jane ausetn portugal - abril - 2011
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Jane Austen PortugalTRANSCRIPT
Abril 2011 | Nº 4
janeaustenpt.blogs.sapo.pt
Conteúdo original © Jane Austen Portugal
Sensibilidade e Bom Senso
Revista Jane Austen Portugal
Conteúdo Original © Jane Austen Portugal
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Sumário
1. Sugestões Austenianas 3
2. Quando Conheci Jane Austen 5
3. Sensibilidade e Bom Senso 1981 7
4. Sensibilidade e Bom Senso 1995 e 2008 10
5. Sensibilidade e Bom Senso 1995 – “Alma” 12
6. Sensibilidade e Bom Senso 2008
a. Expectativa e Consenso 13
b. Pálido 14
7. Jane Austen e Eu 16
8. Quando Li S&S 18
9. S&S em Portugal 200 Anos Depois
Leitura Comparada 20
10. Contra Todas as Tormentas 23
11. Estoicamente Elinor 25
12. Marianne Dashwood 26
13. A Terceira Dashwood 28
14. Edward Ferrars 30
15. John Willoughby 31
16. Lucy Steele, A Manipuladora 32
17. As Irmãs Steele 33
18. Mrs. Jennings 34
19. John Dashwood 35
20. Mrs. Ferrars e o Seu Filho Robert 36
21. Charlotte e Thomas Palmer, O Adorável Casal 37
22. Sir John e Lady Middleton 38
23. A Herança em S&S 39
24. Mini Conto Temático 41
25. Lost In Jane Austen Portugal 42
26. Os Lugares de Jane Austen 45
27. Sabias Que… 47
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Sugestão Livro:
Truman Capote, um dos mais geniais e controversos escritores americanos de sempre, (re)inaugura o estilo “non-
ficcional novel” com este livro – A Sangue Frio (In Cold Blood, no original). Foi publicado pela primeira vez em 1966 e
trata a história de um crime horrendo que ocorreu Holcom, Kansas (EUA). A família Clutter, pais agricultores e dois filhos,
foram assassinados de forma bárbara por Richard "Dick" Hickock e Perry Smith, ex-condenados pretendiam apenas
roubar algum dinheiro e fugir para o México, com o objectivo de começar uma nova vida. Porém o
crime desenrola-se da pior forma.
Truman Capote trabalha durante seis anos nesta obra, entrevistando na prisão os assassinos
assim como outras pessoas das relações das vítimas. Como resultado, produz um impressionante
relato dos factos, baseado na intensa e profunda análise psicológica dos intervenientes. (Nota:
Leiam o livro e vejam o filme “Capote”, com a brilhante interpretação de Philip Seymour Hoffman.)
Site: http://en.wikipedia.org/wiki/In_Cold_Blood
Sugestão música:
Literalmente o segundo trabalho desta cantora brasileira – Maria Rita, Segundo. Filha
da cantora Elis Regina e do músico César Camargo, apenas aos 24 iniciou a sua
carreira musical, com receio de ficar “na sombra da mãe”. Mas não foi isso que
aconteceu, e hoje Maria Rita é uma das mais importantes intérpretes musicais de
MPB. O primeiro álbum intitulou-se “Maria Rita”, tendo alcançado grande sucesso
(tripla platina).
É uma cantora enérgica, criativa, que interage de forma única com o público.
Exuberante sem exageros, possui uma voz potente e segura em vários registos, incrivelmente bonita no samba.
Impossível ficar indiferente a este furacão brasileiro!
Uma das minhas músicas favoritas, “Feliz”: http://www.youtube.com/watch?v=7WGIubAfu6o
Sugestões Austenianas Por Fátima Velez de Castro
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Sugestão Filme:
Quem não gosta de uma boa história de amor no cinema? Este é o filme ideal para
todos aqueles que gostam de romance, aventura, acção, crime e muito, muito humor
num só filme. Realizado por Emir Kusturica (1998), Gato Preto, Gato Branco
(Crna macka, beli macor, no original) é sobre a história de Matko, um criminoso
incapaz e do seu filho Zare, cujo sonho é ser capitão de um barco de recreio
(cruzeiro). Eles vivem nas margens do Danúbio e são ciganos da Europa de Leste.
Dadan Carambolo, um verdadeiro gangster/vedeta, quer a todos os custos casar o
jovem Zare com a sua irmã Afrodita, conhecida pela sua fealdade e baixa estatura,
mas que sonha com o príncipe encantado – um jovem alto de bigode. E ele existe, é
o neto mais velho de Grga Pitic, il padrino de uma complexa e divertida máfia que
opera na região. Mas Zare gosta de outra – Ida – uma voluptuosa jovem que, em conjunto com a avó, é contratada para
lhe organizar o casamento. Partindo do princípio que os avôs dos noivos morrem e são deixados no sótão com um bloco
de gelo preso ao corpo (para não “atrapalhar” a realização da cerimónia), o que é que pode correr mal? Tudo! Mas com
muito humor.
Tailer: http://www.youtube.com/watch?v=7uB8lA8mSxY
Sugestão Blog:
Imigraste, o meu blog pessoal, dedicado a todos aqueles que se interessam pelas (i)migrações e sobretudo pelo Outro.
Porque, no fundo, todos fomos, somos e seremos sempre (i)migrantes. Sítio onde, com alguma regularidade, dou a
conhecer notícias, entrevistas, eventos académicos, estatísticas, livros e outros aspectos relacionados as migrações.
Tendencialmente é um blog sobre estrangeiros que procuram Portugal para trabalhar e residir, embora o âmbito temático
acabe por se alargar à emigração portuguesa e aos
fluxos migratórios internacionais, numa perspectiva
global/regional/local.
Blog: http://imigraste.blogs.sapo.pt/
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ina5
ecordo-me de que era noite.
Numa das habituais viagens à
sala que antecedem o jantar,
sento-me no sofá, perscrutando o ecrã
do televisor em busca de algo que capte
o meu interesse.
Efectuando um breve “zapping”,
detenho-me perante uma imagem que
se afigurava como um campo envolto
na misteriosa neblina da manhã. A
câmara desloca-se e acompanha em
uníssono o caminhar melancólico de
uma jovem rapariga, a qual subitamente
faz uma pausa na ponte, fixando os olhos
na neblina. Sufocando um murmúrio
quase inaudível na garganta, parece
indagar a veracidade do que presencia.
Um novo movimento e, do lado oposto,
um semblante enceta o seu desenho por
entre o campo verdejante. Dou conta
de que é um homem de porte distinto.
Avança confiante, como se nada o
pudesse impedir, imerso nos seus
pensamentos, em jeito de reflexão. O
piano que em crescendo acompanha os
seus passos e é o espelho do estado da
sua alma – é-me quase possível sentir o
bater descompassado do seu coração.
Lembro-me do momento seguinte como
uma das confissões mais profundas e
despojada de emoções artificiais que
evocava tão-só e subtilmente o amor
sincero, sem falsas pretensões. O acto
R
Por Leonor, uma fã do JAPT
desde o 1º dia…
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simbólico de tocar as mãos e levá-las até
aos lábios foi, pessoalmente, melhor do
que qualquer beijo efusivo, expressando
a delicadeza e respeito que ambos
possuíam e partilhavam. A fechar, o
quadro encerra-se juntamente com a
coroação dos primeiros raios solares.
Agarrada ao comando e com os olhos
presos no ecrã: assim permaneci alguns
instantes, imóvel e plácida até que por
fim – acordada pela racionalidade –
apercebi-me de que um sorriso se
esboçava no meu rosto. Sorria para a
televisão, sozinha na sala. Tomada de
impulso, precipitei-me com o controlo
remoto nas mãos, perseguindo apenas
um intento: saber o nome do filme.
Ansiosa, foi com felicidade que o
desvendei: “Orgulho e Preconceito”.
Uma ideia rapidamente se tornou um
imperativo: “Tenho de ver este filme”. E
assim fiz.
Descobri a autora que inspirou esta
adaptação cinematográfica e rendi-me
à obra, a qual prontamente imprimi e
que só consigo ler em inglês (não sei
justificar a razão).
Desde então, a evasão no universo de
Jane Austen foi-me concedida: lembro-
me de correr para o computador do
meu irmão e vidrar-me vezes sem conta
na “cena da tempestade” e outras; a
composição de Dario Marianelli e Jean-
Yves Thibaudet eram a minha banda
sonora na escola e da minha casa,
rodeada por pinheiros e carvalhos ao
longe e o chilrear dos pássaros, abria a
janela do meu quarto todas as manhãs
inspirando o orvalho da manhã e fruindo
o nascer do sol.
Passaram cinco anos e entretanto tomei
contacto com outros trabalhos de
Austen – “Persuasão” e “Sensibilidade e
Bom Senso” – sendo que, quando me é
possível, assisto a séries e filmes.
Por último, foi através do blogue da Clara
(quando era ainda “Um Minuto de
Histórias") que tive conhecimento - com
enorme satisfação – do Jane Austen
Portugal, o qual visito frequentemente.
Foi igualmente com imenso prazer que
acolhi o gentil pedido endereçado pela
Clara para descrever a minha
experiência enquanto leitora desta
perspicaz escritora que delicia gerações.
Neste momento, tal como há cinco anos,
sorrio. E acrescento: muito Obrigado.
ncentivada
por um
comentário
de uma leitora
do blogue,
decidi ver esta
versão de
1981 de
Sensibilidade
e Bom Senso.
Esta versão
conta com
Irene Richard
no papel de
Elinor e Tracey
Childs no
papel de
Marianne.
O primeiro episódio está
muito próximo da história
original. Tal como no livro,
sabemos da morte de Mr.
Dashwood pelas falas das
restantes personagens.
Uma falha enorme,
gigantesca... não há
Margaret Dashwood. Mrs.
Dashwood aparece como
mãe apenas de duas
raparigas, Elinor e
Marianne.
Um episódio muito curioso,
que penso que nunca foi
aprofundado nas restantes
adaptações foi o da
porcelana de Mrs.
Dashwood e a inveja de
Mrs. John Dashwood... está
engraçadíssima, aliás, a
actriz que interpreta Fanny
Dashwood (Amanda Boxer)
consegue encarnar
totalmente a personagem,
deixando de lado o
histerismo tanto da Fanny
de 95 como da de 08. A
cena em que Fanny
convence o marido a
dispensar a renda às meias-
irmãs segue rigorosamente
o texto de Austen, se a
memória não me falha.
O Edward desta versão
(Bosco Hogan) é
encantador, muito mais o
Edward que sempre
imaginei, pela descrição do
livro, do que o Edward das
restantes adaptações
(embora ache todos os
Edwards muito
bem
conseguidos!),
não sei, mas a
timidez parece
inata, e o "mau
estar" de se ver no
centro das
atenções parece
incrivelmente
genuíno.
Elinor está
fenomenalmente
bem
representada.
Nesta versão,
Elinor possui
sentido de humor
(como também acontece
no livro), é certo que a
Elinor de 08 consegue
também mostrar isso, já
Emma Thompson em 95
deu-nos uma Elinor
demasiado distante.
Nesta versão existe o
verdadeiro "adeus a
Norland" de Marianne, da
tão célebre frase de Elinor,
"It is not every one,” said
Elinor, “who has your
passion for dead leaves".
Esta Marianne é muito
interessante, embora às
vezes pareça menos
espontânea do que seria
suposto.
Devo confessar que, se não
soubesse a história, não
I
[ SENSIBILIDADE E BOM SENSO 1981 | CLARA FERREIRA
“Definitivamente posso dizer que me tornei fã deste Edward Ferrars”
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ina8
teria percebido muito bem
se Edward e Elinor estavam
apaixonados. Existem duas
cenas em que os vemos
juntos no jardim, e outra em
que parecem estar de
olhares desencontrados
durante o pequeno-
almoço, mas nada de
substancial que nos possa
levar a pensar que foram
feitos um para o outro. O
adeus é distante.
A chegada a Devonshire
ainda acontece neste
episódio. Confesso que sou
uma grande admiradora
na alteração feita em 2008,
onde colocam a casa
perto do mar, mas esta
"cottage" também é
"fofinha".
O encontro com Sir John e
Lady Middlenton é
engraçado, Lady
Middleton não é como eu
imaginava, acho que está
muito bem retratada na
versão de 2008, Sir Jonh, é
Sir John, embora prefira o
de 2008 (até porque entrou
no Harry Potter).
O convívio com os
Middleton não é muito
aprofundado, neste
vepisódio conhecemos
também Mrs. Jennings,
muito longe da imagem
que temos dela no livro ou
que temos de outras
versões; e o Coronel
Brandon, muito aquém de
qualquer expectativa,
garanto. O tema Marianne-
Brandon é pouco
aprofundado.
Uma curiosidade, a actriz
que interpreta Mrs.
Dashwood (Diana Fairfax)
interpretou também Emma
Woodhouse na versão de
1960.
No 2º episódio, ficamos a
conhecer Willoughby... a
cena do resgate de
Marianne não é muito
intensa, comparada com a
das restantes versões.
Willoughby não é tão
encantador como se
espera, nem tão galã. No
entanto, a paixão de
Marianne por ele é muito
desenvolvida, seguindo
rigorosamente o texto
original, temos a pergunta
sobre "quem é Willoughby"
feita a Sir John e a
indignação de Marianne
por ele só lhe falar dos seus
dotes de caçador; temos
Willougby a cantar com
Marianne, a recitar poesia
com ela, a criticar Brandon,
a oferecer-lhe o cavalo,
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ina9
sim, temos tudo isso! Aliás,
todo este episódio gira em
torno de Marianne.
Este é o episódio em que
recebemos a visita de
Edward Ferrars, peço
desculpa ao Hugh Grant e
ao Dan Stevens, mas a
interpretação de Bosco
Hogan é tal e qual o
Edward de Jane Austen... e
o mesmo posso dizer de
Irene Richard, que nos dá a
Elinor mais próxima da Elinor
de Jane Austen.
Não me canso de repetir
que estou a adorar este
casal - Elinor e Edward -
parece que estou a ler
Jane Austen e além disso,
esta versão de
Sensibilidade e Bom Senso,
tem muitos dos diálogos
originais. Mas estou certa
que quem não for fã
ardente de Jane Austen já
não conseguiria suportar
esta adaptação porque,
sejamos sinceras, já lá vão
quase 30 anos e as versões
mais recentes são muito
mais apelativas tanto em
cenário como em guarda-
roupa!
O 5º episódio não me
"soube" tão bem como os
anteriores. Quer dizer, é um
episódio que
tem uma das
cenas mais
importantes e
hilariantes, no
entanto,
pareceu-me
mais teatral do
que os
anteriores. É
natural as
adaptações
desta data
serem teatrais e
devemos dar
sempre um desconto, no
entanto, lembro-me agora
da cena em que Miss
Steele visita Elinor depois do
serão passado em Mrs.
Ferrars e achei essa cena
tão crua que até me doeu!
Este episódio teve muitos
altos e baixos. O ponto alto
refere-se à cena do pedido
de desculpas de
Willoughby que em todas
as versões tem sido muito
comovente (salvo a de
1995 em que esta cena é
inexistente). O ponto baixo
refere-se ao facto de
retirarem a cena em que
Brandon salva Marianne.
De facto a relação
Brandon-Marianne é pouco
ou nada focada nesta
adaptação, estou ansiosav
por saber como é que no
fim os vão juntar.
O último episódio foi uma
agradável surpresa,
embora tenha fugido um
pouco à obra original,
adorei a forma como
transformaram Coronel
Brandon, só com esta
adaptação é que ganhei
simpatia por ele, embora
de inicio não tenha
gostado muito do seu
papel, até porque nesta
adaptação, como já referi,
a relação dele com
Marianne é pouco
desenvolvida.
Definitivamente posso dizer
que me tornei fã deste
Edward Ferrars, pura e
simplesmente maravilhoso.
Em relação a esta Elinor,
considero que foi uma
grande interpretação,
todavia, nestes últimos
episódios creio que perdeu
alguma qualidade.
á que desde já
referir que este
livro, da autoria
de Jane Austen
é o mais
autobiográfico
encontrado na sua
obra. É aqui que
Austen expõe um
dos seus maiores
medos… ficar sem
nada após a morte
do pai e viver à
mercê dos seus
irmãos. Elinor é sem
mais nem menos do
que a sua irmã
Cassandra e a apaixonada Marianne tem
características em comum com a autora
(Jane Austen). Se fizermos um exercício muito
simples que é; ver o filme “Becoming Jane” e
depois Sense & Sensibility, podemos ver as
enormes parecenças/semelhanças entre
personagem e as pessoas em questão.
A história
propriamente
dita, não é a
mais bonita,
ou a mais
romântica da
autora Jane
Austen, mas
sem dúvida a
mais real e a
mais cruel
para as
mulheres da
sua época.
Em relação
ao filme
com um
elenco
luxuoso,
composto
por: Emma
Thompson,
Kate Winslet,
o rei da
comédia
romântica
britânica
Hugh Grant,
e o Alan Rickman, escusado será dizer que a
parte interpretativa não é um ponto fraco
deste filme. O mesmo se poderá dizer do
argumento, o realizador Ang Lee (Brokeback
Mountain) inteligentemente colocou uma
mulher a escrevê-lo, nada mais do que a
actriz principal Emma Thompson (vencedora
de Óscar de melhor argumento adaptado).
Nota-se uma
maturidade
deliciosamente
cruel no diálogo
e um toque
feminino, dois
componentes
que parecem
não de conjugar,
conseguem aqui
conviver numa
extraordinária
harmonia,
todavia o
H
[ SENSIBILIDADE E BOM SENSO 1995 E 2008 | CATARINA R. P.
A história propriamente dita, não é a mais bonita, ou a mais
romântica da autora Jane Austen, mas sem dúvida a mais real e a
mais cruel para as mulheres da sua época.
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1
excesso de
romance leva
a um certo
cansaço do
espectador.
Reconheço
que a maior
parte de nós,
mulheres, não
adormece
durante o
filme, mas
estes filmes
não são só
para mulheres
extremamente românticas, mas sim para
todos, inclusive homens, dotados de uma
insensibilidade difícil de explicar. Não se
pode ter sensibilidade então têm-se bom
senso!
Em relação ao guarda-roupa, na minha
opinião o calcanhar de Aquiles desta
produção, poderia ser melhor mas acredito
que o financiamento de um realizador
estrangeiro não seja o melhor para satisfazer
esta categoria. Perderam no guarda-roupa
mas ganharam na banda-sonora da autoria
de Patrick Doyle, um nome não muito
conhecido mas com um trabalho bastante
interessante. Os cenários são fantásticos,
aliás tenho de referir que os cenários dos
filmes de Jane Austen têm a particularidade
de serem todos maravilhosamente
espectaculares.
Para finalizar há
que referir a
extraordinária
interpretação
de Emma
Thompson e
Kate Winslet, as
melhores do
filme.
Em relação à
série de 2008,
não tenho
grandes comentários a fazer. Considero que
comparar o filme de Ang Lee à produção
televisiva de 2008 é no mínimo impossível. O
elemento central e principal de uma pelicula
é o seu argumento é com ele que se
distingue um bom e um mau filme. Como
sabemos as séries televisivas têm o dom de
terem um péssimo argumento, salvo algumas
excepções. Isto porque, este varia conforme
as audiências e o grau de satisfação da
cadeia televisiva. Acho que já me fiz
entender em relação à produção de 2008.
Pode ter todos os ingredientes como guarda-
roupa, banda-sonora e até actores bastante
razoáveis, mas sem um bom argumento não
se faz um bom filme.
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2
alma deste filme reside em dois
nomes: Emma Thompson e Ang Lee.
Em primeiro lugar, foi Emma Thompson
quem se dedicou e acreditou nesta
obra ao ponto de levar quase cinco
anos a escrever o roteiro. Na sua
adaptação, alguns personagens ficaram de
fora, como Lady Middleton e a irmã de Lucy
Steel; contudo, penso que isso não lhe retira
o valor. O facto do roteiro ter o cunho de
Emma Thompson explica - e esta é uma
suposição minha - o facto de Shakespeare
ser uma presença constante através da voz
de Marianne Dashwood. Sabemos que Jane
Austen não o faz. Mas Emma Thompson tem
um passado voltado para as produções
baseadas em obras de Shakespeare,
principalmente durante o seu casamento
com Kenneth Branagh.
Ela não teria a intenção de interpretar o
papel de Elinor. Quem a convenceu de tal
foi Ang Lee, o director do filme. Ele defendia
a opinião de que ela seria perfeita para
interpretar este personagem:
"Emma Thompson, who wrote the
screenplay, crafted the script
intending to cast real-life sisters,
Natasha and Joely Richardson
(daughters of British actress Vanessa
Redgrave) as Marianne and Elinor.
However, she was later encouraged to
play Elinor herself by director Ang Lee.
Thompson was reluctant to cast herself
as Elinor, because she thought she was
too old (Elinor is supposed to be 19
years old). Lee, who wanted
Thompson for the lead, eventually
decided to age Elinor's character to 27
years so that modern audiences would
understand how Elinor could be
considered a spinster. Thompson adds:
"With make-up and a good wig I might
look young enough." In addition, some
of the supporting cast members had to
be cast older as well, to balance the
36-year old lead."
Chego ao segundo nome, Ang Lee. Quem
imaginaria que ele, um cineasta ainda
novato e de origem chinesa, seria perfeito
para fazer um filme de época inglês? Muitos
deverão ter duvidado. Aliás eu li no Eras of
Elegance que, até aquela altura, ele nunca
teria lido nenhuma obra de Jane Austen. O
que demonstra, sem sombra de dúvidas, a
qualidade do seu trabalho; já que consegue
transmitir o estilo da nossa querida Jane.
Sempre fico impressionada com a qualidade
do cenário e da fotografia deste filme.
Tratando-se de um filme com mais de quinze
anos, é impressionante a actualidade da sua
imagem. Por vezes, ao assistir esqueço-me
deste pormenor, de como já faz tanto tempo
que foi filmado. E isso tem a ver com a
elegância que Ang Lee imprimiu à obra.
Achei interessante descobrir que ele tenha
se inspirado nos quadros do pintor holandês
Johannes Vermeer ( a característica
principal da sua obra é a forma como utiliza
a luz e o jogo com as sombras ) para criar e
desenvolver a fotografia deste filme.
São dois nomes, dois estilos, duas assinaturas
e um excelente resultado final.
A
[ SENSIBILIDADE E BOM SENSO 1995
“ALMA” |CÁTIA PEREIRA
Tratando-se de um filme com mais de quinze anos, é impressionante a
actualidade da sua imagem
odemos
contar com
mais de uma
década de
intervalo
entre a
produção
cinematográfica
de Ang Lee e a
adaptação
televisiva de
"Sense and Sensibility" pela BBC. Destaque-se
que a última adaptação da BBC é de 1981,
o que gera quase trinta de anos de intervalo
- no que diz respeito à BBC - e, por
consequência, gera também um elevado
grau de curiosidade pelo resultado final.
Portanto, a fasquia era alta.
Grande expectativa - esta é a expressão
correcta para traduzir o que milhares de fãs
de Jane Austen sentiram enquanto a mini-
série não estreava. Eu tive a curiosidade de
fazer uma breve pesquisa de artigos da
época anterior à estreia e nos dias seguintes.
Propositadamente,
não aprofundei a
leitura destes
mesmos artigos
para não
condicionar a
minha própria
opinião. Contudo,
este sentimento de
expectativa é
latente. De igual
forma, notava-se que todos
tinham curiosidade de ver
como Andrew Davies
teria desenvolvido o
roteiro. O que pude
concluir é que as
opiniões dividem-se e não
são de maneira nenhuma
consensuais. Há os que não
gostaram, os que gostaram, os que não
gostaram mas apreciaram certos pontos, os
que gostaram mas desgostaram de muita
coisa. Enfim, uma amálgama de opiniões.
P
[ SENSIBILIDADE E BOM SENSO 2008
EXPECTATIVA E CONSENSO |CÁTIA PEREIRA
Grande expectativa - esta é a expressão correcta para traduzir o que milhares
de fãs de Jane Austen sentiram enquanto a mini-série não estreava
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4
tratamento
cénico, as
locações, o
design, a
fotografia e o
guarda-
roupa resultou do
trabalho de três
pessoas: James
Merrifield, Paul
Ghirardani e Michele
Clapton. Toda a
coordenação da
imagem leva a
predominância de cores neutras, pálidas e
cinzentas, o que faz com que toda a fotografia de Sensibilidade e Bom Senso 2008
traduza os sentimentos de melancolia,
recolhimento e
alguma tristeza.
Sobretudo,
melancolia.
Inicialmente sente-se
alguma estranheza.
Esperamos ver
campos verdejantes
e dias de sol
convidativos a
passeios e pic-nics.
Contrariamente,
tanto os cenários
exteriores como
os interiores são
amiúde sombrios;
e, algumas vezes,
até cinzentos.
Aqui a imagem
revela e
potencializa
sentimentos e
sensações; na
medida em que a
sua combinação substancializa o que o
personagem visado está a pensar, a sentir ou
a exteriorizar. Pode-se dizer que o tom quase
pálido imprime
realismo ao
ambiente de luto
das Dashwood.
Acho que o
contraste é ainda
mais acentuado
quando as
Dashwood
chegam a Barton
Cottage. Que
sensação tão
desoladora senti,
devo confessar,
quando vi a cena
da família a
O
[ SENSIBILIDADE E BOM SENSO 2008
“PÁLIDO” |CÁTIA PEREIRA
Aquele local ressaltaria também todo o distanciamento da vida social
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chegar no seu novo local de morada.
Acompanhei o olhar de total desilusão de
Mrs. Dashwood a olhar para cada recanto
da húmida, vazia e descolorida casa.
Entendi-lhe o olhar: “então, ser viúva é isto?
então, ser pobre é isto? então, não ser mais
senhora de Norland é isto? então, ser alvo de
caridade alheia é isto? Que fiz eu para viver
nestas condições? que fiz eu, de tão errado,
para ver as minhas filhas descerem de nível
social desta maneira? que fiz eu…?”.
Por outro lado, não se pode negar que o
local atribuído à Barton Cottage é idílico e
belíssimo. É impossível ser-lhe indiferente. O
cenário quase épico reforça a ideia de
melancolia, recolhimento, tristeza, luto e
alguma solidão.
Achei interessante, na entrevista
anteriormente publicada aqui, a produtora,
Anne Pivcevic, dizer que esta opção de
colocar Barton Cottage numa zona tão
diferente da concebida por Jane Austen,
teve como fundamento reforçar a ideia do
corte ocorrido na vida anterior das mulheres
Dashwood. Para além da perda, da descida
económico-social, aquele local ressaltaria
também todo o distanciamento da vida
social.
Não posso dizer que assistir a esta mini-série
seja como admirar uma pintura. Mas, a meu
ver, há sequências de profunda beleza em
Sensibilidade e Bom Senso 2008, que
enchem os olhos e traduzem uma série de
mensagens.
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6
Querida Jane Austen,
Como sempre, aqui estou eu para lhe
enviar os meus pensamentos sobre as
suas obras nestas singelas cartas.
Singelas, sim, que o meu talento para a
escrita não se compara ao seu.
Mas se é verdade que desejava
imenso voltar a escrever-lhe uma carta,
também é verdade que me tenho
deparado com diversos problemas: o
primeiro, e talvez o mais urgente de
todos, é a época de exames que se
inicia e que exige imenso estudo,
concentração mas, acima de tudo,
calma (que eu não costumo ter!); o
segundo, é o tema da carta.
Sabe, Jane, é que ainda que um
dos meus objectivos seja ler tudo o que
escreveu, ainda só li Orgulho e
Preconceito e O Parque de Mansfield.
Como poderei, então, escrever-lhe algo
que vá de encontro ao livro do mês,
Sensibilidade e Bom Senso?
Devo confessar que andei, durante
muito tempo, às voltas, tentando arranjar
algo que encaixasse. Lembrei-me,
inclusive, que vi a mini-série britânica de
1981 mas (ironia do destino), não me
recordo bem da sua história.
Até que, no meio disto, tudo me
apercebi de algo: títulos.
"Títulos? Como assim, títulos?",
pergunta a Jane. Bem, passo a explicar:
Orgulho e Preconceito. Este título diz tudo
sobre o livro (pelo menos para quem
conhece a história): o orgulho e o
preconceito de cada uma das
personagens (tal como muitos outros
defeitos que nem vale a pena
enumerar...), bem patente ao longo da
história, é o mote de todo o livro. Sem
estes nossos "amigos" ali, atrevo-me a
dizer que a curiosidade do leitor não
seria estimulada.
Afinal de contas, porquê "orgulho"?
Porquê "preconceito"? E quando damos
por nós, estamos a tentar decifrar todas
as palavras da sua obra.
Mas há mais: O Parque de
Mansfield. Novamente, este título
reporta-se ao mote da história - ou pelo
menos à zona principal onde ela se
desenrola. Com efeito, o parque de
Mansfield é o background para todos os
momentos de aflição da nossa querida
Fanny (de quem eu lhe falei na última
carta, como certamente se lembra),
para os despautérios da nossa querida
(ahem!) Mary Crawford, para a aparente
redenção de Mr. Crawford e para tantas
outras coisas.
Ainda que a referência ao parque
não dê, imediatamente, uma ideia do
tema principal envolvido (ao contrário
do que ocorre, por exemplo, em Orgulho
e Preconceito), a verdade é que
conseguimos, automaticamente, formar
uma imagem de um parque e várias
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7
histórias com as suas personagens (que,
na maior parte das vezes, não
combinam com a verdadeira história).
E, com isto, chego ao meu ponto
principal: Sensibilidade e Bom Senso. Ora,
tendo em conta que me lembro de
muito pouco da história, tendo a juntar
fragmentos da mini-série com o próprio
título. Assim, tudo me leva a crer que
estamos perante personagens que são
ou demasiado sensíveis (acabando por
sair magoadas devido à sua facilidade
em se apaixonar ou ficarem ofendidas)
ou cujo bom senso lhes falta em alta
medida.
Estarei certa? Talvez não, afinal,
não me recordo da história. Mas é
precisamente a isto que quero chegar, e
não propriamente ao título da obra:
títulos bem escolhidos e sonantes fazem-
nos pensar sobre eles.
Porque razão se chama
Sensibilidade e Bom Senso? Será que há
alguém com demasiado bom senso e
outra pessoa com pouca sensibilidade?
Será o contrário? Será que não tem nada
que ver com isto?
Verdade seja dita, a Jane é mestra
na arte de dar títulos dignos às suas
obras, títulos que aguçam a curiosidade
e a imaginação, títulos que contam,
para os mais astutos, um pouco da
história e, para os menos astutos (como
eu), que surpreendem quando se
termina o livro.
E os títulos são essenciais por isso
mesmo. Mas quem refere estas obras,
refere outras: Emma, Northanger Abbey,
Persuasion, Lady Susan,...
Cada uma das suas obras tem
títulos que correspondem à história, que
a resumem e que a caracterizam.
Haverá alguém melhor do que a Jane
para ensinar a alguns destes novos
autores a importância de um título bem
feito? Provavelmente, não.
E, com isto, devo deixá-la, minha
cara Jane: não serve de nada continuar
a debater a importância dos seus títulos.
A verdade é que todos aqueles que
lerem a carta se irão lembrar da primeira
vez que olharam para um dos seus livros
e imaginaram uma história, muito
provavelmente, completamente
diferente à verdadeira, e irão rir-se.
E não há nada melhor do que
rirmos com as nossas próprias memórias e
termos a possibilidade de voltarmos a
mergulhar nas histórias que amamos.
Até à próxima carta,
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8
nd among
the merits
and the
happiness of
Elinor and
Marianne, let it not be
ranked as the least
considerable, that, though
sisters, and living almost
within sight of each other,
they could live without
disagreement between
themselves, or producing
coolness between their
husbands"
Publicado em 1811, foi o
primeiro romance de Jane
Austen a ser publicado, sob
o pseudónimo de " A Lady".
Jane Austen escreveu o
primeiro rascunho desta
obra em 1795, quando
tinha cerca de 19 anos.
Primeiramente chamado
"Elinor and Marianne" e
depois, definitivamente
"Sense and Sensibility".
Não é o meu livro preferido
de Jane Austen, mas é
aquele que contém lá
dentro a minha
personagem preferida de
sempre - Elinor Dashwood.
À semelhança de
"Persuasion" este livro é
totalmente absorvente, são
tantas as desgraças que
acontecem à família
Dashwood que vivemos a
história como se fôssemos
uma das irmãs. O livro, fala-
nos da possibilidade de
amar uma segunda vez,
tão fortemente como se
ama a primeira vez.
A história possui duas
personagens principais:
Elinor e Marianne
Dashwood (duas irmãs). O
contraste entre ambas é
enorme. Elinor revela um
enorme bom senso e
Marianne representa a
emoção do seu maior
esplendor. Acredita-se que
estas duas irmãs foram
"A
[ QUANDO LI S&S|CLARA FERREIRA
Acredita-se que estas duas irmãs foram criadas a partir de Jane Austen e
da sua irmã Cassandra
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9
criadas a partir de Jane
Austen e da sua irmã
Cassandra.
Tudo começa quando o
pai de Elinor, Marianne e
Margarett morre. Toda a
sua fortuna passa para as
mãos do filho do primeiro
casamento (meio irmão de
Elinor, Marianne e
Margarett). As irmãs e a sua
mãe ficam com uma
pequena renda anual. O
irmão e a sua mulher
acabam por vir residir para
Norland - a morada do pai,
madrasta e meias-irmãs.
Mrs. Dashwood começa a
procurar uma casa para
poder ir viver com as suas
filhas, um primo oferece-lhe
uma pequena casa de
campo em Barton e aí se
acabam por estabelecer.
Elinor, razoável, sensata,
prudente e com um
enorme bom senso é o
oposto da sua irmã, que
vive tudo com a emoção à
flor da pele, que não
suporta ficar calada
quando julga que algo está
mal, que pouco que lhe
importa o que os outros
pensam das suas acções -
Marianne é a eterna
romântica que apenas
acredita no único amor e
que ninguém consegue
amar novamente depois
de ter encontrado o "amor
da sua vida".
Muito acontece
entretanto... Elinor, que
pode por vezes parecer
indiferente e fria, pois nada
do que sente se reflecte
(exageradamente) para
fora, embora sinta tudo e
de uma forma muito
profunda, acaba por se
apaixonar por Edward
Ferrars, irmão da sua
cunhada. Uma relação
manifestamente impossível
perante os olhos da família
de Edward.
Marianne, apaixona-se por
Willoughby... e também nós
(leitores), a relação deles é
claramente aquele "amor
perfeito" em que
acreditamos fielmente. No
entanto, esta personagem
acaba por nos
decepcionar a todos,
porque, afinal de contas,
não era tão perfeito assim.
Há um capítulo, já no fim,
em que Willoughby tem
uma conversa com Elinor,
onde se justifica ou explica
as suas acções... e até eu,
que lhe fiquei com um
enorme "pó" depois do que
ele fez à Marianne,
consegui desculpá-lo, de
certa forma.
O fim do livro é ao mesmo
tempo fantástico e ao
mesmo tempo de um certo
desapontamento... fiquei
muito feliz com Elinor pois
acabou por se casar com
Edward (o "amor da sua
vida"), mas o destino de
Marianne é, embora feliz,
um destino alternativo, pois
ela não acaba com o
"amor da sua vida", eu senti
que, ao casar-se com o
Colonel Brandon, casou-se
primeiramente pela grande
amizade que tinham e que,
acabou por se tornar em
amor... o que não deixa de
ser irónico, dado que era
ela a "eterna romântica".
Deixo aqui um trecho do
último capítulo que explica
a situação de Marianne,
em tudo diferente dos finais
a que Jane Austen nos
habituou, pois o de
Marianne, aproxima-se mais
da realidade da vida e não
da felicidade eterna.
"Marianne Dashwood was
born to an extraordinary
fate. She was born to
discover the falsehood of
her own opinions, and to
counteract, by her
conduct, her most favourite
maxims. She was born to
overcome an affection
formed so late in life as at
seventeen, and with no
sentiment superior to strong
esteem and lively friendship,
voluntarily to give her hand
to another! (...)
But so it was. Instead of
falling a sacrifice to an
irresistible passion, (...) she
found herself at nineteen
submitting to new
attachments, entering on
new duties, placed in a
new home, a wife, the
mistress of a family, and the
patroness of a village.
(...) and that Marianne
found her own happiness in
forming his, was equally the
persuasion and delight of
each observing friend.
Marianne could never love
by halves; and her whole
heart became, in time, as
much devoted to her
husband as it had once
been to Willoughby."
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0
Traduções:
“Sensibilidade e Bom Senso” (Maria Luísa Ferreira da Costa) e “Razão e Sentimento” (Ivo Barroso)
ntrodução. Após a surpresa e a alegria
iniciais provenientes do convite da
Raquel Sallaberry do Jane Austen em
Português para este desafio, veio a
fase de planeamento e a
concretização de algumas etapas do
programa delineado. Sobre a tarefa
específica da Leitura Comparada
confesso que senti algum pânico: o
que posso eu dizer sobre isto? Como
posso fazer uma apreciação sobre o
resultado do trabalho de um
especialista? Eu não sou tradutora.
Estou bem longe deste ofício.
Não tenho a pretensão de fazer um
estudo aprofundado e/ou
académico. Assumi a certeza de que
a minha leitura terá de ser a de
alguém que ama três coisas: a língua
portuguesa, a literatura e Jane Austen.
O meu olhar será do ponto de vista do
leitor. Uma irremediável leitora.
Ler Jane Austen, nos nossos dias, pode
parecer um tanto deslocado. Ler
escritores clássicos é, muitas vezes,
visto como algo pouco atractivo e
antiquado. Acredito que a
genialidade ultrapassa a barreira do
tempo. Se lapidarmos as
circunstâncias e o contexto histórico
entendemos que os sentimentos e as
atitudes relatados são extremamente
semelhantes aos da nossa
contemporaneidade.
Gosto deste desafio que, por vezes,
designo como um desafio lusófono.
Leitura Comparada. Esta primeira etapa da
Leitura Comparada entre “Sensibilidade e
Bom Senso” (tradução de Maria Luísa Ferreira
da Costa) e “Razão e Sentimento” (tradução
de Ivo Barroso) foi feita do Capítulo 1 ao 22.
Não foi um percurso de um fôlego só. Tem
sido uma gradual construção e um exercício
de compreensão. É interessante confirmar
que a língua portuguesa é multifacetada e
que a sua expressão nos dois países (Portugal
e Brasil) assume particularidades assinaláveis.
Optei por não demonstrar capítulo a
capítulo as diferenças porque seria
demasiadamente longo. O que faço é
destacar algumas passagens que convidam
à reflexão.
Uma mesma língua: significantes diferentes,
significados iguais. Falamos a mesma língua
mas a forma de expressão difere. A escolha
e o uso das palavras para traduzirem
determinado significado, pelos tradutores,
são um exemplo desta diferença. Há
expressões que são típicas e que, não sendo
I
[ SENSE AND SENSIBILITY EM PORTUGAL 200 ANOS
DEPOIS – LEITURA COMPARADA |CÁTIA PEREIRA
Ler escritores clássicos é, muitas vezes, visto como algo pouco atractivo e
antiquado. Acredito que a genialidade ultrapassa a barreira do tempo
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literais ao original, traduzem a ideia que o
texto quer transmitir.
Coloco alguns exemplos deste tipo de
situação:
“uma articulação imperfeita das palavras,
um desejo voluntarioso de fazer o que queria, muitas partidas* engraçadas e muito
barulho” (Sensibilidade e Bom Senso,
Capítulo 1, pg. 6)
“uma articulação imperfeita, um persistente
desejo de afirmar a sua vontade, muitas artimanhas astuciosas e uma barulheira
infernal” (Razão e Sentimento, Capítulo 1, pg.
6)
*Dizer “pregar uma partida” em Portugal será
o equivalente a “pregar uma peça” no Brasil;
ou seja, o sentido é o de uma brincadeira
inesperada.
“A sua casa ficará portanto quase completamente recheada* logo que tomar
posse dela”. (Sensibilidade e Bom Senso,
Capítulo 2 , pg.12)
“Ela estará com a casa quase completamente montada quando se
mudarem daqui.” (Razão e Sentimento,
Capítulo 2, pg.12)
* A expressão “casa recheada” ou “com
recheio” é quando ela está devidamente
mobilada. Não é incomum aqui utilizar-se o
termo “montada”, mas é mais usual dizer-se
“recheada”.
Opções e dúvidas. Deparo-me com algumas
frases em ambas traduções que levantam-
me dúvidas quanto ao resultado.
“Lembra-te, minha querida, de que ainda não tens dezassete anos.” (Sensibilidade e
Bom Senso, Capítulo 3, pg. 16)
"Lembre-se, minha querida, de que você ainda não tem dezesseis anos.” (Razão e
Sentimento, Capítulo 3 , pg. 16)
Questiono-me o porquê da tradução
brasileira atribuir à Marianne uma idade
diferente do original. Será que “you are not
seventeen” possa implicar que Marianne não
tenha especificamente 16 anos e que possa
ter menos idade? Deirdre La Faye escreve
que “they made their debut into society in
their late teens” (La Faye, Deirdre; “Jane
Austen – The world of her novels”, pg. 113) o
que poderia significar que uma jovem
debutaria entre os 17 e os 18 anos. Então
faria sentido pensar que com esta fala, Jane
Austen através de Mrs. Dashwood não está a
indicar a idade exacta de Marianne.
“Margaret, como acompanhante de
Marianne, com maior elegância que
precisão, acalmou Willoughby, que viera
cedo, na manhã seguinte à casa para saber
pessoalmente como ela passava.”(Sensibilidade e Bom Senso,
Capítulo 9, pg. 36)
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2
“O guardião de Marianne, título que
Margaret, com mais elegância que precisão,
atribuíra a Willoughby, apareceu na manhã
seguinte bem cedo à porta do chalé para saber pessoalmente do estado dela.” (Razão
e Sentimento, Capítulo 9, pg. 35)
Este foi o parágrafo que, ao longo destes 22
capítulos, levantou-me mais dúvidas. Não
vos parece que o início da frase, em ambas
as traduções, transmita um significado
totalmente diferente entre si? Quando
compara ambas com o original, as minhas
dúvidas aumentam.
Em traços gerais, através destes breves
exemplos pretendi destacar diferenças de
expressão e as dúvidas que algumas
passagens criaram em mim. Contudo, a
aventura ainda está no início. Ainda há um
longa caminho a percorrer nesta trilha do
desafio do Bicentenário S&S e da Leitura
Comparada entre "Sensibilidade e Bom
Senso" e "Razão e Sentimento". Guardo a
certeza de que as páginas ainda reservam
muitos aspectos sobre os quais repousar os
olhos, alargar a visão e surpreender-me com
alegria pelas novas descobertas. Aproprio-
me, com civilidade, de uma frase das cartas
de Jane Austen para afirmar...
..."No, indeed, I am never too busy to think of
S. and S.."
Não sou tradutora e estou bem longe disto.
Contudo, a dada altura e durante a leitura
comparada, comecei a reflectir sobre a
posição do tradutor. Neste desafio não
estamos a focar o olhar unicamente sobre
Jane Austen, mas sobretudo sobre as opções
tomadas por cada tradutor.
Dei por mim a pensar na dinâmica deste
trabalho e surgiu-me este pensamento:
haverá condição mais solitária do que o
tradutor no exercício do seu ofício? Não sei
se a minha interrogação será abusiva mas
comecei a visualizar mentalmente o tradutor
neste diálogo silencioso de leitura e de
descodificação de uma mensagem. Ele está
diante de uma obra, que pertence a um
tempo histórico, a uma cultura, a um tipo de
mentalidade e a uma língua específica. Para
além disso, ainda temos que considerar que
há o escritor e a sua intencionalidade. E,
ainda temos de considerar também, que o
tradutor tem o seu ponto de vista de leitor e
que tem de abstrair-se disto. Ou não?
Interrogo-me, muitas vezes, se a dualidade
“tradutor/leitor” entram em conflito na
actividade de tradução. Há a intenção do
autor da obra que, excepto ele a deixe por
escrito, nunca a alcançamos totalmente. Há
a interpretação da obra por parte do leitor.
Isto será um terreno minado para quem tem
a tarefa de traduzir uma obra?
Parto da ideia de que para efectuar
qualquer tradução estarão inerentes
determinados processos que levam ao rigor
e a objectividade para obter um resultado
final fiel ao original. Num texto técnico, o
rigor e a objectividade parecem-me ser
metas indispensáveis senão fundamentais.
Num texto e obra de cariz literário, para além
disto, há toda uma série de
condicionalismos. Alguns condicionalismos
foram referidos acima: tempo histórico,
cultura, língua, mentalidade; mas ainda há
outros, dentre eles: o estilo de escrita do
autor da obra, a coordenação entre a
subjectividade do autor e do tradutor, e a
interpretação da intencionalidade do autor
pelo tradutor. Será que podemos conceber
que exista este espaço de interpretação?
Isto é, a semelhança de um jornalista, há a
necessidade de imparcialidade como
condição ética essencial para o exercício
da sua actividade; ou, pelo contrário, a
parcialidade é benéfica?
Estas interrogações e afirmações têm uma
natureza intuitiva. Foram ilações que me
atravessavam a mente durante o exercício
de leitura de ambas as traduções. Não
quero ter a pretensão de lançar pressupostos
sobre a técnica de tradução ou sobre o
trabalho do tradutor e acredito que estas
questões poderão parecer “romantização”
da profissão. A minha partilha destina-se,
apenas, a ser matéria de reflexão de uma
actividade que parece ficar um pouco à
sombra do anonimato.
linor Dashwood,
geralmente associada
ao lado de "Bom Senso"
do título da obra, é a
irmã mais velha de
Sensibilidade e Bom
Senso. Com apenas 19
anos, Elinor é detentora de
uma personalidade
terrivelmente sensata,
realista e razoável. Por tudo
isso, sinto uma forte
empatia e admiração pelo
seu carácter.
"Elinor, this eldest daughter
whose advice was so
effectual, possessed a
strength of understanding,
and coolness of judgment,
which qualified her, though
only nineteen, to be the
counsellor of her mother,
and enabled her frequently
to counteract, to the
advantage of them all, that
eagerness of mind in Mrs.
Dashwood which must
generally have led to
imprudence. She had an
excellent heart; her
disposition was
affectionate, and her
feelings were strong: but
she knew how to govern
them: it was a knowledge
which her mother had yet
to learn, and which one of
her sisters had resolved
never to be taught."
Ao longo da história
habituamo-nos à aparente
crueza com que lida com
tudo. Personagem com pés
mais assentes na terra, creio
que não existe, pelo menos
no universo de Jane Austen.
Elinor julga correctamente
as acções e atitudes das
restantes personagens,
E
[ CONTRA TODAS AS TORMENTAS |CLARA FERREIRA
Elinor tem igual porção de Sensibilidade quanto de Bom Senso
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4
possui uma
maturidade
tremenda e
uma
consciência
abismal.
Menospreza-
se
demasiado.
Considera
que os seus
sentimentos
apenas
servem para
afligir os
outros e por
isso, cala-os
e envolve-os numa redoma
de vidro colocando sobre si
uma máscara de bem-estar
ou de "tudo vai correr
bem". Nada parece deitá-
la abaixo, nada faz com
que fraqueje, Elinor
permanece firme contra
todas as tormentas e é
nela, que todos os outros se
abrigam, qual porto seguro.
Elinor é sinónimo de
segurança, sobre ela
parece que nada perfura,
tudo se desintegra antes de
poder atingi-la. No entanto,
sabemos, que não é bem
assim...
Elinor, arrisco afirmar, sente
muito mais que a irmã
Marianne, dou um passo
ainda mais em falso e digo
que Elinor tem igual porção
de Sensibilidade quanto de
Bom Senso. Ninguém sofre
mais ao longo da história
do que ela, ninguém
suporta mais tristeza. Tal
como diz, ela ama com
todas as desvantagens que
isso traz sem nunca ter
conhecido os benefícios -
mais palavra menos
palavra, esta é a ideia. De
facto, ela não chora feita
desalmada como
Marianne, ela não caí
numa apatia doentia como
Marianne, ela não grita aos
sete mundos a sua dor
como Marianne... não, ela
não faz nada
disso, ela faz
pior... guarda
tudo dentro
de si na
expectativa
de que o
tempo tudo
cure, mas
ilude o
próprio
coração
(que julga ser
mais forte do
que é na
realidade) e
esquece-se
que se a dor não for falada
e partilhada consome
cada pedaço da alma. E o
choro desalmado com que
recebe a notícia do não
casamento de Edward
Ferrars é precisamente a
consequência de toda essa
reserva, Elinor rebenta, mas
ainda bem que é de alívio
de alegria... !
Elinor parece-me, apesar
da família adorável que
tem e que a ama muito,
uma personagem
incrivelmente solitária,
demasiado...
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5
linor Dashwood
possui uma
enorme
condescendência
e paciência. Ela
atura e suporta
com a maior das
naturalidades qualquer carácter. Não possui
a impertinência de Emma ou a ousadia de
uma Lizzie ou mesmo o atrevimento da
própria irmã, Marianne... Não, em sociedade
Elinor trata todos de forma plácida,
suportando os comentários mais atrozes e
injustos e nunca se subjugando, mantendo
sempre uma "irritante" dignidade que deixa
cair por terra toda e qualquer observação
menos própria vinda de uma Mrs. Jennings
ou um comentário a roçar o insulto vindo de
Mrs. Ferrars ou de Fanny Dashwood.
Ao contrário de muitas das outras heroínas
de Austen, Elinor sabe agir em sociedade
sem provocar tumultos, sem gerar atritos; a
Elinor é impossível apontar uma falha, todas
as intrigas que se geram em torno dela são
provocadas pela simples e odiosa inveja,
não há um defeito nela aos olhos dos outros
e por isso, servem-se da sua falta de dinheiro
para a diminuir porque só por aí conseguem
justificação - claro exemplo disso são Mrs.
Ferrars e Fanny Dashwood que coitadas, a
única coisa que têm em seu abono é, de
facto, a fortuna, tudo o resto é mau e sem
valor, daí que se agarrem tanto à sua
fortuna, a única coisa que lhes pode trazer
alguma
importância ainda
que falsa e
descartável. A
importância de
Elinor está, em
contraponto, no
seu carácter forte,
inabalável,
determinado, na
sua humildade e na sua bondade.
Elinor não é totalmente indiferente aos
comentários malévolos da futura sogra e
cunhada, sabemos que a magoam, mas ela
sabe como ultrapassá-los, dar a volta por
cima e por isso as trata com uma indiferença
superior e educada que me fazem regozijar
enquanto leio certas passagens. Elinor é,
tanto em carácter como em inteligência,
superior a qualquer uma delas e por isso é
ela quem se ri no fim. Nela não há
contradições, a sua conduta é regular e
constante e é isso que a torna tão sublime
aos meus olhos, tomando conta do lugar
cimeiro nas minhas preferências em relação
às heroínas de Jane Austen. Elinor é fiel a si
própria, não age com subterfúgios, não se
serve do cinismo para conquistar amizades,
ela age em sociedade com naturalidade,
sem impulsos, porque sabe avaliar, à partida,
os bons e os menos bons caracteres,
respondendo a todos à altura das
circunstâncias. É de certa forma a sua
estoicidade (aparente) que me cativa e é
pela profundidade dos seus sentimentos que
eu me apaixono.
E
[ ESTOICAMENTE ELINOR |CLARA FERREIRA
A sua conduta é regular e constante e é isso que a torna tão sublime aos
meus olhos
á quem não hesite
em apelidar
Marianne de tola
romântica, mas
quem aos dezassete
anos, nunca o foi
que atire a primeira pedra.
Dizia, o Camilo Castelo
Branco que o primeiro
amor sentido por uma
mulher é ainda uma
manifestação do amor às
bonecas, contudo ele
acredita que Teresa, a sua
heroína em Amor de
Perdição, amou Simão
com mais seriedade e
sinceridade do que outras
da mesma idade o teriam
feito.
Eu também eu acredito que o amor de
Marianne por Willoughby está longe de ser
uma manifestação do amor às bonecas,
mas sim uma verdadeira afeição. Olhando a
estória dos
dois de uma
forma
impessoal, é
quase
impossível
que ela não
se
apaixonasse,
conhecem-se de
uma forma muito
romântica,
haverá algo mais
romântico que
um homem que
surge do meio de
nevoeiro e salva a
donzela em
perigo?? Depois,
os seus modos,
maneira de ser e
gostos comuns
aos dela,
acabam por
vencer qualquer
resistência caso
ela ainda existisse.
Infelizmente, Willoughby engana Marianne e
todos os leitores quando mais tarde revela
ser o bom sacana que é.
Mas se Marianne tem uma natureza
romântica,
ela é
também
das poucas
H
[ MARIANNE DASHWOOD |VERA SANTOS
Ela é também das poucas personagens que não disfarça aquilo que
sente
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7
personagens que não disfarça aquilo que
sente, seja o amor por Willoughby, seja a
indiferença pelo Coronel Brandon e é aqui
que a personagem se torna digna de ser
amada, por ser absolutamente sincera, outro
tanto não se pode dizer de outras
personagens e corajosa, muito corajosa,
acho que ninguém se atreveria a dizer a Mrs.
Ferrars aquilo que ela disse.
Marianne cresce ao longo do livro e no fim já
não será tão romântica e terá percebido
que afinal pode-se amar mais que uma vez,
entre outras lições igualmente importantes.
A primeira vez que vi a adaptação de
1995 pensei que Marianne não iria resistir e
acabaria por morrer, esse seria o grande
momento
romântico
que ela
própria
gostaria de
ter, morrer
por amor,
porque
aquela
morte seria
vista por ela
como isso.
Mas não é
um balde
de água
fria, pelo
menos para
mim, que
ela se
recupere. Jane Austen já demonstrou por
diversas vezes que acredita em novas
oportunidades e Marianne ao viver percebe
como as suas ideias eram erradas e depois
como diz o Mr. Bennet, toda a rapariga
precisa de um desgosto amoroso, o homem
na sua sabedoria, faz-nos ver que são esses
dissabores, o bater com a cabeça na
parede que nos fazem crescer.
Há quem questione o amor pelo Brandon,
afinal ela não era TÃO apaixonada por
Willoughby? Pessoalmente acredito que ela
ame o Coronel e que o seu amor seja
sincero, afinal já não tenho dezassete anos,
já não sou uma tola romântica e já descobri
que se pode voltar amar, basta darmos uma
oportunidade ao amor....
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ina2
8
argaret, the
other sister, was
a good-
humored, well-
disposed girl; but
as she had
already imbibed
a good deal of
Marianne's
romance, without having much of her sense,
she did not, at thirteen, bid fair to equal her
sisters at a more advanced period of life."
Margaret é a irmã mais nova,
uma figura engraçada e muito
bem conseguida nas
adaptações de 1995 e 2008. A
minha colega Marina aqui no
blogue deixou, o que passo a
citar de seguida, um
comentário acertadíssimo:
"Margaret, a meu ver, existe na
história para a tornar mais
jovial. A seriedade e sensatez
de Elinor e o carácter
apaixonado e impulsivo de
Marianne (e até de sua mãe)
tinha que ter um "ponto de
equilíbrio". E esse ponto de
equilíbrio foi muito bem
"encontrado" por Jane Austen
em Margaret.
Não era um
adulto mas
sim uma
"criança" que
podia
transmitir
alguma
"sinceridade"
nas suas
observações
ao que se
passava à
sua volta. "
De facto, é a
sinceridade das suas observações que
levantam o véu de muito daquilo que as
irmãs pensam mas não dizem!
M
[ A TERCEIRA DASHWOOD |CLARA FERREIRA
Margaret na sua simplicidade e "criancice" concede-nos momentos
especiais ao longo da história
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9
Embora a descrição feita no início da obra
acerca de Margaret a diminua em relação
às irmãs, é de notar que, também ela sofre
uma mudança ao longo da história. Jane
Austen escreve que, enquanto as irmãs
estiveram em Londres com Mrs. Jennings,
Margaret foi alvo de um processo educativo
intensivo por parte da sua mãe,
conhecimento que adquire e que mostra
depois quando as irmãs regressam a Barton
em vários diálogos.
Margaret é
também uma
espécie de
âncora para Mrs.
Dashwood, é
Margaret que
está junto dela
quando as outras
filhas não estão,
mantendo o seu
papel maternal
activo,
afastando-se
assim da viuvez
representada por
Mrs. Jennings.
Mrs. Dashwood
ainda tem um
papel crucial a cumprir - o de educar tão
bem ou melhor Margaret como fez com as
outras duas filhas.
É uma personagem aparentemente
descartável, tanto assim é que a adaptação
de 1981 decidiu suprimi-la, no entanto,
Margaret na sua simplicidade e "criancice"
concede-nos momentos especiais ao longo
da história. Quero também ressalvar a
interpretação de Lucy Boynton em 2008 que
nos deu uma Margaret inoportuna e doce.
Pág
ina3
0
rimeiro de
tudo o
Edward é
uma
personagem
que eu gosto
bastante, apesar
da minha
dualidade de
sentimentos
como já vão
reparar pela
minha análise.
No que toca a adaptações eu acho que o
Hugh Grant foi mesmo perfeito como
Edward Ferrars. Apesar
de gostar de Edward
porque no fundo ele
consegui fazer frente a
todos por amor, não
deixa de ser, na minha
opinião um homem um
pouco fraco, apenas
decidido em fazer a
sua mãe feliz e seguir o
plano que ela tem
traçado para ele. Ao
mesmo tempo que se
apresenta "obediente"
à sua mãe e irmã,
comete uma
"ilegalidade" e nas
costas destas fica noivo
de Lucy, mesmo
sabendo que a sua
família está
inteiramente contra
esse cenário. Talvez o
noivado seja uma
forma de escape e
revolta contra as
regras ditadas pela
sua família, no que
diz respeito ao seu
futuro pessoal e
monetário.
Apesar de amar
Elinor, Edward
mantém a sua
promessa de
casamento com Lucy, o que reflecte um
homem íntegro e com valores que pensa nos
outros em detrimento dos
seus sentimentos. No final
talvez se terá apercebido
de que ao "abafar" os seus
sentimentos por Elinor, está
também a ferir os
sentimentos da mulher que
ama. No entanto, mesmo no
momento em que
finalmente fala dos seus
sentimentos a Elinor, eles são
escassos e deixam Elinor um
pouco confusa à espera de
um pedido, que não vem
logo... No fundo apesar de
ser um homem passivo, é um
homem apaixonado,
sensível e com bons
princípios morais e como tal,
merece todo o meu
respeito.
P
[ EDWARD FERRARS |LILIANA ISABEL
Apesar de ser um homem passivo, é um homem apaixonado
uando
pensamos
em John
Willoughby
pensamos
logo no
ditado português
"quando a esmola é
demais o santo
desconfia".
Não passa de um lobo
mascarado de cordeiro
com toda a sua educação,
cordialidade e simpatia. Ele
fez com que não só
Marianne como toda a
família Dashwood se
rendesse ao seu charme.
Promete mundos e fundos a
Marianne (não
"descaradamente" mas
implicitamente) e isso é o
suficiente para apaixonar
Marianne que sonha com o
seu futuro ao lado do
príncipe
encantado. E
depois, desaparece
e não dá
satisfações, como
se nem sequer
tivesse feito parte
da vida de
Marianne e do resto
das Dashwood.
No entanto eu não
acredito que ele não sinta
remorsos do que fez. Ele é
daquelas pessoas que se
deixa envolver pelo que ela
própria faz e diz e depois é
tarde demais. Também
podemos consideram John
Willoughby como um
Playboy da era Regency e
nada mais que isso.
Marianne é bonita,
determinada e inteligente.
Trata-se de uma rapariga
divertida e sem "papas na
língua" com
quem ele
passou bons
momentos de
diversão, e
nada mais...
Infelizmente
Marianne não
teve o
discernimento
suficiente para avaliar
correctamente Willoughby,
mas se pensarmos bem não
é fácil acreditar que um
rapaz com tantas
qualidades que se vão
revelar de tão má
qualidade...
Detesto homens como
Willoughby e penso que a
Jane talvez tenha escrito
esta personagem a pensar
nas muitas donzelas
sonhadoras que sonham
com o príncipe
encantado que
mais tarde se
tornará num lobo
mau. Podemos
mesmo dizer que
com John
Willoughby nem
tudo o que reluz é
ouro...
Q
[ JOHN WILLOUGHBY |LILIANA ISABEL
Nem tudo o que reluz é ouro...
Pág
ina3
2
omo já
devem ter
percebido,
o filme
“Sensibilidade e
Bom Senso” de 1995
é para mim
especial. Foi com
ele que descobri a
maravilhosa obra
de Jane Austen,
mas também é nele
que me baseio para
interpretar as suas
personagens.
Lucy Steel, a protegida por caridade, uma
espécie de Jane Eyre mas em versão
“sabida”, é uma das minhas favoritas.
Embora a sua instrução e cultura deixem
muito a desejar, é astuta,
rápida e manipuladora, uma
autêntica “raposa” que actua
segundo os seus interesses. Mas
não serão assim grande parte
das personagens de Austen?
Às vezes penso que estão
divididas entre dois grupos: as
aproveitadoras, que tudo
fazem pensando em si; as
abnegadas, que olham à
ética e ao coração antes de
tudo e principalmente de si
próprias.
Lucy pertence ao primeiro
grupo. Criada por um tio,
conhece nesse ambiente
Edward Ferras,
que seduz (e
se deixa
seduzir, claro!)
e do qual fica
noiva. Um
compromisso
secreto que
não agrada à
família do
jovem, já que
trataria de
ligar uma
rapariga sem
fortuna a um
homem com
bons
rendimentos anuais e possível herdeiro.
Edward arrepender-se-á amargamente
deste ímpeto de juventude, mas Lucy
rapidamente resolve a situação, transferindo
os afectos para o outro
irmão, Robert Ferras. Mas
isto só depois de Edward ser
deserdado para benefício
de Robert! Mesmo sendo
considerado um acto de
manipulação, acho que
Lucy e o marido devem ter
bastantes coisas em
comum, pois reparem na
cena do baile, em que
ambos “coscuvilham” sobre
a relação de Marianne e
Willougbhy. Serão felizes
para sempre (?).
C
[ LUCY STEELE, A MANIPULADORA |FÁTIMA VELEZ DE CASTRO
É astuta, rápida e manipuladora, uma autêntica “raposa”
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ina3
3
s irmãs Steele são
duas ambiciosas
jovens que querem,
através da falsa
adulação, fazer um
bom casamento.
Lucy é de facto uma mulher
ambiciosa, mas socialmente
discreta. Embora Elinor capte
desde logo a sua ignorância,
falta de cultura, bem como o
seu espírito calculista, admite-
se que a sua presença em
público é relativamente
cuidada.
Já o mesmo não se pode dizer
da irmã Anne, a qual não
consegue esconder a sua
tolice extrema. Julgando-se
uma beleza sem igual, acha
que todos os homens a
desejam, em especial o
"doutor". E faz questão de o
dizer a todos que com ela
privam, causando à irmã
bastantes momentos
constrangedores. Às vezes tem-
se a sensação que se trata de
um caso patológico, de uma
obsessão narcísica e
egocêntrica.
O final da história destas
irmãs não me surpreendeu
de todo. Não pela trama
em si, que está muito bem
construída, mas pelo facto
de Lucy ser capaz de fazer
tudo aquilo a que se
propôs. Vejamos: Edward
"redime-se" ao casar com
Elinor, um partido
infinitamente superior a Miss
Steele ou a qualquer outro
membro da família Ferrars;
Robert cai na rede de Lucy,
que lhe transfere o afecto
paralelamente à
transferência da fortuna. E
no final, Robert é
perdoado, Lucy é admitida
por Mrs.Ferras como sua
nora-amiga-confidente, e o
casal Edward/Elinor é
aceite com alguma
relutância. Como é possível
tamanha injustiça. Penso
que isso se deve a dois
factores. O primeiro é que
Edward nunca foi
compreendido pela sua
mãe, daí que ela, pelo seu
temperamento mesquinho,
lhe tivesse menos afecto,
em comparação com os
outros dois filhos. A birra
pelo noivado de
Edward/Lucy foi uma
justificação oca e
descabida para legar a
herança ao filho favorito. O
segundo é que Mrs.Ferras e
Fanny, sempre se devem
ter sentido inferiores a Elinor
e Marianne, tanto em
termos de beleza, como de
inteligência, cultura e até
de sentimentos.
E acho que nem mesmo
com a adulação de Lucy
se passaram a sentir melhor.
É que no fundo sabem que,
mesmo possuindo muito
dinheiro, não podem
comprar tudo. Aliás, não
podem comprar o que de
melhor a vida tem para
dar.
A
[ AS IRMÃS STEELE |FÁTIMA VELEZ DE CASTRO
Lucy é de facto uma mulher ambiciosa, mas socialmente discreta
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4
sta personagem, não
sei bem porquê,
nunca me chamou a
atenção... Apesar do
papel dela ser
"importante" na medida
em que é ela que leva
as irmãs para a cidade
e tudo se resolve para
Marianne e apesar de
trazer humor a este livro
com o seu genro, nunca
me marcou.
Mrs Jennings "... era uma viúva com um
grande rendimento. Só tivera duas filhas,
vivera o suficiente para as ver bem
casadas, portanto
nada mais tinha a
fazer senão casar o
resto do mundo...".
Este desejo de casar
levava a que, por
vezes, se torne
inconveniente e
"coscuvilheira", não
com maldade mas
muitas vezes
desagradável.
Torna-se
inconveniente quando
quer saber quem
ocupa o coração de
Elinor e quando
descobre o
sentimento do
Coronel Brandon por
Marianne. Contudo,
compadece-se
verdadeiramente
com Mariannne e
com a história do "seu
desamor".
Mrs Jennings
"espelha" um pouco
o que acho da
maioria dos personagens em
Sensibilidade e Bom Senso... personagens
com bons e maus caracteres mas
nenhum com
"força". Mesmo
Elinor apesar
de
"personagem
central" e de
convicções
fortes "cala-se"
perante as
coisas com
que não
concorda e
quando reage,
a sua reacção
assemelha-se a
um conselho...
E
Este desejo de casar levava a que, por vezes, se torne inconveniente e
"coscuvilheira
[ MRS. JENNINGS |MARINA NUNES
ohn Dashwood é
um personagem
que não me
"cativou a
atenção" em
nenhuma das vezes
que li o livro... Apesar
do seu impacto e
"relativa" importância
na história, porque é
irmão das nossas
"heroínas" e porque é
por ele e por sua
esposa que elas
mudam de
residência e que,
principalmente para
Marianne, a verdadeira história começa.
Jonh Dashwood é filho do primeiro
casamento de Mr. Dashwood e portanto o
herdeiro de tudo. "Mr. John Dashwood não
tinha grande afeição pelo resto da família,
mas impressionado por recomendação de
tal natureza (pedido de seu pai antes de
morrer) e em tais circunstâncias, prometeu
fazer tudo o que estivesse ao seu alcance
para que elas tivessem uma existência
desafogada." (...) "Não era um jovem mal
intencionado, excepto se ser frio e bastante
egoísta é ser mal-intencionado; mas era em
geral respeitado, porque se conduzia com
correcção na execução dos seus deveres
normais." O pedido de seu pai no leito de
morte de que "amparasse" as suas irmãs e a
sua madrasta teve
para ele,
inicialmente, um
grande peso. Mas
John Dashwood não
primava pelo seu
carácter forte e era
influenciável por
quem soubesse
alimentar o seu
egoísmo e a sua
esposa sabia fazê-lo.
" Se tivesse casado
com uma mulher
mais bondosa, (...)
poder-se-ia ele
próprio ter tornado
mais bondoso, (...) mas Mrs. John Dashwwod
era uma rigorosa caricatura dele (...) mais
interesseira e egoísta." portanto, no final,
acabou por afastar as suas irmãs e madrasta
e sem as "amparar" na medida que seu pai
teria preferido. Acho J. Dashwood "fraco" e
muito egoísta. Completamente manobrado
pela sua "hábil" esposa não soube honrar a
memória de seu pai em relação às suas
irmãs. É dos personagens que, numa
qualquer história, "apimentam" o enredo,
não por serem eles próprios mas sim porque
são completamente influenciáveis...
J
[ MRS. JENNINGS |MARINA NUNES [ JOHN DASHWOOD |MARINA NUNES
Completamente manobrado pela sua "hábil" esposa
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6
esde o inicio que
sabemos o que
esperar de Mrs.
Ferrars, sabemos
que tem ambições
para o filho, Edward
- ele há-de de ser um
homem proeminente na
sociedade e claro, terá que
casar bem, ou seja, com
alguma mulher de fortuna e
posição social, infelizmente
para ela Edward pensa
simplesmente em ter uma
vida simples.
Uma mulher extremamente
vaidosa, obstinada,
orgulhosa e sem coração
que não hesita em
deserdar o Edward porque
ele estava noivo de Lucy e
passar todos os bens para
Robert.
Lucy Steele diz a Elinor que
Robert é um rapaz fútil,
característica que Elinor
mais tarde comprova fazer
parte do seu carácter, mas
se Robert fosse apenas fútil
não seria assim tão mau,
afinal este traço está bem
presente em muitas
personagens e isso não faz
delas más pessoas, mas ele
é tão vaidoso como a sua
mãe e pensa muito bem de
si e troça abertamente do
irmão. O seu casamento
com Lucy é uma grande
surpresa ainda mais
quando ele tinha tão
abertamente troçado dela.
A única explicação para
um facto tão inesperado é
aquilo que o Edward diz a
Elinor: ....a vaidade de um
fora tão exultada pela
lisonja do outro que isso
gradualmente levou ao
resto.
Pessoalmente acredito que
Robert ao casar com Lucy
quis dar uma lição à
mãe, quando herda o
dinheiro sabe que terá de
ser submeter aos caprichos
da mãe e isso incluía uma
noiva que ela aprovasse,
entrar na vida pública e
possivelmente fazer eco
das opiniões da mãe. Um
vaidoso não suporta outro
que quer mostrar-se melhor
que ele. Então ele casa
com aquela que é a menos
adequada!
No fundo, tanto Mrs. Ferrars
como Robert são
parecidos, ambos partilham
as mesmas características.
D
[ MRS. FERRARS E O SEU FILHO ROBERT |VERA SANTOS
Vaidosa, obstinada, orgulhosa e sem coração
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7
odem achar algo bizarro, mas eu adoro este casal! Charlotte, filha de
Mrs.Jennings e irmã mais nova de Lady
Middleton é a personificação da tolice,
do exagero, da excentricidade.
Recordo-a no
filme de 1995,
em que o seu
temperamento
extremo
rapidamente
passa do
entusiasmo (por
exemplo,
quando se
combina a
estadia do
grupo em
Londres) ao
desespero (na
cena em que
Marianne
desenvolve
uma febre
contagiosa).
Tanto ela como
a irmã, que
ostenta
inclusive o título
de “lady”, são
duas
personagens
em que Jane
critica de forma
incisiva a ordem
social vigente. É
que apesar da fortuna e do título, de
cumprirem esses predicados materiais e
imateriais exigidas pela boa sociedade, no
fundo são duas mulheres sem maneiras e
com ausência total de juízo!
E Thomas Palmer, medíocre aspirante a
político, parece detestar a mulher, pois
passa o
tempo a
criticá-la
através do
sarcasmo. E
ela acha
graça, tendo
o marido
por uma
pessoa com
espírito de
humor!
Perguntamos:
como poderá
contribuir este
homem para
a sociedade?
Que tipo de
capacidades
políticas terá
para tomar
boas
decisões?
Mas eu
apesar de
tudo adoro
este casal, se
calhar muito
influenciada
pela versão
cinematográfica de 1995, e até acho que
eles, lá no fundo, se amam. Pois não são
feitos da mesma massa – a tolice?
P
[ CHARLOTTE E THOMAS PALMER
O ADORÁVEL CASAL |FÁTIMA VELEZ DE CASTRO
Até acho que eles, lá no fundo, se amam
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8
ir John Middleton e Lady Middleton são
duas personagens secundárias no enredo
de "Sensibilidade de Bom Senso".
Sir John é
apresentado como
sendo um homem
bem-parecido, com
cerca de quarenta
anos. (...) O seu ar
era bem-humorado e
os seus modos tão
amigáveis como
demonstrara o
conteúdo da sua carta. Preocupava-se
sinceramente com Mrs Dashwood e as suas
filhas.
Sir John terá grande importância no destino
das meninas Dashwood. É ele que lhes
oferece guarida, protecção e convívio
social. Será ele que levará ao conhecimento
de Marianne o coronel Brandon e, para o
mal, será ele que de certa forma dita o
malogrado interesse daquela por Willoughby
através da forma pouco cuidada com que
fala dele. A sua falta de perspicácia na
avaliação das pessoas leva-o a fazer uma
avaliação positiva de Willoughby, o que, até
certo ponto, influencia a opinião de
Marianne das outras meninas Dashwood
bem como de Mrs Dashwood sobre o
cavalheiro. Apresenta-o como sendo o
rapaz mais sério do condado e refere-se
apenas aos seus dotes enquanto atirador.
Na minha opinião, esta avaliação vai
condicionar favoravelmente a opinião das
Dashwood e consequentemente as acções
de abertura ao
convívio entre
elas e Willoughby.
Talvez se Sir John
Middleton tivesse
sido mais
cauteloso na
manifestação da
sua opinião sobre
um cavalheiro
que afinal não
conhecia bem, a
história assumisse
outro rumo e Marianne fosse poupada a tão
grande desgosto.
Já Mrs Middleton é descrita como tendo
cerca de vinte e sete anos e como sendo
bonita e de figura alta e interessante. Os seus
modos são vistos como graciosos.
Comportava-se com toda a elegância que
faltava ao seu marido. Mas ainda poderia
melhorar com um pouco da franqueza e do
calor do seu marido. Era reservada e fria.
A antipatia que cria Mrs Middleton é
abafada pela personalidade calorosa de Sir
John Middleton. Eu atrevo-me a dizer que
até o facto de ter sido menos cuidadoso
com a apresentação de Willougbhy não
poderá ser levado muito em conta,
considerando a sua personalidade afável e
sincera e sua preocupação genuína com
Mrs Dashwood.
S
[ SIR JOHN E LADY MIDDLETON|PAULA FREIRE
É ele que lhes oferece guarida, protecção e convívio social
Pág
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9
ma das coisas que me chocou
aquando da primeira leitura de
Sensibilidade e Bom Senso foi o facto
das Dashwood ficarem praticamente
sem um tostão. Jane Austen ajuda-nos
a perceber alguma coisa, no entanto,
não explica nos explica a razão de ser deste
Direito de Propriedade na Inglaterra do
século XIX. Pois bem, decidi puxar dos meus
louros, sim, porque isto de andar há dois anos
a ler calhamaços de Direito traz as suas
vantagens, arregacei as mangas e tentei ir
perceber qual a razão para que as filhas de
Mr. Dashwood ficassem sem herança.
Jane Austen é clara, Mr. Dashwood foi, ele
próprio, um herdeiro. Norland foi-lhe deixada
em certos termos:
“The old Gentleman died; his will was
read, and like almost every other will,
gave as much disappointment as
U
[ A HERANÇA EM S&S |CLARA FERREIRA
Tentei ir perceber qual a razão para que as filhas de Mr. Dashwood
ficassem sem herança.
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0
pleasure. He was neither so unjust, nor
so ungrateful, as to leave his estate
from his nephew; but he left it to him
on such terms as destroyed half the
value of the bequest. Mr. Dashwood
had wished for it more for the sake of
his wife and daughters than for himself
or his son; but to his son, and his son’s
son, a child of four years old, it was
secured, in such a way, as to leave to
himself no power of providing for those
who were most dear to him, and who
most needed a provision, by any
charge on the estate, or by any sale of
its valuable woods. The whole was tied
up for the benefit of this child…”
No século XIX, o direito de propriedade
inglês privilegiava o 1º filho na herança,
sendo-lhe atribuída toda a propriedade -
sistema do primogénito. Isto tinha uma
lógica: evitar a divisão das propriedades,
tornando-as mais fortes. Aos outros filhos,
estavam destinadas profissões na Igreja,
Marinha, Armada, Direito... Jane Austen
mostra-nos isso claramente em Mansfield
Park, podiam também herdar dinheiro.
Quanto às filhas, estavam à total mercê do
herdeiro, a quem cabia a decisão de ajudar
ou não as irmãs - segundo percebi, não
havia lei que as defendesse.
Todavia, no tempo de Jane Austen uma
mulher podia herdar (desde que não
houvesse herdeiros masculinos directos ou
indirectos), no entanto não tinha poderes
para dispor livremente da sua propriedade
nem capacidade para fazer contratos - isto
apenas se aplicava a mulheres casadas.
Mulheres solteiras, ao atingirem a
maioridade, aparentemente teriam os
mesmos direitos que os homens no que toca
a gerir propriedades - no entanto, pelo que
percebi, não havia nada na lei que
contemplasse esta posição, era uma
analogia que se fazia.
Este sistema foi abolido em 1925.
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1
O texto em comemoração ao bicentenário do romance, é uma referência clara ao tipo
de sentimento que Edward e Elinor expressam na narrativa e foi escrito com o intuito de
fazer uma síntese poética de sua atuação, bem como, de seus conflitos, resgatando o
que há de mais expressivo na essência dessas personagens.
[ MINI CONTO TEMÁTICO
INSPIRADO EM S&S|KARLA ALESSANDRA NOBRE LUCAS
Edward... Elinor. Caminhos que um dia se cruzaram. Não mais... Cruzam-se!
Para além do por enquanto, guardados no eterno estão: Ele... Ela.
Desconcertado encontro. Rostos confiantes traídos por corações que
palpitam. Desastradas palavras, indecisão nos gestos: fios da constância
que tece a cada amanhecer uma nova saudade. Eis, o encanto de se
merecer cada dia: acendem-se luzes... Bailam ideias... Lembranças... E
tudo o mais, torna-se sereno, flutua... Prolonga-se no “se” e no “será?”. E o
que mais? Ele... Ela. O medo de errar na delícia dos equívocos. Não eram
tudo. Duravam. Não eram sempre. Sentiam. Eram também o não ter que,
secretamente, decifra o encanto da viagem em busca da substância que
em ecos de confiança imbuída de desejo se oculta. Desafio e mistério. E...
Finalmente, o encontro! E o todo é mais e melhor do que fora um dia. É raíz!
Eu profundo a não mais ver das margens... Ele... Ela. Dois... Um! Almas que
se entendem e na ausência de palavras advinham o silencio que traduz o
mundo.
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2
Metade de mim é angústia, outra metade é
esperança. Esta é a minha dualidade.
Caminho neste corredor de infinitas portas e
um sem fim de possibilidades. A incerteza é o
combustível que retrai o meu interior e, em
simultâneo, empurra-me para continuar a
persistir. Eu queria que entendesses isto, que
há decisões que têm de ser tomadas. Há
que ter coragem de lutar. Espero que
compreendas o que me move e o que me
faz dizer-te estas coisas. É este sentimento
que carrego nas mãos.
Enquanto ela escreve tudo isto pensa que os
seus sentimentos e os seus pensamentos são
intraduzíveis. Por muito que tente, convence-
se que este conjunto de palavras não são
serão inteligíveis. “Será que tu entenderás?”,
questiona-se. A folha de papel não lhe
responde e os seus olhos ficam suspensos no
ar, perdidos. Ela olha para as suas mãos
calejadas, as mesmas que escreveram
aquela carta, as mesmas que trabalham
arduamente todos os dias. Ela olha para as
suas mãos e pensa que há certas angústias
que são profundas demais para serem
vividas. Caminha em direcção a janela, em
direcção a si mesma reflectida no vidro e vê
que a esperança impede a corrosão da
dúvida mas impele-a ao desassossego.
A convicção de estar a ser prudente e
abnegada acima de tudo para bem dele, foi
o seu principal consolo no tormento de uma
separação. E, é preciso dizer, as separações
são abismos. Não é fácil abraçar a distância.
Não é fácil persistir num céu sem limites.
Caminhar junto, mas separado. Fixar
diferentes horizontes e fazer de conta de que
se trata de um mesmo horizonte. Não, não é
fácil.
Encosta a mão de encontro ao vidro da
janela, como quem se apoia. Fica assim
imóvel durante alguns minutos. A pensar. A
pensar no adeus. Nas chegadas e nas
partidas. No dilatar do coração impregnado
de saudade. Inspira e expira
demoradamente a frase: “tu és a minha
imensidão”.
Pára, olha e vê. As mãos não acreditam.
Abrem a janela. Abrem a janela para ver. As
mãos abrem a janela para ver e o dilatar do
coração inspira e expira “tu és a minha
imensidão”.
Há a angústia, a esperança, a convicção, o
tormento, a separação, a distância, a
saudade. E há a imensidão. Janela aberta.
Coração dilatado. E há, sobretudo, as mãos
que não acreditam e os olhos que param,
olham e vêm.
CONTINUA …
[ LOST IN JANE AUSTEN PORTUGAL – 1ª PARTE
SHORTSTORY DO BLOGUE|CÁTIA PEREIRA
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3
A espera é terrível. Uma antecipação
constante daquilo que se crê ser uma
chegada. Augusta Ferreira estava
sentada numa velha poltrona, tão velha
quanto ela. Sentada apenas, já sem
capacidade sequer para recordar, para
viver na mente a juventude extinta por
um corpo gasto. Junto a ela, numa
antiga cadeira de baloiço, que rangia
melancolicamente quando ia e vinha,
estava Júlia, uma sobrinha neta da qual
dependia inteiramente. Júlia, "era bonita,
inteligente" e herdeira de uma valiosa
fortuna. "Além disso, tinha vivido quase"
vinte e nove anos "neste mundo, com
muito pouco que a afligisse e enfadasse".
Era diligente, cuidadosa e carinhosa.
Conversava horas a fio com a tia
Augusta colocando na voz um tom
alegre e optimista, desejando poder
ressuscitar daquele corpo qualquer sinal
ou nuance de vida. Era com tristeza e
com muito pesar que assistia àquela
espera mórbida da tia, a espera de ver
chegar a morte.
Tinha na mão um livro que lia com
prazer. Desde que para ali fora morar, há
já três anos, para cuidar da tia enferma,
percorrera a vastíssima biblioteca do
segundo andar que pertencera ao tio-
avô do qual ela pouco ou nada
lembrava. Estudara até tarde, agora
escrevia livros, dois deles romances e três
ensaios sobre o "tio Eça". Naquela
biblioteca encontrara base, inspiração e
vontade para se dedicar à tese de
Doutoramento em Estudos Queirosianos.
E esta era a vida de Júlia, que para ali se
mudara para dedicar o seu tempo à tia
que a criara a si e à irmã Cecília.
Enquanto subia as escadas da velha
casa da tia Augusta, com uma pilha de
livros ao colo, recordava as férias de
[ LOST IN JANE AUSTEN PORTUGAL – 2ª PARTE
SHORTSTORY DO BLOGUE|CLARA FERREIRA
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4
Natal que ali passara e de como ela e
Cecília corriam escadas acima escadas
abaixo, importunando tudo e todos mas
espalhando por toda a casa, já na altura
antiga, uma estrondosa alegria. A tia
Augusta decidira, há mais de dez anos,
mudar-se definitivamente para ali,
abandonado a casa onde ela e Cecília
tinham crescido, que estava agora
fechada a sete chaves à espera de ser
vendida. Ela preferia infinitamente a
casa de Poiares, onde passara a
infância, não só pelas imensas
recordações, mas também porque
agora dava valor ao facto de ser uma
casa de apenas dois andares e poucas
escadas para subir. Ali, tinha cinco
lances de escadas pela frente até
chegar ao quarto que ocupava no
sótão.
Imersa nestes pensamentos dispersos,
Júlia deparou-se com a porta do
segundo andar entreaberta. Lá de
dentro ouvia um rogaçar de caneta em
papel. Subiu até ao quarto para se
dedicar à tese, mas lembrou-se dos
óculos que deixara lá em baixo e foi com
um certo mau-humor que desceu para
os ir buscar. A curiosidade, contudo,
obrigou-a a parar no segundo andar, a
caneta já não escrevia. Espreitou e viu
Cecília encostada à janela. Que
estranha melancolia era aquela... Cecília
andava assim há uns tempos - ela via-o,
mas a intimidade entre ambas dissipara-
se e já não igualava aquela dos tempos
de infância. Júlia não sabia o que dizer,
não sabia o que fazer.
Mas o sofrimento em que estava
mergulhado o coração de Cecília
transparecia claramente por aquela
imagem reflectida no vidro da janela. E
embora Júlia tivesse, há muito, perdido a
confiança da irmã, não podia deixar de
ficar indiferente àquele estado de
espírito tão sufocante. O mesmo
sentimento de ânimo de que se servia
para falar com a tia, foi o mesmo que
sentiu e que, num impulso, a obrigou a
colocar a mão na maçaneta e a
empurrar a porta, para falar com Cecília,
para lhe mostrar que estava ali e seria a
sua eterna confidente. Mas depressa se
perdeu, e num milésimo de segundo, a
mão, que tão prontamente fora
colocada na maçaneta, estava agora
pousada no corrimão da escada e as
pernas desse corpo, desciam
lentamente, degrau a degrau, com
passos perdidos e nos olhos desse corpo,
duas lágrimas percorriam as faces
rosadas. Júlia perdera muito com o seu
egoísmo. Sim, ela sabia-o. E só ela
conhecia o seu arrependimento.
CONTINUA …
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oda a obra de Jane Austen está
cravada de realismo, não só social e
económico como também
geográfico. Jane não extravasa os
locais geográficos que conhecia.
Se nos recordamos da sua
biografia e da sua obra verificamos
que, geograficamente, estas se
situam, praticamente, na zona sul de
Inglaterra. Tal aspecto torna, para mim,
ainda mais fascinante a sua personalidade e
a sua obra. Quantos escritores viajaram pelo
seu país e pelo estrangeiro para poderem
escrever um poema ou um romance? Jane
não necessitou disso. Partindo da realidade
que conhecia, criou um novo mapa para as
suas obras em que locais reais se confundem
com locais imaganidos; em que distâncias
reais assumem novos caminhos e novas
latitudes ao sabor da sua pena.
Num post anterior referi os lugares reais que
constam da obra de Jane, tendo-os dividido
em locais que Jane apreciava e os que ela
não gostava de todo ou menos apreciava.
Este post é, ao contrário, apenas dedicado
aos lugares
imaginados, circunscritos
a "Sensibilidade e Bom Senso",
que inspirados na realidade acabaram por
ser fruto da imaginação de Jane.
Aqui encontramos um mapa com os locais
reais e fictícios devidamente assinalados.
Em "Sensibilidade e Bom Senso" encontramos
locais reais como o condado de Sussex,
onde se situa "Norland Park", a residência dos
Dashwood, que mais não era do que um
lugar retirado da imaginação de Jane. Havia
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muito que a família Dashwood se instalara no
Sussex. A sua propriedade era grande e
mesmo no centro situava-se Norland Park, a
sua residência, onde há muitas gerações
viviam tão respeitavelmente que
conseguiram conquistar a consideração de
quem nas redondezas os conhecia.
No entanto, como sabemos, a acção irá
decorrer principalmente no condado de
Devonshire, também no sul de Inglaterra,
mais concretamente no Barton Park e em
Barton Cottage, para onde se mudam as
meninas Dashwood depois da morte de seu
pai. Se é com tristeza que deixam o Sussex, é
com alegria que irão receber nos seus
corações Devonshire. Este era inicialmente
imaginado como um sítio impossível de
gostar, mas ao entrarem no condado
verificam que este tem mais beleza do que a
princípio imaginavam. Jane descreve a
chegada das meninas Dashwood a
Barton Valley com bastante leveza. Este
lugar, parece-me, é retirado apenas da sua
imaginação em harmonia e perfeito
enquadramento no realismo paisagístico
daquele condado.
A primeira parte da viagem foi realizada
com um estado de espírito tão melancólico
que não podia deixar de ser
aborrecido e desagradável. Mas à
medida que se aproximavam do fim, o
seu interesse pelo aspecto de um
condado onde deveriam passar a
habitar venceu a sua tristeza e vista de
Barton Valley, quando aí entraram,
trouxe-lhes alegria. Era um lugar
agradável e fértil, muito arborizado e
rico em pastagens.
Barton Cottage, a casa para onde se
mudam, é descrita da seguinte forma:
(...) apesar de pequena, era confortável e
sólida; mas como pequena casa de campo
tinha defeitos, pois a construção era
simétrica, o telhado era de telhas, as
portadas das janelas não estavem pintadas
de verde, nem as paredes estavam cobertas
de madressilva. Uma passagem estreita
levava directamente, através da casa, até
ao jadim de trás. De ambos os lados da
entrada havia uma sala de estar, com cerca
de dois metros quadrados; atrás era a zona
de serviço e as escadas. Quatro quartos e
dois quartos de arrumos compunham o resto
da casa. Não fora construída há muito e
estava bem conservada. Em comparação
com Norland, era, sem dúvida, pobre e
pequena!...
Já a zona circundante da casa é assim
apresentada: Logo atrás dela elevavam-se
altos montes e de ambos os lados havia
outros, não muito distantes. Uns eram
despidos, outros cultivados e arborizados. A
aldeia de Barton localizava-se num desses
montes e proporcionava uma bonita vista
das janelas da casa. Da parte da frente o
panorama era mais amplo, dominava o vale
e atingia o distrito seguinte. Os montes que
circundavam a casa delimitavam naquela
direcção o vale. Sob outro nome e nouro
sentido, ramificava-se de novo entre duas
mais abruptas elevações.
Depois destas descrições, fica o desejo de ir
calcorrear as pegadas de Jane Austen por
entre montes e vales, cidades e casas de
campo, e olhar as paisagens que outrora
inspiraram Jane Austen. Quem sabe, um dia?
SABIAS QUE…
Acontece muitas vezes os actores apaixonarem-se durante as
filmagens. Isso também aconteceu nas filmagens de Sensibilidade
e Bom Senso 1995, Emma Thompson e Greg Wise caíram de
amores um pelo outro.
O engraçado da estória deles é que antes de começarem a
filmar, Greg Wise consultou uma cartomante que lhe disse que ele
se ia apaixonar durante as filmagens do filme. Wise ficou
convencido que seria Kate e por isso tratou de cortejá-la (quiçá
ao melhor estilo do Willoughby), eles chegaram inclusive a ir juntos
a uma cidade perto do local onde decorriam as filmagens, mas
ela não gostou e como já sabemos as coisas encaminharam-se
noutra direcção.
Acho a estória engraçada e até me lembra a da Marianne que se
apaixona pelo Willoughby mas acaba com o Brandon.
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Quem desejar ver o seu texto publicado na
Revista Jane Austen Portugal, basta enviar um
email para [email protected] com o
artigo até dia 29 de Junho de 2011 – mais
informações em www.wix.com/janeaustenpt/janeaustenportugal
O tema da próxima edição:
Abadia de Northanger
Conteúdo original © Jane Austen Portugal
Colaboradores nesta Edição:
Catarina R.P.
Cátia Pereira
Clara Ferreira
Fátima Velez de Castro
Karla Alessandra Nobre Lucas
Leonor
Laura Silva
Liliana Isabel
Marina Nunes
Paula Freire
Vera Santos
Conteúdo Original © Jane Austen Portugal