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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE COMUNICAÇÃO TURISMO E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO CURSO DE COMUNICAÇÃO HABILITAÇÃO EM JORNALISMO LIRISMO E NOSTALGIA (GONZAGA RODRIGUES, FILIPÉIA E OUTRAS SAUDADES) Flávia Lopes Sales do Nascimento João Pessoa 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE COMUNICAÇÃO TURISMO E ARTES

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO

CURSO DE COMUNICAÇÃO

HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

LIRISMO E NOSTALGIA

(GONZAGA RODRIGUES, FILIPÉIA E OUTRAS

SAUDADES)

Flávia Lopes Sales do Nascimento

João Pessoa

2013

LIRISMO E NOSTALGIA

(GONZAGA RODRIGUES, FILIPÉIA E OUTRAS SAUDADES)

Flávia Lopes Sales do Nascimento

Orientador: Hildeberto Barbosa

Filho

Monografia apresentada ao Curso de

Comunicação, habilitação em Jornalismo, do

Centro de Comunicação, Turismo e Arte da

Universidade Federal da Paraíba – UFPB, em

cumprimento às exigências da disciplina Trabalho

de Conclusão de Curso – TCC, como requisito

para obtenção do grau de Bacharel em

Comunicação, com habilitação em Jornalismo.

João Pessoa

2013

"A nostalgia de hoje é diferente. Nostalgia boa era a nostalgia de antigamente".

Frase colhida na parede de um banheiro de bar de João Pessoa.

AGRADECIMENTOS

A gratidão primeira vai para quem me concedeu à existência: Deus, Meishu-Sama e meus

pais. A quem devo tudo, vida, amor, moral e todos outros sentimentos bons que os seres do mundo

precisam para sobreviver. Esta gratidão também vai para os familiares que me amam desde o

berço e continuam a me amar na maturidade. Em especial, in memorian, à minha avó paterna: a

Moreirinha.

Mas também não existe ser sem amizade, daquelas que acalmam e que lhe emprestam os

ombros nas piores horas e um abraço alegre nos momentos felizes. Há aqueles com que dividimos

a última colher de brigadeiro (isso sim é uma demonstração de amor) e que sabem cada história da

nossa vida. Aqueles que se liga a nós por uma relação de afeto sublime, um elo inquebrável que

nem o tempo, nem o mundo, nem força qualquer da física ou metafísica pode separar. Para estas

pessoas eu só agradeço pela existência, pois a gratidão pelo amor que a mim é atribuído já

compenso pela reciprocidade. Ana Patrícia de Aguiar Almeida, Nalyje Limeira, Rodrigo de Aguiar

Almeida, Sandra Valéria de Aguiar Almeida, Elizabete Aguiar. Isso é para vocês: meus irmãos de

alma.

Também há aquelas amizades que sempre lhe apoiam e lhe servem como suporte mesmo

que de tempos em tempos, mesmo que longe, mesmo que separada por algum infortúnio da vida.

Aquelas amizades que sempre estão presentes, de corpo ou de alma. A estes também agradeço

pelo amor. Obrigada Thamiris Serpa, Sorrani Diniz, ThayanneGolzio, Fábio Cardoso,

IvannaNoelle, Carla Lopes, Jacyara Araújo, Marília Luna, Juliana Freire, Lineu Tateyama, Patrícia

Martins, GabriellaKurisu, Agatha Kurisu, Penha Félix, Elizabeth Fonsceca e Flávio Albert.

Outras pessoas que me ajudaram na caminhada jornalística e que não posso deixar de

agradecer é Gisa Veiga, Mariana Fernandes e Hildeberto Barbosa. Gisa, minha mãe de profissão,

me ensinou tudo o que todo jornalista precisa saber. Mariana Fernandes por apoiar meus

devaneios no caderno B do Jornal Contraponto. Hildeberto, meu orientador, por me ensinar a

poesia da academia. Agradeço também a todos os outros professores que tive durante o curso da

UFPB. Além deles, também sou grata pelos meus colegas de curso que muito me ajudaram na

caminhada. Também agradeço a Gonzaga Rodrigas, pela grande ajuda. A lista de pessoas a quem

devo gratidão seria extensa e, por mim, ocuparia muito mais do que essas linhas curtas. Porém,

gostaria que cada pessoa que tenho contato se sinta agraciada com a minha gratidão.

RESUMO

Dos gêneros jornalísticos, talvez seja a Crônica a que mais se enquadra no

Jornalismo Literário. Ela é híbrida e por isso localiza-se na intersecção entre Jornalismo e

Literatura. Na Paraíba, há vários jornalistas que se destacam como cronista, em especial

Gonzaga Rodrigues, escritor que se consagrou como um dos maiores cronistas do estado.

Este trabalho tem como objetivo analisar as Crônicas do livro Filipéia e outras saudades,

obra que trata da vida cotidiana em João Pessoa e na Paraíba, elencando características

textuais, literárias e jornalísticas das crônicas do jornalista paraibano sob a ótica do

Jornalismo Literário. Neste trabalho, foram analisadas duas características marcantes e

recorrentes na obra de Gonzaga Rodrigues: a nostalgia e o lirismo. Esta leitura do livro

Filipéia e outras saudades é apenas uma parte das várias significações que a obra traz para

a construção do imaginário paraibano.

Palavras-chaves: Crônica, Jornalismo, Literatura

ABSTRACT

From all the journalistic genders, maybe the chronicle will be the one that fits the

most in the literary journalism. It is hibrid and because of it fits in the intersection between

journalism and literature. In Paraíba, there is many journalists that highlights as chronicler,

specially Gonzaga Rodrigues, writer that consecrated as one of the biggest chronicler of the

state. This essay has the objective to analyze the chronicles of the book Filipéia e

outrassaudades, work that explain the daily life in João Pessoa an in Paraíba, enumerating

the João Pessoa's and Paraíba's textual characteristics, literary and journalistic by the sight

of literary journalism. In this essay were analyzed two strikingrecurrent characteristics on

Gonzaga's Rodrigues' work: the nostalgia and the lyricism. The reading of the book Filipéia

e outrassaudades is only one part of the many meanings that the work brings to the

construction of Paraíba's imaginary.

Keywords: Chronicle, Journalism, Literature

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO________________________________________________09

I A FAIXA DE GAZA: JORNALISMO LITERÁRIO________________12

1.1 Jornalismo Tradicional x Jornalismo Literário___________________ 13

1.2 Jornalismo e Literatura: dois amantes, dois inimigos ______________16

1.3 Linguagens: entre a paz e a guerra_____________________________18

1.4 Jornalismo Literário: uma fuga _______________________________20

1.5 New Journalism e a origem do Jornalismo Literário_______________22

1.6 Objetividade x Subjjetividade________________________________25

II A CRÔNICA________________________________________________28

2.1 O princípio é o tempo______________________________________29

2.2 Gênero Tupiniquim________________________________________32

2.3 Classificação do gênero_____________________________________36

2.4 A Crônica na faixa de gaza__________________________________41

2.5 Tipificações______________________________________________44

2.6 Perecível e Perene_________________________________________46

III FILIPÉIA: LIRISMO E NOSTALGIA _________________________48

3.1 Preliminares______________________________________________49

3.2 Filipéiae o Jornalismo Literário______________________________51

3.3 Herança Jornalística________________________________________55

3.4 Herança Literária__________________________________________57

3.5 Para uma tipologia das Crônicas______________________________60

3.6 Nostalgia: amor ao passado__________________________________65

3.7 O lirismo na poética de Rodrigues_____________________________70

IV CONSIDERAÇÕES FINAIS__________________________________74

V REFERÊNCIAS_____________________________________________76

5.1 Referências Impressas______________________________________76

5.2 Referências Online_________________________________________78

VI ANEXOS___________________________________________________80

Anexo A____________________________________________________81

Anexo B____________________________________________________82

Anexo C____________________________________________________83

Anexo D____________________________________________________84

9

________________________________________________________________________________________

¹ Holística: adjetivo feminino derivado de holismo, termo que na sua concepção epistemológica é usado nas

teorias que recorrem ao conceito de sistema: para elas também o todo não corresponde à mera soma das

partes, mas estas extraem um significado novo e diferente da participação no conjunto. (ABBAGNAMO,

2007, p. 595 e 596)

INTRODUÇÃO

O Jornalismo Literário tem como objetivo expandir os recursos do Jornalismo

contemporâneo convencional utilizando-se de técnicas narrativas literárias para abranger o

assunto tratado de uma forma mais holística¹ e aprofundada. O recurso é uma fuga da

superficialidade.

A linha que divide a Literatura do Jornalismo é tênue. A relação das duas instâncias

ora se iguala, ora se repudia. Há estudiosos que definem o Jornalismo como um gênero

literário, como os teóricos Antônio Olinto Marques da Rocha e Alceu Amoroso Lima, que

colocam o Jornalismo como parte da Literatura, com regras e estilo próprio. Nessa linha

entre Jornalismo e Literatura residem alguns gêneros que são considerados parte dos dois

como: a biografia, a crítica, entre outros.

A informação e a atualidade são características fundamentais do Jornalismo. Já

qualquer obra literária tem uma marca estilística. Mesmo não tendo essas características

como pontos fundamentais, a Crônica possui os dois, e, sendo assim, híbrida, pode ser

considerada um gênero tanto jornalístico quanto literário, e, mais especificamente, um

gênero pertencente ao Jornalismo Literário.

Na Paraíba, não é raro encontrar Crônicas em cadernos de cultura, política e de

opiniões em periódicos. Um dos grandes expoentes do estado é o jornalista e cronista

paraibano Gonzaga Rodrigues. Nascido em Alagoa Nova, veio para João Pessoa para

concluir seus estudos. Na escola, não chegou a terminar o antigo ensino ginasial, mas

queria ser escritor. Gonzaga é cronista desde que se iniciou na carreira jornalística.

Atualmente é colunista do Jornal da Paraíba.

Em seus textos publicados, ele relata acontecimentos do cotidiano do povo

nordestino com um misto de política, história e literatura através de Crônicas. Mas como se

apresentam as narrativas de Gonzaga Rodrigues dentro do Jornalismo Literário? O objetivo

10

desta pesquisa é justamente analisar as características textuais, literárias e jornalísticas das

Crônicas do jornalista paraibano sob a ótica do Jornalismo Literário. Serão analisados

textos do livro Filipéia e outras saudades, publicado em 1997, que trata da vida cotidiana

em João Pessoa. O cronista apresenta duas características marcantes nessa obra: a nostalgia

e o lirismo. E são essas duas instâncias os principais pontos deste trabalho.

Gonzaga Rodrigues é um jornalista de grande importância para a imprensa

paraibana. Colaborou com o Jornal A União, O Norte e foi um dos fundadores do Jornal

Correio da Paraíba. Começou a assinar como cronista em 1954, passando a lançar vários

livros. Em consequência disso, o jornalista e escritor assumiu a cadeira de nº 37 da

Academia Paraibana de Letras, em 27 de agosto de 1993.

Em seus escritos, Rodrigues mescla aspectos literários com características

jornalísticas, atribuindo aos textos nuances políticas, sociais, culturais, históricas,

geográficas entre outros. Tudo com um tom lírico, que, através da poesia em prosa, exala a

nostalgia do passado. Em seus textos, o leitor sente-se temporalmente situado, pois suas

Crônicas fazem menção a várias épocas. A leitura é uma caminhada pela Paraíba. Uma

descoberta de ruas e bairros de João Pessoa e uma fotografia descrita de outras cidades,

costumes e pessoas paraibanas.

Analisar as Crônicas do livro Filipéia e outras saudades de Gonzaga Rodrigues é

analisar a Paraíba e sua capital, poeticamente. Estudar as Crônicas de Rodrigues sob a

perspectiva do Jornalismo Literário, considerando as estruturas narrativas dos textos,

elencando características híbridas entre Jornalismo e Literatura, é destrinchar uma forma

jornalística de um dos grandes expoentes do Jornalismo paraibano. Entender as Crônicas de

Gonzaga Rodrigues é entender a Paraíba. Rodrigues se enquadra nos requisitos de

perenidade do Jornalismo Literário e por isso a relevância de se estudar sua obra. É um

livro que possibilita uma influência no imaginário social paraibano.

Este trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro trata do Jornalismo

Literário. Nesta parte são analisadas: a linguagem do Jornalismo Literário, que intermedeia

a Literatura e o Jornalismo; a relação dele com o Jornalismo Tradicional, a subjetividade

presente nesse tipo de narrativa e suas origens no Brasil e no Mundo. O segundo capítulo

trabalha com o conceito de Crônica e a relação desse gênero com o Jornalismo Literário. Já

11

o terceiro e último capítulo parte para a análise das Crônicas do livro Filipéia e outras

saudades, dentro da perspectiva do Jornalismo Literário.

O presente estudo tem subsídio metodológico fundamentado em pesquisas

bibliográficas, utilizando-se de livros que tratam do Jornalismo Literário e de obras que

teorizem a Crônica como gênero híbrido entre Jornalismo e Literatura. A pesquisa também

foi fundamentada na obra de Gonzaga Rodrigues, em especial no livro Filipéia e outras

saudades, e em textos que tratem da Crônica produzida pelo jornalista. Além das fontes

bibliográficas foi realizada uma entrevista semiaberta com o próprio Gonzaga Rodrigues,

para que ele mesmo fale acerca das impressões de suas Crônicas. A respeito dos

pressupostos metodológicos utilizados nesta pesquisa, foram empregados alguns recursos

da Análise de Discurso.

I

A FAIXA DE GAZA: JORNALISMO

LITERÁRIO

13

1.1 Jornalismo tradicional x Jornalismo Literário

Em tempos de globalização, superficialidade e espetacularização da vida, o

Jornalismo, por vezes, deixa de cumprir com seu papel social: promover as causas da

coletividade. De acordo com o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, a profissão

jornalística é uma atividade de natureza social e de finalidade pública. Em consequência do

desvirtuamento desses preceitos, surgem alternativas para promover um Jornalismo

comprometido. É o caso do Jornalismo Literário, que procura se desviar do status quo em

que boa parte do Jornalismo se encontra.

Uma das propostas da prática jornalística é fazer a sociedade refletir sobre ela

mesma, acerca dos fatos que acontecem diariamente. O conhecimento do que se passa é

necessário para que se possa compreender a esfera social. As produções jornalísticas

permitem tanto a informação quanto a orientação em relação aos acontecimentos.

O jornalismo contemporâneo, por sua vez, existe como um dos

instrumentos da civilização humana mediante o qual as pessoas são

informadas do que acontece no mundo. Diferentemente das artes, por

exemplo, que podem refletir a realidade por meio da ficção, o jornalismo

trata de reproduzir a realidade concreta, factual. Seu papel principal é

relatar os acontecimentos de maneira que as pessoas tenham

conhecimento do que ocorre nos diversos campos da realidade social e da

existência humana, orientando-se assim em relação ao fluxo dinâmico da

nossa complexa era. (LIMA, 1993, p. 8 e 9).

A necessidade de conhecer os fatos da atualidade tornou a produção de notícias

jornalísticas uma espécie de “linha de produção escrita”. Quanto mais notícias, mais

expressões de opiniões e informações, em menos tempo: melhor. Uma das consequências

disso foi a superficialidade.

Do conjunto de fatos e noções socialmente disseminados, o jornalismo

isola os conhecimentos de outra natureza, como os mitológicos, religiosos

e metafísicos. Para o jornal, trata-se de separar a informação prática- ou

seja, vendável, facilmente assimilável- do conjunto mais amplo de fatos e

dados culturais. O jornalismo trabalha com o direito (Sic), o imediato, o

rápido. Nessa perspectiva, ele distingue valorativamente aquilo que pode

ser facilmente disseminável no público e absorvível pelo mesmo.

(MARCONDES FILHO, 1989, p.23 e 24).

14

O Jornalismo Literário é um meio de fuga das amarras das redações diárias. Ele

utiliza técnicas literárias nas construções textuais, desenvolvendo a informação embasada

em uma estética narrativa apurada. É uma alternativa que procura se esquivar do texto

trivial. Mas, não é só isso. O gênero não é apenas um desvio dos tradicionais preceitos

jornalísticos, como os critérios de noticiabilidade e atualidade. Ele vai mais além de uma

escrita trabalhada literariamente. Para o jornalista Felipe Pena (2006), o Jornalismo

Literário é uma linguagem musical, expressiva e informacional. Este gênero híbrido, que se

estabelece entre informação e entretenimento, tem entre seus objetivos promover visões

mais abrangentes da realidade, ultrapassando os limites dos acontecimentos cotidianos.

Além disso, o gênero narra relatos com profundidade tornando-os perene. Só com essas

características já é possível reconhecer a capacidade que o Jornalismo Literário tem em

potencializar os recursos jornalísticos.

Edvaldo Pereira Lima (1993) define o livro-reportagem como uma forma de avançar

as fronteiras do jornalismo para além dos limites convencionais. Ele afirma que esse

produto cultural amplia o trabalho da imprensa cotidiana e concede “uma espécie de

sobrevida” aos assuntos tratados nos veículos de comunicação. Ora, o livro-reportagem

nada mais é que um produto do Jornalismo Literário, e como produto deste, apenas carrega

em si as características das instâncias: Jornalismo e Literatura. Todo produto cultural

jornalístico literário tem como objetivo ultrapassar os limites da superficialidade – atributo

rotineiro das matérias produzidas para os jornais diários.

O Jornalismo Literário surge então como uma forma de reviver o Jornalismo

cotidiano, que deixa a superficialidade transitar livremente nas matérias de cada caderno.

Essa “negação do subjetivismo” (MARCONDES FILHO, 1989, p.13), nada mais é do que

uma das consequências da notícia transformada em mercadoria, que sofre sob as normas

mercadológicas de “generalização, padronização e simplificação”. (MARCONDES FILHO,

1989, p.13).

Outra falha do Jornalismo cotidiano, dos jornais impressos, televisivos, radiofônicos

e de outras esferas midiáticas é a “obsoleta noção linear de causa e efeito” (LIMA, 1993,

p.15). Por isso, subjetivamente, a proposta de todo produto elaborado pelo Jornalismo

Literário é desenvolver formas de conhecimento que permitam uma reflexão holística

15

acerca dos acontecimentos,fugindo do determinismo, impregnado nos textos jornalísticos.

No campo da comunicação as mudanças são inevitáveis. No Jornalismo, parte da

vasta ciência comunicacional, não é diferente. A toda hora aparecem novos programas,

jornais, revistas com formatos que merecem uma atenção acadêmica. O Jornalismo

Literário, que se apresenta como uma forma de renovação da escrita jornalística, tem como

objetivo contextualizar a informação da maneira mais abrangente possível, construindo os

relatos com profundidade, com capacidade de permanecer na memória muito mais do que

uma notícia diária.

Em muitos casos, a atualidade de que trata a imprensa é efêmera, desliza

rapidamente para o esquecimento, cheirando a frivolidade. Essa postura

leva muita gente a ver a imprensa como algo superficial, e muitas vezes a

crítica é válida. (LIMA, 1993, p. 13).

A perenidade no Jornalismo Literário é uma de suas principais características,

diferente das reportagens cotidianas, alicerçadas nos conceitos de periodicidade e

atualidade que, em geral, tendem a cair no esquecimento. Uma obra alicerçada no

Jornalismo Literário não é efêmera. Ela se esquiva da superficialidade buscando sempre a

permanência na memória de quem lê.

16

1.2 Jornalismo e Literatura: dois amantes, dois inimigos

O Jornalismo é amante da Literatura desde seus primórdios. A influência literária na

imprensa está presente desde 1789.

Estamos falando justamente dos séculos XVIII e XIX, quando escritores

de prestígio tomaram conta dos jornais e descobriram a força do novo

espaço público. Não apenas comandando as redações, mas,

principalmente, determinando a linguagem e o conteúdo dos jornais.

(PENA, 2006, p.28).

Esse amor é antigo. De 1789 a 1830 o Jornalismo era caracterizado pelo conteúdo

literário e político, com textos de caráter crítico. Os jornais ficavam sob o comando de

escritores, políticos e intelectuais.

Um dos principais instrumentos textuais dessa época foram os folhetins, um gênero

muito presente entre os jornais dos séculos XVIII e XIX, que, de acordo com Pena (2006),

é marca fundamental de confluência entre Jornalismo e Literatura. Apareceu pela primeira

vez no Jornal des Débats, na França, e era um tipo de suplemento dedicado à crítica

literária e assuntos diversos. Mas, a partir das décadas de 1830 e 1840, os jornais passaram

por uma adaptação às normas mercadológicas capitalistas, e o folhetim passou a ser uma

sequência de narrativas literárias, um atrativo para o público leitor.

Não são poucos os escritores que escreveram folhetins. Na França, podem ser

citados Honoré de Balzac, Victor Hugo e Alexandre Dumas; na Inglaterra, fizeram sucesso

Charles Dickens e Walter Scott; em Portugal, tem-se como exemplo Camilo Castelo Branco

e Júlio Diniz. Na Rússia, grandes nomes também publicaram obras em folhetins, como

Tolstói e Dostoievski.

No Brasil, o folhetim também foi um gênero comum entre grandes nomes da

literatura nacional. Aqui, quase todos os escritores de sucesso, do século XIX até o começo

do século XX, passaram pelas redações de jornais. Mas a primeira história de folhetim foi

Memória de um sargento de milícias, publicada no Correio Mercantil e escrita por Manuel

Antônio de Almeida, entre 1852 e 1853 (PENA , 2006).

Foi com a união entre Jornalismo e Literatura que a venda de jornais deu um salto e

17

o meio de comunicação se popularizou pelas diversas classes sociais.

O casamento entre imprensa e escritores era perfeito. Os jornais

precisavam vender e os autores queriam ser lidos. Só que os livros eram

muito caros e não podiam ser adquiridos pelo público assalariado. A

solução parecia óbvia: publicar romances em capítulos na imprensa diária.

Entretanto, esses romances deveriam apresentar características especiais

para seduzir o leitor. Não bastava escrever bem ou contar uma história

com maestria. Era preciso cativar o leitor e fazê-lo comprar o jornal no dia

seguinte. E, para isso, seria necessário inventar um novo gênero literário:

o folhetim. (PENA , 2006, p.32).

No entanto, apesar da forte influência literária no Jornalismo, a partir da virada do

século, isso começa a mudar com as transformações de uma imprensa mais objetiva e

concisa. Com o advento de narrativas em que prevalece a lógica capitalista das grandes

empresas jornalística, o amor entre Jornalismo e Literatura foi se definhando. As análises

críticas e políticas presentes nos textos jornalísticos são deixadas para dar lugar à novidade

que se estabelece como premissa fundamental na pauta, e a Literatura se torna apenas um

suplemento (PENA, 2006). Os dois amantes tornaram-se dois inimigos, mas às vezes se

reencontram para relembrar esse amor conflituoso, procurando abrigo no Jornalismo

Literário.

18

________________________________________________________________________________________

² Expressão francesa que traduzida literalmente para português significa “fatos diversos”. Na teoria do

Jornalismo designa assuntos que não se enquadram em editorias tradicionais. Geralmente são temas livres.

Em inglês são chamados de features.

1.3 Linguagens: entre a paz e a guerra

A linha que divide Jornalismo e Literatura é tensa. Isso é percebido mais ainda

quando se faz uma análise das linguagens dessas duas categorias. Jornalismo e Literatura

vivem em constante guerra e a todo instante levantando a bandeira da paz. Ora apresentam

interesses em comum, ora se digladiam como dois inimigos.

Apesar das confluências, a Literatura e o Jornalismo possuem formas de linguagem

bem diferenciadas. Enquanto no Jornalismo a suposta objetividade se destaca como

premissa fundamental, na Literatura a subjetividade é algo que reina em seus gêneros. De

acordo com Nilson Lage (1985), a linguagem jornalística é marcada pela impessoalidade,

buscando uma informação mais precisa e exata. Já a Literatura se preocupa com a estética

do texto.

Em termos comparativos, no Jornalismo, segundo Lage (1985), importa o fato em

si, o fait divers², já a Literatura se importa como dizer, não com o que dizer.

Enquanto, na literatura, a forma é compreendida como portadora, em si,

de informação estética, em jornalismo a ênfase desloca-se para os

conteúdos, para o que é informado. O jornalismo se propõe processar a

informação em escala industrial para o consumo imediato. As variáveis

formais devem ser reduzidas, portanto, mais radicalmente do que na

literatura. (LAGE, 1985, p.35).

Porém, apesar do Jornalismo ter sua preocupação centrada nos acontecimentos do

cotidiano, a estética não é esquecida. A linguagem jornalística não é ancorada apenas nos

textos, a harmonia gráfica das páginas dos jornais também trabalha para a enunciação dos

fatos.

Mas, quanto à comparação das narrativas literárias e jornalísticas, percebe-se uma

grande diferença entre essas duas instâncias. O uso da terceira pessoa é uma constante no

Jornalismo. A impessoalidade do discurso é um dos primeiros fundamentos quando se fala

em narrativa jornalística. Isso direciona o enredo jornalístico para uma estrutura objetiva,

19

que trata dos personagens de maneira onisciente, com a premissa de tornar o discurso mais

real possível, atribuindo ao texto verossimilhança com a realidade.

As descrições de tempo, do espaço e dos personagens que movimentam o fait divers

devem ser um relato objetivo. Isso na concepção jornalística tradicional, em que se

enquadram as estruturas do lead, da pirâmide invertida, entre outros conceitos das redações

diárias. Hildeberto Barbosa Filho afirma: “A informação jornalística, por exemplo, possui

um limite de tempo e de espaço, também um limite em face da técnica de elaboração”,

(BARBOSA FILHO, 2003, p.52).

Já na Literatura o relato é livre para a manifestação de qualquer estética narrativa. É

livre a descrição dos fatos e de personagens e o uso de figuras de linguagem. A Literatura é

a liberdade da palavra.

20

1.4 Jornalismo Literário: uma fuga

A partir do fim do século XVIII e início do século XIX, os textos dos jornais

começaram a atender às demandas mercadológicas. Isso é visível nas construções textuais

que duram até os dias de hoje nas narrativas jornalísticas. O lead, estratégia inventada pelo

Jornalismo americano no início do século XX, para conferir objetividade aos textos, nada

mais é do que uma “linha de produção textual”, uma fórmula que tem como objetivo fazer

escrever mais em um menor espaço de tempo. O Jornalismo Literário surge para se

contrapor a esses preceitos. De acordo com Pena, seus objetivos vão mais além do que

apenas escapar das tradicionais premissas jornalísticas.

Significa potencializar os recursos do Jornalismo, ultrapassar os limites

dos acontecimentos cotidianos, proporcionar visões amplas da realidade,

exercer plenamente a cidadania, romper com as correntes burocráticas do

lead, evitar os definidores primários e, principalmente, garantir

perenidade e profundidade aos relatos. (PENA , 2006, p.13).

A intenção do Jornalismo Literário é aprofundar os relatos e transformar meras

narrativas sociais em histórias consistentes, com uma abrangência em que o corte da

realidade seja amplo. Ele usa a apuração rigorosa, a observação atenta e a abordagem ética,

tudo isso para contextualizar a informação da forma mais abrangente possível,

correlacionando fatos e contextualizando espacial e temporalmente. O Jornalismo Literário

também tenta se desviar dos definidores primários, buscando fontes alternativas como: o

cidadão comum e a fonte anônima, buscando pontos de vistas não habituais nas redações

diárias. Tudo isso forma uma narrativa de característica perene. Algo duradouro, não só no

papel, mas na memória do leitor. Uma biografia que esmiúça a vida de uma celebridade,

por exemplo, expondo os detalhes de sua vida, com certeza marca muito mais do que uma

breve matéria, ou uma entrevista rápida feita a respeito do mesmo assunto.

Uma obra baseada nos preceitos do Jornalismo Literário não pode ser

efêmera ou superficial. Diferentemente das reportagens do cotidiano, que,

em sua maioria, caem no esquecimento no dia seguinte, o objetivo aqui é

a permanência. (PENA, 2006, p.15).

O Jornalismo Literário, no Brasil, é classificado de maneiras diversas. Há teóricos

21

que definem a categoria como um período da história do Jornalismo em que escritores e

intelectuais assumiram as redações. Outros defendem o Jornalismo Literário como uma

parte do jornal voltada apenas para críticas de obras literárias. Há também a concepção em

que a categoria é definida como movimento do New Journalism, ocorrido em 1960, nas

redações americanas.

22

1.5 New Journalism e a origem do Jornalismo Literário

A abordagem aqui utilizada é a de que o Jornalismo Literário é uma nova forma de

fazer Jornalismo, utilizando-se de técnicas narrativas literárias para construir os textos

jornalísticos. Essa nova forma de escrever é antiga. Daniel Defoe jornalista e escritor do

começo do século XVIII, por exemplo, é considerado por estudiosos como o primeiro

jornalista literário. Em 1725, o influente editor e autor do romance Robinson Crusoé (1719)

elaborou uma série de reportagens policiais que misturava Jornalismo e Literatura (PENA,

2006).

Mas o Jornalismo Literário alcançou seu ápice com o já citado New Journalism. O

movimento teve como essência dar um enfoque imaginativo e lírico às reportagens,

permitindo ao jornalista a subjetividade e inserção nas narrativas jornalísticas.

O recurso do ponto de vista, que é a centralização da narrativa sob a

perspectiva de alguém que participa, testemunha ou “vê” oniscientemente

um acontecimento ou uma situação, é renovada pela turma do New

Journalism na medida em que se perde a limitação de o repórter narrar

sob um só prisma. O texto pode começar na primeira pessoa e logo pular

para a terceira. O repórter não tem pudor em revelar suas impressões.

(LIMA, 1993, p.48).

O New Journalism surgiu em uma época crítica para o jornal impresso. A

concorrência com a televisão fez com que grandes jornais caíssem com suas vendas. Diante

disso, a imprensa teve que se renovar e uma das alternativas foi buscar refúgio na literatura,

aproximando-se de novo do estilo jornalístico praticado nos séculos XIX e início do século

XX.

Outro fator que também contribuiu para o surgimento do New Journalism foi a

efervescência cultural durante as décadas de 60 e 70 nos Estados Unidos. Nessa época, o

país estava vivendo a reviravolta da contracultura - uma subcultura que rejeita e combate

elementos importantes da cultura dominante (JOHNSON, 1997). Nessa época, foram

fenômenos sociais e culturais impulsionados pelo movimento hippie que mexeram com a

mentalidade dos jovens, fazendo-os desacreditar da ilusão do American Way of Life e

rebelar-se contra o sistema. A juventude começou a questionar as ações governamentais

impostas e a lutar pelas suas liberdades sociais. Questionamentos a respeito da guerra do

23

Vietnã, do modelo “chavão” do cinema Hollywoodiano e da liberdade sexual foram apenas

algumas das reações que chocaram com os conceitos tradicionalistas da América (LIMA,

1993).

Com isso começaram a surgir produtos que tratavam desses manifestos da

contracultura, já que a grande mídia, os meios de comunicação de massa, não cobriam nada

disso. Aos poucos, alguns jornalistas foram compreendendo que a sociedade passava por

um grande momento social. Para registrar essa revolução cultural era necessário um

procedimento que se diferenciasse dos preceitos tradicionais do Jornalismo. Foi o que

fizeram os pioneiros do New Journalism: uma revolução jornalística.

Primeiro, verificaram que não bastava tentar captar o real de maneira

linear, lógica. A isso era necessário somar-se a experiência vital de o

repórter lançar-se a campo aberto, nos cenários sobre os quais escreveria,

para melhor sentir a realidade também no que tem de subjetiva, imaterial.

O novo jornalismo traz à luz dos holofotes o mesmo timbre de

sensualidade, de mergulho completo, corpo e mente, que outros meios de

expressão da contracultura, como o cinema underground, estavam

incorporando. Assim, suas reportagens têm calor, vida, rostos, nomes.

(LIMA, 1993, p.46).

Após o New Journalism, as produções jornalísticas na América passaram a ter outra

roupagem. Foi nessa época que surgiram nomes como: Jinny Breslin, Gay Talese, John

Sack, Truman Capote e Hunter S. Tumpson - criador do Jornalismo Gonzo (uma versão

mais radical do New Journalism que mescla jornalismo e entretenimento). O Jornalismo

Gonzo é a completa inserção do repórter na matéria, inclusive aprova a provocação de

entrevistados (PENA, 2006).

Tom Wolfe teorizou o movimento do New Journalism em 1973, mas ele mesmo

admite que o manifesto aconteceu mais por instinto do que em torno de uma teoria taxativa.

Quando descreveu as novas produções jornalísticas, Wolfe apontou algumas das

características básicas como: reconstruir toda a história passo a passo; registrar os diálogos

de forma completa; mostrar as cenas pelo ponto de vista de vários personagens e registrar

várias características dessas personagens (roupa, costumes, hábitos). (PENA, 2006).

O objetivo que o movimento queria alcançar era escapar da suposta objetividade da

imprensa. A orientação era: subjetividade.

24

Não precisam ter a personalidade apagada e assumir a encarnação de um

chato de pensamento prosaico e escravo do manual de redação. O texto

deve ter valor estético, valendo-se sempre de técnicas literárias. É possível

abusar das interjeições, dos itálicos e da sucessão de pontuações. Uma

exclamação, por exemplo, pode vir após uma interrogação para expressar

uma pergunta incisiva. Por que não?! (PENA, 2006, p.54).

A busca pela subjetividade é uma reação contra a “prisão lead”. Ser subjetivo era

uma forma de libertar-se das amarras do Jornalismo tradicional, aquele que se diz ser

objetivo, e tentar refletir o real da forma mais honesta. Foi isso que o New Journalism

tentou fazer: fugir.

No Brasil, a maior expressão desse tipo de Jornalismo foi através da revista

Realidade, uma publicação da Editora Abril, de 1966.

Realidade foi um tremendo sucesso editorial, batendo recordes

consecutivos de tiragens e venda. Apresentava várias características

típicas do New Journalism, como, por exemplo, fazer seus repórteres

viver integralmente a vida dos personagens que iriam retratar. Por isso

havia repórter que passava algumas semanas como operário, outro iria ser

agrônomo um período, uma garota empregava-se como bancária, e assim

por diante. (LIMA, 1993, p.51).

A revista circulou até janeiro de 1976 e foi um grande marco na história da imprensa

brasileira. Depois da ditadura militar e com a instauração do Ato Institucional nº5, série de

decretos emitidos pelo regime militar após o golpe de 1964, a revista ficou à mercê da

censura e foi definhando até chegar ao seu fim.

25

1.6 Objetividade x Subjetividade

A objetividade do Jornalismo é aparente. Relatar o real, retratar a verdade são

apenas palavras de ordem para afirmar mais ainda a suposta objetividade da imprensa. Isso

é consequência do Jornalismo informativo que teve início nos anos 50, aqui no Brasil, e

valorizava a clareza da informação. Essa informação dita objetiva satisfaz o desígnio de

informar mais em menos tempo. Porém, com a saturação de informações vem a

superficialidade, o que prejudica a reflexão acerca dos acontecimentos.

A objetividade é explicitada pela separação dos textos opinativos dos textos

informativos, superexposição de imagens, repetição de um vocabulário próprio e é

reforçada pelo conteúdo midiático que, em geral, se limita em responder: o que, quem,

quando, como, onde e por quê? "A informação tão aparentemente imediata e próxima

satisfaz um desejo de saber sobre o maior número de ocorrências possível da realidade

fenomênica no menor espaço de tempo” (BARROS FILHO, 1999, p.268).

A aparente objetividade da informação é o que contribui para grande parte dos

efeitos provocados pela mídia, uma vez que se apresenta como “espelho do real”. Para

Habermas e Bourdieu (apud BARROS FILHO, 1999), quanto menos perceptível for a

arbitrariedade em torno da objetividade aparente, maior será a credibilidade de todo

produto midiático.

Isso porque o leitor, ouvinte ou telespectador, diante de uma matéria

aparentemente neutra e informativa, se despirá de seus filtros avaliativos.

Ele estará mais inclinado a aceitar sem resistência o que lhe dita a mídia

por desconhecer a realidade fenomênica tratada e não ter nenhum registro

cognitivo sobre ele. O produto mediático (Sic.) desprovido de opinião

explícita terá menor probabilidade de provocar dissonância cognitiva.

(BARROS FILHO, 1999, p. 271).

Diante de uma produção aparentemente neutra a consequência do público não levar

em conta seus filtros avaliativos é a perda da capacidade de reconhecer a realidade tal qual

ela é, apresentando sempre vulnerabilidade quando é necessária a tomada de posição e

julgamento valorativo.

26

A subjetividade é instância intrínseca em todas as atividades do homem. No

Jornalismo não é diferente, pois o simples fato de escolher a pauta representa uma

consequência das pré-suposições do jornalista. Isso corresponde ao conceito de habitus,

“conjunto de esquemas de classificação do mundo social, interiorizado durante toda a

trajetória do indivíduo” (BARROS FILHO, 1999, p.275), desenvolvido pelo filósofo

francês, Pierre Félix Bourdieu.

Os profissionais da mídia estarão, assim, socialmente predispostos a se

sensibilizar com essa e aquela mensagens captadas pelo sistema

informativo, em detrimento de outras, e a transformá-las em notícia.

Assim, essa transformação, que representa uma transmutação do real

(Cazeneuve) pela sua redução, simplificação, dramatização e, por vezes,

até invenção, será consequência não só da ação das forças sociais internas

e externas à empresa jornalística, mas será também fruto de convicções,

crenças e interesses que se formaram ao longo da experiência social

desses profissionais. (BARROS FILHO, 1999, p. 275).

Porém, os manuais de redações e as técnicas jornalísticas limitam essa

subjetividade. Com isso, os textos jornalísticos perdem a sua capacidade de retratar a

realidade fenomênica de forma holística. A notícia que se lê é apenas um recorte,

organizada de forma que convença o leitor de que ali o acontecimento está completo, em

toda sua complexidade. É por isso que o Jornalismo Literário preza por um texto que dê

espaço à subjetividade, porque ela proporciona a liberdade de escrita, a inserção do

jornalista na narrativa, a construção de personagens reais, entre outros fatores. Esse convite

à subjetividade não ocorre somente para o jornalista, mas também para o leitor. O objetivo

de unir Jornalismo e Literatura é fazer com que o leitor possa captar a densidade do relato.

Quer dizer, a saída para a renovação estilística do jornalismo, para sua

renovação enquanto força capaz de comunicar e permanecer, pelo menos

no caso da grande-reportagem, transita pela aproximação às formas

narrativas das artes. O próprio texto jornalístico deve aumentar seu escopo

enquanto narrativa, rejuvenescê-lo. Narrativa, aqui, entendida como o

relato de um conjunto de acontecimentos dotados de sequência, que capta,

envolve o leitor, conduzindo-o para um novo patamar de compreensão do

mundo que o rodeia e, tanto quanto possível, de si mesmo, através do

espelho que encontra nos seus semelhantes retratados pelo relato. (LIMA,

1995, p. 106).

27

O recurso literário foi um meio de escapar dos manuais de redação e

consequentemente da “objetividade” jornalística pregada pelas normas do mercado da

imprensa.

O jornalismo impresso cotidiano padece de outro mal, além das limitações

na pauta e captação: o anacronismo de sua linguagem verbal, nas

reportagens de profundidade. Imbricado a isso está a excessiva prisão do

texto à informação, perdendo-se o alcance possível de um tratamento mais

enriquecedor, de uma exploração que traga, ao leitor, gratificação

superior. (LIMA, 1995, p.104).

A fuga para uma renovação estilística acarreta uma fruição do texto capaz de

conceder ao leitor uma maior amplitude interpretativa. E é a interpretação das múltiplas

facetas dos acontecimentos que proporciona a compreensão da realidade.

II

A CRÔNICA

29

2.1 O princípio é o tempo

A Crônica é um gênero narrativo que tem, desde seu surgimento, o conceito atrelado

à concepção de temporalidade, abordando fatos históricos, assuntos triviais do dia-a-dia ou

da atualidade. Antônio Candido (1992) comenta os aspectos temporais, ligados ao

cotidiano, da Crônica.

Por meio dos assuntos, da composição solta, do ar de coisa sem

necessidade que costuma assumir, ela se ajusta à sensibilidade de todo o

dia. Principalmente porque elabora uma linguagem que fala de perto ao

nosso modo de ser mais natural. Na sua despretensão, humaniza; e esta

humanização lhe permite, como compensação sorrateira, recuperar com a

outra mão certa profundidade de significado e certo acabamento de forma,

que de repente podem fazer dela uma inesperada embora discreta

candidata à perfeição. (CANDIDO, 1992, p.13 e 14).

O termo Crônica deriva do latim Chronica e do grego Chronikós, que têm

significações referentes ao tempo.

Do grego chronikós, relativo a tempo (chrónos), pelo latim chronica, o

vocábulo “crônica” designava, no inicio da era cristã, uma lista ou relação

de acontecimentos ordenados segundo a marcha do tempo, isto é, em

seqüência cronológica. Situada entre os anais e a história, limitava-se a

registrar os eventos sem aprofundar-lhes as causas ou tentar interpretá-los.

Em tal acepção, a crônica atingiu o ápice depois do século XII, graças a

Froissart, na França, Geoffrey of Monmouth, na Inglaterra, Fernão Lopes,

em Portugal, Alfinso X, na Espanha, quando se aproximou estreitamente

da historiografia, não sem ostentar traços de ficção literária. A partir da

Renascença, o termo ‘crônica’ cedeu vez a ‘história’, finalizando, por

conseguinte, o seu milenar sincretismo. (MOISÉS, 2003, p. 101).

O gênero é herança europeia e foi publicado em um periódico pela primeira vez em

1799, no Journal de Débats, em Paris. A partir daí, começou a fazer parte dos jornais. Em

geral, os textos tratavam de acontecimentos que ocorriam durante a semana e tinham como

função informar os fatos, comentando-os. A subjetividade sempre esteve presente em sua

composição, por isso a Crônica pode ser considerada um modo de fabulação real do

cotidiano.

Mas, antes de alcançar esse caráter interpretativo e subjetivo dos acontecimentos do

30

tempo, a Crônica era utilizada apenas como um modo de retratar o que se passava. O

gênero, herdado pelo Brasil de Portugal, surgiu durante a transição da Idade Média para o

Renascimento, durante o Humanismo, no ano de 1418 quando Fernão Lopes foi nomeado

como guarda-mor da Torre do Tombo, local que documentava arquivos do reino português.

Já em 1434, Fernão Lopes foi nomeado como "cronista-mor do reino", ficando incumbido

de registrar os feitos da monarquia de Portugal. Esse tipo de texto era chamado de

"caronyca", ou seja, Crônica.

A data de 1434 é um marco não só para a História como para a

Literatura Portuguesa. E também para o gênero crônica: o cronista –

que já vinha desde a Idade Média - passa a ser um escritor

profissional, pago para trabalhar com a matéria histórica, matéria

que deverá, de agora em diante, despojar-se do maravilhoso e do

lendário, que se imiscuíam nos longos ‘cronicões’ medievais, para

ater-se aos fatos e à interpretação desses fatos. Além de Fernão

Lopes – considerado o melhor de todos – outros escritores

assumiram a função de cronista-mor do Reino, até que, na altura do

século XVI, e já em pleno Renascimento, a Historiografia se

afirmasse como gênero definido. A palavra crônica, no entanto,

ainda que, posteriormente, viesse a abranger outros sentidos,

permaneceu na língua portuguesa com o sentido antigo de narrativa

vinculada ao registro de acontecimentos históricos. (BENDER e

LAURITO.1993, p. 12 apud TUZINO, 2009 p. 4 e 5).

O objetivo em si era a documentação dos fatos. Mas, com Fernão Lopes, no século

XIV, o gênero começou a ser tratado como um texto com dimensões estéticas. O vocábulo

revestiu-se de sentido literário no século XIX. A difusão do gênero nos periódicos

contribuiu para que a Crônica passasse a ser uma "narrativa histórica" muito presente nos

jornais impressos (TUZINO, 2009). Durante essa época, os periódicos tinham textos muitos

mais discursivos, carregados de subjetividade. O Jornalismo de 1789 a 1830 era

caracterizado por ter um conteúdo que debatia questões políticas, sociais e culturais com

um teor mais literário. As redações eram de caráter crítico, argumentativo. Durante essa

época, os jornais ficavam sob o comando de escritores, políticos e intelectuais.

Foi com o desenvolvimento da imprensa periódica de opinião que a Crônica se

estabeleceu como gênero jornalístico e literário. No início, o texto ocupava uma pequena

parte do jornal e tratava das notícias diárias de modo discursivo, depois disso começou a se

estender pelas páginas tratando de vários outros tipos de assuntos, como temas políticos,

31

culturais e sociais, por exemplo.

Depois, deslocou-se para o folhetim e daí então passou a ser um gênero mais

estilístico, com aspecto mais literário do que documental. No Brasil, essa roupagem

"literária" foi primeiramente manifestada pelo "cronista mundano por excelência" (SÁ,

1985, p. 9), João do Rio, pseudônimo de Paulo Barreto.

No tempo de Paulo Barreto (1881-1921), por exemplo, era apenas uma

seção quase que informativa, um rodapé onde eram publicados pequenos

contos, pequenos artigos, ensaios breves, poemas em prosa, tudo, enfim,

que pudesse informar os leitores sobre os acontecimentos daquele dia ou

daquela semana recebendo o nome de folhetim. Acontece que Paulo

Barreto percebeu que a modernização da cidade exigia mudança de

comportamento daqueles que escreviam sua história diária. Em vez de

permanecer na redão à espera de um informe para ser transformado em

reportagem, o famoso autor de As religiões no Rio ia ao local dos fatos

para melhor investigar e assim dar mais vida ao seu próprio texto: subindo

morros, frequentando lugares refinados e também a fina flor da

malandragem carioca, João do Rio (seu pseudônimo mais conhecido)

construiu uma nova sintaxe, impondo a seus contemporâneos uma outra

maneira de vivenciar a profissão jornalística. Mudando o enfoque,

mudaria também a linguagem e a própria estrutura folhetinesca. (SÁ,

1985, p.8 e 9).

Ainda hoje o conceito mundial de Crônica está ligado à ideia de relato cronológico.

Mas, no Brasil o gênero se adequa mais à concepção de texto breve, relacionado à

atualidade, geralmente publicado em jornais e revistas. (TUZINO, 2009). No Brasil, o

gênero foi se distanciando dos aspectos documentais, da Crônica originada na França, para

dar lugar a um texto mais reflexivo, lírico. José de Alencar foi um dos primeiros escritores

brasileiros a produzir esse tipo de texto, no Brasil. Outros, como Machado de Assis, João

do Rio, Rubem Braga, Rachel de Queiroz, Fernando Sabino, Carlos Drummond de

Andrade, Henrique Pongetti, Paulo Mendes Campos, Alcântara Machado, foram alguns dos

grandes nomes da literatura nacional que fizeram uso da Crônica.

32

2.2 Gênero tupiniquim

No Brasil, o exemplo primitivo de Crônica que se tem é a carta de Pero Vaz de

Caminha, escrita em 1500 na descoberta do novo continente.

A carta de Pero Vaz de Caminha a el-rei D. Manuel assinala o momento

em que, pela primeira vez, a paisagem brasileira desperta o entusiasmo de

um cronista, oferecendo-lhe matéria para o texto que seria considerado a

nossa certidão de nascimento. (SÁ. 1985, p. 5).

Pode-se dizer que a Crônica foi o pontapé inicial para a constituição da literatura

brasileira. Para Sá (1985), o gênero representa um marco importante para a formação do

cenário literário no Brasil e foi com a carta de Pero Vaz de Caminha que começou essa

estruturação.

Se a carta inaugura o nosso processo literário é bastante discutível, mas

sua importância histórica e sua presença constante até mesmo nos

modernos poemas e narrativas parodísticos atestam que, pelo menos, ela é

um começo de estruturação. Indiscutível, porém, é que o texto de

Caminha é criação de um cronista no melhor sentido literário do termo,

pois ele recria com engenho e arte tudo o que ele registra no contato direto

com os índios e seus costumes naquele instante de confronto entre a

cultura europeia e a cultura primitiva. (SÁ, 1985, p. 5).

Ao longo dos tempos, o gênero foi tomando outras formas, mas todas elas sempre

localizando o leitor em um espaço e principalmente em um determinado tempo. Porém, este

último fator passou a ser menos elementar no estilo, que deixou de ser um simples relato de

fatos históricos para tornar-se um texto com narrativas estéticas, principalmente no Brasil.

A Crônica é um gênero muito presente nos jornais impressos brasileiros. E tornou-se

uma forma de tratar de assuntos cotidianos de uma maneira subjetiva, parcial e

estilisticamente livre, ao contrário dos princípios de objetividade e imparcialidade

preconizados pelas redações diárias.

De acordo com Pereira (2004), o cronista brasileiro do século XX apresenta a

função de “contribuir para a elaboração de uma autonomia estética de linguagem

jornalística, em relação à predominância da função referencial dos textos informativos”

(PEREIRA, 2004, p. 124). Pereira afirma que esses efeitos estéticos colaboram para que a

33

percepção do leitor acerca dos fatos seja ampliada.

O papel do cronista no jornalismo brasileiro contemporâneo não é

simplesmente transgredir normas linguísticas, mas verificar as várias

formas de organização da informação jornalística e como os seus

referentes podem ser ampliados esteticamente através da crônica.

(PEREIRA, 2004, p.124).

Marques de Melo (1985) considera a Crônica brasileira um texto que tem “a feição

de relato poético do real, situado na fronteira entre a informação de atualidade e a narração

literária”. Ela pode ser considerada um gênero híbrido que apresenta tanto características

literárias quanto características jornalísticas.

No início de seu surgimento nos jornais, o gênero era caracterizado como folhetim,

que apareciam nos rodapés dos jornais impressos. Qualquer texto que não se enquadrasse

nas exigências jornalísticas era publicado no espaço reservado aos folhetins, por isso a

Crônica, assim como outros gêneros textuais (conto e novela), eram assim considerados.

É exatamente como folhetim que a crônica surge no jornalismo brasileiro.

Um espaço que os jornais reservam, semanalmente, para o registro do que

aconteceu no período. Sua redação é confiada a escritores (poetas ou

ficcionistas). Segundo Afrânio Coutinho, o folhetim começou com

Francisco Otaviano, em 1852, no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro.

Ali, ele assinava o ‘folhetim semanal’. Seus continuadores são José de

Alencar, Manuel Antonio de Almeida, Machado de Assis, Raul Pompéia,

Coelho Neto, etc (MARQUES DE MELO, 1985, p.113 e 114).

Depois que passou a ser um gênero recorrente de grandes nomes da literatura, a

Crônica ganhou mais ainda aspectos literários, que com o tempo, foi adquirindo um tom

mais leve, digno do tom corriqueiro do cotidiano.

Ao longo deste percurso, foi largando cada vez mais a intenção de

informar e comentar (deixadas a outros tipos de jornalismo), para ficar

sobretudo com a de divertir. A linguagem se tornou mais leve, mais

descompromissada e (fato decisivo) se afastou da lógica argumentativa ou

da crítica política, para penetrar poesia adentro. Creio que a fórmula

moderna, na qual entra um fato miúdo e um toque humorístico, com o

seu quantum satis de poesia, representa o amadurecimento e o encontro

mais puro da crônica consigo mesma. (CANDIDO, 1992, p. 15).

Para Candido (1992), o grande prestígio da Crônica está na sua constante busca

34

entre a oralidade na escrita.

Num país como o Brasil, onde se costumava identificar a superioridade

intelectual e literária com grandiloqüência e requinte gramatical, a crônica

operou milagres de simplificação e naturalidade, que atingiram o ponto

máximo nos nossos dias, como se pode ver nas deste livro. (CANDIDO,

1992, p.16).

O gênero tornou-se tão tupiniquim que chegou ao ponto de caracterizar-se como um

estilo tipicamente brasileiro. Em outros países, como, por exemplo, na França, Alemanha e

Espanha, a Crônica tem como fundamento ser um relato cronológico, assemelhando-se à

narração histórica, porém com traços mais subjetivos do que objetivos (MARQUES DE

MELO, 1985). O país que mais se aproxima do estilo de Crônica do Brasil é Portugal. No

Jornalismo brasileiro, os cronistas procuram desenvolver a narração de modo poético,

proporcionando uma reprodução de fatos reais de modo fabulatório. Os fatos são apenas

pretextos para desenvolverem um texto reflexivo, comentativo e lírico.

Porém, a Revolução Industrial na imprensa afetou a Crônica, no mundo e no Brasil.

Os jornais se tornaram grandes grupos econômicos, orientados por interesses políticos. O

objetivo era o lucro. Com isso, a ideia de tratar a realidade de um modo mais discursivo

virou retrógrada e nada produtiva. A lógica da produção jornalística foi alterada. Foi daí

que a objetividade substituiu a subjetividade. A informação se sobrepôs à opinião. Essa

mudança de pensamento reposicionou o local da Crônica nos periódicos. O espaço foi

reduzido. Mas, mesmo que pequeno, os gêneros de opinião, dentre eles a Crônica,

continuaram existindo.

A Crônica se consolidou muito mais na década de 1930, com Mário de Andrade,

Manuel Bandeira, Carlos Drumond de Andrade, Rubem Braga entre outros. O caráter era

de texto semelhante à "conversa aparentemente fiada" (CANDIDO, 1992, p. 20).

Parece às vezes que escrever crônica obriga a uma certa comunhão,

produz um ar de família que aproxima os autores num nível acima da sua

singularidade e das suas diferenças. É que a crônica brasileira bem

realizada participa de uma língua-geral lírica, irônica, casual, ora precisa,

ora vaga, amparada por um diálogo rápido e certeiro, ou por uma espécie

de monólogo comunicativo. (CANDIDO, 1922, p.22).

Mas, é mantendo a despreocupação, que a Crônica consegue tratar ludicamente

35

problemas sociais, com uma leveza linguística que aflora e desperta os sentidos dos seres.

36

2.3 Classificação do gênero

Os gêneros jornalísticos servem como parâmetros para aquilo que é escrito no

jornal, sistematizando a forma de escrever os textos. Não existe uma classificação universal

para eles, pois variam de acordo com os universos culturais e podem também ser

influenciados pelas ideologias das empresas de jornais. Os gêneros estão sempre em

constante transformação. Crescem, desaparecem, modificam-se, agrupam-se. Por isso o que

é determinado gênero hoje pode não ser amanhã.

A preocupação com as classificações dos gêneros não é nova, os primeiros estudos

começaram na Grécia antiga com Platão que os dividia em dois tipos: gênero sério (epopeia

e tragédia) e gênero burlesco (sátira e comédia). Mais tarde essa mesma classificação foi

posta em desuso pelo próprio Platão que, posteriormente, dividiu os gêneros em três

modalidades: gênero mimético, expositivo e misto. No Jornalismo, os estudiosos brasileiros

que mais se destacaram nas pesquisas de gêneros foram Luiz Beltrão e José Marques de

Melo. Estes contribuíram significativamente para a definição dos gêneros no Brasil.

O alcance da autonomia do Jornalismo, inevitavelmente, passa pela sistematização

do “fazer jornalístico”, do modo como se concretiza e se caracteriza a captação, o registro e

a difusão da informação. A preocupação com os gêneros jornalísticos enquadra-se nesse

processo de sistematização da forma jornalística, constituindo um ponto de partida para

descrever diversos tipos de mensagens.

Gargurevich (MARQUES DE MELO, 1985) define os gêneros jornalísticos como

formas de expressão jornalística marcando o estilo como um traço importante, ressaltando

que o real objetivo dos gêneros jornalísticos não está na estética do texto, mas no relato da

informação.

A classificação dos gêneros jornalísticos não repercutiu tanto no Brasil e um dos

poucos pesquisadores que se preocuparam em aprofundar a sistematização dos gêneros foi

Luiz Beltrão (MARQUES DE MELO, 1985).

Na classificação de Beltrão, os gêneros são divididos em:

A) Jornalismo Informativo

37

1.Notícia

2 Reportagem

3.História de interesse humano

4.Informação pela imagem

B) Jornalismo Opinativo

5.Reportagem em profundidade

6.Editorial

7.Artigo

8.Crônica

9. Opinião Ilustrada

10. Opinião do leitor

O critério adotado por Beltrão é claramente funcional, separando os gêneros de

acordo com as funções de informar, explicar e orientar. Beltrão encara o Jornalismo como

algo “sério”, atendo-se ao universo do real, da verdade e da atualidade.

Para Marques de Melo (1985), são diferentes os conceitos de “produção do real”

de “leitura do real”. A primeira concepção descreveria o real jornalisticamente e a segunda

significaria identificar o valor atribuído ao real. De acordo com o autor, o Jornalismo

movimenta-se em função de dois núcleos: a informação e a opinião. Os gêneros que

correspondem à categoria da informação se estruturam a partir de um referencial exterior ao

jornal: depende da eclosão e evolução dos fatos e da conexão que os jornalistas estabelecem

em relação aos participantes dos fatos. Já nos gêneros de opinião a estrutura da mensagem é

pré-determinada pela instituição que rege o jornal pode assumir duas feições: a autoria e a

angulagem. Marques de Melo (1985) divide os gêneros brasileiros da seguinte forma:

A) Jornalismo Informativo

1.Nota

2.Notícia

3.Reportagem

4.Entrevista

B) Jornalismo Opinativo

38

5.Editorial

6.Comentário

7.Artigo

8.Resenha

9.Coluna

10.Crônica

11.Caricatura

12.Carta

Dentro do Jornalismo informativo encontra-se a nota, que é considerada um relato

dos fatos que ainda estão em processo de configuração, a notícia, que corresponde à

narrativa do fato que já eclodiu no meio social, a reportagem, que seria a ampliação de um

acontecimento que teve grande repercussão na sociedade, e a entrevista, que por sua vez, é

um relato que expõe um ou mais personagens possibilitando um contanto direto com o

entrevistado através do texto. Já no Jornalismo opinativo, os gêneros assumem um caráter

que depende da autoria/angulagem. Nele, há o comentário, o editorial, o artigo e a resenha.

Os dois primeiros caracterizam-se por uma estrutura baseada no imediatismo e na

continuidade, o que não ocorre com a resenha e o artigo, que se aproximam por não terem

como traço marcante o dinamismo da frequência e de serem gêneros que buscam valores a

partir dos fatos que analisam. Já na coluna, na caricatura, na carta e na Crônica, o fato dá-

se pelo oposto, estas não visualizam os acontecimentos por um mesmo ângulo. Na carta,

por exemplo, consta uma angulagem totalmente diferente, pois tudo é dito de acordo com a

visão do leitor.

A Crônica revela-se como um gênero que manifesta a voz de um “narrador-

repórter”, (SÁ, 1985) que relata um fato a muitos leitores jogando seus universos

imaginários de interpretação. Para Sá, essa concepção de “narrador-repórter” está atrelado à

hibridização da Crônica, que permeia entre o Jornalismo e a Literatura. Moisés (2003)

define o cronista como um ficcionista. "O cronista pretende-se não o repórter, mas o poeta

ou o ficcionista do cotidiano, desentranhar do acontecimento sua porção imanente de

fantasia" (MOISÉS, 2003, p.247).

A classificação da Crônica, para Marques de Melo, está enquadrada como um

39

gênero opinativo. Porém isso não delimita suas fronteiras. A Crônica é livre. E essa

liberdade se manifesta tanto em seu conteúdo quanto em sua estrutura. Outro estudioso

que a classifica como um gênero jornalístico opinativo é Beltrão, mas essa classificação

é atribuída apenas ao critério de localização, tendo em vista que o gênero não tem como

objetivo específico apenas opinar, muito menos somente informar. Esse gênero textual

fere os preceitos jornalísticos, quebrando a “clássica classificação do Jornalismo”

(BARBOSA FILHO, 2003, p.51), pois não se insere adequadamente em nenhuma dessas

classificações.

À crônica não importa bem o assunto, mas sobretudo o estilo. Ao estilo

devem-se associar a sensibilidade e a inteligência na apreciação dos fatos,

em geral miúdos, do dia-a-dia, assim como na percepção especial de tipos

e de fenômenos da vida comum, do território daquela doce banalidade em

que todos estamos mergulhados. (BARBOSA FILHO, 2005, p. 57).

Já na Literatura, o gênero Crônica se enquadra em uma forma literária que explana

os pontos de vista do autor de forma direta, sem qualquer artifício de intermediação.

(COUTINHO, 1967). Para Coutinho, a Crônica é um tipo de relato e comentário de

fatos, um gênero literário transcrito em jornal.

O fato é que, em português, "crônica" tornou-se outra coisa: um gênero

literário, de prosa, ao qual menos importa o assunto, em geral efêmero, do

que as qualidades de estilo; menos o fato em si do que o pretexto ou a

sugestão que pode oferecer ao escritor para divagações borboleteantes e

intemporais; menos o material histórico do que a variedade, a finura e

argúcia na apreciação, a graça na análise de fatos miúdos e sem

importância, ou na crítica buliçosa de pessoas. Assim, crônicas são essas

pequenas produções em prosa, com tais características, aparecidas em

jornais ou revistas. (COUTINHO, 1967, p. 95).

Foram nas publicações em jornais e periódicos que a Crônica começou a se

desenvolver, nas sessões destinadas para os folhetins. Em um texto publicado no dia 30 de

outubro de 1859, Machado de Assis (apud COUTINHO, 1967) definiu o folhetim com as

características da Crônica como é entendida atualmente. Para o escritor, é a fusão do útil e

do fútil, que trata do cotidiano de forma leviana.

40

Foi a partir de sua consolidação nos jornais que o folhetim, mais tarde Crônica, foi

se solidificando como um gênero literário, nacional. Para Coutinho, a Crônica é "um dos

gêneros que mais se abrasileiraram, no estilo, na língua, nos assuntos, tomando proporções

inéditas na literatura brasileira" (COUTINHO, 1967, p. 96).

De acordo com Coutinho (1967), a Crônica na literatura brasileira está para o

"ensaio" da literatura britânica. E no decorrer de sua consolidação, o gênero adquiriu

características peculiares. Tornou-se um caso tipicamente brasileiro.

Na literatura brasileira, a crônica, a partir do romantismo alcançou, como

afirmei noutro lugar, um desenvolvimento e uma categoria que fazem dela

uma forma literária de requintado valor estético, um gênero específico e

autônomo, a ponto de ter induzido Tristão de Ataíde a criar o termo

"cronismo" para a sua designação geral. (COUTINHO, 1967, p. 97).

Na literatura, a Crônica localiza-se como um gênero ensaístico, pois da fluidez que

emana nos escritos brota a liberdade do coloquial, fabulação do cotidiano. É a Crônica o

lirismo do dia-a-dia. Gênero que tem a atualidade em pauta e a poesia na essência, entre o

Jornalismo e a Literatura.

41

2.4 A Crônica na faixa de gaza

Logo no início do estabelecimento da Crônica como gênero textual ela já se firmava

na linha entre Jornalismo e Literatura. No Jornalismo, o gênero se enquadra nas questões de

temporalidade, situando o leitor na atualidade, um dos fundamentos jornalísticos. Além

disso, a Crônica é filha do jornal, pois foi um dos tipos textuais mais publicados durante os

séculos XIX e XX nos jornais impressos, sendo um gênero usual até os dias atuais. Já na

Literatura, a Crônica se enquadra como um gênero textual, que tem estrutura livre e

assuntos relativos ao fator tempo, seja atual ou não. É dita como Literatura quando se

analisa suas estruturas textuais com perspectivas subjetivas, diferente da ideia objetiva

pressuposta pelo Jornalismo. A Crônica, mesmo sendo jornalística, apresenta características

literárias em sua construção.

Dos gêneros jornalísticos parece ser a crônica o que mais se aproxima da

literatura. Aproxima-se e assume, no mais das vezes, o estatuto típico da

literariedade. Quer seja numa dimensão que se acerca do conto; quer seja

numa dimensão que se acerca da poesia, muito embora mantenha, de raiz,

a singularidade característica da crônica propriamente dita. (BARBOSA

FILHO, 2003, p.51).

Crônica é Jornalismo. Crônica é Literatura. É um gênero híbrido que habita na faixa

de gaza entre essas duas instâncias, que constantemente se opõem e ao mesmo tempo

promovem a paz entre si. É, portanto, um gênero pertencente ao Jornalismo Literário, um

gênero que busca entre os seus recursos elementos jornalísticos e literários.

"Ambiguidade, brevidade, subjetividade, diálogo, estilo oral e literário, temas do

cotidiano" (MOISÉS, 2003, p. 257), além da efemeridade, são algumas das características

da Crônica. O gênero é Jornalismo intruso na Literatura e é Literatura inserida nos jornais.

Não pertence por completo a nem um e nem outro, porém é parte dos dois, habitando numa

linha tênue que os divide e os une.

Pelo primeiro traço, ela se distingue do jornalismo, o que é importante

porquanto a crônica é um gênero ligado ao jornal; mas, enquanto o

jornalismo (artigos, editoriais, tópicos) tem no fato o seu objetivo, seja

para informar divulgando-o, seja para comentá-lo dirigindo a opinião,

42

para a crônica o fato só valem nas vezes em que ela o utiliza, como meio

ou pretexto, de que o artista retira o máximo do partido, com as

virtuosidades de seu estilo, de espírito, de sua graça, de suas faculdades

inventivas. A crônica é na essência uma forma de arte, arte da palavra, a

que se liga forte dose de lirismo. É um gênero altamente pessoal, uma

reação individual, íntima, ante o espetáculo da vida, as coisas, os seres.

(COUTINHO, 1967, p. 97).

Da Literatura herdou a graça, o estilo prosaico, que transforma o cotidiano em

escrita, poesia, conto do dia-a-dia. Do Jornalismo pegou a brevidade e o amor pelo fato,

uma de suas características principais, e, quando não eternizada em livros, torna-se tão

perecível quanto as matérias de jornais. “O meio termo entre acontecimento e lirismo

parece o lugar ideal da crônica” (MOISÉS, 2003, p. 255).

Outra característica da Crônica herdada da Literatura, elencada por Moisés (2003), é

a subjetividade. A realidade no Jornalismo se constrói através da imitação, da reconstituição

de referenciais. A apresentação da vida cotidiana nos jornais e nas revistas deve ser

analisada através dos movimentos de narrativas que “transpareçam” os fatos. Mas essa

“transparência” pede uma linguagem mais sensível que passe a realidade não só como uma

informação e sua forma estática, mas como algo dinâmico que dê capacidade interpretativa

da leitura. É o que a Crônica propõe com a sua linguagem cotidiana, que mostra o mundo

de modo subjetivo, variando de acordo com as perspectivas de quem escreve, o

narrador/jornalista.

Com o gênero Crônica, a função interpretativa da realidade é possível, característica

esta que se encontra em falta nos jornais atuais que enquadram, objetivamente, o dia-a-dia

em pontos de vista que podem falsear a realidade, distorcer conceitos e, consequentemente,

criar linguagens totalitárias impedindo uma relação mais precisa entre o que aconteceu e o

que foi dito.

O imaginário social fica comprometido nas mãos do Jornalismo informativo que

fragmenta o tempo real e desnorteia a dinâmica da palavra. A negação da subjetividade faz

leitores lineares, interpretantes de meia palavra, que não seguem adiante nas várias

significações do texto. Isso alimenta o analfabetismo funcional, limita a capacidade de

interpretação.

43

A Crônica, no Jornalismo, propõe a interpretação do cotidiano.

A crônica oscila, pois, entre a reportagem e a Literatura, entre o relato

impessoal, frio e descolorido de um acontecimento trivial, e a recriação do

cotidiano por meio da fantasia. No primeiro caso, a crônica envelhece

rapidamente e permanece aquém do território literário: na verdade, a

senescência precoce ou tardia de uma Crônica decorre de seus débitos

para com o jornalismo stricto sensu. (MOISÉS, 2003, p. 247).

É oscilando pela Literatura e pelo Jornalismo que a Crônica permite uma visão

sensível do mundo. É função do cronista interpretar e mostrar a sua interpretação. "O

cronista pretende-se não o repórter, mas o poeta ou o ficcionista do cotidiano, desentranhar

do acontecimento sua porção imanente de fantasia” (MOISÉS, 2003, p. 247). É ao cronista

que repousa a atribuição de pôr em palavras a “oralidade” dos fatos cotidianos.

44

2.5 Tipificações

Por ser um gênero híbrido, que transita entre o Jornalismo e a Literatura, a Crônica

abrange vários tipos de classificações. Alguns estudiosos usam um critério jornalístico,

outros utilizam uma tipologia literária e outros ainda uma estrutura narrativa (MARQUES

DE MELO, 1985, p.116).

Candido (apud MARQUES DE MELO, 1985) se preocupa em destacar diferenças

entre os estilos de Crônicas. Para ele, há a Crônica-diálogo, em que a estrutura textual se

assemelha a uma conversa entre cronista e interlocutor imaginário, com uma interação entre

várias ideias e pontos de vistas. Há também a Crônica narrativa, que apresenta estrutura de

ficção, semelhante ao conto, e a Crônica exposição poética que se apresenta como uma

forma de divagação livre sobre qualquer fato. E por último, a Crônica biografia lírica, que

narra a vida de alguma personalidade de forma poética.

Beltrão (apud TUZINO, 2009) divide o gênero quanto à natureza do tema e quanto

ao tratamento dado ao tema. Na primeira divisão encontram-se a Crônica geral, que aborda

assuntos variados e é destinada ao espaço fixo do jornal; a Crônica local, que trata do

cotidiano da cidade, e por fim a Crônica especializada, em que o cronista escreve sobre

assuntos específicos. Já na segunda categoria, o autor apresenta as Crônicas: analítica, que

apresenta os fatos de modo objetivo e breve, de forma dialética; sentimental, tipo que aflora

a sensibilidade, e, por último, a satírico-humorística que tem como característica principal

a crítica, a ironia com o objetivo de advertir e entreter o leitor.

Já Coutinho (1967) define:

Há diversos tipos de crônica na literatura brasileira. Pode-se classificar

esses tipos pela natureza do assunto ou pelo movimento interno. Assim

temos, a) a crônica narrativa, cujo eixo é uma história, o que a aproxima

do conto, como no exemplo de Fernando Sabino; b) a crônica metafísica,

constituída de reflexões mais ou menos filosóficas sobre os

acontecimentos ou os homens, como é o caso de Machado de Assis ou

Carlos Drummond de Andrade, que encontram sempre ocasião e pretexto

nos fatos para dissertar ou discretear filosoficamente; c) a crônica-poema

em prosa, de conteúdo lírico, mero extravasamento da alma do artista ante

o espetáculo da vida, das paisagens ou episódios para ele significativos,

45

como é o caso de Álvaro Moreyra, Rubem Braga, Manuel Bandeira, Ledo

Ivo; d) a crônica-comentário dos acontecimentos, que tem, no dizer de

Eugênio Gomes, ‘o aspecto de um bazar asiático’, acumulando muita

coisa diferente ou díspar, como são muitas de José de Alencar, Machado e

outros. É evidente que essa classificação não implica o reconhecimento de

uma separação estanque entre os vários tipos, os quais na realidade se

encontram fundindo traços de uns e outros. (COUTINHO, 1967, p. 97 e

98).

Moisés (2003) divide a Crônica em: Crônica-poema e Crônica-conto. Na primeira,

os cronistas tratam das emoções, transformam o escrito em lírica prosaica. Já na segunda

categoria, o fato é prioridade. Nela, o cronista assume o papel de contador de histórias.

46

2.6 Perecível e perene

Moisés (2003) afirma que existe uma diferença entre escrever para o jornal e

publicar no jornal. Dentre as categorias de textos escritos para o jornal estão a reportagem,

a notícia e o editorial, tipos textuais destinados exclusivamente para a publicação

jornalística, portanto perecível, morrem todos os dias. Já os textos publicados no jornal são

escritos que procuram no periódico um veículo de divulgação. A Crônica se enquadra nos

dois, tanto é escrita para o jornal quanto publicada no jornal.

Difere-se, porém, da matéria substancialmente jornalística naquilo em

que, apesar de fazer do cotidiano o seu húmus permanente, não visa à

mera informação: o seu objetivo, confesso ou não, reside em transcender o

dia-a-dia pela universalização de suas virtualidades latentes, objetivo esse

via de regra minimizado pelo jornalista de ofício. (MOISÉS, 2003, p.

247).

A vida da Crônica é o instante em si. Por recorrer ao jornal como veículo de

publicação, a Crônica morre diariamente. Ela acompanha o ritmo da brevidade e atualidade

dos jornais. Seu prazo de validade não se estende muito além do que um dia. Porém, para

escapar da fugacidade jornalística, a Crônica procura refúgio na perenidade do livro. Foi a

partir das publicações em livros que o gênero começou a ganhar a atenção de críticos

literários.

Sá (1985) aponta outro motivo da migração da Crônica do jornal para o livro: o

sufocamento das grandes manchetes.

Hoje, os jornais que se destinam às classes “A” e “B” procuram captar a

poesia da vida, mas não podem escapar à escolha de fatos “que tenham

conteúdo jornalístico” no sentido de maior interesse, credibilidade no

esclarecimento do público etc. Assim, os próprios jornais conferem ao

cronista a missão de colocar a vida no exíguo espaço dessa narrativa curta,

que corre o risco de ser sufocada pelas grandes manchetes, ou confundir-

se como o texto da página em que ela é publicada. Daí a necessidade de

transferi-la do jornal para o livro. (SÁ, 1985, p. 18).

Nem tudo que é temporal é mortal. O conteúdo pode ser instantâneo, efêmero, mas

a essência das coisas ditas é duradoura. Quando publicada em livro, a Crônica vai contra

47

uma de suas principais características: ser perecível. No livro, a Crônica luta contra o

tempo, em busca de sobrevivência perene. Mas, mesmo quando perene, permanece nela a

efemeridade típica de um gênero herdado do jornal. Em livro, o gênero se estabelece

ambíguo: é forma perecível eternizada em páginas.

Um livro de Crônica é o resultado da relação entre os acontecimentos diários e o

plano intimista do cronista, que seleciona seus melhores escritos “atribuindo-lhes uma

sequência cronológica e temática capaz de mostrar ao leitor um painel que se fragmentara

nas páginas jornalísticas”. (SÁ, 1985, p.19).

Isso é o que Gonzaga Rodrigues faz nas Crônicas publicadas no livro Filipéia e

outras saudades. É através da sua visão sensível do mundo que se consegue fazer uma

leitura da cidade de João Pessoa durante várias épocas. Em seus escritos, aspectos políticos,

sociais, antropológicos, históricos e culturais da capital paraibana e de outras cidades da

Paraíba estão impregnados de uma poeticidade nostálgica, de lirismo e nostalgia.

III

FILIPÉIA: LIRISMO E NOSTALGIA

49

3.1 Preliminares

Sentir uma cidade através de escritos é mergulhar em uma sinestesia de sentidos. É

isso que as Crônicas do livro Filipéia e outras saudades propõem ao leitor. Nas Crônicas

escritas por Gonzaga Rodrigues é possível perceber essa fluidez de sentidos e significados,

que proporciona uma leitura sensível da capital pessoense e da essência paraibana. Suas

Crônicas são carregadas de um estilo literário próprio, com um tom poético. Em seus

textos, o jornalista não tem como finalidade informar e também não tem como objetivo

opinar, mas opina e informa, tecendo um retrato poético do que viveu, por onde passou e da

história da Paraíba.

Em Filipéia e outras saudades as Crônicas são recorrentes em fatores históricos,

sociais e políticos da cidade de João Pessoa, da Paraíba e de algumas outras cidades do

estado. Gonzaga tem como ponto marcante em suas narrativas o tom poético, o uso do

sentido lírico das palavras, com um estilo literário próprio. A obra é uma fotografia escrita

de João Pessoa, nostálgica e poética. Esse poeta-cronista é percebido por Hildeberto

Barbosa: “Veja-se, aqui, o cronista, tantas vezes de olhar lírico, espraiando-se no ritmo

aforismático de um ensaísta inserto no cronista que nasce do leitor” (BARBOSA FILHO,

2005, p.58).

Entender o livro Filipéia e outras saudades de Gonzaga Rodrigues é entender a

Paraíba e sua poesia. Sua poesia em forma de história, de aspectos sociais e de política. O

objetivo aqui é analisar essa obra e suas interfaces com o Jornalismo e a Literatura,

elencando aspectos narrativos que compõem as Crônicas desse livro e apontando pontos

recorrentes na escrita de Gonzaga Rodrigues, como: o estilo poético e a nostalgia, que ora

se apresentam em forma de fatos históricos, ora mostram um passado particular vivido pelo

próprio autor, essa última com percepções intimistas.

O livro, de 1997, é um aglomerado de 50 Crônicas que exalam a essência lírica e a

nostalgia do autor. O tom saudoso já começa pelo título: Filipéia e outras saudades. Logo

no início, na primeira Crônica, Rodrigues trata da “recorrência saudosa, poética”

(RODRIGUES, 1997, p. 11) que acompanha o topônimo “Filipéia”. E como tratar da

nostalgia se não pela poesia? É isso que Gonzaga Rodrigues faz. É pelo lirismo que narra

50

suas Crônicas de tom nostálgico. E para isso utiliza-se de recursos do Jornalismo Literário.

51

3.2 Filipéia e o Jornalismo Literário

Em Filipéia e outras saudades o cotidiano paraibano é potencializado em Crônicas.

Os escritos do livro utilizam recursos do Jornalismo Literário que ajudam a construir um

imaginário do estado da Paraíba, principalmente de João Pessoa. A Crônica, por ser um

gênero híbrido, permite o livre acesso aos signos jornalísticos e literários.

De acordo com Pena (2006), o Jornalismo Literário procura ultrapassar as barreiras

dos acontecimentos do cotidiano, proporcionando uma visão ampliada da realidade,

garantindo relatos com profundidade e perenidade. Todas essas características podem ser

encontradas nas Crônicas de Filipéia e outras saudades. Através de seus escritos,

Rodrigues oferece uma reflexão ampla de características paraibanas. Sempre de modo

subjetivo, colocando suas impressões acerca do mundo, ele constrói personagens e um

imaginário poético e nostálgico do universo da Paraíba.

Do princípio ao fim, é a voz de Gonzaga Rodrigues que relata Filipéia e outras

saudades. A todo o momento aparece o cronista-narrador, ora jornalista, ora escritor. Ele

vaga entre o Jornalismo e a Literatura. Suas Crônicas mais ainda. A subjetividade do autor,

que também é personagem de si mesmo, é essência de toda obra. Em Filipéia, Gonzaga

escreve as líricas de sua infância e outras fases da vida; faz análises sobre os aspectos

sociais, culturais, políticos, econômicos e históricos da Paraíba. Conta histórias que viveu,

ouviu e leu. Sempre exalando a subjetividade de si, colocando-se a todo momento em seu

texto. Rodrigues é mais personagem que cronista. A Crônica, por ser um gênero híbrido,

permite esse tipo de recurso de narrativa, que é também uma característica jornalística

literária, artifício recorrente no New Journalism.

Esse recurso narrativo pode ser percebido em toda a obra de Gonzaga Rodrigues.

Na Crônica Elogio ao Blecaute, por exemplo, em que o cronista fala das interrupções no

fornecimento de energia, sua personalidade é claramente personagem. O cronista põe-se em

primeira pessoa e relata um fato jornalístico sob seu ponto de vista. Logo no início do texto,

o narrador-personagem, que no escuro quase consegue pegar estrelas com a mão, se

apresenta:

Há quem se irrite com as frequentes interrupções de luz com que a Saelpa

52

costuma nos brindar. Na minha rua o black-out já é parte das novelas. Ao

intervalo dos comerciais, junta-se mais este.

Particularmente, não vejo do que reclamar. Tenho uma queda especial

pelo escuro, que me desobriga da leitura, além de remeter-me à solidão

natural dos meus antigos sítios. (RODRIGUES, 1997, p. 94).

Outro exemplo em que o cronista é seu próprio personagem é a Crônica Respeito

Humano, em que narra o sofrimento dos cortes de água e luz por falta de pagamento, ainda

quando morava com sua mãe. O texto começa tratando da decisão de um Juiz, “o doutor

Severino Batista Nascimento, juiz da Vara da Fazendo Pública” (RODRIGUES, 1997, p.

86) em suspender o corte que os fornecedores de água e de luz nas casas de quem atrasava

o pagamento. A Crônica é uma viagem pelo que o cronista- personagem sofreu no passado.

Mas meu maior problema não era enfrentar a escuridão ou a cruel

zombaria dos vizinhos. A maior dor era enfrentar o rosto de minha mãe,

que foi simples mesmo à testa de suas terras, mas que nunca perdeu a

autoridade, nunca deixou de receber a vênia da rua em sua passagem para

a igreja. (RODRIGUES, 1997, p.87).

Nas Crônicas da obra, também encontra-se o fluxo de consciência, outra

característica do Jornalismo Literário, em que “a reprodução do pensamento do

personagem, geralmente na forma desorganizada como várias coisas simultâneas nos vêm à

mente -, até então privilégio da literatura” (LIMA, 1993, p.49 e 50).

Como exemplo disso, há o texto Ruge, ruge, Leão Velho! , uma Crônica intimista

que relata o momento da criação de um poema, durante um conserto de carro, numa oficina.

No trecho a seguir é possível perceber o fluxo quase avulso dos pensamentos do

personagem, que permite ao leitor um momento de criação: uma explosão de ideias.

Fora do seu ambiente, vindo por vias imprevistas, querendo entoar-me em

meio a ruídos e batidas fiches, grosseiras e enervantes nunca a expressão

poética ganhou tanta evidência. Lá dentro o homem lixava um induzido,

recolocava-o com pancadas fortes e agudas no interior do dínamo, e cá

fora, arriado no batente, eu via num papel rasgado saído do cisco aquilo

53

que HebertRead chamava “a imagem exterior de coisas interiores”. O

silencio dos leões cansados fazia Padre Zé estender as mãos.

(RODRIGUES, 1997, p. 24).

Há também nas Crônicas de Gonzaga Rodrigues outra característica marcante do

Jornalismo Literário, muito utilizada pelos autores do New Journalism, os “símbolos do

status de vida” ou “símbolos do cotidiano”, que tem como objetivo passar um relato mais

denso e completo da realidade retratada. (LIMA, 1993).

A ideia, aqui, é registrar gestos, hábitos, costumes, vestuário, decoração e

tudo que sirva para o leitor situar, deduzir, inferir melhor o estado de

ânimo dos personagens focalizados pela matéria, os cenários dos relatos, a

época, a posição que ocupam na sociedade ou o que gostariam de ocupar.

O objetivo é fazer o leitor captar uma impressão mais densa e completa da

realidade que o relato reproduz. (LIMA, 1993, p.50).

É possível perceber esse recurso na construção de personagens feita pelo cronista.

Como exemplo segue um trecho na Crônica Tão perto e tão longe, em que o autor traça um

perfil de “Seu Basto”, o Sebastião Barbosa de Souza, personagem provinciano que nunca

saiu de sua cidade, mas que conhecia o mundo de ouvir falar.

O escrivão Sebastião Barbosa de Souza nunca saiu de Alagoa Nova.

Nunca, em circunstância nenhuma, chegou a empreender qualquer viagem

além de sua calçada. (...) Mas Sebastião de Souza conhecia o mundo desse

pequeníssimo porto, tocado, em incerto grau de latitude, apenas e tão

somente da fresca da aurora e do frio do pôr do sol. Seu Basto ouvia a

BBC, lia o jornal. Na sua paz rural, o jornal e o rádio faziam grande

tumulto. Ele pisava numa réstia de terra, mas vendo Londres, ouvindo o

rumor de toda a Europa em fogo, tudo bem próximo de si, casamatas e

trincheiras, tão grande era o silêncio do posto. (RODRIGUES, 1997,

p.70 e 71).

Nas Crônicas da obra, há também um fluxo livre de diálogos. Em diversos textos

são transcritos diálogos curtos, com discursos diretos, que proporciona uma ideia coloquial,

uma das características do gênero Crônica. No texto O cântaro na fonte e a roldana no

54

poçoo cronista escreve um diálogo por telefone com o jornalista paraibano Agnaldo

Almeida. “-Você sabe que só lhe chamo para coisa realmente importante. - Que foi que

houve? -Já leste Eclesiastes- perguntou-me em tom de urgência” (RODRIGUES, 1997,

p.40).

O Jornalismo Literário está presente em toda a obra de Gonzaga Rodrigues. Só a

liberdade da escrita, que mescla Jornalismo e Literatura, nas Crônicas de Filipéia e outras

saudades já é um recurso jornalístico literário. Da Literatura, o cronista extrai o tom

poético, com uso de metáfora e outras figuras de linguagem, construção de personagens e

variantes de foco narrativo que permitem uma visão ampla do que está sendo narrado. Já do

Jornalismo, Rodrigues tira o fato jornalístico e o relato do cotidiano.

55

3.3 Herança jornalística

Os textos de Filipéia e outras saudades apresentam as características básicas do

gênero Crônica. Gonzaga Rodrigues, como cronista, trabalha bem a palavra escrita e tem

como característica o tom simples, típico de uma linguagem quase coloquial. Em seus

escritos, ele consegue transcrever o tempo do dia-a-dia de modo descomplicado. Do

Jornalismo, os escritos carregam a brevidade e o cotidiano. Alguns textos também

manifestam a efemeridade como característica.

O livro é uma reunião de Crônicas publicadas em jornal e por isso, algumas, quando

lidas, aparentam ser velhas, ultrapassadas. Em uma metalinguagem, o próprio autor

apresenta uma Crônica que fala da fugacidade do tempo da Crônica. E assim começa Muita

casa e pouca fala: "O tempo povilhou de lodo o telhado que eu vi novo, enrugou meu

retrato mais querido e - o pior de tudo- envelheceu minha crônica" (RODRIGUES, 1997, p.

55).

É que a Crônica morre com o dia, com o tempo de que trata. Se escrita hoje, sobre

algum aspecto do cotidiano atual, amanhã já não valerá mais, será ultrapassada. Algumas

Crônicas de Filipéia apresentam traços de perecibilidade, herança do jornalismo. O texto

Moenda que se moeu, por exemplo, que trata de um caso em que usineiros ficaram sem

receber salários, tem uma forte conotação de tempo. O entendimento do texto fica pelo

subtendido. Logo no início, Rodrigues situa o leitor citando a notícia, após isso

contextualiza o fato.

Não sei por que... essa notícia de usineiros inadimplentes me remete ao

apertar-da-hora de 1964, à opressão, física mesmo, gerada pela ocupação

militar de todos os espíritos a partir da madrugada aterradora de 31 de

março. (...) Já os usineiros estão trocando a coluna social pela dos

caloteiros. Um dia é a inadimplência com a luz, outro com a água, outro

com os impostos de todas as áreas. (...) Não houve revolução nem

comunismo. É a usina se acabando por ela mesma, na hora mais imprópria

que é a da onda privatizante. (RODRIGUES, 1997, p. 49 e 50).

Outro texto que mostra um fato jornalístico e marca o tempo da Crônica é Respeito

Humano. Apesar de não haver datas, sabe-se que o fato é passado.

56

O doutor Severino Batista do Nascimento, juiz da Vara da Fazenda

Pública, mandou suspender o corte que os fornecedores de água e de luz

tradicionalmente costumam fazer nas casas que atrasam o pagamento. Por

impropriedade, o jornal confunde justificativa com parecer. Juiz, quando

decide, não emite parecer, lavra sentença. (RODRIGUES, 1997, p. 86).

Na Crônica Beto Lobo, o cronista aborda a violência através de um fato jornalístico:

o assassinato de um policial.

Li por cima a manchete policial com Beto Lobo. Não entrei no texto nem

nas circunstâncias.

Dia seguinte, dando carona a um colega de jornal, ele me perguntou

espantado: "Viu a chacina com os policiais caçadores?"

No outro dia quarto depois do crime, dei com o retrato de Beto Lobo

ilustrando a suíte, aparecendo, na legenda, como um dos policiais

assassinados. (RODRIGUES, 1997, p. 91).

Mas, é em Estarei mesmo em 90?, que Rodrigues mostra-se mais factual do que em

todas suas outras Crônicas, marcando o tempo: década de 90. "Só me asseguro de que o ano

é 90 por causa do jornal. Está no cabeçalho." (RODRIGUES, 1997, p. 125).

A Crônica tem como função ampliar as funções interpretativas do cotidiano. Através

de um Jornalismo sensível, Gonzaga Rodrigues faz isso. Apesar da brevidade de seus

textos, outra característica jornalística de Filipéia e outras saudades que tem Crônicas com

no máximo quatro páginas, o cronista mostra um mundo além do factual.

Isto só é possível quando o fato, os personagens e preocupação estética

revelada na estruturação do texto se associam para que o resultado final

alcance a empatia com o leitor. Uma empatia que significa a cumplicidade

entre quem escreve e quem lê, mas também a elaboração de uma

linguagem que traduza, para o leitor, as muitas linguagens cifradas do

mundo. Portanto a função da crônica é a profundar a notícia e deflagrar

uma profunda visão das relações entre o fato e as pessoas, entre cada um

de nós e o mundo em que vivemos e morremos, tornando a existência

mais gratificante. (SÁ, 1985, p. 56).

Para isso, unem-se em seus recursos linguísticos características literárias que

ajudam o escritor a tratar o mundo de forma sensível.

57

3.4 Herança literária

O que passa nos seus escritos a visão sensível do mundo que Gonzaga tem é a

Literatura. Através dela, o cronista mostra a sua interpretação do cotidiano, muito além dos

signos factuais do Jornalismo. A construção de personagens, tempo e foco narrativos com

uma estética literária própria, além do uso de figuras de linguagem que transmitem uma

imagem poética fazem o leitor se transpor para as Crônicas de Filipéia e outras saudades e

construir um plano imaginativo do que Rodrigues narra. E o espaço é a própria Filipéia e a

Paraíba, em sítios de lembranças que caracterizam todas as Crônicas de Rodrigues.

O cronista conta histórias de gente desconhecida, mas presente eternamente em

lembranças, como o nego Carmelo da banca de revistas que sempre visitava; Beto Lobo,

um policial assassinado, e Isaac, filho de João Pedro, assassinado durante o tempo de

reforma agrária no governo de João Goulart. Rodrigues também conta as histórias de

personagens famosos que fizeram parte da história do Brasil e da Paraíba, entre eles estão

José Américo, Augusto dos Anjos, José Joffily, B. Rohan, Mário de Andrade, entre outros.

Em Os novos caçadores de esmeraldas, Rodrigues retrata a miséria social através

da construção de dois personagens: uma mulher pobre, a quem julgava em primeiro olhar

uma ladra, e seu filho.

A narrativa, semelhante a de um conto curto, transcorre leve e cheia de sentidos,

porém simples e rápida, com a brevidade característica da Crônica do autor. Ao longo do

texto, o cronista vai construindo o personagem da mulher através de nuances. Primeiro,

começa falando da suposta ladra, deixando ao leitor um tom de mistério: "A mulher está

espreitando alguma coisa em frente à minha casa. Apressou os passos quando apareci no

portão e ficou uns trinta metros, do outro lado da rua, espreitando" (RODRIGUES, 1997,

p.136).

O texto segue em suspense: enquanto o eu-lírico não descobre as intenções da

mulher, não sossega. "Vendo-aa (Sic.) dois metros do portão, quase em cima, resolvo sair

do esconderijo. Não, agora não. Melhor esperar que bote os pés dentro da casa, atalhá-la na

área. Vem sozinha, não há perigo" (RODRIGUES, 1997, p.137). Em meio à dúvida se será

assaltado ou não, Gonzaga denuncia desigualdade social, preconceito e falta de segurança.

58

A Crônica finda quando descobre quais as esmeraldas que a mulher e seus dois filhos

querem:

(...) uns restos de salsicha na lata mal aberta, o cuscuz velho, o fato (Sic.)

de galinha, a capa da revista com PC Farias...

Nisto abre-se o portão da vizinha, a mulher corre com o menorzinho e o

mais velho fica entretido com seus achados.

-Por que sua mãe correu? Venha cá!

E o menino, preso em minhas mãos: "Ela tá com vergonha!"

(RODRIGUES, 1997, p. 137 e 138).

Outro artifício literário, além da criação de personagens, é o uso recorrente de

figuras de linguagem. Em Elogio ao blecaute é clara a hipérbole (figura que tem como

função o exagero) no trecho em que o eu-lírico quase toca as estrelas: “Os alpendres não

tinham luz, a não ser nas fases explícitas da lua, e o céu de estrelas e névoas luminosas

quase que ficava ao alcance da mão” (RODRIGUES, 1997, p. 94).

As figuras de linguagem são muito recorrentes nas Crônicas de Gonzaga Rodrigues.

No texto As mangueiras, em que o cronista viaja no tempo de suas lembranças ao tratar da

poda de árvores que arborizavam a rua e sua vida, o eu-lírico vê seu “mundo no chão”

(RODRIGUES, 1997, p.44). Para dizer que as mangueiras lhe serviam de inspiração ele

escreve uma prosopopeia (recurso que atribui qualidades de seres animados a seres

inanimados), personificando “as ideias” e “as leituras”: “As ideias exigem cenários. E

também as leituras” (RODRIGUES, 1977, p. 44).

O tempo narrativo das Crônicas de Rodrigues são cronológicos (determinam uma

sucessão lógica de acontecimentos) e históricos (quando tratam de determinada época).

Suas narrativas são geralmente lineares, mas por vezes faz recurso do tempo psicológico

(quando refere-se a um tempo subjetivo, vivido pelo personagem-narrador, nesse caso do

próprio cronista). Há também o tempo do discurso, que vai de acordo com o ritmo dos

acontecimentos, como em uma cena dialogada, por exemplo.

Como exemplo de tempo histórico, a Crônica No tempo de José Américo serve

bem. No texto, o cronista relembra sua vida “entre 17 e 21 anos” (RODRIGUES, 1997,

p.61) durante o governo de José Américo de Almeida. Outro exemplo é a Crônica Os

59

pecados da origem, em que Rodrigues trata da história da conquista da Paraíba, ainda no

período colonial.

Na Crônica Lembrança de um botador d’água aparece claramente o tempo

psicológico do eu-lírico, o cronista. Nesse texto, Rodrigue recorda reminiscências da mãe e

de familiares. Outro exemplo é A casa de Ibiapinaem que Rodrigues relembra suas

vivências religiosas falando das obras do Padre Ibiapina.

Já um exemplo de tempo do discurso, enfatizado com diálogos é a Crônica Ruge,

ruge, Leão Velho!Para localizar o leitor no tempo perdido do eu-lírico, disperso pelos

pensamentos em processo de construção de uma poesia, o cronista lança o diálogo:

Nisso reaparece o mecânico: “O dínamo está pronto, troquei o induzido”.

-Mas quem mandou trocar?

-O senhor...

E levou-me toda a disponibilidade.

Os alemães têm razão: os poetas vieram ao mundo para perturbar a ordem.

(RODRIGUES, 1997, p.25).

60

3.5 Para uma tipologia das Crônicas gonzaguianas

Os tipos de Crônicas são muitos e as classificações de autores ficam entre uma

tipologia literária e uma estrutura narrativa como forma de critérios. De acordo com as

definições dos tipos de Crônicas apresentadas no capítulo anterior, elucidadas por autores

como Marques de Melo (1985), Coutinho (1985), Beltrão e Moisés (2003), os textos de

Gonzaga Rodrigues, de Filipéia e outras saudades, enquadram-se no geral em Crônicas

poéticas, que tratam os assuntos do cotidiano através do sentido lírico.

A divagação poética de Gonzaga Rodrigues é marcante. Seja qual for o assunto que

trate em suas Crônicas o autor põe-se como um eu-lírico, que narra a poesia da vida.

Candido (apud MARQUES DE MELO, 1985) define essa tipologia como Crônica

exposição poética. Já Beltrão (TUZINO, 2009), enquadra esse estilo dentro da Crônica

sentimental, localizada na classificação quanto ao modo de tratar dos temas. Levando em

consideração a classificação do gênero elaborada por Coutinho (1967), o estilo de Gonzaga

Rodrigues assemelha-se a uma Crônica-poema em prosa. Este autor define o estilo como

uma forma de texto de conteúdo lírico de "mero extravasamento da alma do artista ante o

espetáculo da vida, das paisagens ou episódios para ele significativo" (COUTINHO, 1967,

p. 97 e 98).

Até falando sobre questões ambientais Rodrigues exala poesia. Em O fantasma das

árvores, o cronista trata da existência da arborização e da urbanização que devasta as

árvores da cidade de forma poética. Para ele, as árvores não morrem, "viram fantasmas,

mal-assombram, na tentativa de repetir os entes reais da depredação" (RODRIGUES, 1997,

p.37). A influência da poesia, em Rodrigues, é tão forte ao ponto de fazer menção ao poeta

Augusto dos Anjos.

A morte da árvore, em Augusto, é o símbolo da unidade, como seu

florescimento, em Astúrias, é a respiração da vida. Num e noutro caso, na

paleontologia dos Carvalhos ou nos duendes verdes da Guatemala, a

árvore é a Grande Mãe, aurindo para todos os demais seres de nervura ou

de tecido. (RODRIGUES, 1997, p.37).

Gonzaga Rodrigues também apresenta, em alguns textos de Filipéia e outras

61

saudades, Crônicas metafísicas, classificação de Coutinho (1967), "constituída de reflexões

mais ou menos filosóficas sobre os acontecimentos ou os homens" (COUTINHO, 1967, p.

97). Os estilos caracterizam-se como uma divagação filosófica que tem como pretexto os

fatos do cotidiano para dissertar.

Em O eterno retorno, Gonzaga Rodrigues faz isso quando fala do aspecto cíclico da

vida e conta a história de como soube da morte do revolucionário de Sapé, João Pedro

Teixeira, que lutava pela reforma agrária na década de 60. O cronista faz relação dos fatos

com a filosofia, citando, inclusive, o filósofo Nietzsche.

A filosofia de Nietzsche, o eterno retorno e as reações à reforma, de

repente se associam a um instante de sol alaranjado no balcão do antigo

"Alvear".

Recordo que eu levava uma xícara a um novo gole, numa tarde de abril de

62, quando me dizem ao ouvido que "mataram João Pedro".

(RODRIGUES, 1997, p.65).

Apesar de pouco, há também Crônicas com característica de conto, a chamada

Crônica narrativa, assim denominada por Coutinho (1967). A forma desse tipo textual tem

como eixo principal uma história. É o que acontece na Crônica Os novos caçadores de

esmeralda.No texto, Rodrigues desenvolve uma sequência narrativa cronológica, em que

conta a história de moradores de rua que ficam esperando o momento certo para mexerem

no lixo de sua casa.

Na Crônica Recife, de metrô o cronista também desenvolve um texto narrativo em

que conta uma história de uma viagem que faz pela cidade de Recife, de metrô. Na

narrativa, o cronista aborda aspectos sociais e econômicos que percebe durante o trajeto que

faz. Ele critica o desenvolvimento econômico e a decadência social.

O quadro econômico é tão desconcertante que o progresso, em vez de

ajudar, brutaliza. O comando de aviso são sinais, excluídos de voz

humana, faz da multidão um comboio. É uma boiada muda e passível que

cobra os tickets, atravessa a roleta, desembesta nas rampas e entra e sai do

metrô. Todos como carneiros mansos correndo e parando ao zumbido

eletrônico das portas. (RODRIGUES, 1997, p.122).

62

Na narrativa, Rodrigues caracteriza os personagens, se colocando como narrador

observador. E, elencado as características dos usuários do transporte, do povo sofrido a

caminho do “abate” (RODRIGUES, 1997, p. 122), ele descreve:

Agora estão sentados, cabisbaixos, não como se fosse para a próxima

estação de Tigipió ou Recife, mas como se caminhassem para o abate. O

ar é fatalidade na cara encardida de sandália japonesa ou no rosto ossudo

da velhinha de olhos assombrados. (RODRIGUES, 1997, p.122).

Outro de tipo de Crônica também presente no livro Filipéia e outras saudades, é a

Crônica comentário, assim classificada por Coutinho (1967). De acordo com o autor esse

tipo comenta os acontecimentos “acumulando muita coisa diferente ou díspar, como são

muitas de José de Alencar, Machado e outros” (COUTINHO, 1967, p. 97).

Como exemplo dessa Crônica comentário, em Filipéia e outras saudades, há o

texto O escritor B. Rohan, em que o cronista comenta a propaganda eleitoral de Fernando

Henrique Cardoso, comparando-o com o antigo presidente da Província da Paraíba, de

1857, Henrique Pedro Carlos de Beaurepaire Rohan, mais conhecido como B. Rohan. O

texto é uma sequência de comentários sobre o escritor. Na verdade, a propaganda de FHC é

apenas um pretexto para se falar do antigo governante da Paraíba.

De início, a Crônica parece que irá tratar apenas de aspectos políticos, porém o

curso do contexto é desviado para tratar de B. Rohan como escritor. O texto começa com

uma leve comparação entre os políticos:

A ênfase que a propaganda de Fernando Henrique Cardoso vem dando à

sua condição de candidato preparado, culto, rico de informações e de

visão, condição que os mais antigos davam a quem preenchesse o nome

de “avisado”, só me lembra a figura de BeaurepaireRohan, o presidente

mais avisado que já governou a Paraíba. (RODRIGUES, 1997, p. 58).

Depois, a Crônica segue para uma comparação entre B. Rohan político e B Rohan

escritor, de grande contribuição linguística e cultural. Além de tratar suavemente do tema

política, Rodrigues critica o descaso aos escritos do antigo governante da Paraíba.

Pena que a “Biblioteca Paraibana” a ser lançada neste fim de ano pela

63

SEC não inclua um volume dedicado a B. Rohan que reúna as 200

páginas da “Corografia” os famosos relatórios, inclusive o da seca, e a

Catequese, dedicada aos índios do Mato Grosso. (RODRIGUES, 1997,

p. 60).

Levando em consideração a classificação do gênero Crônica proposta por Beltrão (

apud TUZINO, 20091), todos os textos do livro Filipéia, quanto à natureza do tema, se

enquadram na divisão Crônica local, pois tratam de aspectos sociais, econômicos, políticos

e culturais de uma mesma localidade: a Paraíba. O nome Filipéia já é uma referência à

cidade de João Pessoa, a capital paraibana. O topônimo foi dado em homenagem a Filipe II,

rei espanhol que dominou Portugal durante a União Ibérica, ainda durante o período

colonial do Brasil.

A primeira Crônica do livro já é uma narrativa “bairrista”. É em Por que Filipéia?

que Rodrigues mostra o amor que tem pela capital, e disserta sobre a conotação carinhosa

do nome Filipéia para João Pessoa. Para falar disso, Rodrigues também elucida aspectos

históricos da conquista da Paraíba.

Não há lógica para esse ressurgimento. Felipe não foi o fundador, não

desembainhou por nós nenhuma espada, não nos mandou mais pólvora

contra a Holanda que a outras capitanias. Por que a empatia desse nome?

Na guerra da Conquista, quem faz carreira com o medo do índio e não

pára mais até Olinda é um súdito filipino. Por que esse apêgo ao topônimo

espanhol nas invocações de compulsão lírica? (RODRIGUES, 1997, p.

12).

Outras Crônicas da obra apresentam esse aspecto local. É o caso de Os pecados da

origem, em que o cronista faz uma crítica à corrupção na história da conquista da Paraíba.

A alusão que faz aos pecados da política da atualidade é sutil, porém ferina.

E mais frustrado ainda fico agora, ao me defrontar com a Conquista da

Paraíba, capítulo do português Joaquim Veríssimo Serrão, autor do

ensaio que não comparece nas bibliografias dos nossos historiógrafos: Do

Brasil Filipino ao Brasil de 1640.

Pois não é que, visto por esse português da Academia Portuguesa de

História, trabalhando em cima das fontes, o nosso herói Leitão, sem

deixar de ser o conquistador que foi, andou acobertando o PC Farias

daqueles tempos? Tratava-se de um tal Miguel Gonçalves Vieira,

provedor em Pernambuco, que na compra de escravos de Angola desviou

64

das rendas imperiais vinte e tantos mil cruzados. Para se ter uma ideia

desse valor, basta saber que Pernambuco, Bahia e Itamaracá juntos

rendiam 30.000 cruzados. (RODRIGUES, 1997, p. 14 e 15).

Muitas das Crônicas do livro Filipéia e outras saudades elucidam aspectos

históricos da Paraíba, tratando desde temas do Brasil Colônia, da conquista da Paraíba,

passando por épocas de governantes da antiga república até aspectos sócios culturais e

políticos da atualidade. Com isso, Gonzaga recupera um pouco do primeiro tipo de Crônica,

a Crônica histórica.

No prefácio da obra, o historiador paraibano José Octávio de Arruda Melo qualifica

o cronista como historiador social. E justifica:

Duas razões contribuem para a precisão do retrato antropológico e social

de uma cidade que este livro encerra. O primeiro reside nas vivências do

autor que, rueiro, "nunca passei um dia sem sair de casa". Aí, o cronista.

O outro, sua invejável carga de leituras, forrada em biblioteca particular

onde não faltam especialistas da Ciência do Tempo, como Hipolitte Taine,

Capistrano de Abreu, Antônio Sérgio, Sérgio de Buarque de Holanda e

Adam Schaft. Aí, o historiador (social). (RODRIGUES, 1997, p. 9).

Muitas de suas Crônicas apresentam esse caráter histórico da Paraíba. A obra é uma

referência ao passado paraibano. São exemplos disso: Por que Filipéia?,Os pecados da

Origem, O pau da Paraíba, Sucessão de cidades, A castanhola encaliçada, No tempo de

José Américo, entre outras Crônicas. É a recorrência ao tempo já findo, a marca nostálgica,

que move a poeticidade da visão do cronista.

65

3.6 Nostalgia: amor ao passado

Das paixões da alma, parece ser a nostalgia a que mais abraça outras paixões dos

seres. Quando se perde nas reminiscências, sente-se dor, amor, cólera, ódio, paixão.

Reviver é viver. Lembranças fazem sorrir, chorar. A obra Filipéia e outras saudades nada

mais é que uma reunião de Crônicas nostálgicas, de histórias que sempre remetem às

lembranças de seu cronista e que aflora a memória íntima de quem lê. São Crônicas dos

afetos da falta, da paixão da ausência. Suspiro, nostalgia.

O tom nostálgico está presente em cada frase da prosa lírica de Gonzaga Rodrigues.

O próprio nome saudades, no título da obra, já dá a sensação de falta, da perda do tempo

que passou. Porém, saudade difere de nostalgia. A primeira refere-se a qualquer tipo de

falta, já a segunda seria uma espécie de saudade profunda em que se aprisiona o tempo num

espaço perdido. A nostalgia define-se melhor como uma saudade com uma intensidade

maior de melancolia (FORIN JUNIOR, 2012).

A nostalgia refere-se mais especificamente à ausência de um contexto

integral, ou seja, o objeto-valor é um lugar e/ou um tempo perdidos, que

persistem na memória do sujeito e cujas lembranças provocam pesar pela

impossibilidade ou dificuldade de regresso. É o sentimento de um

indivíduo degredado, exilado de suas instâncias primordiais, a exemplo da

terra natal ou da infância já passada. Ferreira (2004) define a nostalgia

como “melancolia produzida no exilado pelas saudades da pátria”.

(FORIN JUNIOR, 2012).

Etimologicamente, nostalgia deriva do grego, das palavras nostos, que significa

retorno, e algos que quer dizer dor. Em um sentido literal seria uma dor de relembrar um

passado, de reviver a saudade. É a experiência da perda, muitas vezes, associada ao

sentimento de regresso às lembranças, felizes ou não.

No início da Era Moderna, a nostalgia já foi considerada uma patologia pela forte

aproximação que tem com a melancolia. No artigo científico, Considerações sobre a

nostalgia, publicado em 1847, o romancista Joaquim Manoel de Macedo, e também

médico, elucida algumas características desse “sentimento patológico”.

Macedo descreve-nos os sintomas da nostalgia, fala-nos de suas causas e

até menciona supostos achados em cadáveres de nostálgicos. Para ele, a

66

nostalgia é uma variedade da lipemania, termo que Esquirol usava como

sinônimo aproximado de melancolia; mas, enquanto Pinel situa a causa do

distúrbio na região do estômago e dos intestinos, Macedo localiza-a, mais

de acordo com os conhecimentos atuais, no cérebro. O certo é que

nostalgia, palavra que vem do grego (nostos, regresso, algos, dor), era

uma situação muito estudada em muitos manuais médicos de então.

(SCLIAR, 2005).

Porém, a conotação patológica perdeu-se no tempo. E a nostalgia passou a ser vista,

apenas, como um sentimento que pode ser associado a lembranças da infância, objetos ou

experiências específicas. (FLECK; ABDALA; TROTT, 2008).

De tão densa e poética, a literatura tomou para si a patologia da saudade. O

sentimento ficou recorrente nas narrativas românticas, aflorando principalmente na primeira

geração ufânica, em que Gonçalves Dias cantava a saudade dos sabiás, da terra das

palmeiras.

(...) tanto melancolia como nostalgia eram temas de forte apelo para os

românticos. Existem razões históricas para tal. Em primeiro lugar, a

modernidade nasce melancólica; a melancolia era uma reação de espíritos

superiores, intelectuais e artistas, diante de uma época caracterizada pelo

progresso científico, pelos descobrimentos, pela soberba produção

artística, mas também pela ânsia de lucro e de prazer, pela especulação

financeira e pela luxúria. Quanto à nostalgia, ela não era, para os

brasileiros de então, um estado de espírito desconhecido (como não o era,

para os portugueses, a saudade, palavra que, segundo o rei dom Duarte, só

existiria no idioma luso). (SCLIAR, 2005).

A nostalgia é recorrente em toda Literatura, inclusive na Crônica. O próprio

conceito do gênero, que remete ao tempo, também recupera essa ligação temporal com o

que já foi vivido. A Crônica é uma forma de saudosismo que não deixa escapar o tempo,

aprisionando o cotidiano em palavras. O processo de recordação faz parte do dia-a-dia. A

cada instante das horas a memória é acionada para lembrar o que já passou. A vivência é

cíclica. “A nostalgia é inevitável, pois através dela o cronista recupera esse lado ausente”

(SÁ, 1985, p.54).

Em Filipéia e outras saudades a nostalgia não é patológica. Não chega a ser o

banzo dos escravos, nem o saudosismo de uma terra exilada cantada pelos românticos da

primeira geração. A nostalgia em Gonzaga Rodrigues é lírica, de traços sutis, mas firmes.

Os devaneios nostálgicos de Rodrigues carregam em cada Crônica o ufanismo de seu sítio

67

de memórias. A recorrência ao passado é constante. Para ele, o “que resta e sobrevive no

mesmo local é outro tempo. Outra vida, tendo de comum apenas alguma parede ou

alicerce” (RODRIGUES, 1997, p. 19). Gonzaga sempre se remete ao passado relembrando

da velha cultura das boas amizades.

Diversos estudos sociológicos mostram que as pessoas acreditam que

tempos passados eram melhores, e que antigamente se tinha um padrão de

vida mais alto, mesmo que isso não seja verdade. A crença dos “velhos

bons dias” é a principal característica do conceito que se tem de nostalgia

hoje em dia (Havlena e Holak, 1991). (FLECK; ABDALA; TROTT,

2008).

A primeira Crônica da obra já mostra isso. Em Por que Filipéia?, o cronista mostra

“recorrência saudosa, poética mesmo” (RODRIGUES, 1997, p.11) do topônimo da cidade.

Depois de um contexto histórico, em que trata da nomeação da atual capital paraibana, ele

faz um questionamento: Por que Filipéia, com todo esse tom nostálgico, se Felipe II por

essa cidade nada fez? Gonzaga faz a reflexão do nome e depois recorre às suas lembranças.

E por que essa recorrência de conotação amorosa? Sempre que se

pretende um tom de afeto no discurso de louvação ou de saudade, a

apelação é para a Filipéia. A prosa poética de Crispim tem uma floresta

desses recursos. A poesia de Jomar nem se fala. Eu mesmo, sem nunca ter

vivido nesta cidade e muito menos no seu ambiente cultural, saquei em

cima da primitiva toponímia num poema de pé quebrado que tentava

exprimir o mesmo deslumbramento com a “vila”. Digo vila pelo meu

campinismo de então, estudando no Pio XI, torcendo pelo 13, vizinho de

Pinta Cega e já me iniciando nas Boninas. (RODRIGUES, 1997, p. 12).

Mais adiante, na mesma Crônica, ele se lembra de como esse topônimo saudoso

reflete nele. E mais uma vez, nostalgicamente, relata uma lembrança:

Desci na Praça do Pensamento, um largo de sombras frondosas e

arquitetura clássica que me parecia saído do pincel de Pedro Américo,

naquela minha hora de chegada, e reinei um poema louvador. Pois não é

que, no primeiro jato, apareceu a “Filipéia”? Orlando Tejo, que guarda,

por malvadeza, essa minha franqueza, recitou-a outro dia, no café, a

Filipéia repontando nos versos primaríssimos. (RODRIGUES, 1997, p.

12).

68

Em Sucessão de Cidades, Rodrigues reflete sobre as mudanças que a urbanização

ocasiona em uma cidade. Para cada época há uma cidade diferente. E por isso ele se

pergunta “Quantas Parahyba existiram de 1585 até hoje”? (RODRIGUES, 1997, p.18). O

texto segue com algumas leituras de épocas em que o eu-lírico viveu, ressaltando a maior

vivência e troca de afeto entre as pessoas da cidade. No fim, em constatação saudosista e

nostálgica, o cronista lamenta a frieza da atualidade.

Entre a minha chegada e hoje já se passaram duas ou mais cidades. A

prova é que, confiando numa carona de Epitácio, tive de tirar a pé até o

jornal sem ser reconhecido por um único contemporâneo. O movimento

incessante de carros e de pessoas era todo de outros moradores, outra

geração, para a qual a gente vai se sentindo fantasma ou, na melhor das

hipóteses, trambolho. (RODRIGUES, 1997, p. 20).

Em Fantasmas da manhã acontece o mesmo. Passado o tempo, o eu-lírico torna-se

invisível para a gente contemporânea de Campina Grande. Depois de algumas passadas por

cima das lembranças de quando morava na cidade, encontra com um conhecido, “pessoa

viva de hoje”. (RODRIGUES, 1997, p.124).

Sou eu, na manhã do Calçadão, quem está se sentindo fantasma. Começo

a ter medo de mim mesmo, até que me aparece, atravessando o passeio, o

confrade Raimundo Rodrigues, pessoa viva de hoje.

-Como está Campina? – pergunto.

-Está como você deixou. (RODRIGUES, 1997, p.124).

Essa nostalgia referente ao saudosismo do afeto bairrista reaparece também em

Muita casa e pouca fala, em que cronista lamenta o desconhecimento entre as pessoas.

Sumiram os rostos conhecidos. É multidão, massa de Ibope, enchente sem

nome a atravessar as portas das lojas num afã cego e desembestado. A

cidade pessoal do meu primeiro livro não existe. Ou melhor: a cidade

existe, a crônica que envelheceu. (RODRIGUES, 1997, p.57).

A primeira saudade é um devaneio sobre a lembrança de infância, de uma visita à

cidade de Belém. A nostalgia alcança os picos quando o eu-lírico chora em lírica prosaica a

perda do que passou, apossando-se do termo melancolia para definir a nostalgia que sente.

69

Nunca mais vi o Menino. Nunca mais vi Zé de Dinda. Nunca mais me vi.

A estrada que leva à Belém, sito nos Codoros, até ela desapareceu. Como

também as cores que a povoavam, azul de céu, encarnado de sangue,

amarelo de manga, todas esmaeceram numa gama que é menos cor do que

melancolia. (RODRIGUES, 1997, p. 79).

Sua nostalgia, porém, não é cega. A recorrência à memória, às reminiscências de

sua vida, não é alienada. Gonzaga Rodrigues sabe que o tempo não volta e por isso o tom

nostálgico, mas, mesmo que saudoso, o cronista não se perde no tempo das lembranças. A

nostalgia é um pretexto para a poesia.

A recorrência saudosa de Gonzaga Rodrigues, em Filipéia e outras saudades, é sua

marca. Suas idiossincrasias nostálgicas, que recorrem à infância, mocidade, e outros

períodos de vida é o que traz sua poeticidade à tona. Sendo nostálgico, Rodrigues é lírico. É

a ufania romântica de seus sítios de memórias que aflora toda a poesia do cronista, que

também é poeta de prosa.

70

3.7 O lirismo na poética de Rodrigues

É através da saudade, intensificada em melancolia da impossibilidade do retorno do

que já passou, que Rodrigues retrata o lirismo de Filipéia. Por meio de seu lirismo

prosaico, o cronista consegue recriar o passado, incitando o imaginário paraibano, criando

imagens de seus próprios sítios de memórias. É "pela imagem poética, que elimina o vazio

entre a representação da realidade" (SÁ, 1985, p.52), que ele escreve sua prosa.

Na Literatura, o gênero lírico se expressa, em geral, pela poesia. O termo lirismo é

derivado de lírico, que vem do latim (lyricu), que quer dizer "lira", instrumento musical

grego. A poesia lírica foi uma marcante expressão artística do Período Arcaico da Grécia

Antiga, situado entre os anos 800 a.C. e 500 a.C. Foi o tempo da ascensão da democracia,

do desenvolvimento cultural, político e social que influenciou toda a cultura ocidental.

Nessa época, a poesia era acompanhada pela música, daí sua construção metrificada e

rimada.

Mas a poesia não se apresenta apenas na forma de poemas. No sentido figurado, o

conceito se estende para uma ideia de sensibilização. Poesia não está na forma, mas na

essência de coisas imateriais, como a nostalgia presente na prosa de Rodrigues. Nas

Crônicas de Filipéia e outras saudades, a poesia tem como função criar um mundo de

significação nostálgica. Um mundo perdido nas memórias de uma geração paraibana já

passada. A obra é uma odisseia de vivências, que canta e conta em prosa os afetos da falta

de um cotidiano.

Para poder criar um mundo de significação poética, Gonzaga recupera lembranças e

memórias saudosistas, recriando a essência de alguns valores antigos, como a amizade, por

exemplo. Caracterizando as relações entre os conhecidos, enquadrando em um bairro típico

de João Pessoa, o Tambiá, no texto Muita casa e pouca fala, ele comenta um trecho de

outra Crônica antiga que falava do ar familiar da cidade.

Vejam o que pus num livro de 1978, com letras que escolhi romanas por

imaginá-las duradouras: "O que me dá nervura, folha e ramo pessoensses

é o ar de família, esse jeito de intimidade doméstica identificado até nos

rostos desconhecidos. (...) Nessa cidade os rostos se conhecem".

(RODRIGUES, 1997, p. 55).

71

Mas, o tempo passou. A Crônica “envelheceu”. E o ar de amizade, de essência

conhecida e doméstica se foi. As pessoas "passam, somente" (RODRIGUES, 1997, p.56). E

perdido nas lembranças o eu-lírico vê-se a falar só, personificando as lembranças.

"Descubro-me sorrindo e gesticulando sozinho. Lembranças de Tambiá falam comigo

enquanto aguardo o transporte no abrigo do ônibus" (RODRIGUES, 1997, p.56). Nessa

Crônica, a poesia está presente do início ao fim e encontra o ápice na personificação de

uma instância imaterial: a lembrança. Para o eu-lírico, a memória é tão forte que o passado

torna-se visível, algo quase real.

Com o sentido lírico e suas imagens nostálgicas, ele reconstrói espaços, tempos e

personagens. Isso acontece, por exemplo, na Crônica A Bica. Do fato jornalístico de um

cotidiano já passado, uma reforma do parque botânico Arruda Câmara, mais conhecido

como Bica, o cronista volta mais um pouco no tempo. No texto, ele recria a imagem do

parque como uma paisagem de uma poesia de Augusto dos Anjos.

Foi lá onde aprendi a ler Augusto dos Anjos, não o poeta da morte e da

melancolia, como saudou-o a crítica geral, mas o poeta da vida, inimigo

inconciliável do verme, do patológico, da morte. Foi ouvindo a Bica, com

o livro de Augusto aberto, que vi, ou melhor, que senti “a alma dos

vegetais rebentar, inteira, de todos os corpúsculos do pólen”.

(RODRIGUES, 1997, p. 35).

A Bica reformada é um pretexto para a construção da antiga Bica, o poético parque

de suas memórias, “retiro afrodisíaco” das “carências juvenis”, “onde a leitura era a

companhia mais excitante.” (RODRIGUES, 1997, p. 34 e 35).

Para Sá (1985), expandir a própria realidade é ampliar o alcance do real. E é a

função poética da linguagem que dá a capacidade para expressar uma ampla significação

dos seres e das coisas. É com a poeticidade que o cronista capta o significado das nuances

do cotidiano e interpreta-os.

Com seu toque de lirismo reflexivo, o cronista capta esse instante

brevíssimo que também faz parte da condição humana e lhe confere (ou

lhe devolve) a dignidade de um núcleo estruturante de outros núcleos,

transformando a simples situação no diálogo sobre a complexidade das

nossas dores e alegrias. (SÁ, 1985, p.11).

72

Em o Anátema, o cronista se perde em devaneios durante uma atividade cotidiana:

uma lavagem de carro, dominical. Sentado à frente da Igreja do Carmo, em João Pessoa,

“enquanto o garoto dava uma demão d’água no fusca” (RODRIGUES, 1997, p.21), perdeu-

se em epifanias. O garoto, assobiando uma música antiga “do tempo de seus avós, cantada

de pai a filho, e agora entoada no bico carente da última geração.” (RODRIGUES, 1997,

p.21) lhe chama a atenção. A construção desse personagem, baseada em suposições, faz o

eu-lírico pensar as diferenças sociais e as possíveis disparidades econômicas da mesma

linhagem.

Fatalmente terá sido isso: de avô a neto, o tempo da música não deve ter

transcorrido no âmbito da mesma escala social. Um curtia a “Chiquita

Bacana” nos salões, o outro solfeja enquanto lava o carro. O que

progrediu na escola do país, erigindo-o à oitava economia do mundo,

exportador de armas e aviões, regrediu na escala social, do avô folião aa

(Sic.) neto biscateiro. (RODRIGUES, 1997, p. 21 e 22).

Um simples assovio de canção e a paisagem da igreja do Carmo fazem o eu-lírico

refletir sobre as mazelas da Paraíba e relembrar lendas urbanas, como a maldição do frei

Gabriel, rogada à região.

A modorra ambiente e a completa lassidão do corpo e da mente deixam-

me exposto às mais frouxas ideias e sentimentos. Aberto a clichês

estocados na memória, como “o progresso não é igual para todos”, ou a

maldição de um século e meio atrás, nessa mesma igreja, quando o frei

Gabriel, da Ordem de Malta, rogou a praga que surte ainda hoje nas costas

da Paraíba: “Esta terra não prosperará enquanto existir lembrança de meu

sangue na parede desta igreja.” (RODRIGUES, 1997, p. 22).

Retornando um século e meio no tempo, o cronista explica a maldição:

Na hora do sermão, numa manhã distante de 1825, arremessaram uma

pedra na cabeça do frade. A dor foi tão grande que levou o religioso a pôr

as mãos para os céus, cair de joelhos e lançar o anátema que ainda hoje

repercute. (RODRIGUES, 1997, p. 22).

A poética de Gonzaga Rodrigues tem como protagonista ele mesmo. O eu-lírico é

seu próprio personagem social. E mesmo que a Crônica não trate de suas vivências, mas

fatos históricos de que ele próprio não participou, sabe-se que quem está declamando a

73

poesia em prosa do cotidiano é ele: Gonzaga Rodrigues. A subjetividade é inerente à poesia,

ao lirismo. É através dela que o autor pode caracterizar seu estilo e estética. Até em uma

Crônica em que o poeta tem como tema principal a época do governo de José Américo, na

Paraíba, o cronista toma sua vivência como ponto de referência para dar partida à narrativa.

Logo no primeiro parágrafo de No tempo de José Américo, o cronista relembra a

mocidade.

O governo de José Américo pegou-me entre os 17 e 21 anos, quando o

gosto da vida, para mim, vinha por escrito, sabendo a livro. Entre ir a Pilar

pela rodagem, o real por si mesmo, eu preferia ir em Zé Lins, em letra de

forma, correndo no texto , que era ver sentindo, vivendo.

(RODRIGUES, 1997, p. 61).

A subjetividade latente continua. E mais adiante, o cronista praticamente se

descreve. No segundo parágrafo da Crônica é possível notar o homem de amizades, que

gostava de se comunicar.

Tomava a Biblioteca Pública, minha principal condução, e saía por aí, sem

limite de terra nem de tempo, dando-me a conhecer pessoas, lugares,

situações que, por mais longínquos e remotos, tinham de chegar a mim,

compor a minha circunstância. (RODRIGUES, 1997, p. 61).

Sua subjetividade é toda lírica, intensificada na forma de nostalgia, de um

saudosismo latente de quem viveu o melhor passado, de lembranças tristes, dores, amores,

mas tudo necessário. Em Filipéia e outras saudades, Gonzaga Rodrigues compartilha a sua

alma que, antes de cronista, poeta ou jornalista, é humana. É seu sentimentalismo que

demonstra o ser que escreve poesia em forma de Crônicas.

74

IV CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentre os gêneros textuais do Jornalismo Literário, talvez seja a Crônica a forma

que mais dá vida ao cotidiano. Nascendo e morrendo a cada dia ela imita a vida, utilizando

a Literatura para mostrar as significações da vivência. Nessa hora, torna-se arte. E imita

também o Jornalismo, assim como as notícias. Imitando a vida, ela tenta reproduzir o

cotidiano em forma de prosa, traçando as nuances do dia-a-dia. Imitando o Jornalismo, ela

trata dos assuntos da pauta do dia, da semana, do tempo. Através da Crônica, o leitor

informa-se e ao mesmo tempo ganha uma leitura do mundo, variante de acordo com o

interpretante do cotidiano: o cronista.

Quando publicada em livro, a Crônica não morre. Pode até envelhecer, mas torna-se

perene. Gonzaga Rodrigues tornou sua Crônica duradoura, quando publicou o livro Filipéia

e outras saudades. A obra é uma reunião de Crônicas com características jornalísticas e

literárias. Seus escritos localizam-se entre a subjetividade literária e a suposta objetividade

jornalística, ou seja, no campo do Jornalismo Literário.

Nessa obra, Gonzaga Rodrigues proporciona uma extensão da realidade, da sua

realidade. Sua marca estilística é o lirismo. E através disso o cronista retrata a sua visão de

mundo. A visão que tem da Paraíba e de João Pessoa, a saudosa Filipéia de sua infância,

mocidade e vida. Tudo isso é passado com um tom saudoso, nostálgico. Seus escritos dão a

sensação da perda do tempo que não volta. Em muitas de suas Crônicas há a lamentação de

que a cidade não exala mais o ar familiar, de amizade bairrista.

Na prosa lírica de Gonzaga Rodrigues, pôde-se perceber recursos jornalísticos e

literários. Algumas de suas Crônicas são breves e cotidianas, características herdadas do

Jornalismo. Já em termos literários, o cronista apresenta uma construção mais aprofundada

dos personagens sociais, figuras de linguagens e, principalmente, o lirismo, sua marca

estilística. Tudo isso aliado é que faz o leitor se transportar para um imaginário paraibano.

Através desse estudo, pôde-se destrinchar um pouco do plano imaginativo da terra

nostálgica de Gonzaga Rodrigues, com nuances políticas, sociais, culturais e históricas.

Suas Crônicas são uma caminhada pela Paraíba, passando pelas suas cidades e suas

pessoas.

75

Com este estudo espera-se despertar um maior aprofundamento em pesquisas da

imprensa da Paraíba. Gonzaga Rodrigues é um forte nome do Jornalismo paraibano. Ele

colaborou para os mais importantes jornais do estado. Além disso, também contribuiu

muito para a Literatura local, com várias publicações de livros.

76

REFERÊNCIAS

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80

VI

ANEXOS

81

ANEXOA- Perfil de Gonzaga Rodrigues no caderno B do Jornal Contraponto

82

ANEXO B- Gonzaga Rodrigues na Academia de Letras Paraibana (APL)

83

ANEXO C- Gonzaga na APL autografando Filipéia e outras saudades

84

ANEXO D – Capa do livro Filipéia e outras saudades