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REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS julho | agosto | setembro 2010 | v. 76 — n. 3 — ano XXVIII 226 Irregularidades em contratações e em procedimentos licitatórios* PROCESSO ADMINISTRATIVO N. 701.613 Decisões reiteradas deste Tribunal assentaram, de ma- neira definitiva, a necessidade de conjugação de no- tória especialização do prestador com a singularidade da prestação para que a contratação se subsuma à hi- pótese de inexigibilidade inscrita no art. 25, II, da Lei Nacional de Licitações e Contratos. RELATOR: AUDITOR HAMILTON COELHO EMENTA: Processo administrativo — Fundação estadual — Inspeção — Irregularidades — I. Falhas no controle interno. II. Subcontratação de serviços relacionados à atividade-fim da entidade, realizada mediante procedimento de inexigibilidade de licitação. Não caracterização da sin- gularidade do objeto contatado e da notória especialização do presta- dor. Viabilidade de competição. Terceirização indevida de atividade-fim. Burla ao concurso público. III. Contratação de serviços de consultoria mediante procedimento de inexigibilidade de licitação. Não apresenta- ção de justificativa do preço, do ato de ratificação da situação de ine- xigibilidade e da comprovação de sua publicação. Não demonstração da compatibilidade do preço contratado com o praticado no mercado. IV. Procedimentos licitatórios realizados sem observância das formalidades legais. Adoção de critério de desempate em desacordo com o disposto na Lei de Licitações. Não apresentação da estimativa do valor total da contratação. Acréscimo superior a 25% do valor do contrato. Ausência das assinaturas dos licitantes vencidos na ata do pregão. V. Contrata- ção direta. a) MGS. Declaração pelo TCEMG de ilegalidade da contrata- ção, por procedimento de dispensa de licitação, em parecer emitido em consulta. Terceirização indevida de atividade-fim. b) Coordenador de mestrado. Desempenho de atividade típica da Fundação. Configuração de terceirização indevida — Imputação de multa aos responsáveis — En- caminhamento ao Ministério Público de Contas. ASSCOM TCEMG * Cumpre informar que, até o fechamento desta edição, a decisão proferida pelo Tribunal no autos epigrafados não havia transi- tado em julgado.

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Irregularidades em contrataçõese em procedimentos licitatórios*

PROCESSO ADMINISTRATIVO N. 701.613

Decisões reiteradas deste Tribunal assentaram, de ma-neira definitiva, a necessidade de conjugação de no-tória especialização do prestador com a singularidade da prestação para que a contratação se subsuma à hi-pótese de inexigibilidade inscrita no art. 25, II, da Lei Nacional de Licitações e Contratos.

RELATOR: AUDITOR HAMILTON COELHO

EMENTA: Processo administrativo — Fundação estadual — Inspeção — Irregularidades — I. Falhas no controle interno. II. Subcontratação de serviços relacionados à atividade-fim da entidade, realizada mediante procedimento de inexigibilidade de licitação. Não caracterização da sin-gularidade do objeto contatado e da notória especialização do presta-dor. Viabilidade de competição. Terceirização indevida de atividade-fim. Burla ao concurso público. III. Contratação de serviços de consultoria mediante procedimento de inexigibilidade de licitação. Não apresenta-ção de justificativa do preço, do ato de ratificação da situação de ine-xigibilidade e da comprovação de sua publicação. Não demonstração da compatibilidade do preço contratado com o praticado no mercado. IV. Procedimentos licitatórios realizados sem observância das formalidades legais. Adoção de critério de desempate em desacordo com o disposto na Lei de Licitações. Não apresentação da estimativa do valor total da contratação. Acréscimo superior a 25% do valor do contrato. Ausência das assinaturas dos licitantes vencidos na ata do pregão. V. Contrata-ção direta. a) MGS. Declaração pelo TCEMG de ilegalidade da contrata-ção, por procedimento de dispensa de licitação, em parecer emitido em consulta. Terceirização indevida de atividade-fim. b) Coordenador de mestrado. Desempenho de atividade típica da Fundação. Configuração de terceirização indevida — Imputação de multa aos responsáveis — En-caminhamento ao Ministério Público de Contas.

ASS

COM

TCE

MG

* cumpre informar que, até o fechamento desta edição, a decisão proferida pelo tribunal no autos epigrafados não havia transi-tado em julgado.

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RELATÓRIO

Trata-se de inspeção efetuada na Fundação João Pinheiro para verificar a legalidade das despesas realizadas entre janeiro de 2003 e março de 2005. encerrados os trabalhos, a equipe técnica lavrou o relatório a fls. 344-364.

em face das irregularidades apontadas, abriu-se vista aos responsáveis que, após deferimento de dilação de prazo, apresentaram defesa conjunta a fls. 418-435 e a documentação a fls. 436-464, em petição subscrita por procurador da própria Fundação.

após redistribuição do feito, a entidade inspecionada requereu vista dos autos fora da secretaria para obtenção de cópias para o seu arquivo (fls. 463). Foi deferida vista dos autos na secretaria, pelo prazo de três dias.

À continuação, o processo foi remetido à diretoria técnica competente para reexame, consubstanciado no relatório a fls. 510-531.

Com vista dos autos, o Ministério Público emitiu o parecer a fls. 534-538, no qual opina pelo desentranhamento da defesa apresentada, aplicação dos efeitos da revelia, irregularidade dos procedimentos analisados nos autos e consequente aplicação de multa aos responsáveis.

PRELIMINARES

Preliminarmente, 1) a despeito da manifestação do Parquet, tomo conhecimento das razões de defesa e da documentação apresentada, por respeito ao princípio da verdade material e tendo em vista que, a fls. 411, o então relator concedeu prorrogação do prazo regimental, à época bastante exíguo; 2) em que pese a aplicação subsidiária das normas gerais de licitação estabelecidas pela lei nacional de licitações e contratos à modalidade pregão, afasto da lide os membros da equipe de apoio, uma vez que, trabalhando sob a orientação do pregoeiro, não possuem atribuições que importem julgamento ou deliberação, sendo tais atos de responsabilidade do próprio pregoeiro. a responsabilidade solidária perante os órgãos de controle externo, estabelecida no art. 51, § 3°, da lei n. 8.666/93, recai, exclusivamente, sobre o pregoeiro. nesse sentido a lição do administrativista carlos Pinto coelho motta:

É de se refletir, realmente, a respeito da superfunção de pregoeiro, acerca da qual só o tempo e a práxis consolidada julgarão o acerto. a equipe de apoio poderá talvez minimizar os entraves e dificuldades a serem enfrentados, embora, juridicamente, não possa haver previsão de responsabilidade solidária nas decisões. (in: Eficácia nas licitações e contratos. 10. ed. belo Horizonte: del rey, 2005, p. 954) (destaquei).

as preliminares suscitadas pelo relator foram acolhidas pelos conselheiros presentes, por unanimidade.

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MéRITO

no mérito, passo a examinar as irregularidades assinaladas no relatório de inspeção, cotejando-as com as razões de defesa apresentadas e subsidiadas pelo reexame técnico e pelo parecer do ministério Público de contas.

1 Procedimentos gerais e controle interno — fls. 348

1.1 os processos licitatórios não se encontravam devidamente instruídos e organizados para o exame in loco, a despeito do estabelecido no art. 1° das intcs n. 06/99 e 07/03.

1.2 a entidade não dispõe de manuais internos ou instruções normativas relativas a dispensa, inexigibilidade e procedimentos licitatórios.

1.3 os documentos relativos a contratos celebrados mediante dispensa e inexigibilidade não se encontravam autuados, numerados ou devidamente identificados.

os defendentes colacionaram excerto doutrinário e trechos de diversos julgados, oriundos do Judiciário e das cortes de contas no sentido de que “falhas de caráter formal não são passíveis de sanção”. Concluíram afirmando que, à luz das decisões citadas, as irregularidades descritas nos itens 1.1 e 1.3 seriam “meros vícios formais [...], não havendo que se falar em aplicação de qualquer tipo de sanção administrativa em decorrência disso” (fls. 422).

no reexame, a diretoria técnica ratificou todas as irregularidades assinaladas, por considerar que os defendentes não trouxeram aos autos novos elementos de convicção.

É prática usual, para reforçar a defesa, referir-se a formalidade como sinônimo de prática irrelevante, inútil, caprichosa; de contratempo incômodo. no âmbito da administração e, sobretudo, no plano dos contratos públicos, entretanto, as formalidades não são meras faculdades às quais se permite renunciar. veja-se o ensinamento do administrativista carlos motta sobre algumas delas:

a autuação, o protocolo e a numeração destinam-se a assegurar a seriedade e a confiabilidade da atividade administrativa. A documentação por escrito e a organização dos documentos em um único volume asseguram a fiscalização e controle da legalidade do procedimento (in: Eficácia nas licitações e contratos, 10. ed. belo Horizonte: del rey, 2005, p. 235).

Ao argumentar pela insignificância das formalidades consignadas em lei e das boas práticas de controle interno, os responsáveis admitiram a sua inobservância. ademais, é equivocada a assertiva de que as falhas “não comprometeram o

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procedimento e não acarretaram prejuízo à Administração” (fls. 421), uma vez que a omissão da pesquisa de preços reduz a probabilidade de assegurar a contratação mais econômica para o erário, e a desorganização documental pode se prestar a encobrir fraudes, inserções intempestivas e fabricações.

Pelo exposto, em face das irregularidades descritas nos itens 1.1 até 1.3, não refutadas na defesa, aplico multa de r$1.000,00 ao sr. amilcar vianna martins Filho.

2 Subcontratação de serviços relacionados à atividade-fim da entidade, indevidamente realizada mediante inexigibilidade de licitação, no valor de R$464.170,00 — fls. 349-356

2.1 Contrato FJP/AJ-067/03 (fls. 55-59)

Favorecido: top consultoria empresarial

objeto: subcontratação de serviços de consultoria a serem prestados ao tJmg

valor pago: r$49.620,00

2.2 Contrato FJP/AJ-068/03 (fls. 62-66)

Favorecido: aWFa consultoria e Projetos

objeto: subcontratação de serviços de consultoria a serem prestados ao tJmg

valor pago: r$49.620,00

2.3 Contrato FJP/PJ-159/03 (fls. 90-93)

Favorecido: aWFa consultoria e Projetos

objeto: subcontratação de serviços de consultoria a serem prestados ao tJmg

valor pago: r$76.360,00

2.4 Contrato FJP/PJ-160/03 (fls. 96-99)

Favorecido: toP consultoria empresarial

objeto: subcontratação de serviços de consultoria a serem prestados ao tJmg

valor pago: r$46.650,00

2.5 Contrato FJP/PJ-049/04 (fls. 110-112)

Favorecido: sucram consultoria e serviços

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objeto: subcontratação de serviços de consultoria a serem prestados ao bdmg

valor pago: r$37.000,00

2.6 Contrato FJP/PJ-015/05 (fls. 115-118)

Favorecido: tecteam informática

objeto: subcontratação de serviços de consultoria e desenvolvimento de sistemas de informática a serem prestados à seplag

valor pago: r$45.000,00

2.7 Contrato FJP/PJ-018/05 (fls. 160-163)

Favorecido: instituto Publix

objeto: subcontratação de serviços de consultoria a serem prestados à seplag

valor pago: r$96.920,00

2.8 Contrato FJP/PJ-043/04 (fls. 187-190)

Favorecido: eugênio vilaça mendes

objeto: subcontratação de serviços a serem prestados à secretaria de estado de saúde

valor pago: r$63.000,00

Irregularidades comuns a todos os procedimentos (os dispositivos mencionados, quando não indicado outro diploma, referem-se à lei n. 8.666/93):

Foram contratados mediante inexigibilidade de licitação serviços desprovidos do a) atributo da singularidade, com afronta ao estabelecido no art. 25, ii.

os defendentes sustentaram, a partir de lição do jurista marçal Justen Filho, que a singularidade “não significa ausência de pluralidade de sujeitos em condições de desempenhar o objeto” (fls. 423), e que decorreria da combinação entre necessidade excepcional da administração e inviabilidade de seu atendimento por profissional padrão. Acrescentaram que a complexidade dos trabalhos, sua importância e suas características específicas são suficientes para configurar a singularidade do objeto.

Por ocasião do reexame, o órgão técnico asseverou, em síntese, que a singularidade dos serviços não foi demonstrada, que o fato de as empresas terem participado da

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concepção do projeto não impediria a participação de outras na sua execução, e que este tribunal já se manifestou quanto à necessidade de singularidade do objeto almejado para que fique configurada a situação de inexigibilidade.

em seu parecer, o Parquet também destacou o posicionamento consolidado nesta corte de contas no sentido de

considerar irregular a contratação mediante inexigibilidade de licitação quando não demonstrada a singularidade do objeto, entendimento consignado no Incidente de Uniformização de Jurisprudência n. 684.973 (fls. 537).

e concluiu que “as contratações para prestação de serviços de consultoria e informática não se inserem na hipótese de inexigibilidade do certame” (fls. 536).

Decisões reiteradas deste Tribunal assentaram, de maneira definitiva, a necessidade de conjugação de notória especialização do prestador com a singularidade da prestação para que a contratação se subsuma à hipótese de inexigibilidade inscrita no art. 25, ii, da lei nacional de licitações e contratos. cito, exempli gratia, trechos dos pareceres emitidos nas consultas n. 652.069 e 688.701:

de início é importante dizer que singularidade, como estabelece a Lei de Licitação, é do objeto do contrato. É o serviço pretendido pela Administração que é singular, e não o executor do serviço. Aliás, todo profissional é singular, posto que esse atributo é da própria natureza humana (Jorge ulisses Jacoby em seu livro Contratação direta sem licitação, p. 299).

[...]

singular é, pois, a característica do objeto que o individualiza, que o distingue dos demais. É a presença de um atributo incomum na espécie. a singularidade não está associada à noção de preço, de dimensões, de localidade, de cor ou de forma. assim, a singularidade pode incidir sobre um serviço cujo valor esteja abaixo dos limites dos incisos i e ii do art. 24 da lei n. 8.666/93 (consulta n. 652.069, relator conselheiro elmo braz, sessão de 12/12/01) (destaquei).

a polêmica sempre apresentada a esta corte tem sido o argumento levantado por alguns profissionais liberais que consideram o seu trabalho como personalíssimo, marcante, e que por isso têm a natureza singular, exigida pelo inciso ii do art. 25 da mencionada lei. diante de tal raciocínio, tem-se como entendimento que, se o contratado tem a notória especialização, a singularidade do serviço é uma consequência.

Mas não é verdade. Sabemos que a notoriedade não é inerente ao profissional do direito ou operador do direito, como chamado por alguns. É adquirida, personalíssima e depende da capacidade de cada um e, às vezes, pode permitir a contratação direta com o Poder Público, desde que o serviço a ser contratado esteja revestido do caráter singular.

Ressalte-se, também, que a confiança do Administrador não é fator caracterizador da inexigibilidade. Pelo contrário, o que deve nortear a sua escolha é o interesse

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público que alcança toda a coletividade, portanto, impessoal (consulta n. 688.701, relator conselheiro elmo braz, sessão de 15/12/04) (destaquei).

dada a recorrência e a repercussão da matéria no tribunal, foi suscitado incidente de uniformização de jurisprudência, que consolidou a necessidade de observar, concomitantemente, a notória especialização do prestador e a singularidade do objeto para que se configure a situação de inexigibilidade. do voto vencedor, extraio:

infere-se que a notória especialização é apenas um dos requisitos que legitimam a contratação, restando, ainda, a necessidade de o serviço se arrolar entre os previstos no art. 13 e, finalmente — este o dado essencial —, que o serviço seja singular. dessa forma, o que possibilita seja um serviço tido como técnico especializado singular passível de contratação direta é o somatório dos seguintes fatores:

a) especificidade do serviço, isto é, que o serviço exija determinado grau de especialização para ser executado que o faça destoar dos que corriqueiramente afetam a administração;

b) reconhecido calibre profissional (notoriedade) da pessoa física ou jurídica a ser contratada pela administração;

c) heterogeneidade do produto final (serviço) a ser desempenhado pelo contratado (incidente de uniformização de Jurisprudência n. 684.973, relator conselheiro José Ferraz, sessão de 14/04/04) (destaquei).

Por fim, a questão foi objeto de enunciado da Súmula desta Corte de Contas:

nas contratações de serviços técnicos celebradas pela administração com fundamento no artigo 25, inciso ii, combinado com o art. 13 da lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, é indispensável a comprovação tanto da notória especialização dos profissionais ou empresas contratadas como da singularidade dos serviços a serem prestados, os quais, por sua especificidade, diferem dos que, habitualmente, são afetos à Administração (súmula n. 106, publicada no MG de 22/10/08, p. 40; mantida no MG de 26/11/08, p. 72) (destaquei).

o Judiciário tem adotado idêntico entendimento:

administrativo. aÇão civil PÚblica. imProbidade administrativa. serviÇo de advocacia. contrataÇão com disPensa de licitaÇão. violaÇão À lei de licitaÇÕes (lei 8.666/93, arts. 3°, 13 e 25) e À lei de imProbidade (lei 8.429/92, art. 11). eXecuÇão dos serviÇos contratados. ausÊncia de PreJuÍzo ao erÁrio. aPlicaÇão de multa civil em Patamar mÍnimo. 1. a contratação dos serviços descritos no art. 13 da lei 8.666/93 sem licitação pressupõe que sejam de natureza singular, com profissionais de notória especialização. 2. A contratação de escritório de advocacia quando ausente a singularidade do objeto contratado e a notória especialização do prestador configura patente ilegalidade, enquadrando-se no conceito

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de improbidade administrativa, nos termos do art. 11, caput, e inciso i, que independe de dano ao erário ou de dolo ou culpa do agente. 3. a multa civil, que não ostenta feição indenizatória, é perfeitamente compatível com os atos de improbidade tipificados no art. 11 da Lei n. 8.429/92 (lesão aos princípios administrativos), independentemente de dano ao erário, dolo ou culpa do agente. 4. Patente a ilegalidade da contratação, impõe-se a nulidade do contrato celebrado, e, em razão da ausência de dano ao erário com a efetiva prestação dos serviços de advocacia contratados, deve ser aplicada apenas a multa civil, reduzida a patamar mínimo (10% do valor do contrato, atualizado desde a assinatura). 5. recurso especial provido em parte (segunda turma do stJ. resp 488842/sP, relator ministro João otávio de noronha, 17/4/08, DJe

de 05/12/08) (destaquei).

constato que os defendentes não diligenciaram pela demonstração da singularidade dos objetos contratados. Quanto aos contratos descritos nos itens 2.1 a 2.4, suscitaram “a complexidade da metodologia, a importância social do trabalho e as características específicas do Judiciário” (fls. 424) na tentativa de justificar a preterição do procedimento licitatório. não há, por exemplo, informações que demonstrem experiência prévia em consultoria ao Judiciário das empresas escolhidas, ou circunstância equivalente que permita concluir que eram aquelas as prestadoras mais indicadas para a execução dos serviços. a lista de clientes anteriores da AWFA Consultoria e Projetos (fls. 77-80) é composta de órgãos do executivo ou organizações particulares, e não há, no currículo da toP consultoria empresarial, informação quanto à experiência anterior.

aliás, como bem observado pela unidade técnica, a própria similitude entre as atividades desenvolvidas pelas empresas toP e aWFa indica que havia, ao menos, dois potenciais prestadores dos serviços, e a consequente obrigatoriedade do procedimento licitatório. É inconsistente o termo de reconhecimento (fls. 441), que trata ambas as empresas como uma só entidade, e se baseia no fato de que a Fundação não dispunha, naquele momento, “de servidores com o perfil e a capacitação descritos”. lê-se também, no referido termo, que “o processo formal de licitação dificulta e/ou impede a contratação de profissionais que de fato detenham a qualificação e a experiência requeridas pelo projeto”. Ora, é evidente que a assunção deliberada de obrigações contratuais superiores à própria capacidade produtiva não pode justificar a contratação direta, nem subsidiar a teórica situação de inexigibilidade suscitada no termo de reconhecimento. tampouco foram as características específicas do Judiciário que guiaram a escolha das empresas, haja vista que jamais haviam desenvolvido atividades em órgãos da Justiça. vê-se que a contratação direta ilegal, ao contrário do alegado no termo de reconhecimento, não impediu que fossem contratados prestadores desqualificados para a execução dos contratos, uma vez que foram escolhidos consultores sem qualquer experiência em administração do Judiciário.

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Quanto ao item 2.5, os defendentes limitaram-se a registrar que os serviços foram executados satisfatoriamente e dentro do prazo contratado, deixando incontestada a ausência de singularidade denunciada no relatório de inspeção. sobre o item 2.6, sustentaram que a alta complexidade do serviço contratado afastaria a sua natureza comum. a descrição pormenorizada e repleta de termos técnicos do objeto, oferecida pelos responsáveis, efetivamente demonstra a sua complexidade, mas em nada contribui para provar a sua singularidade. os defendentes não se manifestaram quanto à ausência de singularidade do objeto contratado com o instituto Publix (item 2.7).

Finalmente, quanto à contratação de eugênio vilaça mendes (item 2.8), faz-se necessário um exame mais detido. além de suscitar a diferenciação, de autoria de marçal Justen Filho, entre singularidade e exclusividade, os responsáveis fazem menção, como em diversas outras passagens de seu arrazoado, à “necessidade excepcional de implantação dos projetos do Governo” (fls. 428). É preciso estabelecer de maneira definitiva que a execução de programas do Governo é a função intrínseca dos órgãos do executivo estadual, e jamais poderia ser considerada circunstância atípica ou excepcional. a imposição de prazos e metas inobserváveis tampouco teria o condão de justificar o atropelo das regras consignadas na Lei Nacional de licitações e contratos.

assim, ante o malogrado êxito dos defendentes em demonstrar a singularidade dos serviços contratados e a jurisprudência consagrada nesta corte de contas e no Judiciário, julgo, em consonância com os estudos técnicos e o parecer do ministério Público, configurada a infração ao disposto no art. 25, II, da Lei n. 8.666/93.

Foram subcontratados serviços típicos da entidade inspecionada, expressamente b) incluídos no rol inscrito no art. 4° do decreto estadual n. 43.707/03 (estatuto da Fundação João Pinheiro), sem que fossem demonstradas as vantagens da medida.

Os defendentes afirmaram, quanto aos itens 2.1 a 2.4, que não houve terceirização do objeto do contrato, que as favorecidas foram contratadas em virtude de sua experiência no ramo, “do conhecimento do projeto anterior e da confiança nelas depositada”, e que não houve transferência de responsabilidade da Fundação às empresas TOP e AWFA (fls. 424).

a irregularidade não foi contestada quanto aos itens 2.5 a 2.8.

no reexame, o órgão técnico apontou contradição nas razões de defesa apresentadas, tendo em vista que, por um lado, os defendentes negam a terceirização e, por outro, admitem que havia deficiência de pessoal qualificado no quadro próprio para a execução dos serviços. O estudo reafirma a prática da terceirização e ressalta que,

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por tratar-se de atividade-fim, a Fundação deveria prestar os serviços diretamente ou demonstrar as vantagens de subcontratá-los. o ministério Público de contas também constatou “a contratação de pessoal sem a realização de concurso público, em afronta ao art. 37, II, da CF/88” (fls. 537).

como visto, é fundamental a demonstração da infungibilidade do objeto para que fique caracterizada a situação de inexigibilidade, e a confiança, fenômeno subjetivo, não se coaduna com a impessoalidade que norteia a ação administrativa republicana.

ainda sobre os itens 2.1 a 2.4, é esclarecedora a alegação contida na defesa de que “em razão do curto espaço de tempo de sua implementação [...] a contratação de apenas uma delas seria prejudicial para a plena satisfação do objeto” (fls. 424). conjugada com o fato de que as propostas apresentadas por ambas as empresas eram praticamente idênticas (fls. 42-52 e 71-87), a informação oferecida pelos defendentes permite concluir, com segurança, que, após celebrar contrato de amplo objeto, e cuja execução extrapolava a capacidade de sua mão de obra disponível — conforme repisado pelos próprios defendentes —, a Fundação João Pinheiro (FJP) transferiu os encargos decorrentes a terceiros, dividindo entre eles as obrigações contraídas perante o Tribunal de Justiça a fim de assegurar a observância do prazo para conclusão dos trabalhos.

Reitero que os defendentes indicaram o déficit de mão de obra como motivação primordial para a contratação das firmas de consultoria:

há de se observar que a Fundação João Pinheiro, à época, não possuía pessoal suficiente para compor a equipe que acompanharia a implantação do novo modelo organizacional do tJmg, motivo pelo qual as empresas toP e aWFa foram contratada (fls. 424).

considerando que a Fundação João Pinheiro não dispõe, no momento, de servidores com o perfil e a capacitação descritos [...] solicito a contratação de serviços de consultoria da AWFA Consultoria e Projetos S/C Ltda. e TOP Consultoria Empresarial S/C Ltda. (fls. 441).

tem-se, assim, que os responsáveis, sem negar que se tratava de atividades-fim da entidade, admitiram a terceirização da execução do contrato celebrado com o tJmg.

igualmente reveladora é a descrição do convênio entre a Fundação João Pinheiro e a Secretaria de Estado de Saúde (SES), constante a fls. 427. Ali se descobre que caberia “à FJP realizar a sua missão (pesquisa e formação de recursos humanos) e administrar, de forma terceirizada, a contratação de especialistas identificados e selecionados pela SES”. a descrição oferecida pelos defendentes não deixa dúvida de que o favorecido foi previamente escolhido pela secretaria de saúde, e que a

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participação da Fundação João Pinheiro teve por fim intermediar a sua contratação por meio de suposta situação de inexigibilidade. A fls. 181-183, consta ofício emanado da Secretaria de Estado de Saúde em que é especificado o nome do contratado, o embasamento legal a ser utilizado (art. 25, ii, da lei n. 8.666/93), as atividades a serem desenvolvidas, em pormenores, e o valor a ser despendido pela secretaria, coincidente com as quantias pagas pela Fundação João Pinheiro ao prestador dos serviços. a atuação da Fundação como mera intermediária, portanto, é inequívoca.

ressalto que o direcionamento por parte da secretaria de estado de saúde foi tamanho que sequer se tentou demonstrar a suposta notória especialização do favorecido — eugênio mendes vilaça —, ausentes informações quanto à sua formação profissional e acadêmica, experiência prévia ou mesmo currículo.

a prática em debate tem sido sistematicamente rechaçada em decisões desta casa de contas, e deu origem ao enunciado n. 35 da súmula:

É vedada na administração Pública estadual a contratação indireta de pessoal, salvo para o desempenho das atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas (publicada no MG de 25/02/88, p. 10, ratificada no MG de 23/04/02, p. 30, mantida no MG de 26/11/08, p. 72).

o parecer emitido na consulta n. 442.370 é paradigmático e destaca que a terceirização de atividade-fim fulmina a obrigatoriedade do concurso público, estabelecida na constituição da república:

entretanto, cabe ainda lembrar que a transferência para terceiros de atividade-fim de determinado ente político é irregular.

isto porque, além da subcontratação de mão de obra para o exercício de funções permanentes constituir burla à exigência de concurso prévio estabelecido no art. 37, II, da Constituição Federal, é indispensável a profissionalização dos servidores públicos, como garantia da prestação de serviços à camada da população mais desfavorecida.

toda atividade, pública ou privada, obrigatoriamente, para atingir o seu objetivo, desempenha, concomitantemente, atividade-fim e atividade-meio, sendo que aquela se dirige diretamente à sua razão de ser; esta desenvolve serviço de apoio, sem o que a atividade-fim não poderia existir.

nesse sentido, a terceirização é lícita enquanto só alcança a atividade-meio, ou seja, serviço complementar da Administração Pública, tais como, vigilância, limpeza, manutenção, informática, etc. aliás, esta é a posição do tribunal de contas da união a respeito da matéria:

‘efetivamente, a contratação indireta de pessoal, por meio de empresa particular, para o desempenho de atividades inerentes à Categoria Funcional [...], abrangida pelo Plano de Classificação e Retribuição de Cargos do Serviço Civil da União, configura procedimento atentatório a preceito constitucional

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que impõe a aprovação prévia em concurso público para a investidura em cargo ou emprego público [...]’ (Processo n. tc-475.054/95-4, ministro relator José antônio b. de macedo, publicado no Diário Oficial da União, seção i, p. 11.053-11.054, dia 24/07/95).

consagra-se, aqui, o entendimento segundo o qual não é possível a terceirização de serviços que constituem atividade-fim, ou atribuições típicas de cargos permanentes.

[...]

ante o exposto, concluo não ser possível ao município a terceirização de todos os seus serviços, mas apenas a daqueles de natureza auxiliar, ligados à atividade-meio. Não pode o Município terceirizar serviços que abrangem sua atividade-fim, traduzindo atribuições típicas de cargos permanentes, que só podem ser preenchidos por concurso público (relator conselheiro moura e castro, sessão de 22/04/98) (destaquei).

Ao atribuir a terceirização dos serviços à insuficiência de mão de obra no quadro permanente, supostamente resultante de longo lapso temporal sem a realização de concurso público, os responsáveis descreveram justamente a prática proscrita pelo parecer colacionado. Admitiram, enfim, o desempenho por terceiros de atividades típicas da Fundação, atribuídas exclusivamente aos ocupantes de cargo permanente da entidade.

Admitida a terceirização de atividades-fim, consubstanciada nos contratos descritos nos itens 2.1 até 2.4, e incontestada quanto aos itens 2.5 a 2.8, julgo caracterizada a infração ao disposto no art. 37, ii, da constituição da república.

Os procedimentos não foram instruídos com justificativa do preço, a despeito da c) exigência consignada no art. 26, parágrafo único, iii.

os defendentes sustentaram que a imputação “não é inteiramente verdadeira” (fls. 430), e que, uma vez iniciado o procedimento de licitação, são consultados preços por telefone, motivo pela qual não são informados nos autos, “um pequeno deslize na conduta administrativa” que “não mais se repetirá”. acrescenta que, mesmo após a celebração do contrato, a entidade monitora continuamente o preço dos serviços, a fim de garantir sempre o melhor negócio para a Administração. No reexame, o órgão técnico ratificou a irregularidade.

a comprovação da razoabilidade dos preços é fundamental para inibir que a contratação direta dê lugar a abusos por parte do prestador teoricamente insubstituível. o administrativista marçal Justen Filho discorre sobre a exigência, consignada no art. 26, parágrafo único, iii:

a questão adquire outros contornos em contratações diretas, em virtude da ausência de oportunidade para fiscalização mais efetiva por parte da comunidade e dos próprios interessados. diante da ausência de competição, amplia-se o risco de elevação dos valores contratuais.

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[...]

A razoabilidade do preço deverá ser verificada em função da atividade anterior e futura do próprio particular. o contrato com a administração Pública deverá ser praticado em condições econômicas similares com as adotadas pelo particular para o restante de sua atividade profissional. Não é admissível que o particular, prevalecendo-se da necessidade pública e da ausência de outros competidores, eleve os valores contratuais.

[...]

ademais, deverão ser adotadas as formalidades previstas no art. 26, que envolvem, basicamente, a documentação acerca do preenchimento dos requisitos legais para a contratação. deverá instaurar-se procedimento administrativo, ao qual serão juntados os documentos referentes ao cumprimento de todas as etapas e formalidades acima indicados, inclusive no tocante ao preço adotado. (in: Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 13. ed. são Paulo: dialética, 2009, p. 377-378)

Em face do consentimento dos próprios responsáveis, fica caracterizado, de maneira inequívoca, o descumprimento do disposto no art. 26, parágrafo único, iii.

Irregularidades específicas (itens indicados entre parênteses)

os objetos contratados com as empresas aWFa e top eram similares, fato que d) evidencia a viabilidade da competição (itens 2.1 até 2.4).

Os defendentes reiteraram a deficiência de pessoal da Fundação para a execução do contrato celebrado com o TJMG e afirmaram que, em virtude do prazo exíguo e da amplitude do objeto, “a contratação de apenas uma delas seria prejudicial para a plena satisfação do objeto contratual” (fls. 424).

No reexame, o órgão técnico voltou a afirmar que a similaridade das ações desenvolvidas pelas duas empresas contratadas demonstra a viabilidade do procedimento licitatório.

conforme já consignado na análise da ocorrência b, os responsáveis relataram que o objeto contratado com o tribunal de Justiça foi subcontratado simultaneamente às duas firmas indicadas, a fim de que não fosse extrapolado o prazo fixado no contrato original. relatam os defendentes, ainda, que se lançou mão da suposta situação de inexigibilidade em razão da insuficiência de mão de obra na entidade, indicando que os terceiros contratados desempenharam atividades-fim da Fundação.

É importante assinalar que a dispensa de licitação “para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a administração Pública”, prevista no art. 24, contempla situações em que a administração já dispõe dos meios para a execução do objeto almejado, consubstanciados na entidade designada para aquele fim específico. Nas palavras do jurista marçal Justen Filho,

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as prestadoras de serviço público ressaltam mera alternativa organizacional da administração Pública. em vez de optar por atribuir certas competências a seus próprios órgãos, a pessoa política institui sujeitos autônomos (in: Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 13. ed. são Paulo: dialética, 2009, p. 305).

está evidente, portanto, que a licitude da contratação direta, nesses casos, decorre

da peculiaridade de ser a própria administração, por meio de órgão ou entidade

especializada, a prestadora dos serviços ou fornecedora dos bens. a suscitação

da dispensa prevista no art. 24, viii, como pretexto para a livre contratação

de particulares, constitui deformidade inaceitável. não se pode conceber que

subsista, no ordenamento juslicitatório, via colateral que estenda a particulares

as prerrogativas reservadas a entidades estatais, verdadeiras alternativas

organizacionais da Administração, criadas com o fim de atender necessidades

específicas do próprio Estado.

Pela mesma razão, a contração de obrigações superiores à própria capacidade de

execução pela entidade especializada desvirtua, por si só, a mens legis investida

no dispositivo, que diz respeito precisamente à circunstância de o ente, dispondo

de suficientes meios, prescindir da participação de particulares para satisfação do

objeto almejado. trago à baila, a propósito, advertência do referido autor:

a contratação direta não legitima escolhas despropositadas da administração Pública. não é válido desembolsar inadequadamente recursos públicos, sob pretexto da desnecessidade de licitação. o campo da contratação direta não está excluído da incidência dos princípios norteadores da atividade administrativa do estado (op. cit., p. 286).

tendo em vista que na análise das irregularidades comuns a todos os contratos

(ocorrências a e b) já foi enfrentada a questão da viabilidade de competição entre

as firmas TOP e AWFA, considero desnecessárias novas observações.

Foram contratadas empresas que participaram da “concepção do novo modelo e) organizacional desenhado para o tribunal de Justiça de minas gerais, sendo

imprescindível sua participação no processo de acompanhamento” (fls. 40 e 41),

escolha que afronta o disposto no art. 9°, i e ii (itens 2.1 até 2.4).

Os defendentes afirmaram, a fls. 424, que existiam dois projetos e dois contratos

diferentes, um relativo ao redesenho organizacional e outro referente à sua

implementação no TJMG. Concluíram afirmando que, havendo dois contratos com

objetos distintos, estaria afastada a hipótese de afronta aos incisos i e ii do art. 9°

da lei n. 8.666/93.

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no reexame, a unidade técnica observou que os dispositivos indicados não foram infringidos, tendo em vista a exceção consignada no próprio art. 9°, § 1°, da lei de licitações e contratos:

art. 9° [...]

§ 1° É permitida a participação do autor do projeto ou da empresa a que se refere o inciso ii deste artigo, na licitação de obra ou serviço, ou na execução, como consultor ou técnico, nas funções de fiscalização, supervisão ou gerenciamento, exclusivamente a serviço da administração interessada.

À luz do permissivo transcrito, afasto a irregularidade imputada pela equipe de inspeção.

os contratos foram celebrados após o início da execução dos serviços, em ofensa f) ao disposto no art. 60, parágrafo único (itens 2.1-2.4).

A publicação dos atos de ratificação das situações de inexigibilidade não observou g) o prazo fixado no art. 26 (itens 2.3 e 2.4).

Os defendentes limitaram-se a afirmar que as falhas formais “não produziram efeitos prejudiciais com relação ao erário” (fls. 425). No reexame, ante a ausência de novos elementos, concluiu-se pela ratificação das irregularidades inicialmente apontadas.

o ministério Público de contas rechaçou as alegações dos defendentes, assinalando que não se tratam de meras falhas formais, “mas sim de frontais lesões aos princípios da legalidade, da igualdade e da publicidade e, potencialmente, aos da moralidade, da eficiência e da probidade administrativa, entre outros” (fls. 537).

como frisado no item 1, é temerário, no âmbito da administração Pública, considerar as formalidades legais como rituais vazios ou meros caprichos: são justamente elas que asseguram a seriedade e a confiabilidade dos atos oficiais.

Admitida pelos próprios defendentes, julgo configurada a infração ao disposto nos arts. 26 e 60, parágrafo único, da lei n. 8.666/93.

O objeto do contrato (fls. 110) é incompatível com o objeto social (fls. 104) da h) empresa favorecida (item 2.5).

Os defendentes afirmaram que o serviço foi prestado de forma satisfatória e que os preços contratados eram “os de mercado” (fls. 425).

no reexame, o órgão técnico reiterou as falhas apontadas no relatório de inspeção, tendo em vista que os defendentes não se manifestaram sobre o mérito dos apontamentos.

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com efeito, o objeto social da sucram consultoria e serviços ltda. inclui consultoria

em engenharia civil, incorporação, loteamento e urbanização, e ainda em “elaboração

de textos, traduções e ilustrações” (fls. 104). Já o contrato glosado tinha por

objeto serviços relacionados à informática, incluindo “suporte para adaptação e

gestão agregada da rede informacional, aperfeiçoamento do controle de fluxos,

apoio técnico estratégico e suporte técnico nos casos de maior complexidade” (fls.

110). Embora não constitua desobediência a nenhum dispositivo legal específico,

a discrepância detectada realça o fracasso dos responsáveis em demonstrar que a

contratada, se não a única, era ao menos a mais qualificada para a prestação dos

serviços.

não foi estabelecido o prazo de execução do contrato, contrariando o disposto i) no art. 57, § 3, da lei n. 8.666/93 (item 2.6).

Alega-se, na defesa, “que realmente houve falha” (fls. 426) e que o prazo de vigência

teria sido fixado no Aditivo n. 214/05, celebrado em 13/09/05. A irregularidade foi

ratificada no reexame.

o suposto aditivo não foi apresentado. ainda assim, a retificação teria sido

excessivamente tardia, tendo em vista que o contrato original foi celebrado em

10/02/05.

admitida a falha pelo defendente, considero caracterizada a desobediência ao

comando do art. 57, § 3°, da lei de licitações e contratos.

não foi emitido parecer técnico ou jurídico sobre a contratação (item 2.6).j)

a ausência de parecer foi contestada de maneira genérica, em conjunto com

as falhas descritas nos itens e, f, e g. no reexame, o órgão técnico reiterou a

irregularidade.

observo que os “pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação”,

previstos no art. 38, vi, não têm caráter obrigatório: apenas se exige que, sendo

emitidos, sejam juntados ao processo. todavia, o parágrafo único do mesmo artigo

impõe que as minutas de instrumentos convocatórios e contratos sejam aprovados

pela assessoria jurídica do órgão. constata-se que há manifestação da procuradoria

jurídica na autorização do Presidente para a contratação direta (fls. 113), e no ajuste

celebrado (fls. 115-118), em razão do que julgo afastada a infração ao contido no

art. 38, parágrafo único, da lei n. 8.666/93.

não foi demonstrado o vínculo entre o instituto Publix e os dois consultores cujos k) currículos subsidiariam a constatação de sua notória especialidade (item 2.7).

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alega-se, na defesa, que o estatuto do instituto Publix prevê “o trabalho de pessoas físicas e jurídicas de forma associada” (fls. 426), e que, conforme consta de ata de assembleia juntada aos autos, os consultores mencionados são membros do instituto contratado.

em face das alegações e da cópia da ata juntada aos autos, o órgão técnico considerou sanada a irregularidade inicialmente apontada.

Com efeito, a ata de assembleia reproduzida a fls. 448-449, datada de 1°/03/04, registra a admissão de caio márcio marini Ferreira, Humberto Falcão martins e Nelson Marconi como associados do Instituto Publix, em razão do que fica afastada a irregularidade apontada.

não foi emitido parecer técnico ou jurídico sobre a contratação, contrariando o l) disposto no art. 38, vi, da lei n. 8.666/93 (item 2.8).

os defendentes citaram lição de marçal Justen Filho em que se sustenta a facultatividade dos pareceres técnicos ou jurídicos (fls. 428). O órgão técnico, em sede de reexame, confirmou a irregularidade (fls. 511).

Observo que consta carimbo, identificação e rubrica de procuradora no instrumento de contrato, a fls. 187-190, descaracterizando a irregularidade apontada.

A publicação do ato de ratificação da situação de inexigibilidade não observou o m) prazo fixado no art. 26 da Lei n. 8.666/93 (item 2.8).

os defendentes alegaram que se trata de “vício formal que já foi sanado, não existindo mais tal irregularidade” (fls. 428).

no reexame, o apontamento inicial foi reiterado, tendo em vista a admissão, pela defesa, da ocorrência de “vício formal” (fls. 518).

Admitida na defesa, julgo configurada a falha indicada.

Da análise das irregularidades comuns e específicas, pode-se concluir que as contratações glosadas foram promovidas de maneira temerária, atropelando os comandos legais quanto à matéria e quanto à forma. observo que, na defesa, as irregularidades de cunho formal não foram negadas, e que os responsáveis se limitaram a tentar minimizá-las e a prometer evitá-las nos procedimentos ulteriores.

Já quanto ao objeto das contratações diretas, o arrazoado de defesa foi mais assertivo, indicando deficiências de mão de obra e prazos curtos de execução. A argumentação oferecida, contudo, só deixou mais clara a prática da terceirização de atividades-fim, revestida por teóricas situações de inexigibilidade que, em nenhum caso,

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observaram conjugadamente os requisitos de singularidade do objeto e de notória

especialização do contratado. Os documentos e justificativas apresentados revelam

uma práxis perniciosa, com origem na escolha prévia de determinado profissional

ou firma autônoma por órgãos do Executivo, seguida de celebração de convênio

com a Fundação João Pinheiro, por meio do qual se repassa a quantia exigida pelo

prestador dos serviços, que é subcontratado utilizando-se do subterfúgio da suposta

situação de inexigibilidade.

a triangulação órgão do Executivo-Fundação-prestador não encontra suporte no

estatuto de licitações e contratos, uma vez que decorre não de inviabilidade de

competição, mas da prévia eleição do contratado pelo órgão do executivo, como

explicado pelos próprios defendentes. Percebe-se, da argumentação apresentada

e de certos documentos que instruem os autos, verbi gratia os peculiares termos

de reconhecimento, que os responsáveis consideram legítima e corriqueira a

terceirização de serviços típicos e exclusivos da Fundação a prestadores escolhidos

por órgãos do executivo, informando, em termos francos, que a entidade não

se encontrava materialmente e tecnicamente apta a executar, por si própria, os

objetos dos convênios celebrados com as secretarias solicitantes.

É fonte de consternação a conduta evidenciada no documento reproduzido a

fls. 181-183, emitido pela Secretaria de Estado de Saúde (SES): a escolha prévia

do prestador, bem como o emprego do subterfúgio da suposta inexigibilidade, é

formalmente ordenada à Fundação. a explícita burla à licitação é consentida pela

entidade, que se limitou a executar a contratação nos moldes propostos pelos

órgãos do executivo. É difícil presumir a boa-fé em tal triangulação, uma vez que,

caso fosse a competição efetivamente inviável, seria rigorosamente desnecessária a

intermediação da Fundação João Pinheiro. sequer se pode argumentar que caberia à

entidade coordenar os serviços, uma vez que a proposta de trabalho foi apresentada

pelo prestador diretamente à ses, incluindo a “coordenação de grupos-tarefa para

o desenvolvimento de projetos relativos ao Plano de Governo” (fls. 182).

Por fim, reitero que a ausência de comprovação da singularidade dos objetos

contratados, ainda que superadas todas as demais irregularidades, seria suficiente

para configurar a ilegalidade das contratações analisadas. A excepcionalíssima

contratação direta, como visto, deve se fazer acompanhar de robusta demonstração

da infungibilidade da prestação almejada, inclusive quando se trata de serviços

técnicos, de alto nível de complexidade, mas passíveis de execução por diferentes

profissionais qualificados.

Pelo exposto, julgo irregulares os contratos descritos de 2.1 até 2.8, bem como as

despesas deles decorrentes, e aplico multa aos responsáveis, sendo:

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— r$21.000,00 à sra. maria Helena de andrade, diretora de Planejamento, gestão e Finanças à época (itens 2.1-2.5);

— r$14.000,00 ao sr. geraldo magela Pereira, superintendente Financeiro à época (itens 2.6 e 2.7); e

— r$6.300,00 ao sr. amilcar vianna martins Filho, Presidente da entidade à época (item 2.8).

3 Contratação de serviços de consultoria, para a realização de concurso vestibular, mediante procedimento de inexigibilidade irregular — fls. 355-356

3.1 Contrato FJP/JP-119/03 (fls. 192-197)

Favorecido: Fundep

objeto: serviços de consultoria relativos à realização de vestibular

valor pago: r$30.000,00

embora repetidamente solicitados pela equipe de inspeção, não foram apresentados a) a justificativa do preço, o ato de ratificação da situação de inexigibilidade e a comprovação de sua publicação, em infração ao disposto no art. 26, caput e inciso iii, da lei de regência.

A justificativa da contratação faz menção a situação de inexigibilidade, ao passo b) que o instrumento de contrato reporta-se à dispensa de licitação.

não houve demonstração da compatibilidade do preço contratado com o praticado c) no mercado, a despeito do estabelecido no art. 24, XXiii, da lei de licitações e contratos.

os defendentes observaram que “a Fundep é uma entidade de direito privado, motivo pelo qual os fundamentos legais apresentados como justificativa para os contratos não se mostram adequados” (fls. 429). Acrescentaram que é fácil comprovar a inocorrência de prejuízo ao erário, já que a contratação configurava a hipótese de inexigibilidade prevista nos arts. 13, I e IV, e 25, II, da Lei n. 8.666/93. Afirmaram também que foi promovida pesquisa de preços, ainda que de maneira informal (por telefone), e que o “pequeno deslize na conduta administrativa” não deveria ser objeto de sanções (fls. 429-430).

o órgão técnico, no reexame, citou trecho do parecer emitido no Processo de consulta n. 259.643-1, em 14/02/96, no qual o tribunal autorizou a contratação direta com a favorecida nos moldes do art. 24, Xiii, da lei de licitações e contratos. assinalou,

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porém, que não foi essa a fundamentação do contrato glosado, e que não foi

providenciada a justificativa do preço. Com isso, ratificou as irregularidades

apontadas no relatório de inspeção. na mesma linha de raciocínio, o ministério

Público advertiu que, “caso configurada uma das hipóteses de dispensa ou

inexigibilidade, o processo deve ser devidamente formalizado, nos termos do

art. 26 da referida Lei” (fls. 537).

das irregularidades detectadas, constata-se que a contratação direta foi promovida

de maneira completamente irregular, sem que a situação de inexigibilidade fosse

ratificada pela autoridade competente, e sem que fosse demonstrada a razoabilidade

dos preços contratados. como visto, a demonstração da compatibilidade dos preços

com a prática do mercado é crucial na contratação direta, quando não há o controle

por parte dos participantes e interessados. assim, a alegação de que foi promovida

pesquisa de preços por telefone, repetida de maneira insistente pelos defendentes,

mostra-se descabida em face da cautela imposta pela lei.

a equipe de inspeção observou também que um aditivo contratual foi providenciado

a fim de alterar a cláusula que indicava a dispensa de licitação como fundamento da

contratação, substituindo-a por situação de inexigibilidade. o fato é ilustrativo da

temeridade com que a contratação foi conduzida, e revela a peculiar circunstância

de haver sido o seu fundamento debatido com a execução já em curso.

Confirmadas as irregularidades indicadas pelo órgão técnico, julgo irregular a

contratação analisada, por inobservância do disposto nos arts. 24, XXiii, e 26 da lei

n. 8.666/93, submetendo o então Presidente da Fundação João Pinheiro, sr. amilcar

vianna martins Filho, à multa no valor de r$1.500,00.

4 Despesas precedidas de procedimentos licitatórios realizados com inobservância de formalidades legais — fls. 356-359

4.1 Concorrência n. 01/03

contrato FJP/PJ-170/03 e tas n. 088/04, 185/04 e 219/04 (fls. 238-251)

Favorecido: organizações lerbach

Objeto: prestação de serviços de impressão e reprografia

valor pago: r$158.943,76

Foi adotado critério de desempate em desacordo com o disposto no art. 45, §§ a) 2° e 3°, da lei nacional de licitações e contratos.

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Os defendentes afirmaram que, diante do empate ocorrido, optaram pela empresa que ofereceu os menores preços para os serviços mais demandados pela instituição.

em sede de reexame, a diretoria técnica rechaçou a argumentação dos defendentes, observando que o instrumento convocatório previa a escolha da proposta que apresentasse o menor preço por item. assim, a entidade deveria ter contratado ambas as proponentes, “cada qual para os itens nos quais apresentaram menor preço” (fls. 521). A falta de critério para desempate também foi afastada, tendo em vista o art. 45 da lei n. 8.666/93, que determina a realização de sorteio sempre que houver empate entre dois ou mais licitantes.

além de admitir a adoção de critério de julgamento não previsto no instrumento convocatório, os responsáveis não promoveram sorteio entre as participantes empatadas, infringindo o comando inserto no art. 45, §§ 2° e 3°, da lei n. 8.666/93. como bem observado pela equipe de inspeção, caso decidisse levar em conta os preços propostos por item, a comissão Permanente de licitação (cPl) deveria concluir pela adjudicação, a cada licitante, dos itens para os quais tivesse oferecido os menores preços.

não foi apresentado orçamento que estimasse o valor total da contratação, b) a despeito do estabelecido no art. 7°, § 2°, ii, do estatuto de licitações e contratos.

Os responsáveis voltaram a afirmar que as cotações de preços são obtidas por telefone, em virtude do que não constariam dos processos licitatórios, “vício que não mais se repetirá” (fls. 430).

o prazo de prorrogação estabelecido no 2° termo aditivo sobrepõe-se ao prazo c) de vigência do contrato n. 170/03.

embora tenha mantido o preço unitário, a ampliação do objeto acordada no 2° d) aditivo extrapolou o limite de 25%, fixado no art. 65, § 1°, da Lei n. 8.666/93.

alega-se, na defesa, que houve aumento considerável na demanda de serviços reprográficos em virtude de ampliação repentina do volume de serviços prestados pela Fundação. A fim de evitar atrasos na conclusão dos novos serviços, procedeu-se à celebração de termos aditivos, que seriam rescindidos posteriormente. Por fim, os defendentes asseguraram que os preços fixados nos aditivos são compatíveis com a prática do mercado, tendo em vista o seu monitoramento contínuo por telefone.

no reexame, o órgão técnico observou que, ao atribuir a celebração dos aditivos ao aumento do volume de serviços, e ao informar que prontamente rescindiria o ajuste, os responsáveis admitiram a ampliação irregular do objeto.

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dado que o contrato original previa dispêndios no valor total de r$100.000,00, os

pagamentos que extrapolaram r$125.000,00, teto decorrente do disposto no art.

65, § 1°, equivalem a despesas realizadas sem licitação. tendo em vista a gravidade

da irregularidade, e que as falhas formais não foram refutadas pelos defendentes,

considero irregular a contratação e aplico multa aos responsáveis, sendo:

— r$300,00, individualmente, aos srs. sálvio Ferreira de lemos eguimar rodrigues

barroso, neusa santiago lima, márcio macedo botinha e antônio de Pádua Pinto

Fernandes, então membros da cPl, em virtude da infração ao disposto nos arts.

41, 44 e 45, §§ 2° e 3°, da lei n. 8.666/93, no julgamento das propostas relativas à

concorrência n. 01/03;

— r$2.300,00, individualmente, aos srs. geraldo magela Pereira e maria Helena de

andrade, representantes da entidade na celebração do contrato FJP/PJ-170/03 e

termo aditivo n. 185/04, respectivamente; e

— r$3.300,00 à sra. maria Helena de andrade em razão da ofensa frontal ao art.

65, § 1°, na celebração do termo aditivo n. 219/04, que acarretou a realização de

despesas no valor de r$33.943,76 não precedidas de procedimento licitatório.

4.2. Pregão presencial n. 001/2004

Contrato FJP/PJ-104/04 (fls. 281-285)

Favorecido: terra viagens e turismo

objeto: agenciamento de viagens e atividades correlatas

valor pago: r$52.936,65

não foi elaborado orçamento do objeto licitado, em desacordo com o disposto no a) art. 7°, iii, da lei estadual n. 14.167/02.

não há comprovação de que o valor estimado da contratação era compatível com b) o praticado no mercado, a despeito do comando do art. 8°, Xii, do decreto estadual

n. 42.408/02.

não constam as assinaturas dos licitantes vencidos na ata do pregão, em afronta c) ao disposto no item 8.5 do edital e ao estabelecido no art. 8°, Xviii, do decreto

estadual n. 42.408/02.

Os defendentes admitiram a ausência de orçamento e novamente afirmaram que a Fundação

monitorava os preços de mercado via telefone. sustentaram também que não houve

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interposição de recurso, pelo que o vício formal da inexistência de assinaturas não teria

comprometido o desenvolvimento do processo licitatório. o órgão técnico, no reexame,

ratificou a irregularidade, observando que os defendentes admitiram as falhas.

a coleta de preços por telefone e a tentativa de minimização das irregularidades de

natureza formal já foram tratadas na análise das demais falhas. considerando que

os responsáveis não refutaram as impropriedades, julgo irregular a contratação e

aplico multa aos responsáveis, sendo:

— r$300,00 ao sr. edmar alves da silva, pregoeiro responsável, designado pela

Portaria n. 025/04, a fls. 09-10, e subscritor da ata a fls. 275-278; e

— r$1.000,00 à sra. maria Helena de andrade, então diretora de Planejamento,

gestão e Finanças.

5 Despesas não precedidas de procedimento licitatório — fls.360-362

5.1 Contrato FJP/AJ-031/03 e TAs n. 102/03, 18/04, 52/04, 150/04 e 247/04 (fls. 286-313)

Favorecido: minas gerais administração e serviços (mgs)

objeto: terceirização de atividades-meio

valor estimado: r$1.098.561,30

não foi constituído processo formal de dispensa de licitação, em desobediência a) ao estabelecido no art. 26 da lei de licitações e contratos.

Foi declarada, por este tribunal, a ilegalidade da contratação direta da mgs, b) mediante dispensa, no parecer emitido na consulta n. 390.863, sessão de 03/04/97.

não foi demonstrada a compatibilidade do preço contratado com o praticado no c) mercado, em afronta ao disposto no art. 24, viii, da lei n. 8.666/93.

certos empregados da contratada, admitidos para a execução de atividades-d) meio, desenvolvem atividades próprias da Fundação, com afronta ao estabelecido

no art. 37, ii, da constituição da república, arts. 20, ii, e 21, § 1°, da constituição

do estado, no art. 2° do decreto estadual n. 31.930/90 e no enunciado n. 35 da

súmula desta corte de contas.

os defendentes explicaram que havia muito tempo não se promovia concurso na

Fundação, em razão das exigências formais para a criação de vagas. acrescentaram

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que o desempenho de atividades-meio por empregados da mgs acarretou uma

“situação de extrema dependência”, em virtude da qual os contratos teriam sido

sucessivamente prorrogados (fls. 433).

os responsáveis admitiram que os contratados, “em regime de urgência, passaram

a realizar atividades-fim desta Fundação”, atribuindo a distorção a motivos

imperiosos e à necessidade de evitar a interrupção dos trabalhos da entidade (fls.

433). Alegaram também que alguns empregados da MGS que exerciam atividade-fim

já estariam sendo remanejados para atividades-meio.

Por fim, os defendentes sustentaram, mais uma vez, que controlavam por telefone

a compatibilidade dos preços com a média do mercado.

no reexame, o órgão técnico analisou a fundo a contratação da mgs em face da

hipótese de dispensa consignada no art. 24, viii, da lei n. 8.666/93. mencionou o

parecer emitido por esta corte de contas na consulta n. 390.863, citado no próprio

relatório de inspeção, em que a contratação direta da empresa foi declarada ilegal.

assinalou que a mgs só passou a integrar a administração Pública após o início da

vigência da lei de licitações e contratos, e que não foi criada para o desempenho

das atividades contratadas com a Fundação João Pinheiro. observou também que o

jurista Jorge ulisses Jacoby Fernandes afastou a subsunção de ajustes com entidades

criadas após a promulgação da lei n. 8.666/93 à mencionada hipótese de dispensa;

e que ação movida pela Promotoria de Justiça especializada de defesa do Patrimônio

Público (Processo n. 0024.01.554.774-8), ainda pendente de julgamento, requer a

anulação de contratos firmados entre a MGS e órgãos do Executivo Estadual. Pontuando

os requisitos estabelecidos no mencionado dispositivo, concluiu, em síntese, que:

— a MGS não foi criada para o fim específico de prestar serviços a pessoas jurídicas

de direito público interno;

— não foi comprovada a compatibilidade entre os preços contratados e a média do

mercado; e

— a contratação da mgs sem prévia licitação violou preceitos da constituição da

república e da lei n. 8.666/93.

somam-se, na contratação em análise, a burla à licitação e ao concurso público.

a defesa admite explicitamente a terceirização, atribuindo-a à própria inércia

da administração em promover novos concursos. reitero que os defendentes não

hesitam em informar que certos contratados “passaram a realizar atividades-fim

desta Fundação” (fls. 433). Quanto à falta de demonstração da razoabilidade dos

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preços, repetiram a alegação de que colhiam orçamentos por telefone.

as escassas razões de defesa não abordam a proibição à contratação direta da mgs

em parecer do tribunal, nem o fato de que não foi constituído processo formal de

dispensa.

admitidas expressamente as irregularidades pelos responsáveis, inclusive a

terceirização de atividades-fim, reitero a análise desenvolvida no item 1 quanto à

ilegalidade da prática, que consubstanciou desobediência ao disposto nos art. 37,

ii e XXi, da constituição da república, e aplico multa de r$35.000,00 ao sr. amilcar

vianna martins Filho, Presidente da Fundação João Pinheiro à época.

5.2 Empenhos n. 177, 1752, 437, 1272, 237, 1600 e 197 (fls. 361-362)

Favorecida: luciene cristina dias de oliveira

objeto: desempenho da coordenação do mestrado em administração Pública da

escola de governo

valor pago: r$39.008,98

a favorecida foi contratada para desempenhar atividade típica e de competência a) exclusiva da Fundação João Pinheiro, prática que configura infração ao disposto no

art. 37, ii, da constituição da república, arts. 20, ii, e 21, § 1°, da constituição do

estado, no art. 2° do decreto estadual n. 31.930/90 e no enunciado n. 35 da súmula

desta corte de contas.

Os defendentes voltaram a afirmar que havia anos não se promovia concurso na

entidade. sustentaram que não havia nos quadros da entidade, nem da mgs,

profissional com a qualificação exigida para o cargo, em razão do que teriam

contratado luciene cristina dias de oliveira, durante prazos determinados, em

épocas nas quais a prestação dos serviços almejados era imprescindível. admitiram

que não foi formalizado instrumento de contrato e novamente alegaram que, por

meio de telefonemas, apuravam a compatibilidade da remuneração com a prática

do mercado.

no reexame, ponderando que os responsáveis admitiram as práticas irregulares, o

órgão técnico reiterou a imputação inicial.

Admitida a terceirização de atividade-fim, com burla ao concurso público, conduta

cuja inconstitucionalidade e ilegalidade já foram anteriormente demonstradas,

julgo irregulares as despesas glosadas, que sequer foram previstas em instrumento

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de contrato, e aplico multa aos ordenadores, sendo r$2.300,00 à sra. maria Helena

de andrade e r$750,00 ao sr. geraldo magela Pereira.

À luz do exposto, manifesto-me, em proposta de voto, preliminarmente, pelo

acolhimento da defesa apresentada, haja vista a prorrogação de prazo deferida pelo

antigo relator, e exclusão dos membros da equipe de apoio da relação processual,

convencido de que não podem ser pessoalmente responsabilizados por decisões

subscritas pelo pregoeiro. no mérito, posiciono-me pela ilegalidade das despesas

analisadas nos autos, e, com amparo nas disposições do art. 85, ii, da lei orgânica

desta corte de contas, aplicação de multas aos responsáveis no valor total de

r$92.550,00, sendo:

r$1.000,00 ao sr. amilcar vianna martins Filho, Presidente à época, em razão de a) falhas no controle interno, incluindo a desorganização dos documentos relativos a

procedimentos licitatórios, a despeito do estabelecido no art. 1° das intcs n. 06/99

e 07/03 (item 1);

r$21.000,00 à sra. maria Helena de andrade, diretora de Planejamento, b) gestão e Finanças à época — itens 2.1 a 2.5, r$14.000,00 ao sr. geraldo magela

Pereira, superintendente Financeiro à época — itens 2.6 e 2.7, e r$6.300,00 ao

sr. amilcar vianna martins Filho — item 2.8, em face da terceirização de típicas

atividades-fim da entidade, com burla ao concurso público e desobediência ao

art. 37, ii, da constituição da república, a título de inexigibilidade de licitação,

no valor total de r$464.170,00, sem que fosse demonstrada a singularidade das

prestações e a inviabilidade de competição, além de diversas irregularidades de

natureza formal, com grave infração ao disposto nos arts. 26, 57 e 60, dentre

outros, da lei n. 8.666/93;

r$1.500,00 ao sr. amilcar vianna martins Filho em virtude de irregularidades na c) realização de despesas de r$30.000,00 mediante procedimento de inexigibilidade de

licitação, destacando-se a equivocada fundamentação legal do processo, a ausência

de comprovação da razoabilidade do preço contratado, da ratificação da situação

de inexigibilidade e de sua posterior publicação, com ofensa frontal ao disposto nos

arts. 24, XXiii, e 26 da lei de licitações e contratos (item 3);

r$300,00, individualmente, aos srs. sálvio Ferreira de lemos, eguimar d) rodrigues bastos, neusa santiago lima, márcio macedo botinha e antônio de Pádua

Pinto Fernandes, membros da comissão Permanente de licitação, e r$2.300,00,

individualmente, ao sr. geraldo magela Pereira e à sra. maria Helena de andrade

à vista da realização de despesas no valor de r$125.000,00 por meio de processo

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de concorrência maculado por diversas irregularidades, dentre as quais destaco

a ausência de orçamento do valor total da contratação e a adoção de critério de

desempate contrário à lei, com ofensa ao estabelecido nos arts. 7° e 45, entre

outros, da lei nacional de licitações e contratos (item 4.1);

r$3.300,00 à sra. maria Helena de andrade em face da ampliação de objeto de e) contrato em proporção superior ao limite de 25% estabelecido no art. 65, § 1°, da

lei n. 8.666/93, que resultou na realização de despesas no valor de r$33.943,76 não

precedidas de licitação (item 4.1);

r$ 300,00 ao sr. edmar alves da silva, pregoeiro responsável, e r$1.000,00 à f) sra. maria Helena andrade pela realização de despesas no valor de r$52.936,65

mediante procedimento de pregão presencial irregular, incluindo a ausência de

orçamento do objeto licitado e a não comprovação da compatibilidade do preço

com a prática do mercado, com explícita violação ao fixado no art. 7°, III, da Lei

estadual n. 14.167/02 e no art. 8° do decreto estadual n. 42.408/02 (item 4.2);

r$35.000,00 ao sr. amilcar vianna martins Filho pela realização de despesas no g) valor de r$1.098.561,30 sem licitação, agravada pelo fato de constituir terceirização

de atividades-fim da Fundação e pela existência de parecer desta Corte de Contas

que declara a ilegalidade da contratação direta da mgs (item 5.1);

r$2.300,00 à sra. maria Helena de andrade e r$750,00 ao sr. geraldo magela h) Pereira em face da realização de despesas no valor de r$39.008,98 sem licitação,

agravada pelo fato de que a contratação configurou terceirização de atividade de

competência exclusiva da Fundação João Pinheiro (item 5.2).

tendo em vista a recorrência da terceirização de atividades-fim da Fundação

e o desprendimento com que a prática é descrita pelos responsáveis,

recomendo que, em futuras inspeções na entidade, dê-se especial atenção às

contratações de serviços profissionais mediante inexigibilidade de licitação

e aos contratos referentes a terceirização de atividades-meio, observando-

se, também, se persiste a prática de intermediar contratações (ilícitas) de

outros órgãos do executivo.

transitado em julgado o decisum, cumpram-se as disposições do art. 364 do

regimento interno deste tribunal.

Ao final, à vista da constatação de grave transgressão à norma legal, encaminhe-se

o processo ao ministério Público de contas para as providências de seu mister.

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ultimados os procedimentos pertinentes à espécie, impõe-se o arquivamento dos

autos, conforme o disposto no inciso i do art. 176, regimental.

o Processo administrativo em epígrafe foi apreciado pela segunda câmara na sessão do dia 1º/07/10 presidida pelo conselheiro eduardo carone costa; presentes o conselheiro elmo braz e o conselheiro substituto gilberto diniz, que acolheram a proposta de voto exarada pelo relator, auditor Hamilton coelho.