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Centro de Filosofia e Ciências Humanas Escola de Serviço Social Programa de Pós-Graduação JANAÍNA DOS SANTOS RODRIGUES SERVIÇO SOCIAL E DEPENDÊNCIA QUÍMICA: Uma Relação em Construção RIO DE JANEIRO 2006

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Centro de Filosofia e Ciências Humanas Escola de Serviço Social Programa de Pós-Graduação

JANAÍNA DOS SANTOS RODRIGUES

SERVIÇO SOCIAL E DEPENDÊNCIA QUÍMICA: Uma Relação em Construção

RIO DE JANEIRO 2006

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JANAÍNA DOS SANTOS RODRIGUES

SERVIÇO SOCIAL E DEPENDÊNCIA QUÍMICA: Uma Relação em Construção

Dissertação de Mestrado

apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Serviço Social, da

Universidade Federal do Rio de

Janeiro, como requisito parcial para

a obtenção do título de Mestre em

Serviço Social, sob a orientação da

Profª Drª Janete Luzia Leite.

RIO DE JANEIRO 2006

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JANAÍNA DOS SANTOS RODRIGUES

SERVIÇO SOCIAL E DEPENDÊNCIA QUÍMICA: Uma Relação em Construção

Dissertação de Mestrado

apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Serviço Social, da

Universidade Federal do Rio de

Janeiro, como requisito parcial para

a obtenção do título de Mestre em

Serviço Social, sob a orientação da

Profª Drª Janete Luzia Leite.

Aprovada em de deAprovada em de deAprovada em de deAprovada em de de

Profª Drª Janete Luzia Leite. ESS/UFRJ.

Orientadora

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Profª Drª Cleusa dos Santos. ESS/UFRJ.

Profª Drª Marilurde Donato. EEAN/UFRJ.

Dedicatória

Dedico este trabalho ao Criador,

que me ampara e me sustenta,

em todos os dias da minha vida.

Sem Ele,

não conseguiria chegar até aqui.

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Agradecimentos

Agradeço primeiramente ao Criador que me concede

todos os dias o Dom da Vida;

À minha orientadora, Profª Drª Janete Luzia Leite,

por ter acreditado e confiado em mim e também pelo

apoio dado no dia a dia;

À minha mãe e meu pai por terem entendido minha

ausência e sempre terem me incentivado;

Ao meu irmão Felippe pelas “contribuições” dadas no

processo de construção desta dissertação.

Ao meu namorado Bruno que soube entender todas as

ausências, mudanças de humor e chateações que

passei neste período e que a cada tropeço, me deu

forças para continuar essa caminhada.

Agradeço aos colegas assistentes sociais que tiveram

a paciência e o carinho de nos receber e dar sua

enorme contribuição para que esta dissertação se

transformasse em realidade.

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RESUMO O presente trabalho analisa a prática do assistente social, em instituições públicas, que atendem dependentes químicos, no município do Rio de Janeiro. Entendemos que estudar a prática profissional é importante, no sentido de contribuir para o amadurecimento e a construção permanente do Serviço Social, no Brasil, e a importância do estudo realizado, no âmbito da dependência química, se deve ao fato de ser esta um tema transversal e, também, por ser considerado um problema mundial. Dados do Ministério da Saúde, do ano de 2003, informam que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 10% da população mundial é consumidor abusivo de substâncias psicoativas. Fundamentamos nossa investigação nas discussões acadêmicas a respeito da prática profissional; na legislação e nas políticas públicas brasileiras voltadas para a problemática do álcool e outras drogas; e em entrevistas, com nove assistentes sociais, lotados em instituições que atendem essa demanda. O estudo evidenciou que o assistente social atua diretamente com os dependentes químicos e/ou suas famílias, porém de forma fragmentada e não refletida; que desenvolvem atividades determinadas pela instituição e não as que, como profissional, considera necessárias para melhoria da qualidade de vida do dependente e sua família. PALAVRAS-CHAVE: Serviço Social; prática profissional; dependência química.

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ABSTRACT

This study analyses the practice of social workers in public institutions devoted to chemical dependency, in the municipe of Rio de Janeiro. The importance of studying professional practice lays upon its potential contribution to the processes of maturing, and permanent construction of Social Work as a professional field in Brazil. The fact that chemical dependency is both a transversal theme and a worldwide problem vouchers for its relevance. Data from the Brazilian Ministry of Health report that according to the World Health Organization (WHO) 10% of the world population consume psychoactive substances at abusive levels. This study was based upon the results of academic debate about professional practice, upon Brazilian legislation and public policies regarding problems related to abuse of alcohol and other drugs, and also upon information gathered from a number of interviews conducted with nine social workers employed by the specialized institutions mentioned. Evidence was found that social workers operate directly with chemical-dependent individuals and/or their families, nonetheless in a fragmented, non-reflected way; that their activities are determined by the institution, instead of being decided by themselves as specialized professionals devoted to the betterment of the quality of life of patients and their families. Key-words: Social Work, professional practice, chemical dependence.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURAS

Figura 1. Mudanças no consumo de cocaína – 2004 54

Figura 2. Mudanças no consumo de anfetaminas – 2004 55

Figura 3. Mudanças no consumo de ecstasy - 2004 56

GRÁFICOS

Gráfico 1. Estimativas do UNODC sobre o uso de drogas (1990 até 2004/2005)

53

Gráfico 2. Idades dos assistentes sociais 127

Gráfico 3. Instituições formadoras: dependência administrativa 127

Gráfico 4. Experiência (tempo de atuação) na área de dependência química

128

TABELAS

TABELA 1. Consumo de substâncias psicoativas: fatores de risco e fatores de proteção

58

TABELA 2. Consumo de substâncias ilícitas no Brasil – 2003/2004 62

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TABELA 3. Cursos realizados pelos assistentes sociais 129

QUADROS

Quadro 1. Leituras realizadas pelos assistentes sociais 132

Quadro 2. Trabalhos realizados pelos assistentes sociais, por instituição pesquisada.

147

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida CAPS–ad - Centro de Apoio Psicossocial – álcool e drogas CEAD – Conselho Estadual Antidrogas CEBRID - Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicoativas CENTRA-RIO - Centro Estadual de Tratamento e Reabilitação de Adictos COFEN – Conselho Federal de Entorpecentes COMAD – Conselho Municipal Antidrogas COMEN - Conselho Municipal de Entorpecentes CONAD - Conselho Nacional Antidrogas CONEN - Conselho Estadual de Entorpecentes CPRJ - Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro CTB - Código de Trânsito Brasileiro DPF – Departamento de Polícia Federal EUA – Estados Unidos da América ESS – Escola de Serviço Social FIA – Fundação para Infância e Adolescência IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo MS - Ministério da Saúde OMS – Organização Mundial de Saúde ONG – Organização Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas PNAD – Política Nacional Antidrogas PUC – Pontifícia Universidade Católica SENAD – Secretaria Nacional Antidrogas SISNAD – Sistema Nacional Antidrogas SUS – Sistema Único de Saúde UDI – Usuário de Drogas Injetáveis

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UFF – Universidade Federal Fluminense UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

SUMÁRIO INTRODUÇÃO 11 CAPÍTULO 1 A PRÁTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL 20 1.1. Breve Histórico 22 1.2. Os Anos 80 36 1.3. Os Anos 90 41

CAPÍTULO 2 DROGAS 55 2.1.Drogas: breve histórico sociocultural 56 2.2. Panorama internacional das drogas 61 2.3. Panorama nacional das drogas 67 2.3.1. As drogas e a legislação brasileira 84 2.3.2. A política brasileira para o álcool e outras drogas 94 2.3.2.1. Política Nacional Antidrogas 95 2.3.2.2. Política para Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas 101 2.4. Drogas – Discussões Presentes na Sociedade 107

CAPÍTULO 3 O SERVIÇO SOCIAL E A DEPENDÊNCIA QUÍMICA 123 3.1. Clínica 125 3.2.Ambulatórios 133 3.3.Os Assistentes Sociais 139 3.4. O trabalho do assistente social 161 3.5. A prática profissional 164 CONSIDERAÇÕES FINAIS 177

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REFERÊNCIAS 186

INTRODUÇÃO

Esta dissertação é requisito básico do Programa de Pós-Graduação da

Escola de Serviço Social (PPG/ESS) para a obtenção do título de mestre. Versará a

respeito da prática do assistente social em instituições que atuam na área da

dependência química.

A motivação para essa investigação deve-se ao fato de percebermos ser

esta temática ainda pouco debatida no meio acadêmico. Chegamos a esta conclusão

através da busca por bibliografia sobre o tema, uma vez que poucas foram as

publicações na área do Serviço Social relacionada à temática da dependência

química, e isso fez com que despertasse nossa curiosidade e vontade de estudarmos

quem são esses profissionais, o que eles fazem, qual o trabalho desenvolvido e de

que forma estão inseridos na instituição.

Para além desta primeira impressão no meio acadêmico, o que também

contribuiu para desencadear nossa vontade de realizar esta investigação foi termos

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nos deparado com alguns casos de dependência química na instituição em que

trabalhamos. Consequentemente começou a surgir uma intensa necessidade de

entendermos qual é a prática que o assistente social desenvolve em instituições

voltadas para esse público alvo. Disto surgiram muitas indagações: qual a

contribuição que o assistente social pode dar ao dependente químico e sua família

durante o tratamento? Qual é a prática profissional desenvolvida? Como se traduz

em ações, as reflexões que o profissional realiza acerca da sua prática? Como é

feito o registro do Serviço Social? Estas e outras indagações pairavam à nossa

mente.

Paralelo a estas inquietações, ao longo da nossa experiência profissional,

percebemos que o trabalho com dependência química está presente em todas as

áreas de atuação do Serviço Social devido ser ela uma das diversas expressões da

”questão social”1, por isso, uma demanda posta para o assistente social. Mesmo

assim, ainda não é uma área discutida e publicizada no Serviço Social, não tendo,

portanto, destaque na profissão.

Uma vez que a dependência do álcool e outras drogas pode acontecer com

qualquer tipo de pessoa, independente de sexo, idade, estado civil, raça, classe

social, entre outros, é que se torna uma demanda presente nas escolas, nos locais

1 Por questão social, entendemos .como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2000, p. 27).

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de trabalho, na área da saúde, nos programas de assistência social, na saúde

mental, nos programas de assistência social, no judiciário, entre outros. Para, além

disto, existem os assistentes sociais que trabalham de forma direta com esta

demanda em ambulatórios e clínicas de internação, quando o indivíduo já se

encontra dependente do álcool ou de alguma outra droga.

Por existir uma reduzida produção dentro do Serviço Social a respeito

desta área específica, essa característica faz com que este estudo assuma um

caráter predominantemente exploratório, tornando-se importante tentar entender

o universo institucional no qual os assistentes sociais estão inseridos e qual é sua

prática profissional neste cotidiano.

Apesar de termos pouca inserção na área de álcool e drogas, este universo

aguça nossa vontade de entendê-lo e poder contribuir para o desenvolvimento da

profissão e da prática profissional do assistente social nesta área.

Desta forma, o nosso estudo tem como objeto a prática do assistente social

na área da dependência química, utilizando como estudo de caso a prática

profissional nas instituições estaduais que atendem dependentes químicos no

Estado do Rio de Janeiro.

A fim de viabilizar o estudo ora proposto, inicialmente realizamos uma

pesquisa bibliográfica, com objetivo de fornecer subsídios teóricos para a análise

tanto da prática profissional quanto da questão das drogas, mediante consulta a

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materiais impressos - livros, periódicos, teses, revistas, documentos oficiais, entre

outros – e materiais da Internet. Outro instrumento utilizado foram as entrevistas

com os assistentes sociais que trabalham com dependentes químicos.

Ao realizarmos revisão bibliográfica sobre as drogas, percebemos a

necessidade de estudarmos a legislação brasileira e as diferentes políticas

elaboradas pelo governo federal (e consequentemente difundida entre Estados e

Municípios), notadamente na última década.

Assim, diante desta problemática, determinamos como objetivos deste

estudo: identificar qual e como é o trabalho desenvolvido pelo assistente social nas

instituições que atendem dependentes químicos; verificar se existe um registro e

uma reflexão a respeito da prática do assistente social e analisar de que forma o

assistente social percebe seu papel junto ao usuário e à equipe técnica da

Instituição.

Realizamos um levantamento das instituições públicas que atendem

dependentes químicos no Rio de Janeiro, em caráter ambulatorial e de internação, e

dentre estas, somente foram estudadas aquelas que possuem assistentes sociais no

seu quadro funcional.

Após a delimitação do universo a ser estudado, optamos por investigar três

instituições que possuem orientação governamental diferenciada no trato do álcool

e outras drogas. Nestas instituições, identificamos onze assistentes sociais que

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trabalham nestas organizações, distribuídos da seguinte forma: em um ambulatório

estão lotados três assistentes sociais, os quais foram todos entrevistados. Em

outro ambulatório, trabalham cinco assistentes sociais, sendo que neste, só foi

possível entrevistarmos três devido um estar de licença médica e outro de férias e

na clínica, dos três assistentes sociais, todos foram entrevistados.

A pesquisa foi realizada através de entrevistas baseadas em questionário

semi-estruturado.

A observação da rotina da Instituição foi realizada concomitantemente à

aplicação do questionário, levando em consideração o espaço físico e político que o

assistente social possui, bem como o tipo de relação estabelecida com os demais

técnicos e sua autonomia com relação ao desenvolvimento de suas atividades.

É importante ainda destacar de que forma este trabalho está organizado.

No primeiro capítulo nos debruçaremos sobre a discussão travada na academia a

respeito da prática profissional do assistente social, a partir, principalmente, da

década de 1960 até os dias atuais.

No segundo capítulo, traremos um breve panorama mundial da utilização das

drogas ilícitas. A partir daí, realizaremos uma análise da política governamental

desenvolvida para tratar a questão da dependência do álcool e outras drogas;

discutiremos os princípios da política de redução de danos e terminamos o capítulo

com a discussão sobre a forma com que a dependência do álcool e outras drogas

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estão inseridas na sociedade.

No terceiro capítulo analisaremos a prática profissional desenvolvida pelos

assistentes sociais nas instituições estaduais que atendem dependentes químicos no

município do Rio de Janeiro.

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CAPÍTULO 1

A prática profissional do assistente social

As discussões a respeito da concepção da prática profissional avançam – ou

não - de acordo com o momento histórico no qual ocorrem.

É consenso entre os diversos autores que se ocupam do estudo da História

do Serviço Social que o processo de Renovação do Serviço Social2, foi iniciado nos

2 Entendemos por Renovação do Serviço Social a eclosão, a partir de meados dos anos 60, na América Latina, de um processo no qual as configurações tradicionais da profissão são deslegitimadas, sofrem uma crise e surgem novas concepções, novas visões, novas propostas de prática profissional. No interior dessas novas configurações há um campo delimitado pelo Movimento de Reconceituação. É portanto, no interior dessa renovação profissional – e só no interior dela – que ganha sentido o Movimento de Reconceituação.

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anos 60, na América Latina, tendo por objetivo romper com o Serviço Social

“tradicional“3 mediante uma nova proposta para a categoria profissional.

As novas exigências postas àquela época aos assistentes sociais, pelos

organismos empregadores, contribuem para que o Serviço Social comece um

processo de questionamento da forma com que vinha desenvolvendo sua prática.

Os assistentes sociais começam a se questionar a respeito da eficácia dos

métodos tradicionais utilizados para atuar na realidade brasileira, dessa forma,

iniciam um movimento de contestação, chamado Movimento de Reconceituação4.

Esse movimento ocorre, em alguns países da América Latina, como, por exemplo,

Argentina, Chile e Brasil, por um período de, mais ou menos, 10 anos. O Movimento

de Reconceituação tem início, na década de 60, e seu refluxo, na década de 70,

devido aos golpes ditatoriais ocorridos em alguns destes países. No Brasil, assume,

segundo Netto (2005a) três dimensões: a Perspectiva Modernizadora, a

Reatualização do Conservadorismo e a Intenção de Ruptura.

3 Por Serviço Social “tradicional” entende-se uma “prática empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada que os agentes realizavam e realizam efetivamente na América Latina. Evidentemente, há um nexo essencial entre ambos: parametra-os uma ética liberal-burguesa e sua teleologia consiste na correção – numa ótica claramente funcionalista – de resultantes psicossociais considerados negativos ou indesejáveis, sobre o substrato de uma concepção (aberta ou velada) idealista e/ou mecanicista da dinâmica social sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida como um dado factual ineliminável.” (NETTO, 1981, p.60, grifo do autor). 4 O Movimento de Reconceituação é parte de um movimento mais amplo de renovação profissional; é constitutivo do movimento da renovação profissional, mas não esgota esse movimento. O Movimento de Reconceituação, tal como ele se deu na América Latina é, portanto, uma expressão particular da renovação profissional. Para maiores subsídios, ver Netto (2005 a, b); Faleiros (2005); Alayón (2005). Aqui, discutiremos somente os aspectos do Movimento de Reconceituação, no Brasil, porque nosso objeto de estudo se circunscreve a esse país.

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Assim, nossa análise teve como ponto de partida a década de 1960, por ter

sido o período em que surgem discussões relevantes, na profissão, dentre elas as

referentes à prática do assistente social.

Netto (2005a) destaca que esse movimento de contestação teve três

fatores importantes:

− a realização de uma visão crítica das Ciências Sociais,

deslocando, para a Sociologia, Psicologia Social e Antropologia,

o fundamento científico do Serviço Social;

− o distanciamento do Serviço Social em relação à Igreja; e

− o movimento estudantil, que protagoniza, decisivamente, uma

crítica ao tradicionalismo do Serviço Social.

O Movimento de Reconceituação teve seu berço, basicamente, na academia e entre setores de vanguarda profissional.

Em resumo, esse movimento, que reuniu assistentes sociais com

experiências e aspirações bastante heterogêneas e desencadeou alterações de

tamanha magnitude, que até a atualidade influenciam a profissão.

Até o início deste movimento, não aparecia com destaque no cenário

nacional, discussões ou polêmicas relativas à prática profissional. A partir deste

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movimento, começam a se fazer presentes discussões e até questionamentos da

forma como a prática era desenvolvida.

1.1 Breve histórico

Fazendo um breve resgate da leitura de Iamamoto (2002) e Netto (1995;

2005a; 2005b), deparamo-nos com a discussão de que, até a década de 50, os

registros disponíveis das atividades profissionais mostram que o Serviço Social se

orientava por um comportamento conservador, ainda não se destacando polêmicas

relevantes na profissão; somente a partir do final dessa década e início da década

de 60, é que se fazem ouvir as primeiras manifestações, no meio profissional, de

posições que questionam o status quo e contestam a prática profissional vigente

(IAMAMOTO, 2002, p.35, grifo da autora).

As alterações pelas quais, a profissão passa, naquele período, são

decorrentes das modificações que ocorrem, no país, principalmente nos âmbitos

econômico, político e social.

Até a década de 50, a indústria brasileira tem como característica a

produção de bens de consumo, sendo necessária a implantação de indústrias de

bens intermediários e de bens de capital.

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A criação dessas indústrias ocorre, no final daquela década, quando

Juscelino Kubitschek implanta o modelo desenvolvimentista associado ao capital

estrangeiro e, dessa forma, há uma maciça entrada do capital estrangeiro no país,

por meio da implantação da indústria pesada, dos setores automobilístico, de

material elétrico, eletrônico, eletrodoméstico, de produtos químicos, plástico, entre

outros. Data, também, desse período, a instalação de empresas multinacionais. Ao

Estado, cabia o papel de fornecedor de infra-estrutura, como rodovias e energia

elétrica.

Na entrada dos anos 60, o mundo e em especial o Brasil, começa a passar

por grandes mudanças: o clima político entra em ebulição nesse período a partir da

renúncia de Jânio Quadros, em 1961.

Apesar da resistência de alguns setores (leia-se os setores militares), João

Goulart (Jango) assume o governo e planeja desenvolvê-lo por meio de uma conduta

mais democrática, uma das suas plataformas eram as chamadas reformas de base,

que seriam alterações em alguns setores estratégicos, com vistas a beneficiar a

população brasileira. As reformas se efetivariam, prioritariamente, nas áreas:

agrária, urbana, política e educacional.

No contexto interno, o Brasil vivia um período de efervescência política e

social. Os movimentos sociais estavam ganhando espaço no cenário político, eram

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greves, articulações no campo e na cidade, com a presença dos movimentos

estudantil e sindical extremamente ativos. Era um período de grandes

manifestações populares.

No plano externo, Cuba, um país vizinho da América Latina, através da

revolução comandada por Fidel Castro, derrubava a ditadura vigente e começava a

inclinar aquele país para o socialismo comunista.

Jânio Quadros, quando presidente, visitara Cuba e condecorara Che

Guevara (um dos líderes da revolução) com a Ordem do Cruzeiro do Sul e no

momento da renúncia de Jânio, Jango estava em visita à China Comunista (FAUSTO,

1995). Isso fazia com que se criasse um “receio” de que o governo fosse

simpatizante daquele sistema.

Desde o início do governo de João Goulart (a partir do final de 1961), militares de alta patente, articulados a setores civis fortemente conservadores, atuam para barrar as tendências consideradas “esquerdistas” do presidente, evidenciados no programa de “reformas de base” e do limite à remessa de lucros para o exterior. A radicalização do processo com o passar dos anos acabou por levar Goulart a romper com a política pendular realizada neste período, fazendo-o assumir, no epílogo de seu governo, um posicionamento mais radical de defesa do projeto reformista. O ápice desse processo se deu no”Comício da Central”, no Rio de Janeiro, no dia 13 de março de 1964, quando anunciada oficialmente, a implantação da reforma agrária, dentre uma série de outras medidas. O comício foi considerado uma afronta aos militares, já que se realizou quase em frente ao prédio do Ministério do Exército. Em 1º de abril de 1964, é desfechado o golpe e os militares tomam o

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poder, auxiliados pela autocracia burguesa (nas palavras de NETTO, 2005a).

As discussões ocorridas na sociedade, em decorrência dessas alterações

conjunturais pelas quais o Brasil passava, começam a propiciar divergências e

contestações, dentro da profissão. Passávamos por um período no qual o quadro

profissional começava a se ampliar e a se modernizar, por meio da expansão do

mercado de trabalho, da multiplicação das escolas especializadas, e das demandas

colocadas pelo Estado e pelas empresas (NETTO, 2005a).

Ora, uma vez que o projeto nacional catapultado pelo golpe de 64 possuía

claras vinculações com a inserção do Brasil no padrão capitalista internacional, e

que este último, à época, demandava uma funcionalidade, no que diz respeito à

existência de mão-de-obra (semi)qualificada, é na Educação que se dá o foco de

uma das principais transformações engendradas, durante o regime militar.

A política educacional brasileira é redefinida e tratada, com maior ênfase,

pela ditadura, entre os anos de 1968 e 1969, como uma forma de controlar e

disciplinar o corpo docente e discente, intervindo na Universidade (mas não só) com

o objetivo de modelar o sistema educacional do ensino superior conforme as

necessidades do projeto “modernizador” implantado no país.

A reformulação na política educacional brasileira foi feita de acordo com as

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“indicações” oferecidas por um grupo de consultores norte-americanos. Assim, a

Universidade se incorporava ao direcionamento pretendido pelos Estados Unidos da

América. O êxito da política educacional foi obtido através do esvaziamento da

Universidade, afastando-a do contato com os movimentos sociais, criando um

sistema universitário asséptico, desencadeando uma degradação do padrão do

trabalho intelectual.

Enquanto tornava-a asséptica, o governo reprimia e bania de seus quadros

funcionais (por aposentadorias precoces ou demissões, sem falar nos que “sumiram”

e nunca mais foram encontrados) acadêmicos comprometidos com reflexões e

movimentos de contestação anteriores àquele período. Para fazer com que as

“reflexões” ficassem dentro da Universidade, chama-se novos professores que não

tinham vivenciado a experiência anterior a 1964, descompromissados com aquele

passado recente (NETTO, 2005a).

Assim, a universidade teve, nesta política, o incentivo ao desenvolvimento

da pesquisa e da extensão, porém, esta foi conduzida de uma forma acrítica para

que formasse apenas bons técnicos. Outro destaque, na área educacional, é a

repressão ao movimento estudantil, que, por ser um movimento agregador de

insatisfações e discordâncias existentes na sociedade, precisava ser contido.

Apesar dos gastos do poder público com ensino superior terem aumentado,

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na medida em que foram sendo instituídos a pesquisa, extensão e contratação de

novos professores, os gastos nos 1º e 2º graus foram diminuindo na mesma

proporção que o sistema incentivava a criação de instituições de ensino privadas,

desencadeando para a iniciativa privada um espaço nunca antes alcançado.

Incentivada pelo poder público (às vezes por meios de incentivos financeiros), ela

ampliou o número de escolas de 1º e 2º graus5 e de faculdades privadas, ao mesmo

tempo que criava novas instituições.

No 2º grau, o interesse se volta para a área profissionalizante, uma vez que

o país passa pela ampliação das indústrias “pesadas” e precisa de trabalhadores

qualificados.

Nas faculdades privadas, investe-se nas profissões que precisam de menos

recursos, como a área de Ciências Humanas.

Concomitantemente às alterações ocorridas nesse período, o Serviço

Social, que já é curso de universitário, ingressa no circuito acadêmico, passando a

ser uma profissão que dispõe de pesquisa e extensão.

Anteriormente, a maioria dos professores eram assistentes sociais que se

dividem entre a academia e o mercado de trabalho. Porém, a sua inserção no meio

5 Nomenclatura introduzida pela Lei 5692/1971, que “Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências”, referindo-se “1o Grau” à junção dos antigos cursos "primário” e “ginasial” e, “2o Grau”, ao antigo “colegial”.

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acadêmico e conseqüentemente, na carreira de professor universitário e no

chamado “regime de dedicação exclusiva”, faz com que o profissional da área passe

a se dedicar exclusivamente à academia – ou seja, às atividades de docência,

pesquisa e extensão. Isso traz, como conseqüência para o Serviço Social, o início da

formação de uma vanguarda acadêmica.

As novas exigências do modelo econômico desenvolvido na ditadura,

principalmente a partir de 1966, quando o Estado reformulou as instituições

governamentais6 nas quais grande número de assistentes sociais estavam inseridos,

rebatem diretamente sobre o mercado de trabalho, na prática e na formação

profissional do assistente social.

A política econômica desenvolvida no Brasil no período da autocracia

burguesa desencadeou um aumento da desigualdade social, fazendo com que

diversas “faces” da “questão social” fossem colocada em cena, sendo tratadas

através de políticas sociais centralizada pelas mãos do Estado e para tal, um dos

profissionais requisitados para implementação das políticas voltadas para esta

população é o assistente social.

A prática profissional precisava se revestir de características que ao

mesmo tempo possibilite o controle por parte dos seus superiores e de outro lado, 6 As instituições governamentais que atuavam diretamente nas refrações da “questão social” foram reformuladas, alterando de acordo coma s necessidades da ditadura e o primeiro foi o sistema previdenciário.

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permita a crescente relação com outros profissionais.

Essa reformulação propiciou também um aumento no número de postos de

trabalho para o assistente social, pois as alterações foram realizadas nas

instituições que atuavam diretamente na “questão social”.

Um dos aspectos da política econômica desenvolvida pela ditadura é que ela agudiza a crise nacional, pois grande parte da riqueza produzida no país é direcionada para os ricos (leia-se: grandes empresários e multinacionais) e, conseqüentemente, os pobres ficam cada vez mais pobres, desencadeando um empobrecimento visível da população, aumentando o número de pessoas que passam a demandar assistência, para garantir sua sobrevivência (http://www.culturabrasil.pro.br/historiabras.htm). A instalação, no país, das médias e grandes empresas e indústrias, propiciada pelas vantagens econômicas “ofertadas” pela ditadura, faz com que, somados às instituições estatais, aqueles setores empresariais se tornem grandes empregadoras de assistentes sociais.

O assistente social não deixa de ser executor terminal de políticas

públicas, mas passa a ter outra relação com seus patrões, outros profissionais e

clientela em razão do “enquadramento de Assistente Social em estruturas

organizacionais mais complexas.” (NETTO, 2005a, p.123). Assim, amplia-se o

mercado de trabalho do assistente social, que se torna necessário para atuar em

todos os vieses da “questão social”.

A reorganização do Estado e as modificações na sociedade, ocorridas durante a ditadura, atingem medularmente o Serviço Social, tendo a sua prática sofrido alterações. No Serviço Social tradicional, começa um processo de erosão, quando precisa aquele se redimensionar, nos

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âmbitos técnico e racional. O mercado de trabalho passa a exigir um profissional racional, ao invés de tradicional.

Junto com as condições de “modernização” impostas pela ditadura, nesse

mesmo espaço, “se inscrevia a possibilidade de se gestarem alternativas às práticas

e às concepções profissionais que dela demandava”. (Id., ibid., p.129).

Essas alterações repercutem não só na prática, mas também nas agências de formação, o que faz com que não apenas sejam atendidas as demandas do projeto modernizador, mas também se criem quadros profissionais contestadores daquele direcionamento político, econômico e social.

Desenvolvendo análise na mesma direção, Iamamoto (2000) destaca que o

Serviço Social se atualiza devido às demandas impostas pelo capitalismo e que isso

fica explícito nas mudanças expressas no discurso, nos métodos de ação e no

projeto da prática profissional, como estratégias para controlar a classe

trabalhadora para o Estado e o capital.

O instrumental do Serviço Social, também, passa por uma reformulação,

tornando-se imperativo o seu aperfeiçoamento, tendo por objetivo buscar a

eficiência, através da melhoria dos “modelos de análise, diagnóstico e planejamento;

[dando] suporte técnico à ação profissional.”. (IAMAMOTO, 2002, p.32).

A partir da segunda metade da década de 60, surgem elaborações teóricas referentes à profissão e um significativo debate teórico-metodológico. Dificilmente, isso ocorreria sem a inserção no circuito acadêmico.

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E é, justamente, na academia que irá ocorrer um grande debate,

representativo de projetos societários e profissionais distintos, que tem como base

de sustentação limites teóricos e práticos diferenciados.

De acordo com Netto (2005a), o primeiro a ganhar expressão foi a

chamada “perspectiva modernizadora”, que alcança seu auge, na segunda metade

dos anos 60. Trata-se de

[...] um esforço no sentido de adequar o Serviço Social, enquanto instrumento de intervenção inserido no arsenal de técnicas sociais a ser operacionalizado no marco de estratégias de desenvolvimento capitalista, às exigências postas pelos processos sócio-políticos

emergentes no pós-64. (NETTO, 2005a, p.154).

Nesse debate, o assistente social deve estar qualificado técnica e operativamente para responder às demandas do Estado. Destaca-se, nesse período, a laicização do Serviço Social, que se mostra um dos principais pontos do processo de renovação pelo qual o Serviço Social passa. Os profissionais não contestam a forma pela qual o Estado e a sociedade se desenvolvem, percebendo-os como um fato dado e, assim, procuram adaptar o Serviço Social a essa ordem sociopolítica e criar instrumentos que respondam às demandas institucionais. Neste período, final da década de 1960, a ditadura estava em plena expansão e alguns grupos participantes de movimentos sociais tentavam resistir às imposições da ditadura. Visando combater e solapar qualquer ato de resistência ou contestação do regime, a ditadura baixou o Ato Institucional nº 5 (AI-5), o qual transmitia para o presidente da República amplos poderes para: fechar o Congresso; intervir nos Estados e Municípios; cassar mandatos; suspender direitos políticos, demitir ou aposentar funcionários públicos. O Brasil entrava nos chamados “anos de chumbo”. Isso rebateu também no meio acadêmico abrangendo professores

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universitários e conseqüentemente, muitos intelectuais foram presos, torturados, exilados e até mortos em nome da “segurança” e da “ordem”.

A perspectiva modernizadora se desenvolve, até meados da década de 70,

quando a ditadura entra em crise e uma outra corrente de pensamento começa a

tomar vulto: chamada “reatualização do conservadorismo” – que, apesar de não ter o

“peso”, na profissão, como a anterior, se fez presente, no Serviço Social. Essa crise

faz com que os intelectuais da corrente modernizadora se retraiam, propiciando o

aparecimento desse movimento, constituído pelos profissionais que resistem às

inovações trazidas pela abordagem anterior.

Seus atores, em princípio, possuem vinculação católica e são resistentes à laicização da profissão. A “reatualização do conservadorismo” tem posicionamento contrário ao direcionamento da perspectiva modernizadora e utiliza-se da fenomenologia, como suporte teórico. Entre o final da década de 70 e o início da década de 80, a ditadura entra em um processo de erosão e, concomitantemente, os movimentos sociais começam a se projetar no cenário nacional, principalmente o movimento operário, iniciando um período de convulsão no país. A população urbana passa a reivindicar eleições diretas, a anistia política, entre outros anseios.

Com a anistia política ocorrida no ano de 1979, os profissionais, calados ou

cassados pela ditadura, começam a retornar à cena (e, em muitos casos, ao país).

O clima efervescente da universidade, a partir da crise da ditadura, e o quadro social, político e ideológico que incitava a participação da massa brasileira, sempre excluída dos processos decisórios, começam a se colocar em cena. É importante destacar neste contexto, o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) realizado em 1979,

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quando a categoria convidou para a mesa de abertura do Congresso, líderes sindicais7 e representantes de movimentos sociais. Devido esse posicionamento e conseqüentemente, seus rebatimentos foi chamado de “Congresso da Virada”. Esse feito teve uma grande repercussão, demarcando a mudança no curso que estava sendo impresso no Serviço Social naquele momento de abertura política. O “Congresso da Virada” é considerado um marco para o Serviço Social.

Estes assistentes sociais investem na organização da categoria profissional,

fortalecendo uma articulação nacional e uma nova direção para a formação

acadêmica – instituindo um currículo nacional e consolidando a pós-graduação, por

meio do aumento do número de cursos de mestrado e doutorado. (NETTO, 2005b).

Essa perspectiva tinha a intenção de romper com os suportes teóricos

metodológicos desenvolvidos e adotados até então pelo Serviço Social “Com efeito,

ela manifesta a pretensão de romper quer com a herança teórico-metodológica do

pensamento conservador (tradição positivista), quer com os seus paradigmas de

intervenção social (o reformismo conservador)” (NETTO, 2005a).

Nas suas diferentes expressões, essa vertente se confrontou com a

ditadura, pois rechaçava a ordem vigente, fosse no plano teórico-cultural - os

referenciais em que se baseavam, negavam as legitimações da autocracia -, no

âmbito profissional - os objetivos se chocavam com o perfil do assistente social

requisitado pela "modernização conservadora" -, bem como na parte da política, -

suas concepções de participação social e cidadania, bem como suas projeções 7 Um dos líderes convidados é o atual presidente da República – Luis Inácio Lula da Silva.

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societárias, batiam contra a institucionalidade da ditadura (NETTO, 2005a).

Os protagonistas dessa corrente eram acadêmicos, na sua maioria, com militância em movimentos sociais, no período anterior ao golpe de 1964. A ampliação da crise da ditadura e a aproximação com o marxismo, faz com que comece a se rearticular no cenário do Serviço Social as tendências críticas da perspectiva de “intenção de ruptura”. Esse período de protagonismo de novos sujeitos sociais favorece aos profissionais que pretendiam romper com o tradicionalismo do Serviço Social. Com a “transição democrática”, ela se projeta no cenário profissional e começa a nortear o debate e a polêmica profissional, a partir da primeira metade dos anos 80. Esse momento contribui na formação do caminho por onde irá transitar a vertente progressista da “intenção de ruptura”. E é essa posição teórica que começa a dar o tom do debate, no Serviço Social, a partir da década de 80.

1.2 Os anos 80

Como já exposto, somente quando a ditadura entra em crise é que “a

perspectiva da intenção de ruptura pode transcender a fronteira das discussões em

pequenos círculos acadêmicos e polarizar atenções de segmentos profissionais

ponderáveis.” (NETTO, 2005a, p.248), criando a visibilidade, através dos foros de

discussão e organismos da categoria, pelos profissionais que adotavam essa

perspectiva. Data desse período, também, outras alterações para o Serviço Social,

como o acesso às leituras marxistas na fonte8, a maior aproximação com as Ciências

Sociais e a consolidação dos cursos de pós-graduação, iniciados na década anterior,

8 A esse respeito, ver texto exemplar de Netto (1981).

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os quais favorecem o aprofundamento teórico e metodológico, por parte dos

assistentes sociais.

Consideradas essas mudanças, a impressão que se tem é que esse caráter

crítico é hegemônico na profissão; porém, não é assim que esta última se

desenvolve. Netto (2005a) avalia que esse direcionamento só se dá no âmbito

teórico, uma vez que essa hegemonia não se expressa na prática profissional, que

ainda é desenvolvida, na maioria dos casos, por meio de uma prática conservadora.

Dentre os elementos que levam a essa situação, destacamos a distância

entre a categoria e a vanguarda acadêmica, ou seja, a produção teórica não circula

entre os profissionais da área. Uma explicação para isso pode ser o fato – ou a

possibilidade - de que os profissionais formados, não se atualizam, depois de

diplomados.

Uma discussão corrente, na academia, naquela década, refere-se à

compreensão da prática social desenvolvida através de vieses – ou fatalista, ou

messiânico, ou politicista -, construídos pelo conjunto da categoria (IAMAMOTO,

2002), o que, em nossa análise, de uma certa forma, causam o mesmo efeito:

paralisam a prática do assistente social.

O fatalismo seria uma visão naturalista da vida social, ou seja, o capitalismo

e a existência de tensões sociais são aceitos como algo natural, estático. Assim,

“caberia a ele [ao Serviço Social] aperfeiçoar formal e burocraticamente as

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tarefas que são atribuídas aos quadros profissionais pelos demandantes da

profissão.” (Id., ibid., p.115). Nesse tipo de posicionamento, o assistente social

percebe seu limite de atuação como sendo o de um bom tecnocrata.

O messianismo, ao contrário, é caracterizado por uma concepção idealista

da vida social. Nesse caso, o profissional age de forma voluntarista, baseado

somente nas suas intenções, sem analisar a realidade. “O messianismo traduz-se

numa visão heróica, ingênua, das possibilidades revolucionárias da prática

profissional, a partir de uma visão mágica da transformação social.” (Id., 2002,

p.116, grifo da autora). Assim, o assistente social percebe que sua vontade e seu

propósito individual são suficientes para a alteração da realidade social.

Já o ativismo político causa uma percepção, no Serviço Social, de que a

profissão e a militância devem caminhar juntos, um integrado ao outro. Dessa

forma, para muitos assistentes sociais, o compromisso com os direitos da população

passa pela vinculação do profissional a partidos políticos, desencadeando certa

simbiose entre ativismo político e prática profissional.

Iamamoto (2002) expõe que, para a profissão avançar, deve romper com

esses três posicionamentos que, ao se manifestar, reforçam o caráter conservador

da profissão. Porque sem perceber a dimensão política da prática profissional,

tendem a realizar atividades dispersas, descontinuadas, não revelando o significado

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da prática profissional.

Netto (1995) argumenta que a existência dessas concepções é resultante

de uma profunda ignorância dos limites profissionais, uma vez que todas as

profissões possuem limites e o Serviço Social não foge a essa regra. Assim, deve-se

entender os limites impostos pelas condições concretas de que o assistente social

dispõe para trabalhar e, dando conseqüência àquele entendimento, não ficar de

costas para o que a realidade demanda dele ou achar que os limites são empecilhos

para a execução de sua prática.

O assistente social deve entender que a execução da sua prática é

desenvolvida dentro destes limites e contradições, uma vez que a profissão está

dentro da sociedade e esta é permeada de interesses contraditórios.

Derivado da contribuição ocasionada pela aproximação dos teóricos do

Serviço Social com o marxismo, ocorrida desde a década anterior, a prática

profissional começa a ser discutida correlacionada à dimensão política. Segundo

Kameyama (1981, p. 147)

a Prática Profissional [é] entendida como um conjunto de atividades peculiares de cada profissão, existem aspectos de sua prática que estão relacionados com as dimensões estruturais e conjunturais da realidade. Dessa forma, a prática profissional torna-se subsidiária da prática política, quer seja na perspectiva de manter o “status quo”, quer seja na perspectiva de transformação da realidade.

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Já nesta década, começa a ser discutida a prática do Serviço Social como

prática transformadora que precisa ser crítica, consciente e participadora,

baseada no conhecimento da realidade.

A década de 80 é um período que a profissão começa a passar por algumas

alterações que incidem positivamente na profissão preponderantemente na

academia.

Após a abertura política, no início da década de 80, o Serviço Social realiza

alterações em seu currículo, os acadêmicos começam a discutir e a construir uma

alteração no perfil da profissão. É demandado pelos contratantes dos assistentes

sociais, o desenvolvimento de uma prática voltada para mudanças de hábitos,

atitudes e comportamentos do trabalhador, porém, com a aproximidade, a

“absorção” e discussão com as Ciências Sociais e com o marxismo (mesmo que,

inicialmente, uma apropriação enviesada, cf. NETTO, 2005a), apesar dos

acadêmicos perceberem e discutirem a importância da prática profissional,

enquanto uma prática dotada de uma dimensão política, seja para conformação da

população atendida ou para iniciar um movimento de reflexão. A categoria

profissional não introjetou essa diretriz no desenvolvimento de sua prática

cotidiana.

Essa discussão se desenvolve prioritariamente na academia e através das

revisões curriculares do Serviço Social vai sendo difundido para os novos

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profissionais em formação. Apesar disto, essa “nova prática profissional” não

consegue penetrar no campo de trabalho, tornando-se uma discussão residual.

Assim, uma forma de romper com práticas profissionais tradicionais é a

formação de profissionais críticos, com preparo teórico, técnico e político, capazes

de articular as demandas postas, seja em nível micro seja em contexto macro, bem

como de ser um pesquisador da realidade na qual atua, com objetivo de transpor o

imediatismo da demanda e de criar propostas de enfrentamento tendo em vista

melhorar a qualidade dos serviços prestados, levando em consideração a análise

institucional, realizando alianças com outros profissionais e visando direcionar os

programas e/ou projetos para a população demandatária dos serviços.

Trata-se, portanto, de redimensionar politicamente a prática profissional,

compreendendo-a polarizada pela luta de classes (IAMAMOTO, 2002) e a

percepção da prática associada à sua dimensão política.

Essas discussões, presentes no Serviço Social, vão amadurecendo, e

entramos nos anos 90 com os profissionais elaborando mais, conquistando mais

espaços e refletindo mais acerca da sua prática.

1.3 Os anos 90

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Desenvolve-se, nessa década, uma discussão com relação ao exercício

profissional como “a busca de afinar e refinar a tradicional análise da chamada

“prática”, que passa a ser tratada como um tipo de trabalho especializado que

se realiza no âmbito de processos e relações de trabalho.” (IAMAMOTO,

2000, p.93, grifado no original). Portanto, a prática profissional não se revela em si

mesma, adquire “sentido na história da sociedade da qual é parte.” (Id., ibid., p.

150). Por isso, devemos entendê-la inserida nas contradições das relações sociais,

ou seja, nas relações entre a sociedade e o Estado, bem como condicionada pelos

recursos de que o assistente social dispõe, o que o leva, na prática, a tomar um

direcionamento social muitas vezes diferente da forma inicialmente planejada.

Assim, pode haver divergências entre seu planejamento, ou sua vontade, e seu

fazer profissional.

Dessa forma, levando em consideração os condicionantes da profissão,

pensarmos que a profissão é determinada pelas forças dominantes, significaria cair

em uma visão determinista. Entendermos que ela é determinada somente pelos

interesses das classes subalternas, resultaria em uma visão heróica. Considerarmos

que ela é desenvolvida somente pela vontade dos assistentes sociais, sem levarmos

em conta os condicionantes histórico-conjunturais, seria endossar uma perspectiva

voluntarista.

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Decorrente disso, entendemos que a prática do Serviço Social se insere em

um movimento contraditório, uma vez que, para oferecer respostas às demandas, e

ao fazê-lo, é aquela determinada tanto pelas condições histórico-conjunturais

quanto pelos limites que a realidade impõe aos profissionais. Compreender esse

movimento contraditório “é condição básica para se apreender o perfil e as

possibilidades do Serviço Social hoje, as novas perspectivas do espaço

profissional.” (IAMAMOTO, 2002, p.103).

Assim, a prática se desenvolve a partir de seus condicionantes internos e externos. O condicionante interno é a capacidade ou competência do profissional e o externo é a circunstância na qual o assistente social está envolvido, podendo referir-se a poder institucional, recursos locais, recursos da instituição, entre outros.

Podemos dizer que essas alterações, nas discussões a respeito da prática,

iniciadas na década de 80, são ocasionadas, entre outros motivos, pela ampliação do

leque profissional do assistente social. Se, antes, era chamado somente na atuação

direta com a população, agora, começa a ser solicitado, de forma mais incisiva, a

formular e gerir políticas públicas. Para assumir tal requisição, é necessário que o

profissional entenda, decifre, analise e avalie a realidade, de uma forma geral, sem

perder de vista a necessidade de entender o capitalismo, para poder criar

propostas de trabalho capazes de orientar a população usuária com relação aos seus

direitos, ampliando sua função, de somente executivo, para, também, propositor e

gestor.

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Uma análise da prática profissional desenvolvida no Brasil, em 70 anos,

indica que tal prática sofre alterações que promovem um salto qualitativo para a

profissão.

Se no início do Serviço Social, no país, no final da década de 30, o projeto

norteador da ação profissional tinha como base o princípio da solidariedade aliado à

filosofia social humanista cristã. (IAMAMOTO, 2002) e a prática profissional do

assistente social tinha um caráter empirista e pragmático, desenvolvido pelo viés

moralista, e educador para com as famílias pobres que necessitavam de amparo

assistencial com objetivo de “reforçar o núcleo familiar e integrar seus membros à

sociedade.” (Id.,ibid., p.29); do início da década de 90 aos dias atuais, a prática

começa a ser percebida e discutida como um processo de reflexão-ação dos

assistentes sociais, desenvolvida por meio do conhecimento da realidade

institucional, do usuário e da conjuntura, de uma forma geral. Nesse processo, a

reflexão servirá de base para o planejamento e a orientação das ações. Mostra-se

importante a elaboração de documentos pertinentes, instaurando-se, pela

sistematização e análise dessa documentação, a possibilidade de ser realizada uma

avaliação desse processo, que tem por objetivo o fortalecimento dos usuários como

sujeitos políticos. (VASCONCELOS, 2003).

A conjuntura que inaugura o século XXI é marcada pelas alterações

ocorridas no mundo do trabalho, a exemplo da reestruturação produtiva, que traz,

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como conseqüência, a flexibilização das relações trabalhistas, o aumento do número

de profissionais terceirizados à margem de qualquer proteção social, entre outras

alterações. Esse cenário acarreta, para os profissionais que atuam na área social e,

em especial, para o Serviço Social, novos desafios para a prática profissional, de

uma forma ampla, com o surgimento de novas temáticas que demandam

“competências profissionais estratégicas e exigem a elaboração de proposições

teóricas, políticas, éticas e técnicas” (MOTA, 1997, p.51), que se apresentem como

respostas qualificadas às questões que se manifestam no cenário profissional.

O avanço das discussões acerca da prática do Serviço Social e as

necessidades colocadas, ao longo das décadas, pelo mercado de trabalho, provocam,

alterações na concepção e na forma do desenvolvimento dessa prática. Assim,

entendemos que a prática profissional se constitui pelo conjunto das atividades

desenvolvidas, integrantes de uma ação planejada, por meio da qual objetiva-se

alcançar metas e fins definidos em resposta às demandas apresentadas ao Serviço

Social.

Em decorrência disto, para entender e lidar com as alterações no mercado

de trabalho e na sociedade de uma forma geral, é necessário que o assistente social

compreenda que não está em um simples “emprego”, desenvolvendo atividades

burocráticas e rotineiras, e que seu papel vai além: ser profissional, nessa área,

significa apreender a realidade, nela captar possibilidades que possam se

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transformar em propostas de trabalho, de modo a criar, negociar com a instituição

e efetivar suas próprias propostas

Percebemos, ainda hoje, século XXI, que, apesar do avanço que vem

ocorrendo nas discussões no interior da profissão, a partir, principalmente, da

década de 80, o trabalho dos assistentes sociais ainda possui características do

conservadorismo. A “intenção de ruptura”, ocorrida no nível teórico, efetivamente,

não rebateu na prática de todos os assistentes sociais, existindo um hiato entre a

necessidade de um profissional crítico e a existência dele.

A implicação mais imediatamente é a perda das possibilidades de

desenvolver políticas que não compactuem com a manutenção do status quo, isto é,

uma prática que rompe com o conservadorismo. Vasconcelos (1998) analisa que ainda

são reproduzidas e legitimadas práticas tradicionais e conservadoras,

desarticuladas dos interesses e necessidades dos usuários, estimulando

procedimentos individualizantes e do “aqui e agora”, que impossibilitam a busca de

novos parâmetros e rumos para o fazer profissional e contribuem para a

manutenção do distanciamento entre teoria e realidade.

A partir da disseminação no interior da categoria, da perspectiva de

“intenção de ruptura”, muda-se não somente a percepção de prática. Imprime-se

uma qualidade a essa prática, uma vez que é exposta e discutida a sua dimensão

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política, de uma forma clara, uma vez que, anteriormente a esse processo, apesar

de a prática não ser neutra, é encoberta sob o manto da neutralidade.

O debate dos anos 80 evidencia que toda prática profissional tem uma

direção política, ética e teórica, estando estas referências explicitadas ou não num

projeto de atuação. Almeida (1997, p.93) também realiza essa discussão afirmando

que o caráter político da profissão existe independente da vontade do assistente

social “a prática profissional possui sempre objetivos, ou se presta a alcançar

alguns, ainda que sejam os do próprio estabelecimento onde atua o assistente

social, tenha ele consciência disto ou não”.

Assim, se pensarmos no motivo pela qual essa concepção não é hegemônica,

encontramos, na análise de Vasconcelos (2003), dentre outros motivos, que, apesar

do discurso progressista, boa parte dos assistentes sociais continua atuando de

uma forma conservadora9, havendo uma tricotomia entre a proposta de formação

profissional, o debate teórico-crítico e a prática profissional.

O assistente social só consegue obter sentido e significado para a sua

prática, entendendo-a como partícipe da realidade social na qual está inserida e

situada nas relações entre as classes sociais e nas relações destas com o Estado,

9 “Práticas que consciente ou inconscientemente são funcionais à ordem do capital, contribuindo para reproduzir e/ou conservar sob antigos e/ou novos parâmetros a ordem estabelecida.” (VASCONCELOS, 1998, p. 116).

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tendo em vista dar respostas às demandas colocadas para o Serviço Social, de

maneira a romper

[...] com práticas que reproduzem ou mantêm o status quo (negação de práticas conservadoras que utilizam conscientemente ou não e/ou privilegiam técnicas de marginalização, atomização, controle, exclusão,

punição). (VASCONCELOS, 1998, p.117-118, grifo da autora).

Para isso, “supõe uma competência teórica e técnica para o desvendamento

do movimento da realidade social que explicite tendências, possibilidades e limites

da prática na direção pretendida.” (Id., ibid., p.118). E um dos caminhos que

contribuem para a existência dessa competência é a atualização constante não só

com relação à sua área específica, como também das alterações ocorridas na

sociedade de uma forma geral.

No que tange às demandas, o assistente social trabalha com as

institucionais (do seu contratante) e com as dos usuários (para quem desenvolve sua

ação profissional10), concomitantemente, devendo entendê-las e diferenciá-las, com

objetivo de desenvolver uma prática profissional e não somente uma tarefa

burocrática.

10 Ação profissional, aqui entendida como “uma prática articulada aos interesses e necessidades dos segmentos populares e considerando que o exercício profissional no Serviço Social envolve um ser que é sujeito, ainda que objeto a ser conhecido – enquanto ser social -, mas não um objeto a ser manipulado e/ou transformado.” (VASCONCELOS, 1998, p. 120).

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Com relação à demanda apresentada pelo usuário, podemos dizer que se

traduz de duas formas: a demanda explícita e a demanda implícita.

(VASCONCELOS, 2003).

A demanda explícita, ou aparente, diz respeito àquilo que o usuário

informa; ou seja, é a que se coloca, de forma clara e imediata, ao profissional.

A demanda implícita exige análise, para além da aparência dos fenômenos;

é aquela que implica, de um lado, em um atencioso exame por parte do profissional,

dos motivos que fundamentam as demandas explícitas e, de outro, em uma leitura

da sociedade capitalista, de cuja dinâmica emergem tais motivos. Nesse ponto,

mostra-se a importância de um profissional atualizado acerca da realidade, para

desvendá-la, entendendo as múltiplas determinações que incidem sobre cada

problema apresentado pelo usuário e investigando, junto a este último, todas as

condicionantes que podem ocasionar o tipo de problema que ele está enfrentando;

ou seja, o que gera o motivo pelo qual ele procurou o Serviço Social.

Segundo Mota (1997, p.51), as necessidades sociais estão “subjacentes às

demandas profissionais, posto que as demandas não se confundem com as

necessidades sociais propriamente ditas.” As necessidades são criadas devido ao

movimento próprio do capital, que provoca mudanças nas esferas da produção, da

circulação das mercadorias, sociopolítica e institucional.

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O entendimento das demandas e a investigação dos motivos que as geraram

(objetivando desvendar as demandas imediatas) são, em conjunto, uma forma de se

materializar a dimensão política, porque, ao analisar a situação do usuário e

investigar as demandas existentes, subjacentes ao imediato, a realidade

investigada fornece subsídios para que o assistente social discuta com o usuário o

que está por trás dessa demanda, bem como o que pode ser feito para alterar essa

realidade.

A forma de investigar as demandas implícitas é entender as necessidades

sociais que as desencadeiam, com vistas, por um lado, a conhecer a realidade vivida

pelos usuários dos serviços e a poder discutir com os mesmos a situação estrutural

que gera tais necessidades e, por outro, a mostrar que se trata de problema

coletivo, tendo o “verniz” de problema individual.

Assim, as demandas devem ser problematizadas para que se apreendam as

reais necessidades sociais, visando a “construção dos objetos e objetivos

estratégicos da ação profissional” (MOTA, 1997, p.52), com vistas ao seu

enfrentamento.

Porém, o entendimento dessas necessidades não se dá de forma automática.

Por falta de um embasamento teórico e político, ou por já terem banalizado a

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prática profissional, muitos assistentes sociais possuem dificuldades em apreender

a realidade vivida, pois

Sufocados pela demanda e sem portar instrumentos que dêem conta desse movimento, as equipes/assistentes sociais limitam-se a lamentar a existência dos fenômenos externos que se desenvolvem na superfície dos processos realmente essenciais. Incapazes de distinguir aparência e essência, ficam impossibilitados de captar as tendências de prática presentes nos espaços profissionais, de priorizar demandas, de eleger atividades e ações essenciais, impedidos, assim, de caminhar na direção dos seus objetivos (VASCONCELOS, 1998, p.127).

Quando o assistente social não percebe a demanda, para além da sua

aparência, ele não a analisa, não reflete e não apresenta propostas sobre a mesma;

ele se resume a desenvolver práticas burocráticas, tais como preenchimento de

formulários, encaminhamentos, fornecimento de auxílios sociais (como distribuição

de leite ou cesta básica), como um fim em si mesmo, sem se dar conta de que essas

atividades perpetuam a subalternidade e a dependência dos usuários ao serviço

oferecido.

Poderíamos dizer que uma forma de descortinar a demanda implícita é

através da investigação das condições de vida e das necessidades de um

determinado grupo, a partir de uma demanda pontual colocada pela população

atendida, assim, atua-se em uma demanda coletiva que, a princípio, estava implícita

com objetivo de caminhar em direção à efetivação de uma prática reflexiva, crítica

e investigativa.

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Para desenvolver a prática de uma forma crítica, propositiva e reflexiva, é

necessário conjugar alguns embasamentos, sem os quais não é possível realizá-la,

que são: “uma formação teórica, ética, política e técnica, que nos dê condições de

ocupação dos espaços profissionais a partir de projetos, eliminando o

assistencialismo e a burocracia.” (VASCONCELOS, 1997, p.162).

Vasconcelos (1998) discute seu entendimento, com relação à importância do

desenvolvimento das ações junto aos usuários, ocorrendo essas últimas através de

uma prática profissional que realmente questione o capitalismo, que pense em

propor algo diferente e que, para atuar nas refrações da “questão social”, tenha sua

ação profissional realizada não como um fim em si mesmo, para atender alguma

questão pontual, mas, sim, com objetivo de construir ações, de médio e longo

prazos, que visem uma ruptura definitiva com o capitalismo.

Essa prática deve ter como base “a socialização da informação como

instrumento de indagação e ação sobre a realidade social” (VASCONCELOS, 1997,

p.134), com objetivo de fortalecer os usuários como sujeitos políticos, devendo

ultrapassar a postura de meros denunciantes para se tornarem propositores,

visando melhorar a qualidade dos serviços e possibilitar o controle dos mesmos por

parte da população. Por isso, a forma pela qual é realizado o contato com os

usuários é fundamental, para desenvolvimento de uma prática de qualidade. Para

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que possam exercer seu papel de sujeitos, nessa relação, devem eles ser

esclarecidos acerca do papel da instituição, seus limites e possibilidades de

atendimento.

Apesar de trabalharmos com uma população sofrida, a qual, muitas vezes,

procura serviços institucionais com objetivo de obter um pouco de atenção, o

assistente social não pode se “contentar” em ser somente um ouvinte atento das

mazelas dos usuários, porque, além disso, tem a

responsabilidade de desburocratizar a prestação de serviços, de possibilitar a reflexão [...] de buscar junto com os usuários a unidade das informações e demandas manifestadas de forma fragmentada, desarticulada, possibilitando sua articulação num todo coerente. Responsabilidade, ainda, de apresentar propostas viáveis para que os usuários saibam por que retornar ao serviço, que expectativas alimentar que recursos utilizar (VASCONCELOS, 1997, p.158).

O profissional pode até servir, em um primeiro momento, como aliviador de

tensões dos usuários; porém, não pode ser esse o seu fim único. Deve utilizar essas

“lamentações” para que a população reflita sobre seu cotidiano, visando desvendar,

entender sua realidade e os motivos que geram essas demandas.

Para o desenvolvimento da prática, a documentação utilizada pelo

assistente social é muito importante, porque é por meio dela que obtém

conhecimento do seu público-alvo, das ações realizadas no cotidiano, para análise e

reflexão, com objetivo de melhorar sua prática e entender seu papel junto ao

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usuário e ao empregador.

Serão estas questões abordadas que pautarão nossa análise a respeito da

prática do assistente social dentro de uma das expressões da “questão social”

colocada no cenário contemporâneo, que é a questão das drogas, seja nas suas

diferentes facetas: comércio, consumo, dependência, desestruturação pessoal,

familiar, criminalização dos envolvidos neste universo (sejam usuários ou

traficantes), dentre outros aspectos.

Apesar das drogas, em seu sentido amplo, serem tão antigas quanto a

história da humanidade, atualmente, a magnitude e a expansão da utilização das

drogas ilícitas, como maconha, cocaína, heroína, ecstasy, entre outras, que se

apresenta em nível mundial, nos faz perceber que é uma demanda colocada na

ordem do dia para o assistente social.

Apesar de também investigarmos a dependência química, nosso foco

central é a prática profissional inserido neste contexto e para desenvolvimento de

tal estudo, faz-se necessário um direcionamento investigativo, assim, destacamos

que a concepção de prática profissional que orienta nossa investigação é aquela que

a entende como

“[...] a atividade do assistente social na relação com o usuário, os empregadores e os demais profissionais. Mas, como esta atividade é socialmente determinada, consideram-se também as condições sociais

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nas quais se realiza, distintas da prática e a ela externas, ainda que nela interfiram.” (IAMAMOTO, 2000, p.94, grifos da autora).

Em decorrência destas condições, a prática do assistente social é permeada

de contradições e conflitos. Assim, analisaremos os assistentes sociais entendendo

a multiplicidades de fatores que influenciam e por vezes determinam o

desenvolvimento das suas práticas profissionais dentro das instituições que

atendem dependentes químicos.

CAPÍTULO 2

D r o g a sD r o g a sD r o g a sD r o g a s

A questão das drogas é extremamente complexa, principalmente porque sua

classificação (lícita ou ilícita) e suas formas de utilização variam, de acordo com o

período histórico e com a cultura na qual estão presentes. Dessa forma, o que é

aceito, ou até tolerado, em determinada época, pode não ser tolerado, em outra.

Desta forma, verificamos as drogas lícitas, ou toleradas na sociedade

(ocidental ou brasileira), como o álcool e as ilícitas, ou as que o uso é considerado

uma transgressão às normas/leis vigentes no país, como a maconha ou a cocaína.

Assim, sem perder de vista que a utilização do álcool se faz presente no país,

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focamos nossas análises nas drogas ilícitas devido seu caráter transgressor que é

alvo de políticas e legislações visando seu combate.

Assim, neste capítulo, realizaremos um breve levantamento do histórico da

utilização das drogas com os respectivos panoramas internacional e nacional; a

legislação brasileira; as políticas federais existentes nesta área e de que forma as

discussões sobre drogas estão presentes na sociedade.

2.1 Drogas: breve histórico sociocultural

De acordo com o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas

Psicoativas (CEBRID apud Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas –

OBID, 2006), o termo droga teve origem na palavra droog (holandês antigo) cujo

significado literal é ‘folha seca’, devido ao fato de que a quase totalidade dos

medicamentos produzidos, à época, eram preparados à base de plantas.

Oliveira (2003, p. 24) registra que

[...] as substâncias psicoativas lícitas não são proibidas somente pelo seu conteúdo farmacológico, cujo potencial pode produzir danos à saúde, mas, sobretudo pelos valores sociais que mudam a cada contexto histórico [e que] a proibição ou a permissão da ingestão de substâncias psicotrópicas em qualquer tempo resulta de determinantes socioculturais. Cada contexto sociocultural, político e econômico

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determina o modo como o homem relaciona-se com os produtos psicoativos, estabelecendo normas e critérios que regulamentam essa convivência. Na contemporaneidade, o álcool é aceito pelos países do ocidente, entretanto, abolido pelos países muçulmanos. Por sua vez, o uso do haxixe é tolerado pelos muçulmanos, mas proibido legalmente pelos ocidentais.

O uso das substâncias psicotrópicas, até o século XVIII, mantinha-se

retraído. A partir desse período, torna-se presente, na sociedade, por meio da

larga produção de medicamentos à base de ópio. Mas a dimensão do uso que

daquelas, só começa a ser moldada, a partir do século XIX, com o desenvolvimento

da química industrial (Oliveira, 2003). Bucher (apud Oliveira, 2003, p. 38) reitera

essa análise, ao afirmar que o século XIX é o marco para o surgimento de um

problema de saúde pública – o consumo das drogas - devido à descoberta de

substâncias narcóticas e ao início da sua comercialização. Ao avaliar o papel dessas

substâncias, na sociedade no século XIX, Oliveira (ibid., p.39) compartilha e

reforça essa análise:

[...] o século XIX representa um grande marco na história das substâncias psicoativas, pois com o advento do capitalismo, manifesto inicialmente por meio da Revolução Industrial, profundas transformações sociais foram impostas ao mundo, modificando não somente as relações sociais, mas também valores, hábitos, costumes e comportamentos. A partir deste período, na cultura ocidental, as drogas deixaram de ser plantas empregadas com a finalidade de transcender, adstrito aos rituais religiosos e de magia, visado ao contato com o mundo sobrenatural, como um símbolo de identidade social, para se tornarem mercadorias do capital, particularmente compromissadas com a lucratividade.

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No século XX, essa utilização se expande, principalmente após a década de

60, considerada a “década revolucionária”; o consumo se difunde, inicialmente,

entre os jovens e toma conta de todos os países.

Com o passar das décadas, a utilização das drogas se torna um problema a

ser enfrentado em escala mundial. Esse uso acarreta inúmeras conseqüências, tanto

para o indivíduo (como a perda da auto-estima, dos vínculos familiares e

trabalhistas, podendo até envolver-se com o crime, com o objetivo de obter a

droga) quanto para os países (como o alto valor dos gastos com internações e outros

procedimentos da saúde, expansão do narcotráfico, aumento da criminalidade).

Atualmente, a definição do que sejam drogas tanto em âmbito nacional,

quanto internacional obedece a significados similares, pois segue a padronização

da Organização Mundial de Saúde (OMS), que define droga como qualquer

substância que, introduzida no organismo, pode modificar uma ou mais funções.

Seguindo essa orientação, o Lexicon of Alcohol and Drug Terms (2005)

informa que ‘droga’ é um termo usado quando algum agente químico altera o

processo bioquímico ou fisiológico do organismo, sendo freqüentemente empregado

para se referir às drogas psicoativas, em especial, às drogas ilícitas. Seguindo a

orientação internacional, o Ministério da Saúde, baixou a Portaria SVS/MS

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nº344/9811, determinando quais são as substâncias entorpecentes, as psicotrópicas

e as proibidas por lei.

As substâncias psicotrópicas, por sua vez, são aquelas que possuem atração

pelo nosso psiquismo, ou seja, são as drogas que atuam sobre o cérebro, alterando

de alguma forma o psiquismo (CEBRID apud OBID, 2006).

As drogas psicotrópicas foram classificadas em três grupos, a partir da sua

ação no cérebro ou no Sistema Nervoso Central (SNC).

� Depressores da Atividade do SNC – psicodélicos. Exemplo: maconha.

� Estimulantes da Atividade do SNC – psicoanalépticos, noanalépticos,

timolépticos etc. Exemplo: cocaína.

� Perturbadores da Atividade do SNC – psicoticomiméticos, psicodélicos,

alucinógenos, psicometamórficos etc. Exemplo: mescalina, LSD.

Já as substâncias psicoativas (SPA) são aquelas que alteram o estado

mental de um indivíduo.

Depreende-se, portanto, que, seja por razões culturais, religiosas ou por

lazer, a utilização do que, hoje, conhecemos sob o nome genérico de drogas é tão

antiga quanto a própria história da humanidade.

11 Sua atualização mais recente data de 15 de fevereiro de 2005, disponível no sítio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. http://www.anvisa.gov.br/e-legis

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Assim, se, no século XIX, o uso da cocaína era tido como tolerável (Freud a

utilizava, como experiência), hoje, é criminalizado, internacionalmente.

Entretanto, no que diz respeito ao consumo de drogas, o que mais de perto

vai interessar à Saúde Pública são os casos de dependência (os denominados

adictos). Para a OMS, a dependência é um

“estado psíquico e também geralmente físico, caracterizado por reações de comportamento e outras que sempre incluem uma compulsão pela utilização de modo contínuo ou periódico, a fim de experimentar seus efeitos psíquicos e por vezes evitar o desconforto de sua falta.”

(OBID, 2006).

Dentre as várias classificações e categorizações das drogas, optamos por

analisá-las através do viés jurídico e, assim, distingui-las de duas formas − drogas

lícitas e drogas ilícitas −, assim entendidas: as lícitas são as permitidas pela lei, o

uso é admitido e consentido pela sociedade e podem ser consumidas, livremente,

sem expor o usuário a riscos com a polícia e com a lei, a exemplo das bebidas

alcoólicas. As ilícitas, ao contrário das lícitas, não podem ser portadas ou

consumidas livremente, e o usuário que infringe essa norma/lei, uma vez autuado,

tem que responder legalmente pelo ato, como no caso da cocaína.

2.2 Panorama internacional das drogas

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Algumas instituições estão voltadas para essa problemática e, dentre elas,

destaca-se a Organização das Nações Unidas (ONU), a qual, anualmente, elabora

um Relatório Mundial sobre as Drogas, com objetivo de divulgar informações a

respeito da sua difusão pelo mundo. O Relatório de 2006 evidencia que, em todo o

mundo, cerca de 5% da população, entre 15 e 64 anos, consome alguma droga ilícita,

pelo menos uma vez por ano, mas que, apesar disso, há sinais de que o consumo está

se estabilizando.

Analisando os tipos de drogas mais consumidos no mundo, verifica-se que a

cannabis (maconha e haxixe) é a droga mais consumida, mundialmente: cerca de 4%

da população mundial a consumiu, no ano de 2004.

A estimativa, a seguir, demonstra os níveis de consumo nos últimos anos,

sendo a cannabis desproporcional ao consumo das demais substâncias.

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Estimativas do UNODC sobre o uso de drogas desde o

fim da década de 1990 até 2004/2005

144.1

24.2

4.5

13.5

29.6

8.3 9.2

26.2

7.9

25

9.7 11.39.2

14.0

146.2

13.315.2

10.6

160.1

13.7 15.9

162.4

13.4

15.9

4%

0.5%

0.2%0.3% 0.4%

0.3%

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

Cannabis Amphetamines Ecstasy Cocaine Opiates Heroin

mil

lio

n p

eop

le

0%

1%

2%

3%

4%

ann

ual

pre

vale

nce

in

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f p

op

ula

tio

n

age

15-6

4

Drug use in the late 1990s Drug use in 2001/02

Drug use in 2003/04 Drug use in 2004/05

GRÁFICO 1. Estimativas do UNODC sobre o uso de drogas desde o fim da década de 1990 até 2004/2005 Fonte: ONU, 2006.

Com relação à cocaína, 0,3% da população, entre 15 e 64 anos, dela fez

uso, em 2004. O Relatório da ONU (2006) destaca que começa a delinear-se uma

estabilização, ou até um pequeno declínio, no consumo mundial, conforme mostra a

figura abaixo.

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Mudança no consumo de cocaína - 2004

Sources: UNODC Annual Reports Questionnaires data, National Household Surveys submitted to UNODC, United States Department of State (Bureau for International Narcotics and Law Enforcement Affairs), International Narcotics Control Strategy Report, Law Enforcement Reports, SACENDU (South African Community Epidemiology Network, UNODC, Meetings of Heads of Law Enforcement Agencies (HONLEA), School surveys.

FIGURA 1. Mudança no consumo de cocaína – 2004 Fonte: ONU, 2006.

O mercado das anfetaminas não apresenta grandes avanços (Cf. Figura 2) e,

de acordo com a ONU (op. cit., 2006), começa a se estabilizar, na primeira década

de 2000.

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Mudanças no uso de anfetaminas - 2004

Sources: UNODC Annual Reports Questionnaires data, UNODC (Regional Centre Bangkok) Epidemiology Trends in Drug Trends in Asia (Findings of the Asian Multicity Epidemiology Workgroup, National Household Surveys submitted to UNODC, United States Department of State (Bureau for International Narcotics and Law Enforcement Affairs) International Narcotics Control Strategy Report;Bundeskriminalamt (BKA) and other Law Enforcement Reports.

FIGURA 2. Mudanças no uso de anfetaminas – 2004. Fonte: ONU, 2006.

Já em relação ao ecstasy (Cf. Figura 3), o Relatório Mundial sobre as

Drogas, da ONU, informa que o número de apreensões aumenta de 5 toneladas, em

2003, para 8 toneladas, em 2004. O Brasil, a Argentina e o Uruguai são os países

que sofrem esse aumento. Apesar disso, o consumo, no Brasil, mantém-se estável.

Nos EUA, inicia-se um processo de declínio e, na Europa, começa a se estabilizar.

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Mudanças no uso de ecstasy (MDA, MDEA, MDMA) - 2004

Sources: UNODC Annual Reports Questionnaires data, UNODC (Regional Centre Bangkok) Epidemiology Trends in Drug Trends in Asia (Findings of the Asian Multicity Epidemiology Workgroup, National Household Surveys submitted to UNODC, United States Department of State (Bureau for International Narcotics and Law Enforcement Affairs) International Narcotics Control Strategy Report;Bundeskriminalamt (BKA) and other Law Enforcement Reports.

FIGURA 3. Mudanças no uso de ecstasy (MDA, MDEA, MDMA) – 2004. Fonte: ONU, 2006.

Entretanto, ao tentarmos estabelecer a vinculação entre a questão das

drogas e Saúde Pública, verificamos elos extremamente frágeis.

A OMS, no item “toxicodependência”, parece seguir a lógica exarada pelos

organismos financeiros multilaterais: fragmentação e focalização das ações.

Assim, o único documento encontrado, que demonstra uma visão mais

totalizante da questão das drogas, emana de uma área relativamente recente da

Medicina – a neurociência. Em um documento intitulado Neuroscience: usage de

substances psychoatives et dépendance (OMS, 2005), após fazer um levantamento

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global da situação internacional das drogas, apresenta-se um outro estudo,

minucioso, que vai desde a ação das drogas no SNC (simpático, parasimpático e

córtex cerebral), passando por fatores genéticos (longamente explicados, a partir

do DNA e afins) e sociais (Cf. Tabela 1), desembocando, finalmente, numa longa

discussão acerca dos tratamentos que podem surtir efeitos (farmacológicos e

comportamentais de base behaviorista).

Os anexos e as sugestões para as políticas de Saúde Pública não

ultrapassam dois parágrafos. Nessas últimas, observa-se que, ao lado de

considerações sobre um genérico e abstrato universalismo, o que, na realidade,

impera é a lógica atual do custo-benefício, até porque explicita que seu objetivo

central é “a mudança mundial da morbidade e da incapacidade atribuídas ao uso de

substâncias psicoativas” (OMS, 2005, p. 33). Assim, destacam-se:

� a resposta da Saúde Pública ao uso de substâncias deverá ser

proporcional aos danos sanitários que elas provocam;

� os maiores danos são sempre imputados às pessoas não-dependentes e

resultam de intoxicações agudas e overdose, bem como do modo de administração

(infecções com material não-estéril);

� “a dependência é uma afecção crônica e recorrente, que se apresenta

paralelamente a outras afecções físicas ou mentais”. (OMS, 2005, p.33, grifos

nossos);

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� o tratamento deve ser acessível a todos aqueles que dele necessitarem.

Existem intervenções eficazes, mas elas devem estar integradas aos sistemas de

saúde e dentro dos cuidados de saúde primários. O setor de saúde deve fornecer

os tratamentos que tenham a melhor relação custo-benefício .

TABELA 1. Consumo de Substâncias Psicoativas: fatores de risco e fatores de proteção

FATORES DE RISCO FATORES DE PROTEÇÃO

Circunstanciais Circunstanciais

• Disponibilidade de drogas

• Pobreza

• Transformações sociais

• Influência da cultura dos amigos

• Profissão

• Normas e atitudes culturais

• Políticas concernentes às drogas, ao tabaco e ao álcool

• Situação econômica

• Controle das situações

• Proteção social

• Integração social

• Acontecimentos positivos da vida

Individuais Individuais

• Predisposição genética

• Maus-tratos durante a infância

• Transtornos da personalidade

• Estrutura familiar desajustada e personalidade dependente

• Maus resultados escolares

• Exclusão social

• Depressão e comportamento suicida

• Capacidade de superar dificuldades

• Eficácia pessoal

• Percepção dos riscos

• Otimismo

• Comportamentos sanitários favoráveis

• Capacidade de resistir à pressão social

• Bons comportamentos em relação à saúde

Fonte: ONU, 2005 (p.23, grifos nossos).

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Analisando-se o impacto da utilização de drogas, em diferentes âmbitos −

seja individual, quando a família possui um dependente químico; no âmbito

econômico, com o narcotráfico movimentando bilhões de dólares, em todo o mundo;

na segurança pública, quando gera situações de violência; na saúde pública, com o

aumento do número de casos de doenças, internações e mortes −, percebemos que

todas essas situações desencadeiam conseqüências graves para sociedade, de uma

forma geral.

Lamentavelmente, no Brasil, o dado mais concreto a respeito do impacto da

dependência química na saúde pública é o registro formal do valor gasto com

tratamento dos usuários ou dependentes do álcool. Em 2001, só os gastos com as

internações, relacionadas ao alcoolismo, somaram mais 60 milhões reais pagos pelos

cofres públicos (BRASIL, 2003). Em contrapartida, nesse documento, do Ministério

da Saúde, não é mencionada a existência de despesas, e seu montante, decorrentes

do uso das substâncias ilícitas.

2.3 Panorama nacional das drogas

O Brasil possui diferentes perfis com relação à produção e à

transformação das drogas ilícitas.

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Aqui não se produz coca, porém, há uma rede de indústrias químicas que são

utilizadas para transformação da coca em cocaína e crack. As anfetaminas são

provenientes, principalmente, da Europa e da Argentina. Somente a maconha é

cultivada, no nosso país.

O Brasil faz parte da rota internacional do tráfico de drogas ilícitas,

devido à sua posição geográfica, sendo considerado um “país de trânsito”, ou seja, é

utilizado, pelos países andinos (Bolívia, Peru, Equador e Colômbia), como rota para

envio de drogas ilícitas, para os Estados Unidos da América do Norte e a Europa.

Segundo a UNODC (2005), o Brasil está estrategicamente localizado, no meio de

uma rede global de produção de drogas, aqui criando, assim, um paraíso financeiro

para os traficantes. Atualmente, as principais drogas traficadas, no país, são a

maconha, a cocaína e as drogas sintéticas (com destaque para o ecstasy).

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Fonte: Jornal O GLOBO, 10/09/2006.

As drogas que são traficadas, no território brasileiro, são direcionadas

para as áreas urbanas, uma vez que o objetivo é, para além do comércio interno,

exportá-las. Assim, ao contabilizar o número de usuários e dividi-los pelo número de

habitantes do Brasil, obtém-se uma estatística não-condizente com a realidade

vivenciada, no perímetro urbano.

O Brasil não possui uma estatística geral a respeito das apreensões de

drogas, uma vez que os sistemas das polícias civil, militar, federal e da alfândega

não são interligados. Os dados obtidos são os do Departamento de Polícia Federal,

estimando que as apreensões de drogas são, em média, de 9 toneladas/ano.

Esporadicamente, jornais e revistas publicam matérias quando há

apreensões, conforme podemos verificar na matéria abaixo: O GLOBO

(10/09/2006) traz uma reportagem destacando o número de apreensões de drogas

realizadas no Brasil

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2.3.2 A política brasileira para o álcool e outras drogas

Até a década de 90, o Brasil não dispunha de uma política específica para o

problema da dependência do álcool e outras drogas, restringindo-a a medidas

repressivas, direcionadas para o impedimento da oferta e do comércio das drogas

(e, mesmo assim, apenas em relação às drogas ilícitas).

A tentativa de estabelecer uma política nacional voltada para a área do

álcool e outras drogas data da década de 80; porém, somente foi efetivada no

governo de Fernando Henrique Cardoso.

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De forma pontual, destacamos alguns atos importantes desse período:

1980 - criação do Conselho Federal de Entorpecentes (COFEN), dos

Conselhos Estaduais de Entorpecentes (CONEN) e Conselhos Municipais de

Entorpecentes (COMEN)12, vinculados ao Ministério da Justiça e às Secretarias de

Justiça, dos estados, respectivamente.

1988 - aprovação da Política Nacional na Questão das Drogas, pelo COFEN,

não tendo sido implementada, todavia, devido a dificuldades políticas.

2001 – criação da Política Nacional Antidrogas (PNAD), vinculada ao

Gabinete de Segurança Institucional, da Presidência da República.

2003 – instituição da Política para a Atenção Integral a Usuários de Álcool

e outras Drogas, vinculada ao Ministério da Saúde.

2005 – aprovação da Política Nacional sobre Drogas, por meio da Resolução

Nº 3 (27/10/2005), do CONAD, que realinhou a Política Nacional Antidrogras, até

então vigente.

2.3.2.1 Política Nacional Antidrogas

Em 1998, é realizada uma Assembléia da ONU13, com objetivo de promover

discussão específica do problema das drogas, em nível mundial. O Brasil também

12 Posteriormente, essa nomenclatura foi alterada para Conselho Nacional Antidrogas (CONAD), Conselho Estadual Antidrogas (CEAD) e Conselho Municipal Antidrogas (COMAD). 13 A partir do fim da 2ª Grande Guerra Mundial, a ONU começa a estabelecer uma legislação internacional, a respeito da relação das substâncias controladas e proibidas. (Cf. OLIVEIRA, 2003).

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participa desse encontro e anuncia, naquele momento, a criação do Sistema

Nacional Antidrogas (SISNAD).

Esse episódio nos mostra que o Brasil elabora o SISNAD para cumprir uma

orientação internacional e não a partir de uma necessidade nacional. Esse Sistema

orienta-se pelo

[...] princípio básico da responsabilidade compartilhada entre Estado e Sociedade, adotando como estratégia a cooperação mútua e a articulação de esforços entre Governo, iniciativa privada e cidadãos – considerados individualmente ou em suas livres associações. A estratégia visa ampliar a consciência social para a gravidade do problema representado pela droga e comprometer as instituições e os cidadãos com o desenvolvimento das atividades antidrogas no País. (BRASIL, 2001, p. 8, grifos nossos).

Com isso, o governo deixa claro seu posicionamento: não considera as drogas

como um problema específico, de âmbito público, mas, sim, um problema a ser

enfrentado “através do compromisso de todos”, ou seja, uma recomendação

claramente neoliberal. Dessa forma, transfere a responsabilidade do Estado para a

sociedade, cabendo ao primeiro apenas apoiar as iniciativas existentes ou a existir.

Além disso, essa política não impõe a obrigatoriedade de execução, aos

estados e municípios; passa a ser uma escolha de quem é sensibilizado pelo

problema. Entendemos isto quando, no texto que a define, a política informa que

[ao] organizar e integrar as forças nacionais, públicas e privadas, o Sistema Nacional Antidrogas observa a vertente da municipalização de

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suas atividades, buscando sensibilizar estados e municípios brasileiros para a adesão e implantação da Política Nacional Antidrogas, em seu âmbito (BRASIL, 2001, p. 8, grifo nosso).

O SISNAD é composto por diversos órgãos, responsáveis pela formulação do

Programa Nacional Antidrogas, no ano de 2001, dentre eles, a Secretaria Nacional

Antidrogas (SENAD) e o Departamento de Polícia Federal (DPF), sendo clara a

orientação estadunidense e tendo por objetivo a abstinência do uso de drogas.

Cabe ressaltar que a SENAD é criada vinculada ao Gabinete de Segurança

Institucional, da Presidência da República, indicando que o direcionamento das

ações derivadas dessa política têm como alvo as substâncias ilícitas, apesar de as

substâncias lícitas serem as mais consumidas, no país.

Assim, naquele ano, Fernando Henrique Cardoso, então presidente da

República, apresenta à sociedade a Política Nacional Antidrogas, a qual, já na sua

introdução, destaca a relevância do tema das drogas, devido à sua associação com o

tráfico de drogas e crimes conexos, ou seja, são questões de ordem econômica que

motivam a existência desta política.

Seu caráter repressivo e moralista fica explicitado, logo no primeiro

pressuposto, que é buscar construir uma sociedade livre das drogas ilícitas e do uso

indevido das drogas lícitas; ou seja, é intolerada a existência das ilícitas, enquanto

a presença das drogas lícitas, na sociedade, é aceita, sugerindo que essas últimas

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não trazem danos de todo tipo, seja social, econômico, familiar, entre outros, para

os indivíduos que as usam.

Analisamos que se trata de um documento contraditório, pois, ao mesmo

tempo que, em um dos pressupostos básicos, está explícito que o indivíduo não deve

ser alvo de discriminação, pelo fato de ser usuário ou dependente de drogas, em

item subseqüente, argumenta que se deve buscar conscientizar o usuário de drogas

ilícitas acerca do papel nocivo que elas representam, ao alimentar as atividades e

organizações criminosas que têm, no narcotráfico, sua principal fonte de recursos

financeiros.

Outro pressuposto básico da PNAD, que acreditamos merecer destaque, é o

reconhecimento das “diferenças entre o usuário, a pessoa em uso indevido, o

dependente e o traficante de drogas, tratando-os de forma diferenciada.”

(BRASIL, 2001, p. 10). Há, aqui, seguramente, um avanço; porém, não fica explícito

de que forma é realizado esse tratamento diferenciado.

A PNAD é influenciada pela Lei nº 6.368/76, que continua em vigor até a

presente data (uma vez que será revogada quando a Lei 11.343/06 entrar em vigor

no mês de outubro do corrente), apesar de ter sido criada sob um regime ditatorial,

no qual o cenário, no que se refere a álcool e outras drogas, é totalmente diferente

do atual. Um exemplo disto é o fato de que tanto essa Lei quanto a PNAD

determinam a obrigatoriedade, para todos os brasileiros, do combate às drogas,

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seja ao uso seja ao tráfico. A Lei 11.343/2006, recém aprovada, não determina,

para os cidadãos, a obrigatoriedade de seu engajamento, no combate às drogas. A

Lei tem o enfoque no SISNAD e nas ações de prevenção, tratamento e punição dos

envolvidos nesta problemática.

Direcionando nosso olhar para os objetivos dessa política, temos, como

primeiro objetivo, “a) conscientizar a sociedade brasileira da ameaça representada

pelo uso indevido de drogas e suas conseqüências; [...]” (BRASIL, 2001, p. 13). Esse

primeiro objetivo apresenta, claramente, um discurso alarmista e aterrorizante,

que não encontra eco, na sociedade, de uma forma geral, pois não representa,

efetivamente, os efeitos dessas substâncias para considerável número de usuários.

Outros objetivos da PNAD são:

[...] g) coibir os crimes relacionados às drogas; h) combater o tráfico de drogas e os crimes conexos, através das fronteiras terrestres, aéreas e marítimas;

i) combater a “lavagem de dinheiro”, como forma de estrangular o fluxo

lucrativo desse tipo de atividade ilegal, no que diz respeito ao tráfico de

drogas;

[...]. (Id., ibid., p.14).

Na parte destinada à repressão, a orientação geral da PNAD é

b) Promover contínua ação para reduzir a oferta das drogas ilegais, dentre outros meios, pela erradicação e apreensão permanente daquelas produzidas no País e pelo bloqueio do ingresso das oriundas do exterior, destinadas ao consumo interno ou ao mercado internacional.

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(Id., p. 17).

Dentre os treze objetivos da política, o trabalho de prevenção às drogas é

informado da seguinte maneira:

b) educar, informar, capacitar e formar agentes em todos os segmentos sociais para a ação efetiva e eficaz de redução da demanda, fundamentada em conhecimentos científicos validados e experiências

bem sucedidas. (Id., ibid, p. 13).

Dessa forma, no capítulo quatro, desse documento, destinado à prevenção,

o primeiro item já expõe a visão governamental a respeito, ao informar que a

prevenção “é fruto da parceria entre os diferentes segmentos da sociedade

brasileira, decorrente da filosofia da “Responsabilidade Compartilhada”, apoiada

pelos órgãos governamentais federais, estaduais e municipais.” (p. 12). Ou seja, a

prevenção é relegada ao esforço e à boa vontade da sociedade.

A PNAD é financiada pelo Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD), que tem

sua gestão a cargo da SENAD. Os recursos do FUNAD são constituídos de

dotações específicas, estabelecidas no orçamento da União; de doações; de

qualquer tipo de recurso (que tenha um valor econômico), apreendido em

decorrência do tráfico de drogas ou que tenham sido utilizados, de qualquer forma,

em atividades ilícitas de produção ou comercialização de drogas abusivas.

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O que percebemos é que existem ações para coibir tanto a oferta quanto a

demanda, mas são ações isoladas, que não dão conta de um problema tão amplo e

complexo. Cruz e Ferreira (2001) expõem que um dos fatores que gera essa

complexidade é o fato de, a partir da década de 80, o Brasil passar a ser uma rota

alternativa para o tráfico de cocaína, em decorrência da repressão desenvolvida

nos outros países sul-americanos.

Com isso, a droga atravessa o país, desde as fronteiras até os portos do

sudeste, principalmente os do Rio de Janeiro e de Santos (SP). De lá, é enviada

para a Europa, EUA e Ásia, com objetivo de ser distribuída para os outros países.

Porém, com o tempo, o que era para ser só uma rota, transforma-se, também, em

uma forma de “abastecimento” do mercado consumidor, em âmbito nacional (CRUZ e

FERREIRA, 2001).

Veloso et al (2004, p. 166) analisam que o caráter repressivo impresso aos

programas preventivos e assistenciais, desenvolvidos pela PNAD,

[...] refletem a direção assumida pela política nacional antidrogas, e servem de reforço para a desqualificação moral, o preconceito e o horror ao “drogado” e às suas famílias [...] a pessoa envolvida com drogas ilícitas é vista não como alguém com direitos e deveres, mas como um “sujeito mutilado”, que vive no “limbo social”, pela sua condição de ‘fora da lei’.

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As autoras argumentam, ainda, que a PNAD segue o entendimento de que

todo problema é proveniente das drogas, sem perceber o indivíduo como sujeito, na

sua situação de dependente, pautando-se na crença de que pode existir “uma

sociedade sem drogas”.

Em contraposição a essa análise, Oliveira (2003, p. 108), ao discorrer a

respeito da prevenção, do tratamento, da recuperação e da reinserção social,

constantes da PNAD, avalia que, apesar de essa política ser oriunda de um órgão da

área de segurança

[...] teve uma abordagem bem ampla, não se reduzindo às orientações acerca de medidas de repressão. Enfoca a prevenção, o tratamento, a recuperação e a reinserção social e ainda incorpora a noção de redução de danos. Além disso, faz menção às drogas lícitas. [embora também reflita que] “a denominação Antidrogas, denuncia seu vínculo com a ideologia de combate às drogas, ou seja, da idéia irreal de existir uma sociedade liberta das drogas.

No ano seguinte à elaboração dessa política, ocorre a eleição presidencial,

tendo como vencedor Luiz Inácio Lula da Silva. No primeiro ano desse governo, é

criada uma outra política para o enfrentamento da questão das drogas, no país,

através do Ministério da Saúde, chamada Política para Atenção a Usuários de

Álcool e Outras Drogas.

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2.3.2.2 A Política para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas

A Política para Atenção a Usuários de Álcool e Outras Drogas baseia-se,

legalmente, na Constituição Federal, de 1988; na legislação que organiza o Sistema

Único de Saúde (SUS); e na Lei nº 10.216, de 06/04/2001, que institui a Reforma

Psiquiátrica, tendo por objetivo o tratamento ao indivíduo através do método de

redução de danos.

Percebemos que, teoricamente, essa política possui um perfil diferente da

PNAD, elaborada no governo FHC, pois, enquanto a Política implementada no

governo FHC diz “compartilhar” a responsabilidade com a sociedade, a Política

elaborada no governo Lula traz, integralmente, para o Estado a responsabilidade

pela atuação governamental na questão das drogas: [...] o Ministério da Saúde

assume de modo integral e articulado o desafio de prevenir, tratar, reabilitar os

usuários de álcool e outras drogas como problema de saúde pública (BRASIL, 2003,

p. 9-10).

O Ministério da Saúde discute a questão do álcool e outras drogas,

apontando suas sérias implicações sociais, econômicas, psicológicas e políticas, e

argumenta que uma política de promoção, prevenção, tratamento e de educação

para o uso de álcool e outras drogas deve ser construída nas interfaces dos

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programas do Ministério da Saúde, com os outros Ministérios, e com setores da

sociedade civil organizada.

Assim, ao visitarmos as instituições e ao analisarmos como a política está

sendo implantada, percebemos que esse discurso não se efetiva, na realidade, pois o

trato do álcool e outras drogas continua sendo realizado de forma fragmentada, e

ainda não há, de fato, nem um número suficiente de unidades de atendimento

extra-hospitalares (os CAPS-ad), no país, para atender essa demanda nem outras

ações eficazes que expressem a implementação da política de prevenção.

Continuamos a assistir a um trabalho de repressão, em detrimento da prevenção e

do tratamento.

Voltando nossa atenção para a questão do tratamento, verificamos que o

Ministério da Saúde direciona sua política para atuar em todas as questões

subjacentes à utilização do álcool e outras drogas, por meio do método de redução

de danos, direcionamento esse que, segundo Oliveira (2003), esse Ministério segue,

desde 1994, quando assumiu a redução de danos, como estratégia de prevenção da

AIDS, entre os usuários de drogas injetáveis (UDI). Pode-se considerar um avanço,

em relação à política anterior, o fato de aquele órgão expor, de forma precisa, esse

aspecto de sua política:

[...] a lógica da redução de danos é considerada no documento, tanto apropriada para o processo de planejamento, implantação e

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implementação de ações de prevenção, como estratégias direcionadas à diminuição dos fatores de riscos e ao fortalecimento dos fatores de proteção, implicando em inserção comunitária, com a colaboração de todos os segmentos sociais, visando a minimização das conseqüências globais de uso de álcool e drogas. (OLIVEIRA, 2003, p. 116-117).

Analisamos que, ao optar pelo método da redução de danos, o Ministério da

Saúde avança, no sentido de entender e respeitar o indivíduo, percebendo-o como

sujeito da sua vida, podendo escolher entre manter a abstinência ou reduzir os

danos a si mesmo e à sua comunidade (família, amigos, trabalho etc).

A redução de danos entende que as drogas fazem parte da sociedade e são

consideradas como mercadorias a serem consumidas, tendo o sujeito a

responsabilidade de escolher, pois deve usá-las sabendo dos riscos, podendo

escolher qual droga usar, onde usar e como usar. O objetivo da redução de danos é

a pessoa humana, na perspectiva de que os danos decorrentes do uso de drogas

resultam da interação entre um sujeito, um produto e um contexto sociocultural.

O Ministério da Saúde corrobora essa análise e explicita que os indivíduos

estão em situação de maior vulnerabilidade, para utilização de substâncias

psicotrópicas, quando “estão insatisfeitos com a sua qualidade de vida, possuem

saúde deficiente, não detêm informações minimamente adequadas sobre a questão

de álcool e drogas, possuem fácil acesso às substâncias e integração comunitária

deficiente.” (BRASIL, 2003, p. 28).

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Esse método reconhece cada usuário na sua singularidade e traça

estratégias voltadas para a defesa da sua vida, sendo considerado como um caminho

para um tratamento baseado na responsabilidade do usuário com o seu tratamento

e a própria saúde. Dessa forma, o método de redução de danos é voltado para as

conseqüências provocadas pela droga e não para sua oferta, tendo por

[...] objetivo a diminuição dos danos decorrentes do uso de drogas na perspectiva de possibilitar uma melhor qualidade de vida para o sujeito, informando-o e respeitando sua liberdade para exercer sua autonomia e cidadania de decidir quando parar de usar drogas, se assim o desejar.

(VELOSO et al, 2000, p. 173).

Stronach (2004) destaca que a epidemia da AIDS fez com que as áreas

médicas e de saúde pública se juntassem em torno de um objetivo comum, que foi

conter sua expansão, entre os UDI, por intermédio de ações voltadas para redução

de danos. Exemplo emblemático é a troca das seringas.

A redução de danos vem como uma alternativa à abstinência (aqui entendida

como a não-utilização de determinada substância), uma vez que não a impõe, pois

discute com o indivíduo o que é a substância, seus efeitos e os riscos a que se

expõe, no momento de utilização, sejam substâncias lícitas ou ilícitas. Compreende-

se que o uso se dá na esfera individual, e, portanto, a decisão para utilização, ou

não, também pertence ao indivíduo.

Complementando essa análise, Erwig e Bastos (2000) discutem que se tem

conseguido poucos resultados, na redução do consumo de drogas, com as medidas

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coercitivas e autoritárias desenvolvidas pelas forças políticas conservadoras e a

mídia.

Enquanto essas propostas autoritárias colocam a responsabilidade do cuidado

de si para outros (exemplo: família), a proposta de redução de danos “é a aposta na

capacidade de autodeterminação e flexibilidade de alternativas [...]” (Id., ibid.,

2000, p. 245), sendo considerada por estes autores, como “uma filosofia ampla de

trabalho e investigação”.

Para isso tornam-se necessárias medidas de saúde pública e não medidas

repressivas, de controle social dos sujeitos.

Na Política Integral para Atenção a Usuários de Álcool e Outras Drogas, o

tratamento dessa demanda é realizado em unidade extra-hospitalar, o CAPS-ad, o

qual tem, por definição, que oferecer “serviços de atenção psicossocial para o

desenvolvimento de atividades em saúde mental para pacientes com transtornos

decorrentes do uso prejudicial e/ou dependência de álcool e outras drogas.”

(BRASIL, 2003, p. 23), com proposta de atendimento extra-hospitalar de atenção

psicossocial dos pacientes, através das modalidades intensiva, semi-intensiva e não-

intensiva, devendo ser interligadas ao meio social e cultural nos quais os pacientes

vivem, diferentemente da forma “tradicional” de tratamento, que separa o usuário

e/ou dependente do seu convívio social.

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Segundo o documento em que essa Política Integral de Atenção a Usuários

de Álcool e Outras Drogas está consubstanciada, o CAPS-ad tem os seguintes

pressupostos: o atendimento diário baseado na lógica de redução de danos; oferta

de condições para repouso e desintoxicação ambulatorial; atendimento aos

familiares dos usuários e promoção da reintegração social, através de parcerias

com os recursos locais, com objetivo de inseri-los em atividades de lazer, saúde,

educacional, entre outros. (p. 36).

Analisamos que, apesar de se tratar de uma “boa” política, efetivamente

não está sendo desenvolvido nenhum trabalho relevante que a diferencie da

orientação traçada pelo governo anterior.

2.4 DROGAS: discussões presentes na sociedade

O consumo do álcool e outras drogas, indiscutivelmente, é um tema da área

médica; porém, é um fenômeno tão complexo que não se restringe somente a ela.

Para entender a dependência, é preciso analisar o indivíduo, a substância consumida

e o contexto sociocultural, no qual estão inseridos.

Com isso, entendemos que o fenômeno da dependência química é complexo e

multifatorial, devendo ser entendido nos seus diversos elementos constitutivos

inter-relacionados que são os aspectos biológico, psicológico, sociocultural e as

drogas em si, ou seja, compreendendo o homem de uma forma integral. Assim, faz-

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se necessário analisar a dependência não somente pelo viés médico, mas, também,

levando em consideração o tempo e a sociedade em que ela se apresenta como

fenômeno.

Bucher (apud OLIVEIRA, 2003, p. 61) realiza essa análise ao discutir que

[...] o engendramento de drogadições corresponde a um processo complexo onde intervém, além de substância, o contexto sociocultural e econômico (com suas pressões e condicionamentos múltiplos) e a personalidade do usuário (com suas motivações pessoais, conscientes e inconscientes).

Oliveira (2003) sinaliza que, no século XX, a expansão do consumo de

drogas ilícitas ocorre, principalmente, a partir dos períodos pós-guerra e da década

de 60. Calanga (apud OLIVEIRA, 2003, p. 67) analisa essa questão pelo mesmo

ângulo e afirma que

Inicialmente marginal, concentrado em certas regiões do planeta, o fenômeno disseminou-se no mundo inteiro, predominando nos países industrializados da América e da Europa. Ambas as guerras mundiais vieram sucedidas por uma onda de consumo de drogas pesadas pelos adultos sem, contudo, constituir um problema social. Após os anos 60, a droga atinge uma população cada vez mais jovem, num movimento de crítica a todo o sistema ocidental de valores. (Calanga apud OLIVEIRA, 2003, p. 67).

Oliveira (2003, p. 68) prossegue e reforça a análise de Calanga, ao

argumentar que

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O consumo e o enfoque das drogas chamadas ilícitas assumem outra dimensão dentro do contexto dos anos sessenta. Inicialmente, através do movimento hippie, reação contracultural da juventude nos EUA, apresenta-se como uma contestação do status quo. Entretanto, nas décadas seguintes, com o avanço do narcotráfico, um dos negócios mais bem sucedidos no período da crise econômica mundial, a relação com

essas substâncias muda de conteúdo, uso e contexto. (Oliveira, 2003, p. 68).

A partir desse incremento no consumo e no status de ilegalidade das drogas

ilícitas, expande-se o narcotráfico, transformado em um comércio internacional, no

qual seus “produtos” chegam às mãos dos seus compradores, em qualquer lugar no

mundo, atingindo todas as classes sociais.

Em contrapartida, alguns autores analisam que a pobreza foi o grande

propulsor das drogas, no Brasil, afirmando que um dos fatores que podem favorecer

esse contato com as drogas é a questão da classe social, uma vez que as pessoas

das classes mais desfavorecidas podem ter um contato maior e mais precoce com

esse universo.

Zaluar (2000) e Araújo (1997), também, destacam a pobreza, em suas

análises sobre as drogas. Segundo essas autoras, a pobreza está passando por um

processo de feminização e infantilização, trazendo como exemplo, dados do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que, em 1989, indicavam que

50,5% das crianças e adolescentes brasileiros pertenciam a famílias com renda per

capita inferior a meio salário mínimo e 27,4%, a famílias com renda per capita

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inferior a 25% do salário mínimo. O IBGE verifica, ainda, que o número de crianças

e adolescentes vivendo em condições de pobreza e miséria que, em 1980, era de 30

milhões, passa a 32 milhões, em 1989.

Enfatizando sua análise, Araújo (1997, p.242) discute que ”o baixo nível de

renda das famílias pobres brasileiros tem contribuído para a evasão escolar e para

o ingresso de crianças e adolescentes no mercado de trabalho.”. Em torno de 11,6%

da população economicamente ativa é composta de crianças e adolescentes, que

entram, precocemente, no mercado de trabalho.

Das famílias com renda per capita inferior a 25% do salário mínimo, 56%

têm a mulher como chefe, e mais de 40% das famílias chefiadas por mulheres estão

abaixo da linha da pobreza.

Sabe-se que a pobreza pode induzir o uso de drogas ou o trabalho no

tráfico; pórém, não é o determinante, senão, todas as crianças e adolescentes das

áreas mais empobrecidas fariam parte desse universo e, de uma forma geral, não é

essa a realidade. O contexto no qual o indivíduo vive é somente um dos fatores que

incidem sobre essa problemática, mas não é o único determinante e é necessário

termos clareza dessa situação para não culpabilizar e marginalizar mais ainda a

pobreza.

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Precisamos discutir que essa situação de pobreza exacerbada, no Brasil, a

partir da década de 1990, não é um fato isolado ou gratuito; que ela é uma das

conseqüências do neoliberalismo implantado, no país, e direcionado, doravante, para

o compromisso com o capital financeiro-especulativo ― nacional e internacional ―,

em detrimento dos investimentos sociais e de infra-estrutura.

O país entra em um período de crise e

Uma das características desse período foi a abertura desregrada das fronteiras nacionais com a drástica redução das tarifas alfandegárias, ampliando a oferta de produtos importados. A contrapartida de ampliação das exportações não se verificou, e o resultado foi o saldo de uma situação de superávit (US$ 29,5 bilhões em 1989) para déficit (US$ 45,8 bilhões em 1999). Era a estratégia de combater a inflação com produtos importados a preços menores do que os nacionais. Dizia-se: a indústria nacional precisa se modernizar para competir. Cadeias produtivas inteiras foram desarticuladas, a dependência externa aumentou e consolidou-se ainda mais [...] com as reformas, as conseqüências sociais foram dramáticas: desemprego aberto, perda de

postos assalariados e trabalho precário. (COGGIOLA, 2004, p.27-28).

O incentivo à produção é relegado a segundo plano, o trabalho formal vai

perdendo espaço, no mercado de trabalho, e o trabalho informal cresce,

exponencialmente. A população vai empobrecendo, cada vez mais, e a desigualdade

social e econômica, ampliam-se, de forma nunca antes ocorrida.

Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, por um partido de

esquerda, o Partido dos Trabalhadores (PT), e sua posse, em 2003, acreditava-se

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que o direcionamento político e econômico seria diferente. Porém, o que assistimos

é a continuação do governo de Fernando Henrique Cardoso. Coggiola (2004, p. 50)

discute que

[...] a política macroeconômica do governo Lula representou e representa uma continuação das políticas neoliberais da gestão de Fernando Henrique Cardoso. Ela responde à opção política do governo Lula de manter o legado FHC, aprofundando ainda mais o seu programa.

Lula tem discurso social, enquanto a prática é orientada pelo neoliberalismo,

que apesar de tão propagado investimento em políticas sociais, leia-se bolsa família,

a situação de miséria continua reinando no país.

Tornando-se cada vez mais pobres, as famílias são quase que obrigadas a

residir em favelas ou loteamentos periféricos. As favelas do Rio de Janeiro, por

exemplo, são cenários do desenvolvimento do narcotráfico e cresceram, nos últimos

15 anos, de forma desordenada, devido à ausência de políticas governamentais nas

áreas de habitação, saúde, educação, saneamento básico, cultura, entre outras,

gerando um vazio quase que total do Estado, nessas comunidades, tornando-as

locais propícios à instalação e ao desenvolvimento do comércio das drogas ilícitas.

(ARAÚJO, 1997).

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Assim, os moradores das favelas, na maioria trabalhadores, ficam expostos

ao domínio que os traficantes ali exercem, bem como às “guerras” tanto entre os

próprios traficantes quanto entre estes e policiais.

Zaluar (1993) destaca que o consumo de drogas está aumentando, tendo

como maiores consumidores os jovens e a população mais empobrecida; porém,

apesar de ser pano de fundo, Zaluar (2000) argumenta que nem a pobreza nem a

falta de colocação no mercado de trabalho são fatores preponderantes para

entrada no universo das drogas.

Ainda Zaluar (1994) discute que um fator de aproximação dos jovens com o

mundo das drogas é a percepção negativa que possuem sobre o trabalho. Associam-

no à escravidão: trabalhar muito, “ser mandado” e ganhar pouco. Nesse contexto, o

tráfico pode ser uma opção de ganhar dinheiro, em pouco tempo e “sem grandes

esforços”.

Analisando de forma similar, Minayo e Deslandes, (1998, p. 39) avaliam que

o crime organizado se institucionalizou, na década de 1980, no Brasil, tornando-se

uma possibilidade de trabalho, principalmente para os jovens pobres que se

encontram sem expectativa de obter emprego, no mercado formal, e, assim,

alcançar seus objetivos de “consumo, status e reconhecimento social”.

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Até a década de 1980, os moradores das favelas são estigmatizados, como

vagabundos ou desajustados; porém, a partir de então, com o desenvolvimento do

tráfico de drogas, nessas localidades, passam a ser considerados como bandidos ou

traficantes.

Araújo (1997) reforça essa análise, ao informar que a década de 80 foi um

marco, um divisor de águas, no que se refere à expansão do comércio das drogas.

Anterior a esse período, tinha-se o comércio da maconha, não muito lucrativo,

quando a defesa pessoal dos envolvidos era feita com revólver 38. Entre final de

1980 e início dos anos 1990, a maconha é substituída pela cocaína e o armamento

passa a ser mais pesado, como o AR-15. Esse quadro também se torna possível

devido à expansão da produção e comercialização de cocaína, na Colômbia, e a

consolidação dos cartéis. “Em conseqüência dessa nova realidade, os anos oitenta

foram palco do aumento da complexidade organizacional do tráfico e de uma

extraordinária ampliação de sua influência sobre a sociedade” (Id., ibid., p. 252).

Para essa autora, a ampliação de tal influência, na sociedade, foi possível

devido à deterioração da qualidade de vida dos segmentos populares urbanos,

“decorrente da ordem capitalista, que foi responsável pelo aumento do custo de

vida e, conseqüentemente, da pobreza urbana, exclusão e desigualdade social” (Id.,

ibid., p. 252).

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Analisamos que a expansão das drogas, naquelas décadas, não se deu de

forma gratuita, estando relacionada às alterações pelas quais o país passava. O

Brasil estava saindo de um período de ditadura, que desenvolveu, entre outras, uma

política voltada para um grande desenvolvimento econômico; porém, como os

interesses se voltavam para o capital nacional e para o estrangeiro, esse

crescimento foi “repartido” entre os mais ricos, não redistribuindo a riqueza

gerada para os mais pobres, estes ficando em último plano.

Apesar de a ordem capitalista sempre ter sido o direcionador da condução

governamental, no Brasil, o país passa, na década de 80, por uma terrível crise

econômica, com a inflação desenfreada (chegando perto dos 2.000% ao ano) e os

salários desvalorizados, os quais geram, entre outras conseqüências, aumento da

pobreza e da desigualdade social.

Sem investimentos (governamentais) na área social, as periferias e favelas

que se organizavam eram locais ideais para o acolhimento do comércio de drogas

ilícitas.

Zaluar (1993) avalia que a má distribuição de renda, de benefícios e de

serviços faz do Brasil um país com grandes fissuras sociais. Apesar de a pobreza

não explicar a prática de ações não-aceitáveis pela sociedade, em conjunção com as

falhas do Estado, que não cria possibilidades de ascensão profissional, torna-se

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atraente para o jovem a adesão a subculturas e/ou a adoção de comportamentos

não-admissíveis ou passíveis de punição.

Em sua análise, a autora supra (op. cit.) constata que os jovens, que, na

maioria, aproximam-se do tráfico como usuários, acabam por contrair dívidas

provenientes do uso e, para saldá-las, são levados a cometer atos ilícitos e passam a

se comportar como traficantes. Assim, envolvem-se, cada vez mais, com o tráfico e

com a escalada da violência.

Na nossa concepção, o uso, ou abuso, e a dependência química não ocorrem,

somente, nas camadas mais empobrecidas da população, como analisam alguns

autores. A mídia nos informa, todos os dias, de situações de dependência ou

envolvendo algum tipo de violência, ligadas ao mundo das drogas, por jovens de

classe média ou da classe alta.

Para Elias (apud LIMA e de PAULA, 2004, p. 98), uma das raízes da

associação entre juventude e violência

[...] é o fato de o crime organizado em torno do tráfico de drogas e de armas fazer uso intenso de mão-de-obra juvenil e, ainda, ocupar as brechas deixadas pelo poder público e se constituir como esfera de poder violento sobre significativas parcelas da população.

Oliveira (2003, p. 81) analisa que todos esses problemas, que o indivíduo

sofre, cotidianamente, fazem com que seja criado

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[...] um ambiente propício ao consumo de álcool e outras drogas. Afinal, são anestesiantes capazes de alterar a percepção da realidade e aliviar o sofrimento psíquico ocasionado pela sensação de insegurança no trabalho e a ampliação do desemprego provocada pela reestruturação do capital.

Apesar de a instituição ‘família’ estar sofrendo transformações, em escala

mundial, são as famílias empobrecidas que mais sofrem com as mudanças sócio-

econômicas produzidas pelo Estado neoliberal. O crescente desemprego gerado

pelas alterações no mercado de trabalho, como a flexibilização e a necessidade de

trabalhadores polivalentes, provocando o cancelamento de muitos postos de

trabalho, entre outras alterações, traz, por conseqüência, um alto volume de

adultos desempregados, os quais não são sequer oprimidos ou explorados: não

interessam ao capital, sendo deixados de lado, sendo verdadeiramente excluídos.

Uma das conseqüências deste processo é a necessidade de que crianças e

adolescentes precisem ingressar no mercado de trabalho para contribuir no

sustento da famílias, ou até mesmo, ser a única fonte de renda.

Esse processo pelo qual as classes mais pauperizadas passam, desencadeia

grandes dificuldades em todos os âmbitos das suas vidas. Freqüentemente, essa

população marginalizada possui baixa escolaridade devido a, repetimos, quando

crianças e/ou adolescentes precisarem ingressar no mercado de trabalho para

contribuir no sustento da famílias, ou até mesmo, ser a única fonte de renda. Desta

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forma, para os jovens que não possuem perspectiva de vida positiva para fora da

favela, estar envolvido no tráfico pode ser uma estratégia de sobrevivência

(ARAÚJO, 1997; SOUZA, 2000).

Na análise da relação entre criminalidade e drogas, Cruz e Ferreira (2001,

p. 104) divergem da discussão citada acima, notadamente, do destaque ao jovem

pobre, inserido no tráfico, porque percebem que o comércio de cocaína agrava a

violência urbana “pela via da repressão, extorsão policial, crimes para o

financiamento, seja do comércio, seja do uso individual, o aumento do consumo da

cocaína está relacionada ao agravamento da violência urbana”.

Devido aos diversos fatores que envolvem a utilização e o comércio das

drogas, faz-se necessário perceber que a resolução do problema não pode ser

feita, somente, pela repressão ao tráfico, porque, sem alternativas ocupacionais e

de geração de renda, podem ser criados problemas e conflitos mais sérios que os

provocados pelo comércio ilegal de drogas. (SOUZA, 2000).

Outros autores destacam a família, como agente facilitador para o uso de

drogas. Para alguns estudiosos, a família tem o papel principal de afastar ou

aproximar o indivíduo do uso de substâncias que causem dependência.

Sales (1997) discute que a participação das mulheres, no mercado de

trabalho, é um fenômeno mundial e que todas as modificações ocorridas, no país,

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nas últimas décadas, fazem com que as mulheres engrossem as estatísticas

nacionais a respeito do número de trabalhadores. Assim, no período de 1960 a

1990, o índice de participação feminina, no mercado de trabalho, passa de 16% para

39%. Paralelamente a isso, também há o aumento do número de mulheres chefes de

família no mesmo período, passando de 10% para 20% dos domicílios. Dessa forma,

a família começa a passar por um rearranjo, em decorrência dessas alterações

econômicas e sociais, ocorridas na sociedade brasileira, com conseqüências no

desempenho dos papéis de gênero e nas obrigações relativas aos cuidados para com

os jovens e idosos.

Outros autores que discutem o papel da família são Schenker e Minayo

(2003), destacando a sua importância, com relação ao uso de drogas, por ser o

ambiente familiar o locus da socialização primária; assim sendo, cabe a ela o papel

de cuidador de crianças e adolescentes e é ela que favorece as bases para seu

desenvolvimento. Essas autoras se voltam para o estudo da utilização das drogas, na

adolescência, e indicam que

[...] o sintoma do uso indevido ou abusivo da droga irrompe quando o contexto familiar e sociocultural oferecem condições de possibilidades para o seu surgimento e desenvolvimento; o comportamento de um indivíduo afeta e é afetado pelo comportamento do outro numa relação

de circularidade e não de linearidade. (SCHENKER e MINAYO, 2003, p.300)

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Sinalizam, ainda, que o uso de SPA é feito por adolescentes “com baixa

auto-estima, sintomas depressivos, eventos de vida estressantes, baixa coesão

familiar e ligação com amigos que consomem drogas” (Id. ibid., p. 301), ou seja,

problemas “exclusivamente individuais”. Em outras palavras, transfere-se para o

indivíduo toda a culpa pela utilização, como se a predisposição orgânica, o meio

social e o acesso à droga não tivessem influência nesse consumo.

O Ministério da Saúde diverge dessa análise, percebendo que o próprio

indivíduo, sua família, seus pares e a comunidade podem ser “fatores de risco” ou

“fatores de proteção”, com relação à possibilidade do indivíduo usar, ou não, algum

tipo de droga, ou seja, depende da conjunção de cada um desses fatores, para a

facilidade, ou não, para utilizá-los. (BRASIL, 2003).

Na visão de Schenker & Minayo (2003), as normas para comportamento

social, incluindo aí a utilização de drogas, são apreendidas nas fontes primárias de

socialização: família, escola e amigos, na infância e na adolescência. Um “forte”

vínculo com essas fontes preveniria desvios ou amizades com “más companhias”. A

família tem papel importante, tanto para proteger o adolescente quanto na criação

de condições para que este utilize drogas, uma vez que, de todas as formas de

socialização, a proporcionada pela família é a mais significativa. Essas autoras

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afirmam que, quando uma família é saudável, transmite “boas orientações”, enquanto

que “famílias disfuncionais” podem transmitir “más orientações”.

Em nossa análise, esse tipo de visão é altamente moralizante,

preconceituosa e unilateral, como se somente a família fosse responsável pela ação

dos indivíduos.

Os mesmos autores (2003), de acordo com suas experiências com famílias

de dependentes, avaliam que

[...] as famílias adictas buscam “terceirizar” suas responsabilidades com relação a seus filhos. Cultivam um tipo de comportamento irresponsável, como se o dever de monitorar e supervisionar o comportamento dos adolescentes fosse algo mecânico, robótico, sem a necessidade de construção prévia da relação de confiança. Quanto mais a família é “desengajada” nas suas relações interpessoais maior risco seus filhos

correm de desenvolver comportamentos anti-sociais. (Id., ibid., p. 305).

Ora, a culpa não pode ser colocada exclusivamente na família, como se esta

vivesse descolada da realidade, pois culpabilizar a família seria tirar a

responsabilidade do indivíduo pelos seus atos e transferi-la para terceiros, neste

caso, a família.

Além disso, não é só a família adicta que “terceiriza” a criação dos seus

filhos. No mundo moderno, onde as pessoas estão mais preocupadas e ocupadas com

sua sobrevivência ou com melhoria das condições de vida, a responsabilidade de

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criar e educar os filhos foi transferida para outros círculos sociais, como por

exemplo, a escola.

Sales (1997) também discute que vivemos em um contexto de mudanças, no

padrão familiar, que sofreu alterações, nos últimos 20 anos, em todos os segmentos

da população brasileira. A diminuição do tamanho da família e o maior rearranjo nas

relações familiares fazem com que os mecanismos de solidariedade familiar se

fragilizem e que se possa contar, cada vez menos, com os membros da família.

O que se observa, então, no Brasil, em todas as classes sociais e com mais ênfase nas camadas médias e populares, é uma erosão da capacidade da família em termos de aglutinação e regulação dos indivíduos para a vida em sociedade. (Id., ibid., p. 178, grifos da autora).

A família vive em permanente tensão, com relação à sua subsistência,

precisando encontrar meios para garanti-la, e, assim, a formação dos indivíduos que

deve ser realizada em âmbito familiar fica relegada a segundo plano.

Esse novo arranjo familiar se torna um problema, na medida em que,

simultaneamente, o Estado diminui sua atuação, no que tange a mecanismos de

seguridade social, a população fica desprovida de meios que auxiliem na sua

sobrevivência.

É necessário indicar que existem diferentes discussões sobre as formas de

facilitação do uso de álcool e outras drogas, pois enquanto Zaluar (1993; 1994;

2000) percebe o problema como oriundo da pobreza, Oliveira (2003) argumenta que

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a utilização depende da dinâmica indivíduo – produto – contexto, e não só do

contexto. Já o Ministério da Saúde afirma que a família, como a comunidade, pode

ser um fator de risco para o jovem iniciar o uso de drogas, lícitas e ilícitas.

Analisando a Política de Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas,

percebemos que ela coloca a sociedade como facilitadora, ou não, do consumo, mas,

em nenhum momento, discute-se que o sistema político-econômico, desenvolvido

pelos países, pode ser um agente propiciador do uso dessas substâncias.

Voltando nossa análise para os problemas decorrentes dessa utilização

indevida ou da dependência, percebemos que, via de regra, o problema das drogas (e

seus desdobramentos e implicações) vai chegar às mãos do assistente social, uma

vez que as drogas provocam conseqüências negativas, em todos os âmbitos da vida

do sujeito. Dessa forma, o assistente social se depara com os mais variados tipos

de problemas: violência doméstica, desemprego, mau desempenho escolar,

criminalidade, necessidade de tratamento, entre outros.

Por isso, é muito importante que o assistente social tenha conhecimento a

respeito das drogas, como um fenômeno mundial que acarreta diversas

conseqüências sociais, psicológicas, econômicas, políticas e culturais. Pensando

nessas questões, através do olhar do Serviço Social, torna-se muito relevante

analisarmos quem são os assistentes sociais que lidam com essa situação e qual é a

prática, desenvolvida ou requerida, no âmbito dessa área tão complexa.

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CAPÍTULO 3

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O Serviço Social na dependência químicaO Serviço Social na dependência químicaO Serviço Social na dependência químicaO Serviço Social na dependência química

O campo de atuação em ambulatórios e clínicas que possuem um trabalho

voltado para o dependente do álcool e outras drogas é relativamente novo para o

Serviço Social. De uma forma geral, o Serviço Social começa a ser requisitado, por

instituições dessa natureza, no Rio de Janeiro, no decorrer da década de 1980.

Apesar de o assistente social, anteriormente a esse período, já atuar em

diversos problemas sociais provenientes da dependência química, o trabalho

específico, nessa área, a partir dos anos 80, se deve à ênfase dada àquela

problemática, quando dois fatores se conjugam: primeiro, a necessidade de criação

de instituições, para atendimento ao dependente químico, em cumprimento ao artigo

9º14 da Lei nº. 6.368/76; e segundo, a expansão do tráfico de drogas, nos centros

urbanos.

Como o poder público se volta, principalmente, para a repressão da oferta

de substâncias ilícitas, o vácuo existente, na questão do tratamento, é preenchido

pelas instituições filantrópicas, as quais, numa iniciativa pioneira, começam a

contratar assistentes sociais, para atuar especificamente nessa área, inaugurando

uma nova demanda institucional para a profissão. 14 Art. 9º As redes dos serviços de saúde dos Estados, Territórios e Distrito Federal contarão, sempre que necessário e possível, com estabelecimentos próprios para tratamento dos dependentes de substâncias a que se refere a presente Lei. (V. Lei nº 6.368/1976).

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Passadas duas décadas, já contamos com algumas instituições públicas, para

tratamento de dependentes do álcool e outras drogas, com caráter ambulatorial e

de internação, contando, em seus quadros, com assistentes sociais. Por isso,

direcionamos nosso estudo para essas instituições, por percebermos tanto a sua

importância, na implementação das políticas públicas a respeito do álcool e outras

drogas quanto, em especial, o papel do assistente social nas mesmas.

Dessa forma, focamos nosso estudo na atualidade, um período de

alterações no trato da dependência química no Brasil, uma vez que, data desse início

de século, a criação das primeiras políticas federais preocupadas em intervir nessa

problemática, numa perspectiva mais ampliada.

Assim, nossa pesquisa foi realizada em três instituições públicas, no Rio de

Janeiro, que atendem dependentes químicos. Uma vez que não dispomos de muitas

instituições com esse perfil, manteremos, na análise de nossos dados, o anonimato

dos assistentes sociais que, entendendo a relevância do nosso estudo, concederam

as entrevistas para que pudéssemos desenvolver a pesquisa. É importante ressaltar

que nosso intuito não é resguardar as instituições. Porém, ao expô-las, estaremos

também expondo esses profissionais.

As instituições analisadas foram escolhidas devido à sua orientação

governamental, pois, como discutido anteriormente, co-existem, atualmente, duas

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políticas no trato do álcool e outras drogas. Assim sendo, escolhemos instituições

que tivessem diferentes direcionamentos governamentais, ou seja, tanto as que

atuam de acordo com diretrizes da PNAD, quanto as que o fazem, segundo

diretrizes da Política para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras

Drogas. Nosso objetivo, além de analisar a prática profissional, foi perceber a

influência dessas políticas nessa referida prática. Delimitamos, pois, nosso estudo a

três organizações: dois ambulatórios e uma clínica para internação.

Como já explicitado (Cf. Introdução), o universo a ser pesquisado seria,

inicialmente, de onze assistentes sociais; porém, devido a um estar de férias e,

outro, de licença médica, só foi possível realizar nove entrevistas, atingindo 81,81%

da nossa meta inicial.

Pesquisamos instituições que prestam atendimento tanto por via da

internação (clínicas) quanto do tratamento ambulatorial (ambulatórios).

3.1 Clínica

Na nossa pesquisa, verificamos que o governo do Estado do Rio de Janeiro

possui três clínicas, para internação dos dependentes de álcool e outras drogas, que

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prestam seus serviços de forma gratuita. Além dessas, não existem clínicas

mantidas pelo poder público, sejam municipais sejam federais, no Rio de Janeiro.

Aquelas se localizam nos municípios do Rio de Janeiro, de Barra Mansa e de

Valença, são financiadas pelo governo estadual e totalmente gerenciadas por

Organizações Não-Governamentais (ONG), sendo cada unidade gerida por uma

diferente.

Essa informação é fornecida pelo próprio sítio do Estado, na Internet15, ao

destacar que “O serviço é integralmente financiado pelo Estado e operacionalizado

através de convênios com as ONG: Comunidade S 8 (Rio de Janeiro), Semente do

Amanhã (Barra Mansa) e Nova Aliança (Valença)”. (Secretaria Estadual da Família e

Assistência Social).

Apesar de o tratamento à dependência química ser um tema da área da

saúde, as clínicas criadas, no governo de Anthony Garotinho16, pertencem à

Secretaria Estadual de Ação Social, orientação mantida pela atual governadora,

Rosinha Matheus, obedecendo à lógica (também adotada pela Prefeitura do Rio de

Janeiro) de deslocamento das questões relativas à saúde e à educação para a

esfera da Assistência Social.

15 V. http://www.assistenciasocial.rj.gov.br/pages/programas_clinicas_populares.asp 16 Aqui, referimo-nos à gestão de Anthony Garotinho (1999-2002), sem esquecer que sua esposa era, então, a Secretária da Ação Social, sendo posteriormente eleita governadora do Estado do Rio de Janeiro (2003-2006).

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Percebemos que a forma como o governo do Rio de Janeiro está atuando, na

questão das clínicas populares, segue orientação, claramente, neoliberal: investe

dinheiro público, para criar e equipar a clínica, e, depois, incentiva, por meio do

financiamento, uma ONG a geri-la, a qual executa, portanto, uma ação que é de

responsabilidade governamental.

Outro fator de crítica é que essa maneira de atuar, ajuda, também, a

precarizar as relações trabalhistas, pois todos os funcionários (do faxineiro ao

Diretor, passando pelos assistentes sociais) são contratados pelas ONG, as quais

detêm os critérios – não-claros - de contratação e manutenção dos vínculos

empregatícios.

A clínica pesquisada situa-se em uma área rural. Para lá chegar, o único

meio de transporte disponível é o chamado “transporte alternativo”, que deixa o

passageiro à beira da estrada, precisando este andar, por uma estrada de terra,

até chegar à clínica. É necessário ressaltar que não existem placas, com nome das

ruas, nos arredores da clínica, como não existem quaisquer indicações do acesso à

mesma.

Na nossa análise, essa trabalhosa localização se torna mais um fator a

dificultar a vida do dependente químico, pois esse obstáculo se apresenta a ele, no

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momento da internação, na clínica, bem como, para seus familiares, no que tange à

realização periódica de visitas.

Nas entrevistas, obtivemos a informação de que, há algumas décadas, esse

local tinha sido uma clínica psiquiátrica. Assim, percebemos que a lógica da exclusão

do convívio social, que ocorrera, outrora, repete-se, nos dias atuais, com relação

aos internos por dependência química.

O atendimento na clínica é dividido em duas etapas:

Primeira etapa: INTERNAÇÃO

A clínica tem capacidade para 90 pessoas, as quais ficam internadas, em

média, por 45 dias. Os internos ficam em alojamentos, separados por sexo.

De uma forma geral, possui, em seu quadro funcional, os seguintes

profissionais: assistente social, psicólogo, enfermeiro, professor de educação

física, pedagogo, médicos (de diferentes especialidades, inclusive psiquiatra),

nutricionista, terapeuta de família, técnico em enfermagem e técnico em

reabilitação de dependência química17.

17 Anteriormente, eram chamados “conselheiros em dependência química”. Os técnicos são pessoas com escolaridade de nível médio, que fizeram curso de aconselhamento, sendo a maioria constituída de dependentes químicos, em recuperação.

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A forma de o usuário ser internado, nas clínicas populares, é mediante

encaminhamento do Conselho Estadual Antidrogas (CEAD), do Centro Psiquiátrico

do Rio de Janeiro (CPRJ) ou do Centro Estadual de Tratamento e Reabilitação de

Adictos (CENTRA-RIO).

Essas desenvolvem, primeiramente, um atendimento ambulatorial dos

dependentes químicos e, quando a equipe avalia que a internação é necessária, faz

contato com uma das clínicas estaduais e encaminha o usuário à mesma. Dessa

forma, o usuário não pode buscar, por meios próprios, a sua internação.

Outra instância, além dos órgãos citados, que pode proceder a esse

encaminhamento, é a justiça, que o faz, em diferentes casos, como, por exemplo,

presos em situação de liberdade condicional, dependentes químicos que estejam

cumprindo pena alternativa, entre outras possibilidades.

A internação é um ato voluntário do dependente químico; porém, no que

tange aos dependentes químicos encaminhados pela justiça, em muitos dos casos,

trata-se de internações compulsórias e, assim, mesmo que não seja o perfil

atendido pela clínica, esta tem que cumprir a determinação judicial.

Nas clínicas, o primeiro contato do paciente é, diretamente, com o serviço

médico, para verificação de seu quadro clínico, de doenças pré-existentes etc. Caso

haja constatação positiva, por exemplo, de tuberculose, ele é orientado,

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primeiramente, a se tratar e não é internado, de imediato, uma vez que, nas

clínicas, são tratados somente problemas de dependência química. Caso não haja, é

encaminhado ao Serviço Social, que realizará uma anamnese mais aprofundada.

O assistente social realiza um levantamento da história de vida do paciente,

com objetivo de identificar e orientar as demandas que ele apresenta, podendo

essas estar relacionadas à previdência, a problemas familiares, entre outras

demandas sociais. Há a preocupação em averiguar as condições previdenciárias do

usuário, no momento da internação, para não deixar que ele perca um direito

adquirido; por exemplo, ao verificar que o usuário tem direito ao auxílio-doença,

orienta a família a respeito dos procedimentos para solicitar o benefício, junto ao

Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS.

A clínica possui biblioteca, que é utilizada pela pedagoga, na realização da

atividade de reforço escolar, visto que, segundo a informação dos assistentes

sociais, a maioria dos usuários são semi-analfabetos.

Os técnicos em reabilitação em dependência química têm a função de

orientar os internos e com eles discutir o “programa dos 12 passos”18, que a clínica

adotou para que os pacientes alcancem a abstinência.

18 Não procuramos aprofundar nossa investigação a respeito do “método dos 12 passos”, por não ser nosso objeto de estudo ou imprescindível a este. A descrição detalhada dos “12 passos” pode ser encontrada em www.adroga.casadia.org/recuperacao/12_passos_na_recuperacao.htm.

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Esse programa é um método criado pelos Alcoólicos Anônimos (AA), em

1950, e por ser uma entidade internacional, é seguido, há várias décadas, no mundo

inteiro. Os fundadores do AA criaram 12 normas, ou passos, que os dependentes do

álcool devem seguir, para se manterem abstinentes, destacando a sua impotência

perante a substância e a necessidade de entregar sua vida e suas vontades a um

Ser Superior.

Esse método, possui uma linha que seus militantes denominam de

“espiritual”. Alguns destaques desse método são o reconhecimento da impotência

diante da droga; a percepção da dependência química como doença física, doença

mental de fundo emocional e uma doença de relacionamento, chamada, pela AA,

doença espiritual. Com isso, deve o paciente trabalhar sua ansiedade e reconhecer

que precisa de ajuda e que um Ser Superior o ama e o apoiará. Esse processo é

seguido, nessa clínica pública, sem qualquer tipo de cunho científico, e é

desenvolvido, diretamente, entre os conselheiros em dependência química e os

pacientes, sem nenhuma interferência dos profissionais da instituição, seja o

assistente social, o psicólogo ou o médico.

Esse programa serve de base a outras entidades que trabalham a questão

da dependência e/ou compulsão, em todo o mundo (por exemplo: Narcóticos

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Anônimos – NA), com objetivo de que indivíduos mantenham o controle e não se

submetam ao objeto de compulsão.

Segunda etapa: ACOMPANHAMENTO AMBULATORIAL

Os pacientes que ingressam no ambulatório são oriundos da internação. A

equipe é composta de um assistente social, um psicólogo e dois técnicos em

reabilitação de dependência química.

O acompanhamento ambulatorial é desenvolvido através da realização de

grupos semanalmente, às segundas e sextas-feiras. Às segundas-feiras, são

atendidos somente dependentes químicos e, às sextas, são os dependentes químicos

e os familiares, porém, em grupos separados. Nos encontros das sextas-feiras, os

participantes são divididos por grupos, existindo um grupo específico para quem não

se manteve abstinente, no último mês. Quando o sujeito fica mais de um mês

mantendo a abstinência, ele volta para os grupos “normais” (sic).

Ao ouvirmos esse relato do colega, a respeito desse tipo de atitude para

com os dependentes químicos em recuperação, questionamo-nos sobre o quanto essa

conduta é discriminatória. Separa o sujeito do convívio com os demais, da mesma

forma que muitos indivíduos e grupos agem, na sociedade, e, ainda, expõe-no, ao

colocá-lo em um grupo “à parte” dos demais.

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O assistente social participa dos grupos e relata que sua carga horária (24

horas semanais) é insuficiente para realização dos trabalhos grupais, dos registros

de evolução dos participantes, nos prontuários dos mesmos, e, ainda, para realizar

atendimentos individuais. Dessa forma, percebemos que as atividades dos grupos e

o respectivo relato, nos prontuários, por ser uma demanda institucional, são

valorizados, em detrimento dos atendimentos individuais.

Com relação à infra-estrutura da clínica, o setor de internação dispõe de

alojamentos feminino e masculino; biblioteca; cantina, refeitório, sala de TV, jardim

e enfermaria. Na internação, uma sala fica disponível para o Serviço Social, ao

passo que, no setor de ambulatório, é destinada uma única sala para toda a equipe e,

na maior parte das vezes, os grupos se reúnem no jardim.

3.2 Ambulatórios

No Rio de Janeiro, existem algumas instituições para o atendimento ao

dependente químico que atuam ambulatorialmente, pertencendo às esferas estadual

e federal. Para além destes, o Estado conta também com alguns CAPS-ad19, já

existentes em consonância com as diretrizes da política para o trato do álcool e

19 Atualmente, o estado do Rio de Janeiro conta com CAPS-ad nos municípios de Belford Roxo, Campos, Niterói, Paraíba do Sul, Rio de Janeiro e Volta Redonda. Informação disponível no sitio do Ministério da Saúde, http://www.portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/riodejaneiro1.pdf.

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drogas desenvolvido pelo Ministério da Saúde. Diferentemente das clínicas, todos

os ambulatórios pertencem à esfera da Política Social de Saúde..

Os ambulatórios realizam atendimentos ao dependente químico e seus

familiares a partir de demanda espontânea ou encaminhada e, da mesma forma que

as clínicas, o tratamento só é realizado se essa decisão for voluntária.

O atendimento pode ser em grupo ou individual, dependendo da necessidade

apresentada. A periodicidade dos grupos varia entre duas a três vezes na semana e

o público-alvo são pacientes envolvidos com todos os tipos de drogas.

Em geral, são de fácil acesso para os usuários, pois se situam em bairros

que contam com diferentes tipos de transporte (ônibus, trem e metrô).

Com relação à infra-estrutura, no ambulatório 01, existem salas específicas

para os profissionais, salas para realização das atividades dos grupos e um mini-

auditório (onde são realizados cursos internos e para agentes multiplicadores,

palestras, entre outros).

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No ambulatório 02, a instituição dispõe de diversas salas para os grupos

terapêuticos, mas não existe uma sala específica para cada profissão20. O local é

pequeno, em relação ao número de profissionais.

A forma de ingresso dos usuários pode ser por meio de demanda

espontânea ou por encaminhamento, sendo a triagem realizada por profissionais de

nível superior, como médico, assistente social, psicólogo.

A respeito da demanda espontânea, um assistente social entrevistado

destaca que o dependente químico, em geral, procura tratamento, quando começa a

fazer um uso abusivo das drogas, gerando, em conseqüência, conflitos familiares e

desemprego. Ele relata, ainda, que os usuários conhecem a instituição por

intermédio de algum conhecido que já tenha feito tratamento ou de jornal.

Com relação à demanda encaminhada, qualquer instituição pode fazê-lo.

Atualmente, as que mais se destacam são os abrigos21.

No ambulatório 01, a triagem é realizada pelo assistente social, que

encaminha o paciente à avaliação clínica, feita por psicólogos. São os psicólogos que

20 Contrariando a Resolução CFESS nº 493/06, de 21 de agosto de 2006 que dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional do assistente social. 21 Abrigos são instituições, na maioria, pertencentes ao poder público – governo municipal – que têm como objetivo servir como local de moradia temporária a pessoas que não possuem habitação ou que estão passando por algum tipo de situação provisória de privação da mesma. Exemplos: moradores em situação de rua ou pessoas vítimas de catástrofes naturais que perderam suas residências.

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avaliam qual é o melhor tratamento para o dependente, podendo ser a participação

em grupos, no ambulatório, de duas a três vezes por semana; ou encaminhamento ao

ambulatório intensivo22, que o paciente freqüenta, de segunda à sexta-feira, no

horário de 8 às 16 horas, ou, ainda, encaminhamento à internação, em uma clínica

pública.

No ambulatório 02, a triagem é feita por dois profissionais, sendo um deles,

sempre, um médico psiquiatra, acompanhado de outro profissional, com qualquer

outra formação de nível superior. Dos assistentes sociais que trabalham na

instituição, somente um realiza triagem; os outros se dedicam, exclusivamente, ao

trabalho em grupos.

De uma forma geral, percebemos que a entrevista inicial, que o assistente

social realiza com o dependente químico, serve apenas para o registro da anamnese,

sem um desdobramento posterior, como na caso da clínica.

Observamos que, em um dos ambulatórios, existe um número fixo de

atendimentos de primeira vez. Caso apareça algum dependente químico ou um seu

familiar, que ultrapasse essa quantidade, é orientado a retornar, no dia seguinte,

para ser atendido.

22 Dentro do ambulatório 01, foi criado um ambulatório intensivo. Os dois dividem o mesmo espaço físico, porém, contam com profissionais diferentes.

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Apesar de entendermos que a dependência química é uma demanda

“pesada”, exigindo do assistente social, na maioria das vezes, um conhecimento e

uma atuação muito ampla e desgastante, avaliamos que, muitas vezes, pode-se

“perder” esse usuário. Ou seja, um dependente químico, ou um familiar, que procura

o serviço e não consegue ser atendido, pode se sentir desestimulado para retornar

e se tratar; ou pode não ter dinheiro para retornar, no dia seguinte; ou, ainda, não

conseguir liberação do emprego, entre outras possibilidades.

Nos dois ambulatórios analisados, a família passa pela triagem e é

encaminhada ao grupo de família, variando o profissional que desenvolve esse

trabalho, podendo ser o psicólogo ou o assistente social.

A respeito do atendimento ao público-alvo, as duas instituições trabalham

com o dependente químico e sua família e, caso o primeiro não queira realizar

tratamento, este pode ser feito só com a família. A justificativa é que esse

procedimento produz efeitos indiretos, no dependente, conforme relato de um

assistente social entrevistado, o qual informa existir uma melhora, no

relacionamento entre o dependente e a família, após esta ter começado a fazer

tratamento ambulatorial.

Cada instituição, portanto, trabalha de uma forma diferenciada, na questão

ambulatorial. Não observamos nenhum tipo de contato, entre os assistentes sociais

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dos ambulatórios, na tentativa de traçar experiências e/ou padronizar os

atendimentos. Em todos, são realizados tratamentos individuais e em grupo, sendo

priorizado o atendimento grupal.

Em um dos ambulatórios, os grupos terapêuticos são organizados, de acordo

com o tipo de droga usada ou com o perfil do usuário do serviço, como, por exemplo:

o grupo de mulheres, com integrantes acima dos 30 anos, que não desejam a

participação de pacientes de sexo masculino, no seu grupo de tratamento; o

programa adulto jovem, para jovens de até 29 anos; programa de alcoolistas, para

maiores de 40 anos, que fazem uso de álcool e cigarro, entre outros.

No outro, o trabalho é focado no perfil do usuário e não no tipo de

substância usada. O principal é o trabalho em grupo: grupo de família, grupo de

espera por internação, grupo de entrevista motivacional, grupo de mulheres, grupo

de pós-tratamento, entre outros.

No ambulatório 01, o atendimento individual é realizado pela Psicologia. A

atuação do Serviço Social é solicitada, quando o dependente químico precisa de

algum tipo de encaminhamento e/ou de documentação, ou, ainda, quando está com

algum problema com a família e o psicólogo não é capaz de resolver. Com relação aos

grupos, somente um assistente social atua em um grupo específico, junto com outro

profissional.

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Um dos ambulatórios tem uma característica peculiar: dentro dele foi

criado um outro, chamado ambulatório intensivo, tendo um trabalho diferenciado.

Nele, o dependente químico freqüenta grupos, de segunda- à sexta-feira, como

brevemente mencionado, anteriormente, e é assistido por uma equipe

multidisciplinar, composta de assistente social, psicólogo, psiquiatra e técnicos em

reabilitação em dependência química.

O Serviço Social desenvolve seu trabalho, na parte da reabilitação desse

indivíduo, ou seja, ele já se tratou ou se ele está em fase de finalização do

tratamento e está voltando à vida social Por isso, criou um grupo específico, junto

com a Psicologia, denominado reinserção profissional, o qual tem por objetivo

discutir, com o usuário, questões importantes com relação à sua saída da

instituição. O Serviço Social trabalha questões objetivas e, a Psicologia, questões

subjetivas, com vistas ao fortalecimento do sujeito, para que ele possa retornar à

vida social e ao mercado de trabalho, com uma estrutura mais sólida.

Um dos assistentes sociais relata que está realizando diversos contatos

institucionais, buscando firmar parcerias que permitam conseguir-se, para os

usuários, a inserção, seja em cursos seja em emprego.

A composição profissional dos dois ambulatórios é variada; porém, existe

uma equipe comum a todas as instituições: assistente social, médico, psicólogo,

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psiquiatra e técnicos em reabilitação em dependência química. Além desses, outros

profissionais podem nela atuar: acupunturista, enfermeiro, farmacêutico, médico

homeopata, nutricionista, técnico em enfermagem, terapeuta ocupacional, entre

outros.

3.3 Os assistentes sociais

Ao analisarmos todas as entrevistas, verificamos que o universo pesquisado

varia muito, com relação à faixa etária, mas encontramos predominantemente

profissionais com idade acima dos 30 anos, conforme o gráfico a seguir.

GRÁFICO 2. Idades dos assistentes sociais

A respeito das instituições formadoras desses assistentes sociais, temos o seguinte panorama:

FAIXA ETÁRIA

0 0,5

1 1,5

2 2,5

3 3,5

4 4,5

20/9 anos 30/9 anos 40/9 anos 50/9 anos

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GRÁFICO 3. Dependência administrativa das instituições formadoras

Com relação ao vínculo empregatício, todos são contratados (oito são

contratados e um concursado). Porém, uma característica percebida, em uma das

instituições, é que todos os assistentes sociais contratados são ex-estagiários, os

quais trabalharam, voluntariamente, por um período, e, depois, foram contratados.

Todos os assistentes sociais dos ambulatórios relatam que nas instituições existem

profissionais tanto concursados quanto contratados, e que não existe diferença no

tratamento que lhes é dispensado. Com relação ao tempo de atuação, na área da

dependência química, nossos entrevistados dividem-se assim:

INSTITUIÇÕES FORMADORAS

0

1

2

3

4

5

6

Pública Privada

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TEMPO DE ATUAÇÃO NA ÁREA DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA

0

0,5

1

1,5

2

2,5

2 anos 3 anos 4 anos 10 anos 22 anos

GRÁFICO 4. Experiência na área de dependência química.

No que tange ao sexo, somente um dos entrevistados é do sexo masculino.

Esse dado vai ao encontro do que observamos no cotidiano, uma vez que a

esmagadora maioria dos assistentes sociais é composta por mulheres.

Dentre os entrevistados, seis possuem mais de um emprego e, de uma

forma geral, a carga horária semanal, nas instituições, é de 24 horas.

Sabemos que, quando o assistente social é contratado, o contratante

espera que ele desenvolva um determinado conjunto de atividades, dentro da carga

horária estabelecida. Dessa forma, supõe-se que a carga horária seja compatível

com as atividades a serem executadas. Todavia, as atividades, individuais ou

coletivas, de reflexão e de planejamento se tornam um pouco mais difíceis, pois as

atividades de atendimento, em ambulatório ou em clínica, ocupam, praticamente,

todo o tempo dos profissionais. Ao lado disso, por possuírem outro emprego, não

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dispõem de tempo extra, para ficar na instituição, a qual deveria prever, na jornada

de trabalho, as horas necessárias a essas outras tarefas.

Ao perguntarmos aos assistentes sociais se consideram importante

atualizar-se, para o desenvolvimento de sua prática profissional, 100% afirmaram

que sim; todos informaram já haver realizado algum tipo de curso, após a

formatura, e todos, também, já fizeram algum curso específico, na área da

dependência química. Em contrapartida, dos nove entrevistados, apenas dois

retornaram à academia, para fazer o mestrado (ambos na área de Serviço Social),

porém somente um o concluiu e obteve o respectivo título.

TABELA 3. Cursos realizados pelos assistentes sociais

CLINICA N AMBULATÓRIO 1 N AMBULATÓRIO 2 N

Especialização em saúde mental

1 Aperfeiçoamento em dependência química

1 Mestrado em Serviço Social

1

Curso de direito penal 1 Cursos que a instituição oferece

2 Curso em saúde mental 1

Aperfeiçoamento em terapia familiar

1 Pós-graduação em terapia de família

1 Especialização em dependência química

2

Pós-Graduação em terapia de família

1 Pós-Graduação em dependência química

1

Aconselhamento em dependência química

1 Cursos de atualização em dependência química no NEPAD

1

Especialização em responsabilidade social

1

Pós-graduação em saúde 1

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É importante destacar que a clínica e o ambulatório 01 não investem em

capacitação dos seus profissionais, ou viabilizam-na, por outros mecanismos.

Somente o ambulatório 02 oferece essa possibilidade.

Nas nossas entrevistas, percebemos que, na instituição que viabiliza a

capacitação dos assistentes sociais, seja mediante dispensa ou por troca de

horário, os profissionais realizam mais cursos do que aquela que não oportuniza a

capacitação. Percebemos, também, dos relatos, que são profissionais que trabalham

mais satisfeitos e cientes de que são valorizados pela coordenação da instituição.

Uma observação realizada é que, apesar de todas serem instituições

públicas, contam com estruturas diferenciadas e que o incentivo aos profissionais

depende, subjetivamente, da direção da instituição e não das condições objetivas,

dadas, inclusive em norma legal, pelo poder público.

Ao discutirmos a questão do conhecimento teórico, todos os entrevistados

afirmaram ser ele necessário ao assistente social, para desenvolver suas atividades

profissionais, variando os argumentos, conforme relatos abaixo:

→ reconhece a necessidade de ter conhecimento teórico que embase o

Serviço Social, para dialogar com as outras profissões, no desenvolvimento

do trabalho (entrevistado 5).

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→ “é necessário o embasamento teórico, tanto que, para isso, tem

especialização e cursos” (entrevistado 4);

→ tem necessidade de estar atualizado, devido a realizar palestras e

precisar tirar dúvidas dos participantes (entrevistado 2);

→ é fundamental, porque a área de álcool e outras drogas não é discutida na

graduação (entrevistado 1);

→ porque a área de álcool e outras drogas é dinâmica e está sempre

mudando alguma coisa (entrevistado 3);

→ “é importante estar em contato com a produção acadêmica, com a

produção de outros centros de tratamentos, estar sintonizado com essa

área. A partir do momento que a gente começa a buscar, escrever, ler

sobre a questão da dependência química, a gente pode aprimorar cada vez

mais o trabalho.” (entrevistado 5).

→ “É muito importante. Porque você melhora tudo: seu trabalho, melhora

sua forma de ver o outro, melhora a dinâmica da tua relação com o

profissional que tá do lado, você pensa sobre coisas que você não tava

conseguindo ver. Então, pra mim, é fundamental”. (Entrevistado 8).

Nos relatos, fica claro que, para alguns assistentes sociais, o conhecimento

teórico é um tipo de informação pontual, de que eles necessitam para realização de

alguma atividade imediata.

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Não explicamos aos entrevistados o que seria conhecimento teórico, na

nossa concepção, assim como não explicamos qualquer outra pergunta, uma vez que

esperávamos cada questão envolvesse conceitos recorrentes na profissão.

Apesar de entendermos que o conhecimento teórico é um conhecimento

amplo, que, em geral, norteia a nossa visão de mundo e sua análise a respeito dos

processos sociais e societários, os assistentes sociais parecem se apegar a

assuntos pontuais, desvalorizando – ou não possuindo a compreensão global – as

metanarrativas. Por exemplo, informam que precisam desse conhecimento para a

realização de palestras, como se não dele precisassem para desenvolvimento das

outras atividades inerentes à profissão. Não elencam o conhecimento da realidade

como ferramenta para a realização do trabalho profissional, e não indicam

reconhecer que, para que conheçam a realidade, precisam de um suporte teórico.

Perguntamos, então, quais as leituras feitas recentemente e bibliografias

usadas no cotidiano. As respostas obtidas foram as seguintes:

SERVIÇO SOCIAL

DEPENDÊNCIA QUÍMICA

OUTRAS ÁREAS

BIBIBLIOGRAFIA UTILIZADA NO COTIDIANO

Maria Inês Souza Bravo

Artigos em Geral Psicologia Social Legislação, em geral

Marilza Iamamoto (sic).

Artigos sobre Justiça Terapêutica

M. Foucault Materiais sobre dependência

química

Marilda Vilela Iamamoto

Norma Operacional Básica (NOB)

Coletânea de leis do Conselho

Regional de Serviço Social (CRESS)

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José Paulo Netto Sistema Único da Assistência Social

(SUAS)

Lei Orgânica da Assistência Social

(LOAS)

Serviço Social Clínico

Material do INSS

Serviço Social e Saúde

QUADRO 2. Leituras realizadas recentemente

Apesar de não serem dados expressivos, é importante pontuar que um

assistente social relatou que não tem realizado nenhum tipo de leitura, a respeito

do Serviço Social; dois informaram o mesmo fato, quanto à dependência química, e

três relataram que não utilizam nenhuma bibliografia, no cotidiano.

Verificamos que, apesar de todos dizerem ser importante ter um

conhecimento teórico, para desenvolvimento do trabalho, as leituras realizadas, na

realidade, são poucas e pontuais. Além disso, segundo relatos, na maioria das vezes,

destinam-se à prestação de provas para algum concurso público, descoladas de

implicação na sua prática cotidiana.

No início da pesquisa, acreditávamos que os profissionais oriundos das

instituições públicas de educação superior seriam os que teriam uma leitura mais

aprofundada e um melhor domínio teórico; mas não foi isso o que percebemos, de

uma forma geral. Verificamos que os mesmos não possuem o costume de dedicar-se

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a leituras, pois algumas das obras citadas foram lidas devido a exigências externas

(concurso público).

Os assistentes sociais não explicitam o motivo pelo qual não estão

desenvolvendo nenhum tipo de estudo individual de obras da área específica do

Serviço Social ou de áreas afins, mas acreditamos que seja em razão da não

priorização da contínua capacitação na vida desses profissionais.

É importante destacar que, por intermédio dos relatos, percebemos que os

assistentes sociais desenvolvem suas atividades, sem pensar, todavia, no que isso

poderia contribuir para o desenvolvimento do indivíduo como um sujeito político.

No que tange ao planejamento, observamos que nem todos creditam a esse

instrumento a importância que merece e a necessidade que dele, efetivamente, têm.

Discutir, com os assistentes sociais, a questão do planejamento mostrou-se

muito difícil. A impressão que tivemos foi de que falávamos a respeito de algo

desconhecido. Somente um entrevistado respondeu, de forma clara, que não existe

um planejamento do Serviço Social, no desenvolvimento de suas atividades, apesar

de estar realizando várias, dizendo que “O trabalho do Serviço Social acabou sendo

agregado a uma demanda da instituição” (Entrevistado 1). Esse assistente social

relata ter uma crítica a essa ausência de projeto, mas ainda não conseguiu reverter

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essa situação e, para ele, o Serviço Social acaba assumindo o papel de terapeuta,

perdendo um pouco a especificidade da profissão.

Esse colega informa que já sugeriu, à Comissão de Dependência Química, do

Conselho Regional de Serviço Social (CRESS/7ª Região), a convocação de um fórum

para discutir o projeto de intervenção do assistente social, na área do álcool e

outras drogas.

Avaliamos tratar-se de um modo de pensar equivocado, por parte deste

profissional, pois a necessidade de realizar o planejamento da prática profissional

existe, em qualquer área de atuação na qual o assistente social esteja inserido, não

devendo esperar que o órgão fiscalizador da profissão se responsabilize por

elaborar o planejamento para o assistente social. Cabe a cada profissional, ou a

cada grupo de assistentes sociais inseridos na mesma instituição, realizá-la, com

base em sua realidade.

Outro entrevistado, após um momento de pausa, pede para pensar no que

vai responder e relata que o trabalho do Serviço Social é planejado, porque “planeja

sempre as palestras” que realiza. Mas quando reforçamos a pergunta, questionando

se o Serviço Social possui um planejamento geral das atividades, ele, após um

momento de inquietação, diz que não existe um projeto de intervenção específico

do Serviço Social.

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Um assistente social parece não entender a pergunta: “Planejado com

quem? Como?”, quando tentamos explicar que gostaríamos de saber se as atividades

que ele executa são planejadas, e responde que “as necessidades vão vindo e eu vou

executando” (Entrevistado 6).

Dois outros profissionais reclamam que o questionário deveria ter sido

deixado, com antecedência, para ser estudado e eles saberem o que deveriam

responder.

Um não responde e, quando perguntamos se tem algum projeto, fala frases

incompletas, sem sentido, e diz que tem projeto de se inserir nos grupos já

existentes, na instituição.

Outro entrevistado não respondeu se o trabalho do Serviço Social é

planejado. Insistimos, perguntando se o Serviço Social tem algum tipo de projeto

ou planejamento, e o assistente social informa que o setor possui alguns

projetos, mas estão parados. Não sabe dizer quem é o responsável pelos

planejamentos dessa área e fala que os projetos já existiam. Quando indagamos

quem elaborou essa rotina, não sabe responder e diz que, ao iniciar seu trabalho,

na instituição, isso já estava instaurado. Perguntamos se acha importante o

planejamento para o desenvolvimento das ações, diz que sim, mas que qualquer

coisa que tente planejar é muito difícil de executar.

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Outro responde que o trabalho do Serviço Social

[...] é planejado porque já tem aquela rotina: você chega aqui 9 horas, já tem gente para atender; você começa o atendimento de primeira vez, aí já começam os retornos. É realmente uma rotina, então isso é fixo, já é

certo. (Entrevistado 4).

Um dos assistentes sociais reclama de que não consegue planejar seu

trabalho, porque fica preso a questões pontuais, como realizar a internação. Porém,

poderia estar atuando junto às famílias, caso a direção acenasse com essa

oportunidade, mas o terapeuta familiar já exerce essa função. Na visão desse

entrevistado, isso é um fator negativo, pois o Serviço Social é que deveria

desenvolvê-la.

No aspecto positivo, somente um assistente social expõe, de forma clara,

se o trabalho do Serviço Social é planejado e de que forma é feito:

Nós temos a preocupação de tá montando projeto do Serviço Social, pra poder desenvolver o trabalho de uma forma mais organizada mesmo. E temos estagiária de Serviço Social, como, no caso, como o diálogo com outros profissionais é muito interessante, mas também há a necessidade de trocar com pessoas ligadas ao Serviço Social, a gente faz esse planejamento, nós fizemos esse atual planejamento semestral.

(Entrevistado 5).

Percebemos, pois, que, dos relatos de nove assistentes sociais, somente um

declara realizar um planejamento da sua prática profissional. Assim, as atividades

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realizadas pelos demais são soltas, desconectadas de um planejamento maior do

setor, sem buscar atingir um objetivo pré-determinado.

Após as respostas, perguntamos quem seria o responsável pela definição

das atividades desenvolvidas pelo Serviço Social. No ambulatório 01, foi-nos

informado que, quando começaram a trabalhar, na instituição, o Serviço Social já

atuava da forma como nos relataram. No ambulatório intensivo, o responsável pelo

planejamento do trabalho do Serviço Social é o assistente social, auxiliado pelo

estagiário.

No ambulatório 02, o trabalho não é planejado, não existe uma coordenação

do Serviço Social. Por isso, cada um organiza seu trabalho, de acordo com o que

acredita ser necessário, realiza as atividades solicitadas pela instituição; mas todos

deixam claro que a direção dá total liberdade para que proponham projetos de

atuação e informam que estão tentando montar um projeto comum do Serviço

Social.

Nesse caso, entendemos que cada profissional planeja suas atividades

diárias, sem existir um planejamento do Serviço Social “como um todo”, como uma

profissão inserida na instituição.

Na clínica, na primeira e na segunda etapas (internação e atendimento

ambulatorial, respectivamente), o Serviço Social não planeja suas atividades,

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realizando as demandadas pela instituição. Um dos assistentes sociais afirma que

dá importância ao planejamento e que, se não planejar, o assistente social acaba

sendo tarefeiro e que seu sonho é fazer o planejamento do trabalho do Serviço

Social.

Essa ausência de planejamento, ou do conhecimento do que seja e para que

serve, faz com que tenhamos uma preocupação a respeito do papel do assistente

social, nessas instituições, e de que forma o profissional é visto pelos usuários.

Acreditamos que um dos fatores que pode gerar essa dificuldade do Serviço Social,

em planejar suas ações, é o fato de não possuírem uma documentação própria,

específica, tanto nos ambulatórios, quanto nas clínicas de internação.

A documentação utilizada pelo Serviço Social, comum a todas as instituições

pesquisadas, é a determinada institucionalmente, ou seja, é a ficha de triagem,

acrescida das observações de todos os profissionais que atendem o dependente

químico. Relatos a seguir exemplificam essa situação:

A gente evolui nos prontuários dos pacientes, a gente não tem livro do Serviço Social [...] a recepção abre prontuário, quem triar ele, preenche

a ficha. (Entrevistado 1).

Não existe um programa pra registrar o Serviço Social; todos nós registramos da mesma forma. É a instituição que diz como registrar [...] é por produção: o que produzimos e o que fazemos, quantos atendimentos individuais, quantos em grupo, através de folha de

produção. (Entrevistado 2).

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Quando indagamos se existe alguma documentação do trabalho realizado,

esse último entrevistado responde que “só temos uma pasta de rede de recursos. É

como o Serviço Social atua, na instituição”.

No ambulatório 01, os documentos de que o Serviço Social dispõe são: ficha

de triagem, preenchida na primeira vez; folha de evolução, que é anexada ao

prontuário, quando o paciente retorna ao Serviço Social; folha de estatística; e

livro de reinserção social, utilizado quando o usuário é encaminhado. Os dois

primeiros documentos são guardados, no arquivo geral; a estatística vai para a

administração; e o livro é a única forma de registro que fica, no Serviço Social.

Um assistente social relata que a ficha de triagem sempre sofre

modificações, quando o Serviço Social percebe que estão ocorrendo alterações, no

perfil da população demandatária. Devido a não-existência de dados estatísticos no

Serviço Social que embasem essa análise, acreditamos que estas alterações são

realizadas empiricamente.

O ambulatório intensivo segue o mesmo padrão. Existe um livro de primeira

vez, no qual são anotados todos os dados do usuário que ali chega, pela primeira vez;

um contrato de convivência é confeccionado e fica anexado ao prontuário. Para os

pacientes atendidos, no grupo do Serviço Social, é confeccionada uma ficha de

histórico social, para que o profissional acompanhe os casos. O responsável pela

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criação desse histórico é o próprio Serviço Social. O livro já era um instrumento

existente, no projeto inicial.

No ambulatório 02, existem o prontuário e a estatística (folha de produção,

entregue à direção do ambulatório).

As clínicas seguem esse direcionamento e os documentos utilizados, pelo

Serviço Social, são: ficha de triagem, que fica no arquivo da administração; folha de

encaminhamento; relatório; livro de ocorrência, no qual um assistente social deixa

relato do seu dia de trabalho para o outro colega, assistente social, que estará, na

instituição, no dia seguinte; e existe, também, o livro de recursos.

Ao ingressar na clínica, é aberto um prontuário para o usuário e todas as

ações realizadas, a partir de então, são nele registradas. Quando o sujeito passa à

segunda etapa, é confeccionado um contrato e este é anexado à ficha de triagem.

O assistente social informa que o contrato serve para explicar as regras

da instituição e, caso necessário, fornecer orientações sociais. O assistente social

define o contrato da seguinte maneira:

[...] eu faço um contrato terapêutico, mesmo de internação, explico as regras até para amenizar; alguns vêm pensando que é uma clínica psiquiátrica, que vai ficar junto com maluco. Antigamente era assim; graças a Deus, o governador proporcionou que houvesse uma

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clínica popular, porque antes era tudo pago. (Entrevistado 6, grifos nossos).

Na segunda etapa, o único documento existente é o prontuário, que é

preenchido por todos os profissionais, no momento do atendimento respectivo.

Percebemos que os profissionais são tidos como uma equipe, na qual todos

atuam junto ao dependente, e, conseqüentemente, nenhuma profissão possui um

prontuário ou documentação específica.

Isso pode ser positivo, devido à troca de informações entre os

profissionais, mesmo que de forma indireta, pois, às vezes, o que o paciente relata

para um profissional, pode não relatar para um outro, podendo tratar-se de uma

informação importante para todos os que lidam com o dependente químico.

Indagando de que forma os assistentes sociais percebem a viabilidade ou

serventia dos documentos existentes, tivemos as seguintes respostas:

No ambulatório intensivo, as fichas do grupo de reinserção social (grupo

coordenado pelo Serviço Social) estão sendo levantadas, com objetivos tanto de

montar um perfil desses usuários quanto de registrar o trabalho feito pelo Serviço

Social. O entrevistado diz que percebe que isto é importante, devido à falta de

material escrito, sobre o trabalho do Serviço Social na dependência química.

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Verificamos, em outro ambulatório, que a documentação não possui outra

utilização que não seja registrar a entrada do usuário, na instituição, e seus

possíveis retornos ao Serviço Social. Segundo relatos, a única utilização da

documentação existente diz respeito aos estagiários, que pesquisam as fichas

visando a elaboração de suas monografias de final de curso.

Em outro ambulatório, o assistente social relata que a ficha de triagem já

serviu de fonte para levantamentos a respeito do perfil dos seus atendimentos.

Exemplo: se são usuários ou familiares, locais de residência predominantes etc. Os

dados dos pacientes também são utilizados, em reunião de equipe, quando fazem

discussão de caso clínico, precisando, para tal, resgatar a ficha do paciente.

Outro assistente social relata que, ao escrever no prontuário, reflete a

respeito do seu trabalho junto ao usuário e do crescimento deste.

Na clínica, relatou-se que, devido à falta de tempo, a documentação não é

utilizada em nenhum tipo de estudo, reflexão ou algo similar. Na segunda etapa, a

finalidade é, somente, o registro das informações do paciente.

A ficha de anamnese é vista como um papel a ser preenchido e arquivado.

Outro documento que tem essa mesma finalidade é a estatística. Nos ambulatórios,

a estatística de atendimento registrada é a determinada pela instituição, a cuja

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administração é entregue, no fim do dia, ficando o Serviço Social sem nenhum tipo

de estatística ou registro dos atendimentos realizados.

Em nossa visão, isso ocorre porque o assistente social não percebe a

importância, para a prática profissional, do levantamento da demanda atendida, o

que gera, para a profissão, uma imagem de que não desenvolve nenhum tipo de

atividade, ficando sua ação como um trabalho perdido, pois não existe registro dos

atendimentos realizados e atividades implementadas, na posse desses profissionais.

E isso ocorre devido à sua própria falta de iniciativa, pois poderiam registrá-las, de

forma própria, para que pudessem ter estatísticas consolidadas a respeito do seu

trabalho cotidiano.

Em um primeiro momento, após iniciarmos a pesquisa, ficamos

extremamente indignados com o fato de o Serviço Social utilizar-se, somente, do

prontuário e da estatística institucional. Porém, após debate com orientador e

análise dessa situação, percebemos que o problema não é o assistente social lançar

mão, apenas, desse instrumental, uma vez que a instituição não o obriga a a tal

limitação. Os profissionais poderiam criar um outro aparato documental, específico

para o Serviço Social, do qual constem as informações importantes para o

acompanhamento social dos dependentes (a exemplo do ambulatório intensivo), ou

poderiam, mesmo, utilizar as informações contidas no prontuário institucional.

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Porém, os profissionais nem se utilizam das informações institucionais, nem criaram

formas de registro próprio; conseqüentemente, não têm como investigar as

características e condicionantes da população atendida (como sexo, idade,

demandas por ela colocadas etc.).

Essas constatações permitem afirmar que o aspecto positivo dessa

documentação única reside na questão de que os problemas trazidos pelo usuário

sejam conhecidos por todos os profissionais que atuam no seu caso, de forma

conjunta, pois estes têm acesso às informações básicas e mesmo complementares,

quando necessário, sem que o paciente precise sempre repeti-las, passando elas a

ser do conhecimento de todos e por todos compartilhadas, num trabalho coletivo

visando a melhoria de cada pessoa atendida.

Por outro lado, o aspecto negativo é que, dessa forma, o assistente social

se distancia um pouco da especificidade da profissão e se torna “um pouco”

terapeuta, não direcionando seu trabalho para as questões e intervenções

específicas que o assistente social poderia fazer, junto ao usuário e sua família.

Creditamos a essa falta de conhecimento da população demandatária dos

serviços uma dificuldade a mais para a elaboração de um planejamento do Serviço

Social, pois, sem conhecer sua real demanda, torna-se difícil a criação de qualquer

tipo de proposta. O que nos intriga, todavia, é que nenhum dos entrevistados citou a

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falta de conhecimento da realidade na qual atuam como empecilho para a elaboração

de projetos. Acreditamos que isso se deve à inexistência de um referencial teórico

que oriente sua visão, análise e crítica da realidade social, bem como à aplicação

insuficiente e/ou inadequada dos conhecimentos adquiridos ao longo da sua

formação e do seu exercício profissional.

Ampliando a nossa entrevista para os recursos, ou condicionantes externos,

que o assistente social dispõe para a realização de sua prática, notamos que esta

questão não é pensada cotidianamente pelos profissionais.

Um assistente social entrevistado não entendeu o que poderia ser

considerado ‘recurso’. Fala que não dispõe da parte financeira, mas que todo

material educativo é obtido junto ao Ministério da Saúde. Reforçamos a pergunta,

se o Serviço Social dispõe de recursos próprios para desenvolvimento do seu

trabalho; responde ele que o Serviço Social dispõe de telefone, computador, mas

não dispõe de dinheiro (que possa ser utilizado para viabilizar, por exemplo, a

compra de passagens para que os usuários carentes se desloquem para fazer o

tratamento).

Outro assistente social informa que não dispõe de recursos porque sua

instituição não tem convênio, mas procura locais gratuitos aos quais possa

encaminhar os usuários que não tem dinheiro para despesas relacionadas ao seu

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tratamento, à sua recuperação ou à sua reinserção. Percebemos que esse

profissional faz a seguinte associação: o serviço prestado por uma instituição

particular é um recurso, já um serviço público não é um recurso externo a ser

utilizado. Quando perguntamos se a instituição oferece algum recurso para a

realização de seu trabalho, não conseguimos resposta. Em contrapartida, outro

colega, da mesma instituição, relata que “aqui tenho ar condicionado, uma sala

estruturada, banheiro, tem água na recepção, tem a kombi se eu precisar fazer uma

visita domiciliar”.

Um assistente social declara que o recurso de que dispõe são os contratos

firmados com órgãos do governo, entidades privadas etc. O contato é feito pelo

próprio assistente social, que realiza visitas institucionais, às vezes, com recursos

financeiros próprios.

No ambulatório 02, os profissionais do estou considerando somente o

assistente social e não todos os profissionais Serviço Social reclamam de que, com

relação aos recursos, possuem dificuldade em obter sala para realizar qualquer tipo

de atividade, pois são muitos para um espaço físico reduzido. Outros problemas são

a existência de somente um telefone, para toda a equipe, e ausência de viatura. O

que eles destacam de forma positiva é a existência de material de escritório,

computador e internet, à disposição dos profissionais. Porém, não encontramos, em

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seus discursos, quaisquer tipos de questionamento a essa falta de estrutura da

instituição; ao contrário, um entrevistado relata que “informalmente”, a carga

horária foi reduzida, devido à falta de espaço físico para que todos os profissionais

pudessem desenvolver suas atividades, ao mesmo tempo.

Nas três instituições pesquisadas, percebemos a seguinte situação:

No ambulatório 02, o Serviço Social não dispõe de sala, para atendimento

individual. O telefone, o computador (com acesso à internet) e a impressora

utilizados são os que ficam na secretaria; não possui livro de registro das

atividades, mas conta com livro com identificação de várias instituições que

prestam algum tipo de serviço.

Na clínica, o Serviço Social possui sala para atendimento individual,

telefone, livro de ocorrência, livro com identificação de instituições que prestam

algum tipo de serviço e veículo para visitas.

No ambulatório 01, o Serviço Social dispõe de sala para atendimento

individual, telefone, computador e livro de encaminhamento.

Somente um assistente social respondeu o que seriam os recursos internos

e externos, com que conta. Outro confundiu os recursos de que ele dispõe para

desenvolver seu trabalho (que podem ser os internos e os externos) com os

recursos que a instituição disponibiliza para os usuários, como, por exemplo,

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medicação. E, depois, relata que existem “duas pastas de recursos”, com contato de

várias instituições que realizam atendimento de crianças e adolescentes. Pelo

informado, o Serviço Social alimenta a atualização dessas informações, mas o uso é

feito por todos os profissionais, uma vez que o livro fica na secretaria.

Percebemos que, de uma forma geral, com exclusividade ou não, o Serviço

Social possui os mesmos recursos institucionais – telefone, computador, sala para

atendimento (mesmo que emprestada); porém, somente em um ambulatório e na

clínica, o assistente social fala em “recursos externos a serem utilizados”.

O recurso externo é muito importante, pois, uma vez que não é possível

atender a todas as demandas do usuário, na instituição, porque muitas daquelas

fogem do objetivo da instituição, é necessário que o assistente social tenha

conhecimento de outras instituições e serviços aos quais possa encaminhar os

sujeitos visando resolver os problemas que se apresentam.

3.4 O trabalho do assistente social

Perguntamos a respeito do trabalho desenvolvido pelo assistente social,

nestas instituições, obtendo informações, reunidas e sintetizadas no Quadro 2,

sobre os tipos de atividades realizadas, em cada uma das instituições pesquisadas,

como segue.

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AMBULATÓRIO 01 AMBULATÓRIO 02 AMBULATÓRIO INTENSIVO

CLÍNICA

Triagem Grupos terapêuticos Grupo específico: reinserção profissional

Triagem

Atendimento individual a dependentes químicos e familiares, por demanda espontânea ou encaminhamento de outros profissionais

Atendimento individual aos participantes dos grupos que apresentem demandas sociais (serviço de apoio)

Atendimento individual a dependentes químicos e familiares, por demanda espontânea ou encaminhamento de outros profissionais

Reuniões com família e dependentes químicos

Serviço de apoio aos outros profissionais

Triagem junto com outro profissional

Acompanhamento de alguns casos sociais

“Resgate familiar” Atendimento a famílias através do grupo de família (proposta do Serviço Social)

Participação no processo de alta do paciente

Supervisão de estagiários

Atendimento a famílias através de demanda espontânea

QUADRO 3. Trabalho realizado pelos Assistentes Sociais, por instituição pesquisada.

Interessamo-nos em saber, também, se essas atividades são as

demandadas pela instituição ou pelo assistente social e percebemos que todas as

instituições impõem ao assistente social o que este deve fazer, ou o que esperam

dele, evidenciando o baixo grau de autonomia dos profissionais. Por outro lado, dois

assistentes sociais relatam que conseguiram planejar, expor seu planejamento à

coordenação e ter sua proposta aceita. Isso fica claro, nos relatos a seguir:

[...] a maioria tem sido as demandas da instituição, mas há uma abertura pra gente propor [...] eu já cheguei pedindo, solicitando a criação do grupo de mulheres, porque eu já sentia a necessidade de que as mulheres não aderiam muito a um programa misto, umas se sentem

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desprotegidas ou expostas, enfim, envergonhadas de expor sua vida. Então, eu já cheguei, recém-chegada, eu falei com [a coordenação] disso, apresentei pra equipe uma proposta, reuni os profissionais que tinham interesse e criamos o grupo de mulheres, há dois anos, e meio e

tá indo bem. (Entrevistado 1).

[...] são as atividades que o assistente social julga necessárias, a gente tem muita liberdade em criar; liberdade e poucos recursos, né? Também, temos que criá-los, mas temos essa liberdade de ouvir a demanda, trabalhar com a realidade que é apresentada. A partir dessa realidade, a gente dá o retorno para a instituição. É claro , que, como eu falei, tem a dimensão política do trabalho; então, não estamos livres disso, mas temos toda liberdade para criar, para poder propor e

modificar, caso seja necessário. (Entrevistado 5).

Outros mostram resignação, ao falar que as atividades são as demandadas

pela instituição, o que fica claro no relato do entrevistado 4: “É a que já tem, já tá

no projeto”.

Pelo que percebemos, as atividades desempenhadas pelo Serviço Social são

desenvolvidas, há muito tempo, por vezes, anteriormente à entrada dos

entrevistados, na instituição. E, no curso das entrevistas, fomos constatando que os

assistentes sociais pareciam ainda não haver parado, para pensar no motivo pelo

qual desenvolvem aquelas atividades.

Essa realidade nos reporta a Vasconcelos (1998, p. 116), quando ela discute

que “Os assistentes sociais, ainda que portadores de um discurso progressista,

parecem, na sua maioria, não mostrar possibilidades de superar uma prática de

caráter conservador”.

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De uma forma geral, o compromisso com estágio não parece ser entendido

como uma atividade inerente à prática profissional. Somente em uma das

instituições, os profissionais demonstram estar comprometidos com alunos em

processo de formação. Sabemos da necessidade e da importância de que esses

últimos obtenham um campo de estágio, bem como da relevância da contribuição dos

estagiários à qualidade das atividades profissionais em desenvolvimento.

Apesar de nem todos os entrevistados terem verbalizado, de forma clara,

as dificuldades que enfrentam, no seu atual campo de atuação, devido à falta de

aproximação com esse universo, quando estavam na graduação, avaliamos que, com o

tipo de postura que hoje adotam, esses profissionais perpetuam aquelas

dificuldades, na profissão, pois, caso viabilizassem suas instituições como locais de

estágio, os próximos profissionais a se formar teriam maior facilidade na execução

de seu trabalho, destacadamente nos relativos ao atendimento de dependentes

químicos.

3.5 A prática profissional

A prática profissional desses assistentes sociais foi analisada, por meio de

seus relatos, a partir da sua (auto)representação. Assim, foi-nos relatado que

prática profissional é

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[...] exercer a atividade, com compromisso e conhecimento do que está fazendo, que é, do que é ser assistente social [...] precisa de compromisso e vínculo com o usuário, aqui a gente chama usuário [...] eu acho que prática é possibilidade de demonstração do conhecimento,

seria uma coisa melhor. (Entrevistado 2).

,Outro colega já entende que a prática inclui outros elementos:

[...] pra mim, seria o trabalho voltado para atender nossas relações institucionais, mediar estas relações, né? Tá atuando como mediadora, nessas relações institucionais, e eu percebo que nós, enquanto assistentes sociais, fazemos isso [...] tensões entre o que é demanda da instituição e demanda do usuário, a gente mediar essas relações. A gente, como prática profissional... socializar informações, né? Sobre direitos, sobre acesso a serviços, que são, na verdade, direitos do

cidadão. (Entrevistado 1).

Outro entendimento é que

[...] o assistente social é um profissional que pode planejar, pode implantar, pode coordenar políticas públicas, e, principalmente, a gente que tá na área dependência química, eu acho que o trabalho, o meu trabalho, aqui, e a forma como eu conduzo meu trabalho... tem uma responsabilidade social muito grande. Eu sei que meu trabalho tanto pode modificar como pode fortalecer uma maneira de uma pessoa viver, da pessoa ver a vida, se ver, ver a sociedade; eu sei que eu educo tanto pra bem quanto pra mal, pela minha atuação profissional. E eu sei da responsabilidade disso, frente às políticas de atendimento, principalmente para o dependente químico, no Estado do Rio de Janeiro, o [...] é uma unidade que a gente considera como serviço de referência, então eu considero que o meu trabalho, aqui, tem um peso, não só pra esse paciente, como também para as políticas públicas de saúde, de atendimento ao dependente

químico, do Estado do Rio de Janeiro. (Entrevistado 8)

Assim, percebe-se, também, que o assistente social se vê como um

mediador entre os interesses da instituição e os dos usuários. A prática também é

entendida como socialização de informações sobre direitos, sobre como ter acesso

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a serviços; e, ainda, como orientação, acompanhamento de casos que apresentem

demanda social, como, por exemplo, a necessidade de realizar um abrigamento.

A prática profissional do assistente social é entendida, também, como

compromisso profissional:

[...] pra mim, a prática profissional seria você tá comprometido com o atendimento. Essa é a prática profissional, para mim, você estar comprometido; dentro das suas possibilidades, você fazer o que dá pra fazer, o que tá dentro da sua atribuição, né? E procurar dá conta.

(Entrevistado 4).

Com relação à sua prática, como desenvolvida na instituição, relata que

[...] agora, a gente sabe que, aqui, é um trabalho rotineiro, eu procuro tá fazendo, sempre... a gente... da melhor forma possível, tá ouvindo o paciente. Ter paciência, porque você tem que ter, porque você tá como profissional... tem que lidar com todo o seu estresse; porque tem hora que você fica estressado, porque aí vai... você, às vezes, se sente impotente, porque vai... as coisas estão caminhando bem, aí, de repente,

ele recai, tem que começar tudo de novo. (Entrevistado 4).

Um entrevistado reclama, falando que deveríamos ter deixado o

questionário para ele “colar” e diz ser difícil responder o que seria prática

profissional. Após um momento de hesitação, responde que

[...] na prática, às vezes, a gente acaba, pelo menos no nosso trabalho, sem querer, a gente acaba naquele assistencialismo, né? Que você tem que ajudar. Vamos supor: o usuário precisa de uma passagem, você não vai deixar o cara ir a pé; então, na minha opinião, acaba entrando no assistencialismo. Pelo menos eu tento não fazer esse tipo de trabalho.

(Entrevistado 3).

Uma outra forma de entender o que é a prática profissional foi assim verbalizada:

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É teoria que vai aplicar na realidade. Mas não é só a teoria e aplicar na realidade, é pegar realidade e aplicar na teoria. É uma coisa que vai e volta, dialético. Né? E aí é que tá a riqueza da coisa, porque nem só teoria vai determinar a sua prática, nem só a sua prática vai determinar (não termina a frase) [...] quando a gente consegue fazer essa (?) de observar a realidade, poder ver a realidade e poder fazer esse exercício de buscar, na teoria, elementos ou de criar elementos que possam te dar, de sustentar seu trabalho, isso é fundamental. Acho que prática é isso. É fazer esse movimento, o que é, o que se apresenta como realidade, teoria é o que existe, e você buscar fazer o diálogo

entre as duas coisas. (Entrevistado 5).

Esse mesmo entrevistado reforça sua análise, ao afirmar:

[...] acho que com uma dimensão política muito clara de transformar, buscar transformação, que quando eles chegam com suas questões e mais questões do uso de drogas, tua função é fazer intercâmbio do que existe, da rede de assistência que existe e buscar uma melhora da

qualidade de vida. Então, acho que não é só isso, acho que há também uma questão política, é uma questão ética, uma questão social.

(Entrevistado 5).

Outro assistente social analisa que

[...] seria um trabalho de apoio, na reinserção social, uma ponte de

acesso, de facilitação do acesso aos serviços da comunidade, acesso as políticas social, aos direitos da pessoa, do cidadão, refletir sobre a

cidadania. Eu vejo assim. (Entrevistado 6).

O entrevistado 7 informa que a prática profissional do assistente social ocorre em vários níveis:

[quando] ele tá, de fato, elaborando políticas, projetos, está dentro dos (?) controle social, os conselhos, dentro do fórum de discussões permanente; e, na instituição, é atender o paciente, a família, fazendo articulação com a rede, tentando fazer a questão da articulação da intersetorialidade, sabe? Porque eu acho que não tem profissional que faça melhor do que o assistente social.

Comparando o entendimento da prática profissional com o trabalho que os

assistentes sociais dizem desenvolver, um entrevistado relata que trabalha

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[...] as questões sociais que são apresentadas. Por que? Porque a gente entende que, no tratamento do usuário de dependência química, usuário de drogas, no caso, as questões sociais têm uma influência muito grande; muitas vezes, não são levadas em consideração pela instituição de tratamento; então, nosso papel é trazer essas questões, problematizar essas questões, apresentar [inaudível] institucionais, pra ter uma visão mais ampla no caso e, aí, procurar ter um ganho maior para aquele usuário, que não seja apenas questão do tratamento, mas que possa ser vista dentro do meio social, das questões que ele traz.

Das atividades executadas pelo Serviço Social, verificamos que,

habitualmente, em um ambulatório, ele desenvolve o papel de apoio à Psicologia. Na

sua maioria, os grupos são conduzidos pelos psicólogos e, quando o usuário

apresenta algum problema social, é encaminhado ao Serviço Social, para um

atendimento individual. Segundo relato, as maiores demandas, nesse tipo de

atendimento, são informações a respeito do INSS e da obtenção de documentação.

De uma forma geral, ele realiza a triagem, faz um trabalho de re-inserção

familiar, quando é procurado por um dependente químico que perdeu os vínculos

familiares; realiza encaminhamentos, com objetivo de estimular a recuperação da

auto-estima; incentiva-os a estudar, a fazer cursos profissionalizantes, tirar

documentação etc.

Em outro ambulatório, o Serviço Social também desenvolve papel de apoio

aos usuários participantes dos grupos, mas com o diferencial de também fazer

parte dos grupos terapêuticos.

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Analisando comparativamente o que os assistentes sociais dizem a respeito

das suas concepções sobre a prática e o trabalho que efetivamente realizam,

percebemos que há um descompasso entre o que é dito e o que é feito. Porque a

visão, as formas de pensar, que alguns possuem a respeito do que seja prática

profissional, não conseguem imprimi-las, no seu cotidiano, como, também, não

conseguem fazer uma reflexão crítica das atividades que exercem. Percebemos,

dessa forma, a existência de um hiato nessa relação conceber fazer refletir.

Com essa percepção em mente, perguntamos aos profissionais se eles

realizam algum tipo de reflexão sobre sua prática profissional, e as respostas foram

as seguintes:

→ 4 entrevistados dizem refletir sobre sua prática, mas não conseguem

dizer com qual objetivo ou de que forma é feita;

→ 3 entrevistados dizem refletir sobre o seu trabalho, para pensar de que

forma podem melhorá-lo ou aperfeiçoá-lo.

Ilustramos esses dois grupos de respostas com os relatos, a seguir:

Bastante. Bastante, no sentido que essas reflexões que vão me indicar qual caminho que a gente pode seguir, qual caminho que a gente acha que não vale a pena seguir, como a gente vai direcionar esse trabalho. (Entrevistado 5).

Nós não podemos ficar só com a demanda da instituição. A gente precisa construir projetos de intervenção que nós, enquanto assistentes sociais, podemos oferecer para a instituição e para esse usuário que vem aqui, enquanto cidadão, enquanto sujeito de direitos,

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né? Senão, a gente fica reproduzindo a lógica institucional que é o grande dilema dos assistentes sociais [...] se a gente quer caminhar prá mudança, não adianta só refletir, a gente tem que, na prática, conseguir viabilizar isso. Mas, enfim, a gente tem começado a discutir. (Entrevistado 1).

→ 1 entrevistado reflete, negativamente, sobre o trabalho realizado, na

área da dependência química, e diz já ter pensado em sair dessa área. O

pessimismo fica claro, quando relata que o Serviço Social é uma profissão pouco

reconhecida pela instituição e que só é lembrada quando há alguma necessidade

premente do usuário:

[...] às vezes, você se sente muito impotente, porque você tem uma

instituição que você não [não termina a frase] que o assistente social, ele não é

visto, ele só é visto quando o usuário precisa de abrigo ou de orientação que o

profissional não saiba orientar, então o Serviço Social fica aí mesmo, fica igual aos

usuários mesmo, fica na margem. (Entrevistado 3).

→ 1 entrevistado diz não refletir sobre sua prática profissional.

Verificamos, ainda, que o assistente social se distancia das discussões

inerentes à profissão, perdendo um pouco a dimensão da importância dos seus

instrumentais, da sua reflexão e de estar, o tempo todo, “brigando” para conseguir

realizar uma prática profissional que incida sobre o usuário, de uma forma positiva,

e sobre ele mesmo, melhorando seu trabalho constantemente.

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Percebemos, pois, que esse profissional e sua prática estão distantes do

assistente social crítico e propositivo que, apesar de trabalhar na adversidade,

consegue planejar ações pertinentes ao Serviço Social, dentro da área da

dependência química, que tenham por objetivo discutir com o usuário seu papel de

cidadão.

Outro aspecto a ser discutido se refere ao direcionamento das políticas

governamentais, no trato da dependência do álcool e outras drogas.

Percebemos que o modelo de atenção à dependência química, seja através

da política do Ministério da Saúde ou do Gabinete de Segurança Institucional da

Presidência da República, direciona a atuação do assistente social.

Apesar de um entrevistado dizer que não sabe responder se o

direcionamento da instituição interfere na sua prática, porque não é obrigado a

seguir modelo nenhum, diz, também, que, em sua trajetória, nessa área, acumula,

mais ou menos, 20 anos de experiência, e que sempre utilizou a estratégia de

redução de danos (método seguido pela sua instituição), antes mesmo desse método

receber essa nomenclatura.

Outro entrevistado diz que apesar de a instituição seguir os preceitos do

Ministério da Saúde, com relação ao tratamento da saúde, seu direcionamento, na

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dependência química de uma forma geral, é a abstinência e não lhe é facultado o

trabalho com outra orientação.

O assistente social ainda está encontrando seu espaço e definindo seu

papel, na área de álcool e outras drogas, e, para isso, depende das relações

institucionais; com isso, em alguns momentos, existe um avanço e, em outros, um

retrocesso.

A partir do que nos foi relatado, percebemos que o assistente social se

torna um terapeuta e, eventualmente, esquece as especificidades da profissão.

Muitas vezes, não consegue autonomia de atuação, na instituição, e, quando a

consegue, considera que não realiza um trabalho de Serviço Social, não entendendo

que pode exercer o trabalho do Serviço social, como coordenador de grupos

terapêuticos, por exemplo, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida do

dependente químico, não como terapeuta e sim como assistente social.

Por não ser uma área de grande concentração de assistentes sociais e por

ser a maioria contratada por diferentes órgãos, os profissionais que trabalham

com dependência química estão dispersados, espalhados pelo estado, existindo,

conseqüentemente, a dificuldade de se conhecerem, de haver contato sistemático.

Apesar de todas as instituições serem públicas, não são promovidos, nem pelas

instituições, nem pelo Serviço Social, encontros periódicos, reuniões nos quais

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sejam discutidos os problemas comuns das instituições, não havendo, assim, troca

de experiências entre os profissionais.

Um outro fator que percebemos como algo que dificulta o desenvolvimento

do trabalho do assistente social é o fato deste ser considerado como mais um

profissional, dentro de um quadro multidisciplinar e multiprofissional, onde algumas

profissões são percebidas como fundamentais, como Psicologia e Psiquiatria, e

outras são vistas como apoios, como Serviço Social e Enfermagem. Isso

desencadeia um processo de não-valorização do trabalho do assistente social, que,

aos poucos, vai introjetando esse papel coadjuvante, deixando de se avaliar tão

essencial quanto as outras profissões. Percebemos a necessidade do Serviço

Social, no atendimento ao usuário, devido às múltiplas conseqüências da

dependência química, que age não só sobre o lado físico e mental, mas, também,

sobre seu lado social. Todavia, nem sempre este último é totalmente trabalhado

pelo assistente social, porque, conforme relatos, o retorno do usuário ao Serviço

Social é muito mais uma demanda espontânea do próprio, do que um

acompanhamento sistemático do paciente.

O entrevistado 8 relata que realiza as atividades determinadas pela

instituição, mas só acata as que ele acredita que sejam competência do Serviço

Social.

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Nunca aconteceu de eu estar fazendo uma coisa que eu não acreditasse,

nem pra um favor; se eu não acreditar, eu não faço! Nem é da minha competência

e a gente, hoje, aqui, pode dizer que o Serviço Social é respeitado, porque as

pessoas sabem que esse profissional tem condição de fazer grupo, de tratar

esse paciente dentro da sua formação: a gente não faz psicoterapia, a gente não

quer entrar na área do psicólogo, como a gente também não é terapeuta

educacional, a gente é profissional de assistência social, de formação para fazer

grupo, né?

As situações analisadas nos mostram que o discurso “hegemônico”, o

discurso crítico que tomou a cena da categoria, desde a década de 90, realmente

ainda não está presente na prática dos assistentes sociais entrevistados. Muitas

vezes, sua prática cai no assistencialismo; em outras, numa simples ajuda; nos dois

casos, sem qualquer mediação que os faça refletir a respeito das questões que

desencadeiam essas circunstâncias, nas quais eles e os usuários estão inseridos,

para que consigam, a partir da reflexão, propor e discutir um direcionamento

diferente do que está sendo realizado e que seja comprometido com as conquistas

da categoria, nos últimos anos.

No meio desse ambiente tão “terapêutico”, em alguns momentos, achamos

que ou os nossos entrevistados não entendiam a pergunta ou nunca tinham parado

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para pensar a respeito de assuntos pertinentes à profissão. Quando perguntamos

quais os recursos de que dispõem, para realizar seu trabalho, falam que a

instituição tem grupos, medicação, terapia. Em outras palavras, ao invés de

informar sobre os recursos à sua disposição, para trabalhar, relatam o que a

instituição oferece ao usuário.

Outro entrevistado fala que seu recurso é o convênio com o SENAC, ou

convênios de uma forma geral, não percebendo que recursos podem ser, também, as

condições que a instituição lhe oferece para desenvolver seu trabalho.

Com relação à possível interferência da instituição, na demanda colocada,

no projeto profissional e nas atividades desenvolvidas pelos assistentes sociais,

constatamos que ela ocorre, na ordem de 100% das situações relatadas, ainda que

alguns profissionais, de forma isolada, consigam propor algum projeto ou ação,

quando identificam essa necessidade. No que tange à orientação institucional,

quanto ao trato do álcool e outras drogas, observamos que as clínicas trabalham,

exclusivamente, com um propósito: a construção da abstinência. O ambulatório 02

trabalha com a redução de danos do dependente químico, tendo por objetivo final

fazê-lo chegar à abstinência, avaliando os avanços subjetivos que conquista, com a

diminuição do uso da droga.

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O ambulatório 01 segue a busca da abstinência, e o assistente social não

pode desenvolver seu trabalho através de outro método. O ambulatório intensivo

tem, como projeto, buscar a qualidade de vida e a redução de danos do usuário,

tendo o assistente social a liberdade para desenvolver seu trabalho, da forma que

avalia ser a melhor para alcançar tais objetivos.

Com relação às diferentes orientações governamentais – PNAD e Política de

Atenção a Usuários de Álcool e outras Drogas -, percebemos que, na prática, os

moldes institucionais são os mesmos: nos ambulatórios, o trabalho é desenvolvido

através de grupos terapêuticos, ainda que as instituições que seguem as

orientações da PNAD se voltem para a abstinência e as que seguem as orientações

da política do Ministério da Saúde se voltem para a redução de danos, tendo uma

preocupação maior com a qualidade de vida do usuário.

Fatores importantes que, talvez, contribuam para as dificuldades relativas

à prática profissional são a falta de estrutura e condições de trabalho bem como o

baixo prestígio junto às coordenações e aos demais colegas, pois a dependência

química ainda é vista, essencialmente, como doença (ou seja, caso de saúde), o que

demanda intervenção preferencial e específica dos profissionais da área da saúde.

Assim, ao chegar aos locais de exercício profissional com dependentes químicos, o

assistente social precisa “brigar” pelo seu espaço.

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Os depoimentos dos profissionais entrevistados evidenciam que o

assistente social, paulatinamente, transforma-se (um pouco) em terapeuta da

instituição e “esquece” o trabalho que o Serviço Social pode realizar, nas demandas

sociais que o usuário apresente.

Por isso, é importante que o assistente social troque mais experiências com

seus colegas, que se recicle, que comece a fazer o exercício de pesar, refletir

sobre as atividades desenvolvidas em sua prática profissional. É necessário que

perceba que, apesar de existirem diversas instituições que atuam nessa área, as

adversidades pelas quais passam são muito semelhantes, e que, assim sendo, é

preciso unir-se, na perspectiva de fortalecer a profissão e planejar uma prática

profissional efetiva e de qualidade.

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ConclusãConclusãConclusãConclusãoooo

A orientação política, econômica e social desenvolvida pelo Brasil, segue a

linha neoliberal, a qual favorece o capital financeiro em detrimento do investimento

em políticas sociais e isso rebate negativamente na qualidade de vida da população

de forma implacável.

Por seguir orientação econômica internacional, quando determinado pelos

organismos internacionais (principalmente o Banco Internacional de Reconstrução e

Desenvolvimento – BIRD e o Fundo Monetário Internacional - FMI) a realização de

cortes nos gastos públicos, a área afetada é a social, seja a saúde, a educação, a

assistência, entre outras. É das políticas que atendem a população mais carente do

país que são tirados (ou não realizados) os investimentos.

A área da dependência química por pertencer à Saúde, não foge desta

situação.

Desde 1976, quando sancionada a Lei 6.368, a qual em seu artigo 9º

determinava para o poder público a criação de locais para tratamento do

dependente químico ou disponibilização na rede pública de leitos e vagas para

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dependente químico, este deveria ter disponível locais para tratamento

ambulatorial e para internação.

Mas não foi isso que aconteceu, poucos ambulatórios foram criados e

especificamente no Rio de Janeiro, somente no século XXI, o Estado teve a

primeira clínica pública para internação dos dependentes de álcool e outras drogas

no Estado. Atualmente são três clínicas.

Dessa forma, ao iniciarmos a pesquisa, não poderíamos imaginar o quão

difícil seria estudar esse universo. Como já exposto, não tínhamos o domínio do

assunto, porém, olhando esse universo “de fora”, acreditávamos que seria um campo

mais “fácil” (sem divergências). Porém, a nos apropriarmos do aporte teórico – tanto

na parte da prática profissional, quanto na parte da legislação e da política sobre

drogas – e das entrevistas dos assistentes sociais, percebemos que esta

problemática é muito complexa.

Ao entrarmos em contato com os assistentes sociais, percebemos que as

discussões que ocorreram na profissão nas últimas décadas, não foram

implementadas, ou não estão sendo desenvolvidas pelos profissionais em tela.

Reconhecemos que o trabalho em instituições que tratam do dependente

químico é relativamente nova (mais ou menos vinte anos), isso não quer dizer que

antes o assistente social não fosse demandado para essa tarefa, uma vez que já

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existiam as instituições filantrópicas no trato desta temática, mas com o advento

da Lei 6.368/76, é que foi determinado para o poder público a obrigatoriedade e

consequentemente foram criadas instituições públicas as quais necessitavam da

mão de obra do assistente social.

Desse modo, ao realizarmos este estudo, percebemos que o assistente

social ainda está buscando o lugar e o papel do Serviço Social dentro da área de

dependência química.

Ao debruçarmos-nos no estudo da parte teórica, verificamos que

atualmente o Brasil passa por uma transição, encontram-se em vigência as Leis nº

6.368/76 e nº 10.409/02, porém no fim do mês de agosto do corrente, foi

sancionada a Lei Federal nº 11.34323/06, a qual deverá entrar em vigor no mês de

outubro, determinando a revogação das duas Leis citadas anteriormente.

Comparando estas três Leis, destacamos alguns aspectos:

Pela Lei nº 6368/76, o usuário e o traficante são passíveis de medidas de

detenção, cabendo ao policial fazer a distinção entre os dois tipos, dependendo da

categorização policial. Consta desta Lei a obrigatoriedade do tratamento quando o

quadro clínico ou a natureza das manifestações psicopatológicas exigirem. 23 Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.

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A Lei nº 10.409/02 destaca que o tratamento do dependente ou do usuário

será feito por equipe multiprofissional e se possível com assistência à família.

Nesta Lei a internação ou tratamento ambulatorial pode ser determinada por

ordem judicial.

De uma forma geral, a Lei nº 11.343/06 parece estar mais de acordo com a

realidade atual. É criado o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas

(SISNAD), que apesar de ter a mesma sigla do Sistema Nacional Antidrogas, são

diferentes.

Nesta Lei, há a diferenciação ente usuário/dependente e o traficante de

drogas ilícitas.

Esta Lei destaca atividades de prevenção, de atenção, de reinserção social

a usuários e dependentes de drogas e aumenta o tempo de reclusão para o

traficante

As atividades de prevenção são aquelas voltadas para redução dos fatores

de vulnerabilidade e risco, bem como para promoção e o fortalecimento dos fatores

de proteção. A realização destas atividades devem ser baseadas em alguns

princípios, dentre os quais destacamos:

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1. fortalecimento da autonomia e da responsabilidade do indivíduo com

relação ao uso indevido de drogas. É necessário salientar que esse também é o

princípio norteador do método de Redução de Danos.

2. o “não uso”, “retardamento do uso” e redução de riscos como resultados

desejáveis na área preventiva, quando da definição dos objetivos a serem

alcançados.

3. formação continuada para professores nos três níveis de ensino.

4. projetos pedagógicos de prevenção do uso indevido de drogas nas

instituições de ensino públicas e privadas.

As atividades de atenção são as que visam a melhoria da qualidade de vida e

a redução dos riscos e danos associados ao uso de drogas.

As atividades de reinserção social são as atividades direcionadas para sua

integração ou reintegração em redes sociais. O método para o tratamento do

usuário/dependente químico é o de redução de danos.

As penas impostas aos usuários/dependentes e traficantes são diferentes,

pois para os indivíduos que utilizam a droga para seu consumo pessoal (usuário ou

dependente químico), o artigo 28 determina que seja submetido às seguintes

penalidades:

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Advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à

comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Apesar desta diferenciação entre as penas do usuário/dependente e do

traficante, caberá ao juiz esta categorização, verificada, através da natureza, a

quantidade de droga, o local, entre outros fatores. Neste ponto, esta Lei se

assemelha à Lei nº 6368/76, pois não existe a determinação da quantidade de

droga apreendida para o indivíduo ser considerado consumidor ou traficante.

Com relação o tráfico, o artigo 33 determina a reclusão de 05 a 15 anos (o

período mínimo aumentou de 3 para 5 anos).

Há que se destacar a distinção clara entre usuário/dependente e traficante

– usuário e dependente não pegam penas restritivas de liberdade e sim medidas

sócio-educativas aplicadas pelos juizados especiais criminais e o fim do tratamento

obrigatório para o dependente.

Devido ser uma Lei muito recente e que ainda não está em vigor, é

necessário aguardarmos para verificarmos a efetividade (ou não) desta Legislação.

Porém, o que percebemos é que a questão das drogas (e também do álcool)

não é uma questão importante em âmbito governamental, pois em um país que a

política é pautada no neoliberalismo, onde os gastos/investimentos em políticas

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sociais são cada vez mais menores e quando o governo “diz” investir em política

social, na verdade, o que percebemos é que se investe dinheiro público em

programas como o Programa Bolsa Família24 ao invés de investir para melhorar as

políticas públicas que atendam toda a população, como é o caso da política de saúde.

Pela política preconizada pelo Ministério da Saúde para Atenção ao Álcool e

Outras Drogas, os locais de tratamento para dependentes químicos seriam as

unidades extra-hospitalares – CAPS-ad.

Porém, após três anos de elaboração desta Política, percebemos que o

número de CAPS-ad no Brasil25 ainda é ínfimo em comparação à demanda posta,

atualmente existem 115 Centros26 no país. O estado do Rio de Janeiro só possui

três unidades (Campos, Niterói e Belford Roxo).

Pela Portaria nº 336/GM de 19 de fevereiro de 2002, o CAPSad deve ser

criado somente em cidades que possuam mais de 70000 habitantes.

24 Esse Programa é realizado através da transferência de um valor em dinheiro para as famílias, a qual varia entre R$ 15,00 e R$ 95,00 caso a família atenda algumas condicionalidades. E que apesar de não produzir nenhum tipo de alteração ou melhoria na vida das classes mais empobrecidas, é visto como um avanço. 25 Ao procurarmos o sitio do SENAD para verificarmos o número de CAPS-ad no Brasil, este sítio abre o link de uma organização, a qual tem uma relação defasada do número de CAPS-ad no Brasil. 26 Tivemos acesso a esta informação no sítio da UNODC.

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Avaliamos que apesar da política determinar para esta instituição o

atendimento ambulatorial para os dependentes químicos, percebemos que ainda não

é um direito estendidos a todos que dela precisem.

Desta forma, o vácuo existente no atendimento aos dependentes químicos

continua existindo e é preenchido por instituições privadas ou filantrópicas, as

quais nem o próprio governo sabe quais são, quantas são e as atividades que

desenvolvem.

O sítio da SENAD informa que o governo está começando a realizar este

levantamento para conhecer estas instituições.

Percebemos então que, apesar de garantidos em Lei, instituições públicas

com atendimento gratuito, seja em nível ambulatorial ou internação pode ser uma

exceção na realidade brasileira, visto que nem a própria Secretaria Antidrogas

conhece as instituições que “teoricamente” deveriam implementar a política da

dependência química.

E é neste contexto completamente difuso e confuso que se insere o Serviço

Social...

Pensando na prática do Serviço Social, uma das atribuições do assistente

social é a democratização das informações e principalmente, dos direitos, os quais

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nem sempre, o dependente químico possui, por isso a importância desta prática.

Acreditamos que para desenvolvimento desta prática, faz-se necessário que o

assistente social tenha sempre em seu local de trabalho algumas legislações básicas

com objetivo de esclarecimento dos direitos. Para verificarmos essa hipótese,

perguntamos para os assistentes sociais as leituras recentes realizadas por eles,

bem como se na sua prática diária faz-se necessário alguma bibliografia.

Obtivemos o seguinte panorama: as leituras realizadas são os livros

clássicos do Serviço Social discutidas na graduação, todos antigos; somente um

entrevistado cita um livro recente a respeito do Serviço Social e Saúde e não

foram citadas bibliografias que podem ser necessárias para o profissional

esclarecer os usuários a respeito de seus direitos, poderíamos citar alguns

importantes: Constituição Federal (CF) de 1988, Estatuto da Criança e Adolescente

(ECA), Estatuto do Idoso, entre outros. Analisamos que desta forma, não

conseguem efetivar um dos objetivos da prática profissional, que é a

democratização das informações.

Para tal possibilidade é necessária a “ apropriação rigorosa dos

fundamentos teóricos, metodológicos e históricos, capazes de apreender a dinâmica

do processo de reprodução social, particularmente da sociedade brasileira”

(Vasconcelos, 2003: 100). E para tal, é necessário que o assistente social esteja

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sempre se atualizando e se reciclando. Isso é realizado não só via academia (pós-

graduação, especialização, cursos, etc), mas também através do conhecimento,

leitura e discussão dos acontecimentos mundiais e nacionais. Assim, é necessário

que o assistente social seja capaz de compreender a realidade que desencadeia as

demandas que lhes são apresentadas e analisadas criticamente.

Percebemos que o trabalho do assistente social tem que romper com essa

barreira do imediatismo e conseguir realizar uma prática profissional baseada nas

problemáticas apresentadas pelos usuários e para tal, é necessário que seja criado

um plano básico com as atividades que devem ser desenvolvidas pelos profissionais,

de maneira que todos os assistentes sociais que trabalham em instituições do Rio

de Janeiro diretamente com a dependência química, consigam organizar um plano

único e desenvolvam seu trabalho em conjunto.

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