jk e frondizi

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Comparativo entre as trajetórias de Frondizi e JK

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    JK e Frondizi: duas trajetrias rumo presidncia.1

    Leonardo da Rocha Botega2

    Na segunda metade da dcada de 1950, Brasil e Argentina foram palcos de

    intensos processos polticos. A dinmica adquirida nas ltimas duas dcadas que

    antecederam o perodo fizeram com que, em ambos os pases, novos e velhos grupos

    sociais se posicionassem em um momento de fortes disputas pelos rumos nacionais,

    marcado por profundas polarizaes, getulismo versus antigetulismo, peronismo versus

    antiperonismo, liberalismo versus socialismo. Em meio a este contexto que Juscelino

    Kubitschek, no Brasil, e Arturo Frondizi, na Argentina, acendem a presidncia da

    Repblica de seus respectivos pases.

    Em comum a ambos os presidentes estava tambm o fato de defenderem um

    projeto que, partindo de matrizes tericas diferentes, propunha a modernizao da

    economia atravs de um conjunto de metforas sociais atrativas, tais como o conceito

    de uma indstria pesada impulsionada pelo Estado como caminho para a autonomia e a

    riqueza e a mstica da planificao e da tecnificao como ferramentas para promover o

    salto para o futuro (SIKKINK, 2009, p.25). A partir destas metforas sociais atrativas,

    intituladas no Brasil como nacional-desenvolvimentistas e na Argentina como

    desarrollistas, que os governos JK e Arturo Frondizi guiaram as suas aes, tendo,

    porm, caminhos e resultados diferentes.

    Para Sikkink (2009, p.26), la medida en que las metforas desarrollistas

    encontraron terreno frtil vari de un pas a otro, segn las condiciones ideolgicas

    existentes, la forma en que se introdujeran esas nuevas ideas y el apoyo institucional

    que recibieron. No Brasil, o governo Juscelino Kubitschek foi marcado pelo

    entusiasmo e pelo significativo apoio poltico que a meta de fazer o pas crescer 50

    anos em 5 teve, garantindo ao presidente o binmio desenvolvimento econmico e

    estabilidade poltica (BENEVIDES, 1976). Na Argentina, por sua vez, o governo

    Frondizi foi marcado por um processo intenso de radicalizao poltica e instabilidade

    1 Artigo produzido como forma de avaliao da Disciplina Estudos Monogrficos I Elementos para

    Histria Social da Poltica e Histria do Tempo Presente: Teorias e Prticas de Pesquisa, do Programa de

    Ps-Graduao em Histria da UFRGS, ministrada pelo prof. Dr. Luiz Alberto Grij. 2 Professor EBTT da UFSM. Doutorando em Histria pela UFRGS e Mestre em Integrao Latino-

    Americana pela UFSM.

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    que fizeram com que o presidente, aps trs dezenas de tentativas, fosse deposto em 29

    de maro de 1962, no podendo, assim, concluir o seu mandato.

    Boris Fausto e Fernando Devoto (2002, p.346), na tentativa de explicar estes

    diferentes rumos que os projetos desenvolvimentistas tiveram, destacaram a

    diferenciao das trajetrias e personalidades polticas de Kubitschek, uma figura mais

    neutra, um homem prtico, embora no desprovido de rasgos visionrios, e de

    Frondizi, um intelectual progressista cujo perfil mesclava nacionalismo econmico e

    progressismo, incluindo a atividade de defensor de presos polticos. Tais

    caractersticas, segundo os autores, no so irrelevantes ao se comparar os discursos

    dos desenvolvimentismos argentino e brasileiro, enquanto o primeiro possua

    formulaes mais ideolgicas e dogmticas e teve um perfil mais confrontador, o

    segundo, era mais concreto, com horizontes mais palpveis, propunha produzir um

    desenvolvimento acelerado sem agitar muito as guas ideolgicas (p.347).

    Ainda em um exerccio de comparao, Sikkink (2009) defende que o fato de o

    Brasil ter uma base institucional muito mais slida, com uma estrutura estatal mais

    clientelista, mais meritocrtica, com uma burocracia mais independente do que a

    Argentina, fizeram com que as ideias desenvolvimentistas tivessem uma influncia

    muito maior e mais duradoura na elaborao de polticas, recebendo um apoio interno

    mais slido. Ao mesmo tempo, apesar das similitudes entre as ideias dos

    desenvolvimentistas argentinos e brasileiros, JK e Frondizi diferan notablemente en

    su estilo poltico, su discurso y su comprensin y manejo de los elementos simblicos

    del debate poltico (p.288).

    Outra especificidade importante sobre os governos JK e Frondizi foi os diferentes

    tempos histricos dos governos, bem como, a situao poltica interna a Brasil e

    Argentina. Enquanto Kubitschek assume em 1956, quando j no havia nem sombra

    do clima da Guerra Fria marcado pela ascenso de Kruschev, quando no havia nem

    sombra do clima de exasperao para com a Amrica Latina, Frondizi toma posse

    dois anos depois, quando o anticomunismo estava novamente em ascenso, para logo se

    tornar um tpico dominante, sobretudo, com os rumos tomados pela Revoluo

    Cubana. Dessa forma, a margem de manobra internacional fora muito maior para o

    Brasil do que para a Argentina. Com relao s situaes polticas internas, Kubitschek

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    governava uma sociedade muito menos mobilizada que a argentina o que permitiu

    uma maior margem de manobra politica para o presidente brasileiro consolidar certo

    consenso em torno do seu projeto. Frondizi, por outro lado, herdou, tanto da experincia

    do governo peronista, quando da Revoluo Libertadora, uma sociedade com alto grau

    de mobilizao e polarizao ideolgica, atenuada ainda mais com o fato de que a

    habilidade demonstrada para construir a coalizo poltica que o conduziu ao poder

    transformou-se em um empecilho para o seu pleno exerccio, o que acentuou a

    instabilidade poltica e debilitou a legitimidade de seu governo, obrigando-o a agir na

    linha do oportunismo ttico, visando apenas sobreviver. (FAUSTO; DEVOTO, 2002,

    p.359-365).

    Em que pese estas concluses ps-governos, um aspecto interessante a ser

    observado tem como ponto de partida fundamental os resultados das eleies que

    levaram JK e Frondizi a presidncia. Juscelino Kubitschek fora eleito com 33,8% dos

    votos, contra 28,7% de Juarez Tvora e 24,4% de Ademar de Barros (BOJUNGA,

    2001). J Arturo Frondizi fora eleito com 44,8% dos votos, contra 28% de Ricardo

    Balbin. Ao mesmo tempo, a Unin Cvica Radical Intransigente, o partido frondicista,

    alcanou dois teros da Cmara dos Deputados e a quase totalidade dos senadores

    (ALTAMIRANO, 1998). No Brasil, as eleies congressuais no eram paralelas a

    eleio presidencial, mesmo assim, a aliana PSD-PTB, sustentculo do governo JK,

    entre 1956 e 1959 correspondia 52,1% dos deputados e aps as eleies de 1958 passou

    a somar 55,5% dos deputados (HIPPOLITO, 2012).

    Observando apenas os resultados eleitorais somos tentados a concluir que o

    presidente argentino, no que tange a legitimidade originria do processo democrtico

    (WEBER, 2004) e a coalizao poltica deste originada, teria maiores condies de

    governabilidade do que o seu homnimo brasileiro. Porm, conforme Badie e Hermet

    (1990, p.99) la comparacin supone el anlisis de las dinmicas, es decir, de las

    maneras de formacin y transformacin de estos rdenes polticos que nunca son dados

    fijos, sino que se constituyen historicamente gracias al juego de los acontecimentos y

    los acidentes. A partir desta formulao, pode-se entender que h outros fatores

    qualitativos que se escondem por detrs dos resultados eleitorais e at, mesmo, direta ou

    indiretamente, os condicionam, entre esses, o peso que o capital poltico (Bourdieu,

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    2002) do candidato teve nos resultados. Um peso que pode ser analisados a partir da

    prpria trajetria do candidato vitorioso.

    Porm, no que tange aos estudos sobre trajetria, importante no cairmos no

    equvoco da iluso biogrfica, construda a partir de uma percepo segundo o qual

    uma vida segue uma ordem cronolgica que uma ordem lgica, desde um comeo,

    uma origem no duplo sentido de ponto de partida, de incio, e tambm de princpio, de

    razo de ser, de causa primeira, at seu fim, que tambm um objetivo, uma realizao

    (telos) (BOURDIEU, 1996, p.75). Na maioria das vezes, este equvoco, bastante

    frequente, nos estudos de histria de vida, faz com que trajetrias complexas sejam

    reduzidas a modelos que associam uma cronologia orientada, uma personalidade

    coerente e estvel, aes sem inrcia e decises sem incertezas (LEVI, 1989).

    Em complemento a tais consideraes, convm termos em questo aquilo que

    Grij (2008, p.87) destaca ao afirmar que:

    [...] as histrias de vida, ao serem transformadas em fontes de dados,

    apresentam certas dificuldades metodolgicas que precisam ser enfrentadas.

    A principal delas justamente que o jogo das posies inter-relacionais e das

    motivaes para a ao dos agentes enfocados nesse tipo de produto so nelas

    constantemente velados pelo manto do referencial arch-telos, referencial

    este que frequentemente manifesto em termos essencialistas com forte

    cunho fsico-biolgico, naturalista e tico-moral, que no raro descambam

    para um psicologismo banal ou para um (auto) posicionamento do autor, caso dos bigrafos, como um excleso juiz no Tribunal da Histria. E o interessante que essa caracterstica mesma por si significativa de uma

    concepo de mundo, mas tambm de dvidas muito concretas contradas

    que, ao fim e ao cabo, no impedem que a partir destes textos no se possam

    ter portas de entrada para a explicitao do jogo inter-relacional das

    representaes, posies, predisposies, recursos utilizados e aes dos

    agentes considerados, bem como para o desvelamento dos respectivos

    princpios subjacentes e que s sero encontrados por trs do sentido

    manifesto destas e nestas mitografias.

    Assim, tais preocupaes no devem ser entendidas como um chamamento ao no

    uso das biografias como fontes de estudo para historiadores ou a no produo de

    estudos de trajetria, mas sim, como uma demonstrao da cautela necessria para tal

    uso. A questo central que, conforme o titulo do texto de Grij (2008), para que?, ou

    seja, o que se prope a responder o estudo de trajetria ou o uso de biografias, que

    muitas vezes no so produzidas por historiadores, como fonte.

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    Aqui vamos buscar no estudo das trajetrias de Juscelino Kubitschek e Arturo

    Frondizi os elementos que os permitiram atingir o mais alto cargo elegvel de seus

    pases, aqueles originrios tanto de seus capitais polticos, quanto dos recursos

    utilizados para a vitria eleitoral. Dessa forma, podemos traar alguns fatores que

    possam indicar caminhos para a interpretao da aparente ideia de que devido ao seu

    resultado eleitoral mais consistente, Frondizi teria mais condies de governabilidade

    do que JK.

    Conforme Boudieu (2002, p.187-188),

    O capital poltico uma forma de capital simblico, crdito firmado na

    crena e no reconhecimento ou, mais precisamente, nas operaes de crdito

    pelas quais os agentes conferem a uma pessoa ou a um objeto os prprios poderes que eles lhes reconhecem.

    Neste sentido, a partir da diferenciao feita por Fausto e Devoto (2002), o capital

    poltico de Juscelino Kubitschek advinha da imagem de um homem prtico,

    visionrio, enquanto que o capital poltico de Arturo Frondizi era construdo a partir da

    imagem de um intelectual progressista, nacionalista e defensor da democracia. Ambas

    estas imagens eram frutos de suas trajetrias, que alm da adeso as propostas

    desenvolvimentistas, tinham em comum o fato de que nem JK e nem Frondizi eram

    originrios de famlias tradicionais da poltica de seus pases, o que fez com que suas

    ascenses se dessem atravs de outros recursos.

    1. JK: homem prtico, visionrio e modernizador.

    Juscelino Kubitschek nasceu em Diamantina MG, o pai era funcionrio pblico

    e a me era professora primria. rfo de pai desde os dois anos, concluiu os estudos

    primrios e o ginsio com muita dificuldade financeira. Aps alguns anos de estudo, em

    1922, ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais,

    para custear os gastos prestou concurso pblico para Telegrafo, sendo nomeado em

    1921. Em 1927, no quinto ano da faculdade, comeou a trabalhar na Santa Casa. Dois

    anos depois, j formado, por interveno de seu amigo de infncia, Jos Maria Alkmin,

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    foi nomeado mdico da Caixa Beneficente da Caixa Oficial do Estado. Retornando ao

    Brasil aps vrios meses de viagem para a Europa, Juscelino ingressa na Polcia Militar

    do Estado de Minas Gerais como mdico. Atuando como mdico-militar na Revoluo

    Constitucionalista de 1932, junto s tropas contrrias aos revoltosos, conhece Benedito

    Valadares, coronel de tradicional famlia poltica da regio de Par de Minas MG,

    que, em 1933, ser nomeado por Getlio Vargas, governador de Minas Gerais. Atravs

    de Benedito Valadares, JK ingressa na poltica exercendo o cargo de chefe de gabinete

    do governador (BOJUNGA, 2001; COUTO, 2013).

    A funo de chefe de gabinete permitia a Juscelino Kubitschek o acesso a uma

    gama muito ampla de recursos que, por sua vez, lhe garantiam o poder de estabelecer

    relaes clientelsticas com vrias lideranas locais do Estado de Minas Gerais. Assim,

    como chefe de gabinete, JK tornou-se a figura chave para a resoluo dos problemas

    do governo Benedito Valadares. O cargo tambm lhe concedeu a autoridade para

    intermediar recursos financeiros e obras, como a construo de estradas e pontes, que

    geravam um ar de modernizao, sobretudo, em sua cidade natal, Diamantina. Tal

    funo abriu as portas para que fosse eleito, em 1934, o deputado federal mais votado

    de Minas Gerais. Com o fechamento do Congresso pelo golpe do Estado Novo, em

    1937, Juscelino voltou a exercer a funo de mdico-militar. Porm, em 1940, mais uma

    vez, por indicao do governador Benedito Valadares nomeado prefeito de Belo

    Horizonte. Foi como prefeito que Juscelino Kubitschek comeou a construir o seu

    capital poltico: a imagem de homem prtico, visionrio, modernizador (BOJUNGA,

    2001; COUTO, 2013).

    O governo do prefeito Juscelino Kubitschek implementou um profundo plano de

    modernizao da cidade. Velhas avenidas foram pavimentadas e ampliadas, novas

    avenidas foram abertas, redes subterrneas de luz e telefone foram implantadas e uma

    significativa experincia arquitetnica modernista foi desenvolvida na construo do

    complexo da Pampulha. Com a deposio de Getlio Vargas em 1945, JK deixa o

    cargo, sendo eleito mais uma vez deputado federal pelo Partido Social Democrtico

    (BOJUNGA, 2001; COUTO, 2013). O PSD foi criado por Getlio Vargas a partir da

    conjuno de coronis locais e de membros da estrutura do estado e tornou-se o grande

    fiel da balana nos momentos mais decisivos da poltica brasileira entre 1945 e 1964

    (HIPPOLITO, 2012).

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    Em meio a esta estrutura poltica formada por raposas e reformistas, usando a

    definio de Lucia Hippolito (2012), que Juscelino Kubitschek ir travar uma

    verdadeira batalha para ser indicado como candidato ao governo de Minas Gerais.

    Carlos Luz que seria o candidato natural do PSD havia desistido do pleito, fato que

    aguou no interior da seco mineira do partido a diviso j estampada ao longo do

    governo Dutra entre os liberais e os ortodoxos, conforme define Bojunga (2001,

    p.187). Esta diviso repercutiu na escolha do candidato a governador. Alm de

    Juscelino Kubitschek, pleiteava tambm a indicao Bias Fortes, poltico mineiro

    herdeiro de tradicional famlia de polticos de Barbacena e ministro da justia do

    presidente Eurico Gaspar Dutra de quem tinha o apoio. A partir desta difcil disputa

    podemos verificar a utilizao por parte de JK de inmeros recursos polticos

    disponveis.

    Primeiramente, JK utilizou dons pessoais e extraordinrios do indivduo que,

    conforme Webber (2004, p.61), gera devoo e confiana estritamente pessoais

    depositadas em algum que se diferencia por qualidades prodigiosas, por herosmo ou

    por outras qualidades exemplares que dela fazem o chefe, o poder carismtico. Seja

    como estudante, mdico-militar, como deputado ou como prefeito da capital mineira,

    Juscelino tinha fama de ser uma pessoa simples, de fala tranquila, que gostava de uma

    boa prosa, da serenata e da vida interiorana. Como prefeito acompanhava a lida do

    trabalhador nos canteiros de obra, ouvindo atentamente as diversas opinies. Estes

    conjuntos de caractersticas pessoais produziram para o poltico JK o carisma advindo

    da imagem de homem do povo, recurso que utilizou em vrios momentos de sua

    trajetria e que no contexto especifico de disputa pela indicao a governador lanou

    mo a partir da realizao de um nmero significativo de comcios por vrias regies do

    Estado. Assim, Juscelino Kubitschek lanava o seu nome ao povo antes mesmo que o

    partido o lanasse.

    Ao mesmo tempo, JK, conhecedor do mides da poltica clientelstica (LAND,

    1977), procurou o contato direto com os caciques da poltica mineira. Conseguiu o

    apoio de Benedito Valadares, onde pesou o fato de este t-lo lanado na poltica, serem

    amigo de longa data, terem laos indiretos de famlia e, principalmente, a ideia do velho

    cacique de que com Juscelino teria mais espao e controle poltico (COUTO, 2013,

    p.60). Em conversa com o presidente Dutra, Juscelino, conseguiu convencer o principal

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    apoiador de seu adversrio a no intervir na poltica mineira. Por fim, atravs de suas

    relaes com membros da elite boemia de Belo Horizonte conheceu Arthurzinho, o

    senador Arthur Bernandes Filho, que abriu caminho para entendimento de JK com o seu

    pai, o ex-presidente Arthur Bernardes, figura fundamental na conquista do apoio do PR,

    partido que era o fiel da balana eleitoral mineira. Do encontro com Arthur Bernardes

    saiu indicao do seu candidato a vice-governador, o mdico Clvis Salgado da Gama

    (BOJUNGA, 2001, p.188-190).

    Um terceiro recurso importante utilizado por JK foi o seu cargo de Secretrio-

    Geral do PSD mineiro. Tal cargo lhe abria as portas para o acerto direto com os lideres

    locais, o que reforava ainda mais as relaes clientelsticas iniciadas quando de sua

    passagem pela chefia do gabinete do governador. O pertencimento aos quadros da

    estrutura partidria possuiu um peso significativo, afinal o carisma por si s no

    garantidor do poder delegado de representao partidria (WEBBER, 2004). Assim, o

    domnio da mquina do partido fundamental para a produo daquilo que Bourdieu

    (2002) chama de capital de delegao.

    Assim, utilizando uma gama variada de recursos, em meio ao jogo da velha

    poltica dos caciques do PSD mineiro, JK conseguiu, por uma margem pequena de

    votos, indicao a candidato ao governo de Minas Gerais. Uma vez eleito governador,

    com uma diferena de 32% mais de votos do que o seu adversrio, udenista Gabriel

    Passos, Juscelino tratou de produzir caminho prprio junto s bases partidrias,

    afastando gradativamente os velhos caciques locais, substituindo-os por figuras politicas

    de relaes mais prximas tais como o ex-colega de pensionato Jos Maria Alkmin. Ao

    mesmo tempo, a condio de governador de um dos mais importantes Estados

    brasileiros lhe abriu caminho para estabelecer uma relao direta com o presidente

    Getlio Vargas.

    JK governou Minas Gerais com a mesma nfase modernizadora que havia

    caracterizado a sua administrao municipal em Belo Horizonte, reforando assim a

    imagem de seu capital poltico. Ao mesmo tempo, mantendo posio contrria ao

    golpismo que culminaria com o suicdio do presidente Getlio Vargas, Juscelino criava

    a imagem de democrata e em contrapartida recebia valoroso apoio do governo federal,

    em forma de recursos financeiros, para a execuo de seu projeto de modernizao. Esta

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    relao respeitosa e de apreo mtuo com Vargas ser fundamental para a conquista do

    apoio do PTB para a sua candidatura presidncia em 1955.

    O suicido do presidente Getlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, e a reao

    popular que se seguiu promoveram um recuo temporrio no golpismo udenista que

    tinha na figura do novo presidente Caf Filho um importante aliado. Na ocasio, a pr-

    candidatura de JK j era algo de conhecimento pblico e notrio, porm, no era de

    agrado nem da UDN e nem do presidente Caf Filho, que passaram a dotar duas tticas

    com o objetivo de enfraquecer os movimentos em prol desta. Primeiramente, o

    presidente lanou a ideia de uma candidatura de consenso em favor da unidade nacional.

    Num segundo momento, movimentou-se no sentido de produzir um racha no PSD.

    Longe de ser uma estrutura monoltica, solidamente ideolgica, o PSD possua

    profundas diferenas regionais que afetavam sua unidade nacional que, conforme

    Hippolito (2002), s era possvel atravs dos espaos que o partido ocupava no governo

    nacional. O PSD teve participao em todos os governos do perodo 1945-1964, o que

    levava Tancredo Neves a afirmativa de que entre a Bblia e o Capital, o PSD ficava

    com o Dirio Oficial (Idem, p.41). Dessa forma, os focos de resistncia interna a

    candidatura de JK estavam em Pernambuco, com o governador Etelvino Lins, em Santa

    Catarina, com o senador Nereu Ramos, e no Rio Grande do Sul, com o governador

    Peracchi Barcelos. Alm destes focos muitos caciques do PSD como Benedito

    Valadares receavam ante a no capitulao do partido diante da proposta do presidente

    (BOJUNGA, 2001, p.269).

    Em meio a mais uma disputa interna, Juscelino Kubitschek aproximou-se

    firmemente da chamada Ala moa do PSD, corrente que propunha uma renovao

    partidria a partir de bases mais ideolgicas em contraposio as polticas de clientela

    dos velhos caciques. O amigo Jos Maria Alkmin ter papel fundamental nesta

    aproximao que fortalecer, de um lado, a candidatura de JK, de outro lado prpria

    ala moa que se tornar fiadora desta junto ao PSD (HIPPOLITO, 2002, p. 183-184).

    A partir da ala moa, JK se aproxima das disputas estaduais do partido procurando o

    fortalecimento de seus aliados nos seus respectivos Estados. No Rio Grande do Sul,

    consegue a dissidncia do deputado Nestor Jost em relao posio do partido e do

    governador de no apoio a sua candidatura. Em Santa Catarina, o fortalecimento de

  • 10

    Leoberto Leal consegue neutralizar a influncia de Nereu Ramos, que posteriormente

    ser o seu Ministro da Justia. O governador de Pernambuco, por sua vez, se manteve

    at o final como grande adversrio de sua candidatura. Em fevereiro de 1955, um fato

    demonstraria o peso da ala moa no partido, o grupo, liderado por Ulisses Guimares

    e Renato Archer, consegue derrotar Ranieri Mazzili, candidato dos caciques, na disputa

    pela presidncia da Cmara dos Deputados, que ficou ao cargo do mineiro Carlos Luz

    (Idem, p.184-185).

    Assim, apoiado na ala renovadora do PSD e contando com o apoio de algumas

    lideranas histricas do partido como Ernani do Amaral Peixoto, fiador do PSD ao

    longo do governo Vargas, Juscelino consegue derrotar as contrariedades a sua

    candidatura, iniciando a caminhada rumo presidncia (BOJUNGA, 2001, p.268-270).

    Mesmo com a dissidncia de trs diretrios, RS, SC e PE, a candidatura Juscelino

    Kubitschek conquistou relativa unidade no PSD, o que, aliado ao trabalhismo

    representado pelo candidato a vice-presidente Joo Goulart foi fundamental para a

    vitria.

    Porm, a vitria no teve uma significativa margem de diferena em relao s

    demais candidaturas, JK teve apenas 33,8% dos votos, o que aliado ao fato de ter

    recebido o apoio dos comunistas, cujo partido estava na ilegalidade desde 1947,

    levantou junto ao golpismo udenista a tese de que por no ter conseguido a maioria

    absoluta dos votos o presidente eleito no deveria ser empossado. Nesse sentido, que

    se abre um perodo de intensas disputas pela posse do presidente eleito, que somente

    ser garantida com o golpe preventivo deflagrado, em 11 de novembro de 1955, pelo

    marechal Henrique Teixeira Lott, com apoio a maioria dos oficiais das foras armadas,

    que sufocou as conspiraes que pretendiam no dar posse ao presidente eleito

    (FERREIRA, 2003).

    Assim, o presidente Juscelino Kubitschek, mesmo tendo obtido uma vitria com

    pequena margem de diferena em relao aos seus oponentes, tomou posse com o apoio

    da maioria de seu partido aqueles caciques que no apoiaram a candidatura, como

    Nereu Ramos, rapidamente se reposicionaram para no perder espao no Dirio Oficial;

    com apoio dos movimentos trabalhista e comunista; e com a fiana das foras armadas,

    representadas no Ministro da Guerra, marechal Henrique Teixeira Lott. Soma-se a isso o

  • 11

    apoio de significativos setores da intelectualidade brasileira, sobretudo, aqueles ligados

    ao ISEB, que inclusive participaram ativamente das discusses e elaboraes do

    programa de governo (JAGUARIBE, 2005). Aliado a este apoio estava o fato de que,

    pela primeira vez na histria brasileira, um presidente chegava ao governo com um

    plano de governo que fora amplamente divulgado durante a campanha eleitoral, o Plano

    de Metas, que propunha fazer o Brasil crescer 50 anos em 5, o que reforava ainda

    mais o capital poltico de Juscelino Kubitschek: a imagem de homem prtico, visionrio

    e modernizador.

    2. Arturo Frondizi: o intelectual progressista.

    Arturo Frondizi nasceu em Paso de Los Libres, na Provncia de Corrientes, cidade

    que faz fronteira com Uruguaiana no Brasil. Filho dos imigrantes italianos, Julio

    Frondizi e Isabel Ercoli, teve 13 irmos. Sua famlia era parte da ascendente classe

    mdia argentina da virada do sculo XIX para o XX e como tal seus pais influenciavam

    fortemente os estudos de seus filhos. Dessa forma, vrios deles seguiram a carreira

    intelectual, destacando-se, alm de Arturo, Silvio, uma das personalidades tericas do

    trotskismo argentino, e Risieri, destacado filsofo e figura proeminente da Universidad

    de Buenos Aires, onde foi reitor no mesmo perodo em que o irmo era presidente

    (ALTAMIRANO, 1998).

    Morando em Buenos Aires, Arturo Frondizi ir realizar seus estudos secundrios

    no Colgio Nacional Mariano Moreno, onde colabora com a revista estudantil

    Estimulen a partir de escritos sobre Histria, Sociologia e Poltica. Em 1927, ingressa na

    Faculdad de Direito da Universidad de Buenos Aires, onde ter um destacado

    desempenho acadmico e ir iniciar a sua militncia no movimento estudantil. Frondizi

    possua uma significativa admirao pelo presidente radical Hiplito Yrigoyen e foi

    justamente o golpe que o afastou do poder, em 1930, e instalou a ditadura militar do

    general Uriburu, que levou o jovem estudante de direito adeso a militncia

    yrigoyenista. Da fase do movimento estudantil, destaca-se o fato de Frondizi ter se

    negado a receber das mos do prprio general Uriburu o Diploma de Honra Acadmica

    que a universidade o distinguiu devido ao seu brilhante desempenho acadmico

    (MENOTTI, 1998, p.36-45).

  • 12

    Em 1932, Frondizi se filia a Unio Cvica Radical UCR e um ano depois passa a

    atuar como advogado de presos polticos, participando das organizaes de direitos

    humanos como o Centro de Ex-Presos Polticos e a Liga Argentina por los Derechos

    del Hombre. Atravs destas funes, ao lograr a libertao de um nmero significativo

    de militantes, devido as suas qualidades intelectuais e argumentativas, comea tornar-se

    uma figura pblica respeitada como um talentoso e valente defensor

    (ALTAMIRANO, 1998, p.18).

    A Unio Cvica Radical foi fundada em 1891, aps a diviso da antiga Unio

    Cvica entre Mitristas, apoiadores de Bartolom Mitre, e Radicais, apoiadores de

    Leandro Alm. Conforme Felix Luna (1995), o radicalismo era um partido muito

    singular. Primeiramente, era um partido que levantava a bandeira da revoluo, no

    uma revoluo entendida como recurso eventual, mas sim, como uma espcie de

    objetivo contnuo, como uma maneira de mudar drasticamente a ordem de coisas

    institudas at aquele momento. Em segundo lugar, a partir da conduo de Yrigoyen,

    o radicalismo adotou a linha da Intransigncia, qual seja, a no aliana com nenhuma

    outra fora poltica. A terceira linha adotada foi a da absteno nos processos eleitorais,

    pois, no estavam dadas as condies para que o cidado pudesse votar com

    liberdade. Assim, esses trs aspectos, davam ao radicalismo um carter de

    antissistema. Em que pese esta caracterstica, o radicalismo nunca foi um partido

    programaticamente definido, o que gerava constantes divises internas (p.99-100).

    Desde a dcada de 1920, o radicalismo seguia uma diviso entre os personalistas,

    seguidores de Yrigoyen, e os antipersonalistas, seguidores de Marcelo T. de Alvear -

    ambos os lderes radicais foram presidentes argentinos, porm, seus mandatos tiveram

    orientaes diferentes, enquanto o governo Yrigoyen, sobretudo, o segundo, teve uma

    orientao mais nacionalista, o governo de Alvear foi tipicamente liberal. Frondizi,

    assim como a maioria dos jovens radicais, aderiu a linhas do yrigoyenismo, mais

    especificamente o setor doutrinrio do yrigoyenismo, que tinha entre as suas principais

    preocupaes era dotar este setor de uma ideologia e de um programa. Para Frondizi, o

    programa radical deveria ser o da soberania popular e o do anti-imperialismo, associado

    democracia econmica e social (ALTAMIRANO, 1998, p.19-21).

  • 13

    Paralelamente a militncia, Frondizi exerceu atividade docente, primeiramente, na

    educao bsica e, num segundo momento, a partir de 1939, no Colegio Libre de

    Estudios Superiores, onde foi secretrio de redao da revista Cursos y Conferencias

    (ALTAMIRANO, 1998, p.23). Entre 1941 e 1942, ocupou tambm o cargo de

    presidente da Asosacin de Abogados de Buenos Aires (MENOTTI, 1998, p.69). Dessa

    forma, gradativamente, o futuro presidente argentino, foi construindo a sua imagem de

    intelectual progressista como fator fundamental de seu capital poltico.

    A dcada de 1940 foi um momento de intensas mudanas na sociedade e na

    politica argentina. O golpe que, em 1943, deps o governo fraudulento de Ramon

    Castillo, dirigido pelos militares do Campo de Maio, abriu as portas para a ascenso do

    jovem coronel Juan Domingos Pern, que, primeiramente como Ministro do Trabalho e

    depois como presidente, liderou a formao do principal movimento social de massas da

    histria contempornea argentina, o peronismo. Em meio as ascenso deste novo

    movimento social, de fortes bases operrias e populares, o radicalismo estava ainda

    mais dividido entre os unionistas, que propunha a aliana eleitoral com outras foras de

    carter conservador em torno da chamada Unio Democrtica, e os Intransigentes, que

    propunha a manuteno de linha originria yrigoyenista.

    A partir desta diviso que, em 1945, com a Declarao de Avellaneda, fundado

    o Movimento de Intransigncia e Renovao - MIR, tendo como signatrios figuras de

    significativa representatividade em vrias provncias da Argentina. Frondizi teve papel

    fundamental na escrita deste documento que, pela primeira vez, propunha claramente

    una ideologia y una sensibilidad de izquierda en el partido radical, izquierda

    democrtica, nacionalista, socializante, que desde entonces existir como un cauce, as

    vezes amplio, as veces ms estrecho, en las filas de esse partido (ALTAMIRANO,

    1998, p.27). Com a Declarao de Avellaneda, Frondizi se convertia definitivamente no

    intelectual orgnico (GRAMSCI, 1982) da renovao do radicalismo.

    Porm, conforme demonstra Nicols Babini (2006), a UCR no era um partido

    propriamente ideolgico. Nas estruturas do partido conviviam lado a lado, os polticos

    profissionais e figuras pblicas da poltica argentina e os punteros, uma espcie de

    boss weberiano, que tinha como funo angariar votos para os caciques locais.

    Desprovido deste recurso poltico, diante do predomnio da maioria unionista na capital

  • 14

    federal, Frondizi somente pode ser candidato a deputado, em 1946, devido indicao

    de sua candidatura pelo caudilho Miguel Sabatino, demonstrando que nem mesmo um

    movimento que se propunha ideolgico estava desprovido das prticas de clientela. Tal

    fato demonstra os limites de um capital poltico ancorado somente nas caractersticas

    pessoais, tais como a capacidade intelectual - limites estes analisados tanto por Webber

    (2004) como por Bourdieu (2002).

    Eleito, Frondizi exerceu o cargo de deputado entre 1946 e 1952, tendo sido

    reeleito em 1948, integrando o Bloco dos 44, grupo que exercia firme oposio ao

    peronismo. Frondizi foi vice-presidente do Bloco at 1949, passando a partir deste ano,

    com a priso de Ricardo Balbn, outro lder em ascenso originrio da intransigncia

    radical, a assumir a presidncia. Na condio de deputado, Frondizi ampliou o seu

    capital poltico.

    Conforme Altamirano (1998, p.33),

    Al finalizar su segundo mandato como diputado, Frondizi parece hacer

    esbozado ya todo su personaje. No es, certamente, un dirigente radical

    tpico, aunque nadie puede discutir sus credenciales de radical. Se ha

    convertido en un hombre de consulta, y no slo para quienes son sus

    compaeros de tendencia en el partido.

    Sua destacada atuao no Congresso levou-o a condio de candidato vice-

    presidncia da Argentina na frmula Balbn-Frondizi que, em 1951, foi derrotada pela

    candidatura oficial encabeada pelo lder Juan Domingos Pern. Aps, as eleies de

    1951, Frondizi voltasse s atividades intelectuais. Porm, a morte de Moises Lebensohn,

    em 1953, faz com que seu nome passe a ser reconhecido como possvel candidato a

    presidncia da Unio Cvica Radical.

    O triunfo do peronismo em 1946 representou um avano rumo renovao da

    UCR (UZAL, 1989, p.32). Assim, a partir de 1948, o MIR passou a ter a hegemonia do

    partido e dentro do movimento, mais especificamente, a corrente de Amadeo Sabattini,

    que apesar de no possuir nenhum cargo partidrio, exercia enorme influncia devido a

    ter um verdadeiro feudo poltico em Crdoba. Mesmo hegemnico, o MIR se dividiu

    diante da estratgia de enfrentamento ao peronismo. Os sabattinistas aproximaram-se

  • 15

    dos unionistas a partir da ttica de absteno e preparao junto aos setores

    conservadores das foras armadas da derrubada de Pern. O outro setor da

    Intransigncia, de forte base em Buenos Aires, liderado por Balbn e Lebensohn

    defendia que a UCR deveria atuar em todas as frentes, inclusive a via eleitoral, sob o

    risco de, uma vez fora dos poucos canais de comunicao com a populao que se

    dispunha, se isolar ainda mais da opinio pblica. Frondizi se somava a esta segunda

    posio, o que acabou colocando a sua candidatura a presidncia em oposio ao

    cacique crdobes.

    Apesar de seu prestigio como deputado e a sua candidatura presidncia radical,

    Frondizi consegui com que apenas 25% dos filiados da capital federal votassem na

    tirada de delegados para o Congresso partidrio. Segundo Altamirano (1998, p.36-37),

    tal fato ocorreu porque um dos caudilhos radicais da capital, Francisco Rabanal,

    acordado com Sabattini, promoveu uma movimento de boicote a votao. Com talfato

    ficava demonstrado que Frondizi careca de bases y recursos organizativos proprios

    como para contrarrestar la estratagema de un dirigente de menor rango, pero

    firmemente asentado en su seccin (p.37). Mais uma vez, ficava demonstrado o poder

    dos punteros e das relaes de manto e clientela no seio da UCR.

    Em que pese esta derrota local, aps uma forte disputa contra a aliana

    construda entre sabattinistas e unionistas, Frondizi foi eleito, em 31 de janeiro de 1954,

    o novo presidente do radicalismo. A frente do principal partido de oposio ao

    peronismo, Frondizi comeou a construir a prpria base que carecia antes de chegar

    presidncia da UCR (ALTAMIRANO, 1998, p.38).

    O espao propiciado pelo novo cargo permitiu a Frondizi reforar ainda mais a

    principal imagem de seu capital poltico, a de intelectual progressista, sobretudo, ao

    impor uma oposio mais programtica em relao ao governo peronista. Nesse sentido,

    que em oposio proposta de abertura da explorao do petrleo as companhias

    estrangeiras publica uma significativa obra intitulada Petroleo y Poltica. O livro teve

    uma forte aceitao nos setores nacionalistas e tornou-se uma marca na construo de

    uma esquerda de orientao frondicista (ALTAMIRANO, 1998, p.38-39).

    Posteriormente, porm, ser uma forte munio para a oposio ao seu governo na

  • 16

    chamada Batalha do Petrleo, e na sua tentativa de aliar o capital estrangeiro a uma

    estratgia nacional de desenvolvimento.3

    Em 1955, Pern deposto pelo golpe que institua a autointitulada Revoluo

    Libertadora que, aps uma breve proposta de instalar um regime sem vencedores e

    vencidos, com a substituio do contido general Lonardi pelo general Aramburu

    demonstrou-se como um regime autenticamente antiperonista, tendo no somente

    proscrito qualquer tipo de manifestao relativa ao peronismo, como tambm iniciado

    uma forte represso a esta que era a principal fora poltica da argentina desde fins da

    dcada de 1940. Como presidente da UCR, que se tornou o principal partido poltico

    atuando na legalidade durante a Revoluo Libertadora, Frondizi, inicialmente apoio

    incondicionalmente deposio de Pern.

    Porm, mais uma vez o radicalismo se demonstraria dividido diante da conjuntura

    e das novas estratgias polticas a serem definidas. De um lado, Frondizi defendia que

    no seria possvel uma reorganizao nacional sem a participao do peronismo,

    principal fora representativa dos trabalhadores argentinos. De outro lado, unionista,

    sabattinistas e tambm Ricardo Balbn defendiam, alinhados ao antiperonismo oficial do

    governo Aramburu, que o peronismo deveria ser afastado definitivamente da vida

    poltica do pas. Fortalecendo ainda mais esta diviso estava o fato de o partido ter

    proposto em 1956 a candidatura de Arturo Frondizi s eleies presidncias que se

    realizariam em 1958 (UZAL, 1989).

    Esta diviso se aprofundou ainda mais levando, em 1957, a uma ruptura interna ao

    partido que acabou gerando duas agremiaes: a Unio Cvica Radical do Povo

    UCRP, liderada por Balbn, contando em suas fileiras com unionistas e sabattinistas; e a

    Unio Cvica Radical Intransigente UCRI, de orientao frondicista. Desde ento, a

    UCRP passou a ser o partido mais prximo do governo Aramburu, assumindo um

    discurso abertamente antiperonista e liberal.

    A primeira demonstrao de foras entre as duas novas agremiao ocorreu na

    eleio para Assembleia Constituinte, em abril de 1957. O resultado daquele processo

    3 As contradies da proposta do desarrollismo frondicista foram por mim analisadas em dois textos

    anteriormente publicados, respectivamente intitulados O intelectual como presidente: desarrollismo e

    poltica externa na Argentina de Arturo Frondizi (1958-1962) e A experincia do desarrollismo de Arturo

    Frondizi na Argentina (1958-1962). Ver: Botega (2009; 2010).

  • 17

    eleitoral no total de votos revelava que a UCRP tivera 2.106.524 votos, enquanto que a

    UCRI teve 1.847.603 votos. Porm, o grande vencedor destas eleies foi o general

    Pern, que do exlio orientou o voto em branco, que acabou tendo 2.115.861 votos. O

    que demonstrava que, mesmo proscrito, o peronismo ainda constitua-se na principal

    fora poltica do pas (GOMEZ, 2004, p.44-45).

    Apesar de no ter a maioria dos votos, o carter proporcional e distrital das

    eleies garantiu a UCRI uma bancada de 77 constituintes contra 75 da UCRP, o que,

    por sua vez, em termos de prvia para uma eleio majoritria no representava

    nenhuma vitria. Assim, diante da demonstrao de fora da agremiao balbnista, que

    alm de ter se demonstrada majoritria nas eleies constituintes ainda contava com o

    apoio da Revoluo Libertadora, Frondizi buscou alargar para fora do radicalismo a sua

    campanha. A partir desta estratgia aprofundou suas relaes com grupo de intelectuais

    ligados a Revista Qu? dirigida por aquele que se tornou o seu principal companheiro

    em torno do iderio desarrollista, Roglio Frigrio. Ao mesmo tempo, radicalizou seu

    discurso crtico a orientao econmica do governo, tornando-se a principal figura da

    oposio legal ao governo, passando tambm a criticar fortemente os seus oponentes,

    ex-companheiros de partido, acusando-os de quererem dividir cada vez mais uma

    Argentina j fracionada desde a deposio de Pern e de defenderem um projeto que

    visava transformar o pas em um mero apndice das potencias industriais atravs da

    adoo de uma econmica focada apenas no setor agroexportador (ALTAMIRANO,

    1998, p.50). Aqui mais uma vez, Frondizi procurou reforar o seu capital poltico a

    partir da imagem de intelectual progressista.

    Porm, a manobra mais audaciosa foi negociar com o prprio Pern seu apoio

    eleitoral, em troca da suspenso futura das proibies (ROMERO, 2008, p. 132). Em

    janeiro de 1958, Rogelio Frigerio encontrou-se com Pern em Caracas, na Venezuela,

    onde o general encontrava-se exilado. Na ocasio, foi apresentado o texto do famoso

    Pacto Frondizi-Pern, ficando o compromisso de Pern de analis-lo e, posteriormente,

    comunicar a sua posio. Em 10 de fevereiro, o lder sindical Adolfo Cavalli trazia para

    a Argentina a ordem emitida por Pern de votar em Frondizi. O documento vinha em

    cinco ou seis vias originais e logo uma centena de cpias seria espalhada por todo o pas

    (ROMERO, 2008, p.134).

  • 18

    O pacto Frondizi Pern representou um acerto para quem tinha como pretenso

    chegar presidncia, mas tambm, demonstrou a forte liderana de Pern. Os 3.989.478

    votos recebidos por Frondizi representavam 45% dos eleitores, uma ampla maioria

    tendo em vista os 2.526.611 votos, 29% dos eleitores, obtidos por Balbn. Nem mesmo

    os 800 mil votos em branco, sobretudo, de peronistas que no acataram a ordem do

    general, serviram de alerta quanto fragilidade do pacto.

    Assim, Frondizi fora eleito presidente da Argentina, porm, a partir de uma

    maioria significativa votos de que no eram propriamente seus, ou seja, atravs de um

    capital poltico delegado por um movimento ao qual estava longe de pertencer, muito

    menos de liderar. Aliado a este fator, para poder assumir o cargo o presidente eleito

    teria que ceder significativamente a direita militar que estava frente do governo

    Aramburu. Frondizi cedeu a estes a indicao dos principais postos militares do seu

    governo, o que significou um primeiro passo na direo da formao de um governo

    tutelado pela direita militar, como posteriormente acabou acontecendo. (BOTEGA,

    2010)

    Ao mesmo tempo, a tutela militar no permitiu ao presidente o cumprimento de

    sua parte no pacto com o peronismo, que acabou lhe retirando o capital poltico que lhe

    delegara no processo eleitoral. Nem mesmo, a retirada da proscrio, aps quase quatro

    anos de governo, lhe garantiu ao menos a governabilidade, que desde a sua posse em

    maio de 1958 at a sua deposio em 29 de maro de 1962 nunca fora garantida

    (BOTEGA, 2010).

    Guisa de concluso

    Aps estes apontamentos relativos s trajetrias de JK e Frondizi rumo as

    presidncias do Brasil e da Argentina, respectivamente, cabe retornarmos a uma

    perspectiva comparada propriamente dita, para fins de definio de uma elementos de

    reflexo sobre a problemtica que aqui propomos, qual seja, o fato de apesar de o

    resultado eleitoral do presidente desenvolvimentista argentino ter sido mais significativo

    que o de seu homnimo brasileiro, as condies de governabilidade no refletiram uma

    aparente tendncia de que este teria mais legitimidade para executar o seu plano de

    governo.

  • 19

    Partindo da ideia de que s ordens politicas nunca so dados fixos, mas que se

    constituem historicamente no jogo dos acontecimentos e acidentes (BADIE; HERMET,

    1990, p.99), o estudo das trajetrias dos dois presidentes desenvolvimentistas

    demonstra-se uma possibilidade para a emergncia de reflexes que problematizam as

    condies de suas vitrias eleitorais, trazendo tona a complexidade das relaes entre

    os capitais polticos e os recursos polticos utilizados na ascenso de JK e de Frondizi

    rumo presidncia.

    Aqui importante retomar a diferenciao proposta por Fausto e Devoto (2004),

    segundo o qual, Juscelino tinha a imagem de um homem prtico, visionrio e

    modernizador, enquanto que Frondizi tinha a imagem de um intelectual progressista.

    Estas imagens constituram o principal capital poltico dos presidenciveis e foram

    frutos de suas trajetrias. JK o havia adquirido nas funes de prefeito e governador

    realizador, modernista e dinmico em meio a uma estrutura poltico marcada pelo

    clientelismo e pelas mesmices administrativas. Frondizi, por sua vez, o adquiriu atravs

    da participao intensa dos debates em diferentes contextos de polarizao poltica e de

    busca de novos rumos para a sociedade argentina. Em que pese slida construo

    dessas imagens, no campo poltico os elementos de caratersticas puramente

    pessoalizadas so fortemente relativizados por uma significativa gama de outros

    recursos ligados as condies e as estruturas da disputa pelo poder (BOURDIEU, 2002;

    LAND, 1977). Neste sentido, que os resultados eleitorais conquistados pelos

    presidentes, uma vez colocados diante da relativizao prpria da anlise do jogo

    poltico, apontam para o inverso daquilo que uma visualizao simplista de ordem

    quantitativa apontaria.

    Comparativamente, apesar de ter sido vitorioso com uma quantidade de votos

    percentualmente menor do que aquela que proporcionou a vitria do presidente

    argentino, Juscelino Kubitschek assumiu o cargo em condies muito menos

    desfavorveis do que Frondizi, sobretudo, devido solidez da coalizo eleitoral que lhe

    permitiu a vitria.

    JK era o candidato do partido poltico que teve o maior alcance eleitoral entre

    1946 e 1965 (HIPOLLITO, 2002) que, apesar de no ser propriamente um partido

    ideolgico, mas sim, uma conjuno de interesses pessoais e regionais de raposas e

  • 20

    reformistas, e de ter dissidncias partidrias importantes em relao a sua candidatura,

    consegue uma unidade relativamente firme no que diz respeito configurao do

    governo. Soma-se a este fator, o apoio recebido por duas significativas foras que

    atuavam no interior da classe trabalhadora, sobretudo, no meio sindical, os trabalhistas e

    os comunistas. Frondizi, por sua vez, apesar de pertencer a principal fora poltica que

    atuava na legalidade ps-derrubada de Pern em 1955, conquistou uma vitria aps um

    longo processo de rupturas internas ao radicalismo que no conseguiu se confirmar

    como hegemnico diante do cenrio aberto pela proscrio do peronismo. Para piorar

    ainda mais situao, o frondicismo se demonstrou minoritrio e sem condies de

    isoladamente derrotar a aliana conservadora entre o balbinismo, o sabattismo e o

    governo da Revoluo Argentina, o que levou Frondizi a recorrer ao apoio do general

    Pern como forma de garantir um resultado eleitoral favorvel. Assim, podemos

    analisar qualitativamente que os 33,8% dos votos adquiridos por JK foram mais slidos

    do que os 45% adquiridos por Frondizi, uma vez que, a maior parte desses foram

    delegados ao presidente argentino por outra fora poltica que, desprovidas dos meios

    legais para participar do processo eleitoral, o escolheu como uma espcie de candidato

    menos pior.

    Por fim, cabe constar que a anlise comparativa das trajetrias de Juscelino

    Kubitschek e de Arturo Frondizi - a construo de seus capitais politico especficos e,

    principalmente, a relao entre os recursos polticos utilizados para esta construo e

    aqueles utilizados para as suas vitrias nas eleies presidenciais est longe de ser

    conclusiva. Trata-se sim de uma breve proposta para futuros trabalhos que abre um

    caminho significativo para a problemtica dos processos de ascenso e conquista do

    governo em condies diferenciadas, tomadas no como realidade fixas e

    conceitualmente pr-determinadas, mas sim, como realidades dinmicas inseridas no

    complexo jogo da disputa pelo poder.

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