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KENEDY, E. Uma breve introdução aos estudos experimentais em linguística. IN.: WIEDEMER, M. (ORG.) Estudos linguísticos contemporâneos: questões e tendências. RJ: Autografia, 2019. pp. 159-194 Introdução O Grupo de Estudos e Pesquisas em Linguística Teórica e Experimental (GEPEX) foi fundado na Universidade Federal Fluminense (UFF) no segundo semestre de 2009. Já no ano seguinte, o grupo foi cadastrado junto ao Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil (CNPq) e vinculado à linha de Teoria e Análise e Linguística do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, da UFF. Em 2015, O GEPEX vinculou-se também ao Programa de Pós- Graduação em Letras e Linguística (PPLIN), da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/FFP). Desde então, o grupo vem realizando pesquisas conduzidas por seus professores membros efetivos e colaboradores, com financiamento de diferentes órgãos de fomento, como CNPq, CAPES, FAPERJ e PROPPI (Pró- reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação, da UFF), bem como vem investindo fortemente na formação de novos pesquisadores, desde a iniciação científica até os estágios de pós- doutoramento, contemplando também alunos e alunas de mestrado e de doutorado. 1 A principal metodologia de pesquisa adotada nos trabalhos conduzidos no GEPEX é a experimentação. Trata-se de uma robusta abordagem metodológica que permite a formulação e o teste empírico de previsões comportamentais decorrentes de alguma teoria ou de algum modelo linguístico específico. É por isso que o GEPEX se interessa tanto por trabalhos teóricos, mais abstratos e vinculados a diferentes questões da sintaxe e da semântica formais, quanto por trabalhos empíricos, de natureza experimental e etnográfica, voltados para diversos tópicos de pesquisa. O principal objetivo do grupo é, portanto, conjugar questões teóricas da linguística e metodologias experimentais da psicologia cognitiva. Todos os membros do GEPEX estão felizes com a oportunidade de fazer parte da presente coletânea de textos. Aqui, em nosso capítulo, serão apresentadas noções necessárias e suficientes para o delineamento básico de uma pesquisa experimental em linguística. Trata-se de um material de iniciação à metodologia experimental, destinado, em especial. aos mais novos estudantes do GEPEX e, em geral, àqueles que desejarem integrar-se a algum grupo brasileiro de pesquisa experimental em linguagem. Uma versão menor e simplificada do presente texto foi publicada em Kenedy (2015). A publicação atual, em sua versão completa, se presta a uma (ainda tímida) tentativa de divulgação, em língua portuguesa, de conteúdo destinado à formação de novos experimentalistas. Infelizmente, os principais manuais de pesquisa experimental na área da linguagem nunca foram traduzidos para o português e permanecem acessíveis apenas a alunos de Pós-graduação com boa leitura em inglês (ex. CARREIRAS & CLIFTON JR., 2004; FERNANDEZ & CAIRNS, 2011; TRAXLER, 2012; entre outros). Iniciativas desta natureza em terra brasilis, ainda que louváveis, como Maia & Finger (2005) e Maia (2015), são ainda poucas e esparsas fato que motiva esta publicação. O capítulo está organizado em cinco seções. Na primeira, é apresentada a lógica de uma pesquisa experimental, com a indicação das motivações teóricas que derivam certas previsões comportamentais a serem levadas a teste num experimento qualquer. Na segunda seção, são detalhadas as oito etapas fundamentais no delineamento de uma pesquisa experimental: seleção da técnica de experimentação, definição da tarefa do experimento, delimitação das variáveis da pesquisa, estabelecimento das condições experimentais, tratamento dos estímulos linguísticos, distribuições dos participantes em condições experimentais, aplicação do experimento e análise estatística dos resultados. Na seção três, descreve-se um exemplo prático dos conteúdos expostos na seção anterior: dois experimentos conduzidos no GEPEX, durante a tese de doutoramento de Dias (2015). Na quarta seção, são apresentadas as áreas atuais da linguística que vêm empregando técnicas experimentais em seu desenvolvimento científico. A seção final, 1 Queria visitar www.gepex.org para uma descrição completa das publicações de seus professores e dos trabalhos de IC, mestrado e doutorado desenvolvidos no grupo desde 2009.

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Page 1: Introdução · RJ: Autografia, 2019. pp. 159-194 de número cinco, apresenta ao leitor um conjunto de sugestões de leitura para aprofundamento no tema pesquisa experimental em linguística

KENEDY, E. Uma breve introdução aos estudos experimentais em linguística. IN.: WIEDEMER, M. (ORG.) Estudos linguísticos contemporâneos: questões e tendências. RJ: Autografia, 2019. pp. 159-194

Introdução

O Grupo de Estudos e Pesquisas em Linguística Teórica e Experimental (GEPEX) foi

fundado na Universidade Federal Fluminense (UFF) no segundo semestre de 2009. Já no ano

seguinte, o grupo foi cadastrado junto ao Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil (CNPq) e

vinculado à linha de Teoria e Análise e Linguística do Programa de Pós-Graduação em Estudos

de Linguagem, da UFF. Em 2015, O GEPEX vinculou-se também ao Programa de Pós-

Graduação em Letras e Linguística (PPLIN), da Faculdade de Formação de Professores da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/FFP). Desde então, o grupo vem realizando

pesquisas conduzidas por seus professores membros efetivos e colaboradores, com

financiamento de diferentes órgãos de fomento, como CNPq, CAPES, FAPERJ e PROPPI (Pró-

reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação, da UFF), bem como vem investindo fortemente

na formação de novos pesquisadores, desde a iniciação científica até os estágios de pós-

doutoramento, contemplando também alunos e alunas de mestrado e de doutorado.1

A principal metodologia de pesquisa adotada nos trabalhos conduzidos no GEPEX é a

experimentação. Trata-se de uma robusta abordagem metodológica que permite a formulação

e o teste empírico de previsões comportamentais decorrentes de alguma teoria ou de algum

modelo linguístico específico. É por isso que o GEPEX se interessa tanto por trabalhos teóricos,

mais abstratos e vinculados a diferentes questões da sintaxe e da semântica formais, quanto por

trabalhos empíricos, de natureza experimental e etnográfica, voltados para diversos tópicos de

pesquisa. O principal objetivo do grupo é, portanto, conjugar questões teóricas da linguística e

metodologias experimentais da psicologia cognitiva.

Todos os membros do GEPEX estão felizes com a oportunidade de fazer parte da

presente coletânea de textos. Aqui, em nosso capítulo, serão apresentadas noções necessárias e

suficientes para o delineamento básico de uma pesquisa experimental em linguística. Trata-se

de um material de iniciação à metodologia experimental, destinado, em especial. aos mais novos

estudantes do GEPEX e, em geral, àqueles que desejarem integrar-se a algum grupo brasileiro

de pesquisa experimental em linguagem. Uma versão menor e simplificada do presente texto

foi publicada em Kenedy (2015). A publicação atual, em sua versão completa, se presta a uma

(ainda tímida) tentativa de divulgação, em língua portuguesa, de conteúdo destinado à formação

de novos experimentalistas. Infelizmente, os principais manuais de pesquisa experimental na

área da linguagem nunca foram traduzidos para o português e permanecem acessíveis apenas a

alunos de Pós-graduação com boa leitura em inglês (ex. CARREIRAS & CLIFTON JR., 2004;

FERNANDEZ & CAIRNS, 2011; TRAXLER, 2012; entre outros). Iniciativas desta natureza

em terra brasilis, ainda que louváveis, como Maia & Finger (2005) e Maia (2015), são ainda

poucas e esparsas – fato que motiva esta publicação.

O capítulo está organizado em cinco seções. Na primeira, é apresentada a lógica de uma

pesquisa experimental, com a indicação das motivações teóricas que derivam certas previsões

comportamentais a serem levadas a teste num experimento qualquer. Na segunda seção, são

detalhadas as oito etapas fundamentais no delineamento de uma pesquisa experimental: seleção

da técnica de experimentação, definição da tarefa do experimento, delimitação das variáveis da

pesquisa, estabelecimento das condições experimentais, tratamento dos estímulos linguísticos,

distribuições dos participantes em condições experimentais, aplicação do experimento e análise

estatística dos resultados. Na seção três, descreve-se um exemplo prático dos conteúdos

expostos na seção anterior: dois experimentos conduzidos no GEPEX, durante a tese de

doutoramento de Dias (2015). Na quarta seção, são apresentadas as áreas atuais da linguística

que vêm empregando técnicas experimentais em seu desenvolvimento científico. A seção final,

1 Queria visitar www.gepex.org para uma descrição completa das publicações de seus professores e dos trabalhos

de IC, mestrado e doutorado desenvolvidos no grupo desde 2009.

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KENEDY, E. Uma breve introdução aos estudos experimentais em linguística. IN.: WIEDEMER, M. (ORG.) Estudos linguísticos contemporâneos: questões e tendências. RJ: Autografia, 2019. pp. 159-194

de número cinco, apresenta ao leitor um conjunto de sugestões de leitura para aprofundamento

no tema pesquisa experimental em linguística.

1. A pesquisa experimental

Uma pesquisa experimental deve eleger como objeto de estudo um fenômeno linguístico

que possa ser contemplado, de alguma forma, em sua dimensão cognitiva. Como,

essencialmente, um paradigma experimental engendra dados empíricos de natureza

comportamental, assume-se que tais dados decorram da representação e do processamento

linguísticos existentes na mente dos participantes de uma tarefa experimental qualquer. Isso

quer dizer que a pesquisa experimental é capaz de investigar a realidade psicológica das

representações e dos processos linguísticos em uma língua natural. Na verdade, é provável que

um grande número de teorias linguísticas independentes se interesse pelo substrato cognitivo

da linguagem humana, afinal “se a estrutura linguística é um fenômeno eminentemente mental,

então realidade psicológica é condição sine qua non para uma teoria linguística assumir

qualquer valor” (DERWING & ALMEIDA, 2005: 404). Por essa razão, é possível que

gerativistas, funcionalistas, sociocognitivistas etc. realizem pesquisas experimentais, de acordo

com seus interesses teóricos particulares.

Com efeito, a pesquisa experimental não se limita à simples captura da realidade

psicológica de problema linguístico isolado. Muitas vezes, pode haver, nos estudos de uma

língua específica, propostas descritivas diferentes ou francamente opostas na interpretação de

um dado fenômeno. Nesses casos, a experimentação pode ser um recurso capaz de pôr à prova

as previsões de cada uma dessas propostas alternativas, de modo a verificar em favor de qual

delas os dados obtidos em situação experimental se encaminham. Tal testagem experimental se

torna possível quando tais propostas alternativas permitem a elaboração de previsões

comportamentais, como índices de acerto/erro numa tarefa, tempo de resposta a um estímulo,

padrão de escaneamento visual durante a leitura, percentual de aceitação ou rejeição de uma

estrutura etc.

A lógica da exploração experimental de certas previsões comportamentais assenta-se no

método científico proposto por Popper (1959), conhecido como hipotético-dedutivo. Para

Popper, esse método seria poderoso o suficiente para estabelecer limites claros entre ciência

empírica e reflexão puramente metafísica, já que devem ser interpretadas como científicas

apenas pesquisas que formulem previsões passíveis de falseamento, isto é, previsões que podem

ser submetidas a algum teste objetivo (i.e, passível de observação e de replicação por

pesquisadores independentes) e, dessa forma, podem se revelar falsas ou não. Uma pesquisa

hipotético-dedutiva tem início com um conjunto de questões/problemas que interessam ao

pesquisador. Essas questões/problemas são interpretadas por uma dada teoria ou certa hipótese

descritiva. É dessa teoria/hipótese que uma (ou mais) previsão comportamental é derivada, a

qual é então projetada num desenho experimental específico. Finalmente, esse desenho se

apresenta a um participante numa determinada tarefa experimental, da qual serão colhidos e

interpretados estatisticamente os resultados relevantes para refutar ou confirmar as previsões

do experimento. Tais dados realimentarão de alguma maneira as questões/problemas que deram

origem à pesquisa e, dessa maneira, farão a ciência sobre o assunto avançar, tal como ilustrado

na Figura 1 a seguir.

Figura 1: a lógica da pesquisa experimental no método hipotético-dedutivo.

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A abordagem experimental em linguística está ao alcance de qualquer projeto de

pesquisa que possa ser submetido ao fazer científico ilustrado na Figura 1. Como será visto na

seção a seguir, os resultados obtidos num experimento linguístico qualquer são dados de

natureza psicométrica que, por hipótese, decorrem das variáveis controladas nos estímulos

apresentados durante uma tarefa experimental. É por essa razão que os requisitos básicos para

o ingresso efetivo no mundo da experimentação em linguística são selecionar problemas de

pesquisa atinentes à dimensão cognitiva da linguagem e, a partir de alguma teoria ou alguma

análise linguística, formular previsões comportamentais a serem aferidas psicometricamente.

2. Protocolo de pesquisa

Uma pesquisa experimental sempre deve possuir um protocolo metodológico que

explicita com a máxima clareza a maneira pela qual a pesquisa é concebida e conduzida. Tal

protocolo garante, por um lado, a objetividade do processo científico e, por outro, enseja a

replicação de um estudo em particular, com adaptações ou não, por outros pesquisadores

interessados no tema.

O trabalho experimental tem início com a especificação dos problemas da pesquisa. A

partir desse ponto, o pesquisador formulará, com base nas hipóteses derivadas de sua teoria,

alguma previsão comportamental passível de análise psicométrica. Há um número incalculável

de previsões dessa natureza, em todos os níveis linguísticos. Para citar apenas um exemplo,

imagine-se que um linguista pode assumir que determinado tipo de estrutura sintática será

considerada quase sempre aceitável pelos falantes nativos de uma dada língua, por contraste a

outra estrutura correlacionada, a qual, em sua previsão, deverá ser julgada como inaceitável de

forma regular pelos mesmos falantes. Estabelecida sua previsão, o pesquisador deverá dar

continuidade a seu projeto experimental selecionando uma técnica de pesquisa compatível com

suas previsões. Logo depois, uma série de especificações metodológicas devem ser cumpridas:

o pesquisador definirá a tarefa experimental, delineará as variáveis independentes e as variáveis

dependentes relevantes para a pesquisa, estabelecerá as condições do experimento, formulará

os estímulos experimentais, os estímulos de controle e os estímulos distrativos, selecionará e

distribuirá os participantes da tarefa experimental de alguma maneira organizada, aplicará o

experimento e, finalmente, organizará e interpretará os seus resultados. Cada uma dessas etapas

será caracterizada nas subseções a seguir.

2.1. Técnicas experimentais

Existem dois tipos de medidas psicométricas que definem dois grandes grupos de

técnicas experimentais: medidas on-line e medidas off-line. As medidas on-line são aferidas

durante o processamento cognitivo que uma pessoa realiza inconscientemente enquanto recebe

um estímulo linguístico oral ou escrito. Medidas on-line envolvem o registro de tempos muito

rápidos (anotados em milésimos de segundo) e/ou a mensuração de algum comportamento

automático, como a movimentação dos olhos durante a leitura. Experimentos que recolham

medidas on-line precisam ser necessariamente programados e aplicados em equipamentos

especializados, como softwares desenvolvidos para a realização de tarefas psicométricas e

hardwares projetados para monitorar os movimentos oculares humanos. Equipamentos dessa

natureza são capazes de registrar dados comportamentais precisos e finos. As técnicas

experimentais on-line mais produtivas na pesquisa em linguística no Brasil são o

monitoramento ocular, a leitura segmentada autocadenciada (também chamada leitura

automonitorada) e a audição segmentada autocadenciada. Dados obtidos por meio de técnicas

on-line refletem mais diretamente o funcionamento de uma língua, já que envolvem a medição

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de comportamentos reflexos independentes da inspeção consciente dos participantes de um

experimento.

Por sua vez, medidas off-line são aferidas após a conclusão do processamento cognitivo

da informação linguística e, por conseguinte, envolvem reflexões mais conscientes e

deliberadas por parte daqueles que participam de uma tarefa experimental. Esse tipo de

experimentação não impõe a necessidade de softwares ou hardwares especializados, embora

preferencialmente seja realizado em equipamentos simples, como programas psicométricos

gratuitos e computadores com caixas de respostas (joysticks), que permitem, inclusive, a

medição do tempo consumido durante a realização de uma tarefa. Alguns experimentos

linguísticos off-line podem ser realizados até mesmo por meio de um formulário impresso, a

ser respondido com uma caneta, como o julgamento de aceitabilidade de frases ou a produção

induzida (num preenchimento de questionário), ou por meio de gravações de áudio ou vídeo

com equipamentos amadores comuns. As técnicas experimentais off-line mais utilizadas em

pesquisas empíricas são julgamento imediato de aceitabilidade (também denominada juízo de

gramaticalidade), produção induzida de fala ou escrita, reconhecimento de palavras, respostas

a perguntas interpretativas e priming. Em função de sua natureza mais consciente, dados off-

line apenas indiretamente refletem a realidade linguística presente na mente dos participantes

de uma tarefa, uma vez que, em situações mais reflexivas e deliberadas, diversos domínios

cognitivos diferentes da linguagem em sentido restrito interagem em tempo real na mente das

pessoas.

Para começar a delinear uma pesquisa experimental, o linguista deverá, portanto,

identificar qual é o tipo de medida que melhor poderá decorrer de sua previsão de pesquisa

comportamental. Ele também deverá ter acesso e familiarizar-se a eventuais equipamentos úteis

para pesquisas on-line e off-line.

2.2. A tarefa do experimento

Um experimento linguístico utiliza, no caso típico, participantes ingênuos, ou seja,

pessoas que não sejam especialistas em linguística ou estudiosos de gramática. Por essa razão,

a tarefa experimental de uma pesquisa deve ser a mais clara, simples e objetiva possível – livre,

inclusive, de utilização de metalinguagem. Em experimentos on-line, as tarefas experimentais

mais comuns são (1) ler ou ouvir uma frase apresentada em segmentos – que podem ser

sintagmas ou palavras – numa tela de computador, os quais são disparados pelo próprio

participante, conforme sua velocidade natural de leitura/audição, enquanto o computador

registra o tempo que é consumido em cada segmento da frase, (2) ler com naturalidade palavras

ou frases numa tela de computador, enquanto um equipamento monitora o comportamento

ocular inconscientemente produzido ao longo da leitura.

Já em experimentos off-line, as tarefas mais típicas são (1) julgar frases binariamente

(declarando-as aceitáveis versus inaceitáveis), (2) julgar frases por meio de escalas de

aceitabilidade (atribuindo-lhes uma nota, por exemplo de 0 a 5), (3) preencher formulários

dando continuidade a uma frase oral ou escrita, (4) declarar o reconhecimento ou a

familiaridade com uma palavra ou um expressão apresentada por escrito ou oralmente, (5)

responder a questionários variados, (6) declarar o reconhecimento ou a familiaridade com um

determinado estímulo após a apresentação de outro (priming).

Em resumo, ao delinear uma pesquisa experimental, o linguista deverá formular

previsões comportamentais com base no tipo de tarefa a que os participantes de seu experimento

serão submetidos. Essas tarefas produzirão um conjunto de respostas, que deverão decorrer, por

hipótese, do processamento cognitivo demandado pelos estímulos da tarefa, os quais deverão

conter os fenômenos linguísticos que motivaram a pesquisa.

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2.3. Delimitação de variáveis

Definir variáveis é uma das etapas mais importantes no delineamento de um projeto

experimental. Por um lado, o linguista deverá delimitar os fenômenos que, de acordo com sua

hipótese de trabalho, são capazes de provocar certo comportamento durante a execução de uma

tarefa experimental. Por outro lado, ele também deve estabelecer qual é a medida psicométrica

que registrará esse comportamento.

Os fenômenos selecionados como possíveis causadores do comportamento são

denominados variáveis independentes, enquanto as medidas psicométricas aferidas numa tarefa

denominam-se variáveis dependentes. Variáveis independentes são também denominadas

variáveis controladas, enquanto variáveis dependentes também são chamadas de variáveis de

resposta ou medidas dependentes. Por exemplo, numa pesquisa sobre, digamos, concordância

verbal, um pesquisador poderia definir a posição do sujeito relativamente ao verbo (anteposto

ou posposto) como uma variável independente capaz de desencadear, como variável

dependente, maior ou menor índice de estabelecimento da concordância numa tarefa de

produção induzida.

Num experimento, pode haver mais de uma variável independente ou dependente, a

critério das hipóteses e das previsões da pesquisa específica. O importante é que todas essas

variáveis sejam definidas com a maior clareza e, mais do que isso, é fundamental que haja o

máximo controle sobre outras variáveis que podem igualmente provocar ou influenciar

determinado comportamento. Continuando com o exemplo de uma pesquisa sobre

concordância verbal, existem muitos fatores, para além da posição do sujeito em relação ao

verbo, que podem influenciar o estabelecimento ou não da concordância, tais como natureza do

verbo (se regular ou irregular, de qual conjugação), o número e o tipo de itens intervenientes

entre sujeito e verbo, a distinção morfofonológica entre formas do singular e do plural, a

frequência e a familiaridade de verbos específicos, o grau de instrução e letramento dos

participantes da tarefa etc. Numa pesquisa sobre concordância, o estudioso não poderá deixar

de controlar tais variáveis, do contrário as chamadas variáveis de confusão (isto é, aquelas que

não foram controladas pelo pesquisador) podem influenciar o comportamento registrado no

experimento e, assim, enfraquecer ou anular o poder explicativo atribuído à(s) variável(is)

independente(s).

2.4. Condições experimentais

Nos estímulos a serem apresentados aos participantes de uma tarefa experimental, as

variáveis independentes irão se concretizar em formas linguísticas específicas que realizam as

condições experimentais da pesquisa. Por exemplo, no hipotético estudo sobre concordância

verbal, se a seleção da posição relativa entre verbo e sujeito for eleita como uma variável

independente, então essa variável será concretizada em dois níveis que, no caso de um

experimento com uma única variável independente, serão também as duas condições

experimentais: (1) estímulos em que o sujeito antecede o verbo e (2) estímulos em que o sujeito

sucede o verbo.

Nos experimentos que possuem mais de uma variável independente, as condições são

concretizadas a partir da multiplicação entre os níveis de cada variável selecionada. Imagine-

se, por exemplo, que, num experimento sobre concordância verbal, o traço de animacidade do

sujeito também fosse selecionado com variável independente, ao lado da posição do sujeito.

Nesse caso, o respectivo experimento possuiria quatro condições experimentais, resultantes da

multiplicação entre os dois níveis de cada uma das duas variáveis independentes escolhidas: (1)

sujeito animado + anteposição ao verbo, (2) sujeito inanimado + anteposição ao verbo, (3)

sujeito animado + posposição ao verbo e (4) sujeito inanimado + posposição ao verbo. Nesse

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exemplo, teríamos um experimento com o desenho fatorial 2x2, no qual há duas variáveis

independentes (primeira variável X segunda variável), cada qual com dois níveis, que

combinados geram quatro condições experimentais (dois níveis da primeira variável X dois

níveis da segunda variável). Se, nesse experimento, fosse incluída uma terceira variável

independente, digamos, a conjugação verbal, com três níveis (1ª, 2ª e 3ª conjugações), então o

desenho do experimento passaria a ser 2x2x3, o que daria à luz doze condições experimentais.

Ao delinear seus experimentos, o linguista deverá, portanto, definir seu desenho fatorial,

determinando quais são as condições experimentais de sua pesquisa. Recomenda-se fortemente

que experimentos contenham um número reduzido de condições, para que, por um lado, se evite

a fadiga do participante durante a tarefa e, por outro, para que se diminua a possibilidade de

reconhecimento explícito ou tácito do propósito da tarefa experimental. Sendo assim, um

desenho 2x2x3 pode não ser aconselhável, a depender da distribuição dos estímulos por

participante, conforme será visto mais adiante.

2.5 Tratamento dos estímulos

As condições experimentais assumem, na prática de uma tarefa, alguma forma

linguística concreta e específica, seja um morfema, uma palavra, um sintagma, uma oração etc.

Essas formas são denominadas estímulos. A tradição das pesquisas experimentais estabelece

que cada condição experimental deve ser apresentada aos participantes de uma tarefa pela

menos quatro vezes, na forma de quatro estímulos verbais distintos, de modo que um padrão de

reação a tal condição, se houver, possa ser detectado. Ora, se um estímulo fosse apresentado ao

participante uma única vez, não seria possível saber se o respectivo comportamento provocado

ocorreu de maneira sistemática ou se se deveu a um evento único e aleatório, daí a necessidade

da apresentação de, no mínimo, quatro exposições de uma dada condição experimental a cada

sujeito específico.

Na elaboração de estímulos, o pesquisador deve aplicar o máximo de esmero. Deve

controlar, dentre outros fatores, a extensão dos estímulos de cada condição, em número de

sílabas ou palavras, bem como a frequência e a familiaridade dos itens lexicais utilizados. Esse

controle visa à tentativa de evitar que fatores outros (variáveis de confusão), diferentes da

variável independente, possam afetar o desempenho dos participantes da tarefa – por exemplo,

o tempo de reação a um determinado estímulo em, digamos, duas condições experimentais deve

variar em função da variável independente selecionada na pesquisa, e não porque os estímulos

de uma condição possuem muito mais palavras do que o da outra condição e, assim, obviamente

demandam mais tempo de reação, ou ainda, a sensação de estranhamento a um estímulo deve

decorrer da variável controlada pelo pesquisador e não da presença de uma palavra rara ou

ambígua que interferiu no julgamento.

Além do cuidado necessário na equivalência entre os estímulos de cada condição, o

pesquisador também deve utilizar num experimento estímulos distrativos. Tais estímulos não

devem possuir nenhuma relação com as variáveis independentes de pesquisa e cumprem apenas

a função de evitar que o participante reconheça (explicitamente ou não) o tipo de estrutura

linguística que está sendo apresentada nos estímulos das condições experimentais. Por

convenção, os estímulos distrativos de um experimento devem perfazer pelo menos dois terços

do número total de estímulos da tarefa. Sendo assim, num experimento com apenas uma

variável independente e duas condições experimentais, cada participante será exposto a, pelo

menos, oito estímulos experimentais e dezesseis estímulos distrativos.

Por fim, um experimento pode conter também estímulos de controle. A função desses é

permitir o cotejo entre uma condição em que determinado fenômeno está presente com outra

(de controle) em que ele é ausente. Por exemplo, numa pesquisa sobre ambiguidade, o

desempenho dos participantes diante de estímulos ambíguos deve ser comparado com o que

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ocorre com estímulos de controle não ambíguos, o que permitirá a identificação de eventuais

reações específicas na condição com ambiguidade. Os estímulos experimentais e distrativos (e

também os de controle, se houver) devem ser apresentados ao participante de maneira

randomizada, isto é, aleatória, sem qualquer padrão de sequência linear. Softwares

especializados em experimentos já produzem randomização de maneira automática. No caso de

pesquisas mais simples, com formulário de papel a ser preenchido a caneta, é o próprio

pesquisador que deve sortear aleatoriamente a ordem de apresentação dos estímulos,

embaralhando os dois terços de distrativas ao terço final de experimentais.

No delineamento de sua pesquisa, um linguista precisará dispensar todo o cuidado à

elaboração dos estímulos experimentais presentes em sua tarefa. Eles devem ser apresentados

aos participantes numa quantidade tal que permita a identificação de algum padrão de reação e

também devem se apresentar simétricos entre todas as condições e embaralhados a um número

significativamente maior de estímulos distrativos.

2.6. Distribuição dos participantes

Os participantes de um determinado experimento podem, na verdade, constituir uma

variável independente. Ou seja, se o pesquisador assumir que o comportamento a ser registrado

numa tarefa pode variar de acordo com o tipo de participante (por exemplo, bilíngues versus

monolíngues, com patologia versus sem patologia, estudantes de L2 fluentes versus não

fluentes, pessoas com nível superior versus pessoas analfabetas etc.), então o experimento

possuirá uma variável grupal (também chamada de fator grupal). Se não for esse o caso, o

linguista deverá apenas determinar o perfil sociocultural das pessoas que podem participar da

tarefa – fatores como idade, sexo, escolaridade, região e outros que se mostrem relevantes – e

também deverá estabelecer como se dá a distribuição das condições experimentais pelos

participantes.

Na distribuição dos participantes, existem duas possibilidades a serem adotadas. Na

primeira delas, todos os participantes são expostos a todas as condições experimentais. Essa

distribuição denomina-se dentre participantes (within-subjects, em inglês) ou

intraparticipantes. Na outra, cada participante é exposto a uma e somente uma condição

experimental. Nesse caso, haveria um grupo de participantes separado para cada condição do

experimento, razão pela qual tal distribuição denomina-se entre participantes (between

subjects, em inglês) ou interparticipantes.

A distribuição dentre participantes tem a vantagem de exigir um número menor de

indivíduos desempenhando as tarefas do experimento, já que todos são utilizados em todas as

condições. Porém, essa opção tem a desvantagem de facilitar o efeito de familiaridade

(aprendizado da tarefa durante o experimento) e a identificação explícita ou não de padrões nos

estímulos, considerando-se que uma mesma pessoa é estimulada por todas as condições

experimentais pelo menos quatro vezes em cada. Com a distribuição entre participantes, as

chances de ocorrer o efeito de familiaridade são menores, mas para isso é demandado um

número maior de participantes, dado que eles devem distribuir-se em igual número por cada

uma das condições do experimento.

Quando se opta pela distribuição dentre participantes, os estímulos experimentais

devem receber um tratamento adicional: o controle num quadrado latino. Esse recurso permite

o balanceamento dos estímulos presentes em cada condição experimental, evitando-se que o

mesmo participante seja exposto a estímulos muito parecidos, de diferentes condições, distintos

apenas em função da variável independente do experimento. Com o quadrado latino, estabelece-

se que um participante numa distribuição within-subjects será exposto a todas as condições

(type) do experimento, mas em cada condição serão usados itens lexicais específicos (tokens),

de modo que a relação entre essas condições não se torne evidente durante a realização da tarefa.

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Por exemplo, um participante que veja um estímulo do tipo “verbo + sujeito” como “Chegaram

as encomendas” seria exposto, na condição “sujeito + verbo”, a um estímulo como “As

reclamações cessaram” (e não “As encomendas chegaram”).

Grupo 1 Grupo 2

Condição 1 Estímulos 1a, 2a, 3a, 4a Estímulos 5a, 6a, 7a, 8a

Condição 2 Estímulos 5b, 6b, 7b, 8b Estímulos 1b, 2b, 3b, 4b

Figura 2: controle da distribuição dos estímulos experimentais num quadrado latino. “B” é uma versão

idêntica do estímulo “A”, itens lexicais e estruturas sintático-semântica são repetidos, com exceção da

condição experimental manipulada como projeção da variável independente.

2.7. Aplicação do experimento

Após o longo percurso de elaboração de um experimento, o pesquisador deve manter a

vigilância mesmo durante a condução das tarefas com os participantes. Eles devem receber

todas as instruções e demonstrações necessárias para a perfeita realização da tarefa e devem ser

submetidos a um breve treinamento, na presença do experimentador, por meio de um pré-teste

constituído somente estímulos distrativos, cujo objetivo é evitar que o desempenho durante o

experimento propriamente dito possa ser prejudicado devido a questões mecânicas ou a fatores

decorrentes da incompreensão da tarefa. Quando os participantes demonstram ter

compreendido perfeitamente o que devem fazer durante o experimento, o treinamento pode ser

finalizado e o experimento, iniciado.

Dando início ao experimento, os participantes devem encontrar-se sozinhos, numa sala

isolada, sem elementos que possam distrair a sua atenção e interferir na realização da tarefa.

Deve-se registrar o tempo médio despendido na tarefa, bem como, após a realização do

experimento, deve-se receber um feedback dos participantes, a fim de verificar se eles reportam

alguma anomalia ou mesmo se confessam ter identificado o padrão subjacente à tarefa ou o

fenômeno linguístico em análise.

2.8. Análise de resultados

Com o experimento concluído, é possível passar à análise dos resultados para verificar

se os dados psicométricos coletados se encaminham ou não em favor das previsões da pesquisa.

Nesse momento, o pesquisador precisará ou contratar os serviços de um profissional de

estatística ou utilizará, ele mesmo, softwares de pacotes estatísticos para organizar e interpretar

os resultados numéricos do experimento. A depender da variável dependente em questão, do

tipo de distribuição dos participantes e da normalidade distributiva dos dados comportamentais

coletados, diferentes tipos de análise estatística podem ser aplicados. Os mais comuns são

análise da variância, teste T, qui-quadrado e regressão. Há uma grande gama de softwares

estatísticos no mercado. O mais recomentado é o R, que possuiu uma adaptação para a interface

de Microsoft Excel no aplicativo brasileiro ActionStat. Outro software largamente empregado

no Brasil é o SPSS (Statistical Package for the Social Sciences).

O objetivo de um teste estatístico é, por um lado, descrever a distribuição dos dados

obtidos no experimento e, por outro, verificar se o comportamento típico encontrado nesses

dados pode ser interpretado como provavelmente decorrente das variáveis independentes

selecionadas na pesquisa – ou se, alternativamente, são grandes as chances de tal

comportamento ter sido provocado por fatores aleatórios. O famoso p-valor utilizado nas

análises estatísticas é, justamente, o resultado de cálculos matemáticos complexos que medem

a atuação das variáveis da pesquisa no cotejo com o acaso. Simplificadamente, estudos

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experimentais em linguística assumem um nível de significância de no mínimo 95%, o que

significa dizer que um p-valor igual ou inferior a 0.05 indica baixa probabilidade (igual ou

inferior a 5%) de os resultados da pesquisa terem sido gerados aleatoriamente. Com resultados

dentro dessa margem, os dados reunidos por um projeto experimental em linguagem podem ser

interpretados como indicadores da atuação de uma ou mais variáveis independentes e/ou da

interação entre duas ou mais delas.

3. A teoria na prática: um exemplo

A pesquisa de doutoramento de Dias (2015), conduzida no âmbito do GEPEX, é uma

boa ilustração de uma pesquisa experimental em linguística. A autora reuniu evidência

experimental no intuito de verificar qual seria a descrição tipológica mais adequada para definir

a Língua de Brasileira de Sinais (Libras): (1) se uma língua que organiza suas sentenças

eminentemente na camada discursiva, no domínio do chamado “sintagma complementizador”

(CP, na sigla em inglês para complementizer phrase), isto é, na periferia esquerda das estruturas

sintáticas e, dessa forma, apresenta prominência de constituintes nominais “topicalizados”, ou

seja, sintagmas de valor nominal gerados ou deslocados à esquerda, sobre os quais se formula,

no âmbito da oração, algum comentário ou (2) se uma língua que organiza suas sentenças

eminentemente na camada flexional, no domínio do chamado “sintagma flexional” (IP, na sigla

inglesa para inflectional phrase), isto é, na camada funcional intermediária, imediatamente

superior ao sintagma verbal à periferia direita da frase, em que ocorrem as predicações lexicais,

e, assim, possui proeminência de sujeitos gramaticais, ou seja, sintagmas nominais gerados

como argumentos lexicais, à direita da hierarquia frasal, que, em IP, recebem marcas estruturais

de sujeito sentencial, como caso e concordância. A literatura linguística especializada em Libras

é escassa e conflitante a respeito da tipologia dessa língua. Autores como Ferreira Brito (1997)

sustentam que a ordenação linear não marcada em Libras é “tópico > comentário”, fato que

permitiria a classificação da língua como orientada para o discurso. Segundo essa hipótese, as

construções com “sujeito > predicado” até existem na língua, mas são marcadas e apresentam

situações restritas de uso. Já pesquisadores como Quadros & Karnopp (2004) assumem um

posicionamento contrário e afirmam que a Libras deve ser identificada como uma língua

orientada para a sentença, cuja ordenação linear básica e não marcada é “sujeito > predicado”.

De acordo com tal hipótese, estruturas com topicalização são de fato bastante produtivas na

língua, mas se licenciam em contextos marcados, conforme ocorre com inúmeras línguas orais.

O interessante sobre essas propostas contraditórias é que ambas foram formuladas com

base na intuição dos próprios pesquisadores2 e/ou em evidências de corpus. Trata-se de um caso

nada incomum na pesquisa sobre linguagem, quando dados de corpus e intuições de falantes

podem ser usados para sustentar hipóteses descritivas incompatíveis e, na verdade, antagônicas

a respeito de um fenômeno específico ou mesmo, como é o caso, sobre a tipologia de uma

língua em particular. É precisamente nessas ocasiões que a pesquisa experimental se apresenta

como uma terceira margem, capaz de testar as previsões comportamentais de modelos

descritivos opostos e verificar na direção de qual deles os dados experimentais convergem.

Dias (2015) delineou uma série de experimentos para verificar como os nativos da

Libras se comportavam diante de construções “tópico > comentário” e “sujeito > predicado”,

assumindo uma previsão comportamental geral simples e direta: (1) se a Libras puder ser

caracterizada como língua orientada para o discurso, então os surdos brasileiros mostrarão

preferência para a ordenação “tópico > comentário”, que, como estrutura sintática não marcada,

deve ser a mais frequente na produção e na compreensão dos usuários; (2) já se a Libras puder

2 Os autores em questão são ouvintes, filhos de pais surdos, que foram expostos à Libras e ao português brasileiro

durante o período crítico da aquisição da linguagem e, assim, qualificam-se como falantes bilíngues nativos dessa

língua de sinais e do português.

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ser caracterizada como orientada para a sentença, então a ordenação “sujeito > predicado” será

a preferencial na língua e, assim, estruturas “tópico > comentário”, em virtude de serem

marcadas, devem ocorrer em contextos de uso específicos. Para testar tais previsões, a autora

aplicou quatro experimentos: julgamento imediato de aceitabilidade, produção induzida com

adultos, produção induzida com crianças e rastreamento ocular. Por questões de espaço neste

volume, serão reportados a seguir apenas os dados referentes aos dois primeiros experimentos.

O julgamento imediato de aceitabilidade é uma técnica off-line em que a tarefa do

participante consiste apenas em declarar, a respeito de cada frase que lhe é apresentada, se a

considera aceitável/natural em sua língua ou, ao contrário, se a considera inaceitável/anormal.

Por se tratar de um julgamento imediato, o participante deve emitir o seu julgamento em até

somente cinco segundos após assistir à sinalização da frase. Como esse é um tempo bastante

reduzido, assume-se que a intuição do participante sobre a (in)aceitabilidade de uma frase deve

refletir de maneira indireta, mas relativamente confiável, a gramática da língua, em especial o

fenômeno linguístico controlado nas variáveis independentes selecionadas pelo pesquisador.

Dias definiu como variável independente para sua pesquisa o tipo frasal. Tal variável

projetou duas condições experimentais: (1) “tópico > comentário” e (2) “sujeito > predicado”.

Na primeira condição, a topicalização acontecia sempre sobre um objeto (O) que, assim,

antecedia o sujeito (S) e o verbo (V) da frase, provocando a ordenação OSV. Na segunda

condição, não havia topicalização (o sujeito não recebia marcas de tópico) e a ordem linear era

SVO. Como estímulo de controle, foram usadas estruturas VSO, que são consideradas

agramaticais em Libras. Não foram utilizados estímulos distrativos, dado que, nesse caso, ou

todos teriam a mesma estrutura SV presente nas duas condições experimentais, ou

introduziriam anteposições verbais que redundariam na agramaticalidade já presente nos

estímulos de controle. No total, o experimento foi composto por 21 frases-estímulo, sendo 7 em

cada condição experimental e 7 no controle. Cada estímulo continha 3 ou 4 palavras e declarava

algum conteúdo a respeito de uma história muda apresentada em vídeo aos surdos

imediatamente antes da apresentação das frases (a fábula A cigarra e as formigas), que serviu

como contexto (informação velha) que licenciaria eventuais topicalizações. No experimento, a

variável dependente caracterizava-se como o índice de aceitação e de inaceitação de cada

condição experimental.

Tabela 1: variável independente e condições do experimento de julgamento imediato de aceitabilidade.

Variável independente: tipo frasal Exemplos

Condição 1: tópico > comentário (OSV) TRABALHO, CIGARRA NÃO GOSTAR.3

Condição 2: sujeito > predicado (SVO) FORMIGA TER CASA

Controle: agramatical (VSO) * COMER FORMIGA PÃO

Participaram do experimento 36 surdos nativos de Libras, todos nascidos e criados no

Rio de Janeiro e alunos do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), distribuídos em

três faixas de escolarização com 12 indivíduos cada (nível fundamental, médio e superior), de

modo a permitir a verificação de eventual interferência do grau de instrução como variável

independente.4 Desse grupo, 14 participantes eram do sexo feminino e 22, do masculino, com

idade média de 26 anos. A distribuição das condições foi dentre participantes.

A história muda prévia (fábula) e as frases do experimento foram exibidas num televisor

de 40 polegadas. Os estímulos experimentais e de controle foram gravados em vídeo de alta

3 Nos exemplos de Libras, segue-se a convenção de apresentar palavras e frases em letras maiúsculas para indicar

que se trata da sinalização correspondente naquela língua e não dados em língua portuguesa. Em Libras, não há

morfologia flexional verbal. 4 Houve efeito dessa variável grupal, mas aqui se deixará esse aspecto dos resultados inexplorado.

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definição por um falante nativo de Libras, ouvinte bilíngue do português5. Após a apresentação

da história muda, as frases eram sinalizadas uma a uma para cada surdo, que se encontrava

sozinho numa sala, diante do televisor que projetava as imagens. Para cada frase, havia um

formulário com uma face sorridente (smile) ou uma face triste (simle triste) dispostas lado a

lado. Uma dessas faces deveria ser marcada para indicar se a respectiva frase era considerada

aceitável/natural (smile) ou inaceitável/anormal (simle triste). O participante assistia à

sinalização de uma frase e, ao seu término, dispunha de até 5 segundos para marcar no

formulário o seu julgamento. Durante esse intervalo, uma ampulheta indicava no televisor a

passagem do tempo. Passados os 5 segundos, uma nova frase era automaticamente sinalizada

no televisor e todo o procedimento se repetia. Essa sequência ocorria de forma sucessiva até o

fim da tarefa. Todos os surdos participaram de um pré-teste, na presença do experimentador,

composto apenas de frases SVO (gramaticais) e VSO (agramaticais), cujo objetivo era

familiarizar o participante com a tarefa a ser executada. O pré-teste consumiu, em média, 15

minutos. O experimento propriamente dito foi realizado na média de 10 minutos.

Os resultados indicaram que as estruturas “tópico > comentário” foram consideradas

aceitáveis em 70% dos casos, que se distinguiram estatisticamente das frases agramaticais de

controle, julgadas aceitáveis em somente 38% das ocorrências (conforme teste qui-quadrado,

p < 0.05, X² (2, N=36) = 43,56). Por sua vez, as estruturas com “sujeito > predicado” também

foram consistentemente julgadas aceitáveis pelos participantes, atingindo 83% de aceitação e,

da mesma forma, distinguindo-se em termos estatísticos das frases de controle (p-valor inferior

a 0.05). Tais dados atestaram que ambas as estruturas controladas como projeções variáveis

independentes se comportam como gramaticalmente legítimas em Libras, com produtividade

semelhante. Diante desses fatos, Dias (2015) argumentou que já se tornara possível definir

preliminarmente que a Libras ou tenha o comportamento de uma língua de sujeitos ou de uma

língua mista, em que sujeitos e tópicos coexistem com a mesma produtividade. Por conseguinte,

os resultados de seu primeiro experimento indicavam pouca probabilidade de a Libras poder

ser caracterizada como pertencente à tipologia das línguas orientadas para o discurso, com

proeminência de tópicos, dado o alto grau de aceitação de estruturas com sujeito não

topicalizado registrado na variável dependente da pesquisa.

Para seguir com sua investigação, Dias delineou um experimento de produção induzida.

Trata-se de uma técnica off-line cuja tarefa do participante é produzir uma frase pertinente ao

contexto da indução. No caso, Dias apresentou a duplas de participantes surdos uma historinha

em quadrinhos mudos. Na apresentação do último quadrinho, apenas um dos surdos assistia ao

desfecho da história, enquanto o outro virava-se de costas para o televisor em que os quadrinhos

eram projetados um a um. Após o fim dos quadrinhos, o surdo que não havia assistido ao seu

desfecho virava-se para o outro, que assistira a toda a história, e perguntava-lhe em Libras “O

QUE ACONTECEU?”. Segundo Ordóñez (2000), é no contexto de resposta a perguntas desse

tipo que a ordenação linear mais básica de uma língua se revela. Sendo assim, Dias objetivou

testar as seguintes previsões: (1) se a Libras se caracterizar como uma língua de tópico, então

as respostas a perguntas do tipo “o que aconteceu?” serão tipicamente apresentadas com a

ordenação “tópico > comentário”; (2) já se nessa língua há proeminências de sujeitos, ela será

tipologicamente classificada como língua de sujeitos e a estrutura básica para responder a tal

tipo de pergunta será “sujeito > predicado”.

A variável independente selecionada para o experimento foi a saliência discursiva para

a produção de um tópico. Tal variável projetou duas condições experimentais: contexto saliente

e contexto não saliente. A saliência do contexto foi definida pela presença, em todos os

quadrinhos, de um objeto não humano, argumento interno do verbo que descreve a ação do

5 Trata-se de uma pessoa ouvinte filha de pais surdos, que, assim, adquiriu naturalmente a língua de seus pais na

comunicação doméstica (Libras) e também adquiriu português na interação linguística fora do ambiente familiar.

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último quadrinho, objeto esse que é o tema da historinha narrada. Como tal objeto é sempre

uma informação velha, compartilhada entre os falantes e alvo da declaração do último

quadrinho, Dias (2015) assumiu que esse seria o contexto prototípico para a produção de uma

estrutura “tópico > comentário”, conforme se ilustra na Tabela 2. Em contraste, a ausência de

todos esses fatores criava um contexto não saliente para a topicalização, no qual a estrutura

“tópico > comentário” não chega a ser impossível, mas é bastante improvável. Por hipótese,

uma língua de tópico lançará mão da estrutura “tópico > comentário” quer na presença, quer na

ausência de contexto discursivo saliente para o tópico, por oposição a línguas de sujeito, que só

realizarão a topicalização em contextos discursivos em que esses sejam licenciados. No

experimento, a variável dependente selecionada foi o índice de topicalizações em cada condição

experimental.

Tabela 2: variável independente e condições do experimento de produção induzida.

Variável

independente:

saliência

discursiva

para o tópico

Exemplos

Condição 1:

contexto

saliente

Condição 2:

contexto não

saliente

Foram utilizados no experimento 12 estímulos, 6 em cada condição experimental. Não

foram empregados estímulos distrativos ou de controle, que, no caso, coincidiriam

indesejavelmente com os estímulos não salientes. Todos os quadrinhos continham personagens

da Turma da Mônica, amplamente empregados em ilustrações de materiais didáticos no Ines.

Cada história era constituída por 5 slides, cada qual correspondente a um quadrinho da história,

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conforme Tabela 2. Os slides eram apresentados num intervalo de 7 segundos entre um e outro.

Participaram da tarefa 24 jovens, alunos do ensino médio do Ines, surdos de nascença e

naturais/residentes do Rio de Janeiro, 10 homens e 14 mulheres, com faixa etária média de 19

anos. A distribuição dos estímulos foi dentre participantes.

Durante o experimento, os participantes foram dispostos em duplas, que assistiam aos

slides num televisor de 40 polegadas. Como já dito, um membro da dupla, após a exposição do

penúltimo slide, virava-se de costas para o televisor, de modo que não assistisse ao fim da

história, com a projeção do quinto e último slide. Após a exibição do último quadrinho, com a

televisão em tela preta, o participante que havia se virado voltava-se então para o outro e lhe

perguntava “O que aconteceu?”. É precisamente neste momento que o surdo que assistira a

todos os slides tinha sua produção induzida e deveria descrever o desfecho da história para o

colega que não assistira ao último quadrinho. Durante todo o teste, os participantes foram

filmados, sob autorização. Todos receberam previamente as informações necessárias à perfeita

condução do experimento. Os participantes também foram submetidos ao pré-teste, a fim de

esclarecer todas as dúvidas quanto ao procedimento e acostumar-se com a tarefa. A participação

de cada dupla durou, em média, 20 minutos.

Os resultados registraram que, em contextos menos salientes, a produção de tópicos em

Libras não ultrapassou 8% dos dados, por oposição aos 92% de estruturas “sujeito > predicado”

produzidas no mesmo contexto. Já no contexto discursivo mais saliente para o tópico, a

topicalização ocorreu em 52% das vezes. Trata-se de uma subida significativa da produtividade

da construção “tópico > comentário” (de 8% para 52%), tal como apontou o teste estatístico

qui-quadrado (X² (3, N = 24) = 6,178, p < 0.01). No entanto, na condição mais saliente, o

número de produções de frases com “sujeito > predicado” também foi considerável, atingindo

48% das ocorrências”. Isso significa que, na condição menos saliente para o tópico, construções

com “sujeito > predicado” são maciçamente empregas, enquanto, na condição mais saliente, o

uso de sujeitos não topicalizados é menor, mas se mostra tão produtivo quanto o de tópicos,

sendo, nesse contexto, irrelevante a diferença estatística entre ambas as estruturas (52% x 48%),

com p-valor superior a 0.05.

Com tais resultados, Dias (2015) concluiu que a Libras deve ser considerada uma língua

orientada para a sentença, com proeminência de sujeitos, em que a topicalização ocorre com

produtividade significativa apenas em contextos marcados. Os resultados dos experimentos de

julgamento imediato de aceitabilidade e de produção induzida foram corroborados e

aprofundados nos demais experimentos que a autora conduziu durante sua tese de doutoramento

no GEPEX, um deles foi de natureza on-line, o rastreamento ocular.

4. Áreas da linguística que empregam a metodologia experimental

A linha de investigação mais proeminente na exploração experimental de questões

descritivas relevantes para a linguística teórica é, certamente, a Sintaxe Experimental. O texto

seminal de Cowart (1997) indicava como, em especial, os julgamentos de gramaticalidade

utilizados informalmente entre gerativistas poderiam ser transformados numa ferramenta

metodológica séria ao incorporar os rigores das ciências experimentais. Os trabalhos de Sprouse

(2007), no exterior, e de Kenedy (2007), no Brasil, foram provavelmente as primeiras teses de

doutoramento em teoria sintática formal a adotar explicitamente a abordagem experimental a

fim de investigar fenômeno em sintaxe. Desde então, a área tem crescido exponencialmente e

vem abrindo espaços institucionais importantes na linguística.

As relações entre a abordagem tradicional da Sintaxe Gerativa e o fazer da Sintaxe

Experimental podem ser estabelecidas de maneira relativamente simples, uma vez que, na

linguística gerativa, sempre se assumiu que as computações gramaticais propostas pelos

sintaticistas corresponderiam, em alguma medida, às operações cognitivas que derivam

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estruturas sintáticas na mente dos falantes de uma língua. De acordo com a proposta da Sintaxe

Experimental, tais computações não devem ser postuladas apenas como virtuais, mas, antes,

como psicologicamente reais, de modo que possam ser capturadas por algum instrumento

psicométrico. Com efeito, Sprouse & Almeida (2010) verificaram que 98% dos 469 dos tipos

de frase utilizadas num livro de teoria sintática formal bastante adotado em universidades

americanas e brasileiras (ADGER, 2003) poderiam receber um tratamento metodológico

adequado por meio da experimentação. Isso quer dizer que tais dados poderiam receber

sustentação empírica mais sólida, para além da intuição individual e assistemática do autor.

A “nova sintaxe” proposta pela Sintaxe Experimental é capaz de preservar a essência

do empreendimento da Sintaxe Gerativa e, ao mesmo tempo, pode evitar as falhas

metodológicas dos julgamentos de gramaticalidade informais (o método jocosamente

denominado “Hey, Sally” – sendo Sally a primeira pessoa que passa pela frente do linguista,

para quem ele pede um julgamento improvisado). Com um tratamento experimental, uma

pesquisa em sintaxe é capaz de estabelecer mais claramente suas variáveis independentes,

controlar variáveis de confusão, formular estímulos linguísticos mais equilibrados, evitar o

efeito de saciedade (que ocorre quando um indivíduo se acostuma a uma anomalia gramatical

e a considerada “mais aceitável” ao longo do tempo de execução da tarefa) e aplicar testes

estatísticos na amostra de participantes selecionada. Fora dos rigores da experimentação, a

Sintaxe Gerativa tradicional pode pecar não mais gravemente pela natureza daquilo que ela

descobre acerca das intuições sintáticas humanas, mas sobretudo por aquilo que ela deixa de

descobrir (falsos negativos) e também pelo que descobre inadequadamente (falsos positivos).

Fora do escopo do gerativismo, a abordagem experimental em linguística também vem

sendo explorada de maneira significativa em pesquisas de orientação funcionalista e

sociocognitiva, em modelos que se referem a si mesmos como “abordagens centradas no uso”.

No exterior, o livro de Bybee (2010) e, no Brasil, a publicação de Abraçado & Kenedy (2014)

indicam que a lógica subjacente à exploração experimental de questões linguísticas não depende

de uma concepção teórica específica. Na coletânea organizada por Abraçado & Kenedy, por

exemplo, foram desenvolvidas tarefas com técnicas off-line a fim de testar previsões derivadas

das teorias funcionalistas sobre transitividade verbal, que correlacionam sintaxe, semântica e

pragmática.

Além da Sintaxe Experimental e das pesquisas em sintaxe, semântica e pragmática de

orientação funcionalista e sociocognitva, outros domínios da linguística também vêm

recebendo recentemente exploração relevante em pesquisas experimentais. É provável que, em

alguns anos, pesquisas em fonologia, morfologia – e também léxico e discurso – figurem entre

as grandes linhas de investigação da área.

5. Indicações de leituras

Este capítulo não poderia deixar de indicar aos interessados algumas leituras futuras,

que ampliarão as informações aqui apresentadas.

Indicações de leituras iniciais em português.

KENEDY, E. Tópicos e sujeitos no PB: uma abordagem experimental. Revista da ANPOLL, v.

31, p. 69-88, 2011.

KENEDY, E. Análise de corpus, a intuição do linguista e metodologia experimental na pesquisa

sobre as orações relativas do PB e do PE. Linguística (UFRJ), v. 4, p. 30-51, 2009.

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KENEDY, E. Uma breve introdução aos estudos experimentais em linguística. IN.: WIEDEMER, M. (ORG.) Estudos linguísticos contemporâneos: questões e tendências. RJ: Autografia, 2019. pp. 159-194

MAIA, M. Sintaxe experimental. IN: OTHERO, G. & KENEDY, E. (org.) Sintaxe, sintaxes.

SP: Contexto (no prelo).

Revista da Associação Brasileira de Linguística – Abralin. Volume XIII – número 2, jul/dez de

2014. Número especial sobre Sintaxe Experimental.

Revista Virtual de Estudos da Linguagem – ReVEL. Volume 10 – número 18, março de 2012.

Número especial sobre Sintaxe Experimental.

Indicações de leituras intermediárias em inglês.

COWART, W. Experimental syntax: Applying objective methods to sentence judgments. Sage

Publications, 1997.

SCHÜTZE, C. The empirical base of linguistics: Grammaticality judgments and linguistic

methodology. Chicago: The University of Chicago Press, 1996.

SPROUSE, J. Continuous acceptability, categorical grammaticality, and experimental syntax.

Biolinguistics, v. 1, p. 123-134, 2007.

Conclusões

Por tudo o que se disse neste capítulo, é possível compreender que uma pesquisa

experimental deve ser conduzida por meio de diferentes etapas interdependentes. Delinear um

projeto experimental demanda esforços de diferentes naturezas, desde a seleção de um

problema de análise passível de teste de previsão comportamental, até a análise estatística de

resultados, passando pela adoção de uma técnica experimental adequada, o estabelecimento de

uma tarefa clara e simples, o delineamento de variáveis independentes, dependentes e de

condições experimentais, bem como pelo tratamento adequado dos estímulos, da distribuição

dos participantes e da aplicação do experimento. Quando esse longo processo é conduzido com

zelo e os resultados experimentais vão ao encontro das hipóteses do pesquisador, dados robustos

podem ser utilizados em favor de uma hipótese de pesquisa em linguística, seja a respeito de

um fenômeno específico, seja a respeito uma hipótese teórica mais abrangente. É por essa razão

que a pesquisa experimental em linguística vem crescendo como uma abordagem metodológica

extremamente produtiva, no Brasil e no exterior. O GEPEX é somente um entre os diversos

grupos de pesquisa experimental brasileiros.

Referências

ADGER, D. Core syntax: a minimalist approach. Oxford University Press, 2003.

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