e a téc-nica, as quais podem fornecer um con-tributo inestimável para o desenvolvi-mento da África, se bem aproveitadas. ademais, a elite intelectual africanae os governantes das nações africanassão chamadas a prestar um contributosalutar ajudando o continente a co-nhecer os seus melhores momentos.Hoje, o projecto da libertação e da au-to-determinação do homem africanopassa, necessariamente, pelo domínioda ciência e da técnica, que, são reali-dades das quais a África se deve apode-rar para aplicá-las à sua situação con-creta e, através das quais, o continentesaberá desenhar o seu próprio futuro. _______________________________________REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASHEinEmann, F., a Filosofia no sé-culo XX, Fundação Calouste gulben-kian, lisboa, 1993. giDDEns, anthony, modernidade eidentidade, Jorge Zahar Editor ltda,rio de Janeiro, 2002. monDin, Battista, Curso de Filoso-fia, os filósofos do ocidente, vol., 3, 4ªed., Edições Paulinas, são Paulo, 1987.altUna, raul ruiz de asúa, Culturatradicional Bantu, 2ª edição, secreta-riado arquidiocesano de Pastoral,luanda, 1993.mUanamosi, matumona, Filosofiaafricana na linha do tempo, implica-ções epistemológicas, pedagógicas epráticas de uma ciência moderna, Es-fera do Caos editores, lisboa, sd.HUntington, samuel P., o Choquede Civilizações e a recomposição da

ordem mundial, objetiva, rio de Ja-neiro, 1997.DaViDson, Basil, os africanos, umaintrodução à sua História Cultural,Edições 70, lisboa, 1969.maZUnga, silvino, África pode epôde, o papel da rádio e da televisãona revalorização do homem africano,mayamba Kunyonga, luanda, 2013.F. HEinEmann, a Filosofia no sécu-lo XX, Fundação Calouste gulbenkian,lisboa, 1993, pp. 525-526. ibid., p. 528.anthony giDDEns, modernidade eidentidade, Jorge Zahar Editor ltda,rio de Janeiro, 2002, p. 21.alta modernidade ou modernida-de tardia é uma expressão utilizadapor anthony giddens para designar apresente fase de desenvolvimento dasinstituições modernas, marcada pelaradicalização e globalização dos tra-ços básicos da modernidade. ibid. p. 19.idid. P. 9.Battista monDin, Curso de Filoso-fia, os filósofos do ocidente, vol., 3, 4ªed., Edições Paulinas, são Paulo, 1987,pp. 6-7.raul ruiz de asúa altUna, Culturatradicional Bantu, 2ª edição, secreta-riado arquidiocesano de Pastoral,luanda, 1993, p. 24.Cfr. idem.idem.Cfr. matumona mUanamosi, Filoso-fia africana na linha do tempo, implica-ções epistemológicas, pedagógicas epráticas de uma ciência moderna, Esfe-ra do Caos editores, lisboa, sd., p. 102.Cfr. samuel P. HUntington, oChoque de Civilizações e a recomposi-ção da ordem mundial, objetiva, riode Janeiro, 1997, p. 154.Basil DaViDson, os africanos, umaintrodução à sua História Cultural,Edições 70, lisboa, 1969, p. 328. silvino maZUnga, África pode e pô-de, o papel da rádio e da televisão na re-valorização do homem africano, mayam-ba Kunyonga, luanda, 2013, p. 12.

Aspectos culturais africanos na diáspora

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O NASCIMENTO DA NOSSA CAPITAL

A cidade de Luanda comemora esteano, no dia 25 de Janeiro, 441 anos deidade. De acordo com o “DicionárioGlossográfico e Toponímico da docu-mentação sobre Angola – séculos XV-XVII” da autoria de Adriano Parreira eoutras fontes autorizadas, Luanda foio nome do “baculamento”; i.e., o tribu-to pago “voluntariamente” pelos so-bas à Coroa Portuguesa, como formade reconhecimento de vassalagem.Outras definições de LuandaLuanda significava também “regiãoplana”, o que parece hoje não fazermuito sentido, se atendermos ao es-paço actualmente ocupado pela cida-de. Mas, a Luanda dos fins do séculoXVI, ia pouco mais além da Praia e daPraia Grande, bairros que confronta-vam com a Ilha de Luanda, que, prova-velmente, lhe deu o nome. Luanda também tinha por significa-do “rede”, de tipóia, de pesca e foi tam-bém designada por Cidade de Angola,Porto de Angola, Vila de Olanda ousimplesmente por Cidade. Em 1576, aregião de Luanda foi chamada de “SãoPaulo de Luanda” e, em 1649, por “SãoPaulo da Assumpção de Luanda”. Durante o século XVII, a povoaçãoainda não se tinha estendido à Praiado Bispo, às Ingombotas ou ao Bungo.Já se definia a rua Direita e a Maianga,bem como a Lagoa dos Elefantes, quetinham as “kasimba” (depósitos natu-rais de água potável), um lugar distan-te para os moradores que ali se abas-teciam. Uma fonte do século XVII refe-re-se à Igreja da Nazaré, como um lu-gar “desviado da cidade”, o que nos po-de sugerir uma ideia diferente da quetemos actualmente. Local costeiro, jáassinalado em cartas geográficas da

época, foi considerado um dos me-lhores portos naturais do mundo, oque em parte pode explicar a razãopela qual Luanda se tornou porven-tura, em alguns períodos da História,o principal porto exportador de es-cravos do mundo. Era o sertão que a alimentava de es-cravos, forjando-se gradualmenteuma sociedade poderosa, cosmopoli-ta, multirracial e rica, mas também de-cadente, viciada e dependente. Os mo-radores de Luanda alimentavam-secom os produtos vindos das fazendasdo Bengo e dos arimos (propriedadesagrícolas) do Museke (região doNdongo que, no século XVII, exportavaanualmente para Luanda cerca de 40mil sacos de fuba). A Luanda chegavam e partiam asmais diversas mercadorias, como ospanos de ráfia, o marfim, a algália e,sobretudo, os escravos de todas asidades, sexo, condição e etnia, que ru-mavam para São Tomé, Índias de Cas-

tela, todos os portos das Caraíbas eamericanos e ainda para a Europa. Luanda era a metrópole do comér-cio mercantil do tráfico de escravos.Os escravocratas enviavam os seuspumbeiros – (de “pombe”, o mesmoque sertão, etimologicamente do kim-bundu “mpumbu”) – comerciantes dosertão, que trocavam panaria (umacerta qualidade de pano) e outrasmercadorias por escravos. Um negó-cio lucrativo, que envolvia não só por-tugueses, mas também africanos, emtotal detrimento para estes últimos,que foram perdendo cada vez maisbraços para o amanho da terra, bemcomo estabilidade para governar.Estes residentes foram aos poucosimpondo um poderio militar próprio eem muitos aspectos autónomo que,em diversos momentos, dominouáreas extensas dentro do território doreino do Ndongo, do Congo e da regiãode Benguela. Durante muito tempo, oNdongo foi dado como dependente do

reino do Congo, já que o mesmo foi umdos grandes potentados africanos, aquem outros obedeciam e pagavamtributos. Ligado à dinastia dos “ngola”,o reino do Ndongo era designado porreino de Angola pelos portugueses. Omesmo situava-se entre o rio Dande eo rio Kwanza, o Oceano Atlântico e asterras do reino de Matamba.A conquista do NdongoPara além do interesse dos portu-gueses em cristianizar o “ngola” e osseus súbditos, o facto da região deLuanda ser favorável ao resgate de es-cravos, fornecer na altura uma conchacom valor fiduciário, chamada “nzim-bu” e ter sido considerada rica em pra-ta, ferro e cobre, constituiu motivo su-ficiente, para que os interesses comer-ciais portugueses se começassem aimplantar não só no reino do Congo,mas também no reino do Ndongo.Com os portugueses viajavam clérigose frades de diversas ordens religiosaspara baptizarem os “ambundu”; ou se-ja, os naturais daquele reino africano.Ao tempo do soberano português D.Manuel I, foi enviado Manuel Pacheco,como capitão do navio, e Baltazar deCastro, como escrivão, para contacta-rem Ngola Inene, no sentido de oevangelizarem, tal como as suas gen-tes. D. Manuel afirmava que embaixa-dores do reino do Ndongo haviamchegado ao reino do Kongo e lá tinhaminformado, que este “ngola” desejavacristianizar-se. Mas, Baltazar de Cas-tro, após ter chegado à “Kabasa” (capi-tal itinerante do reino africano, situa-do a cerca de 150 km do mar) foi presoe quase morto, dado que não tinha si-do aquele potentado, que havia envia-do embaixadores ao “manicongo” (reido Congo). Este, porém, não deixou deintervir, mandando um padre paraconverter o “ngola” e um emissáriopara solicitar a libertação de Baltazarde Castro. O “ngola”, segundo Alfredode Albuquerque Felner, fez-se cristão,mas “depois sucederão cousas quedeyxou de ho ser.” Ao fim de seis anos,Baltazar de Castro saiu do cativeiro,tendo chegado nu ao reino do Congo,depois de ter passado por várias ou-tras vicissitudes. Após a morte de D. João III e no tem-po da regente D. Catarina, outros con-tactos oficiais acabaram por se regis-tar. Na sequência desta aproximaçãopartiu, em 1560, a primeira missão co-

Praça do Império, 1943, desenho de Groer Moreira da Silva

Viagem de padre

FILIPE ZAU*

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mandada por Paulo Dias de Novaes,acompanhado por quatro religiososda Companhia de Jesus: os PadresFrancisco Gouveia (como superior) eAgostinho Lacerda, mais os IrmãosAntónio Mendes e Manuel Pinto. Com a morte de Ngola Inene, suce-deu-lhe ao trono Dambi-a-Ngola ouNgola-a-Kilwanji, que também não semostrou muito disponível para receberos emissários enviados por Paulo Diasde Novaes, que decidiu partir para Mas-sangano, povoação situada no “Muse-ke” (região do Ndongo, que incluía Mas-sangano, Mukila, Kaboko e Kambambi),na convergência dos rios Lukala eKwanza, a 40 léguas de Luanda. Depois de caminhar até “Kabasa”com os presentes do rei português,não teve o acolhimento que espera-va, já que Ngola-a-Kiluanji poucomais fez do que entregar vintecrianças ao Pe. Gouveia para seremcatequizadas. Posteriormente, asrelações tornaram-se mais tensas ePaulo Dias de Novais acabou por fi-car cativo cinco anos, sendo poste-riormente libertado. No entanto, oPe. Francisco Gouveia continuourefém, tendo falecido de doençagrave, a 29 de Junho de 1575, aindaantes de Paulo Dias de Novaes terdecidido encontrar-se com Ngola-a-Kilwanji. Segundo o I. AntónioMendes, que participava da mis-são, as razões que levaram ao ma-logro da mesma, ficaram a dever-sea intrigas do “manicongo” junto dacorte do “ngola”. Paulo Dias de Novaes chegou aLisboa, por volta de 1566. A 23 deOutubro de 1574, ao tempo do rei D.Sebastião, partiu com uma armadade 700 soldados à conquista do rei-no do Ndongo, investido dos cargosde governador e capitão-general.“Foi a primeira vez que uma expedi-ção militar portuguesa foi organiza-da com fins específicos de conquis-tar um território ao sul do Sahara.”O principal objectivo era o de sub-meter o “ngola” à autoridade da co-roa portuguesa pela força das ar-mas e para levar por diante este de-siderato, os portugueses deram iní-cio a campanhas militares para der-rotar os chefes locais, o que nãoveio a acontecer de imediato, dada aresistência oferecida.Paulo Dias de Novaes fazia-se acom-panhar dos Padres Garcia Simões (co-mo superior) e Baltazar Afonso, maisos Irmãos Auxiliares Cosme Gomes eConstantino Rodrigues. A 20 de Feve-reiro de 1575 a armada chegou à ilhade Luanda. Posteriormente, PauloDias de Novaes fixou-se em terra fir-me, onde fundou a vila, mais tarde ci-dade de S. Paulo de Luanda. Com a obtenção de vitórias na pro-víncia da Kisama, em 1581, com oavassalamento de mais de cinquentasobas até ao rio Lukala, que ficava en-tre 8 a 10 léguas de “Kabasa” e, final-mente, com a vitória na Ilamba, no dia25 de Agosto de 1585, ficou o reino doNdongo aberto à evangelização e, so-bretudo, mais disponível para umamaior captura de escravos.

Domínio militar e envangelizaçãoPaulo Dias de Novaes foi assentararraiais em Massangano após uma di-fícil vitória alcançada neste local, a 2de Fevereiro de 1583. Naquele localacabou por ser criada a primeira paró-quia, a 18 de Maio de 1590, cerca desete anos após aquela decisiva bata-lha. De entre as maiores dificuldadesque se colocavam aos padres jesuítaspara a conversão dos naturais do reinodo Ndongo, destacava-se, natural-mente, o seu enraizamento cultural e adificuldade dos conquistadoresaprenderem as línguas nativas, dada ainexistência de qualquer relação des-tas, com as línguas latinas.Após uma bem sucedida implanta-ção de capitanias no Brasil, em 1571, omesmo sistema foi alargado a Angola,através da doação de uma capitaniacom 35 léguas da sua costa, a PauloDias de Novaes. Com a chegada dosreis de Espanha ao trono de Portugal eatravés da resolução de 1583, PauloDias de Novaes perdeu as suas prerro-gativas como capitão-donatário, quelhe haviam sido concedidas pela cartade doação de 1571, ficando apenas re-duzido à categoria de governador.Após a sua morte, em 1589, a coroapassou a gerir directamente os desti-nos da colónia, através de nomeaçãorégia de governadores. Em carta dirigida aos seus familia-res, de 3 de Janeiro de 1578, PauloDias de Novaes anunciava que “a con-versão dos pretos de Luanda, estavaa processar-se satisfatoriamente. Osportugueses que aqui viviam é quenão se comportavam muito decente-mente, não se conformando, de boavontade, com a rigorosa disciplinaimposta pelos missionários, poismuitos deles preferiam viver livre-mente. As exigências que se faziamlevavam alguns a sair destas terras, eo facto tinha como consequência ló-gica que o povoamento não se fizessetão depressa como seria desejável,

caminhando muito devagar...” Em uma outra carta do mesmo ano,datada de 23 de Agosto, informavaque tinha ficado bastante satisfeitocom as flautas que lhe haviam sido en-viadas, tendo afirmado: “vieram mui-to a propósito, muito oportunamente,(...) os cristãos da terra cantavam já,com grande perfeição, algumas músi-cas religiosas bastante difíceis – a‘Missa de Morales’, o ‘Pangue Lingua’,de Guerrero, e o ‘Motete de Santo An-dré’, cujo autor emitia este a cincopartes ou vozes’ (…) [os mesmos] to-cavam os instrumentos musicaiscom muita habilidade e perfeição,não só música religiosa como músicaprofana, outras coisas ordinárias(...).”Por volta de 1583 estimava-seque saíssem do Ndongo não menosque cinco mil escravos por ano. Me-tade deles morria na travessia paraas Américas devido às precárias con-dições de transporte.Muitos dos padres missionáriosacabavam por morrer no reino doNdongo por falta de adaptação aoclima. Mas, apesar das dificuldadesencontradas, foram notórias asprimeiras tentativas de evangeli-zação, uma vez que, em 1590, já seafirmava haver, pelo menos, cercade vinte mil cristãos.Em 11 de Março de 1593, entra-vam em Luanda quatro jesuítas, quese juntaram a outros que já lá se en-contravam, sendo um deles, o Pe. Pe-dro Rodrigues, visitador dos estabe-lecimentos da Companhia. Mas, nemtodos se fixavam em Luanda, já quedepois do navegador Pedro ÁlvaresCabral, no ano de 1500, ter chegadoao Brasil, aquela outra colónia pas-sou a merecer, prioritariamente, asmaiores e as melhores atenções porparte dos portugueses, chegandomesmo a advogar-se o abandono deAngola, após a subida de Filipe II deEspanha ao trono de Portugal. Tal sónão veio a acontecer, porque um in-quérito realizado por Domingos de

Abreu e Brito, em 1590, revelou quevaleria a pena conservar Angola sobdomínio português. Esse relatório mencionava a exis-tência de minas fabulosas de prata“muito mais valiosas do que as doPerú” e dava destaque a outra gran-de riqueza da altura – a escravatura– afirmando que Angola “era um dosPaíses mais povoados do mundo.” Assupostas minas situadas em Cam-bambe constituíram incentivo para afundação de Luanda e a exploraçãodas terras do interior.Porém, após a conquista de Cam-bambe, em 1604, não havia quais-quer riquezas minerais e ficou des-feita a ilusão. Um estracto do Regi-mento de 16 de Fevereiro de 1520 aBaltazar de Castro, sobre as minasde prata de Cambambe – Reino deAngola, refere o seguinte: “traba-lheis por saber a parte de onde é a di-ta prata e assim de quaisquer outrosmetais, e se os há e acham em suaterra ou noutras e quão longe, e sesão estimadas, e se levam trabalhoem os tirar fazendo por nos trazeramostras de todas”. Até ao primeiro quartel do séculoXVII, os sistemáticos combates leva-dos a cabo pelos portugueses acaba-ram por enfraquecer o poder deNgola Mbandi (1617-1626) na re-gião. Com a chegada de Jinga Mban-di, exímia política da época, redobra-ram-se forças contra a ocupação ex-terna. Durante quase quatro déca-das Jinga Mbandi resistiu, impedin-do a submissão do reino do Ndongoà Coroa Portuguesa.Mas a continuação das campa-nhas militares acabaram por condu-zir o reino ao seu total desmorona-mento. Era o fim do reino do Ndon-go. No entanto, os reinos da Matam-ba e Kassanje mantiveram-se inde-pendentes até ao século XIX. * Ph. D em Ciências da Educação e

Mestre em Relações Interculturais

Luanda antiga

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