introduÇÃo segundo luiz rodrigues wambier: ... algum proveito processual com a atividade.2 ......

24
9 INTRODUÇÃO O Direito Processual Civil vem sofrendo modificações ao longo dos anos em decorrência da evolução da sociedade e não diferente disto, o direito probatório vem se adequando a essas mudanças. É sabido que o número que ações que tramita perante o Poder Judiciário é absurdo, não sendo compatível com o número de servidores disponíveis, causando assim uma grande demora em se obter a solução dos conflitos. Para solucionar o problema de acúmulo de processos, além da elaboração de um novo código, o legislador e a doutrina vêm buscando uma maneira de tornar o processo mais célere, sem prejudicar a aplicação da justiça. O direito probatório acompanha essas mudanças, permitindo algumas flexibilizações em suas regras, porém sem perder a sua essência que é de trazer a verdade real aos fatos para que o julgador possa formar o seu convencimento e decidir da melhor maneira possível a lide, aplicando corretamente o direito. Insta salientar, que toda análise feita no presente trabalho, foi com base exclusivamente bibliográfica, demonstrando os diversos entendimentos, opiniões e conclusões dos doutrinadores processualistas sobre o tema. Ademais, o tema apresentado, não trata de todos os institutos pertinentes do direito probatório, mas sim em particular do ônus da prova no âmbito do processo civil brasileiro, a fim de demonstrar como esta regra é seguida na prática processual.

Upload: phamngoc

Post on 27-Jan-2019

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

9

INTRODUÇÃO

O Direito Processual Civil vem sofrendo modificações ao longo dos anos em

decorrência da evolução da sociedade e não diferente disto, o direito probatório vem se

adequando a essas mudanças.

É sabido que o número que ações que tramita perante o Poder Judiciário é

absurdo, não sendo compatível com o número de servidores disponíveis, causando

assim uma grande demora em se obter a solução dos conflitos.

Para solucionar o problema de acúmulo de processos, além da elaboração de

um novo código, o legislador e a doutrina vêm buscando uma maneira de tornar o

processo mais célere, sem prejudicar a aplicação da justiça.

O direito probatório acompanha essas mudanças, permitindo algumas

flexibilizações em suas regras, porém sem perder a sua essência que é de trazer a

verdade real aos fatos para que o julgador possa formar o seu convencimento e decidir

da melhor maneira possível a lide, aplicando corretamente o direito.

Insta salientar, que toda análise feita no presente trabalho, foi com base

exclusivamente bibliográfica, demonstrando os diversos entendimentos, opiniões e

conclusões dos doutrinadores processualistas sobre o tema.

Ademais, o tema apresentado, não trata de todos os institutos pertinentes do

direito probatório, mas sim em particular do ônus da prova no âmbito do processo civil

brasileiro, a fim de demonstrar como esta regra é seguida na prática processual.

10

Assim, somando os conhecimentos adquiridos com o estudo das regras gerais

sobre as provas ao longo deste trabalho, podemos estudar com mais qualidade e

entender melhor como funciona o ônus da prova na atualidade.

1. ÔNUS

1.1. Conceito e Elementos Constitutivos

A palavra ônus vem do latim ‘onus’ que quer dizer carga, peso. Assim,

segundo Luiz Rodrigues Wambier:

O ônus consiste na atribuição de determinada incumbência a um sujeito no

interesse desse próprio sujeito. Ou seja, prescreve-se ao onerado uma conduta

a adotar, pela qual ele poderá obter vantagem ou impedir-lhe uma situação

que lhe seja desfavorável.1

Deste conceito podemos verificar que ônus não possue o mesmo significado de

dever.

Como leciona novamente Luiz Rodrigues Wambier a respeito:

O ônus difere de dever, pois este pressupõe sanção. Melhor dizendo, sempre

que a norma jurídica impõe um dever a alguém, em verdade está obrigando

ao cumprimento, o que gera ao polo oposto da relação jurídica o direito –

correlato e em sentido contrário – de exigir o comportamento do obrigado.

Nada disso ocorre com o ônus, que implica tão somente, no caso de

descumprimento, em uma consequência processual. Há interesse no

cumprimento do ônus da prova. Com ‘interesse’ se quer dizer que a prática

do ato processual favorece à parte. Há interesse em praticá-lo porque se tirará

algum proveito processual com a atividade.2

Assim, verificamos que o ônus é estabelecido em favor do próprio onerado, e o

seu descumprimento faz o que este apenas perca a oportunidade de se valer de uma

1 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. v.1 9ªed. Sáo Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007. p. 415.

2 Id.ibid. p. 438/439.

11

vantagem. Diferente do dever que se caracteriza por uma conduta descrita na lei para

garantir interesse de outrem, gerando o seu descumprimento a imposição de uma

sanção.

Nesse sentido, Ovídio A. Baptista da Silva:

É necessário distinguir ônus de obrigação. A parte gravada com o ônus não

está obrigada a desincumbir-se do encargo, como se o adversário tivesse

sobre isso um direito correspectivo, pois não faz sentido dizer que alguém

tenha direito a que outrem faça prova no seu próprio interesse.3

Por sua vez, Arruda Alvim assim se manifesta:

(...) Outra distinção importante que cabe fazer entre ônus e obrigação é a

circunstância de que esta última ter um valor e poder, assim, pode ser

convertida em pecúnia, o que não corre no que tange ao ônus.4

Desta forma, verificamos que o ônus possue suas particularidades que devem

ser atentamente observadas para que este não seja confundido com outros institutos

jurídicos dada a sua importância no âmbito processual.

2. DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA

De acordo com o artigo 373 do Código de Processo Civil, a distribuição do

ônus da prova, se dá nos seguintes moldes: cabe ao autor a prova dos fatos constitutivos

3 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Processo Civil. v.1. t.1. 8ªed. Rio de Janeiro: Forence,

2008. p. 207.

4 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. v.2. 11ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2007. p. 465.

12

do seu direito e ao réu, a existência de fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do

direito do autor.

A doutrina clássica representada por Egas D. Moniz de Aragão e Francisco

Cesar P. Rodrigues prega o entendimento de que as regras dispostas no artigo 373 do

CPC são imutáveis pelo legislador, devendo ser extritamente obedecidas. Entretanto, tal

posição vem mudando, através do entendimento da doutrina moderna, uma vez que tal

rigidez no sistema dificulta a adequação do regime da prova no caso concreto.

Já doutrina moderna, composta por Ovídio A. Baptista da Silva, Cândido

Rangel Dinamarco, Misael Montenegro Filho, etc; vem lutando pela flexibilização

dessas regras de distribuição do ônus da prova, com o objetivo de permitir ao

magistrado, que se encontrando em uma situação de desequilíbrio nas condições

probatórias entre as partes, decida de maneira fundamentada por encaixar a distribuição

do ônus da prova no caso em litígio, a parte que tiver melhor condição de produzir a

prova.

Tal modificação não tem o intuito de revogar o direito positivo disposto no

artigo 373 do CPC, mas de complementá-lo de acordo com os princípios inspirados no

ideal de um processo justo, que busca a verdade real e obedece aos deveres da boa-fé e

lealdade que transformam as partes do litígio em cooperadores do juiz no

aprimoramento da boa prestação da tutela jurisdicional.

De qualquer modo, esse relaxamento da regra do art. 373 do CPC depende de

condições particulares de cada caso concreto, que na evolução do processo, permitam

um juízo de verossimilhança em torno da versão de uma das partes, capaz de sugerir a

13

possibilidade do fato ter ocorrido, tal como afirma a parte detendora do ônus da prova,

mas que, nas atuais circunstâncias, demonstre menos capacidade de explicitá-los por

completo.

Diante disso, excepciona-se a regra, permitindo a distribuição dinâmica do

ônus da prova quando, presentes certas circunstâncias já descritas, uma das partes

estiver em melhor condição de produzir a prova que a outra.

Nesse sentido, escreve Antônio Janyr Dall’Agnol que para esta tese é:

[...] (a) inaceitável o estabelecimento prévio e abstrato do encargo; (b)

ignorável é a posição da parte no processo; e (c) desconsideravél se exibe a

distinção já tradicional entre os fatos constitutivos, extintivos, etc. Releva isto

sim: (a) o caso em sua concretude e (b) a ‘natureza’ do fato a provar –

imputando-se o encargo àquela das partes que, pelas circunstâncias reais, se

encontra em melhor condição de fazê-lo.5

Porém, para que essa excepcional posição adotada pelo magistrado não se torne

arbitrária, é necessáro que a decisão que modifique a regra do art. 373 do CPC, seja

feita de maneira racional: o juiz deverá, ao ordenar a inversão, proferir um julgamento

lógico e capaz de fazer compreender atráves de adequada fundamentação, como formou

a sua convicção e quais os elementos que a determinaram.

A teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova deve obedecer alguns

requisitos, quais sejam: a) a parte que suporta o redirecionamento não fica encarregada

5 DALL’AGNOL JUNIOR, Antônio Janyr. Distribuição dinâmica dos ônus probatórios. Revista dos

Tribunais, São Paulo, 788: 92-107.

14

de provar o fato constitutivo da parte contrária; seu objetivo é de esclarecer o fato

controvertido indicado pelo juiz o qual já deve achar-se indicial ou parcialmente

demostrado nos autos, porém se o novo detentor do ônus da prova não desempenhar

bem a tarefa esclarecedora, sairá vencedor aquele que foi aliviado, pelo magistrado, de

produzir a prova; b) a prova redirecionada deve ser possível; se nenhum dos litigantes

tem condição de provar o fato, não se admite que o juiz aplique a teoria da dinamização

do onus probandi; e c) a redistribuição não pode representar surpresa para a parte; de

modo que a decisão deve ser tomada pelo juiz, com a intimação do novo encarregado do

ônus da prova esclarecedora, a tempo de lhe proporcionar a oportunidade de se

desincumbir a contento do encargo.

Assim, a regra da distribuição do ônus da prova, acolhida pelo nosso

ordamentamento jurídico, vem passando por modificações. Entretanto, tais regras de

distribuição do ônus da prova não devem ser vistas com limitações ao poder instrutório

do magistrado. Ao contrário, essas regras buscam uma atuação mais ativa do juiz no

âmbito da instrução do processo, como objetivo de acabar com eventuais desproporções

na produção de provas em cada caso concreto.

3. ÔNUS DA PROVA

3.1 Conceito

No âmbito processual, cabe ao autor alegar na sua petição inicial o fato, ou os

fatos em que se fundamentam o seu pedido, e o réu, o fato, ou fatos, em que se baseiam

a sua defesa.

15

Cândido Rangel Dinamarco conceitua o ônus da prova como sendo:

Ônus da prova é o encargo, atribuído pela lei a cada uma das partes, de

demonstrar a ocorrência dos fatos de se próprio interesse para as decisões a

serem proferidas no processo.6

Cumpre salientar, que no processo civil o ônus de demonstrar os fatos vem

acompanhado do ônus de provar tais fatos, sob pena de não serem considerados

verdadeiros e assim descartados pelo juiz.

O nosso novo Código de Processo Civil, como no anterior, traz apenas um

dispositivo acerca do ônus da prova, que é o art. 373, onde ocorre a sua distribuição

deste encargo entre as partes do processo.

Dispõe o art. 373 do CPC:

“Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo

do direito do autor.

§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa

relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o

encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do

fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde

que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a

oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2o A decisão prevista no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a

desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente

difícil.

6 Id. Ibid. p.71.

16

§ 3o A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por

convenção das partes, salvo quando:

I - recair sobre direito indisponível da parte;

II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

§ 4o A convenção de que trata o § 3o pode ser celebrada antes ou durante o

processo.”

Assim para Giuseppe Chiovenda:

O ônus de afirmar e provar se reparte entre as partes, no sentido de que é

deixado à iniciativa de cada uma delas provas os fatos que desejam serem

considerados pelo juiz, isto é, os fatos que tenham interesse que sejam por

este tidos como verdadeiros.7

Nesse sentido Francesco Carnelutti:

Quando um fato é afirmado, cada uma das partes tem interesse em fornecer a

prova, uma da existência e a outra da inexistência, e por isso o interesse na

prova acerca do fato afirmado é bilateral ou recíproco.8

Deste modo, verificamos que o ônus da prova é de suma importância para o

bom andamento do processo, uma vez que é estabelecido de acordo com o interesse do

próprio onerado.

O ônus da prova no processo civil brasileiro respeita três princípios de ordem

processual, quais sejam: o princípio da indeclinabilidade da jurisdição, o princípio

dispositivo e o princípio da persuasão racional na valoração da prova. O primeiro

princípio proíbe o juiz de deixar de proferir uma decisão de mérito a favor ou contra

7 CHIOVENDA, Guiseppe. Instituições de Direito Processual Civil. v.2. 3ªed. São Paulo: Bookselller,

2002. p.448.

8 CARNELUTTI, Francesco. A Prova Civil. 2ªed. São Paulo: Bookseller, 2002. p.260.

17

uma das partes, seja qual for à complexidade da matéria. Segundo o princípio

dispositivo o julgador tem apenas o papel de complementar as provas, quando

necessário cabendo as partes a iniciativa de sua produção. Por fim, se repete o terceiro

princípío da liberdade que o juiz tem de forma a sua convicção, desde que se atente os

fatos constantes no processo e sempre de maneira racional.

Diantes dessas considerações devem ser estabelecidas regras sobre o encargo

que cada uma das partes possui para promover a prova dos fatos que fundamentam o

litígio.

3.2 Origem e evolução

O ônus da prova vem desde o Direito Romano, onde se aplica a regra “semper

onus probandi ei incumbit qui dicit”, que significa que sempre o ônus da prova recai

sobre aquele que diz.

Desta premissa se funda a teoria clássica onde se verifica, que o ônus da cabe

ao autor, pois é ele que ‘diz’, ou seja, ele que leva a lide ao conhecimento do julgador.

Assim, só caberia ao réu o ônus de prova, quando em sua defesa não fosse apenas

apresentado um fato modificativo, impeditivo ou extintivo do autor, mas sim um fato

novo.

Além desta máxima, o direito romano também nos trazia outras regras relativas

às provas, como explica Vicente Greco Filho:

São do direito romano os brocardos: actore non probante, reus absolvitur (se

o autor não fizer prova, absolve-se o réu); probatio incubit qui dicet, non qui

negat (a prova incumbe a quem afirma e não a quem nega); in excipiendo

18

reus fit actor (apresentando exceção, o réu se torna autor); e negativa non

sunt probanda (os fatos negativos não devem ser provados).9

Tais príncipios foram observados por toda época de vigoração do direito

romano. Após a sua queda, surgiu a supremacia do direito germânico, onde o processo

possuia apenas duas fases: a primeira onde o juiz decidia a quem caiba produzir a prova;

e a outra demonstrava o momento em que a parte onerada iria produzir a prova, tal regra

tinha carater formal absoluto, acarretando na maioria das vezes o prejugalmento do

litígio.

Com o direito romano ressurgido, voltou-se a aplicar os antigos princípios por

este pregados, trazendo, entretanto uma nova regra, que limitava a atividade jurisdicinal.

Tal regra estipulava que o julgador deveria julgar com base no que as partes trouxeram

ao processo.

A teoria clássica teve suas idéias aplicadas pelas Ordenações Filipinas, porém

com certa limitação a regra de que os fatos negativos não devem ser provados. Uma vez

que, as negativas em certos casos específicos e determinados podem ser provadas e

assim se tornarem afirmativas.

Perante todas as controvérsias que surgiram ao longo dos anos sobre o tema,

houve uma evolução no que tange a distribuição do ônus das provas, formando assim as

teorias modernas.

9 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil. v.2. 18ªed. São paulo: Saraiva. 2007. p.201.

19

Das teorias modernas sobre o ônus da prova Giuseppe Chiovenda resolve o

problema sobre a distribuição do ônus da prova dizendo que é por meio do interesse que

cada parte possui em provar determinado fato, para que este seja considerado verdadeiro

pelo juiz.

Já Francesco Carnelutti discorda de Chiovenda, defendendo a posição de que o

ônus da prova deve ser dividido não de acordo com o interesse em provar determinado

fato, que é unilateral, mas sim de acordo com o interesse em produzir a prova que é

bilateral, ou seja, um apresenta a prova e o outro a contraprova.

Assim, verificamos que para os doutrinadores atuais a distribuição do ônus da

prova se baseia nos princípios processuais e basicamente aos interesses das partes em

produzir as provas, para buscar a verdade real.

3.3 Classificação do ônus da prova

3.3.1 Ônus objetivo e ônus subjetivo

O ônus subjetivo esta ligado à necessidade da parte provar para se sair

vitoriosa ou das consequências estipuladas para a parte que deveria provar e não o fez.

No aspecto subjetivo verifica-se a oneração da parte com a prova de um fato. Assim,

podemos verificar uma ligação entre a parte que incumbe à prova e a sua alegação dos

fatos.

Já o ônus objetivo é direcionado ao juiz que deve analisar todas as provas

constantes nos autos, independentemente de quem as tenha produzido. O aspecto

20

objetivo do ônus da prova é importante para determinar a que parte cabe a oneração de

produzir a prova relativamente a um fato determinado.

No mesmo sentido, ao tratar de ônus objetivo e ônus subjetivo, Vicente Greco

Filho:

(...) À parte incumbe o ônus da prova de determinados fatos (ônus subjetivo),

mas ao apreciar a prova produzida não importa mais quem a apresentou,

devendo o juiz levá-la em consideração (ônus objetivo)10

3.3.2 Ônus perfeito e ônus imperfeito

O ônus será perfeito quando for descumprida uma ativade processual e deste

descumprimento se verificar a ocorência de uma consequência jurídica causadora de

dano.

Agora, quando o dano for provável, porém não necessário, como por exemplo,

quando uma das partes perder a oportunidade de realizar a prova, estaremos diante do

ônus imperfeito.

Insta salientar que a ocorrência de revelia, não caracteriza necessariamente um

ônus perfeito, uma vez que o artigo 320 do CPC dispõe sobre as hipóteses em que a

ocorrência da revelia não torna verdadeiros os fatos alegados pelo autor em sua petição

inicial.

10 Id.ibid. p.204

21

3.4 Sistema legal brasileiro do ônus da prova

No direito processual civil brasileiro, as regras gerais sobre o ônus da prova

estão dispostas no art. 373 do Código de Processo Civil, que fiel ao princípio do

dispositivo, o distribui da seguinte maneira: incumbe ao autor à prova de fato

constitutivo de seu direito e ao réu o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do

direito do autor.

Assim, cada parte possui o ônus de provar os pressupostos fáticos do direito que

pretende que sejam aplicados pelo magistrado no julgamento da causa. O autor, na

petição inicial, afirma os fatos constitutivos do seu direito, tais fatos são aqueles que na

maioria das vezes causam algum efeito jurídico. A falta de prova ou dúvida em relação

à veracidade dos fatos constitutivos do autor pode fazer com que o juiz sentencie como

improcendente o pedido do autor.

Já ao réu, fica o encargo de provar à existência de fato impeditivo, modificativo

ou extintivo do direito do autor. Tais alegações do réu podem em determinados casos

fazer com que os fatos do autor se tornem incontroversos e como dispõe o inciso III do

art. 374 do CPC, estes fatos não dependem de prova. Vale ressaltar, que as mesmas

regras quanto à falta de prova ou dúvida em relação à veracidade se aplicam ao réu,

umas vez que no processo civil não se aplica o princípio do ‘in dubio pro reo’.

22

Porém, insta salientar, que mesmo que a responsabilidade pela produção da

prova seja do autor, nada impede que o réu manifeste o seu interesse em produzir uma

contraprova.

Deste modo, a regra do art. 373 do CPC, não deve ser interpretada como

absoluta, uma vez que dependendo do caso concreto o juiz pode determinar a

modificação do ônus da prova para melhor atender à aplicação da justiça.

Destas alegações, podemos estabelecer a função do ônus da prova que é a de

estipular as partes na produção das provas e de ajudar na formação do convencimento

do magistrado que ainda esta em dúvida, trazendo a possibilidade da utilização das

regras de disposição do ônus da prova.

Embora o art. 373 do CPC, estabeleça a distribuição do ônus da prova. Existem

casos em que se pode haver a convenção das partes para distribuir o ônus de maneira

diversa. Entretanto, tal convenção sofre limitações, como nos ensina Moacyr Amaral

dos Santos:

São, portanto, adimissíveis convenções regulando o ônus da prova de

maneira diversa da estabelecida no art. 333, salvo quando: a) versar a lide

sobre direitos indisponíveis, já que não podendo a parte confessar os fatos,

sobre sua prova não poderá dispor; b) tratando-se de convenção que torne

excessivamente difícil o exercício do direito; ao juiz cumprindo resolver caso

por caso, pois a matéria se converte numa questão de fato a ser por ele

apreciada e decidida.11

11 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. v.2. 26ªed. São Paulo:

Saraiva, 2010. p.393.

23

No caso do inciso I, do parágrafo único, do art. 373 do CPC, não se admite a

convenção das partes sobre a distribuição do ônus da prova, quando o objeto do litígio

for um bem indísponivel, pois o sujeito não pode dispor dele. No caso do inciso II do

referido artigo, não se pode convenciar, uma vez que tal convenção tornaria difícil o

exercicio do direito pela parte.

Por fim, vale ressaltar a eficácia do princípio da iniciativa oficial do juiz.

Embora o ato de indicar provas pertença às partes, o juiz, pode ordenar de ofício a

produção de novas provas que julgue necessárias para apurar a verdade dos fatos

alegados pelas partes.

4. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

4.1 Definição

Existem casos que a legislação civil autoriza expressamente a inversão do ônus

da prova, que segundo Cândido Rangel Dinamarco pode ser definido como: “as

alterações de regras legais sobre a distribuição deste, impostas ou autorizadas por lei”.12

A inversão do ônus da prova não caracteriza infração ao princípio da isonomia

processual, pois trata de maneira desigual as pessoas que estão em parâmetros

desaguais. Tal inversão apenas tira o encargo de provar da parte, da qual, a prova

inicialmente caberia.

12 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5ªed. São Paulo:

Malheiros, 2005.p. 76.

24

Insta salientar, que na legislação vigente a inversão do ônus da prova não é

automática ou aplicada em todas as hipósteses.

É clara a lição de Misael Montenegro Filho: “a inversão sem a demonstração

da hipossuficiência da parte autora ou da verossimilhança da alegação por ela sustentada

é medida manifestamente nula”.13

A comunição da inversão será feita pelo magistrado durante o curso do

processo ou na sentença, devendo sempre fundamentar a sua decisão nos requisitos que

autorizam a inversão.

4.2 Tipos de inversão

4.2.1 Inversão judicial

Para Cândido Rangel Dinamarco: “inversão judicial do ônus da prova é a

alteração do disposto em regras legais responsáveis pela distribuição deste, por decisão

do juiz no momento de proferir a sentença de mérito.”14

13 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil. v.1. 7ªed. São Paulo: Atlas,

2011. p.455.

14 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5ªed. São Paulo:

Malheiros, 2005. p.79.

25

Nessa inversão ocorre uma interferência direta do juiz na regra do ônus da

prova disposta no art. 373 do CPC. A inversão é determinada pela presunção do juiz

criada em seu julgamenteo, sempre nos casos autorizados por lei.

O juiz autoriza a inversão quando presentes os seus requisitos, quais sejam, a

verossimilhança das alegações que é caracterizada pela confrontação com a verdade das

afirmações contidas no processo; e a hipossuficiência que pode se dar através de seus

aspectos técnicos ou econômicos.

A inversão judicial, não pode ser aplicada sem motivo. Deve se observar o

ônus da prova no sentido teleológico da lei consumerista, que não tem o objetivo de

tirar o encargo de provar do consumidor, previsto na lei processual, mas sim de transpor

dificuldades técnicas que o consumidor pode enfrentar ao produzir a sua defesa.

4.2.2 Inversão legal

É também conhecida como inversão ‘ope legis’. Tal inversão encontra

fundamento legal no Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, inciso VIII15,

como sendo direito básico do consumidor à inversão do ônus da prova a seu favor,

quando este for verossimil ou hipossuficiente.

Tal inversão decorre de uma norma expressa e não de pronunciamento judicial.

Ou seja, a própria lei traz uma nova regra sobre a disposição do ônus da prova, com o

15 Art. 6ª (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, à

seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele

hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

26

escopo de facilitar a situação de uma das partes do processo, que neste caso será o

consumidor.

Entende-se essa inversão como sendo uma presunção relativa, pois é atráves do

caso concreto que o juiz irá verificar se estão presentes os requisitos que geram a

aplicação de tal regra. Uma vez que coloca uma das partes em privilégio (consumidor)

fazendo com que a outra parte (fornecedor) arque com toda a responsabilidade sobre a

produção das provas.

4.2.3 Inversão contratual

Neste caso as próprias partes alteram as regras legais, relativas ônus de provar.

Esta modalidade é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor, se for em prejuízo do

consumidor.

Duas são as limitações que esta modalidade sofre: i) o efeito da inversão, não

pode criar uma extrema dificuldade na defesa da outra parte ou prejudicar terceiros e; ii)

o bem jurídico envolvido na causa deve ser disponível.

Assim sendo, poderá ser efetuada a inversão contratual no âmbito do próprio

processo ou fora deste, uma vez que a lei é omissa quanto a sua forma. Estabelecida em

cláusula contratual que previna uma possível propositura de ação.

4.3 Momento processual

27

Divergência se encontra na maioria da doutrina em relação ao momento

processual em que deve ser invertido o ônus da prova. Três são as correntes mais

consideráveis sobre o tema.

A Primeira ensina que a inversão deve ocorrer no momento em que juiz

despachar a petição inicial. Segundo esta corrente já é na petição inicial que o juiz deve

verificar a existência dos requisitos para que haja a inversão, para que não prejudique o

processo mais adiante.

A crítica que se faz à esta primeira corrente é que o juiz ao decidir sobre a

inversão logo após o despacho de início do processo estará ofendendo o princípio do

contraditório, uma vez que ao réu não foi concedida a possibilidade de se defender, o

que impossibilida o juiz saber logo de plano quais serão os fatos controvertidos, pois o

réu nem citado este foi ainda.

De acordo com a segunda corrente, o momento certo para que haja a inversão é

na fase de saneamento do processo, onde o juiz corrige todos os erros do processo e

buscar sanar seus vícios quando houver, a fim de deixar o processo pronto para a

instrução e julgamento. Deste modo o principal argumento para se fazer a inversão do

ônus probatório neste momento é o fato de respeitar o princípio do contraditório, uma

vez que é nesta fase que são apresentados os fatos controvertidos.

Desta feita, apresentados os fatos controvertidos cabe ao juiz preparar o processo

e resolver as questões incidentes, sendo uma delas a verificação da presença dos

requisitos para ver se é caso ou não de inversão do ônus da prova.

28

Por fim, a terceira e última corrente sustenta que a inversão deve ser feita no

momento da prolação da sentença. Uma vez que, somente após a instrução do feito, no

momento de valoração das provas é que o magistrado terá a capacidade de analisar se

existe ou não a situação que enseja a inversão do ônus. Além do que, não seria uma

surpresa a parte ré, pois esta hipótese está prevista no art. 6º do Código de Defesa do

Consumidor.

A critica a terceira corrente é toda fundamentada na violação ao princípio do

contraditório e da ampla defesa e também ao princípio do devido processo legal. Além

do que não seria necessário mais a inversão do ônus, uma vez que todas as provas já

foram produzidas.

CONCLUSÃO

Ante todo o exposto no presente trabalho, verifica-se que as provas são, sem

dúvida nenhuma, um dos mais importantes institutos do direito processual civil

brasileiro, pois é atráves delas que se busca demonstrar a veracidade dos fatos alegados,

que são o objeto da prova.

Ademais, não são quaisquer fatos que são objeto de prova. Para se valer o

instituto processual em comento os fatos devem ser relevantes, pertinentes, controversos

e precisos.

Dada a sua importância, o atual Código de Processo Civil, traz um capítulo

inteiro sobre as provas, aonde estipula todas as regras que devem ser seguidas para

desempenhar o bom andamento do processo.

29

Dentre essas regras, estão alguns dos meios de prova admitidos em direito. Tais

meios devem ser licítos e moralmente legítimos, conforme dispõe o art. 369 do CPC.

Uma vez que a finalidade da prova é de formar o convencimento do seu destinátario, ou

seja, do juiz.

Nesse contexto, não há dúvidas de que cabem as partes a produção das provas

no processo. Após serem produzidas as provas são encaminhas para o juiz, que pautado

pelo princípio do livre convencimento motivado irá analisá-las e valorá-las, sempre de

maneira racional e se atendo ao que consta nos autos.

Para que haja a mais justa valoração das provas, o legislador atribui no Código

de Processo Civil, mais precisamente em seu artigo 373, o instituto processual, chamado

de ônus da prova.

O ônus da prova é um encargo atribuído as partes, para que estas comprovem a

veracidade de seus fatos. Ao autor é estipulado o ônus de provar os fatos constitutivos

de seu direito, ou seja, os fatos que geraram o litígio. Já o réu, fica incumbido de provar

a existencia de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.

Ao juiz também é guardada uma relação com o ônus da prova, uma vez que ele

é o responsável pela sua distribuição. Embora o Código de Processo Civil disponha

sobre as regras gerais do ônus da prova, nada impede que o juiz, havendo dúvida quanto

à veracidade dos fatos ou nos casos em que as provas existentes nos autos não são

suficientes, estabeleça a produção de novas provas e a faça a distribuição do ônus de

provar.

30

De qualquer modo, esse relaxamento da distribuição do ônus da prova,

depende de uma profunda análise do caso concreto, atráves de um juízo de

verossimilhança, com base nos fatos apresentados por uma das partes.

Para que tal distribuição não cause violação aos princípios do contraditório e

ampla defesa e nem ao príncipio do devido processo legal, a lei em alguns casos

autoriza a inversão do ônus da prova.

O ponto mais controvertido em relação a esta inversão é sobre o momento

processual em que ela deva ocorrer, para que esta inversão alcance um resultado mais

útili ao processo, é indispensável à observancia do princípio do contraditório para se

evitar o cerceamento de defesa.

Desse modo, podemos concluir que o insituto do ônus da prova, tem como seu

principal objetivo, fazer com que as partes levem até o julgador todos os seus

fundamentos para que este, preste a tutela jurisdicial de maneira mais justa e efetiva.

31

BIBLIOGRAFIA

ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. v.2. 11ªed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2007.

BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Processo Civil. v.1. t.1. 8ªed. Rio de

Janeiro: Forence, 2008.

CARNELUTTI, Francesco. A Prova Civil. 2ªed. São Paulo: Bookseller, 2002.

CHIOVENDA, Guiseppe. Instituições de Direito Processual Civil. v.2. 3ªed. São

Paulo: Bookselller, 2002.

DALL’AGNOL JUNIOR, Antônio Janyr. Distribuição dinâmica dos ônus

probatórios. Revista dos Tribunais, São Paulo, 788: 92-107.

DESTEFENNI, Marcos. Curso de Processo Civil. v.1. t.2. 2ªed. São Paulo: Saraiva,

2010.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5ªed. São

Paulo: Malheiros, 2005.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 19ªed. São Paulo: Malheiros,

2003.

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil. v.2. 18ªed. São paulo: Saraiva.

2007.

MEDIDA e ALVIM WAMBIER, José Miguel Garcia e Teresa Arruda. Processo Civil

Moderno. v.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

32

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil. v.1. 7ªed. São

Paulo: Atlas, 2011.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas do Direito Processual. 8ªed. São Paulo:

Saraiva, 2004.

NERY JÚNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado e legislação

extravagante. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. v.2. 26ªed.

São Paulo: Saraiva, 2010.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v.1. 50ªed. Rio

de Janeiro: Forence, 2009.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. v.1. 9ªed. Sáo

Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.