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Cristóvão Colombo terá sido um corsário português chamado Pedro Ataíde? Investigação Ciência. 26 a 28

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Page 1: Investigação Colombo terá chamado Pedro Ataíde?...um dos mais intrigantes mistérios da época dos Descobrimentos. O engenheiro civil e investigador no Instituto Superior Técnico

Cristóvão Colombo terásido um corsário portuguêschamado Pedro Ataíde?

Investigação

Ciência. 26 a 28

Page 2: Investigação Colombo terá chamado Pedro Ataíde?...um dos mais intrigantes mistérios da época dos Descobrimentos. O engenheiro civil e investigador no Instituto Superior Técnico

Cristóvão Co lomboterã sido um corsário português

chamado Pedro Ataíde?

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Uma equipa de investigadores do InstitutoSuperior Técnico de Lisboa e da Universidadede Coimbra vai realizar exames ao ADNde esqueletos que estão num túmulo deuma quinta em Vila Franca de Xira. Análisevai esclarecer se Cristóvão Colombo foi umcorsário português chamado Pedro AtaídeAndrea Cunha Freitasindícios que se podem ligar ao quese conhece de Cristóvão Colombo.Há teorias desde ele ser galego atéele ser de Barcelona." E, claro, hátambém teorias (umas mais recen-tes e outras nem tanto) que falamna possibilidade de ser português.Como a de Fernando Branco.

O engenheiro apaixonou-se pelotema por um acaso. Como, aliás,acontece na maior parte das pai-xões. "Foi um livro do José Rodri-gues dos Santos, O Codex 632. É umlivro em que ele põe a hipótese de oCristóvão Colombo ser português e

que ele escreveu à volta do que an-tes já tinha defendido MascarenhasBarreto [investigador, romancista e

tradutor]", conta ao PÚBLICO. "De-

pois comecei a ler. Há muita coisaescrita. Uma pessoa pegando no li-vro do Mascarenhas Barreto perce-be logo que há muita coisa que nãobate certo."

Segundo explica, MascarenhasBarreto defende que Cristóvão Co-lombo foi um filho bastardo de D.

Fernando, irmão de D. Afonso V.

Mas, considera Fernando Branco,"Mascarenhas Barreto meteu água"."Foi muito boa pessoa, que estudoumuito, descobriu muita coisa, mas,neste caso, falhou redondamente.A base é que não há documento ne-nhum que prove que o D. Fernandotenha tido um bastardo", aponta o

investigador do IST.Mas há outras teorias, lembra. "Há

ainda a hipótese de um luso-ameri-

cano, Manuel Rosa, que é ainda maisrebuscada. Ele diz que houve umimperador da Polónia ou Lituâniaque a história diz que morreu nu-ma batalha contra os turcos mas queele diz que, afinal, não morreu nada

mas que veio para Portugal e teveum filho chamado Segismundo [queterá nascido em Cuba, no Alentejo] .

Diz ainda que a única coisa que sesabe é que esse filho morreu a andarde barco, levou com o mastro emcima, mas o Manuel Rosa diz queele não morreu e que se transfor-mou no Cristóvão Colombo", resu-me. E conclui: "Ele [Manuel Rosa]construiu toda uma história muitogira. Já lhe disse: como romancehistórico, ganhas a todos". E ri.

No barco desta aventura rumo aum Cristóvão Colombo portuguêsestá também "a teoria dos irmãosMattos e Silva que dizem que eramais um filho bastardo de uma ir-mã de D. Afonso V". Ou a versão dolivro de Manuel Luciano da Silva eda sua mulher, Sílvia Jorge da Silva,que coloca o navegador a nascer emCuba, no Alentejo, e que inspirou ofilme de Manoel de Oliveira "Cristó-vão Colombo, o enigma".60 coincidências?Durante mais de uma hora, a partirde uma primeira pergunta sobre asua hipótese das origens portugue-sas de Cristóvão Colombo, FernandoBranco conta ao PÚBLICO as muitashistórias que existem à volta da vida

do navegador. A animada e interes-sante conversa com o investigadorcomeça assim: "Escrevi o primeiroe único livro sobre esta hipótese em2012. E, portanto, conhece a histó-ria? A minha história basicamenteaponta para que o Cristóvão Colom-bo possa ter sido um corsário por-tuguês chamado Pedro Ataíde. Mas,começando pelo princípio."

E do princípio até ao fim, a his-tória navega por vários cantos domundo, cheia de personagens, qua-

se sem interrupções, sem que sejapreciso fazer mais perguntas. Des-de o testamento que provava queColombo era genovês e que afinalseria falso, até batalhas de corsá-rios em barcos nos mares do Sul de

Portugal, ao homem morto por ummastro que lhe cai em cima e queafinal não morreu, a pormenorescomo Cristóvão colombo falar por-tuguês, nunca assinar com o nomedele mas, antes, preferir uma assi-

natura encriptada (ainda à esperade ser decifrada) que se resume a

X po Ferens."Quando andei à procura de

quem foi o 'meu' Cristóvão Colom-bo, comecei por definir quais eramas coisas-base que essa personagem,se fosse português, tinha de ter. E

há, à partida, uma coisa que é muito

importante. Cristóvão Colombo tevedois irmãos".

Assim, sublinha, quando pensa-mos num Cristóvão Colombo portu-guês, temos de arranjar, pelo menos,três pessoas. "Quando entramos em

bastardos, já não chega arranjarum bastardo, temos de arran-jar três bastardos", diz. Alémdos irmãos é também preci-so encontrar "alguém quetem uma história de mar

significativa". Temainda de ser umapessoa ligada à no-breza, acrescenta,enumerando as

pistas. "As ->**

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Encontrei 60 indícioscomuns entre a vidadeste Pedro Ataídee a vida do CristóvãoColombo. Sessenta

pormenores ácomuns ávida Idos dois" \Fernando BrancoInvestigador

Seexistisse um género cha-

mado policial histórico esteenredo seria um dos seusmelhores exemplos. Aqui,persegue-se um navegadorque, pelos mares, chegou às

Américas. É tudo o que podemosdizer sem entrar em grandes dis-cussões. Porque tudo o resto pare-ce discutível. Cristóvão Colombotransformou-se num homem commil caras. Já foi um tecelão geno-vês, um bastardo português, gregoou espanhol (catalão ou galego?) emuitos outros estrangeiros num só

homem. A confusão é imensa e o

próprio Cristóvão não ajudou. Ele

que nunca quis que se falasse nassuas origens e que nunca assinou oseu nome em nenhum documento.

Agora, há mais uma acha na acesadiscussão.

Fernando Branco mergulhounuma história com séculos que é

um dos mais intrigantes mistériosda época dos Descobrimentos. O

engenheiro civil e investigador no

Instituto Superior Técnico (IST) daUniversidade de Lisboa persegue as

origens de Cristóvão Colombo comuma persistência e bom humor quedificilmente os cálculos de enge-nharia lhe conseguiriam arrancar.Tanto que, em 2012, escreveu umlivro com o título "Cristóvão Colón,Nobre Português". Aí, o investiga-dor defende que o navegador foi umcorsário português chamado PedroAtaíde, apresentando mais de meiacentena de pontos comuns entre osdois. Actualmente, espera apenasuma autorização para abrir os túmu-los da família dos Ataídes, em Cas-tanheira do Ribatejo (Vila Franca de

Xira). As análises ao ADN, que serãoda responsabilidade da antropólogaforense Eugenia Cunha, da Univer-sidade de Coimbra, podem provarque estava correcto. Ou desmenti-10.

Enquanto conta a sua historia da

História, Fernando Branco ri. É evi-dente que a investigação sobre as

origens e vida do famoso navegadorCristóvão Colombo lhe dá muito go-zo. O investigador ri das "trapalha-das" de outros tempos, das muitasteorias dos dias de hoje, dos outros e

de si próprio. Mas sabe que isto nãoé uma brincadeira. Desde há muitotempo que historiadores e investiga-dores discutem sobre as origens do

navegador que descobriu as Amé-ricas. Até hoje, não foi encontradanenhuma prova ou documento quenão deixe, pelo menos, uma peque-na margem para dúvidas.

Na biografia Historia dei almiran-te Don Cristóbal Colón escrita peloseu filho Fernando (ou Hernando),esconde-se a sua origem. O filho deColombo justifica que o pai não que-ria que se soubesse onde nasceu. Omais importante seriam os seus fei-tos na História. O espaço em brancoimposto pelo próprio Cristóvão Co-lombo acabou por ser preenchidocom a narrativa mais popular de queserá italiano, mais especificamenteum genovês nascido em 1451. Mas aversão que prevaleceu está longe deser consensual.

"Hoje sabe-se perfeitamente queesse Cristóvão Colombo genovês[Cristoforo Colombo] era um te-

celão, sempre foi um tecelão e nãopode, de maneira nenhuma, ser oalmirante porque se conhecem ashistórias de ambos. Felizmente.E desde a data de nascimento atéao que fez durante a vida há coisas

completamente incompatíveis. Por-

tanto, hoje em dia mesmo os histo-riadores italianos reconhecem quea probabilidade de ele ser esse ge-novês é praticamente nula, OK?",esclarece Fernando Branco. Mas se

não era genovês, era o quê? "Apa-receram 'n' países a dizer que eleera desses países. Temos CristóvãosColombos desde a Grécia até não seionde. Porque há sempre pequenos

famílias de nobreza, as principais,estão todas representadas no tectodo palácio de Sintra, onde estão to-dos os brasões daquela altura. Eucostumo dizer que um destes bra-sões há-de estar ligado ao CristóvãoColombo. Se ele for português."

Mas há mais. "Ele tem de ser sol-teiro ou viúvo em 1479 porque é o

ano em que casa com a sua esposaportuguesa", adianta. E com estas

pistas, Fernando Branco procurouum "suspeito". "Há uns anos repa-rei - não fui eu que descobri, já vá-rios autores o descobriram - quehá um texto escrito por um histo-riador dos reis católicos, um pro-fessor catedrático em Salamanca,que diz claramente num livro quequem descobriu a América foi umindivíduo chamado Pedro Colón".Eis o Pedro.

A referência à existência de umPedro Colón é feita por mais histo-riadores, de Gaspar Frutuoso a Dio-

go do Couto (que escreveu com Joãode Barros as Décadas da Ásia). "Fui à

procura de um indivíduo chamadoPedro Colón. Só há um documen-to que o refere. É um corsário queaparece numa folha de pagamentosdo D. Afonso V. E bem pago, curiosa-mente." Existem crónicas que dãoPedro Colõn como morto numa vio-lenta batalha nas águas do mar, a sulde Portugal, em Agosto de 1476, e

que ficou conhecida como Batalhade S. Vicente. Mas Fernando Bran-

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Réplicada caravelaSanta Maria,a assinaturaencriptadado famosonavegadore a capelada família Ataídenuma quintaem Castanheirado Ribatejo

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co acredita que o tal corsário nãomorreu ali, que se salvou a nado."Não sei se o Rui de Pina (cronistaque descreveu esta batalha), por al-

guma razão, ou se enganou ou men-tiu, mas é muito estranho que nopreciso instante em que desapareceum Pedro Colón nasce um CristóvãoColombo".

"O livro que escrevi foi a vida des-te Pedro Ataíde, que é uma pessoaque ninguém conhece, obviamente.Era um indivíduo da alta nobreza,era um descendente de almirantesportugueses. Encontrei 60 indícioscomuns entre a vida deste Pedro Ata-íde e a vida do Cristóvão Colombo.Sessenta pormenores comuns à vidados dois." Por exemplo? "O Cristó-vão Colombo, quando regressa daAmérica da primeira viagem, párana ilha de Santa Maria, nos Açores,onde estava um indivíduo que o co-nhecia muito bem e que se chamavaJoão da Castanheira. Colombo escre-ve isso no seu diário. Como é que oconhecia? Ora, o João da Castanhei-ra era o senhor João da povoação daCastanheira. Castanheira do Ribate-

jo, que é a terra dos Ataídes, ondevivia o Pedro Ataíde."

Fernando Branco tem mais argu-mentos para sustentar a sua hipó-tese. Mas, tal como muito outroshistoriadores, não tem qualquerdocumento que sirva de prova. Fal-tam documentos e por isso é precisojuntar peças de um puzzle construí-do com crónicas escritas há séculos,cartas supostamente escritas pelonavegador ou a ele dirigidas e mui-ta imaginação. "Em Portugal, nãohá um único documento que refirao Cristóvão Colombo", confirma o

investigador.O plano para provar a teseAgora, o plano é usar o resultado deanálises feitas a uma parte dos ossos

que pertencerão a Cristóvão Colom-bo e que estarão guardados em Se-

vilha e comparar estes dados com

exames ao ADN dos esqueletos queestão na Quinta de Santo António,em Castanheira do Ribatejo, onde a

família dos Ataídes os enterrou."Do Pedro Ataíde não tenho es-

queleto, nem ADN, nem nada. Por-

que ele ou se transformou em Cris-tóvão Colombo e está em Sevilha ouficou no fundo do mar durante a Ba-talha de S. Vicente", refere Fernando

Branco, acrescentando: "Mas tenho,

espero vir a ter, o ADN quer de umtio dele por via masculina, quer deum primo direito dele, uns Ataídes

que estão no panteão dos Ataídesem Castanheira do Ribatejo."

Fernando Branco vai tentar obtero ADN de António Ataíde (que seria

primo direito de Pedro) e de ÁlvaroAtaíde (tio) e comparar com o ADNde Fernando, filho do Cristóvão Co-lombo. O processo até conseguir a

autorização da Direcção-Geral doPatrimónio Cultural para abrir os tú-mulos daquela família é uma (outra)longa história. "Quando fui mesmoao túmulo para tentar abrir, percebi

que aquilo é extremamente comple-xo. Basicamente é uma caixa, mastem em cima três tampas sobrepos-tas e cada uma pesa quase uma tone-lada. É um problema de engenhariacivil, que é a minha profissão." Foi

preciso fazer alterações ao projectoque obrigaram a um novo pedidodirigido à DGPC. Agora só falta estaderradeira autorização para abrir o

túmulo, algo que Fernando Branco

espera que aconteça no próximomês de Outubro. Mas nunca se sa-be. "Quando isto for aberto, é aí queentra a professora Eugenia Cunha,que vai lá tirar os ossinhos para se

tentar obter o tal ADN.""Na prática, ainda não fiz nada.

A minha participação no projectoé enquanto antropóloga forense e

física. Cabe-me retirar os restos ós-

seos do túmulo e analisá-los. Ou se-

ja, actuarei enquanto perita numaárea muito específica: a análise do

esqueleto e também na recolha deamostras ósseas para enviar para aanálise genética", confirma Euge-nia Cunha. Com o túmulo fechadocom três pesadas tampas em cima,está tudo em aberto. Não sabemos o

que lá está nem como está. A análise

depende disso. "Os corpos podemestar esqueletizados, mumificados,fragmentados, reduzidos a fragmen-tos. Pode haver vestígios de roupase/ou objectos. Será determinado onúmero de indivíduos presentes notúmulo e feita a sua individualiza-ção. Posteriormente, cada um seráanalisado com vista ao conhecimen-to do sexo, idade à morte, origemgeográfica e estatura. Também seráefectuada a perscrutação de even-tuais doenças."

O que é que pode correr mal? "A

fragmentação extrema dos ossos, amá preservação dos restos huma-nos." Mas, então, é possível que as

provas recolhidas não forneçamuma resposta sobre a hipótese deFernando Branco? "Podemos re-colher ossos masculinos e com umperfil idêntico ao esperado e não se

conseguir extrair material genético.Sim, neste caso não se conseguiriauma resposta para a hipótese for-mulada. Se o túmulo estiver vazio,também não."

Se reconstruir um passado já pa-rece um exercício tão complexo,não adianta sequer tentar fazerqualquer previsão de futuro. A únicacoisa que parece certa é que a dis-cussão sobre as origens de CristóvãoColombo vai continuar e que este

navegador liderou a frota conhecida

pela descoberta da América, comonos contam os nossos livros de His-tória. Ou será que também isso é dis-cutível? No seu túmulo em Sevilha,Cristóvão Colombo terá deixado umpedido por escrito. "Espero não serconfundido eternamente."[email protected]