joÃo alberto batista jales - ccta.ufpb.br · albuquerque maia joÃo pessoa ... joelma da silva...

107
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES PÚBLICAS JOÃO ALBERTO BATISTA JALES RABO PRESO VERSUS LÍNGUA SOLTA: A IDEIA DE INTERESSE PÚBLICO DO OBSERVATÓRIO DA MÍDIA PARAIBANA CONTRIBUINDO NA FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA JOÃO PESSOA 2017

Upload: lyhanh

Post on 30-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES PÚBLICAS

JOÃO ALBERTO BATISTA JALES

RABO PRESO VERSUS LÍNGUA SOLTA:

A IDEIA DE INTERESSE PÚBLICO DO OBSERVATÓRIO DA MÍDIA PARAIBANA

CONTRIBUINDO NA FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA

JOÃO PESSOA

2017

JOÃO ALBERTO BATISTA JALES

RABO PRESO VERSUS LÍNGUA SOLTA:

A IDEIA DE INTERESSE PÚBLICO DO OBSERVATÓRIO DA MÍDIA PARAIBANA

CONTRIBUINDO NA FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA

Monografia de graduação apresentada ao Centro de Comunicação, Turismo e Artes, da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel(a) em Relações Públicas.

Orientadora: Profª. Me. Andrea Karinne Albuquerque Maia

JOÃO PESSOA

2017

Catalogação da Publicação na Fonte.

Universidade Federal da Paraíba.

Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

Jales, João Alberto Batista.

Rabo preso Versus língua solta : a idéia de interesse público do observatório da mídia paraibana contribuindo na formação da opinião pública. / João Alberto Batista Jales.- João Pessoa, 2017.

106f.:il.

Monografia (Graduação em Relações públicas) – Universidade

Federal da Paraíba - Centro de Comunicação, Turismo e Artes.

Orientadora: Prof.ª Me.Andréa Karinne Albuquerque Maia

1. Opinião pública. 2. Interesse público 3. Crítica de mídia. 4. Observatório da mídia paraibana. I. Título.

BSE-CCHLA CDU 32.019.5

JOÃO ALBERTO BATISTA JALES

RABO PRESO Versus LÍNGUA SOLTA:

A ideia de interesse público do Observatório da Mídia Paraibana contribuindo na

formação da opinião pública

Monografia de graduação apresentada ao Centro de Comunicação, Turismo e Artes, da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel(a) em Relações Públicas.

RESULTADO: ____________________ NOTA: ______________

João Pessoa, _______ de ______________ de __________.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

Profª. Me.Andréa Karinne Albuquerque Maia (orientadora) Universidade Federal da Paraíba

__________________________________________

Profª. Me. Joelma da Silva Oliveira (examinadora) Universidade Federal da Paraíba

__________________________________________

Prof. Dr. Carlos Alberto Farias de Azevêdo Filho (examinador)

Universidade Federal da Paraíba

Dedico este trabalho à minha mãe, Maria de Fátima Batista da Silva (in memorian). Pela criação que me deu, e pelos princípios e valores transmitidos que me fizeram o homem que sou, crítico, consciente de meus limites e orgulhoso de minhas potencialidades. Pela compreensão, afeto, carinho e amor com que me criou, esta é uma prova mínima do meu apreço por todos os ensinamentos que recebi.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todas as pessoas que contribuíram na minha formação, desde a minha primeira tentativa de graduação. À turma de Telecomunicações do IFPB de 2002, que me fez entender o porquê do Ensino Superior ser assim chamado. Ao pessoal do curso de Ciências Sociais da UFPB, que me despertou para o senso crítico, e me aprimorou para os debates e argumentações que se seguirão por toda a minha vida. Aos cursos de Comunicação da UFPB, que me fizeram entender as técnicas e procedimentos para me tornar o profissional que almejo ser, além de apresentar-me ao mercado de trabalho, com suas nuances e contradições.

Agradeço à minha professora orientadora, Andréa Karinne, pela paciência e compreensão durante nossos encontros. Não sei se conseguiria terminar se não fosse pelo cuidado e dedicação com o qual lidou comigo. À professora Ana Montóia, do curso de Ciências Sociais, pelas provocações e desafios para além da minha zona de conforto, que me fizeram até desistir do curso, mas nunca desistir da vida. Ao professor Ambrósio Elias, por me mostrar no IFPB que gostar de probabilidade e estatística nem sempre significa gostar de calculá-las.

Aos professores dos cursos de graduação que comecei e não terminei na UFPB e IFPB. Apesar da ausência dos diplomas, a presença de seus ensinamentos me acompanhará por toda a vida.

Ao movimento estudantil, por me proporcionar conhecer os brasis que atravessam o povo brasileiro. Às pessoas das gestões do Diretório Central dos Estudantes da UFPB, Centro Acadêmico, União Nacional dos Estudantes e Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação. A vivência ao lado destas pessoas de luta acentuou meu senso crítico e meu compromisso com a sociedade em que me insiro.

Aos amigos e amigas Adalberto Cruz, Rodrigo D’Andréa, Marinésio Gomes,

Pedro Henrique Duarte, José Aires Júnior, Arthur Medeiros, Rafael Fernando, Geraldo Borges Filho, Pablo Laranjeira, Marcelo Otávio, Alexandre Santos, Mir Elian Meirelles, Amanda Azevêdo, Deborah Gabriela, Isabelly Monteiro, Gutemberg Cardoso, Bárbara Vasconcelos, José Aparecido, Márcio Santos, Janelson Belarmino, Amanda Dias, Fernando Liberato, Priscilla Marques, Erika Nicácio, Edmilson Cantalice, Carla Moura, Emanuelle Costa, Emília Limeira, Lidiane Cruz, Sérgio Ricardo, João de Deus, Dalmo Oliveira, Amarílio Barros, Inocêncio Soares, Hector Abdal, Rafael Fiaux e Kássio Eduardo. Sou a soma de lições compartilhadas com vocês e muitas outras pessoas que cruzaram meu caminho, e que infelizmente agora seus nomes me fogem.

À Fabíola Mousinho e Rosana Mira, pelo amor, carinho, respeito e cuidado.

À minha avó materna, dona Dalva, incansável batalhadora. Por se negar a desistir e insistir que o amanhã será melhor. Do alto da sua sabedoria de oito décadas de vida, “Que assim seja”, minha vó.

“O que não sabe é um ignorante,

mas o que sabe e não diz nada é um criminoso”

Bertold Brecht

RESUMO

Esta pesquisa aborda questões reflexivas relacionadas à opinião pública e às noções de interesse público que a uma sociedade pode possuir. Desta forma, analisa a crítica de mídia paraibana; e em especial, o Observatório da Mídia Paraibana, como organização dotada de accountability e promotora do debate crítico à mídia local. O estudo utiliza como métodos a pesquisa bibliográfica, a etnografia e o estudo de caso. Através da coleta de dados e depoimentos, compreendemos o estudo de caso como a materialização das reflexões teóricas abordadas. A pesquisa estuda o Observatório e seu posicionamento na sociedade, buscando compreender as razões de seu surgimento; sua contribuição para a delimitação daquilo que pode ser de interesse público ou não; e sua contribuição na formação da opinião pública paraibana.

Palavras-chave: Opinião pública. Interesse público. Accountability. Crítica de mídia. Observatório da mídia paraibana.

ABSTRACT

This research deals with reflexive issues related to public opinion and the notions of public interest that a society can have. In this way, it analyzes the mediacriticism of Paraiba; And in particular, the Observatório da Mídia Paraibana, as an accountable organization and promoter of the critical debate in the local media. The study uses bibliographic research, ethnography and case study as methods. Through the collection of data and testimonies, we understand the case study as the materialization of the theoretical reflections addressed. The research studies the Observatório and its position in society, seeking to understand the reasons for its emergence; Its contribution to the delimitation of what may be of public interest or not; and his contribution to the formation of public opinion in Paraíba. Key words: Public opinion. Public interest. Accountability. Mediacriticism. Observatório da Mídia Paraibana.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Site do Observatório da Mídia Paraibana............................................... 52

Figura 2 – Página do Observatório da Mídia Paraibana no Facebook................... 52

Figura 3 – Cartaz do II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, organizado

pelo Observatório da Mídia Paraibana.......................................................................53

Figura 4 – Capa do livro “Mídia paraibana – origens e perspectivas”, organizado

pelo Observatório da Mídia Paraibana.......................................................................54

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................................15

1 OPINIÃO PÚBLICA E INTERESSE PÚBLICO...........................................................18

1.1 OS CONCEITOS DE OPINIÃO PÚBLICA....................................................................18

1.2 OS CONCEITOS DE INTERESSE PÚBLICO................................................................21

1.3 A IDEIA DE INTERESSE PÚBLICO INFLUENCIANDO A OPINIÃO PÚBLICA................................................................................................................................23

2 JORNALISMO E RELAÇÕES PÚBLICAS: DESINFORMAÇÃO E INVISIBILIDADE MIDIÁTICA..........................................................................................28

2.1 O PAPEL DO JORNALISMO POLÍTICO.......................................................................29

2.2 O PAPEL DAS RELAÇÕES PÚBLICAS........................................................................32

2.3 DESINFORMAÇÃO E INVISIBILIDADE................................................ ......................36

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS......................................................................39

4 RABO PRESO VERSUS LÍNGUA SOLTA: A CRÍTICA DE MÍDIA NA PARAÍBA

E O OBSERVATÓRIO DA MÍDIA PARAIBANA...........................................................41

4.1 UM BREVE HISTORICO DA CRITICA DE MIDIA NA PARAÍBA............................42

4.2 O OBSERVATÓRIO DA MÍDIA PARAIBANA............................................................46

4.2.1 HISTÓRICO...................................................................................................................46

4.2.2 OBJETIVOS....................................................................................................................49

4.2.3 ESTRUTURA E CLIMA ORGANIZACIONAL...........................................................49

4.2.4 CANAIS, AÇÕES E PRODUTOS..................................................................................51

4.2.5 FINANCIAMENTO........................................................................................................54

5 INTERESSE PÚBLICO, OPINIÃO PÚBLICA E O OBSERVATÓRIO DA MÍDIA PARAIBANA..........................................................................................................................58

5.1 SERIA O OBSERVATÓRIO DA MÍDIA PARAIBANA ACCOUNTABLE?..................................................................................................................59

5.2 INTERESSE PÚBLICO, SEGUNDO O OBSERVATÓRIO DA MÍDIA PARAIBANA...........................................................................................................................61

5.3 A CONTRIBUIÇÃO DO OBSERVATÓRIO DA MÍDIA PARAIBANA NA FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA..................................................................................63

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................66

REFERÊNCIAS......................................................................................................................68

APÊNDICE..............................................................................................................................71

15

INTRODUÇÃO

Particularmente, desde o início da graduação existia uma inquietação de como se daria

a perspectiva da formação do profissional de Relações Públicas. À medida que se aproximava

a conclusão desta graduação, não havia como pensar num profissional ligado estritamente ao

campo da administração, de forma adequada e planejada nos moldes clássicos desse campo.

Diante desse fato, a intenção deste estudo se coloca num distanciamento das teorias

administrativas clássicas, que tem influenciado historicamente as teorias em Relações

Públicas; e busca uma aproximação com a subjetividade presente em outras ciências, tais

como psicologia, ciências políticas, antropologia e filosofia.

A subjetividade que é tratada e produzida pelo profissional de Relações Públicas,

dentro das perspectivas desta proposição, não cabe numa sistematização e mensuração

puramente administrativa. As teorias que tratam de Qualidade, em geral, se aproximam da

melhor maneira que podem, mas pecam em não admitir que existe um componente essencial e

fundamentalmente ligado ao campo da psicologia e das ciências políticas. Estamos falando de

conceitos e estudos em psicologia social e micro política.

A necessidade de lidar com seres humanos de diferentes costumes num processo de

mediação e negociação requer certa percepção antropológica, aliada à etiqueta: a polidez num

jantar comemorativo, por exemplo; A delicadeza (quando não, a obrigatoriedade legal) de

oferecer material didático em Braille e com audiodescrição; A percepção de saber que duas

lideranças políticas não se suportam, e por isso, não podem sentar uma ao lado da outra

durante uma cerimônia de premiação.

Todas essas situações acima foram vivenciadas paralelamente ao longo do curso.

Notadamente, surge a percepção que a formação adquirida em outras áreas se tornava um

diferencial no processo de formação profissional nas Relações Públicas: pudemos perceber

que determinadas disciplinas em Ciências Sociais trariam essa outra perspectiva.

Quando nos deparamos com a tese de Roberto Porto Simões (1996), sentimos que

havia uma Escola de pensamento que contemplava os anseios destes estudos. As percepções

subjetivas de sua formação em Psicologia fundamentaram um olhar diferenciado, que nos

permitiu agregar outros pontos de vista à formação acadêmica em Relações Públicas.

Outras inquietações que surgiam envolviam o que nos esperava além da universidade:

o mercado e a sociedade. Assim, atentamos para determinadas situações que se desenrolavam

nos veículos de mídia da Paraíba, com ênfase em João Pessoa. A forma como a mídia

16

hegemônica local, em geral, noticiava e possuía uma linha editorial questionável sob vários

assuntos (Direitos Humanos, Mulheres, Negros, moradores das periferias das cidades)

chamava atenção de forma negativa. Violência explícita e degradação da pessoa humana são

assuntos corriqueiros na pauta dos veículos midiáticos paraibanos.

Diante disso, floresceu um questionamento acadêmico: se esses profissionais “prestam

um desserviço” à profissão, como a crítica da mídia por ela mesma se posicionaria?

“Corporativamente” falando, como ela iria se manifestar?

Seguidas as indagações, continuamos observando a mídia paraibana, e as diferentes

maneiras dela interagir com/afetar a opinião pública. Assim, novas questões apareceram no

horizonte da pesquisa: Quem pratica crítica de mídia na Paraíba? Havia alguém ou alguma

organização, que ao longo da história da imprensa paraibana, tenha feito críticas às mídias

locais?

Entre as poucas respostas que foram obtidas ao longo do processo de formação

acadêmica, uma emergiu como um possível objeto de pesquisa: o Observatório da Mídia

Paraibana. Trata-se de um projeto/organização que desenvolve pesquisas e produz material

tendo como foco a crítica à mídia paraibana e o cotidiano dos profissionais nela inseridos.

Esse material produzido pelo Observatório da Mídia Paraibana vem impregnado de uma

peculiar noção de interesse público, e dessa maneira, afeta de forma diferenciada a opinião

pública paraibana.

Assim, o problema deste estudo está no abismo que existe entre os conceitos e

concretudes que permeiam as expressões “opinião pública” e “interesse público”, tanto no

imaginário dos profissionais quanto dos ditos “leigos”. A maneira como o Observatório da

Mídia Paraibana desperta a opinião pública e levanta questões de interesse público para

debater o posicionamento da mídia local em certas linhas editoriais demanda uma análise

mais detalhada.

Neste estudo trataremos do caso do Observatório da Mídia Paraibana na perspectiva

do exercício da atividade de Relações Públicas, no sentido de como estrategicamente a

organização interage com seu público; sua contribuição na formação da opinião pública; e sua

interpretação e aplicabilidades do conceito de interesse público quando tece críticas à mídia

paraibana.

No primeiro capítulo nos debruçaremos sobre os conceitos principais deste estudo.

Falaremos sobre as perspectivas que existem em torno das expressões “opinião pública” e

17

“interesse público”, refletindo sobre as contribuições que estes conceitos trazem para os

estudos das ciências humanas e sociais aplicadas.

No capítulo seguinte, trataremos dos papéis exercidos por jornalistas e Relações

Públicas no jogo que aqui chamamos de “desinformação e invisibilidade midiática”,

refletindo sobre as linhas editoriais dos veículos de comunicação e as assessorias de imprensa

que fornecem dados para o processo de “confecção” da notícia.

No terceiro capítulo abordaremos os procedimentos metodológicos que escolhemos

para traçar o escopo deste estudo, trazendo reflexões sobre suas aplicações dentro da temática

que propomos nesta pesquisa.

O quarto capítulo tratará da apresentação de nossa área de pesquisa, bem como

abordamos e dissecamos o nosso objeto. Nesta parte faremos um breve resgate histórico da

crítica de mídia no estado da Paraíba, e seguimos analisando o Observatório da Mídia

Paraibana, destrinchando suas estruturas, histórico, produtos, serviços e ações.

O quinto capítulo é a aplicação das reflexões teóricas sobre opinião pública e interesse

público, aplicando no estudo do caso do Observatório da Mídia Paraibana; verificando sua

ideia de interesse público, e sua contribuição para a formação da opinião pública no estado.

As considerações finais trazem algumas ponderações e impressões que foram

elencadas ao longo do estudo, bem como novas propostas de pesquisa em torno dos assuntos e

objetos abordados.

18

1 OPINIÃO PÚBLICA E INTERESSE PÚBLICO

As expressões “opinião pública” e “interesse público” costumam surgir

constantemente no universo da comunicação. Seus conceitos transitam nas áreas de Gestão,

Comunicação, Direito; e envolvem os mais variados temas e debates: meio ambiente, direitos

humanos, direitos sociais etc. Estes temas sofrem um processo de avaliação, sendo definidos

como de interesse público ou não, e como esses assuntos influenciam a opinião pública.

Para um entendimento inicial, é importante que delimitemos os conceitos utilizados

neste estudo.

1.1 OS CONCEITOS DE OPINIÃO PÚBLICA

A opinião pública, reconhecida como um dos elementos com os quais o profissional de

Relações Públicas trabalha constantemente, foi conceituada por vários teóricos, em diferentes

esferas de pensamento.

Apesar de nosso estudo se situar no campo da Comunicação, existe uma pertinência

em usar conceitos dos campos filosófico (diretamente ligados à esfera do Direito) e

instrumental (ligado às técnicas de gestão, com destaque para as organizações públicas).

Partimos do raciocínio de que o termo “opinião” nos traz a ideia de julgar mais

especificamente sobre, e atribuir um status ou valor simbólico a alguma coisa (DICIO, 2016).

Na ciência política há uma ênfase no sentido que é dado a palavra “opinião”, que o liga

diretamente ao autoconhecimento e à sensibilidade moral.

O termo “público”, originado da palavra publicus, significa propriamente “o povo”.

Num primeiro momento, a ideia que se tem em torno de seu significado é relacionada ao

acesso comum, segundo o teórico Jurgen Habermas (1989). Numa segunda concepção, o

conceito de público remete ao interesse comum e bem comum, ou seja, no sentido de garantir

a representação dos interesses do povo.

Em termos gerais, o conceito designa uma representação abstrata que guia uma

tendência preponderante numa determinada sociedade, por exemplo, quando se diz que a

opinião pública é contra um determinado paradigma. Apesar da dificuldade encontrada em

conceituá-la, a opinião pública é um fator fundamental para a sustentação da legitimidade dos

produtos da mídia, justificados pelo interesse público.

19

No campo filosófico encontramos as ponderações de Kant, que também servem de

base para as discussões no campo das ciências jurídicas. Kant, em seus estudos, nunca

empregou explicitamente o termo “opinião pública”. Ao invés disso, o filósofo prefere falar

em “uso público da razão”. Assim, entendendo opinião para Kant como sendo o exercício do

uso da razão, o seu termo “uso público da razão” assemelha-se ao conceito de opinião pública

que tratamos neste estudo.

Este conceito aparece no opúsculo de Kant “Resposta à Pergunta: que é

Esclarecimento?” escrito no final de 1783, sendo um dos primeiros trabalhos desenvolvidos

no sentido de construir uma ética. O conceito de uso público da razão desempenha um papel

importante na filosofia transcendental kantiana. Ele é um conceito de fundamentação política,

de razão teórica, mas também levado por Kant à razão prática, e com isso a sua argumentação

toca o campo das ciências jurídicas.

Isso nos leva a acreditar que, segundo Kant, se as ações humanas são regidas pela

razão e a política racional é praticada por meio do uso público da razão no processo de

tomada de decisões coletivas, este conceito – tratado aqui como opinião pública – se faz

imprescindível para que uma política racional seja alcançada.

Seguindo o raciocínio de Kant, à medida em que o esclarecimento do público flui,

aprimora-se o uso público da razão, e assim, também se aprimora processo de tomada de

decisões coletivas. Acontece que a opinião pública em si é um fato no plano da razão teórica

(ou seja, a opinião pública está aí, atuando de maneira concreta na realidade, mas ela está

também no plano das abstrações, das ideias, sendo um juízo que se tem sobre algo).

Kant atribui à opinião pública o papel importante de esclarecimento do público,

explicando como podemos não só agir racionalmente, mas também como podemos criar

expectativas em torno de uma ordem social racional. À medida que o uso público da razão

permite que o público esclareça a si próprio, ele contribui para a construção da ordem

institucional racional, que Kant (1783) vem a chamar de "comunidade de cidadãos do

mundo".

Enquanto um conceito do campo da Comunicação, a expressão “opinião publica”, de

acordo de Habermas (2003), designa a fórmula abstrata que procede do resultado da discussão

e tomada de decisões coletivas. Cervellini e Figueiredo (1995) afirmam sobre a concepção de

Habermas:

Naquele contexto, a opinião pública era encarada como base de legitimação da democracia (contratualismo) e o requisito básico para tal seria a existência de uma deliberação racional, exprimindo um interesse geral resultante. Habermas, um dos

20

expoentes dessa vertente, coloca a opinião pública, tal como aparece atualmente, como parte do que ele considera uma deterioração da rede comunicativa embasada em um debate racional entre cidadãos. Conforme explica Manin, para Habermas as pesquisas medem “opiniões comuns” mas não „opinião pública‟. A racionalidade,

dentro da tradição da Escola de Frankfurt, deve ser o caminho para a utopia da emancipação e só existe ao lado de uma „discussão pública, que não sofre restrições

e que é isenta de dominação, sobre a adequação e a conveniência de princípios e normas que orientem o agir à luz dos reflexos sócio-culturais. Uma comunicação dessa espécie, em todos os níveis dos processos políticos e repolitizados de formação da vontade‟. Trata-se, portanto, de uma visão racionalista da opinião pública, que estaria deslegitimando qualquer manifestação pública baseada em fatores de caráter mais emocional, ou debates que Habermas consideraria despolitizados. (CERVELLINI; FIGUEIREDO, 1995, p.176).

Partimos de Habermas em seu clássico “Mudança estrutural da esfera pública” (2003),

e fazemos um estudo do nascimento da opinião pública. Nas suas contribuições teóricas,

Habermas afirma que a esfera pública burguesa mantém uma série de característica básicas

semelhantes: a reunião permanente de pessoas privadas num público buscando formar

racionalmente uma opinião pública baseada no melhor argumento; onde a autoridade do

melhor argumento se sobrepõe à hierarquia social e se contrapõe a esta, colocando-se, neste

sentido, o burguês como um ser humano com direitos universais e não inferior ao aristocrata.

Mas, a esfera pública burguesa nasce como esfera de proprietários privados. Dela

ficavam fora as mulheres e os empregados, pois eram vistos como pessoas sem autonomia

para decidir em razão do melhor argumento. Mesmo assim, esta “ficção de uma esfera

pública” (HABERMAS, 2003) ganha legitimidade naquele contexto de luta da sociedade civil

contra o mercantilismo e o absolutismo, pois conciliava os interesses dos proprietários

privados com o das liberdades individuais.

Assim sendo, a propriedade privada era vista como a base da liberdade e mesmo da

igualdade, permitindo que a burguesia identificasse a sua emancipação política com a

emancipação política em geral e até mesmo com a emancipação humana como um todo.

Ainda no campo de conceitos da Comunicação, buscamos apoio nos escritos de Walter

Lippmann. Em sua obra intitulada “Opinião Pública”, Lippman (2008) vê o público como

uma espécie de fantasma, pois as pessoas comuns não conseguem ter opinião de qualidade,

sobre assuntos públicos que as habilitem a exercer esse papel de forma rotineira. Neste

universo, o autor discorre sobre o que projetamos, enquanto pessoas comuns, e o quanto nossa

projeção nos distancia de nossas realidades:

[...] O que acreditamos ser uma imagem verdadeira, nós a tratamos como se ela fosse o próprio ambiente. [...] Elas foram à busca da Índia e encontraram a América. Elas diagnosticavam o mal e enforcavam mulheres idosas. Elas pensavam poder enriquecer somente vendendo e nunca comprando. (LIPPMAN, 2008, p. 22)

21

Sendo assim, as projeções que fazíamos enquanto pessoas comuns, segundo Lippmann

(2008), desaguavam numa relação composta por três elementos: a cena da ação, a imagem

humana daquela cena e a resposta humana àquela imagem atuando sobre a cena da ação.

Lippmann (2008) conclui sua exposição sobre o conceito, afirmando que

[...] para serem adequadas, as opiniões públicas precisam ser organizadas para a imprensa e não pela imprensa, como é o caso hoje. Esta organização eu concebo como sendo em primeira instância a função da ciência política que ganhou seu lugar como formuladora, previamente à real decisão, em vez de ser apologista, crítica, ou reportando após a decisão ter sido tomada. (LIPPMAN, 2008, p. 41)

Neste sentido, a avaliação de Lippmann quanto à atribuição de quem irá tratar com a

opinião pública tem nas ações de comunicação um caráter estratégico, e dessa forma,

encontramos a necessidade da abordagem e manejo feitos por um profissional de Relações

Públicas neste meio.

1.2 OS CONCEITOS DE INTERESSE PÚBLICO

A complexidade do conceito de interesse público responde pelas noções diversas que

se tem construído ao longo do desenvolvimento das teorias sobre o assunto. O interesse

público está diretamente ligado à noção de "bem geral". Nesta seara o interesse público torna-

se um conceito central para a política, a democracia e a natureza do próprio governo.

No aspecto jurídico, político e filosófico, embora quase todos os indivíduos defendam

que contribuir para o bem-estar geral é positivo, existem dúvidas pairando quanto ao que

constitui exatamente o interesse público.

Existem diferentes opiniões e concepções sobre quantos membros do público devem

se beneficiar de uma ação para que a ação seja declarada de interesse público: num extremo,

uma ação deve beneficiar todos os membros da sociedade para ser verdadeiramente do

interesse público; no outro, qualquer ação pode ser do interesse público desde que beneficie

uma parte da população e não prejudique ninguém.

Para Ernest S. Griffith, a palavra chave à compreensão do conceito é bem-estar:

“interesse público como manifesta na atividade governamental, mas com pleno

reconhecimento de que numa sociedade pluralista isso constitui apenas um subtítulo, embora

importante, do título mais amplo de „bem-estar geral‟” (GRIFFITH, 1967. p. 26).

22

Entretanto, no âmbito jurídico brasileiro, há um consenso entre os juristas

contemporâneos de que o Interesse Público está diretamente ligado aos Direitos Sociais do

art. 6º da Constituição de 1988, que elenca os chamados direitos fundamentais da pessoa

humana, tais como direito à educação, à saúde, ao trabalho, etc.

Grande parte da discussão em torno do conceito se concentra na área das Ciências

Políticas. Sendo assim, constatamos: em geral, o interesse público é entendido na comparação

com o interesse privado ou individual.

[...] o interesse privado funciona nas associações humanas que experimentam e controlam consequências de forma direta. Quando as consequências da associação humana não podem ser experimentadas e controladas diretamente, o interesse público é gerado. (MINOR, 1967. p. 38)

Já R. A. Musgrave entende interesse público como a soma de interesses individuais, a

partir da noção de eficiência do sistema econômico: Segundo ele, “A satisfação do

consumidor, sinônimo de interesse privado, era o padrão de eficiência do sistema econômico;

tal eficiência representa o principal interesse público”. (MUSGRAVE, 1967, p. 13).

Harold Lasswell (1967) contribui significativamente quando escreve sobre o

reconhecimento da ligação entre o interesse público e os processos de tomada de decisão.

Por interesse público entendemos que o interesse comum é suficientemente grande para garantir o uso de processos inclusivos de escolha ou decisão. Por interesse privado referimo-nos a efeitos de valor que são interesses comuns de magnitude insuficiente para garantir o uso de processos mais inclusivos do que exclusivos de escolha ou decisão. (LASSWELL, 1967 p. 73)

Segundo o autor, o conceito não existe em termos fechados de definição, mas aparece

na prática: “quando uma ação é do interesse público, ela é digna de aprovação; quando não é

do interesse público, merece nossa desaprovação”. (LASWELL, 1967, p. 74)

A admissão da inconsistência do conceito que pode ser visualizada na prática social

pressupõe a discussão de outras questões: neste momento acontece o uso do discurso de

interesse público na legitimação de determinadas atividades, e as responsabilidades éticas dos

profissionais que se valem de tal discurso.

Nessa perspectiva, esta questão pode ser ilustrada nas palavras de John D.

Montgomery (1967). Para ele, o conceito de interesse público “oferece [...] a suprema

justificativa ética de sacrifícios que o indivíduo pode ser chamado a fazer no interesse do

Estado” (MONTGOMERY, 1967, p. 219-220).

23

Quando adentramos o campo da Comunicação, mais especificamente na área

jornalística, por conta da força que é depositada através de um discurso legitimador, o leitor

não percebe que a notícia parte do jornalista e não de uma vontade pública geral. Neste

sentido, a obscuridade do conceito de interesse público serve convenientemente ao jornalista

que noticia no veículo midiático.

A percepção que o leitor tem do jornalismo é de que a produção começa a partir da

sociedade, a partir do interesse público, mas a indagação que surge para contestar o

andamento do ciclo é a seguinte: quem disse que tal assunto era de interesse público?

O jornalista Luiz Martins da Silva, conceituando a ideia de interesse público no âmbito

da esfera jornalística, liga diretamente a noção que temos sobre interesse público à presença

de recursos, estrutura e dinheiro públicos.

Em termos de interesse público, talvez o pressuposto básico seja o seguinte: onde há dinheiro público, há interesse público e deve haver transparência em torno de a) informação sobre a alocação do dinheiro público; b) como o dinheiro público foi gasto; c) quais os resultados obtidos com o dinheiro público. (SILVA, 2006. p. 50).

Silva (2006), em seu estudo sobre jornalismo e interesse público, escreve também

sobre visibilidades e opacidades presentes nas organizações. Sob o ponto de vista que os

veículos de comunicação brasileiros, a despeito da necessidade de concessão ser de caráter

público, funcionam como verdadeiras empresas de notícias, o autor discorre:

[...] As empresas jornalísticas, por sua vez, [...] têm graus de opacidade, na medida em que nem sempre dão espaço a assuntos de interesse público ou, quem sabe, até por um certo atavismo que é o de julgar que a melhor competência para se discernir o que é do interesse público está ao lado das redações. (SILVA, 2006. p. 77-78)

Neste sentido, percebemos o quanto o conceito de interesse público foi difundido por

quem possui interesses privados orbitando no jogo das relações de poder. No outro lado da

moeda, encontramos a população, repleta de cidadãos e cidadãs comuns, que absorvem os

conceitos distorcidos que são produzidos pelos grupos midiáticos, justamente por agirem de

acordo com seus interesses privados para classificarem o que é de interesse público ou não.

1.3 A IDEIA DE INTERESSE PÚBLICO INFLUENCIANDO A OPINIÃO PÚBLICA

Ainda no âmbito da Comunicação, mas partindo especificamente para as Relações

Públicas e a Comunicação Organizacional, trazemos todos os aspectos já debatidos para o

24

setor corporativo. Aqui temos as organizações, que são alvos em potencial, sujeitos à crítica

da opinião pública. Crítica esta que pode vir a se tornar um assunto de interesse público,

dependendo de sua propagação.

Para o setor público e o terceiro setor a ideia de interesse público está ligada

diretamente à responsabilidade e transparência. Pela relação que devem possuir com seus

públicos, a consciência e responsabilidade transmitidas pelas organizações desses setores não

devem ser baseadas em mera aparência ou estética, ou ainda pura propaganda. É importante

que seja demonstrada por essas organizações a capacidade de abertura ao diálogo com seus

públicos, da resolução de conflitos e uma sólida reputação positiva.

Em suma, a organização deixa a retórica e os adornos publicitários de lado e assume a

busca pela legitimidade, que será dada pelos seus públicos. O que a organização emite,

publica e divulga será de interesse público apenas se o público assim a considerar.

Em outras palavras, nos fornece o referencial de acountability que indivíduos e

organizações possuem para exercer seus papéis. Sobre o conceito de accountability e seu

respectivo adjetivo, accountable, um parêntese precisa ser aberto.

A palavra accountability é um termo da língua inglesa, sem tradução literal para o

português, mas que pode ser entendida como o um sentimento de cumprimento com a missão

e o papel ao qual se propõe a organização.

Pinho e Sacramento (2009) dizem que ao buscar, em dicionários, a tradução para o

português do termo accountability, pode-se observar que o conceito envolve responsabilidade

(objetiva e subjetiva), controle, transparência, obrigação de prestação de contas, justificativas

para as ações que foram ou deixaram de ser empreendidas.

Aí se desenvolve o conceito de accountability aplicado às Relações Públicas. Ele

define um nível de respeito e referência que difere do antigo know-how. Não é só o

desempenhar com excelência que está em jogo no recente conceito: é o como desempenhar

com excelência e como isso afeta ao seu redor.

Os detentores do adjetivo accountable desempenham o que se propõem com

excelência, e afetam ao seu redor de maneira positiva, através de transformações no meio em

que estão inseridos, para contribuir com o bem estar de todas as partes. Para isso, seria preciso

encontrar uma organização que, dada a avaliação do pesquisador proponente, possuísse, além

de know-how, accountability com seus públicos.

25

Se, por um instante, abordarmos esta temática pelo viés jurídico e político, podemos

notar o quanto o sistema político da sociedade em que está inserida a organização e cada um

dos indivíduos, vai influenciar na consciência de cidadania que cada indivíduo possui para

formar a opinião pública. Ou seja, quanto mais democrático e mais propositor de participação

social for o regime político quanto à tomada de decisões, maiores são as chances dos

indivíduos desta sociedade possuírem uma ampla noção de cidadania.

Sendo assim, a amplitude na consciência de cidadania que a sociedade e os públicos

em questão possuem, aliadas a um conjunto de boas práticas assumidas e aplicadas pela

organização, conseguem influenciar diretamente no conceito de interesse público que vai

nortear as pautas, temas e assuntos das comunicações entre as partes. Quanto mais consciente

de sua “plenitude” cidadã for o indivíduo desta sociedade em que a organização atua, maior

será as chances de ele construir critérios próprios para avaliar o que, para si, é assunto de

interesse público.

Para as empresas privadas, o caminho difere dos anteriores: a busca pela credibilidade

passa por profundas transformações na gestão empresarial.

Do ponto de vista operacional aplicada à realidade organizacional falemos sobre a importância da Opinião Pública para a legitimidade de que necessita a empresa, não só em seu processo de crescimento, mas antes de tudo no de sua sobrevivência, nessa perspectiva afirmamos que ninguém foge à opinião pública, ninguém pode se esconder dela, fazer de conta que ela não existe, acreditar que, não divulgando sua empresa, estará evitando problemas. Na verdade, esse é justamente um excelente caminho para o inferno, pois, no momento em que a opinião pública tiver qualquer dúvida sobre a empresa ou seus produtos, não disporá de informações para um julgamento correto, e fatalmente tenderá para o lado oposto, para o conceito hostil, para a imagem desfavorável. (VIEIRA, 2003, p. 3)

A consequência da situação descrita por Vieira (2003) só possui solução se houver

uma espécie de compreensão, conscientização e empatia de seus públicos. Se a empresa não

conhece a sua razão de ser e existir no mundo além dos lucros e isenções fiscais, ela não irá

sobreviver ao mercado.

O conceito da empresa será decorrente dos atos que a mesma empreender; ou seja, a empresa em si (sua essência) resultará daquilo que construiu, pela sua condição de existência. [...] Podemos dizer que a empresa, nos dias atuais, só sobreviverá se for legítima, se for aceita pela ordem social. Para isto, faz-se necessário que ela reconheça sua responsabilidade social e baseie sua filosofia de atuação no princípio de utilidade. Se não interagir com o meio, não conseguirá compreender o que dela se espera e não oferecerá ao público condições de efetivamente avaliá-la. A política de „low profile‟ deve ser substituída o quanto antes pela adoção de uma abordagem

organizacional enquanto sis tema aberto. (VIEIRA, 2003, p. 4)

26

Portanto, segundo Vieira (2003), a relação que será construída entre a empresa privada

e o interesse público deverá obedecer aos princípios da utilidade e da abertura empresarial, se

seu objetivo for a garantia de credibilidade perante seus públicos.

Retornando a exposição sobre esse indivíduo que faz parte do público da organização,

é importante lembrarmos a particularidade que cada um desses indivíduos, carrega em seu

íntimo de subjetividade, e que esse conjunto de subjetividades se materializam nas opiniões

dadas e formadas nas conversas cotidianas. Vale lembrar a obra de Roberto Porto Simões

(1996) quando relata sobre causas de conflito, e enumera uma como “diferença de percepção

da realidade”. Assim ele a descreve:

[...] a diferença de percepção da realidade - ocorre também em função do sistema de informações a que estão submetidas as partes envolvidas no sistema organização -público. Por esta razão, cabe à organização pesquisar sobre a realidade de seus públicos e informá-los quanto a sua própria percepção da realidade. (SIMÕES, 1996, p. 194)

A percepção de realidade à qual Simões (1996) se refere, quando levada para o âmbito

do entendimento do que pode ser tido como de interesse público (ou não), influencia na

construção do conceito de cidadania de cada indivíduo, que vai alimentar a ideia daquilo que

pode (ou não) ser classificado como de interesse público.

Dessa maneira, uma multiplicidade de elucidações e manifestações particulares,

justapostas e aglutinadas entre si, poderão se amalgamar para a construção de uma Opinião

Pública sobre aquilo que esses seres, intimamente, definiram como de interesse da

coletividade, e, por conseguinte, de interesse público.

É importante não esquecer que a formação da opinião pública tem papel fundamental

também para o agir político, já que está ligado a ele.

[...] embora discursos não possuam agência, eles possuem sim a capacidade de subscrever ou desestabilizar resultados coletivos – a qual, do ponto de vista da legitimidade, é o aspecto mais importante da agência com o qual começar (DRYZEK, 2004, p. 53).

E como esses discursos podem subscrever e desestabilizar resultados coletivos? A

resposta é dada pelo próprio Dryzek:

[...] avanços discursivos não podem ser medidos apenas em termos de legislação ou decisões sobre políticas, mas também na prática do cotidiano, em contestações feitas e resistidas no âmbito dos lares, em locais de trabalho, em salas de aula e alhures [...] (DRYZEK, 2004, p. 54-55)

27

Mesmo que as conversas cotidianas não consigam promover processos mais

elaborados para tomadas de decisão e deliberação, estas, sempre que ocorrem sem as prévias

conversas do cotidiano, tornam-se inviáveis.

Os indivíduos, num momento de contato com outras interpretações e experiências

particulares, passam a ter um maior esclarecimento sobre suas necessidades e interesses

individuais, incidindo assim, sobre as necessidades e interesses coletivos.

Por meio deste extenso processo dialógico verificamos o quanto a ideia de interesse

público que um indivíduo possui pode, aliada a outras ideias de outros indivíduos, influenciar

na construção de uma opinião pública qualificada, por conta de suas plenitudes de consciência

sobre o que é cidadania, e assim, sobre o que é classificado como de interesse público ou não.

28

2 JORNALISMO E RELAÇÕES PÚBLICAS: DESINFORMAÇÃO E

INVISIBILIDADE MIDIÁTICA

Quando analisamos o desenvolvimento das profissões de jornalista e relações públicas,

verificamos várias aproximações e distanciamentos. As aproximações, convenientemente,

servem aos profissionais que desejam transitar entre as duas áreas de conhecimento na

Comunicação; enquanto os distanciamentos servem de forma oportunista para distinguir um

profissional do outro. Tendo em vista tais aspectos, surge a indagação: até que medida esses

profissionais se delimitam e/ou se interpelam em suas atuações?

Uma ponderação feita pela jornalista e pesquisadora Janaíne Aires, em seu perfil numa

mídia social, ilustra bem a inquietação que é causada no campo teórico quando nos propomos

a debater características e atribuições de cada profissional. Em julho de 2016 ela publicou o

seguinte trecho:

É interessante como jornalistas se acostumaram a subvalorizar, escantear e até esculachar os RPs... Das piadinhas infames: no nosso curso não tem „bandeja I,

cortina II, introdução ao hino nacional‟ à „invasão‟ do mercado de trabalho, sob a justificativa „afinal quem melhor pode fazer Assessoria de Imprensa do que um

jornalista?‟. Mas quanto mais estudo, leio e analiso chego a conclusão de que o

jornalismo não existiu, não existe e nem existirá no Brasil. E que fomos, somos e cada vez mais seremos Relações Públicas. Enquanto não se reconhecer isso permanecemos cada dia mais desempregados e continuaremos amadores. (AIRES, 2016)1

Neste “desabafo” a pesquisadora coloca em evidência a rivalidade que permeia a

relação entre jornalistas e relações públicas, e que há uma deturpação e descaracterização de

ambas as profissões no mercado brasileiro. Apoiados nestas inquietações seguimos

dissecando os papéis que, segundo este estudo, cabe a cada um destes profissionais de

Comunicação.

Na área do Jornalismo, encontramos o jornalismo político como o protagonista deste

debate. Se o objeto abordado pelo jornalismo político trata de pautas de interesse público, e

assim, influencia a opinião pública, é neste campo de atuação que reside a raiz da

problemática deste estudo.

Se enveredarmos pelo caminho das Relações Públicas, a assessoria de imprensa é a

função estratégica que alimenta essa relação baseada em desinformação e invisibilidade,

distorcendo as noções de interesse público que possam ser tidas pela opinião pública. A

1 Publicação no Facebook em 27/07/2016. Disponível em <https://www.facebook.com/janaine.aires/posts/1082890088462199>. Acessado em 31/01/2017.

29

própria atuação da opinião pública, aliás, é parte fundamental nessa teia de informações. Isso

ocorre devido ao entendimento que temos em que a opinião pública se manifesta

majoritariamente de forma reativa, ou seja, ela só se manifesta mediante um tema a ser

debatido, e que geralmente a proposição do tema a ser debatido não parte dela.

2.1 O PAPEL DO JORNALISMO POLÍTICO

A capacidade que o jornalista tem de absorver parte do conhecimento que lhe é

necessário para o desempenho de suas funções nas redações já se tornou óbvio ao

entendimento dos teóricos na área da Comunicação. Afinal de contas, o jornalismo exige que

você possua certa substância no assunto que deseja abordar, e essa substância é adquirida no

cotidiano, no trabalho de coleta e seleção de informações para redigir a notícia.

Durante esse processo de edição da notícia, o profissional avalia a qualidade,

veracidade e a fonte da informação, no intuito de creditar (ou descreditar) aquilo que está

prestes a comunicar. Dessa maneira, a função exercida pelo jornalista explicita a

responsabilidade contida em seu caráter público.

Com o tempo, é comum que os jornalistas nutram simpatia em determinadas pautas.

Quando isso acontece é natural que estes profissionais busquem uma maior especialização na

área que gostam, e, dessa maneira, se especializa em uma determinada área e aprofunda seus

conhecimentos técnicos sobre o universo que circunda aquelas pautas.

Se a área a qual o profissional vai se dedicar é a área do jornalismo político, então

alguns conhecimentos em história, sociologia, ciência política, psicologia social, economia e

direito são importantes para que o profissional se sobressaia no desempenho de seu trabalho.

Como uma área que ressurgiu das cinzas da ditadura militar, o jornalismo político

brasileiro como conhecemos vem caminhando a passos curtos desde o processo de

redemocratização do país. Atrelado diretamente às bancadas parlamentares e aos caudilhos e

coronéis locais, a história brasileira dos meios de comunicação não conseguiu resguardar a

capacidade de plenitude crítica dentro do seu jornalismo político.

O que fundamenta tal constatação vem dos teóricos considerados clássicos no campo

das ciências políticas: temos os exemplos de Weber, que em sua época já comentavam sobre a

relação incestuosa que a imprensa e a classe política possuíam, e de quão difícil era quebrar

esta simbiose.

Weber, em sua obra, avalia a relação da seguinte forma:

30

É certo que, sob o antigo regime, as relações da imprensa com os poderes do Estado e dos partidos eram extremamente nocivas para o jornalismo. Mas também para eles, como para todos os Estados modernos, parece válida a afirmação de que o homem que trabalha no jornalismo tem cada vez menos influência política, ao passo que o magnata capitalista da imprensa tem cada vez mais. [...] A carreira jornalística já não é (ou ainda não é) uma via normal para ascender à chefia política. Apesar disso, a carreira jornalística continua a ser um dos caminhos mais importantes para o profissionalismo político, caminho que não é trilhável por toda a gente, sobretudo pelos fracos que precisam de situação segura (WEBER, 2000, p.38-44).

É sabido que grande parte dos parlamentares e chefes do executivo possui concessões

de Rádio e TV (em seus próprios nomes, e em nomes de parentes e de terceiros), formando

grandes grupos midiáticos e um oligopólio da comunicação no país2. E como já ponderamos

anteriormente, o cerne da questão está no conflito que surge entre o caráter público exigido

pela profissão de jornalista e o interesse particular do patrão dono do jornal. O resultado desse

embate dá a cara do jornalismo político brasileiro.

Quanto à dimensão que abordamos no estudo, recorremos à Estrela Serrano (2006),

que nos traz uma sistematização de como abordar a dimensão política que o papel do

jornalismo pode proporcionar. Ora, se há dimensão política que permita à imprensa orbitar em

torno de agentes políticos e administrativos do Estado, é preciso entender em que escala

estamos analisando o papel do jornalismo político.

Com algumas poucas exceções de teóricos e seus métodos alternativos de abordagem

desta temática, Serrano (2006) engloba as teorias em três dimensões e as descreve para o

estudo dessa relação. São elas:

O primeiro centra-se na interacção entre jornalistas e fontes. [...] A segunda abordagem da dimensão política do jornalismo centra-se na intersecção do jornalismo com o mundo político e com as audiências. Inclui trabalhos sobre os jornalistas, os actores políticos e as audiências, durante as campanhas eleitorais. [...] A terceira e mais abrangente abordagem da dimensão política do jornalismo incide sobre tipologias de interacção de „larga escala‟. O seu objectivo é a descrição dos

processos jornalísticos sob diferentes sistemas políticos (SERRANO, 2006. p. 65-66)

2 As publicações sistemáticas em sites e outros canais de organizações como o Observatório da Imprensa, o Coletivo Intervozes de Comunicação Social e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) atestam um longo histórico nas relações de propriedade entre os políticos brasileiros e os meios de comunicação no país.

31

O que estamos procurando analisar é como o jornalismo político brasileiro interage

com suas fontes, e como isso afeta o sistema político e as noções de conceitos como: direitos

humanos, cidadania, bem comum e interesse público, tomadas pela população.

É importante afirmar e assumir a crise no modelo de jornalismo atual, bem como a

crise que vive o jornalismo político, em especial o brasileiro. Essa crise se torna gritante no

início do século XXI, com o avanço das novíssimas tecnologias.

As novas tecnologias, por sua vez, geraram um processo acelerado de obtenção de informações, o que em geral resultou no aumento quantitativo da oferta de noticiário, sem garantias de qualidade deste material ofertado. Uma cobertura mais extensa, mais abrangente, mas não imune ao erro. (SEABRA, 2006, p.137)

O teórico Nelson Traquina, quando entrevistado sobre a relação entre jornalismo e

política, relaciona dois tipos de jornalismo à política: um jornalismo ideológico e um

jornalismo econômico. Em entrevista concedida à Revista do IHU – Instituto Humanitas

Unisinos, ele explica a sua divisão da seguinte maneira:

O jornalismo ideológico certamente não corresponde ao paradigma dominante no jornalismo nas sociedades democráticas. Quanto ao jornalismo econômico, podemos falar de duas coisas diferentes: um jornalismo sobre economia, que seria uma especialização dentro do jornalismo, e o fator econômico no jornalismo, bem como os efeitos que esse fator tem sobre o jornalismo. (TRAQUINA, 2016)

Neste sentido, o papel a ser desempenhado pelo jornalismo político é também,

segundo Traquina (2016), um espaço estratégico na luta política. É preciso a lucidez em saber

que os diversos atores políticos tentarão reverberam suas posições e opiniões sobre os mais

diversos assuntos, e que não há outro objetivo para estes atores que não seja a visibilidade nos

meios de comunicação.

Traquina, na mesma entrevista, justifica a importância do papel do jornalista político

neste embate político- ideológico e midiático:

Certamente os jornalistas têm um papel importante, porque eles têm o poder de selecionar que acontecimentos vão fazer parte, ou que vão construir o noticiário, que aspectos da sociedade vão estar presentes nos meios de comunicação social. A luta, a abrangência e a pluralidade de opiniões são muito importantes no jornalismo, e os jornalistas estão vendo seu papel cada vez mais central nas democracias contemporâneas. (TRAQUINA, 2016)

Então, se o jornalista político possui um protagonismo de tal ordem no processo

político e democrático brasileiro, como entender a crise do jornalismo político? A resposta

32

está na incapacidade do jornalismo político brasileiro conviver com a pluralidade de opiniões.

Com um modelo político recente para os padrões dos cientistas políticos, mas com uma

cultura profissional atrasada e regulada pelos interesses pessoais dos donos dos meios

midiáticos, a imprensa brasileira não consegue se soltar da rede de intrigas em que se meteu,

tecida desde os tempos da ditadura militar no país.

Se apontarmos que a raiz da crise no jornalismo político reside nos valores éticos e

morais cultivados na profissão, podemos encontrar nas palavras de Alberto Branco (2009) a

razão pela qual o respeito aos valores é central na hora do exercício da função de jornalista.

A valorização do papel protagonista dos jornalistas no sistema social cruzasse, por vezes, com os novos entendimentos desenvolvidos pela investigação em comunicação do conceito de opinião pública. De sublinhar que, no campo político, os meios de comunicação de massa e os jornalistas não se limitam a transmitir a política nem a convertê-la de forma mais perceptível, não detêm um papel meramente mediador entre o sistema social e o sistema político, mas definidor. É a partir deste quadro conceptual que os jornalistas devem ser considerados como produtores de opinião pública. [...] A ética deve estar presente em tudo que o jornalista faça (BRANCO, 2009, p. 86)

Assumindo que o jornalismo de fato possui este papel definidor, seguimos o raciocínio

de Branco e consideramos os jornalistas como artífices da opinião pública. Em especial,

entendemos que os jornalistas políticos devem ser considerados como uma espécie de

“escultores da opinião pública”, uma vez que moldam a noção do que é de interesse público,

bem como moldam a opinião pública de acordo com os interesses de seus patrões. Sendo

assim, em última instância, os jornalistas municiam os políticos de visibilidade e exposição

positiva, casando interesses de patrões da mídia aos dos políticos e agentes governamentais

envolvidos numa intrincada rede de influências.

2.2 O PAPEL DAS RELAÇÕES PÚBLICAS

É importante começarmos o debate deste aspecto defendendo que a atividade de

assessoria de imprensa seja exercida predominantemente por Relações Públicas; e não por

jornalistas, como é da cultura dos profissionais brasileiros.

A profissão de Relações Públicas traz, segundo nossa orientação teórica, um eixo de

análise micropolítica em seu cerne, muitas vezes negligenciado durante a ação do

profissional. A admissão recente de outros ramos das ciências sociais nos conteúdos da

33

formação do profissional de Relações Públicas constata a deficiência que existia (e em certa

medida, existe até hoje) na formação deste profissional. No depoimento fornecido ao longo

desta pesquisa encontramos, nas falas de Carlos Edmário Nunes Alves3, uma certa pluralidade

de conhecimentos permeando sua formação, enquanto esteve na sua graduação, que o

habilitava a trabalhar como Relações Públicas. Alves (2017) diz:

Levei muito tempo para tentar entender o que eram as Relações Públicas, e o significado do curso. Acabei aprendendo que Relações Públicas reúne uma infinidade de coisas, e é algo além do que imaginava inicialmente. Atuamos em diversos campos, com diversos parceiros e clientes. São várias vertentes que não conseguimos conceituar de forma fechada. Para mim Relações Públicas é uma ponte de diálogo bem feito, bem produzido e bem passado, muito claro, na Comunicação. É uma metacomunicação. Uma comunicação encarregada de fazer a comunicação entre os campos da Comunicação, e com uma infinidade de ferramentas de vários campos, que já acho diferente do jornalismo, que já é uma coisa mais fechada. O Relações Públicas possui muito mais possibilidades. (ALVES, 2017)4

Este amplo caráter que é dado ao conjunto de práticas que são exercidas nas Relações

Públicas denota também o aspecto estratégico que circunda o exercício da função.

Se compreendemos a dimensão e a função política que o profissional de Relações

Públicas pode assumir no jogo de interesses entre os políticos, mídia e população, então fica

claro entender que o papel deste profissional também possui uma importância neste assunto.

Como a cultura da profissão exige uma dedicação longe dos holofotes, o conjunto de práticas

exercidas nos bastidores da sociedade são prerrogativas de quem trabalha com relações

públicas.

Simões (1995) especifica como finalidade principal da profissão de Relações Públicas

a manutenção das trocas entre a organização e as partes interessadas. Sejam trocas de

3 Carlos Edmário Nunes Alves é Mestre pelo Programa de Pós -Graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba. Graduado em Comunicação Social, com habilitação em Relações Públicas pela mesma instituição. Integra o grupo de pesquisa do Observatório da Mídia Paraibana e do Projeto Cinestésico - Cinema e Educação/UFPB. Desenvolveu ações em escolas de Ensino Fundamental da Rede Municipal de Educação de João Pessoa como Arte-Educador/Monitor da Oficina de Educomunicação - Jornal Escolar e Rádio Escolar, trabalhando com análise crítica da mídia. Concentra-se no debate entre Comunicação e Música, Performance, Cultura Pop, Cinema e Educação, Audiovisualidades e Corpo. Pesquisa especificamente as narrativas do Cinema/Audiovisual/Videoclipe, as suas relações com a performance, a política dos corpos, construções subjetivas e simbólicas do cotidiano e as relações entre som e imagem. 4 Entrevista concedida por ALVES, Carlos Edmário Nunes. Entrevista com Carlos Edmário Nunes Alves . [mar. 2017]. Entrevistador: João Jales. Arquivo em MP3 (01h02‟46”). A entrevista transcrita

encontra-se no apêndice.

34

produtos, serviços, valores ou informações; o importante é que, através da legitimação de sua

autoridade, a profissão de Relações Públicas se perpetue, atingindo os objetivos traçados.

Para a legitimação da sua autoridade (ou seja, para a constatação da legitimidade das

informações que são difundidas pelo assessor de imprensa) o profissional de Relações

Públicas precisa trafegar por um caminho tão tortuoso quanto o dos jornalistas políticos.

Neste caminho encontramos dilemas e ponderações relacionadas à ética da profissão.

Para Simões (1995) os desvios éticos da profissão de Relações Públicas se enquadram

em dois níveis:

[...] Localizam-se ao nível da função organizacional, quando decisões conscientes e intencionadas, pela cadeia de comando, pressupõem ações e resultantes prejudiciais aos direitos dos públicos, ocasião em que o bem comum é solapado e a legitimidade é esquecida. [...] A outra situação é quando o profissional manipula os públicos por intermédio dos instrumentos de comunicação, mentindo, suprimindo parte ou todos os fatos ou, ainda, aliciando-os para decisões futuras desfavoráveis. (SIMÕES, 1995, p. 221)

Aplicando as realidades da prática aos desvios enumerados por Simões, conseguimos

perceber o quanto estas situações acontecem no cotidiano dos profissionais da área.

As inquietações que rondam estes desvios éticos tratam do embate entre a ética

pessoal, do indivíduo inserido no mundo; e a ética profissional, ligada ao cliente ou a

organização a qual o Relações Públicas serve. Enquanto a sua ética pessoal pode desmoronar

em ações que envolvem supressão e ocultação de dados e informações de seus clientes à

sociedade; a ética profissional é fortalecida, no sentido em que o Relações Públicas “blinda” a

si e seu cliente, respaldando assim suas atitudes profissionais na lógica da pessoa ou

organização a qual o Relações Públicas serve.

Para ilustrar tais afirmações, visitamos os textos de Silva (2011), comentador das

contribuições de Cicilia Peruzzo (1986). Nele o autor comenta sobre a perspectiva que

Peruzzo possui sobre as relações públicas:

Para ela, [Peruzzo] as relações públicas se impõem como forma de potencializar a força de trabalho para produzir mais excedentes, assegurar a harmonia das relações sociais, desviar o foco da atenção das lutas de classe, minimizar os interesses conflituosos e na tentativa de expor um interesse privado como um interesse público. Sendo assim, as relações públicas se apresentam a serviço de uma classe social, a detentora do capital. (PERUZZO apud SILVA, 1986. p. 18, grifo nosso)

35

A teoria de Peruzzo (1986) segue destrinchando a forma com a qual as Relações

Públicas se apresentam, e a maneira como a profissão costuma atuar, as colocando como uma

profissão com uma legitimidade frágil, na busca por uma harmonização ilusória entre os

interesses de classes sociais antagônicas.

Simões (1995) aponta ainda que o pilar da moralidade das Relações Públicas encontra-

se na decisão dos clientes, sendo pessoas ou organizações. No momento em que saímos desta

esfera, saímos da argumentação sobre a moralidade das ações tomadas. Ou seja, no momento

em que o Relações Públicas “acaba o seu expediente”, as inquietações que brotam são

pessoais, e dizem respeito aos dilemas do indivíduo; entendendo que, além dele representar

seu cliente, também possui outros papéis sociais, inclusive o de cidadão.

Peruzzo prossegue comentado por Silva (1986), destilando sua crítica à real finalidade

da profissão, que se distancia diametralmente de uma suposição inicial, onde a finalidade se

situa na harmonia entre o cliente (ou a organização) e seus públicos.

Conclui que os estudos de relações públicas na sociedade capitalista demonstram que elas têm como finalidade estabelecer a harmonia entre instituições e seus públicos, isso em discurso, mas na prática, essa harmonia é desejada para fins de acumulação de capital. A profissão se pretende a uma neutralidade que não é possível, uma vez que trabalha para o capital, e a sociedade burguesa assume na sua aparência, um interesse por toda a sociedade, mas em sua essência, zela pelos seus próprios interesses. (SILVA, 1986, p. 133).

Apesar de, nos últimos vinte anos, as relações públicas terem avançado num terreno

relativamente novo, sua presença recente no terceiro setor apenas ensaia uma possibilidade de

transformação de paradigmas que são inerentes a esses profissionais. Mesmo com uma nova

área de atuação se consolidando no meio digital, entendemos que o dilema profissional

permanece, fruto da ausência de programas e projetos políticos pedagógicos que possam

contribuir ainda na formação destes novos profissionais que chegam ao mercado.

O terceiro setor e as mídias digitais, hoje, se colocam como uma alternativa à

construção histórica que a profissão teve no Brasil, onde nasceu sob a égide da ditadura

militar, manipulando informações dentro dos aparelhos estatais a serviço do regime.

Entretanto, a história mostra que a profissão ainda possui um longo caminho a seguir nesse

processo de reconciliação com a sociedade. Sendo assim, os dilemas, ainda que diminuam,

não parecem se dissipar nessa novíssima atmosfera do século XXI.

36

O dilema pessoal pode influenciar no sujeito profissional? A resposta para essa

pergunta deveria ser negativa, se soubéssemos distanciar com maestria os diferentes papéis

sociais que exercemos enquanto indivíduos. Entretanto, a questão nos sugere um maior

desenvolvimento sobre expressões e conceitos que são fundamentais para analisar o exercício

das funções de jornalista e relações públicas.

2.3 DESINFORMAÇÃO E INVISIBILIDADE

Enquanto as atenções são voltadas para os jornalistas e suas entrevistas e coletivas de

imprensa, os profissionais de relações públicas trabalham as notas a serem divulgadas e as

orientações de um media trainning5. Até chegar a este processo, as informações,e por

conseguinte, as notícias propagadas pelos veículos de comunicação, passam por um extenso

trabalho de construção, criação e editoração dos fatos e opiniões relatadas.

O jornalista Leão Serva (2000) destrincha o processo ao qual chama de

“desinformação do jornalismo” em uma série de ações utilizadas pelos “artífices das notícias”.

Nessa elaboração teórica, o autor enumera diferentes níveis e razões que determinam as

distorções das informações, e consequentemente, do entendimento do público sobre estas

informações. São elas: omissão, sonegação e submissão da informação.

Pode-se chamar omissão a ausência de informação, de qualquer natureza, causada por falta de condições de órgão de imprensa obtê-la. (...) Por sonegação entende-se aquela informação que, sendo de conhecimento do órgão de imprensa, não foi colocada na edição por alguma razão. (...) Por submissão entende-se o fato que, embora noticiado, tem uma edição que não permite ao receptor compreender e deter a sua real importância ou mesmo o seu significado. (SERVA, 2000, p. 65-66)

A omissão, sonegação ou submissão de alguma informação na notícia geralmente pode

ocorrer quando a informação não chega em tempo hábil para ser divulgada no jornalismo

impresso ou entrar na pauta do telejornal; quando se perde na cadeia de comando das redações

dos veículos; ou ainda quando notícias muito específicas ou dotadas de muitos dados, são

escolhidas como menos importantes na hora do fechamento da edição do periódico ou da

5 Media trainning é a expressão em inglês que designa a atividade que busca a preparação para a interação entre um cliente e a mídia, treinando o cliente com o objetivo de aperfeiçoar sua capacidade de se relacionar com a imprensa, seja por meio de entrevistas, presença em eventos ou em encontros importantes.

37

transmissão do telejornal. Ou ainda, como tratamos da perspectiva da “desinformação”,

dialogando com as inquietações causadas pelas questões éticas, a omissão, sonegação ou

submissão acontece quando a informação/dados/notícia vão de encontro à linha editorial que

o veículo quer abordar.

Um desdobramento que precisa ser lembrado neste estudo é o conceito de

“desinformação funcional”, que, segundo Serva (2000), é resultado das práticas de

desinformação aplicadas de maneira sistêmica.

A desinformação funcional, então, corresponde a um fenômeno definido pelo fato de que as pessoas consomem informações através de um ou mais meios de comunicação, mas não conseguem compor com tais informações uma compreensão do mundo ou dos fatos narrados nas notícias que consumiram. (SERVA, 2000, p. 71)

Outro elemento apontado por Serva (2000) no estudo do processo de “desinformação”

no jornalismo é a frequência e intensidade com a qual a informação/notícia é divulgada e

circula nos meios de comunicação. Quanto a esta característica, o autor aponta duas faces

opostas no processo: a saturação e a neutralização. Estas estratégias de exposição da

informação/notícia dizem respeito diretamente à visibilidade do conteúdo nos meios de

comunicação. Sobre a saturação, o autor diz:

Esse conjunto de informações provoca uma espécie de paroxismo da desinformação -informada e da deformação, no qual milhares de informações diariamente se sobrepõem umas às outras no suporte da comunicação, no meio em si e também ou mais gravemente na mente do receptor, em sua compreensão do mundo. Trata -se de uma saturação [...] (SERVA, 2000, p. 77)

Ora, se usarmos de metáforas e tomarmos a saturação como uma “metralhadora de

notícias”, o entendimento que temos sobre a neutralização é o inverso: a “metralhadora de

notícias” de determinado veículo de comunicação não “dispara certas munições”. Nesta seara,

a neutralização da notícia acontece no momento em que, num “tiroteio de manchetes” que

acontece nas redações, ela não recebe destaque, ou pior ainda: sequer entra na pauta do jornal.

Serva (2000) ainda nos fornece a análise de outro ponto particular no processo de

desinformação. Este diz respeito à redução do fato, e de acordo com o autor, impede e

justifica a incompreensão do público pela informação/notícia. Isso acontece quando, segundo

o autor, desloca-se a notícia do contexto histórico, e em sua edição, transferida para outro

contexto, busca tecer ligações numa forçosa coincidência.

38

Quando nos atemos às Relações Públicas no contexto de desinformação e

invisibilidade midiática, novamente nos deparamos com uma função social perversa, que

atende às necessidades de fluidez econômica e política das classes dominantes; logo, atrelada

diretamente aos interesses particulares. Assim, encontramos uma ambiguidade no discurso da

profissão. Colocamos os profissionais como servidores do interesse público, mas ao mesmo

tempo, eles precisam cuidar dos interesses dos seus clientes, que, em última instância, se

mostram interesses de uma classe.

Na prática, o intuito é harmonizar as desigualdades existentes entre organizações e seus públicos, mas na teoria, ao se basear em igualdade, admitem apenas conflitos de interesse. E é exatamente nesse ponto que surge a fragilidade, porque na teoria, as relações públicas se fundam em algo que não existe na realidade, que é a questão de harmonizar desiguais que estão em situações antagônicas. (SILVA, 1986, p. 52)

O caráter presente na postura do profissional demonstra o quanto os Relações Públicas

contribuem com a desinformação e invisibilidade de determinadas pautas e notícias abordadas

pelos jornalistas. Ora, se entendemos os Relações Públicas que exercem a assessoria de

imprensa como os fornecedores de grande parte do conjunto de informações/dados/notícias

propagados pela imprensa, o serviço de informar que o assessor de imprensa presta ao seu

cliente, intermediando o diálogo com os jornalistas, já vem impregnado de interesses pessoais,

particulares ou individuais. Esse material, já “filtrado” pelos Relações Públicas, chega aos

jornalistas editado e moldado segundo o interesse do cliente que está demandando a assessoria

de imprensa. O jornalista, por sua vez, se submete aos interesses do patrão, dono do veículo; e

assim, se os interesses entre os dominantes (o assessorado pelo Relações Públicas e o dono do

veículo de comunicação) forem harmoniosos, a matéria segue para publicação sem grandes

alterações.

39

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

As abordagens metodológicas escolhidas para o desenvolvimento deste estudo

tiveram o intuito de dinamizar e interagir com o objeto. A pesquisa bibliográfica foi

utilizada num primeiro momento, acerca da busca por referenciais teóricos que

sustentem o arcabouço de todo o estudo.

Sendo uma metodologia já conhecida e difundida em Relações Públicas, além de

se mostrar pertinente à execução deste trabalho, apontamos também o Estudo de Caso

como um dos métodos a serem seguidos ao longo deste estudo.

Segundo Yin (2010), a metodologia do Estudo de caso se dá por meio de uma

investigação empírica de um fenômeno em profundidade, levando em consideração seu

contexto de vida real, principalmente quando não são evidentes durante o processo de

investigação. Os resultados deste tipo de estudo virão através de proposições teóricas

que surgem para orientar a coleta e análise dos dados.

A pesquisa exploratória será mais uma das metodologias a serem usadas. A

pesquisa exploratória, segundo Daniel Barsi Lopes (2008, p. 283), “deve ser

compreendida como um momento do desencadeamento de reflexões, decisões e ações,

que serão fundamentais para o processo de produção da pesquisa.”

Há outro autor que pode nos sustentar a importância da pesquisa exploratória em

comunicação. Diz Maldonado: “Na pesquisa em Comunicação o empírico é

imprescindível se considerarmos os sistemas, estruturas e campos midiáticos como um

referente central dos problemas de conhecimento para a área”. (MALDONADO, 2006,

p. 279)

Além da pesquisa exploratória em Comunicação, a abordagem historiográfica

será importante para contextualizar cronologicamente uma ideia de linearidade entre

diferentes indivíduos e organizações que praticaram a crítica de mídia anterior à

fundação do Observatório da Mídia Paraibana. De certa forma, o caminho percorrido

por outros atores influencia (tanto para a aproximação quanto para o distanciamento) a

trajetória seguida pelo Observatório da Mídia Paraibana.

Em certa medida, também nos apropriamos de elementos da metodologia da

pesquisa etnográfica. O motivo é a posição de privilégio que o lugar de fala permitiu a

este pesquisador: não sou jornalista por formação. Este fato é valorizado na pesquisa

40

etnográfica, dada a necessidade de descrever eventualmente um sistema de jargões e

significados culturais de um determinado grupo étnico ou social.

A base que fundamenta a pesquisa etnográfica é o trabalho de campo. Nesta

situação, o trabalho de campo se dá por meio do contato do pesquisador com a cultura

do grupo a ser estudado, buscando descobrir como se organiza seu sistema de

significados culturais.

Para tal, será fundamental a realização de entrevistas e vivências cotidianas com

os indivíduos que fazem parte do Observatório da Mídia Paraibana, bem como

participar das reuniões feitas pela organização. Entender a cultura profissional dos

membros do Observatório se faz necessária para entender o cerne da formação da

organização. Sob estes aspectos fica visível a aplicação da observação participante,

dando suporte à pesquisa etnográfica.

Para a execução da etnografia, anotações e gravações são fundamentais para o

registro da pesquisa. Segundo Isabel Travancas (2006),

Nele [um caderno, bloco ou diário de pesquisa] o pesquisador anotará as questões que o levaram a escolher aquele grupo e aquele tema, e as perguntas que tem em mente sobre o assunto. Assim [...] funcionará como um registro descritivo de tudo o que ele vir e presenciar, seja em uma aldeia de índios bororo, seja em uma redação de um grande jornal. (TRAVANCAS, 2006, p.102) [grifo nosso].

Como campo da pesquisa, teremos prioritariamente os membros do Observatório da Mídia

Paraibana. Entretanto, verificamos a necessidade de entrevistas com profissionais externos ao

Observatório, no intuito de avaliar sua accountability e consequentemente, seu respaldo frente a seus

públicos. Essas entrevistas deram a ideia de como os profissionais de comunicação do estado da

Paraíba avaliam e interagem com o Observatório da Mídia Paraibana, e proporcionaram uma opinião

qualificada de como a organização incide sobre a opinião pública local.

Há ainda de se entender que, ao abordar o surgimento do Observatório da Mídia Paraibana,

nos deparamos com citações de projetos e organizações que o precederam. Para tanto, se fez

necessário um recorte histórico, buscando contextualizar o aparecimento do Observatório na história

do mediacriticism 6paraibano.

6 Termo em inglês que designa a atividade de crítica de mídia

41

4 RABO PRESO VERSUS LÍNGUA SOLTA: A CRÍTICA DE MÍDIA NA PARAÍBA E

O OBSERVATÓRIO DA MÍDIA PARAIBANA

A existência da crítica de mídia no estado da Paraíba é difusa, apesar de razoáveis

pesquisas sobre o tema. A dificuldade de exercê-la, pelo contrário, se mostra de uma maneira

muito forte dentro do imaginário dos jornalistas paraibanos.

A crítica de mídia é personificada no imaginário do jornalista na figura do

ombudsman. Apesar do mediacriticism ser apenas uma das funções exercidas pelo cargo de

ombudsman (ele ainda precisa lidar com relatórios internos e atendimento ao público), ele

ficou conhecido como o “crítico de mídia por excelência”, por assim dizer. Quem não carrega

o título mas exerce a crítica parece sentir uma maior leveza no tratamento com seus pares. Por

outro lado, consegue pôr em xeque sua credibilidade para praticar a crítica, na medida em que

não procura certo distanciamento de influências externas aos seus comentários.

Dentre os desafios presentes no exercício da crítica de mídia, o maior deles se dá nas

questões relacionadas a autonomia, liberdade e responsabilidade: autonomia para criticar,

liberdade para publicar e responsabilidade para com o público. Estas questões se relacionam

diretamente com a ética da profissão, e não há dilema maior no exercício de uma profissão de

caráter público submetida aos interesses de empresas particulares, e por conseguinte, aos

interesses de pessoas particulares.

Para esta explanação, optamos por utilizar duas expressões populares presentes no

cotidiano da população: “rabo preso” e “língua solta”. Enquanto uns se colocam dentro de um

jogo de relações de poder, onde interesses individuais e particulares se sobrepõe ao interesse

público (os profissionais de rabo preso), outros se disponibilizam à crítica permeada de

bravatas e provocações, empobrecendo um conteúdo que teria chances de circular entre um

maior público se não fosse a “língua solta” e desenfreada que o escreveu, por fim, tornando-a

uma crítica vazia. É neste limiar que dividimos os “rabo preso”, que possuem interesses

subentendidos norteando suas produções; dos “língua solta”, que não medem esforços para

que sua crítica chegue ao público e atinja o alvo:

Se você esmiuçar, você descobre o porquê de ter sido usado determinado discurso em determinada linguagem. Nada é dito “de graça”, sempre existe um círculo de

interesses pairando nesse universo da informação. Se queremos mudança, devemos modificar a maneira de transmitir, a linguagem de transmissão, os sentidos a serem produzidos; e as pessoas a serem sensibilizadas precisam estar cientes desse processo. (ALVES, 2017)

42

Atualmente, sobretudo, a crítica tem sido feita través de organizações sociais plurais,

que, com o advento da internet, têm popularizado e possibilitado a exposição de outros

sentidos e significados que são produzidos pela sociedade.

Para este estudo, delimitamos a pesquisa num caráter qualitativo, em torno de

entrevistas com personagens que pudessem depor com propriedade sobre a temática abordada.

A entrevista, portanto, é um instrumento de coleta de dados. Quanto ao seu nível de

aprofundamento, demonstra ser predominantemente descritiva e explicativa, buscando

descrever épocas, cenários e situações, bem como explicar o porquê de determinados

acontecimentos.

Ao longo da execução deste estudo utilizamos a pesquisa bibliográfica, através de

fontes teóricas sobre os conceitos em questão; e a pesquisa participante, onde nos inserimos

no cotidiano dos entrevistados. Definimos como amostragem os profissionais da área, e

focamos em dois grupos: os membros do Observatório, e membros externos ao Observatório.

Roteirizamos uma entrevista semiestruturada, que deu certa flexibilidade para os

entrevistados; e uma lista de perguntas que oscilava entre seis e oito perguntas, variando de

acordo com o tema a ser abordado, e ao indivíduo que respondia ao questionário. Paralelo a

isso, observamos os momentos cotidianos que pudemos dividir com os entrevistados,

analisando suas posturas e condutas no exercício de suas funções de jornalistas, produtores,

pesquisadores e professores; o que foi determinante para o acúmulo de propriedade sobre o

tema e o objeto deste trabalho.

Foram realizadas entrevistas com membros do Observatório da Mídia paraibana, com

professores, com críticos de mídia e com um pesquisador sobre políticas de financiamento da

mídia na Paraíba e no Brasil.

4.1 UM BREVE HISTÓRICO DA CRÍTICA DE MÍDIA NA PARAÍBA

A crítica de mídia possui um estágio embrionário na imprensa brasileira, quando

permeia os Cadernos do Jornal do Brasil (JB). Segundo Carmélio Reynaldo Ferreira7:

Era uma espécie de periódico que o JB publicava, e ele fazia justamente essa crítica de mídia, ou uma “protocrítica”, por volta da década de 1970. Esses cadernos eram

7 Junto com Alarico Correia Neto designou o papel de ombudsman do jornal Correio da Paraíba. Graduado em Lienciatura e Letras pela Universidade Federal da Paraíba (1979) e mestrado em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (2005). Atualmente é professor da Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Rádio e Televisão. Atua como pesquisador sobre as seguintes temáticas: Gênero; Educação; Canção popular; e Estereótipo.

43

produzidos pelos próprios jornalistas do JB e na década de 1970 o JB era considerado o melhor jornal feito no país: todo mundo queria, de certa forma, imitar o JB. (FERREIRA, 2017)8

Entretanto, como marco histórico brasileiro de uma crítica devidamente credenciada

para exercer a função é com o Ombudsman da Folha de São Paulo (FSP), em 1989. Dois anos

depois, em 1991, o jornal Correio da Paraíba decide implantar a sua experiência de

ombudsman através de um convênio com o Departamento de Comunicação Social da

Universidade Federal da Paraíba. Os professores Carmélio Reynaldo e Alarico Correia Neto

assumem a tarefa de produzir uma coluna semanal, intitulada “Re-Visão”, além da produção

de boletins internos e análises sobre o conteúdo que era propagado pela mídia da época.

Entre 1991 e 1992 Correia Neto e Carmélio Reynaldo dividiram o espaço, escrevendo

críticas em dois aspectos: os erros técnicos ocorridos nas redações dos jornais, e a postura ou

posição tomada pelos veículos. Segundo a pesquisadora Juliana de Amorim Rosas, que já

havia buscado informações sobre o período,

Nas primeiras colunas, assim também o foi para os professores Reynaldo e Correia, especialmente porque suas críticas partiam também de suas experiências, seus conhecimentos enquanto jornalistas e também acadêmicos. No entanto, como não existia anteriormente tal função no Correio, nem neste jornal existia um manual de redação para que eles pudessem se basear em alguma questão específica, assim partiram para dar forma ao pioneirismo de mediacriticism no jornalismo nordestino. (ROSAS, 2016, p. 37)

Já entre 1992 e 1993 Alarico Correia Neto deixa o espaço, e Carmélio Reynaldo

permanece, desempenhando o ofício sozinho. Apesar da existência dos canais de

comunicação com o público, que, na época, se restringiam à cartas e telefonemas, a

participação não foi tão massiva quanto o esperado pela diretoria do Correio. Segundo

Carmélio Reynaldo Ferreira, que permaneceu mais um ano a frente da coluna, os telefonemas

não surtiram efeito, por eles trabalharem fora do ambiente da redação:

Ainda assim, na fase inicial a situação era boa. Entretanto, eles nunca implementaram um canal de dialogo entre o publico leitor conosco (o ombudsman), e acho que foi uma das coisas que contribuiu para que a atividade não fosse tão satisfatória. Afinal, o papel do ombusdman consiste justamente em ouvir o usuário para avaliar: sua tradução literal é “defensor do povo”, oras! E esse canal nunca foi implementado de fato. Recebíamos duas cartas por mês e sequer havia uma linha telefônica para facilitar esse contato. Na época, obviamente, não trabalhávamos com

8 Entrevista concedida por FERREIRA, Carmélio Reynaldo. Entrevista com Carmélio Reynaldo

Ferreira. [mar. 2017]. Entrevistador: João Jales. Arquivo em MP3 (50‟31”). A entrevista transcrita

encontra-se no apêndice.

44

a facilidade do email, então teria de ser por carta ou telefone. Nunca foi estabelecido esse canal de comunicação direto conosco. Se o leitor queria entrar em contato conosco, a carta era enviada no jornal, e chegando ao jornal, era encaminhada para nós. Nunca nenhuma das cartas que recebemos foram violadas, logo, nenhuma correspondência que nos foi enviada foi censurada ou cerceada. Nunca recebemos um telefonema. Aliás... Não tínhamos um plantão, nem tampouco um espaço físico no jornal, afinal, essa não era nossa atividade principal: éramos professores, e o que fazíamos para o jornal era executado em casa. (FERREIRA, 2017)

Ou seja, existia uma proposta de crítica que funcionava com uma isenção semelhante a

uma “auditoria”: profissionais, sem remuneração financeira, externos aos quadros da empresa,

trabalhando para um espaço que era ligado diretamente à ideia de fiscalização (o cargo de

ombudsman), criticando inclusive os profissionais desta empresa. O problema deste formato

estava na aproximação com o atendimento ao público leitor, que sofreu com a ausência dos

ombudsmen do convívio diário da redação.

Após 1993 Carmélio Reynaldo deixa de vez o cargo de ombudsman e, apesar de ser

convidado para retornar à função, recusa. Segundo ele, algumas coisas pesaram na hora de seu

julgamento sobre um possível retorno:

De certa forma, havia a facilidade de se executar esse trabalho de crítica da mídia como um todo, porque naquela época havia poucos veículos, poucos jornais, poucas rádios... Na televisão, também, a inserção de programas locais na grade de programação era muito tímida, então era um serviço que dava para fazer. Por outro lado, era um tanto quanto desgastante, porque... Veja bem: de jornais impressos, tínhamos quatro jornais. Era o Correio da Paraíba, O Norte, A União e O Momento. Tínhamos de ler todos, analisar, preparar relatórios e materiais... Então era uma carga de trabalho de uma atividade: você trabalha nisso. Ou seja, era outra “jornada

de trabalho”, outro “emprego”, por assim dizer. Sendo assim, além de ser professor,

você ainda tinha essa outra jornada cansativa. Alarico aguentou apenas um ano. Eu terminei o mandato sozinho, num segundo ano ainda mais cansativo, e deixei. (FERREIRA, 2017)

Carmélio sugere que seja escolhido alguém que vivencie o cotidiano atual das

redações, para que haja uma maior interação com os leitores no que diz respeito ao

atendimento ao público. Dado o hiato de 1994, o Correio da Paraíba retorna com a coluna de

ombudsman em 1995. Desta vez quem estava à frente do espaço era o jornalista Rubens

Nóbrega, convidado a retornar à redação do jornal para exercer a função. No entanto, o

jornalista não dura muito tempo na função. Segundo Carmélio Reynaldo, talvez a pressão que

o ambiente da redação incidia sobre Nóbrega tenha feito deixar a função. Para ele:

Vinha, com a atividade de ombudsman, um certo clima de desconforto. Havia uma frase que eu costumava usar: não ganhei inimigos, mas perdi amigos. Durante o tempo de ombudsman, isso aconteceu comigo. Jornalista não gosta de ser criticado.

45

Critica a tudo e a todos, mas ele não gosta de ser criticado. Então, de certa forma, isso pesou na minha decisão. Afinal, eu tinha de estar todo o tempo criticando: essa era a minha função. Eu me expus demais. (FERREIRA, 2017)

Isso deve ter influenciado nos anos subsequentes, que cessaram as críticas declaradas,

enterrando a história do ombudsman paraibano. Após esse hiato, surgem as primeiras

experiências no meio digital, já no século XXI. Já na primeira década, com a popularização da

internet, surgem os primeiros blogs, e junto com eles, a história do mediacriticism paraibano

tem seguimento.

Neste período apontamos duas experiências: o blog Parem as Máquinas, que era

mantido pela jornalista Cláudia Carvalho; e o blog Bucho Furado, de autoria anônima.

Enquanto a linha seguida por Cláudia Carvalho abordava questões relacionadas diretamente à

política e à mídia paraibana, assinando o espaço; as publicações anônimas do Bucho Furado

dariam conta das fofocas e do conteúdo mais sensacionalista, com ironias e bravatas

permeando toda a sua linguagem.

Era detectável certa parcialidade no conteúdo do blog Bucho Furado, o que fez com

que logo caísse no esquecimento e no descrédito. A coluna da jornalista Cláudia Carvalho,

posteriormente, foi englobada aos portais de notícias que ela passou a trabalhar, e assim

perdeu o mediacriticism presente no conteúdo que produzia de forma independente.

No interior do estado, informes entre reuniões de movimentos sociais e coletivos

comunitários e estudantis de comunicação dão conhecimento9 sobre o momento vivido pela

Articulação do Semiárido (ASA) que monta, a partir de um coletivo de comunicadores, uma

organização para observar violações de Direitos Humanos na região do Seridó (Rio Grande do

Norte e Paraíba), e assim nasce, na segunda década deste século, uma nova geração de crítica

de mídia no estado: a era dos observatórios.

Nesta segunda década, além da iniciativa da ASA, que se torna uma experiência

regional, e particular, por compreender regiões geográficas de dois estados; temos, a

publicação de Azevêdo Filho (2011), intitulada: Implantação do Observatório dos Direitos

Humanos no jornalismo impresso paraibano, demarcando o eixo dos direitos humanos como

central para o exercício da crítica jornalística neste novo momento. A partir do Departamento

9 Participamos de reuniões presenciais em 2008, na qualidade de membro do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal da Paraíba (DCE-UFPB), em que os informes de tais pautas foram circuladas entre os Centros e Diretórios Acadêmicos, além de contar também com militantes dos movimentos sociais e populares. As reuniões aconteceram predominantemente na sede social do DCE-UFPB, no campus I, em João Pessoa, capital do estado.

46

de Habilitações Pedagógicas, no Centro de Educação da UFPB, surge o projeto Cinestésico,

coordenado pela professora Virgínia Barreto, que propõe um olhar crítico sobre a produção

audiovisual, e começa a ganhar forma.

Nesta nova fase é percebido um retorno aos espaços acadêmicos para exercer a crítica

nas linguagens midiáticas. Entre os comunicadores da ASA, muitos eram estudantes; Carlos

Azevêdo Filho era professor da UFPB; e a professora idealizadora do Cinestésico, Virgínia Sá

Barreto, também do ambiente acadêmico. Ao mesmo tempo, a academia tenta dialogar

diretamente com a população, através da presença em escolas e comunidades da capital

paraibana. Azêvedo Filho (2011) chega a comentar sobre a criação de uma rede nacional de

observatórios:

De fato, o processo de media watching 10no Brasil vem ganhando corpo justamente com a troca de experiências entre o meio acadêmico e profissional, ambos preocupados em construir um sistema de mídia que tenha nos valores democráticos. Assim, foi criada a RENOI (Rede Nacional de Observatórios da Imprensa) que tem como objetivos principais congregar experiências das mais variadas matizes possíveis. (AZEVÊDO FILHO, 2011, p. 3)

É neste momento histórico, entre o fim da primeira e o início da segunda década do

século XXI, que um projeto de um grupo de estudantes de Comunicação Social da UFPB

inicia suas primeiras pesquisas em mídia, amparado num nome sugestivo: Observatório da

Mídia Paraibana.

4.2 O OBSERVATÓRIO DA MÍDIA PARAIBANA

4.2.1 Histórico

O Observatório da Mídia Paraibana dá início às suas atividades entre o fim de 2009 e

início de 2010, durante o semestre letivo de 2009.2 da UFPB. O projeto surge da intuição de

estudantes que, trabalhando em projetos diferentes, decidem pesquisar e debater sob uma

perspectiva crítica o que acontecia na mídia paraibana, em especial.

Os projetos que inspiraram partiam de duas frentes: por um lado, o MidiAtiva, que era

um grupo de estudos sobre mídia que era coordenado pelo professor Romero Venâncio. De

10 Expressão inglesa que designa a atividade de observar a analisar a mídia em geral.

47

outro, o projeto Cinestésico, coordenado pela professora Virgínia Barreto, que abordava o

audiovisual, também embasado numa teoria crítica. Num terceiro espaço, que era a monitoria

da disciplina de Telejornalismo, Janaíne Aires e Maria Silva, então bolsistas, se deparam com

uma ausência de acervo para a aplicação da disciplina, que, em sua ementa, envolvia práticas

experimentais de telejornalismo. Na pesquisa para a formação do material a ser apresentado

durante a disciplina nasceu a ideia do Observatório.

O professor Wilfredo Maldonado, que ministrava a disciplina de telejornalismo na

época, foi o primeiro a ver o projeto das alunas. Ele, que precisava montar o material para a

disciplina, incumbiu as monitoras de fazerem uma pesquisa sobre a história do telejornalismo

paraibano, e quando as alunas vislumbraram a vastidão desse material, decidiram utilizar o

que haviam debatido no MidiAtiva e no Cinestésico.

Para além disso, as alunas eram militantes do movimento estudantil. Faziam parte de

um coletivo de estudantes de comunicação, chamado COMjunto. O coletivo era responsável

por trazer as pautas da Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social (ENECOS)

para a UFPB. A Democratização da Comunicação (entendendo o direito a se comunicar como

um Direito Humano) era a grande bandeira de luta empreendida pelo coletivo, que já havia

realizado ações e atividades sobre o tema.

Com o incentivo do professor Maldonado, as alunas usaram o que haviam aprendido

nos projetos Cinestésico e MidiAtiva, para realizar a pesquisa do material para a disciplina de

Telejornalismo, e assim, produzir um material de teor crítico, relacionado aos fatos históricos

que encontravam no acervo do telejornalismo paraibano. Assim, germinava a ideia do

Observatório.

No início do projeto, o intuito era uma produção periódica, com reuniões semanais,

com apreciação de conteúdo; e publicações quinzenais num blog que daria vazão aos textos e

ações do projeto. Segundo Janaine Aires11, hoje coordenadora geral do Observatório (2017):

No começo pensamos em fazer uma coisa periódica, e quinzenalmente inserir textos lá. Então fazíamos encontros e reuniões semanais. Lembro que eram às segundas

11 Janaine Sibelle Freires Aires é Doutoranda do Programa de Pós-graduação Comunicação e Cultura da

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre pela mesma instituição. Graduada em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba. Integra o Peic - Grupo de Pesquisa Políticas e

Economia da Informação e da Comunicação e o Projeto Cinestésico - Cinema e Educação/UFPB.

Concentra-se no debate entre a Comunicação e Política, televisão e estruturas dos meios. Pesquisa especialmente a questão do Coronelismo Eletrônico e da mídia regional, analisando programas

sensacionalistas e sua relação com a esfera política.

48

feiras e fazíamos leituras de textos, e a partir das leituras desenvolvíamos maneiras de comentar ou debater e desenvolver. (AIRES, 2017)12

Entretanto, logo os integrantes do projeto notaram certa dificuldade nessa produção de

conteúdo, tendo em vista que se prezava por um processo de pesquisa e evolução de um

pensamento crítico. Aires relata:

Tínhamos todo um processo de pesquisa, maturação de ideia e debate que não combinava muito com essa ideia de periodicidade, e fomos, na época, muito cobrados em torno disso. Para se ter uma ideia do teor dessa cobrança, as pessoas cobravam muito um posicionamento do Observatório em coisas mais extremas [...] (AIRES, 2017)

Sendo assim, o Observatório optou por flexibilizar essa periodicidade. Passou a

publicar de forma mais pontual, enquanto se encarregava de uma outra estratégia: como usar o

que construíam numa transformação social? Foi aí que a produção de conteúdo crítico feita

pelo Observatório que levou o evento Semana Pela Democratização da Comunicação: uma

pesquisa sobre donos de veículos de mídia, sob uma perspectiva de coronelismo eletrônico,

inspirou a primeira edição do evento, em 2006. A Semana pela Democratização da

Comunicação passaria a fazer parte do calendário de ações destes grupos a partir de 2008.

A outra produção do Observatório, em sua linha histórica, é o Simpósio de Pesquisa

em Mídia Paraibana, que teve sua primeira edição em maio de 2015. O evento trouxe como

tema “Origens e perspectivas” e reuniu dezenas de pesquisadores sobre a mídia local. Foi um

marco histórico, se levarmos em conta que não havia antes acontecido um evento que

proporcionasse a articulação de pesquisadores sobre a mídia paraibana. A segunda edição do

simpósio aconteceu em junho de 2016, dando seguimento ao debate sobre a mídia, mas sob

uma nova ótica: sua relação com a cidade. É interessante mencionar que ambos simpósios

permitiram a reunião de textos e o surgimento de livros, lançados pela Editora Xeroca!,

contendo as publicações dos pesquisadores. Segundo Aires (2017):

Também tivemos dois trabalhos que foram reunidos após os Simpósios de Pesquisa em Mídia Paraibana, que é uma ação também desenvolvida pelo Observatório, servindo como um momento onde os pesquisadores se reúnem em dois dias, em dois anos diferentes, cerca de quarenta pesquisadores, entre eles estudantes de graduação,

12 Entrevista concedida por AIRES, Janaine Sibelle Freires. Entrevista com Janaine Sibelle Freires Aires. [mar. 2017]. Entrevistador: João Jales. Arquivo em MP3 (01h06‟57”). A entrevista transcrita

encontra-se no apêndice.

49

professores e interessados em pesquisar na área. Esses momentos serviram como um momento de intercâmbio entre esses atores que debatem e pesquisam a mídia no estado. (AIRES, 2017)

O Observatório segue com seu blog, com uma página no Facebook (desde 2011) e

quatro livros da coleção “Assanha o Formigueiro”, editados pela Editora Xeroca.

4.2.2 Objetivos

Os objetivos do Observatório da Mídia Paraibana são bem delineados e delimitados:

está exposto nas descrições de seu blog, para amplo acesso e conhecimento de seu público.

No geral, o Observatório se dedica a um estudo constante sobre a mídia paraibana,

envolvendo um processo de problematização em cima de sua produção e abordagens

discursivas estratégicas, que resultam do exercício da construção de sentidos na sucessão de

acontecimentos socioculturais.

Especificamente, o Observatório enumera seis objetivos que corroboram para sua

finalidade principal: a manutenção de um blog para compartilhar as reflexões geradas pelas

discussões do projeto; a identificação de traços característicos da imprensa paraibana; o

levantamento de dados das realidades política e econômica dos veículos de comunicação

paraibanos; o estímulo a interdisciplinaridade de saberes através da promoção de temas da

imprensa debatendo com as ciências humanas; a construção de espaços de reflexão e debate

sobre produção midiática, buscando um envolvimento com o público espectador; e a atuação

como instrumento pedagógico nos diversos níveis de ensino, na perspectiva de um fomento à

leitura crítica da mídia no estado (SITE, 2017).

4.2.3 Estrutura e Clima Organizacional

Quando nos debruçamos nos aspectos estruturais e climáticos do Observatório nos

deparamos com um modelo em construção, em transformação, em aprimoramento. O

Observatório nasceu enquanto um projeto de estudantes da UFPB, e hoje é dirigido por

profissionais e pesquisadores, mestres e doutorandos. Neste salto de qualificação de seus

dirigentes contamos também com a qualificação do projeto.

50

É de consenso de seus integrantes que a estrutura do Observatório é horizontal. Ou

seja, os integrantes da organização possuem grande flexibilidade para exercer seus papéis

dentro do esboço estrutural do projeto, entretanto, há um incontestável referencial à figura de

Janaine Aires.

Alves (2017) destaca o protagonismo exercido por Janaine Aires enquanto

coordenadora do Observatório. Para ele:

Vejo a organização com uma cabeça. Sem dúvida, Janaíne Aires é essa cabeça. Como ela ta diretamente pesquisando constantemente sobre mídia paraibana, com um material extenso e pesado, onde ela aborda do litoral ao alto sertão paraibano, fazendo pesquisas bem mais abrangentes. [...] Janaíne tem mais pensamentos e idéias para tocar, e tem mais essa coisa toda, logo, ela é a cabeça do Observatório. (ALVES, 2017)

Por outro lado, Aires divide a responsabilidade da direção com os membros da

organização. Para ela, a horizontalidade no processo editorial e decisório do Observatório dá a

tônica que o projeto pretende seguir:

Começamos e continuamos muito marcados pela horizontalidade, então a denominação de Coordenadora do Observatório foi muito difícil, mesmo estando no Observatório desde 2010 no projeto e fazendo a maior parte dos textos e mobilizando uma certa quantidade de pessoas. Tive dificuldade de me chamar de coordenadora, e logo isso transparece um pouco de como vemos a nossa estrutura. Não há uma posição muito definida no sentido de “quem é o quê” dentro do

Observatório, e como desenvolvemos o Observatório em paralelo a vários outros projetos, acabamos por centralizar a maioria das coisas em torno de minha pessoa, mas não que eu seja a “suprema líder” da coisa toda. (AIRES, 2017)

Com um número de integrantes que oscila de acordo com as demandas que chegam

aos espaços decisórios, o Observatório possui um grupo que pode chegar a ter uma dúzia de

pesquisadores em atividade, e ainda assim não prejudicar a sua tomada de decisões sobre

escrever sobre um assunto, e não sobre outro. Para a pesquisadora não há “(...) um papel

específico de „quem manda no quê‟ ou algo do tipo. Se temos demandas de pesquisa para

desenvolver, encontramos alguma maneira de interagir e nos organizamos para agir” (AIRES,

2017)

Alguns nomes figuram mais tempo e mais vezes, por disponibilidade dessas pessoas.

Entretanto, não há exclusão de quadros no Observatório. Segundo Aires (2017), há espaço

para novos integrantes, e o que falta é apenas a apresentação deles e a disposição em

pesquisar sobre a mídia paraibana. Aires confirma este intuito quando afirma que tem

51

“trabalhado com algumas pessoas que voluntariamente quiseram fazer parte do observatório,

e se você está disposto a pesquisar alguma coisa e sente-se à vontade para juntar a esse

projeto, então você já faz parte do Observatório.” (AIRES, 2017)

Nos últimos tempos o Observatório tem ponderado sobre uma reorganização

institucional: pensando em formatos e estruturas, a organização que se ainda se identifica

como um projeto em diversos momentos tem avaliado transformar-se em associação. Há

ainda a questão do registro no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq), que só pode ser concretizada quando o projeto possuir um professor(a)

Doutor(a) para geri-lo. Aires (2017) relata:

Não sei se deixamos propriamente de ser um projeto de pesquisa, e se podemos nos considerar uma organização, talvez porque não nos coloquemos estruturados de uma certa maneira que possa identificar ou classificar assim, mas vejo que precisamos aprimorar isso. Por mais interessante que haja essa horizontalidade, que tenha papéis tão bem definidos, no final das contas é um pouco necessário que estabeleçamos essa definição de organização, compreende?! Aí não sabemos como faremos isso exatamente: se nos registraremos enquanto uma associação ou se nos registraremos apenas enquanto um projeto de pesquisa. É uma parte do projeto que ainda não está definida, e esperamos resolver isso o mais rápido possível. (AIRES, 2017)

Atualmente podemos afirmar que o Observatório possui sete integrantes orgânicos:

Janaíne Aires, Carlos Edmário, Jocélio Oliveira, Elane Gomes, Dérika Virgulino, Virgínia

Barreto e Simão Martins. Há ainda, como relatado anteriormente, alguns pesquisadores que

se juntam ao projeto para apoiar ou executar um estudo sobre determinado assunto; ou que

ainda chegam ao Observatório com a demanda de um estudo, e pede auxílio na pesquisa do

assunto.

4.2.4 Canais, ações e produtos

Os canais mantidos pelo Observatório são dois: o blog da organização

(<observatoriodamidiapb.com.br>) , que serve de vitrine para publicar sobre as pesquisas

desempenhadas pelos integrantes do Observatório, bem como seus parceiros.

52

Figura 1 - Site do Observatório da Mídia Paraibana

Fonte: observatoriodamidiapb.com.br

Há também uma página no Facebook (fb.com/ObservatorioDaMidiaParaibana), ativa

desde 2011, onde o Observatório estreita a comunicação com seu público, servindo como uma

espécie de “canal de atendimento ao consumidor” nas mídias sociais, para além dos

comentários no blog.

Figura 2 - Página do Observatório da Mídia Paraibana no Facebook.

Fonte: Facebook

53

O Observatório desenvolve ações lúdicas, pedagógicas e formativas desde a sua

fundação. Entre suas ações, podemos citar as Semanas pela Democratização da Comunicação,

que trouxeram variados temas debatendo em torno dos meios de comunicação; as oficinas

ministradas em escolas, que levavam uma perspectiva crítica sobre os meios midiáticos para

os debates em salas de aula; o intercâmbio e a reverberação de pesquisas sobre mídia

executadas por outros grupos e entidades; e os Simpósios de Pesquisa em Mídia Paraibana,

reunindo pesquisadores de mídia para um momento de apresentação de seus estudos.

Figura 3 - Cartaz do II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, organizado pelo

Observatório da Mídia Paraibana

Fonte: observatoriodamidiapb.com.br

Entre os produtos, a crítica está presente nos seus mais variados modos: os eventos realizados,

as publicações de seu blog, suas intervenções dentro das mídias sociais, a articulação entre os

pesquisadores da área e os livros publicados pela série Assanha o Formigueiro, editada pela

editora Xeroca.

54

Figura 4 - Capa do livro “Mídia paraibana – origens e perspectivas”, organizado

pelo Observatório da Mídia Paraibana

Fonte: observatoriodamidiapb.com.br

Esse conjunto de produtos está intrinsecamente ligado à razão de existir o

Observatório, num aprimoramento acadêmico que é acompanhado pela formação dos seus

integrantes: à medida que seus integrantes desenvolvem novas pesquisas e obtêm novas

titulações, utilizam de seus conhecimentos adquiridos para aperfeiçoamento do Observatório

enquanto organização/projeto.

4.2.5 Financiamento

O financiamento do Observatório é uma questão estratégica na sua razão de existir: a

busca por uma crítica de mídia qualificada os afastou da iniciativa privada. Os profissionais

inseridos nas empresas de comunicação seguem dois caminhos estéreis. Um é quando não

possuem a autonomia que precisam para exercer a crítica, possuem seus textos editados e

censurados pela diretoria do jornal e se tornam meros “bajuladores e adornadores”

(FERREIRA, 2017). O outro caminho trata da crítica “cega”, distante de uma

contextualização, que se torna um eco vazio de conteúdo, a tal “crítica pela crítica”,

impregnada de contenda e escassa de lucidez profissional.

Há uma percepção de que a crítica é necessária, mas há pouca disposição e um

ambiente inóspito para sua produção. Sobre o ambiente mercadológico, Aires (2017) fala:

55

Também falamos de um ambiente para produção de crítica de mídia muito complicado: temos um espaço mercadológico muito pequeno, e que nisso há uma relação e uma estratégia sensíveis, diferentes. Quando começamos, o que mais falavam era “vocês vão ficar sem emprego”, “vocês são loucas”, “nunca vão

conseguir emprego em lugar nenhum”. Isso, para mim, é muito forte: você falar que

alguém, em algum dia, escreveu uma crítica midiática, e que, por isso, não conseguirá trabalhar, dada uma suposta “inabilidade” sugerida por quem trabalha no

meio. Isso é muito forte: você perceber o fazer do comunicador desta maneira tão estéril, não sendo capaz de olhar criticamente para o ambiente que você vai trabalhar. Isso exigiu da gente muito dessa organização. Isso refletiu muito nesse modelo horizontal, porque são poucas pessoas que se dedicam a fazer isso. Muitas pessoas se interessaram, elogiaram o trabalho, participaram dos grupos de estudo, mas decidiram não seguir porque tinham receio de ficar sem um lugar para trabalhar. (AIRES, 2017)

No trecho de depoimento acima percebemos o quanto o mercado é determinante para

que não haja profissionais exercendo mediacriticism na Paraíba, pois os interesses

econômicos e políticos dos anunciantes e proprietários dos veículos de comunicação tornam a

produção e o pensamento crítico estéreis dentro das redações.

Diante disso, o financiamento do Observatório tornou-se incerto. Então Carlos

Edmário, Relações Públicas que faz parte da organização, busca estabelecer diálogos no

intuito de garantir financiamento das ações da organização. Sobre as dificuldades de interagir

com o mercado, ele afirma:

Ainda assim, me pergunto: quem me contrataria, nessa ferocidade do mercado, como assessor, sabendo do que eu já fiz, das críticas que publiquei, e dos projetos que participo ou participei? Para além da pesquisa, fui professor no ensino básico. Eu trabalhava com adolescentes e crianças sobre vários temas envolvendo diretamente a mídia. Ao tempo todo eu criticava esses grandes grupos midiáticos, então quando você começa a lidar com a coisa você sente o mercado afunilando. O mercado é isso: precisa de alguém que vai falar com ele e redija o que ele está pensando. (...) Em algum momento da sua assessoria, a editora vai cortar eventualmente alguma coisa. Ou você fazendo a crítica a um anunciante de um grande meio, e de repente surge a ligação na redação questionando a crítica publicada. E aí, o que você imagina? O que você faz? Já vê que quem paga primeiro é o corpo que escreveu aquilo, e não o jornal. Sempre vai sobrar para quem escreveu aquela crítica, seja um Relações Públicas ou um jornalista. (ALVES, 2017)

Se o mercado segue afunilando as expectativas financeiras do Observatório, a opção

por disputa de editais públicos e parcerias com sindicatos e organizações do terceiro setor

mostram-se como alternativa para a sobrevivência do projeto. A busca por esses editais e

parcerias é, sobretudo, um caminho traçado nos princípios éticos e morais dos integrantes do

Observatório. Sobre estes princípios, Alves (2017) comenta:

Às vezes nos deparamos com desafios éticos e morais que não deixam a assessoria acontecer. É importante saber identificá-los. Deve ser por isso que trabalhei pouco com assessorias que lidavam diretamente com figuras políticas, ou de um jornal.

56

Quando você sai da academia para o mercado, você já sai visado, então, se você fez a crítica, já te conhecem. Isso é uma faca de dois gumes: vai te distanciar de grande parte do mercado, mas te abre possibilidades para experiências como a do Observatório. É o primeiro grande desafio moral e ético. (ALVES, 2017)

Outro momento que vislumbramos é o jogo de interesses por parte dos grupos

políticos, que mantêm relações íntimas com donos de veículos de comunicação, quando não é

o próprio político o dono do veículo. Não há um comprometimento com o sentido público que

o jornalismo deve ter. Alexandre Souza13 tem uma posição sobre essa relação nociva ao

ambiente da Comunicação. Souza (2017) diz:

Hoje os recursos públicos financiam grande parte dos sistemas de comunicação locais, financiam as agências de publicidade e propaganda, gráficas, produtoras audiovisuais, e aportam recursos para uma comunicação baseada em releases e roteiros propagandistas, sem esse caráter e sem esse compromisso público. Se diz que é uma prestação de contas, mas o próprio teor da linguagem u tilizada vem para enaltecer o gestor, numa linguagem mais enviesada. E veja bem: tudo isso como recurso público, que é o recurso que mais financia a mídia local. Hoje é muito difícil um portal, um jornal, uma TV, uma rádio se manter sem a verba publicitária de algum governo. Isso acaba gerando uma grande guerra de interesses: você tem, de um lado, um grupo político à frente do governo do estado, e esse grupo possui sua lista de “empreendimentos atendidos”. Há outro grupo político à frente da prefeitura

da capital, e esse grupo também possui outros “empreendimentos atendidos”. E na

verdade, acaba virando uma guerra de coronéis: coronéis midiáticos, coronéis políticos, coronéis econômicos do estado, tudo aquilo ali, muito imbricado. (SOUZA, 2017)14

E estando as questões morais e éticas e o financiamento da organização intimamente

ligados, seus próprios integrantes o financiam de maneira independente. Dada a insuficiência

de recursos, o Observatório ainda tem realizado suas ações com parceiros, sendo em sua

grande maioria instituições públicas, mas tendo alguns sindicatos e organizações do terceiro

setor. Entre essas organizações, podemos citar Ministério Público Federal e Estadual,

Secretaria de Estado da Cultura, Funarte, Sindicato dos Jornalistas, Associação Paraibana de

Imprensa e Universidade Federal da Paraíba. Estes parceiros garantem, eventualmente,

recursos necessários para garantir certa estrutura e logística em ações e eventos do

Observatório. Quanto a este auxílio, podemos citar como exemplo a liberação de espaços,

13 Jornalista e produtor cultural. Graduado em Comunicação Social (Rádio e TV) pela Universidade Federal da Paraíba. Mestrando no Programa de Pós Graduação em Sociologia da UFPB, na linha de pesquisa Cultura e Sociabilidades. Membro do Conselho Fiscal da Editora Xeroca, membro do Observatório de Políticas Culturais da UFPB e pesquisador na área de financiamento de cultura e mídia. 14 Entrevista concedida por SOUZA, Alexandre Arantes Santos. Entrevista com Alexandre Arantes Santos de Souza. [abr. 2017]. Entrevistador: João Jales. Arquivo em MP3 (49‟40”). A entrevista

transcrita encontra-se no apêndice.

57

equipamentos e estrutura física; a compra de passagens para palestrantes, debatedores e

organizadores dos eventos; além da própria obtenção de recursos por meio dos editais dos

órgãos públicos, como o Ministério da Cultura e o Fundo de Incentivo à Cultura Augusto dos

Anjos. Sobre os editais de financiamento, Souza comenta:

Mas qual o financiamento que se existe hoje para mídia independente, hein?! Há tempos houve, através do Ministério da Cultura, o edital Pontos de Mídia Livre. Foi uma experiência fantástica onde o ministério incentivou projetos em comunicação que já existiam – revistas, agências, rádios, TVs comunitárias, e proporcionou a criação de conteúdos, além da articulação de uma rede, como era o Fórum de Mídia Livre. Tive a oportunidade de participar dos encontros do Fórum de Mídia Livre em Belém (PA) e Vitória (ES), e desde aquela época o gargalo que se tinha era pensar essa questão de sustentabilidade para além do edital e da política pública, que poderiam ser passageiros, como de fato o foram. O financiamento da mídia independente é uma lacuna imensa da qual ainda não conseguimos preencher. Como constituir um fundo para mídia independente no Brasil? Como constituir um fundo para mídia comunitária no Brasil? Como não ficar dependendo e estar produzindo notícias e reportagens investigativas, produzindo comunicação financiada. Sabemos que a comunicação precisa de um financiamento: não dá pra você colocar um repórter na rua sem remunerar uma equipe. E se for uma reportagem extensa, densa , ele precisar de um mês para desenvolver? Ele precisa ser remunerado. Não dá para colocar a mídia independente na rua, produzindo conteúdo, sem financiamento. Esse é um desafio que a gente ainda não venceu, e só vai se avançar nisso na (re)construção de uma rede, hoje, dessas iniciativas de mídia independente no Brasil. (SOUZA, 2017)

Outras maneiras vêm sido pensadas no intuito de garantir financiamento à

organização. Com a expectativa de chegar a outro patamar, o Observatório da Mídia

Paraibana anda ponderando sobre dispor de uma conta bancária para doações, publicizando-a

no seu blog, como mais uma forma de captação de recursos; entretanto este ponto tem

merecido certo amadurecimento por parte das decisões da organização, que se vê cada vez

mais inclinada a consolidar sua institucionalização.

A questão da transparência sobre esta conta bancária merece, segundo os integrantes

do Observatório, muito cuidado: seria mais uma demanda para a organização, que agora teria

de lidar com atribuições de um departamento financeiro para prestar contas e tornar

transparente os gastos e receitas do Observatório. Não que haja alguma desconfiança entre os

membros da organização, mas por que será mais um trabalho a ser feito por um grupo que já

não é muito grande. Isso, por si só, já representa mais um percalço no caminho para uma

possível institucionalização.

58

5 INTERESSE PÚBLICO, OPINIÃO PÚBLICA E O OBSERVATÓRIO DA MÍDIA

PARAIBANA

Quando nos debruçamos nos estudos sobre interesse público buscando uma percepção

crítica da comunicação, esperamos encontrar vestígios de desinformação, invisibilidade e

manipulação de várias maneiras. A opinião pública não necessariamente é a opinião

publicada, e isso acarreta uma série de desdobramentos na contextualização dos ambientes

midiáticos.

Para esta etapa do estudo, continuamos delimitando a pesquisa num caráter

qualitativo, em torno das entrevistas com pessoas que pudessem depor sobre a temática

abordada. Descreveremos e explicaremos a relação entre a ideia de interesse público que o

Observatório da Mídia Paraibana possui, e como se dá sua relação com a opinião pública

local.

Mantivemos como amostragem os profissionais da área, em dois grupos: os membros

do Observatório, e membros externos ao Observatório. Mantivemos a entrevista com

perguntas semiabertas, que davam certa flexibilidade para os entrevistados; e uma lista de

perguntas de seis e oito perguntas, variando de acordo com o tema a ser abordado, e ao

indivíduo que respondia ao questionário. A observação do cotidiano dos entrevistados foi

mantida, no intuito de atestar a idoneidade de suas pessoas enquanto profissionais e

referenciar seus depoimentos.

Foram realizadas entrevistas com membros do Observatório da Mídia paraibana, com

professores, com críticos de mídia e com um pesquisador sobre políticas de financiamento da

mídia na Paraíba e no Brasil.

Quanto ao cenário paraibano, podemos perceber, por parte do Observatório, um

conjunto de critérios e objetivos que norteiam suas percepções do conceito de interesse

público. Esses critérios são adotados por todos os integrantes da organização, mas estão

sujeitos à interpretação individual de cada um que compõe o projeto.

Esses critérios legitimam a referência do observatório como organização, além do

reconhecimento do conteúdo que é produzido, que é um potencial material formador de

opinião pública.

59

5.1 SERIA O OBSERVATÓRIO DA MÍDIA PARAIBANA ACCOUNTABLE?

A primeira questão a ser levantada é quanto à relevância do Observatório da Mídia

Paraibana ao ambiente em que ele atua. Sendo o conceito de accountability o determinante

para definirmos a qualidade desta organização/projeto enquanto objeto de pesquisa.

Inicialmente os conceitos de accountability eram ligados à administração e gestão, e

mais especificamente, ao setor público. Entretanto, com o passar dos anos e as transformações

culturais e sociais, o conceito começou a ser englobado pelos outros setores produtivos

(iniciativa privada e terceiro setor), e extrapolou o sentido técnico ligado à administração,

demandando elementos mais “perceptivos” e “humanistas”, para ser abordado, por exemplo,

pelas relações públicas.

No campo da Comunicação, mais precisamente nas relações públicas, elencamos a

classificação de accountable à organização que preste contas não só “financeiramente”, mas

também “socialmente”, refletindo sobre seu impacto no ambiente em que ela se insere.

Do ponto de vista financeiro, o financiamento independente dificulta uma série de

operações, mas legitima a qualidade do material produzido pelo Observatório, utilizando o

blog como canal principal e a editora Xeroca como um parceira editorial. Souza (2017)

afirma:

Primeiro, não é uma proposta comercial: ela parte de um ponto de vista da difusão do conhecimento (...) A questão do financiamento independente está mu ito ligado ao próprio autor do livro, que aciona a Xeroca, e percebe que tem uma afinidade com o seu trabalho, geralmente trabalhos que promovem a crítica de mídia e a crítica à mídia. Então o autor investe, e o que se arrecada da venda desta pequena tirag em é dividido entre autor e editora, na perspectiva que a parte da editora possa ajudar a financiar publicações seguintes. É um trabalho “de guerrilha”, por assim dizer:

pensar, elaborar e produzir a mídia, e colocar esse conteúdo para circular pelo mundo. No caso da coleção “Assanha o formigueiro”, especificamente mantida com

o Observatório, as receitas das publicações ajudam no financiamento de obras específicas desta coleção, podendo ou não ser do mesmo autor da obra que foi publicada anteriormente, proporcionando o financiamento da seguinte. (SOUZA, 2017)

Do ponto de vista “social”, percebemos também reconhecimento por parte de seus

públicos. Seus leitores e parceiros percebem o Observatório como um espaço importante para

o desenvolvimento da atividade que exerce, e sua existência é fundamental para garantir a

sobrevivência do debate ao qual tanto ele como outras organizações se propõem. Souza

afirma, sobre essa relação sobre o prisma social:

60

(...) apesar de um alcance limitado (no sentido de que ele atinge muito mais um público que pesquisa e critica a comunicação, do que propriamente de um público que consome a comunicação), ela é bastante significativa, no sentido que as pessoas percebem um trabalho sério e engajado, pelo histórico. Sabem que seus integrantes são pessoas que trabalham na comunicação há um certo tempo, com um percurso longo no debate da democratização da comunicação na Paraíba. Para esse público, que é o público primeiro do Observatório, assim como também é o público primeiro da Xeroca, há um reconhecimento da importância deste trabalho. Porque há um trabalho real de percepção, observação, monitoramento, de elaboração da crítica, e há poucos espaços assim. (SOUZA, 2017)

Neste ponto, em especial, notamos que o público leitor do Observatório começa a se

delimitar não é essencialmente a grande parte da população, mas uma parcela que pesquisa

sobre mídia e comunicação. Ferreira (2017) também atenta para essa restrição de público,

quando fala que “o problema do Observatório é o problema de todo mundo que tenta fazer um

contraponto com a grande mídia. É um trabalho de conscientização extremamente válido, mas

em termos de repercussão é muito curta.” (FERREIRA, 2017). Apesar de registrar a validade

e a importância do trabalho, lamenta a escassez de um público massivo.

Mas se pensamos os públicos do Observatório, não há outra opção a priorizar que não

sejam os estudiosos, apesar das ações da organização, que buscam sempre transpor os limites

da academia. Segundo Alves (2017):

As leituras e as críticas surgem a partir das pessoas que o leem. A partir do momento que você segue nossas publicações, você mostra um certo discernimento e isso vem pra afirmar e firmar o que ela tem pensado, e ocasionalmente publica em seus perfis nas mídias sociais (...) (ALVES, 2017)

Ferreira (2017) lembra do esforço do Observatório reconhecido entre os profissionais

da comunicação que consomem suas produções, mas, no entanto não se sentem ambientados

para exercer qualquer postura crítica em seus locais de trabalho. Para ele, “ir contra esse senso

comum é um árduo, porém necessário, trabalho a ser desempenhado. Não temos ainda canais

suficientes para uma abertura ao diálogo sobre esses assuntos, apesar dessa luta do pessoal do

Observatório” (FERREIRA, 2017).

Em suma, apesar das dificuldades em atingir um maior público e de uma política

financeira independente, o material que é publicado pelo Observatório da Mídia Paraibana é

de fundamental importância para a existência do mediacriticism no estado. Sendo assim, o

Observatório é reconhecido pelo que se propõe a fazer, e pela postura tomada enquanto

organização/projeto. Souza (2017) destaca este reconhecimento frente à importantes

instituições:

61

Essa crítica à mídia paraibana leva o Observatório a ser requisitado em certos espaços, pois existe uma percepção de que o Observatório é um ambiente em que as pessoas estão produzindo uma reflexão sobre a mídia. Então o Observatório já compôs espaços junto ao Ministério Público (MP), à própria UFPB, assim como também provocou a UFPB, e provocou o MP e outras entidades a convergir para um debate sobre midia: seja pelos muitos abusos diários e cotidianos que acontecem na Paraíba, seja pelo junto do debate de mídia como um todo. (SOUZA, 2017)

Ora, nesta afirmação encontramos a legitimidade tanto social quanto financeira dada

ao Observatório da Mídia Paraibana, pois tratamos de importantes instituições públicas, que

prezam muito pelas relações que desenvolvem com outras entidades.

5.2 INTERESSE PÚBLICO SEGUNDO O OBSERVATÓRIO DA MÍDIA PARAIBANA

O interesse público, apesar de sua conceituação viver no plano das idéias, possui

aplicações materializadas presentes em ações, atitudes e posturas tomadas pelos agentes que

tratarão disso. Para o Observatório, a classificação de um assunto quanto a ele ser de interesse

público ou não é balizada diretamente em seus objetivos. Segundo Alves (2017):

Para nós, agir de acordo com interesse público é dar voz ao outro lado, negligenciado e silenciado pela grande mídia. Há um certo tipo de ideologia capitalista, unicamente como uma economia e política da informação e comunicação muito pesada. Sabemos quem são os donos da mídia, e os interesses são privados. Observatório vem para criar essa via de escape e fazer pesquisas que não veríamos na mídia tradicional. (ALVES, 2017)

Quando o Observatório denuncia essa lógica presente na sociedade, onde predomina

uma economia da comunicação e da informação, e a política se resume aos jogos de interesses

de particulares e grupos detentores de meios de influenciar a opinião pública, fundamenta e

distingue o seu conceito de interesse público. O distancia da natureza mercadológica que

impera no ambiente, e busca aproximar-se de uma lógica onde a informação é abordada sobre

um viés de cidadania e esclarecimento.

É importante lembrar que tudo interessa ao Observatório: diferentes temáticas e

perspectivas são provocadas e encorajadas, no intuito de enriquecer o debate e contribuir na

formação de uma opinião pública qualificada. Para Aires (2017):

Tudo que é produzido pela mídia, seja ela impressa, rádio, TV, ou mesmo internet, é de interesse público, porque é informação, e se é informação, deve ser pública. Acredito que o princípio básico é o que levamos em consideração, logo tudo aquilo

62

que é produzido, veiculado e/ou circula nos veículos na cidade, na Paraíba ou no Brasil como um todo, em termos de informação, é de interesse público. (AIRES, 2017)

Entretanto, é importante lembrar que existe a necessidade daquilo se fazer

comunicado, para que possa estar na seara de ser considerado de interesse público ou não.

Aires destaca que

Tentamos pensar a nossa concepção a partir dessas considerações: o que seria fundamental para entendermos por que falamos de uma determinada maneira, e por que nos observamos de uma determinada maneira. É uma ideia mais ampla do que seria interesse público. (AIRES, 2017)

Quando tentamos entender os conceitos adotados pelo Observatório, notamos que

existe a necessidade de ampliar o contexto sobre o que é ou não de interesse público, na

tentativa de atender um público maior, dotado de conceitos diversos, e com perspectivas e

noções sobre cidadania tão diversas quanto. Alves (2017) afirma que:

Para nós, enfim, é de interesse público atingir outras camadas que normalmente não seriam atingidas pela produção a que temos acesso e que temos trabalhado, dando voz a quem não consegue ser ouvido, ou de onde não há mais crítica a se fazer de onde está. É importante que as pessoas tem começado a repensar isso, essa relação em ter de aparecer com a cara no jornal. Isso já tem acontecido. Então, o nosso conceito envolve uma certa amplitude de contextos, apesar de saber o que realmente nos interessa publicar. Por exemplo, não há interesse de publicarmos nenhum material com fotos violentas, como acontece com as imagens do jorna lismo policialesco. Existe uma série de questões: o direito de imagem, o respeito às falas, outros lados das opiniões, enfim, vias de comunicação dupla, que vão e que vêm. (ALVES, 2017)

Ainda assim, é difícil assimilar um significado mais palpável à expressão “interesse

público”, de acordo com os membros do Observatório. Este conceito é percebido de uma

maneira mais ampla, na tentativa de estimular um debate sobre a comunicação junto aos seus

públicos. É um conteúdo impregnado de interesse público, mas ao mesmo tempo é

pedagógico, elucidativo, legitimante: busca a emancipação do pensamento crítico do

indivíduo que o consome. Segundo Aires (2017):

[...] estamos falando de um tabu: a comunicação é um tabu, é um problema você estar disposto a debater comunicação. Por isso a dificuldade de definir o que é de interesse público: porque precisamos decidir formas e maneiras de pensar o espaço da comunicação do nosso estado que considere uma série de aspectos e que tenha uma sensibilidade de lidar com os profiss ionais que fazem, com os estudantes que queremos atingir, com as pessoas que queremos que tenham acesso e leiam nossos livros, é um contexto de produção que nos exige essa postura. (AIRES, 2017)

63

Ainda há uma preocupação em não deixar o Observatório se tornar um mecanismo de

apresentação de culpados, empenhados na ideia de que a ampla contextualização dos

episódios e temas a serem debatidos fazem baixas não só entre os consumidores leitores e

espectadores, mas também aos profissionais. Aires (2017) afirma que

Não é só a mídia que constrói determinados lugares ou que constrói determinados concepções, mas ela é atravessada por essas concepções também. É pensar a crítica de mídia de um olhar mais amplo e cuidadoso, talvez de menor penalização do jornalista ou do produtor, e mais uma observação mais contextual, observando o ambiente, ao invés de apontar “culpados”. (AIRES, 2017)

Dessa maneira, entre os prismas e perspectivas de diversos olhares, a construção do

conceito de interesse público que o Observatório empreita é fundada na percepção de seus

integrantes, seus consumidores leitores e espectadores, os profissionais da comunicação

paraibana; e as variáveis políticas, econômicas e culturais que permeia a sociedade paraibana.

5.3 A CONTRIBUIÇÃO DO OBSERVATÓRIO DA MÍDIA PARAIBANA NA

FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA

Ao analisarmos as entrevistas com os integrantes do Observatório, verificamos que

existia certa preocupação em como e o quanto afetar a opinião pública. No início de seu

histórico, a organização pretendia publicar regularmente, buscando um processo de produção

de conteúdo que tivesse certa freqüência. Quando foi percebida a necessidade de uma análise

mais ampla e contextual de fatos e assuntos de interesse público, também foi identificada a

necessidade de saber como contribuir na formação desta opinião pública que, no caso,

absorveria o conteúdo.

Segundo Alves, o indivíduo em si já possui uma opinião própria. Para ele:

No fim das contas, as pessoas têm uma opinião formada. Pode não ser concreta, não ser mais aprofundado para produzir uma matéria ou uma crítica, possuir a mesma base que eu ou Janaíne temos, nem as mesmas técnicas, mas tem as condições de formar uma opinião sobre os assuntos do seu cotidiano. (ALVES, 2017)

Esse discernimento que o individuo possui interfere diretamente no processo de

recepção deste conteúdo produzido pelo Observatório. Apesar de não ser necessariamente um

público acadêmico, esse público já recebia o conteúdo do Observatório de uma maneira

64

diferente do esperado pelos integrantes da organização. Sendo assim, o projeto pensou em

outra abordagem. Segundo Aires (2017):

Num determinado momento, nos focamos mais no público acadêmico, e percebemos que a recepção não era exatamente para esse público, pois as pessoas que interagiam conosco em nossos canais geralmente não tinham nada a ver com a academia. Isso é muito interessante! Então tivemos que fazer algumas mudanças que vão muito nesse sentido de tentar dialogar o máximo com esse novo pessoal. (AIRES, 2017)

Essa postura foi determinante para a aproximação de um público vindo dos

movimentos sociais e de militantes de direitos humanos. Naturalmente, esses indivíduos que

se viam abordados de forma negativa pelos grandes veículos se aproximaram do discurso

propagado pelo conteúdo do Observatório da Mídia Paraibana, e isso causou reflexões dos

grandes meios de comunicação do estado. Segundo Alves (2017):

Vejo mais atrito pelos formadores de opinião dos grandes meios. Ocasionalmente somos bloqueados por esses perfis de políticos, empresas e organizações, que fazemos uma certa crítica, e ele não rebate. Ele isola, exclui, silencia. O que eles não perceberam, que nós já percebemos, é que todo mundo tem uma opinião formada sobre algo. Todo mundo tem algo a falar, e isso precisa ser estimulado. (ALVES, 2017)

Passando a mecanismo de estímulo do debate, e não só produtor de conteúdo crítico, o

Observatório garantiu uma incidência, ainda que pequena, sobre a opinião pública paraibana.

A partir do seu modus operandi determinou estratégias de aproximação com seu público

através da promoção da diversidade de comentários. Até os grandes meios, através do

bloqueio de seus canais, demonstra tomar alguma atitude sobre conteúdo que tem sido

produzido por esta organização, mesmo que não se debrue ao debate e não promova uma

releitura de suas posturas dentro do campo da comunicação. Aires (2017) afirma:

Passamos a pensar o nosso trabalho em cima dessas necessidades, dessas carências de debate que fomos identificando ao longo do nosso percurso. (...) nossa atuação não é pontual, ela é processual. Todo o processo que é envolvido pelo contexto organizacional e estrutural que envolve o universo da produção midiática. (AIRES, 2017)

E através deste comentário vemos a preocupação com a complexidade de perspectivas

que o Observatório tem de lidar, respeitando preceitos morais e éticos, e promovendo

cidadania e esclarecimento. A “percepção da realidade”, levantada em Porto Simões (1996),

que foi tida pelo Observatório sobre os discursos que produziam reflexão nos seus públicos o

fez importante neste processo de formação da opinião pública na Paraíba.

65

Sendo assim, o Observatório provou contribuir de forma significativa, numa estratégia

transversal, num diálogo de mão dupla com seus públicos, ainda que não seja um grande

público, em termos de números absolutos.

66

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Observatório da Mídia Paraibana possui quase uma década de atividade no estado.

Antes dele, uma ínfima história da crítica de mídia na Paraíba demonstra o quanto estamos

distantes de uma lucidez profissional que nos permita uma crítica sem represálias. Os

depoimentos dos entrevistados demonstram, nas mais variadas maneiras, o quanto é difícil

exercer mediacriticism em solo paraibano.

Ao mesmo tempo vemos o quão produtivo pode ser esta área, se houvesse uma real

preocupação com o exercício da pesquisa e da crítica na prática jornalística. Também não nos

esqueçamos dos assessores de imprensa, fabricando releases e roteiros adesistas e vazios de

criticidade, que alimentam as redações de jornais e portais com material “desinformativo” e

“enviesado”. Ou ainda da comunicação pública, que nutre uma relação nociva e oportunista

com os veículos, transformando-os em verdadeiras agências de notícias governamentais.

Percebemos também, neste estudo, a ampla necessidade de um debate franco sobre

comunicação e políticas públicas, partindo do entendimento que a Comunicação é um direito

humano. A crítica levantada pelo Observatório abrange os mais diversos setores da imprensa

e da elite da sociedade paraibana, e enquanto estes se mantiverem encastelados em suas

redações, escritórios e gabinetes, não haverá um debate real sobre os rumos da comunicação

no estado, e ainda mais, no país como um todo. O Observatório da Mídia Paraibana promove

essa espécie de debate, na medida em que se posiciona como um ponto ideal na “batalha” da

crítica, demonstrando uma terceira via, além das fileiras dos “rabos presos” e “línguas soltas”,

que desempenham a atividade de maneira reducionista, promovendo falsos maniqueísmos

através dos discursos parciais.

É preciso pensar novas formas de se estabelecer canais de comunicação entre a

imprensa e a sociedade, e o Observatório da Mídia Paraibana tem cumprido o papel ao qual se

propôs, que é debater com qualidade e com propriedade os temas, fatos e assuntos que

circulam entre as bocas, olhos e ouvidos da sociedade paraibana, neste eterno campo de

disputa de sentidos.

Para além do Observatório da Mídia Paraibana, surgem duas organizações ao longo da

execução deste estudo que são dignas de nota: o coletivo Comjunto, que é realizador da

67

Semana pela Democratização da Comunicação em João Pessoa; e a editora Xeroca,

organização editorial parceira do Observatório e do Comjunto. Seria interessante (para não

falar necessário) entender os limites e os funcionamentos de cada organização, além, claro das

relações que elas nutrem uma com a outra.

68

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, J. Mídia, opinião pública ativa e esfera pública democrática. ALAIC – Asociación Latinoamericana de Investigadores de La Comunicación. Anais do IV Congresso Latinoamericano de Ciencias de La Comunicación. Disponível para download em: < www.eca.usp.br/associa/alaic/Congreso19is99/3gt/Jorge%20Almeida.rtf>. Acesso em 14/11/2016. AZEVÊDO FILHO, C. A. F. Implantação do observatório dos direitos humanos no jornalismo impresso paraibano (ObJor-PB). In: II Conferência Sul- Americana de Mídia Cidadã, 2011, Belém do Pará. Anais da II Conferência sul-americana de Mídia Cidadã. Belém do Pará: UFPA, 2011. v. 1. p. 1-14. BRANCO, A.M.V. A ética e a informação: o jornalista como profissional e o jornalista como pessoa. Disponível para download em <http://www.piv.pt/forumedia69.pdf> . Acesso em 28/01/2017. CERVELLINI, S.; FIGUEIREDO, R. Contribuições para o conceito de opinião pública. Opinião Pública, Campinas, v. III, nº 3, p. 171-185, dez. 1995. Disponível em: <http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/50629/mod_resouceconten/1/figueiredo_cevellini.pdf> . Acesso em: 12/11/2016. CRUVINEL, T. Colunismo: análise, opinião e ética. In: SEABRA, Roberto & SOUSA, Vivaldo de. Jornalismo político – teoria, história e técnicas. Rio de Janeiro: Record, 2006.

DICIO. Dicionário Online. Disponível em < https://www.dicio.com.br/opiniao/>. Acesso em 16/11/2016. DRYZEK, J. S. Legitimidade e Economia na Democracia Deliberativa. In: COELHO,V. S. P. e NOBRE, M. (org). Participação e Deliberação. Teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo, Editora 34: 2004 GRIFFITH, E. S. Os fundamentos éticos do interesse público. In: FRIEDRICH, Carl J. (Org.). O interesse público. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1967. HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública – investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Tradução, Flávio R. Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. KANT, I. Resposta à pergunta: que é esclarecimento?. 1783. Disponível em < http://coral.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/b47.pdf>. Acesso em 11/11/2016. LIPPMANN, W. Opinião pública. Tradução e prefácio: Jacques A. Wainberg. Petrópolis: Editora Vozes, 2008. LOPES, D. B. A importância da pesquisa exploratória na processualidade teórico-metodológica da investigação em comunicação. In: MALDONADO, A. E.; BONIN, J. I.; ROSÁRIO, N. M.

69

(org.). Perspectivas metodológicas em comunicação: desafios da prática investigativa. João Pessoa: Editora UFPB, 2008.

MALDONADO, A. E. Práxis teórico/metodológica na pesquisa em comunicação: fundamentos, trilhas e saberes. In: MALDONADO, A. E.; BONIN, J. A.; ROSÁRIO, N. M. (org.). Metodologias de pesquisa em comunicação: olhares, trilhas e processos. Porto Alegre: Sulina, 2006.

MINOR, W. S. O interesse público e o compromisso supremo. In: FRIEDRICH, Carl J. (Org.). O interesse público. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1967. MONTGOMERY, J. D. O interesse Público nas Ideologias do Desenvolvimento Nacional. In: FRIEDRICH, Carl J. (Org.). O interesse público. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1967. MUSGRAVE, R. A. O interesse público: eficiência na criação e na manutenção do bem-estar material. In: FRIEDRICH, Carl J. (Org.). O interesse público. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1967. PERUZZO, C. M. K. Relações públicas no modo de produção capitalista. 2ª ed. São Paulo: Summus, 1986. PINHO, J.A.G.; SACRAMENTO, A. R. S. Accountability: já podemos traduzi- la para o português? Revista de Administração Pública. vol.43 no.6 Rio de Janeiro Nov./Dez. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-76122009000600006>. Acesso em 24/08/2016. ROSAS, J.A. Da gélida Suécia à cálida Paraíba – o pioneirismo regional do ombudsman paraibano. In: ALVES, C. E. N.; SILVA, E. G.; OLIVEIRA, J. (org.) Mídia paraibana: origens e perspectivas. João Pessoa: Xeroca, 2016. p. 27-53. SEABRA, R. Jornalismo política: história e processo. In: SEABRA, Roberto & SILVA, S.T.M. Anais do VIII Encontro nacional de história da mídia. Cicilia Peruzzo (30 anos depois): um referencial na área de relações públicas. Paraná: Guarapuava, 2011.

SOUSA, V. de. Jornalismo político – teoria, história e técnicas. Rio de Janeiro: Record, 2006.

SERVA, L. Jornalismo e desinformação. São Paulo: Editora Senac, 2001. SERRANO, E. A dimensão política do jornalismo. Revista Comunicação & Cultura, nº 2. p. 63-81. 2006. Disponível em <http://comunicacaoecultura.com.pt/wp-content/uploads/2010/07/02_03_Estrela_Serrano.pdf>. Acesso em 30/01/2017.

SIMÕES, R.P.. Relações públicas: função política. São Paulo: Summus, 1996.

TRAQUINA, N. O jornalismo como espaço de luta política. entrevista [dez. 2016]. Entrevistador: IHU Online. Rio Grande do Sul, 2016. Disponível em <

70

http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=533&secao>. Acesso em 30/01/2017.

TRAVANCAS, I. Fazendo etnografia no mundo da comunicação. In BARROS, Antonio & DUARTE, Jorge. (org.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2006.

VIEIRA, R. F. A relação entre a empresa privada e o interesse público: princípio da utilidade e da abertura empresarial num caminho para a credibilidade. Online. 2003. Disponível em <http://www.rpbahia.com.br/trabalhos/paper/relacao_entre_empresa_privada_e_interesse_publico.pdf> - Acesso em 05/11/2016.

WEBER, M. A política como profissão, Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas, 2000. YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2010.

71

APÊNDICE

72

73

Entrevista – Janaine Sibelle Freires Aires.

Entrevistador: João Alberto Batista Jales

Rio de Janeiro, março de 2017.

Doutoranda do Programa de Pós-graduação Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre pela mesma instituição. Graduada em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba. Integra o Peic - Grupo de Pesquisa Políticas e Economia da Informação e da Comunicação e o Projeto Cinestésico - Cinema e Educação/UFPB. Concentra-se no debate entre a Comunicação e Política, televisão e estruturas dos meios. Pesquisa especialmente a questão do Coronelismo Eletrônico e da mídia regional, analisando programas sensacionalistas e sua relação com a esfera política.

Entrevistador: Janaíne, poderíamos começar falando um pouco de seu currículo? Para além da história do Observatório [da Mídia Paraíbana], com o que você lida, Janaíne?

Janaíne:

Eu comecei como pesquisadora na UFPB, durante minha graduação. Eu era voluntária no Projeto Cinestésico, e assim, já nasci academicamente num lugar que não dissociava esses ambientes da universidade: o ensino, a pesquisa e a extensão; então, eu integrava esse projeto e integro até hoje como voluntária. Primeiro eu fiz uma participação como bolsista extensionista, e mais tarde eu fiz como iniciação cientifica desse projeto. O projeto [Cinestésico] é vinculado ao Departamento de Habilitações Pedagógicas da UFPB e é coordenado pela professora Virgínia Barreto de Oliveira. Depois disso, eu já fazia parte do Movimento Estudantil, e também do Coletivo Comjunto, e tínhamos um projeto chamado MidiAtiva, que era coordenado pelo professor Romero Venâncio. Ele possuía um acervo que tinha uma diversidade de perspectivas muito interessante. Passávamos por textos não só de comunicação, mas também de filosofia, sociologia, e preenchia algumas lacunas. Coisas que certamente na teríamos condições de ver se tivéssemos nos prendido apenas às publicações de Comunicação. Daí passei a fazer parte de uma monitoria de Telejornalismo com o professor Wilfredo Donato (ele foi o primeiro que leu o projeto e nos incentivou com a ideia do Observatório). Eu e Maria Silva, como monitoras deste projeto, que envolvia práticas experimentais de Telejornalismo, e montamos o acervo dessa disciplina, então, passeamos um pouco pela história do telejornalismo paraibano, e acho que foi aí que surgiu um pouco dessa ideia (do Observatório da Mídia Paraibana): misturar um pouco da ideia do que havíamos aprendido no Cinestésico e no MidiAtiva, com naquilo que estávamos fazendo naquele

74

momento, com aquele acervo para formação de um curso que tinha, naquela época, desde 1984, muito tempo, não é?! Então tinha muito conteúdo para ser visto e assim, nasceu o Observatório.

Terminei a graduação em 2010, e vim fazer mestrado na UFRJ estudando também um objeto da comunicação paraibana que a ascensão política através do programa Correio Verdade, e justamente, Samuka Duarte [apresentador do Correio Verdade]. Ele não ascendeu politicamente, mas fazia toda uma barganha política partir daquele espaço de apresentação e estudei também Jota Júnior, que realmente ascendeu politicamente, e foi prefeito de Bayeux [município na região metropolitana de João Pessoa]. Fi aí que me encontrei com os estudos sobre coronelismo eletrônico na UFRJ, e é o que estudo hoje. Faço parte de um projeto de pesquisa chamado “Patrimonialismo e clientelismo nas

políticas de comunicação brasileiras – dinâmicas assimétricas de poder de negociação”.

Essa pesquisa tem três anos de duração, financiada pela Fundação Ford e pelo CNPq, em que fazemos um estudo nacional sobre os meios de comunicação, especialmente a radiodifusão. Queremos saber quem são os donos destes veículos, e como se dá a dinâmica de poder e negociação em 100 cidades do país, abrangendo capitais brasileiras e cidades de diferentes perfis demográficos (mais de 200 mil habitantes; menos de 10 mil habitantes; pequenas comunidades e distritos com até 5000 habitantes) e quais são os impactos. Fizemos uma mostra bem abrangente para de fato, identificarmos como funcionam essas coisas no Brasil. Em paralelo, também faço minha pesquisa de Doutorado, que é a ascensão política de apresentadores e comunicadores políticos , então também é uma amostragem nacional, de 1982 até 2016.

Entrevistador:

O que acabou motivando, enquanto experiências anteriores, o surgimento do Observatório da Mídia Paraibana? Quem havia os precedido nesse trabalho de pesquisar e falar a respeito de como a mídia paraibana tem se comportado?

Janaíne:

Bom, quando começamos a fazer esse projeto, partiu muito de uma intuição. É algo que acompanha quem estuda democratização da comunicação ou questões relacionadas a isso: esse paradigma entre militante e pesquisador. Sempre que falamos sobre democratização da comunicação e a necessidade dela acontecer somos questionados. A comunidade acadêmica desdenha os estudos: “Ah, mas vocês não estão fazendo

pesquisa”, e a militância política tem uma visão muito pejorativa sobre militantes

inseridos neste universo acadêmico. Sempre vivemos num paradigma de não reconhecimento de nossa fala: para os pesquisadores somos militantes demais, e para os militantes somos acadêmicos demais. Sempre percebi um pouco isso, essa descrença

75

com relação a necessidade de falarmos sobre o assunto, ou de uma militância em torno da democratização. “É isso que o povo quer?”, “é assim mesmo, ou tem como mudar?”

“Vocês são loucos! Vão acabar perdendo o emprego” ou ainda “vocês não vão

conseguir arranjar um emprego”. Nos deparamos muito com essas idéias, e ficava cada

vez mais claro a necessidade de mergulhar dentro do ambiente de mercado de mídia, para que nós pudéssemos, de fato, trazer essa pauta no contexto da democratização, mas já existiam várias experiências de observatórios de mídia, e creio que a primeira foi com o professor Carmélio Reynaldo, como ombudsman do jornal Correio da Paraíba; e já existem hoje outros projetos que também levam esse nome. Eu creio que, talvez sejam nossos contemporâneos, como o Observatório pelos Direitos Humanos no Seridó. Nós surgimos muito com esse interesse de trazer para a sala de aula o que víamos na TV, no rádio e nos jornais da nossa própria cidade. Essa ausência, ou pelo menos, essa referência daquilo que é produzido no sul e sudeste, enquanto tínhamos um espaço de comunicação pululante na Paraíba, por exemplo, e que não era aproveitado dentro da sala de aula. Por isso esse projeto nasce muito mais como um projeto político; mas também como um projeto de ensino, pesquisa e extensão, porque ele tem esse vínculo direto com a universidade, com o momento que estávamos vivendo ali.

Entrevistador:

Também existiram experiências de crítica de mídia, que, de uma forma ou de outra, marcaram momentos. Aí incluímos o blog alimentado com textos de autoria anônima, batizado de Bucho Furado. Há outras experiências semelhantes a essa, com o surgimento da internet e dos portais de notícias. Antes, no jornal impresso, o marco histórico se delimita em torno do ombudsman do Correio da Paraíba, Carmélio Reynaldo, mas quando chegamos na internet chegamos a identificar outras experiências de mídia.

Janaíne:

O Observatório da Imprensa é uma grande inspiração para nós, quando tratamos dessa experiência levada à internet. Eles nos fornece um material importante, trazem vários textos... Enfim... Nesse sentido, o Observatório da Imprensa supre, em grande parte, essa inspiração. Além do Bucho Furado tinha o Parem as Máquinas, feito pela jornalista Cláudia Carvalho, e também havia um pouco de crítica ao audiovisual, [que era feita] através do Cinestésico, com essa necessidade de falar das imagens, de trazer a imagem como uma forma de debate.

Entrevistador:

76

Então a partir da estética do audiovisual vocês o processo de crítica, como, por exemplo, o processo de edição de uma reportagem, o processo de como se desenrolava a locução numa determinada matéria, eram maneiras como também desenvolviam os estudos no projeto Cinestésico?

Janaíne:

Isso. É porque o projeto Cinestésico tinha um objetivo, que era formar pessoas em torno da mídia, levar o debate sobre o cinema, no caso o audiovisual, para dentro das escolas, então não tínhamos uma formação de cinestas, mas tínhamos experiências com mídia. O interessante é que nos deparávamos com esses espaços, que levávamos o debate sobre cinema, com a importância da televisão, com a importância desse espaço. As pessoas estavam muito acostumadas a consumir uma mídia da mesma forma que consomem as outras. Por exemplo, existia uma grande dificuldade das pessoas em silenciar na hora que um filme estava sendo exibido. Essa é a forma como a gente assiste televisão: assistimos TV nos levantando, conversando e comentando. Então, tinha um pouco desse impacto mesmo, nos projetos que estávamos envolvidos, e essa necessidade de formar comunicadores, e essa necessidade de conseguir passar adiante as suas falas, protagonizar as suas próprias falas, e aí, essa base de pensamento parte do próprio coletivo mesmo.

Entrevistador:

Voltando ao Observatório, você falou um pouco sobre a história de como se deu o nascimento do projeto. Depois dessa história de nascimento, ele evoluiu e cresceu: alcançou outros patamares e desdobrou-se em outras frentes. Quais são ações que o Observatório desenvolveu ao longo de sua existência?

Janaíne:

No começo pensamos em fazer uma coisa periódica, e quinzenalmente inserir textos lá. Então fazíamos encontros e reuniões semanais. Lembro que eram às segundas feiras e fazíamos leituras de textos, e a partir das leituras desenvolvíamos maneiras de comentar ou debater e desenvolver. Então vimos que ficaria difícil manter essa regularidade, pois não queríamos apenas fazer textos críticos sobre a Comunicação. Tínhamos todo um processo de pesquisa, maturação de ideia e debate que não combinava muito com essa ideia de periodicidade, e fomos, na época, muito cobrados em torno disso. Para se ter uma ideia do teor dessa cobrança, as pessoas cobravam muito um posicionamento do Observatório em coisas mais extremas, como por exemplo, a veiculação de um vídeo de um estupro no horário do almoço, na TV Correio, no programa Correio Verdade. “E aí,

77

vocês não vão se pronunciar? Não vão tecer nenhum comentário?”. Nós nos

posicionamos, mas para nós vale muito também observar o processo: relacionar aquele episódio com toda cobertura, com o contexto de dinâmica de produção, sabe, não é simplesmente escrever uma nota de repúdio. Então acho que hoje o Observatório ele se organiza muito como um grupo que está pesquisando aspectos da mídia paraibana, e fazemos, a partir disso, uma série de produtos e questões. Conseguimos organizar um pouco mais o nosso cronograma de trabalho. Desenvolvemos pesquisas que achamos importante desenvolver determinadas ações, então fizemos pesquisas sobre, por exemplo, quem são os donos da mídia, os donos dos meios de comunicação na Paraíba. A partir dessa pesquisa pudemos formar a Semana Pela Democratização da Comunicação, com essa temática inicial. Pela Democratização [da Comunicação], por exemplo, surgiram outras ações, propostas por outros movimentos. Por exemplo, a ASA (Articulação do Semiárido) fez uma matéria sobre os donos da comunicação do interior. Ou seja, aquela pesquisa deu vazão a uma série de novas ações. O Observatório também se preocupou e reunir pessoas que estavam estudando esses diversos aspectos da mídia paraibana. Foi aí que fizemos uma série de materiais e livros sobre pesquisas feitas sobre os meios de comunicação na Paraíba, e essa coleção ainda não acabou de ser publicada, ainda há muito a ser lançado. Estas publicações e materiais abrangem diversos temas: começou com o livro “Mídia Paraibana em Debate”, que reúne

materiais de jovens pesquisadores que estavam na Paraíba, ou que estavam em outros lugares, mas estudando os meios de comunicação paraibanos. Temos textos sobre Mídia e o papel da Mulher; sobre internet, sobre os portais paraibanos; tem texto sobre a radiodifusão comunitária; tem texto sobre regulação; uma série de textos que de se debruçaram a estudar a comunicação na Paraíba. Depois disso temos texto “A Verdade

e a Justiça”, que é uma dissertação de mestrado, que é feito por Vanessa Souto Veloso,

socióloga, e ela fez uma pesquisa de campo sobre as pessoas que se dirigiam ao programa Correio Verdade, que não é um programa de auditório, mas que diariamente várias pessoas vão lá para se comunicar com o apresentador: abraçar o apresentador, pedir coisas ao comunicador, e é interessante como as relações se dão nesse processo. Editamos também o livro sobre radiodifusão comunitária, onde é feito um estudo sobre a rádio comunitária do bairro de Mandacaru, em João Pessoa, e o título é “Mandacaru – Uma experiência de comunicação comunitária”, também uma dissertação de mestrado, e a autora também fez pesquisa de campo, colheu informações com os comunicadores comunitários, e é uma publicação feita com um certo cuidado, feita para além do imediato, para além do texto necessário a um momento de militância. Também tivemos dois trabalhos que foram reunidos após o Simpósio de Pesquisa em Mídia Paraibana, que é uma ação também desenvolvida pelo Observatório, servindo como um momento onde os pesquisadores se reúnem em dois dias, em dois anos diferentes, cerca de quarenta pesquisadores, entre eles estudantes de graduação, professores e interessados em pesquisar na área. Esses momentos serviram como um momento de intercâmbio entre esses atores que debatem e pesquisam a mídia no estado.

78

Entrevistador:

Todo esse vasto material de publicações mostra uma série de ações desempenhadas, e nesse caminho, algumas estratégias também são necessárias. Com relação às publicações, a Editora Xeroca (que publica os livros e os anais dos simpósios promovidos pelo Observatório) seria um braço editorial do Observatório?

Janaíne:

A Editora Xeroca é um projeto a parte, mas ela tem uma coleção específica de publicações só do Observatório, então, podemos sim afirmar que ela atua como um braço editorial.

Entrevistador:

Quanto à organização em si, como o Observatório da Mídia Paraibana funciona? Como você poderia descrever a estrutura organizacional do Observatório? Ele deixou de ser um projeto de pesquisa e se coloca enquanto organização, em algum momento ou sentido? Qual perfil estrutural poderia descrever a organização Observatório da Mídia Paraibana?

Janaíne:

Começamos e continuamos muito marcados pela horizontalidade, então a denominação de Coordenadora do Observatório foi muito difícil, mesmo estando no observatório desde 2010 no projeto e fazendo a maior parte dos textos e mobilizando uma certa quantidade de pessoas. Tive dificuldade de me chamar de coordenadora, e logo isso transparece um pouco de como vemos a nossa estrutura. Não há uma posição muito definida no sentido de “quem é o quê” dentro do Observatório, e como desenvolvemos o Observatório em paralelo a vários outros projetos, acabamos por centralizar a maioria das coisas em torno de minha pessoa, mas não que eu seja a “suprema líder” da coisa

toda.

Hoje, entretanto, nos organizamos da seguinte maneira: eu tenho trabalhado com algumas pessoas que voluntariamente quiseram fazer parte do observatório, e se você está disposto a pesquisar alguma coisa e sente-se à vontade para juntar a esse projeto, então você já faz parte do Observatório. Não sei se deixamos propriamente de ser um projeto de pesquisa, e se podemos nos considerar uma organização, talvez porque não nos coloquemos estruturados de uma certa maneira que possa identificar ou classificar assim, mas vejo que precisamos aprimorar isso. Por mais interessante que haja essa

79

horizontalidade, que tenha papéis tão bem definidos, no final das contas é um pouco necessário que estabeleçamos essa definição de organização, compreende?! Aí não sabemos como faremos isso exatamente: se nos registraremos enquanto uma associação ou se nos registraremos apenas enquanto um projeto de pesquisa. É uma parte do projeto que ainda na está definida, e esperamos resolver isso o mais rápido possível.

Entrevistador:

Há pelo menos uma noção de perfil estrutural dentro do Observatório. Existe conselho editorial, conselho fiscal, e determinadas pessoas que são elencadas em determinadas funções dentro do observatório. Dentro dessa perspectiva, como funciona o Observatório? Como essas comissões, o que elas representam e as funções delas dentro do Observatório, mesmo sob uma perspectiva de horizontalidade?

Janaíne:

Esses conselhos editorial e fiscal que você citou são, na verdade, da Editora Xeroca, e não do Observatório. Então, os conselhos editorial e fiscal foram criados no momento em que fazíamos o projeto da editora. A ideia é que os livros sejam apoiados nestes conselhos: no editorial, se todos apóiam a publicação do material, e qual o momento e a coleção que ele vai pertencer e fazer parte. Já o conselho fiscal, é no intuito de manter a coisa sem fim lucrativos. Então fizemos dois livros impressos na editora Xeroca, e a ideia é que um livro pague a impressão do seguinte. Mas volto a afirmar, são coisas diferentes: o Observatório é uma coisa, e a Editora Xeroca é outra.

No Observatório, entretanto, funciona assim: fazemos parte eu, Carlos Edmário (Relações Públicas, mestre em Comunicação pela UFPB), Jocélio Oliveira (Jornalista, Mestre em Comunicação pela UFPB) e Elane Gomes (Doutoranda em Comunicação), mais ligados diretamente ao projeto nos tempos atuais. Além deles, posso citar Simão Martins (jornalista especialista em mídias sociais); e Virgínia Barreto de Oliveira, que ocasionalmente se envolve com as atividades do projeto, apoiando com revisões e algumas orientações, além da inspiração, claro! Não temos um papel específico de “quem manda no quê” ou algo do tipo. Se temos demandas de pesquisa para

desenvolver, encontramos alguma maneira de interagir e nos organizamos para agir. Por exemplo, estamos trabalhando uma pesquisa que lida com as simbologias e significados provenientes a partir da expressão “môfi”, cunhada pelo repórter policial Emerson

Machado, da TV Correio. Como essa expressão se transformou num codinome da juventude negra pobre e perseguida e morta nas periferias das cidades paraibanas, e que a gente costuma ridicularizar e depreciar as pessoas que são abordadas sob este código. No caso, esta pesquisa foi demandada pelo Carlos Edmário, e ele tem estado mais à frente destes estudos.

80

De fato, somos uma organização horizontal, não temos essa estrutura bem montada, e isso também nos atrapalha em algumas situações, onde inviabiliza de nos organizarmos de uma maneira diferente, de crescermos um pouco mais, trazermos novos integrantes para o Observatório e termos orientações mais diversas e mais plurais. Então, esse se torna um ponto problemático.

Entrevistador:

Quando falamos da propositividade dentro dos temas que são abordados e pesquisados pelo Observatório da Mídia Paraibana, isso nos traz uma ideia que aquele determinado tema deva ser de interesse público. Sendo assim, como o Observatório pensa que determinado assunto seja de interesse público? Para o Observatório, o que é interesse público?

Janaíne:

Tudo que é produzido pela mídia, seja ela impressa, rádio, TV, ou mesmo internet, é de interesse público, porque é informação, e se é informação, deve ser pública. Acredito que o princípio básico é o que levamos em consideração, logo tudo aquilo que é produzido, veiculado e/ou circula nos veículos na cidade, na Paraíba ou no Brasil como um todo, em termos de informação, é de interesse público.

Entrevistador:

Mas só o que é produzido e veiculado é que é de interesse público, segundo o Observatório; ou existe alguma coisa que não é publicada nem veiculada, e que seria considerada de interesse público?

Janaíne:

Bem, eu falo assim: tudo que é comunicado. Parece que, afirmando assim, nos referimos apenas ao contexto de mercado, e não é bem assim. Não sei se consigo explicar, mas tem um aspecto interessante esse seu questionamento. Veja bem: em João Pessoa a gente possui um modelo de solidariedade que é midiatizado: na rua, ou pelo menos nas áreas centrais da cidade, chamando a atenção para alguma filantropia. Aquilo ali já é de interesse público. Acredito que não é de interesse público o que as pessoas conversam em seus espaços privados. É nesse sentido que eu apoio a minha afirmação.

81

Para além dessa Comunicação como laço de afeto, acho que a forma como as estruturas tornam público; e seu modo de recepção, pois acredito que isso também se dá na forma como as pessoas recebem aquela informação. Embora tenhamos feito isso sobre algo mais específico em alguns momentos no Observatório, é difícil, perigoso e complicado generalizar a forma como as pessoas recebem a informação. Mas podemos considerar, como uma questão importante para pensar a comunicação de um lugar, por exemplo, as questões sociais. Num espaço marcado pela fome, pela pobreza ou pela riqueza, vai ter um tipo diferente de comunicação, interesse e concepção do que é ou não informação. Tentamos pensar a nossa concepção a partir dessas considerações: o que seria fundamental para entendermos por que falamos de uma determinada maneira, por que nos observamos de uma determinada maneira. É uma ideia mais ampla do que seria interesse público. Vou dar um exemplo: Nos últimos textos que publicamos traz como tema a Mídia e a Cidade, e esse material partiu muito da perspectiva que temos da vivência da cidade como uma experiência de comunicação. A forma como enxergamos aquele ambiente, aquele espaço que permeiam aquela ação comunicativa, porque muitas vezes ela atravessa o mercado de mídia, mas há outros espaços de construção que precisam ser considerados. Não é só a mídia que constrói determinados lugares ou que constrói determinados concepções, mas ela é atravessada por essas concepções também. É pensar a crítica de mídia de um olhar mais amplo e cuidadoso, talvez de menor penalização do jornalista ou do produtor, e mais uma observação mais contextual, observando o ambiente, ao invés de apontar “culpados”.

Também falamos de um ambiente para produção de crítica de mídia muito complicado: temos um espaço mercadológico muito pequeno , e que isso uma relação e uma estratégia sensíveis, diferentes. Quando começamos, o que mais falavam era “vocês vão

ficar sem emprego”, “vocês são loucas”, “nunca vão conseguir emprego em lugar

nenhum”. Isso, para mim, é muito forte: você falar que alguém, em algum dia, escreveu

uma crítica midiática, e que, por isso, não conseguirá trabalhar, dada uma suposta “inabilidade” sugerida por quem trabalha no meio. Isso é muito forte: você perceber o fazer do comunicador desta maneira tão estéril, não sendo capaz de olhar criticamente para o ambiente que você vai trabalhar. Isso exigiu da gente muito dessa organização. Isso refletiu muito nesse modelo horizontal, porque são poucas pessoas que se dedicam a fazer isso. Muitas pessoas se interessaram, elogiaram o trabalho, participaram dos grupos de estudo, mas decidiram não seguir porque tinham receio de ficar sem um lugar para trabalhar. Então, estamos falando de um tabu: a comunicação é um tabu, é um problema você estar disposto a debater comunicação. Por isso a dificuldade de definir o que é de interesse público: porque precisamos decidir formas e maneiras de pensar o espaço da comunicação do nosso estado que considere uma série de aspectos e que tenha uma sensibilidade de lidar com os profissionais que fazem, com os estudantes que queremos atingir, com as pessoas que queremos que tenham acesso e leiam nossos livros, é um contexto de produção que nos exige essa postura.

82

Entrevistador:

Se existe uma amplitude de contextos que devemos nos adequar para que as publicações do Observatório possam chegar ao seu público alvo, como essas publicações contribuem e interferem na formação da opinião pública paraibana?

Janaíne:

Num determinado momento, nos focamos mais no público acadêmico, e percebemos que a recepção não era exatamente para esse público, pois as pessoas que interagiam conosco em nossos canais geralmente não tinham nada a ver com a academia. Isso é muito interessante! Então tivemos que fazer algumas mudanças que vão muito nesse sentido de tentar dialogar o máximo com esse novo pessoal. Entretanto, pensamos muito nesses produtos como demandas do momento. Logo, visualizamos, por exemplo, uma ausência do debate de quem são os donos da mídia (já haviam acontecido seis edições da Semana pela Democratização da Comunicação). Agora, a pauta da naturalização da expressão “môfi” entre policiais, delegados e membros do judiciário

tem se tornado muito forte, com uma ênfase numa comunicação não–formal, apesar de se tratar de um espaço onde deveriam tratar-se de formalidades (seus ambientes de trabalho). Esse assunto partiu muito do contato físico: qual a diferença das vestes de um “môfi” para as de um surfista, por exemplo? Por que se identifica tanto isso? Por que isso identifica esse grupo, esse personagem que se criou? Isso é determinante para o convívio da sociedade e da mídia também. Para termos uma ideia: a maior parte dos “môfis” que são entrevistados pelos repórteres policiais, eles dão exclusiva somente para Emerson Machado (o repórter que criou a expressão “môfi”). Eles se identificam

pela forma como são tratados pelos meios, acreditam que aquele é o espaço e o momento que eles possuem para falar, e aí se manifesta claramente uma carência: esse público carece de espaço para falar. Afinal, por que é que alguém que está em conflito reconhece como espaço de fala um ambiente onde ele é estereotipado e criminalizado? Passamos a pensar o nosso trabalho em cima dessas necessidades, dessas carências de debate que fomos identificando ao longo do nosso percurso. Quando pensamos, por exemplo, o segundo Simpósio, com o tema a comunicação e a Cidade, foi muito por conta disso: temos um numero muito pequeno de estudos dessa relação entre mídia e cidade; então, precisamos desenvolver um encontro e uma série de trabalhos sobre esse assunto. A pauta do Observatório é muito contruída através desse feeling, a partir desse aspecto. Verificamos a ausência de trabalhos sobre um determinado tema, ou o movimento pela democratização da comunicação precisa dessa pesquisa, logo, devemos desenvolvê-la. Vale lembrar: nossa atuação não é pontual, ela é processual. Todo o processo que é envolvido pelo contexto organizacional e estrutural que envolve o universo da produção midiática.

83

Entrevistador:

Apesar do Observatório não ser uma organização institucionalizada e formalizada burocraticamente, ele possui uma linha de raciocínio que remete a noções de missão, visão e valores. Nesse sentido, você acha que o que permeia o imaginário dos integrantes do Observatório tem cumprido com esses objetivos de contribuição para a formação de uma opinião pública na Paraíba?

Janaíne:

Eu creio que sim. Nós temos dialogado com grupos diferentes, o nosso trabalho tem feito sentido para que as pessoas possam organizar ações, modos de combate a partir dos seus universos. Temos gerado reflexão, não somente com conteúdo de apoio, mas também muita Crítica. Em certas vezes as pessoas falam que concordam, da mesma maneira que outras falam “eu não concordo”, “acho que você está equivocada”. Acho

que isso é fundamental: estamos gerando um debate. Estamos desempenhando um papel que é muito importante, pois se tudo for naturalizado e tudo for unanimidade (que é o que realmente a grande mídia deseja, que se mantenha o tabu sobre o papel do jornalista ser tratado nessa perspectiva centralizadora [pelo empregador]) não é democratizar, de fato.

Entrevistador:

Como você acha que os jornalismos político e cidadão têm trabalhado nestes últimos anos na Paraíba?

Janaíne:

Temos, enquanto jornalistas, um impedimento muito significativo; um constrangimento que é a dependência econômica do nosso poder público, e não só do paraibano. Não se trata de uma exclusividade do nosso estado, mas sim de uma exclusividade brasileira. Acaba inclusive sendo mais forte e mais intensa. Creio que isso cria muito impedimento na produção jornalística critica, seja qual for a denominação do jornalismo. Particularmente identifico muito ISS: produções mais criticas que desagradem determinados políticos de nosso estado são frustradas justamente por conta dessa dependência. Ainda temos um cenário do ponto de vista muito marcado pela polarização (política, sobretudo). Isso inviabiliza de fato, uma serie de bates, é arriscado do ponto de vista profissional. Temos um grande número de mortes violentas e ameaças

84

na profissão, e depois de tudo isso, ainda possui um impacto financeiro: somos mal remunerados para estarmos em todos os lugares, dando conta de toda notícia. Assim, não há condições de se exercer a profissão com a mínima qualidade.

Creio ainda que o jornalismo não é feito apenas por jornalistas: ele é feito por todo mundo. Ele também é reflexo estrutural da nossa organização. Podemos citar as dificuldades de implementação da lei de acesso à informação, por exemplo, que prejudica não só os jornalistas, mas como também a sociedade como um todo. Temos ainda o fechamento de jornais, enfim, um cenário triste e difícil de observar. O nosso estado, especialmente, há uma situação mais problemática e mais difícil. Como jornalista, vejo com bastante tristeza, pois acredito que é muito importante ter precisão, acesso a dados corretos, podermos falar e ter independência. Infelizmente, no cenário que se observa não podemos vislumbrar que isso se torne realidade, que exista. Então, sou uma jornalista muito descrente com o jornalismo, pois acredito que não haja ambiente para que ele exista, se desenvolva e se prolifere.

85

Entrevista – Carmélio Reynaldo Ferreira

Entrevistador: João Alberto Batista Jales

João Pessoa, março de 2017.

Possui graduação em Licenciatura em Letras (Vernáculo) pela Universidade Federal da Paraíba(1979) e mestrado em Educação pela Universidade Federal da Paraíba(2005). Atualmente é Professor da Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Rádio e Televisão. Atuando principalmente nos seguintes temas:Gênero, Educação, Canção Popular, Estereótipo.

Entrevistador:

Por ser o primeiro ombudsman a atuar na Paraíba, o senhor torna-se uma figura histórica. Dada a dificuldade de fazer um recorte histórico sobre a crítica de mídia; e tendo vislumbrado estas últimas décadas de atividade jornalística no estado, gostaríamos que o senhor comentasse um pouco a respeito desse período.

Carmélio:

Aqui no Brasil essa coisa de crítica de mídia começou com os cadernos do Jornal do Brasil (JB). Era uma espécie de periódico que o JB publicava, e ele fazia justamente essa crítica de mídia, ou uma “protocrítica”, por volta da década de 1970. Esses

cadernos eram produzidos pelos próprios jornalistas do JB e na década de 1970 o JB era considerado o melhor jornal feito no país: todo mundo queria, de certa forma, imitar o JB.

86

Esses cadernos continham justamente a discussão do que eles estavam fazendo no JB e também com o jornalismo brasileiro, de um modo geral. Nós, que éramos jornalistas, e tínhamos interesse em fazer mais e aprender mais, e eu consegui alguns exemplares e os li com esse intuito. Assim, com o tempo, tornei-me professor do curso de Comunicação da UFPB.

No final dos anos 1980 a Folha de São Paulo (FSP) criou a figura do ombudsman, que era a crítica feita ao próprio jornal ouvindo os leitores, criticando o jornal do ponto de vista dos leitores, assim como também do ponto de vista de uma crítica de mídia especializada mesmo. Então o Correio da Paraíba (CPB), que era dirigido por Alexandre Jubert, tendo como editor Rubens Nóbrega, e em seguida na hierarquia, Fernando Moura; resolveu criar um sistema de Ombudsman também. Procuraram o Departamento de Comunicação da UFPB para tal atividade, e eu e Alarico Correia Neto nos interessamos. Resolvemos então uma parceria de dois anos, que era mais ou menos o mandato que o ombudsman tem à frente do espaço: em troca de nossos serviços, o CPB imprimiria o nosso jornal laboratório daqui da UFPB.

No primeiro anos eu e Alarico dividimos as atividades, fazendo análises e boletins internos, analisando o jornal, e ao mesmo tempo escrevíamos uma coluna que circulava aos domingos, chamada “Revisão”. Um ano depois Alarico saiu e fiquei sozinho

fazendo esse trabalho.

Houve, particularmente, um incidente, que fez com que Rubens e Fernando deixassem o jornal. Foi um episódio de carnaval: No carnaval daquele ano, excepcionalmente, se ausentaram o governador, o vice governador e o presidente do Tribunal de justiça. Assumiu, assim, o presidente da Assembleia legislativa, e Rubens Nóbrega escreveu sobre esse suposto “abandono”, e descontentou o governo do estado. Houve uma pressão do governo sobre o próprio jornal, e Rubens Nóbrega e Fernando Moura se demitiram. Assumiu, então, Walter Santos, a diretoria do CPB.

Ainda assim, na fase inicial a situação era boa. Entretanto, eles nunca implementaram um canal de dialogo entre o publico leitor conosco (o ombudsman), e acho que foi uma das coisas que contribuiu para que a atividade não fosse tão satisfatória. Afinal, o papel do ombusdman consiste justamente em ouvir o usuário para avaliar: sua tradução literal é “defensor do povo”, oras! E esse canal nunca foi implementado de fato. Recebíamos

duas cartas por mês e sequer havia uma linha telefônica para facilitar esse contato. Na época, obviamente, não trabalhávamos com a facilidade do email, então teria de ser por carta ou telefone. Nunca foi estabelecido esse canal de comunicação direto conosco. Se o leitor queria entrar em cotato conosco, a carta era enviada no jornal, e chegando ao jornal, era encaminhada para nós. Nunca nenhuma das cartas que recebemos foram violadas, logo, nenhuma correspondência que nos foi enviada foi censurada ou cerceada. Nunca recebemos um telefonema. Aliás... Não tínhamos um plantão, nem tampouco um espaço físico no jornal, afinal, essa não era nossa atividade principal: éramos professores, e o que fazíamos para o jornal era executado em casa.

87

No sábado, pela manhã, íamos para a redação. Conversávamos com o pessoal da redação, entende? Algumas vezes íamos à redação durante a semana, mas se fôssemos estabelecer um horário fixo para nos encontrar, era no sábado pela manhã, que era o momento em que íamos preparar a coluna para sair na edição de domingo, e ficávamos por lá. Lá na redação, duas ou três vezes recebi pessoas que coincidentemente foram lá procurar o ombudsman, e eu estava lá. Isso dentro de um espaço de dois anos. Por outro lado, nunca recebi nenhuma pressão da parte do jornal, e assim foi feito nesses dois anos.

Nós tentamos desenvolver um trabalho, mas não nos prendemos apenas ao CPB. Resolvemos fazer uma espécie de crítica de mídia de um modo geral, inclusive usando, às vezes, de uma certa ironia. Haviam coisas tão absurdas, que de fato, íamos lá e mostrávamos o quanto aquilo que havia sido publicado era ridículo. De certa forma, havia a facilidade de se executar esse trabalho de crítica da mídia como um todo, porque naquela época havia poucos veículos, poucos jornais, poucas rádios... Na televisão, também, a inserção de programas locais na grade de programação era muito tímida, então era um serviço que dava para fazer. Por outro lado, era um tanto quanto desgastante, porque... veja bem: de jornais impressos, tínhamos quatro jornais. Era o CPB, O Norte, A União e O Momento. Tínhamos de ler todos, analisar, preparar relatórios e materiais... Então era uma carga de trabalho de uma atividade: você trabalha nisso. Ou seja, era outra “jornada de trabalho”, outro “emprego”, por assim dizer. Sendo

assim, além de ser professor, você ainda tinha essa outra jornada cansativa. Alarico aguentou apenas um ano. Eu terminei o mandato sozinho, num segundo ano ainda mais cansativo, e deixei. O CPB ainda procurou novamente o curso para dar seguimento ao trabalho e até me refizeram o convite, mas recusamos, tanto eu quanto o departamento.

Vinha, com a atividade de ombudsman, um certo clima de desconforto. Havia uma frase que eu costumava usar: não ganhei inimigos, mas perdi amigos. Durante o tempo de ombudsman, isso aconteceu comigo. Jornalista não gosta de ser criticado. Critica a tudo e a todos, mas ele não gosta de ser criticado. Então, de certa forma, isso pesou na minha decisão. Afinal, eu tinha de estar todo o tempo criticando: essa era a minha função. Eu me expus demais. Tem também o desgaste físico, de tempo. Eu deixava de estudar, de ter lazer, por causa daquela atividade, e isso pesou demais. Chega um momento, em que você está desenvolvendo este tipo de trabalho e você tem de ler tudo, e te causa uma espécie de “fastio”. Confesso a você: ainda hoje gosto de ler jornais [impressos]. Mas você ter de ler, pro obrigação, quatro jornais todos os dias, e vendo conteúdos se repetindo e se repetindo... cansa. E muito.

Entrevistador:

Em cima deste clima de desconforto descrito pelo senhor, como conseguimos traçar outras experiências sobre crítica de mídia depois do ombudsman do CPB? Afinal, o

88

senhor nos falou que “não fez inimigos, mas perdeu amigos”. Que se dispôs a segurar

essa “batata quente” depois da sua experiência de crítica de mídia?

Carmélio:

Um ano depois do hiato da minha saída, o CPB chamou Rubens Nóbrega para desenvolver esse trabalho. Mas ele não chegou a ficar sequer um ano, porque ele se desentendeu novamente com a direção do jornal. Isso talvez tenha acontecido por conta do seguinte: quando nós fazíamos o espaço de Ombudsman, gozávamos de uma certa independência que, creio eu, Rubens não teve. Éramos professores da UFPB convidados para fazer o trabalho. Não recebíamos remuneração. Ou seja, trabalhávamos com o CPB, e não para o CPB. Rubens trabalhava para o CPB, era funcionário da empresa. Isso muda muita coisa. Ele foi contratado para isso. Talvez, em algum momento, ele tenha recebido alguma pressão por conta desse trabalho, e por isso, tenha surgido o desentendimento. E assim, ele se afastou.

Nesta época, coincidentemente, encontrei Alexandre na rua. Eu, naquela época, fazia um trabalho na TV Cabo Branco e ele me abordou, refazendo o convite. Expliquei que não, que era muito pesado. Cheguei a ponto desenvolver uma espécie de alergia ao papel do jornal na época, para você ter uma ideia! As partículas de jornal velho impregnavam meu ar, e isso me deu, durante certo tempo, uma faringite, uma inflamação quase que constante. Quando percebi o problema, disse a mim mesmo que não iria mais continuar. Tanto que, hoje em dia, eu não guardo mais recortes de jornais, salvo exceções.

Entrevistador:

Depois dessa experiência vivenciada pelo CPB, o senhor pode identificar outra proposta de crítica de mídia na Paraíba? Em qual momento ela acontece? O que o senhor pode falar a respeito dessas experiências sucessoras?

Carmélio:

Olha... Sinceramente... Após o ombudsman do CPB, experiência semelhante eu só consigo enxergar no Observatório da Mídia Paraibana.

Entrevistador:

89

Professor, mas são décadas de hiato na crítica de mídia da Paraíba? Porque segundo sua afirmação, pulamos dos anos 1990 para a segunda década do século XXI.

Carmélio:

Ao meu ver, sim. É o Observatório da Mídia Paraibana, criado por esse grupo, Janaine Aires, Simão Martins e demais, que vem com uma boa proposta de distanciamento, assim como buscávamos para desenvolver a critica no ombudsman do CPB.

Veja bem: eu fiz o papel de ombudsman até 1993. Rubens fez em 1995. A partir daí, nada que mereça um destaque. Muito tempo depois, o Observatório, formado por ex alunos do Curso de Comunicação Social, tinha uma proposta diferente da nossa, mas também realiza um bom trabalho. Mais recentemente, as professoras Sandra Moura e Joana Belarmino têm escrito uma coluna semanal n‟A União, e eventualmente elas

publicam algum texto de crítica de mídia. Esse trabalho vem sendo feito de uns três anos pra cá.

Entrevistador:

Pesquisas prévias indicaram, entretanto, a existência de trabalhos que antecederam o Observatório. Como exemplo temos o blog anônimo, autodenominado Bucho Furado, divulgava textos, notas, notícias e fofocas da mídia local.

Carmélio:

Por isso não os registro. Era um conteúdo mais superficial, com critérios duvidosos e parciais, e amparados no anonimato. Veja bem: um detalhe interessante é o anonimato, por conta do que eu falei antes sobre o desgaste nas relações profissionais.

Entrevistador:

Como o senhor viu o surgimento do Observatório? Afinal, o senhor foi professor destes alunos que, na graduação, deram inicio ao projeto. O senhor poderia nos falar um pouco sobre isso?

Carmélio:

90

Na verdade, eu só vim descobrir que eles testavam a frente do Observatório depois que haviam terminado a graduação. Não me lembro deles terem tocado no assunto antes. Quando eles terminaram o curso vi que eles haviam montado um blog, com um conteúdo já considerável, tratei de linkar o blog deles no Espaço Experimental [Programa desenvolvido pelo professor em conjunto com alunos de Comunicação da UFPB] e tenho os acompanhado desde então. Eles realizaram alguns eventos, e quando surgiu a proposta de trabalho, numa parceria com o Ministério Público Federal, com a Defensoria Pública da União, a partir do Fórum de Combate à Violência (evento realizado na UFPB em 2015 com várias entidades envolvidas, e vários grupos de trabalho definidos). A partir daquele grupo de trabalho de Mídia e Violência, decidimos criar o Observatório de Violência na Mídia. Foi quando nos reaproximamos. Inclusive queriam batizar com o mesmo nome, mas os lembrei que já havia um projeto com este nome em atividade, e como estávamos desenvolvendo um trabalho mais focado na questão da violência, optamos por outra nomenclatura. O grupo imaginava como a grande questão tratar do tema da violência policial, mas eu percebia a coisa numa maneira mais ampla: há outras formas de violência, como a manipulação de informação, a desinformação, na área da política e da economia, que talvez seja muito maior, e alimenta para que essa violência policial perdure; e que também deixa tanta gente excluída das decisões da sociedade. Isso para mim é maior.

Então eu chamei o pessoal para conversar, e eles fazem, de fato, parte desse Observatório. Nos próximos dias deve ser transformado no Fórum Insterinstitucional de Democratização da Comunicação, ou FIDC. É uma parceria do CCTA, Departamento de Jornalismo, CCJ, Defensoria Pública da União e Ministério Público Federal, além de vários movimentos sociais.

Entrevistador:

Como o senhor avalia a trajetória do Observatório quando falamos de suas ações, produtos, publicações e posicionamentos? Como o senhor percebe o entendimento do Observatório sobre o que é de interesse público, e como o senhor avalia a contribuição dele na formação da opinião pública local?

Carmélio:

Infelizmente, qualquer coisa que você queira fazer em contraponto à mídia hegemônica tem a dificuldade de atingir determinados públicos. Durante a minha participação como ombudsman do CPB, a coisa mais importante que eu achava era a coluna. A coluna era publicada no jornal, e a gente atraía o leitor para as coisas sérias que nós dizíamos. Era uma coisa estudada para poder trazer leitor. Fazíamos piadas com alguns erros gritantes que surgiam ocasionalmente em algum jornal. Por exemplo, havia um ilustrador

91

argentino no CPB. No dia de Tiradentes, ele fez uma ilustração do dito cujo sendo decapitado, e nós, que somos brasileiros, já temos decorada na cabeça a história de que Tiradentes é enforcado! Veja só, como isso passou pelas várias pessoas até chegar a ser publicado no dia seguinte? Tinha de virar piada. Assim, acabávamos fazendo essa ironia com o CPB e com os outros jornais também.

O problema do Observatório é o problema de todo mundo que tenta fazer um contraponto com a grande mídia. É um trabalho de conscientização extremamente válido, mas em termos de repercussão é muito curta. Para termos uma ideia, durante o grupo de trabalho de Mídia e Violência um professor do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB em Santa Rita, veio relatar que existia um projeto que trabalhava Direitos Humanos em escolas. Para participar do projeto os estudantes precisavam de autorização por escrito, assinada por seus responsáveis. Em certo momento, uma pessoa da direção da escola orientou os membros do projeto com a seguinte dica: “tirem essa expressão „Direitos Humanos‟ dos documentos”, pois o que prevalece no senso comum

é que “Direitos Humanos é a defesa do bandido”. Então, apesar de todo esse trabalho

que é feito de um modo geral por organizações deste segmento, o que prevalece é o discurso do programa policialesco, que Direitos Humanos é coisa de bandido. Ir contra esse senso comum é um árduo, porém necessário, trabalho a ser desempenhado. Não temos ainda canais suficientes para uma abertura ao diálogo sobre esses assuntos, apesar dessa luta do pessoal do Observatório.

Entrevistador:

A partir de suas vivências, como o senhor percebe o jornalismo político e o jornalismo cidadão praticado na Paraíba nos dias atuais? Como o senhor vê o comportamento dessas duas vertentes jornalísticas desde a sua época como ombudsman?

Carmélio:

É importante ter em mente que o conceito que se tem de jornalismo político por aqui é noticiar sobre os políticos. É isso que é conceituado como jornalismo político na Paraíba. As articulações, acordos, projetos nas câmaras e na assembleia, nomeações de secretariado e todas essas balelas que não dão sentido ao cotidiano do cidadão comum. O jornalismo político, aqui na Paraíba, infelizmente é isso. Quando nos deparamos com as notícias vemos coisas do tio “deputado tal está trocando de legenda para tal partido”,

ou “vai tirar licença para dar vaga a outro” etc, todo esse tipo de conversa de bajuladores e adornadores. Mas na verdade, tudo que você faz no jornalismo é envolvido em política. Ele sempre reproduz o ponto de vista hegemônico, ou seja, quem tem o poder, o poder de fato. Por exemplo, vimos que recentemente, na história do Brasil, que um partido estava no poder, mas não tinha o poder. Esse partido chegou a

92

nomear, por exemplo, juízes para o Supremo Tribunal Federal, e esses mesmo juízes foram responder às aspirações do pdoer, mas não daqueles que estavam ocupando o mandato , e teoricamente, os dava o poder. Então na hora em que encontraram uma “brecha” para destituir esse grupo, foi feito e pronto. Aparentemente, dentro da institucionalidade. Aquilo que foi usado para condenar e destituir, logo depois, passou a não ser crime para manter quem eles colocaram lá. O poder é algo bem maior que a pessoa que ocupa lá e tem a caneta na mão Há certos limites, e se vacilar, acontece o que aconteceu com Dilma. Esse poder está muito bem armado e instrumentalizado, e um desses braços é justamente a grande mídia, a imprensa, entende? É ele que forma o pensamento da população. A população aceita as coisas de uma maneira passiva no governo Temer, e se revoltava no governo Dilma, por quê? Porque esse discurso da imprensa é outro. Antes era “apesar da crise, tal coisa vai bem”, enquanto hoje ouvimos

e lemos “apesar da recuperação da economia, tal coisa vai mal”. “Apesar da recuperação da economia, o desemprego ta aumentando” e antes era “apesar da crise, o

desemprego cresce pouco”. Vemos diferenças gritantes com apenas poucos meses de

intervalo entre as manchetes. Nesta semana falaram sobre o aumento do preço do gás de cozinha. Não houve manifestação. Há um ano, as pessoas estariam revoltadas e raivosas com tal fato. Você percebe a manipulação dentro desse intervalo de tempo.

Assim, o jornalismo cidadão fica restrito a coisas pontuais e uma certa produção desnecessária. Por exemplo, a TV Cabo Branco, nesses dias, mobilizou um contador para ficar em frente ao prédio regional do Ministério da Fazenda para fazer uma reportagem sobre imposto de renda. Mas entenda: ele acordou antes de raiar o dia para aparecer no jornal da manhã, muito cedo, inclusive encontrando o prédio de portas fechadas. Ou seja, qual a necessidade dessa produção para esta pauta? Por que fazer o contador levantar tão cedo, quando poderia ter gravado em outro local, o próprio contador dando as dicas sobre o assunto, e exibido posteriormente no jornal? Que espécie de prestação de serviços a TV realmente está disposta a fazer? É um revestimento de esforço desnecessário. Um jornalismo cidadão pontual e superficial, espetacularizado nos serviços e ações sociais. As coisas que interessam de fato, à cidadania, no dia a dia, raramente acontecem. Lembro-me que, quando ombudsman do correio, o plebiscito sobre o sistema político: parlamentarismo, presidencialismo ou monarquia. O repórter sai na rua perguntando às pessoas “você sabe o que e

parlamentarismo”, quando, oras, o próprio repórter não sabe do que está perguntando!

Escrevi algo assim na coluna. Por que ridicularizar o cidadão pelo desconhecimento, quando a própria imprensa poderia estar aprendendo e esclarecendo o seu público? Se nem o próprio repórter sabia, porque aprender e debochar do desconhecimento alheio, ao invés de cumprir seu papel e ser o que é: um jornalista?! Entende?

Tem um aspecto que vejo principalmente no jornalismo cidadão, onde há um engajamento nas lutas ambientais. É legal, é importante. Entretanto, há um detalhe:

93

todos os partidos verdes, com essa ideologia ambiental, pelo mundo, tornaram-se partidos de direita. Foi como se os espoliadores da sociedade procurassem algo que limpasse suas consciências, sendo benéficos, de alguma maneira, para a comunidade. A meu ver, essa luta ambiental vem substituir a filantropia do século passado: os chás beneficentes das madames, que doavam mixarias e usavam vestidos que valiam fortunas. Uma cretinice, na verdade.

Então, é dessa forma que eu vejo o jornalismo cidadão praticado por aqui, entende?!

Entrevista – Carlos Edmário Nunes Alves

Entrevistador: João Alberto Batista Jales

João Pessoa, março de 2017.

Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba. Graduado em Comunicação Social, com habilitação em Relações Públicas pela mesma instituição. Integra o grupo de pesquisa do Observatório da Mídia Paraibana e do Projeto Cinestésico - Cinema e Educação/UFPB. Desenvolveu ações em escolas de Ensino Fundamental da Rede Municipal de Educação de João Pessoa como Arte-Educador/Monitor da Oficina de Educomunicação - Jornal Escolar e Rádio Escolar, trabalhando com análise crítica da mídia. Concentra-se no debate entre Comunicação e Música, Performance, Cultura Pop, Cinema e Educação, Audiovisualidades e Corpo.

94

Pesquisa especificamente as narrativas do Cinema/Audiovisual/Videoclipe, as suas relações com a performance, a política dos corpos, construções subjetivas e simbólicas do cotidiano e as relações entre som e imagem.

Entrevistador:

Gostaria que você falasse um pouco da sua trajetória, desde a sua graduação, chegando até você enquanto membro do Observatório da Mídia Paraibana.

Carlos Edmário:

Bem, meu perfil é bem amplo, não é?! [Risos] Muitas pessoas imaginam que eu seja jornalista por formação, mas sou Relações Públicas. As próprias pessoas de Relações Públicas me falam isso o tempo todo: “Ah, pensava que você era jornalista”. Não foi

fácil desviar de algumas coisas das Relações Públicas. Por exemplo, meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) não foi dentro de uma empresa, ou sobre uma empresa, ou um trabalho prático. Embora eu tivesse visto isso, como projetos de comunicação institucional e uma criação de uma empresa, mas não me interessava tanto pelos modelos de empresas que eram sugeridas ao longo do curso. Então a minha área era mais acadêmica mesmo, logo no início do curso me engajei com a pesquisa, fazia extensão, que é super importante para se crescer tanto academicamente quanto humanamente. Vindo de um curso de Relações Públicas noturno, onde as pessoas costumam trabalhar durante o dia, são raras na dinâmica do curso as experiências e o contato com outras atividades além da sala de aula. Sendo assim, não há um estímulo a se aproximar da produção acadêmica. Mesmo assim, fui o único de minha turma que fez extensão e pesquisa durante a graduação durante dois anos. Fiz extensão em Assessoria de comunicação, com a professora Jamile Paiva, onde atendíamos o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba; e resolvi me enveredar mais pelo lado acadêmico, embora tudo que eu pesquisasse era relacionado com o campo das Relações Públicas. Meu TCC, inclusive foi diretamente relacionado com o tema “Opinião Pública dentro da convergência”, e tomei como objeto o canal Youtube, que

surgiu em 2008. Como o peguei para estudo em 2011, ele vinha muito recente dentro dessa onda de mídias sociais. Hoje, com certeza, com aspectos da audiovisualidade em alta, por assim dizer, ele rende muito mais do que se pode imaginar. Utilizei, em meu estudo, uma variedade de técnicas de Relações Públicas que tinha aprendido ao longo do curso, numa pesquisa de opinião pública envolvendo esse mecanismo virtual de compartilhamento de vídeos. Depois eu acabei entrando no Coletivo Comjunto, e fui convidado a fazer parte de várias atividades. Entre essas atividades estava o Observatório da Mídia Paraibana, que era um projeto de pesquisa independente (de professor, inclusive) e de financiamento institucional. Então, eram estudantes que

95

sentaram para ler, pesquisar, debater e retirar algo interessante. Dali saiu muita coisa, afinal hoje os integrantes são mestres e doutorandos, em sua maioria.

Eu me inseri pouco tempo depois das meninas (Jana, Maria, Cibelle), pois andava envolvido com outras pesquisas. Pesquisava cinema e audiovisual, e fazia pesquisa e extensão dentro das esclolas, então eu servia como o Relações Públicas do grupo, visitando as escolas, abordando diretoria, conversando e estabelecendo esses vínculos e ligações, e desenvolvendo oficinas. O Observatório veio um tempo depois, principalmente quando entrei no mestrado. Ele chegou de uma maneira mais forte, e decidimos então tocar junto aquele projeto. Desse momento do observatório, além de prosseguir as pesquisas, resolvemos criar alguns canais (página e blog) e a nossa editora, a Xeroca, independente, que não cobra como que as outras cobram para publicar. Ela veio para agregar, e ficamos também com isso. Já havíamos organizado várias Semanas pela Democratização da Comunicação, e sempre vivíamos nessa lógica de ficarmos querendo trespassar os muros da universidade. Produzíamos aqui, mas queríamos que o que era produzido extrapolasse os limites que a academia nos sugere. Queríamos visitar praças, escolas, e ir debater a criticidade da mídia nos espaços que deveriam ser debatidos, além da academia. Veio também, com o tempo, a criação do Simpósio. Criamos o simpósio de Pesquisa em Mídia Paraibana, ele ganhou corpo, se envolvendo com outras pesquisas que eu mesmo não conhecia na UFPB. Com o Simpósio, demos visibilidade ao Observatório e às pesquisas de mídia produzidas por graduação e pós graduação, que acabavam não chegando ao público, seu destino final: ser visto e lido.

Entrevistador:

Você fala do Simpósio e da Editora Xeroca como possíveis produtos nascidos a partir do Observatório. Nesse caso, vislumbrando dessa forma, o Observatório da Mídia Paraibana tem como braço editorial a Editora Xeroca?

Carlos Edmário:

Tem, mas com muito cuidado. Entendo essa ligação que você sugere, e já percebemos esse detalhe. Existe uma ponte entre o Observatório e a Editora, mas se mantém com um certo cuidado, pois como a editora tem uma avaliação, o tempo todo não podemos estar nos “autopublicando”. Isso não soa legal, e queremos desviar sempre disso. Quando falo que as duas organizações são unidas e uma necessita da outra, é porque se tornou mais fácil publicarmos pesquisas que não sairiam da gaveta. A Editora Xeroca têm publicações de pessoas da Sociologia, da Comunicação, então ela anda por onde realmente as pessoas não teriam recursos para bancar a publicação. Como geralmente fazemos livros digitais, facilita a publicação, a leitura e o manuseio desse acervo que se

96

disponibiliza. O Observatório paira sobre uma certa flexibilidade: Se você tem um objeto para pesquisar, ou uma pesquisa já montada, pode chegar e se aproximar. A Editora exige uma seriedade institucional maior. Ela tem um corpo editorial e uma institucionalização que ele ainda não possui. Veja bem: o Observatório não é “solto”,

ele possui objetivos firmados e pesquisas maravilhosas; mas não é institucional. Queríamos muito registrá-lo no CNPq, mas ainda não há um Doutor, e é necessário para o seu cadastro ser efetuado no site. O que eu, particularmente, acho insano. Você cria uma dependência de alunos da graduação que possuem potencial para publicar. E aí, como fazemos? Sabemos que vivemos num mundo muito copiado e reproduzido o tempo todo, mas diante de uma coisa moral e ética, que nos firmamos e nos prejudicamos bastante com isso. Sabemos o que queremos e levamos isso à risca.

Entrevistador:

Ainda que não seja institucionalizado, o Observatório possui alguma estrutura do ponto de vista organizacional? Como funciona a organização?

Carlos Edmário:

Vejo a organização com uma cabeça. Sem dúvida, Janaíne Aires é essa cabeça. Como ela ta diretamente pesquisando constantemente sobre mídia paraibana, com um material extenso e pesado, onde ela aborda do litoral ao alto sertão paraibano, fazendo pesquisas bem mais abrangentes. Eu, neste momento, me dedico à uma pesquisa em especial: a que envolve audiovisualidades e os chamados “Môfis” (jovens da periferia, presos e

exibidos em programas policialescos). A pesquisa dela envolve os donos de mídias do estado, e a relação com os espaços políticos, pois, por lei, políticos não podem ser donos de meios de comunicação no Brasil. Entretanto, essa lei é jogada na lata do lixo há muito tempo, e Janaíne tem estudado esse processo no estado da Paraíba há um certo tempo.

Janaíne tem mais pensamentos e idéias para tocar, e tem mais essa coisa toda, logo, ela é a cabeça do Observatório. Eu faço mais o papel de Relações Públicas também, na função de estabelecer diálogos e buscar financiamentos para a realização das ações. Entretanto não impedimos que terceiros façam parte do Observatório. Apesar de organizarmos o Observatório, têm pessoas que dialogam com os temas que pesquisamos, escrevem sobre os temas, e conseguem montar outros grupos, através de diálogos nos canais e debates com o pessoal do Observatório. E replicamos: não nos eximimos de publicar, reverberar e creditar aquele grupo que estuda na mesma linha que a nossa. O texto passa a fazer parte do acervo do Observatório, mas damos os devidos créditos a quem o produziu. O que é interessante, porque acabamos tirando o poder dos grandes meios. O Observatório também se mostra como um espaço para o debate sobre minorias. Enfim, é um campo muito extenso, e possui muitos aspectos sobre os quais o Observatório opina, com e para além da mídia paraibana.

97

Entrevistador:

As publicações e reverberações do Observatório são consideradas por seus integrantes como sendo de interesse público. O que você, quanto membro do Observatório, entende por interesse público? Como você pensa o interesse público?

Carlos Edmário:

Levei muito tempo para tentar entender o que eram as Relações Públicas, e o significado do curso. Acabei aprendendo que Relações Públicas reúne uma infinidade de coisas, e é algo além do que imaginava inicialmente. Atuamos em diversos campos, com diversos parceiros e clientes. São várias vertentes que não conseguimos conceituar de forma fechada. Para mim Relações Públicas é uma ponte de diálogo bem feito, bem produzido e bem passado, muito claro, na Comunicação. É uma metacomunicação. Uma comunicação encarregada de fazer a comunicação entre os campos da Comunicação, e com uma infinidade de ferramentas de vários campos, que já acho diferente do jornalismo, que já é uma coisa mais fechada. O Relações Públicas possui muito mais possibilidades. Interesse público, assim, se torna o interesse da empresa: o que interessa ao público dessa empresa? Na minha empresa, o que é que interessa ao meu público? Assim pensando o Observatório como uma organização aberta e horizontal, tem como interesse público fatos e realizações que propomos, inclusive a criação do próprio Observatório. Para nós, agir de acordo com interesse público é dar voz ao outro lado, negligenciado e silenciado pela grande mídia. Há um certo tipo de ideologia capitalista, unicamente como uma economia e política da informação e comunicação muito pesada. Sabemos quem são os donos da mídia, e os interesses são privados. Observatório vem para criar essa via de escape e fazer pesquisas que não veríamos na mídia tradicional. É você falar a respeito de Samuka Duarte (apresentador do programa policialesco Correio Verdade), fazer uma crítica a ele, e ele replicar no programa, chateado porque fizemos a crítica. Nem eles entendem que a crítica que fazemos é uma crítica fundada numa pesquisa, numa coisa séria, numa coisa que deve ser pesquisada, afinal de contas Samuka é um produtor de sentidos: não é a toa que existem jargões, audiência e público cativo. Samuka é parte disso, e não é o único. Vemos isso até nos editoriais mais tradicionais, como o da TV Cabo Branco. Ela tem se aberto mais “ao sangue” na hora

do noticiário. Está saindo do editorial “padrão Globo” e entrando um pouco nessa

lógica. Para nós, enfim, é de interesse público atingir outras camadas que normalmente não seriam atingidas pela produção a que temos acesso e que temos trabalhado, dando voz a quem não consegue ser ouvido, ou de onde não há mais crítica a se fazer de onde está. É importante que as pessoas tem começado a repensar isso, essa relação em ter de aparecer com a cara no jornal. Isso já tem acontecido. Então, o nosso conceito envolve uma certa amplitude de contextos, apesar de saber o que realmente nos interessa

98

publicar. Por exemplo, não há interesse de publicarmos nenhum material com fotos violentas, como acontece com as imagens do jornalismo policialesco. Existe uma série de questões: o direito de imagem, o respeito às falas, outros lados das opiniões, enfim, vias de comunicação dupla, que vão e que vêm.

Entrevistador:

Como você acha que essa noção de interesse público que o Observatório possui contribui na formação da opinião pública paraibana?

Carlos Edmário:

Não tenho certeza se conseguimos interferir na opinião pública, naqueles que vivem “na

grande bolha”, por assim dizer. Entretanto conseguimos atingir um público mais

específico, que já segue nossos canais. No fim das contas, as pessoas têm uma opinião formada. Pode não ser concreta, não ser mais aprofundado para produzir uma matéria ou uma crítica, possuir a mesma base que eu ou Janaíne temos, nem as mesmas técnicas, mas tem as condições de formar uma opinião sobre os assuntos do seu cotidiano. As leituras e as críticas surgem a partir das pessoas que o leem. A partir do momento que você segue nossas publicações, você mostra um certo discernimento e isso vem pra afirmar e firmar o que ela tem pensado, e ocasionalmente publica em seus perfis nas mídias sociais, mas a maioria de fato já possui uma opinião formada. Vejo mais atrito pelos formadores de opinião dos grandes meios. Ocasionalmente somos bloqueados por esses perfis de políticos, empresas e organizações, que fazemos uma certa crítica, e ele não rebate. Ele isola, exclui, silencia. O que eles não perceberam, que nós já percebemos, é que todo mundo tem uma opinião formada sobre algo. Todo mundo tem algo a falar, e isso precisa ser estimulado. Às vezes acontece daquela pessoa pensar da mesma maneira que aquela organização, e isso é legal.

Entrevistador:

Aqui, partimos de uma premissa: a assessoria de imprensa é feita pelo Relações Públicas. A partir disso, como você vê a crítica de mídia, do ponto de vista do assessor de imprensa, relações públicas, que possui papéis estratégicos nessas relações?

Carlos Edmário:

É uma tradição destinar ao Relações Públicas as coisas relacionadas a eventos e cerimonial. Isso é a parte mínima de nossas técnicas. Achar que isso resume o curso é

99

piada. Pelo contrário: uma coisa maravilhosa, a meu ver, é a nossa infinidade de atividades a serem desenvolvidas. Lógico, existe o descontentamento de quem é criticado, esperando que o Relações Públicas seja um “fazedor de média” e isso é

praticamente inevitável quando se surpreende com a fonte da crítica que lhe foi feita; mas primamos sempre por uma conduta moral e ética, e esses desafios surgem para fortalecer alternativas ao campo das Relações Públicas.

Às vezes nos deparamos com desafios éticos e morais que não deixam a assessoria acontecer. É importante saber identificá-los. Deve ser por isso que trabalhei pouco com assessorias que lidavam diretamente com figuras políticas, ou de um jornal. Quando você sai da academia para o mercado, você já sai visado, então, se você fez a crítica, já te conhecem. Isso é uma faca de dois gumes: vai te distanciar de grande parte do mercado, mas te abre possibilidades para experiências como a do Observatório. É o primeiro grande desafio moral e ético.

Dentro do ambiente empresarial não há espaço para a crítica. No Observatório, entretanto, nós criticamos inclusive a nós mesmos! Procuramos também, na nossa linguagem, usar de princípios morais e éticos, justamente por ser a razão de existir do projeto: não adianta usar de agressividade na escrita. É importante observar o contexto como um todo. Ainda assim, me pergunto: quem me contrataria, nessa ferocidade do mercado, como assessor, sabendo do que eu já fiz, das críticas que publiquei, e dos projetos que participo ou participei? Para além da pesquisa, fui professor no ensino básico. Eu trabalhava com adolescentes e crianças sobre vários temas envolvendo diretamente a mídia. Ao tempo todo eu criticava esses grandes grupos midiáticos, então quando você começa a lidar com a coisa você sente o mercado afunilando. O mercado é isso: precisa de alguém que vai falar com ele e redija o que ele está pensando. Em algum momento da sua assessoria, a editora vai cortar eventualmente alguma coisa. Ou você fazendo a crítica a um anunciante de um grande meio, e de repente surge a ligação na redação questionando a crítica publicada. E aí, o que você imagina? O que você faz? Já vê que quem paga primeiro é o corpo que escreveu aquilo, e não o jornal. Sempre vai sobrar para quem escreveu aquela crítica, seja um Relações Públicas ou um jornalista. Particularmente me sinto mais livre para fazer assessoria estando no Observatório, para trabalhar com comunicação, inclusive para experimentar novas técnicas e novos formatos. É preciso pensar novas formas de transmitir a informação, fora desses padrões antigos de informação. A grande mídia está nesse padrão. Se você esmiuçar, você descobre o porquê de ter sido usado determinado discurso em determinada linguagem. Nada é dito “de graça”, sempre existe um círculo de interesses pairando nesse universo

da informação. Se queremos mudança, devemos modificar a maneira de transmitir, a linguagem de transmissão, os sentidos a serem produzidos e as pessoas a serem sensibilizadas precisam estar cientes desse processo.

100

Entrevista – Alexandre Santos Arantes de Sousa

Entrevistador: João Alberto Batista Jales

João Pessoa, abril de 2017.

101

Jornalista e produtor cultural. Graduado em Comunicação Social (Rádio e TV) pela Universidade Federal da Paraíba. Mestrando no Programa de Pós Graduação em Sociologia da UFPB, na linha de pesquisa Cultura e Sociabilidades. Membro do Conselho Fiscal da Editora Xeroca, membro do Observatório de Políticas Culturais da UFPB e pesquisador na área de financiamento de cultura e mídia.

Entrevistador: Alexandre, poderíamos começar falando um pouco de seu currículo, de sua trajetória? Enquanto profissional, enquanto pesquisador, enquanto ator nesse universo da comunicação paraibana, quem é o Alexandre Santos?

Alexandre:

Iniciei meus estudos em Comunicação em 2008, apesar de já estar produzindo comunicação anteriormente, pois trabalhava com fanzines e publicações alternativas dentro do cenário cultural da cidade. Naturalmente nos fez perceber que havia uma afinidade com o campo da comunicação, e chegando neste campo, percebi que possuía uma afinidade ainda maior com o universo da produção cultural. Dentro da produção cultural fui levado a exercer funções em Comunicação (mas não só) e todo esse suporte teórico e técnico que absorvi na academia veio para fazer-me pensar melhor como comunicólogo e como produtor cultural, um agente cultural da cidade. Entre 2010 e 2011 eu e Gerson Abrantes criamos a produtora Parahybólica Cultural. Tivemos várias etapas, momentos e formações de equipe, mas o núcleo duro éramos eu e Gerson. Deste essa época atuamos no mercado cultural da cidade de João Pessoa com eventos, cursos, projetos ligados à produção cultural e musical da cidade. Atuamos também em outras frentes no setor, realizando e desenvolvendo projetos em outras linguagens, como teatro, dança e literatura.

Além da Parahybólica, sou mestrando no programa de pós graduação em sociologia da Universidade Federal da Paraíba, na linha de pesquisa “Cultura e Sociabilidades”,

pesquisando os públicos da cultura na cidade de João Pessoa, tomando como estudo de caso o Espaço Cultural [José Lins do Rego], que é um equipamento cultural público, amplo, múltiplo, que abarca diversas linguagens; em sua área construída se desdobra em vários outros equipamentos, e tento, a partir desse estudo de caso, refletir em como o público se comporta e como consome cultura como um todo. Esse é o trabalho acadêmico que eu tenho me concentrado ultimamente, unido à produção cultural e ao governo do Estado da Paraíba, onde sou servidor técnico administrativo efetivo, já estive na Secretaria de Cultura, e hoje estou no museu Casa do Artista Popular, que hoje é vinculado à Secretaria de Turismo. Lá trabalho no atendimento ao público, onde já me fez refletir várias vezes sobre a questão do consumo cultural dos museus, dos públicos

102

dos museus, e também em relação às políticas de memória, patrimônio e preservação do acervo deste tipo de equipamento.

Entrevistador:

Você, em sua trajetória, traz uma certa ênfase à essa relação que a sociedade tem com o a ação e as formas do consumo. Podemos dizer que os consumos de cultura e mídia, de certa forma, caminham junto em muitos momentos?

Alexandre:

Sim, podemos. Comunicação e cultura caminham juntos, trabalham com transmissão de conhecimento e informação. Então podemos dizer que sim.

Entrevistador:

Você, como membro do conselho fiscal da Editora Xeroca, possui um conhecimento sobre os processos burocráticos das políticas de financiamento. Seguindo essa lógica, de que Comunicação e Cultura caminham juntos, o financiamento das mídias também é tema de seu interesse?

Alexandre:

Sim, é de interesse não só meu, mas da sociedade como um todo. Em relação ao financiamento da mídia, ele é um debate bem múltiplo. Ele precisa ser abordado em diversas camadas. Primeiro, na própria questão da política pública em Comunicação, que parte do âmbito das secretarias municipais e estaduais e do próprio ministério das Comunicações, e demais órgãos oficiais de Comunicação. Segundo, o financiamento comercial da mídia (e da mídia comercial) e também o financiamento da mídia alternativa, que é um financiamento mais frágil. Esta última já merece outra reflexão, no sentido de pensar a sustentabilidade e os caminhos desse financiamento.

Essa é uma questão bem complexa. Do ponto de vista do financiamento hoje, há um certo acúmulo de discussão sobre esse tema. Desde o coletivo Comjunto (um coletivo que nasceu de estudantes de graduação e hoje prossegue com comunicadores), passando por nossas formações e carreiras profissionais, temos uma discussão de como tem se dado o financiamento da mídia. As secretarias e o ministério de comunicação são muito mais pensados como estruturas de agências de notícias do governo do que propriamente como órgãos de regulamentação, regulação, fiscalização e elaboração da política

103

pública. Então, quando você pega uma estrutura como essa e a usa nesse formato de agência, você faz com que ela perca um caráter essencial: formular política para comunicação e mais especificamente, para a comunicação pública.

Se formos nos debruçar nos orçamentos, veremos que as pastas de Comunicação, no geral, possuem recursos volumosos: maior do que a Cultura e o Esporte, por exemplo. Grande parte desses recursos da Comunicação são gastos com as agências de notícias, de publicidade e de propaganda, com relação (contratual) com o Estado, nesta divulgação oficial de ações governamentais, tão somente. No entanto vemos a perda do caráter público da Comunicação exercida como um todo.

Ao não perceber os órgãos públicos de comunicação como espaços para pensar políticas públicas relacionadas à Comunicação, você faz com que todo um debate seja posto de lado, e aquela estrutura que tem volumosos recursos se transforma numa promoção de um gestor, de uma figura, que “tem de ser” destacada. Hoje os recursos públicos

financiam grande parte dos sistemas de comunicação locais, financiam as agências de publicidade e propaganda, gráficas, produtoras audiovisuais, e aportam recursos para uma comunicação baseada em releases e roteiros propagandistas, sem esse caráter e sem esse compromisso público. Se diz que é uma prestação de contas, mas o próprio teor da linguagem utilizada vem para enaltecer o gestor, numa linguagem mais enviesada. E veja bem: tudo isso como recurso público, que é o recurso que mais financia a mídia local. Hoje é muito difícil um portal, um jornal, uma TV, uma rádio se manter sem a verba publicitária de algum governo. Isso acaba gerando uma grande guerra de interesses: você tem, de um lado, um grupo político à frente do governo do estado, e esse grupo possui sua lista de “empreendimentos atendidos”. Há outro grupo político à

frente da prefeitura da capital, e esse grupo também possui outros “empreendimentos

atendidos”. E na verdade, acaba virando uma guerra de coronéis: coronéis midiáticos,

coronéis políticos, coronéis econômicos do estado, tudo aquilo ali, muito imbricado.

Na verdade, temos uma comunicação que nasce no Brasil já com um caráter comercial, diferente de outros casos no mundo, onde a comunicação nasceu com um caráter público, e as primeiras TVs eram patrimônio público. Pelo contrário: aqui ela já nasceu comercial, e nossa experiência de TV pública é muito recente.

Então, quando tem essa camada do financiamento público, e tem a camada do financiamento da mídia alternativa hoje. Esse financiamento é muito precário, ou quase inexistente. A razão principal é que a mídia alternativa, no Brasil, é criminalizada: a rádio comunitária é criminalizada, por exemplo. Hoje há a internet como forma de desafogar esse fluxo de innformação, e de repente, surge uma TV via streaming e com transmissões ao vivo. Não é uma estrutura de TV tradicional, pois haveria a necessidade de todo aquele aparato tecnológico. É uma estrutura menor, mas que você consegue colocar um conteúdo no ar. Mas qual o financiamento que se existe hoje para mídia

104

independente, hein?! Há tempos houve, através do Ministério da Cultura, o edital Pontos de Mídia Livre. Foi uma experiência fantástica onde o ministério incentivou projetos em comunicação que já existiam – revistas, agências, rádios, TVs comunitárias, e proporcionou a criação de conteúdos, além da articulação de uma rede, como era o Fórum de Mídia Livre. Tive a oportunidade de participar dos encontros do Fórum de Mídia Livre em Belém (PA) e Vitória (ES), e desde aquela época o gargalo que se tinha era pensar essa questão de sustentabilidade para além do edital e da política pública, que poderiam ser passageiros, como de fato o foram. O financiamento da mídia independente é uma lacuna imensa da qual ainda não conseguimos preencher. Como constituir um fundo para mídia independente no Brasil? Como constituir um fundo para mídia comunitária no Brasil? Como não ficar dependendo e estar produzindo notícias e reportagens investigativas, produzindo comunicação financiada. Sabemos que a comunicação precisa de um financiamento: não dá pra você colocar um repórter na rua sem remunerar uma equipe. E se for uma reportagem extensa, densa, ele precisar de um mês para desenvolver? Ele precisa ser remunerado. Não dá para colocar a mídia independente na rua, produzindo conteúdo, sem financiamento. Esse é um desafio que a gente ainda não venceu, e só vai se avançar nisso na (re)construção de uma rede, hoje, dessas iniciativas de mídia independente no Brasil.

Eu vinha fazendo uma observação, junto com Marco Acco, e o pessoal do Diário do Centro do Mundo, sobre a constituição de um fundo independente para a mídia livre. Um fundo que seria financiado pelos leitores, mas que seria um fundo comum, mobilizado por toda essa rede de mídia independente e progressista. Nós mobilizaríamos os consumidores dessas mídias para, ao invés de financiar o portal ou a TV online, financiar o fundo; e esse fundo se tornando essa estrutura de concentração e distribuição de recursos para essas iniciativas. Isso precisa ser melhor discutido e elaborado por esse grande conjunto que é o Movimento Pela Democratização da Comunicação, onde estão diversos atores, para podermos formular as bases de um fundo independente. Isso nos daria a chance de estar ganhando fôlego na produção jornalística, para dependermos cada vez menos de estarmos compartilhando as matérias de veículos como Folha, Estadão, Exame e do que quer que seja. Estaríamos investindo diretamente numa comunicação com outra linguagem, outro caráter e, consequentemente, outro compromisso com seu público.

Entrevistador:

Voltando a falar um pouco pela sua passagem pelo conselho fiscal da Editora Xeroca, gostaria de saber como você percebe a relação entre a editora e o Observatório da Mídia Paraibana? Para além disso, como você poderia avaliar a política de financiamento que é executada pelo Observatório?

105

Alexandre:

É ainda uma coisa que está se buscando, esse financiamento, tanto pela editora quanto pelo Observatório. O custo para se lançar um livro é alto, e isso imprime uma certa dificuldade para publicações. O processo que a Xeroca utiliza é “artesanal”, e isso

demanda todo um caráter envolvido na publicação. O financiamento ainda é uma coisa que se busca, tanto que a Xeroca produz numa quantidade bem reduzida, quase que sob encomenda, e à medida que o estoque vai acabando vão sendo produzidas mais unidades. Primeiro, não é uma proposta comercial: ela parte de um ponto de vista da difusão do conhecimento e aí não se tem condições de se produzir em larga escala, até porque em larga escala envolve toda uma inserção numa cadeia produtiva, que engloba inclusive a distribuição. A questão do financiamento independente está muito ligado ao próprio autor do livro, que aciona a Xeroca, e percebe que tem uma afinidade com o seu trabalho, geralmente trabalhos que promovem a crítica a mídia. Então o autor investe, e o que se arrecada da venda desta pequena tiragem é dividido entre autor e editora, na perspectiva que a parte da editora possa ajudar a financiar publicações seguintes. É um trabalho “de guerrilha”, por assim dizer: pensar, elaborar e produzir a mídia, e colocar

esse conteúdo para circular pelo mundo. No caso da coleção “Assanha o formigueiro”,

especificamente mantida com o Observatório, as receitas das publicações ajudam no financiamento de obras específicas desta coleção, podendo ou não ser do mesmo autor da obra que foi publicada anteriormente, proporcionando o financiamento da seguinte.

Na verdade é tudo muito imbricado: a editora, o Observatório, o Coletivo Comjunto... As pessoas circulam pelos três espaços, são campos de ação semelhantes, os projetos são próximos... Por exemplo, quando o Coletivo Comjunto organiza uma Semana pela Democratização da Comunicação, não há como o Observatório e a Xeroca não estarem juntos, pois se tratam das mesmas pessoas transitando entre as estruturas. No entanto, cada uma tem seu papel e seus objetivos definidos: são entes separados, digamos assim. Por isso, ao mesmo tempo, também se interligam na arrecadação, pois o Observatório provoca a Xeroca sobre uma publicação, aí a editora atende uma demanda que é do Observatório, num trabalho conjunto. As marcas tão ali, expostas em separado, mas as pessoas transitam entre essas estruturas interligadas. A Xeroca é um ambiente de difusão do conhecimento, o Observatório é um ambiente de produção de conhecimento, o Coletivo é um grupo de ação sobre as pautas da Comunicação. Enfim, há um campo comum que vai alinhavando essas três estruturas.

Entrevistador:

Quando falamos de política de financiamento, de política fiscal, dessa coisa mais econômica e mercadológica e por uma perspectiva de sustentabilidade financeira, como você avalia a credibilidade do Observatório junto à opinião pública? Como você avalia

106

o posicionamento do Observatório da Mídia Paraibana quanto ao exercício da sua política de financiamento?

Alexandre:

Acredito que, apesar de um alcance limitado (no sentido de que ele atinge muito mais um público que pesquisa e critica a comunicação, do que propriamente de um público que consome a comunicação), ela é bastante significativa, no sentido que as pessoas percebem um trabalho sério e engajado, pelo histórico. Sabem que seus integrantes são pessoas que trabalham na comunicação há um certo tempo, com um percurso longo no debate da democratização da comunicação na Paraíba. Para esse público, que é o público primeiro do Observatório, assim como também é o público primeiro da Xeroca, há um reconhecimento da importância deste trabalho. Porque há um trabalho real de percepção, observação, monitoramento, de elaboração da crítica, e há poucos espaços assim. Poderíamos ter mais se o movimento pela democratização da comunicação no estado fosse mais organizado e mais articulado, e aí faço inclusive uma autocrítica, enquanto membro desta bandeira. Toda esses atores, se mais articulados, poderiam estar reforçando esse ambiente que é fundamental, como é o da crítica de mídia. Para o público, o Observatório tem um espaço significativo, “de fôlego”, daquilo que,

enquanto um conjunto de atores, não consegue produzir, mas o Observatório consegue.

Essa crítica à mídia paraibana leva o Observatório a ser requisitado em certos espaços, pois existe uma percepção de que o Observatório é um ambiente em que as pessoas estão produzindo uma reflexão sobre a mídia. Então o Observatório já compôs espaços junto ao Ministério Público (MP), à própria UFPB, assim como também provocou a UFPB, e provocou o MP e outras entidades a convergir para um debate sobre midia: seja pelos muitos abusos diários e cotidianos que acontecem na Paraíba, seja pelo junto do debate de mídia como um todo. A democratização da comunicação não só como bandeira, mas como política pública necessária também. Afinal, falamos que ela precisa vir à tona, mas ela acaba se confundindo na estrutura da gestão pública, criando a situação de agência de notícia.

Quanto à credibilidade, com relação a esse público que consome o conteúdo do Observatório, existe o reconhecimento. O Observatório é um espaço/estrutura fundamental para estar pensando e produzindo a crítica à mídia, mas também provocando ações e extrapolando o âmbito da academia. Até mesmo na academia, provocando uma reflexão que muitas vezes não é colocada em sala de aula, e infelizmente nossos cursos caminham a passos largos para o caminho do tecnicismo. Hoje, com as reformas curriculares dos cursos de Comunicação, vemos cada vez mais a retirada da dimensão do debate político sobre a comunicação, já desde a formação do comunicólogo. Quando o Observatório realiza um seminário dentro a universidade,

107

provocando estudantes e professores, ele afirma que quer mexer nas estruturas, e que ela, a universidade, precisa começar a refletir sobre esse campo como todo, porque ele está em disputa cotidiana através de suas narrativas. É necessário produzir narrativas lúcidas para fazer essa crítica com qualidade.