didatica para o ensino superior- prof. luiz rodrigues

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1 CURSO: PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM CRIMINOLOGIA DIDÁTICA PARA O ENSINO SUPERIOR TEXTOS PARA ESTUDOS (ORG) Professor Luiz Rodrigues Pós-graduação afirmativo

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CURSO: PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM CRIMINOLOGIA

DIDÁTICA PARA O ENSINO SUPERIOR

TEXTOS PARA ESTUDOS (ORG) Professor Luiz Rodrigues

Pós-graduação afirmativo

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DIDÁTICA: UMA RETROSPECTIVA HISTÓRICA

ILMA PASSOS ALENCASTRO VEIGA

A retrospectiva histórica da Didática abrange duas partes; na primeira é abordado o

papel da disciplina antes de sua inclusão nos cursos de formação de professores a nível superior, compreendendo o período que vai de 1549 até 1930; a segunda parte procura recons-tituir a trajetória da Didática a partir da década de 30 até os dias atuais.

São destacados os aspectos sócio-econômicos, políticos e educacionais que servem de

pano de fundo para identificar as propostas pedagógicas presentes ~a educação, bem como os enfoques do papel da Didática. 1. Primórdios da Didática: o período de 1549/1930

Os jesuítas foram os principais educadores de quase todo o período colonial, atuando, aqui no Brasil, de 1549 a 1759.

No contexto de uma sociedade de economia agrário-exportadora-dependente, explorada

pela Metrópole, a educação não era considerada um valor social importante. A tarefa educativa estava voltada para a catequese e instrução dos indígenas, mas, para a elite colonial, outro tipo de educação era oferecido.

O plano de instrução era consubstanciado no Ratio Studiorum, cujo ideal era a

formação do homem universal, humanista e cristão. A educação se preocupava com o ensino humanista de cultura geral, enciclopédico e alheio à realidade da vida de Colônia. Esses eram os alicerces da Pedagogia Tradicional na vertente religiosa que, de acordo com SAVIANI (1984, p. 12), é marcada por uma "visão essencialista de homem, isto é, o homem constituído por uma essência universal e imutável" A essência humana é considerada criação divina e, assim, o homem deve se empenhar para atingir a perfeição, "para fazer por merecer a dádiva da vida sobrenatural". (Ibid., p. 12).

A ação pedagógica dos jesuítas foi marcada pelas formas dogmáticas de pensamento,

contra o pensamento crítico. Privilegiavam o exercício da memória e o desenvolvimento do raciocínio; dedicavam atenção ao preparo dos padres-mestres, dando ênfase à formação do cai'áter e sua formação psicológica para conhecimento de si mesmo e do aluno.

Desta forma, não se poderia pensar em uma prática pedagógica e muito menos em uma

Didática que buscasse uma perspectiva transformadora na educação. Os pressupostos didáticos diluídos no "Ratio" enfocavam instrumentos e regras

metodológicas compreendendo o estudo privado em que o mestre prescrevia o método de estudo, a matéria e o horário; as aulas, ministradas de forma expositiva; a repetição visando repetir, decorar e expor em aula; o desafio, estimulando a competição; a disputa, outro recurso metodológico era visto como uma defesa de tese. Os exames eram orais e escritos, visando avaliar o aproveitamento do aluno.

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O enfoque sobre o papel da Didática, ou melhor, da Metodologia de Ensino, como é denominada no Código pedagógico dos jesuítas, está centrado no seu caráter meramente formal, tendo por base o intelecto, o conhecimento e marcado pela visão essencialista de homem.

A Metodologia de Ensino (Didática) é entendida como um conjunto de regras e normas

prescritivas visando a orientação do ensino e do estudo. Como afirma PAIVA (1981, p. 11), "um conjunto de normas metodológicas referentes à aula, seja na ordem das questões, no ritmo do desenvolvimento e seja, ainda, no próprio processo de ensino".

Após os jesuítas, não ocorreram no país grandes movimentos pedagógicos, como são

poucas as mudanças sofridas pela sociedade colonial e durante o Império e a República. A nova organização instituída por Pombal, pedagogicamente, representou um retrocesso. Pro-fessores leigos começaram a ser admitidos para as "aulas-régias"introduzidas pela reforma pombalina.

Por volta de 1870, época de expansão cafeeira e da passagem de um modelo agrário-

exportador para um urbano-comercial-exportador, o Brasil vive o seu período de "iluminismo". Segundo SAVIANI (1984, p. 275), "tomam corpo movimentos cada vez mais independentes da influência religiosa",

No campo educacional, suprime-se o ensino religioso nas escolas públicas, passando o

Estado a assumir a laicidade. ~ aprovada a reforma de Benjamin Constant (1890) sob a influência do positivismo. A escola busca disseminar uma visão burguesa de mundo e sociedade, a fim de garantir a consolidação da burguesia industrial como classe dominante.

Os indicadores de penetração da Pedagogia Tradicional em sua vertente leiga são os

Pareceres de Rui Barbosa, de 1882 e a primeira reforma republicana, a de Benjamin Constant, em 1890.

Esta vertente leiga da Pedagogia Tradicional mantém a visão essencialista de homem,

não como criação divina, mas aliada à noção de natureza humana, essencialmente racional. Essa vertente inspirou a ctiaç~o da escola pública, laica, universal e gratuita. (SAVIANI. 1984, p. 274).

A essa teoria pedagógica correspondiam as seguintes características: a ênfase ao ensino

humanístico de cultura geral, centrada no professor, que transmite a todos os alunos indistintamente a verdade universal e enciclopédica; a relação pedagógica que se desenvolve de forma hierarquizada e verticalista, onde o aluno é educado para seguir atentamente a exposição do professor; o método de ensino, calcado nos cinco passos formais de Herbart (preparação, apresentação, comparação, assimilação, generalização e aplicação).

E assim que a Didática, no bojo da Pedagogia Tradicional leiga, está centrada no

intelecto, na essência, atribuindo um caráter dogmático aos conteúdos; os métodos são princípios universais e lógicos; o professor se torna o centro do processo de aprendizagem, concebendo o aluno como um ser receptivo e passivo. A disciplina é a forma de garantir a atenção, o silêncio e a ordem.

A Didática é compreendida como um conjunto de regras, visando assegurar aos futuros

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professores as orientações necessárias ao trabalho docente. A atividade docente é entendida como inteiramente autônoma face à política, dissociada das questões entre escola e sociedade. Uma Didática que separa teoria e prática.

A Pedagogia tradicionalista leiga refletia-se nas disciplinas de natureza pedagógica do

currículo das Escolas Normais desde o início de sua criação, em 1835. A inclusão da Didática como disciplina em cursos de formação de professores para o

então ensino secundário, ocorreu quase um século depois, ou seja, em 1934. 2. A Didática nos Cursos de Formação de Professores a partir de 1930

2.1.O período de 1930/1945: A Didática é tradicional, cumpre renová-la Na década de 30, a sociedade brasileira sofre profundas transformações, motivadas

basicamente pela modificação do modelo sócio-econômico. A crise mundial da economia capitalista provoca no Brasil a crise cafeeira, instalando-se o modelo sócio-econômico de substituição de importações.

Paralelamente, desencadeia-se o movimento de reorganização das forças econômicas e

políticas o que resultou em um conflito: a Revolução de 30, marco comumente empregado para indicar o início de uma nova fase na história da República do Brasil.

No âmbito educacional, durante o governo revolucionário de 1930, Vargas constitui o

Ministério de Educação e Saúde Pública. Em 1932 é lançado o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, preconizando a reconstrução social da escola na sociedade urbana e industrial.

Entre os anos de 1931 e 1932 efetivou-se a Reforma Francisco Campos. Organiza-se o

ensino comercial; adota-se o regime universitário para o ensino superior, bem como organiza-se a primeira universidade brasileira. A Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo foi o primeiro instituto de ensino superior que funcionou de acordo com o modelo Francisco Campos. A origem da Didática como disciplina dos cursos de formação de professores a nível superior está vinculada à criação da referida Faculdade, em 1934, sabendo-se que a qualificação do magistério era colocada como ponto central para a renovação do ensino. No início, a parte pedagógica existente nos cursos de formação de professores era realizada no Instituto de Educação, sendo aí incluída a disciplina "Metodologia do Ensino Secundário, equivalente à Didática hoje nos cursos de licenciatura.

Por força do art. 20 do Decreto-Lei n.0 1190/39, a Didática foi instituída como curso e

disciplina, com duração de um ano. A legislação educacional foi introduzindo alterações para, em 1941, o curso de Didática ser considerado um curso independente, realizado após o término do bacharelado (esquema três + um).

Em 1937, ao se consolidar no poder com auxílio de grupos militantes e apoiado pela

classe burguesa, Vargas implanta o Estado Novo, ditatorial, que persistiu até 1945.

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Os debates educacionais são paralisados e o "prestígio dos educadores passa a condicionar-se às respectivas posições políticas", como afirma PAIVA (1973, p. 125).

O período situado entre 1930 e 1945 é marcado pelo equilíbrio entre as influências da

concepção humanista tradicional (representada pelos católicos) e humanista moderna (representada pelos pioneiros). Para SAVIANI (1985, p. 276) a concepção humanista moderna se baseia em uma "visão de homem centrada na existência, na vida, na atividade". Há predomínio do aspecto psicológico sobre o lógico. O escolanovismo propõe um novo tipo de homem, defende os princípios democráticos, isto é, todos tem direito a assim se desenvolverem. No entanto, isso é feito em uma sociedade dividida em classes, onde são evidentes as diferenças entre o dominador e as classes subalternas. Assim, as possibilidades de se concretizar este ideal de homem se voltam para aqueles pertencentes à classe dominante.

A característica mais marcante do escolanovismo éa valorização da criança, vista como

ser dotado de poderes individuais, cuja liberdade, inciativa, autonomia e interesses devem ser respeitados. O movimento escolanovista preconizava a solução de problemas educacionais em uma perspectiva interna da escola, sem considerar a realidade brasileira nos seus aspectos político, econômico e social. O problema educacional passa a ser uma questão escolar e técnica. A ênfase recai no ensinar bem, mesmo que a uma minoria.

Devido à predominância da influência da Pedagogia Nova na legislação educacional e

nos cursos de formação para o magistério, o professor absorveu o seu ideário. Consequentemente, nesse momento, a Didática também sofre a sua influência, passando a acentuar o caráter prático-técnico do processo ensino-aprendizagem, onde teoria e prática são justapostas.

O ensino é concebido como um processo de pesquisa, partindo do pressuposto de que os

assuntos de que tratam o ensino são problemas. Para CANDAU (1982, p. 22), os métodos e técnicas mais difundidos pela Didática

renovada são: "centros de interesse, estudo dirigido, unidades didáticas, métodos dos projetos, a técnica de fichas didáticas, o contrato de ensino, etc.. ."

A Didática é entendida como um conjunto de idéias e métodos, privilegiando a

dimensão técnica do proces50 de ensino, fundamentada nos pressupostos psicológicos, psicopedagógicos e experimentais, cientificamente validados na experiência e constituídos em teoria, ignorando o contexto sócio-político-econômico.

A Didática, assim concebida propiciou a formação de um novo perfil de professor: o

técnico. 2.2. O período de 1945/1960: o predomínio das novas idéias e a Didática

Esta fase corresponde à aceleração e diversificação do processo de substituição de

importações e à penetração do capital estrangeiro. O modelo político é baseado nos princípios da democracia liberal com crescente participação das massas. o Estado populista -desenvolvimentista, representando aliança entre empresariado e setores populares, contra

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oligarquia. No fim do período, começa a delinear uma polarização, deixando entrever

dois caminhos para o desenvolvimento: o de tendência populista e o de tendência antipopu-lista.

Neste contexto, insere-se a educação. A política educacional, que caracteriza essa fase,

reflete muito bem a "ambivalência dos grupos no poder" como destaca FREITAG (1979, p. 54).

Em 1946, o Decreto-Lei n.0 9053 desobrigava o curso de Didática e, já sob a vigência da

Lei Diretrizes e Bases, Lei 4024/61, o esquema de três mais um foi extinto pelo Parecer n.0

242/62, do Conselho Federal de Educação. A Didática perdeu seus qualificativos geral e especial e introduz-se a Prática de Ensino sob a forma de estágio supervisionado.

Entre 1948-1961, desenvolvem-se lutas ideológicas em torno da oposição entre escola

particular e defensores da escola pública. A disseminação das idéias novas ganha mais força com a ação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). As escolas católicas se in-serem no movimento renovador, difundindo o método de Montessori e Lubienska.

Outros indícios renovadores começam a ser disseminados nessa década, entre os quais

se destacam o Ginásio Orientado para o Trabalho (GOT), os Ginásios Pluricurriculares, os Ginásios Vocacionais.

Paralelamente a essas iniciativas renovadoras que começaram a ser implantadas, um

outro redirecionamento vinha sendo dado à escola renovada, fortemente marcada pela ênfase metodológica, que culminou com as reformas promovidas no sistema escolar brasileiro no período de 1968/1971.

Por força do convênio celebrado entre o MEC/Governo de Minas Gerais - Missão de

Operações dos Estados Unidos (PONTO IV) criou-se o PABAEE (Programa Americano Brasileiro de Auxílio ao Ensino Elementar), voltado para o aperfeiçoamento de professores do Curso Normal. Nesses cursos, começaram a ser introduzidos os princípios de uma tecnologia educacional importada dos Estados Unidos. Dado o seu caráter multiplicador, o ideário renovador-tecnicista foi-se difundindo.

É importante frisar que, nesta fase, o ensino de Didática também se inspirava no

liberalismo e no pragmatismo, acentuando a predominância dos processos metodológicos em detrimento da própria aquisição do conhecimento. A Didática se voltava para as variáveis do processo de ensino sem considerar o contexto político-social. Acentuava-se, desta forma, o enfoque renovador-tecnicista da Didática na esteira do movimento escolanovista.

2.3. O período pós-1964: os descaminhos da Didática O quadro que se instalou no país com o movimento de 1964 alterou a ideologia política,

a forma de governo e, consequentemente, a educação. O modelo político-econômico tinha como característica fundamental um projeto

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desenvolvimentista que buscava acelerar o crescimento sócio-econômico do país. A educação desempenhava importante papel na preparação adequada de recursos humanos necessários à incrementação do crescimento econômico e tecnológico da sociedade de acordo com a concepção economicista de educação.

O sistema educacional era marcado pela influência dos Acordos MEC/USAID, que

servirà'm de sustentáculo às reformas do ensino superior e posteriormente do ensino de ~ e 2.<~ graus. Por influência, também, dos educadores americanos foi implantada, pelo Parecer 252/69 e Resolução n.0 2/69 do Conselho Federal de Educação, a disciplina "Currículos e Programas", nos cursos de Pedagogia, o que, de cerca forma, provocou a super-posição de conteúdos da nova disciplina com a Didática.

O período compreendido entre 1960 e 1968 foi marcado pela crise da Pedagogia Nova e

articulação da tendência tecnicista, assumida pelo grupo militar e tecnocrata. O pressuposto que embasou esta pedagogia está na neutralidade científica, inspirada nos

princípios de racionalidade, eficiência e produtividade. Buscou-se a objetivação do trabalho pedagógico da mesma maneira que ocorreu no trabalho fabril. Instalou-se na escola a divisão do trabalho sob a justificativa de produtividade, propiciando a fragmentação do processo e, com isso, acentuando as distâncias entre quem planeja e quem executa.

A Pedagogia Tecnicista está relacionada com a concepção analítica de Filosofia da

Educação, mas não como conseqüência sua. SAVIANI (1984, p. 179), explica que a concepção analítica

"não tem por objeto a realidade. Refere-se, pois, a clareza e

consistência dos enunciados relativos aos fenômenos eles mesmos. (. .

.) A ela cabe fazer a assepsia da linguagem, depurá-la de suas

inconsistências e ambiguidades. Não é sua tarefa produzir enunciados e muito menos práticas."

A afinidade entre as duas encontra-se, não no plano das conseqüências, mas no plano dos pressupostos de objetividade, racionalidade e neutralidade.

O enfoque do papel d3 Didática a partir dos pressupostos de Pedagogia Tecnicista

procura desenvolver uma alternativa não psicológica, situando-se no âmbito da tecnologia educacional, tendo como preocupação básica a eficácia e a eficiência do processo de ensino. Essa Didática tem como pano de fundo uma perspectiva realmente ingênua de neutralidade científica.

Neste enfoque, os conteúdos dos cursos de Didática centram-se na organização racional

do processo de ensino, isto é, no planejamento didático formal, e na elaboração de materiais instrucionais, nos livros didáticos descartáveis. O processo é que define o que professores e alunos devem fazer, quando e como o farão.

Na Didática Tecnicista, a desvinculação entre teoria e prática é mais acentuada. O

professor torna-se mero executor de objetivos instrucionais, de estratégias de ensino e de avaliação. Acentua-se o formalismo didático através dos planos elaborados segundo normas

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préfixadas. A Didática é concebida como estratégia para o alcance dos produtos previstos para o processo ensinoaprendizagem:

A partir de 1974, época em que tem início a abertura gradual do regime político

autoritário instalado em 1964, surgiram estudos empenhados em fazer a crítica da educação dominante, evidenciando as funções reais da política educacional, acobertada pelo discurso político-pedagógico oficial.

Tais estudos foram agrupados e denominados por SAVIANI (1983, p. 19) de "teorias

crítico-reprodutivistas", que, apesar de considerar a educação a partir dos seus aspectos sociais, concluem que sua função primordial é a de reproduzir as condições sociais vigentes. Elas se empenham em fazer a denúncia do caráter reprodutor da escola. Há uma predominância dos aspectos políticos, enquanto as questões didático-pedagógicas são minimizadas.

Em conseqüência, a Didática passou também a fazer o discurso reprodutivista, ou seja, a

apontar o seu conteúdo ideológico, buscando sua desmistificação de certa forma relevante, porém relegando a segundo plano sua especificidade.

CANDAU (1982, p. 28) afirma que:

"junto com esta postura de denúncia e de explicitação do

compromisso com o 'status quo' do técnico aparentemente neutro,

alguns autores chegaram à negação da própria dimensão técnica da

prática docente."

Sob esta ótica, a Didática nos cursos de formação de professores passou a assumir o discurso sociológico, filosófico e histórico, secundarizando a sua dimensão técnica, comprometendo, de certa forma, a sua identidade, acentuando uma postura pessimista e de descrédito relativo à sua contribuição quanto à prática pedagógica do futuro professor.

Contudo pode-se perceber que se, de um lado, a teoria critico-reprodutivista contribuiu

para acentuar uma postura de pessimismo, por outro lado, a atitude crítica passou a ser exigida pelos alunos e os professores procuraram rever sua própria prática pedagógica a fim de torná-la mais coerente com a realidade sócio-cultural. A Didática é questionada e os movimentos em torno de sua revisão apontam para a busca de novos rumos. 2.4. A década de 80: momento atual da Didática

Ao longo dos anos 80, a situação sócio-econômica do país tem dificultado a vida do

povo brasileiro com a elevação da inflação, elevação do índice de desemprego, agravado mais com o aumento da dívida externa e pela política recessionista, orientada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Na primeira metade da década de 80, instala-se a Nova República, iniciando-se, desta

forma, uma nova fase na vida do país. A ascenção do governo civil da Aliança Democrática

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assinala o fim da ditadura militar, porém conserva inúmeros aspectos dela, sob formas e meios diferentes. (FALCAO, 1986, p. 27)

A luta operária ganha força, passando a se generalizar por outras categorias profissionais e, dentre elas, os professores.

Nessa década que os professores se empenham para a reconquista do direito e dever de participarem na definição da política educacional e na luta pela recuperação da escola pública.

A realização da I Conferência Brasileira de Educação foi um marco importante na

história da educação brasileira. Constituiu um espaço para se discutir e disseminar a concepção critica de educação, pois, como afirma SAVIANI (1984, p. 24)

" a preocupaçao com a perspectiva dialética ultrapassa, na

filosofia da educa ção~ aquele empenho individual de sistematização

e se torna objeto de um esforço coletivo."

A concepção dialética ou crítica não foi dominante no nosso contexto educacional. Ela se organizou com maior nitidez a partir de 1979.

Para a concepção dialética de Filosofia da Educação, não existe um homem dado '~a

priori", pois não coloca como ponto de partida uma determinada visão de homem. Interessa-se pelo ser concreto. A tarefa da filosofia é explicitar os problemas educacionais e compreendê-los a partir do contexto histórico em que estão inseridos (SAVIANI, 1984, p. 24).

A educação não está centrada no professor ou no aluno, mas na questão central da

formação do homem. A educação está voltada para o ser humano e sua realização em sociedade. Nesse sentido, GADOTTI afirma que, no bojo de uma Pedagogia Crítica, "a educação se identifica com o processo de hominização. A educação é o que se pode fazer do homem de amanhã". (1983, p. 149) E uma pedagogia que se compromete com os interesses do homem das camadas economicamente desfavorecidas.

A escola se organiza como espaço de negação de dominação e não mero instrumento

para reproduzir a estrutura social vigente. Nesse sentido, agir no interior da escola é contribuir para transformar a própria

sociedade. Ora, no meu entender a Didática tem uma importante contribuição a dar em função de

clarificar o papel sócio-político da educação, da escola e, mais especificamente, do ensino. Assim, o enfoque da Didática, de acordo com os pressupostos de uma Pedagogia

Crítica, é o de trabalhar no sentido de ir além dos métodos e técnicas, procurando associar escola-sociedade, teoria-prática, conteúdo-forma, técnico-político, ensino-pesquisa, professor-aluno. Ela deve contribuir para ampliar a visão do professor quanto às perspectivas didático-pedagógicas mais coerentes, com nossa realidade educacional, ao analisar as contradições

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entre o que é realmente o cotidiano da sala de aula e o ideário pedagógico calcado nos princípios da teoria liberal, arraigado na prática dos professores.

Na década de 80, esboçam-se os primeiros estudos em busca de alternativas para a

Didática, a partir dos pressupostos da Pedagogia Crítica. A Didática no âmbito desta pedagogia auxilia no processo de politização do futuro

professor, de modo que ele possa perceber a ideologia que inspirou a natureza do conhecimento usado e a prática desenvolvida na escola. Neste sentido, a Didática crítica busca superar o intelectualismo formal do enfoque tradicional, evitar os efeitos do espontaneismo escolanovista, combater a orientação desmobilizadora do tecnicismo e recuperar as tarefas especificamente pedagógicas, desprestigiadas a partir do discurso reprodutivista. Procura, ainda, compreender e analisar a realidade social onde está inserida a escola.

E preciso uma Didática que proponha mudanças no modo de pensar e agir do professor

e que este tenha presente a necessidade de democratizar o ensino. Este é concebido como um processo sistemático e intencional de transmissão e elaboração de conteúdos culturais e científicos. i~ evidente que a Didática, por si, não é condição suficiente para a formação do professor crítico. Não resta dúvida de que a tomada de consciência e o desvelamento das contradições que permeiam a dinâmica da sala de aula são pontos de partida para a construção de uma Didática crítica, contextualizada e socialmente comprometida com a formação do professor.

BIBLIOGRAFIA CANDAU, Vera M. A. Didática e a formação de educadores - da exaltação à negação a busca da relevância. ln: Anais do Seminário: A Didática em Questão. PUC- RJ, dez. 1982. p.p. 15-20. (mimeo) FALCÃO, Rui. A república que fez plástica. lo: KOUTZII, Flávio. (Org.). Nova Republica: um balanço. São Paulo, LPM Editores. 1986, p.p. 26-44. FREITAG, Bárbara. Escola. Estado e Sociedade. 3ª ed. São Paulo, Cortez e Moraes, 1974, p.p. 52-69. (,ADOTTI, M. Concepção dialética da Educação. São Paulo, Cortez Editoral Autores Associados, 1983.

PAIVA, José M. de O método pedagógico jesuítico: uma análise do "Ratio Studiorum".

Minas Gerais: Imprensa Universitária da UFV, 1981. (mimeo) SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. São Paulo, Cortez Editora/Autores Associados, 1983. ______

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DIDÁTICA E SOCIEDADE: O CONTEÚDO IMPLÍCITO DO ATO DE ENSINAR

Olga Teixeira Damis

Embora, na área pedagógica, a tendência predominante para a abordagem de questões relativas à "didática", na maioria das vezes, tenha ficado restrita ao aspecto técnico e instrumental do como o professor deve organizar e desenvolver o ensino de um conteúdo específico, pretendo, aqui, tratar o "como ensinar" do ponto de vista da relação sociedade-edu-cação.

Segundo esta abordagem, a prática pedagógica que ocorre no interior da sala de aula, entre o professor e o aluno, para a transmissão-assimilação de um saber científico, através de determinados meios e procedimentos, não é neutra. Isto porque, uma forma de ensinar, além da atividade planejada de um professor para transmitir direta ou indiretamente um saber, utilizando-se de procedimentos e recursos específicos, e além da atividade de um aluno para assimilar, memorizar, descobrir e produzir um novo saber, expressa uma forma de educação específica do homem, seu desenvolvimento e sua adaptação para a vida em sociedade. Não possuindo um fim em si mesma, a forma de ensinar possui determinada formação social como seu ponto de partida e de chegada.

Esta análise que leva em conta a "não-neutralidade" da prática pedagógica evidencia a relação entre o caráter social-individual da educação escolar. Segundo essa relação, a função da escola, justificada pela integração e adaptação do homem ao progresso e ao desenvolvimento da sociedade, destaca somente o seu caráter individual-social, estando a prática escolar voltada, apenas, para o desenvolvimento e a preparação do aluno segundo as exigências colocadas pelas condições e necessidades predominantes na realidade.

Neste sentido, as diferentes teorias e práticas do ato de ensinar, ao enfatizarem em cada momento ora o professor e a transmissão do saber, ora o aluno e o processo da aprendizagem, ora a organização racional dos meios e procedimentos, ora a qualidade total, evidenciam a preparação individual do homem no que se refere aos conhecimentos e aos hábitos, e às habilidades e aos valores necessários à sua sobrevivência.

Em outras palavras, não sendo neutras, a teoria e a prática de uma forma de ensino articulam as finalidades individuais de educação do homem a um modelo de sociedade, por meio da atividade de quem ensina, de quem aprende, do como se ensina e dos meios utilizados, e contribuem para a manutenção-superação da prática social mais ampla. Sociedade e teorias de ensino

Para análise das articulações entre "o como ensinar" e a sociedade mais ampla será

utilizado, aqui, o pensamento pedagógico de Comênio como expressão das transformações econômicas, políticas e ideológicas ocorridas no interior da sociedade feudal.

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Partindo das condições e necessidades predominantes no momento em que a relação capitalista de produção emergiu no interior da sociedade feudal, e situando Comênio como síntese dessa nova realidade, deparamos com uma nova proposta de "didática". Esta, ao questionar os conhecimentos, os valores e as habilidades necessários à vida humana, questionou também a sociedade, em fase de superação, e propôs a transformação da escola e do ensino.

O pensamento pedagógico de Comênio será analisado e compreendido como expressão da transição entre a realidade pedagógica do mundo antigo e feudal e a sociedade capitalista posterior. Este pensamento, ao mesmo tempo em que questiona a sociedade e a educação em vias de superação, expressa a "nova" realidade emergente e coloca uma "nova" proposta para o ensino.

Assim, quando Comênio (1592-1670) propôs a sua Didáctica Magna - Tratado da arte

universal de ensinar tudo a todos 1(1651), ficou evidenciado no título, e confirmado no conteúdo da mesma, que seu propósito era o de definir um método para ensinar todas as ciências, todos os costumes bons e a piedade, segundo o grau de inteligência e de aptidão de cada um. Com esse propósito foi introduzida a ênfase no processo de ensino através da "arte de ensinar", que, buscando a ordem perfeita da natureza, conseguisse "ensinar e aprender para que seja impossível não obter bons resultados" (Comênio 1976, p. 186).

Como uma reação à tendência que voltava a finalidade do ensino para o seu produto,

Comênio, ao enfatizar o processo do ato de ensinar, expressou as novas condições e necessidades de educação resultantes das transformações que estavam atingindo o mundo naquele momento.

Essas transformações da sociedade foram assim descritas por Huberman (1984, pp. 36-37):

Ora, se recapitularmos o estabelecimento da sociedade feudal, veremos que

a expansão do comércio, trazendo em conseqüência o crescimento das cidades,

habitadas sobretudo por uma classe de mercadores que surgia, logicamente

conduziria a um conflito. Toda a atmosfera do feudalismo era a de prisão, ao

passo que a atmosfera total da atividade comercial na cidade era a da liberdade.

As terras da cidade pertenciam aos senhores feudais, bispos, nobres, reis. Esses

senhores feudais, a princípio não viam diferença entre suas terras na cidade e as

outras terras que possuíam. Esperavam arrecadar impostos, desfrutar os

monopólios, criar taxas e serviços, e dirigir os tribunais de justiça, tal como

faziam em suas propriedades feudais. Mas isso não podia acontecer nas cidades.

Todas essas práticas eram feudais, baseadas na propriedade do solo e tinham de

ser modificadas, no que se relacionasse às cidades. As leis e a justiça feudais se

achavam fixadas pelo costume e eram difíceis de alterar. Mas o comércio, por

sua própria natureza, é dinâmico, mutável e resistente às barreiras. Não se podia

ajustar à estrutura feudal. A vida na cidade era diferente da vida no feudo e

novos padrões tinham que ser criados.

Desta maneira, o interior das estruturas agrárias, do poder político dos senhores feudais e da Igreja Católica, foi abalado pelo desenvolvimento de uma nova forma de produção da existência, de uma nova ordem das coisas: o comércio, não só o interno como também o marítimo, já iniciava o delineamento de novas relações entre povos e países; as máquinas, no início movidas a água e a vento, e depois a vapor, facilitavam o processo de moagem e

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tecelagem e substituíam a força física do homem; o crescimento das cidades e de técnicas inovadoras para as operações financeiras, e a divisão entre o trabalho urbano e o rural, dentre outros, contribuíram para redesenhar um novo contorno material, político e ideológico para a sociedade.

Se, no início, a atividade comercial desenvolvida com base no excedente da produção feudal era escassa e descontínua (a relação de produção fundamental era ainda o trabalho servil e visava apenas às necessidades de consumo), aos poucos, à medida que o comércio iniciado através de feiras periódicas se expande, novas condições e aptidões predominam e a troca passa a possuir finalidades comerciais.

Huberman (op. cit., p. 26) assim expressa a realidade do feudo no período que antecede o desenvolvimento comercial:

Mas, não se necessitava diariamente de dinheiro para adquirir coisas? Não,

porque quase nada era comprado. Um pouco de sal, talvez, e algum ferro. Quanto

ao resto, praticamente toda a alimentação e vestuário de que o povo precisava

eram obtidos no feudo. Nos primórdios da sociedade feudal, a vida econômica

decorria sem muita utilização de capital. Era uma economia de consumo, em que a

aldeia feudal era praticamente auto-suficiente. Se alguém perguntar quanto

pagamos por um casado novo, a proporção é de 100 para 1 como você responderá

em termos de dinheiro. Mas se essa mesma pergunta fosse feita no início do

período feudal, a resposta provavelmente seria: "Eu mesmo o fiz". O servo e sua

família cultivava o alimento e com suas próprias mãos fabricavam qualquer

mobiliário de que necessitassem. O senhor do feudo logo atraía à sua casa os

servos que se demonstravam bons artífices, a fim de fazer os objetos de que

precisava. Assim, o estado feudal era praticamente completo em si - fabricava o

que necessitava e consumia seus produtos.

Sendo o crescimento da atividade comercial incompatível com a organização social,

econômica e política predominante no interior do feudo, outra sociedade, outra relação material de produção e outra visão de mundo são desenvolvidas. O poder fragmentado do senhor e do trabalho servil, por exemplo, ao se constituir em condição que impedia a expansão das necessidades comerciais, de consumo, de mão-de-obra etc., foi superado por outra forma de governo, de relações de trabalho e de explicar o mundo.

Da troca de produtos para atender às necessidades de consumo para o desenvolvimento de condições para a venda, são produzidas transformações fundamentais na realidade material predominante.

Os direitos que mercadores e cidades conquistaram refletem a importância

crescente do comércio como fonte de riqueza. E a posição dos mercadores na

cidade reflete a importância crescente da riqueza em capital em contraste com a

riqueza em terras. Nos primórdios do feudalismo, a terra, sozinha, constituía a

medida da riqueza do homem. Com a expansão do comércio, surgiu um novo tipo

de riqueza - a riqueza em dinheiro. No início da era feudal, o dinheiro era

inativo, fixo, móvel; agora tornara-se ativo, vivo, fluido. No início da era feudal,

os sacerdotes e guerreiros, proprietários de terras, se achavam num dos extremos

da escala social, vivendo do trabalho dos servos, que se encontravam no Outro

extremo. Agora, uni novo grupo surgia - a classe média, vivendo de uma forma

nova, da compra e da venda. No período feudal, a posse da terra, a única fonte

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de riqueza, implicava o poder de governar para o clero e a nobreza. Agora, a

posse do dinheiro, uma nova fonte de riqueza, trouxera consigo a partilha no

governo para a nascente classe média. (Huberman 1984, p. 44)

A sociedade feudal, estruturada inicialmente por meio de um processo de produção

bastante artesanal, doméstico, descentralizado, expandiu-se para o comércio e a produção de mercadorias. Nesta nova relação social novas instituições foram estruturadas e as antigas foram reorganizadas para se adaptar aos interesses, às necessidades e às funções exigidas pela nova realidade comercial emergente. O mercador, como intermediário entre a produção e a destinação do produto do trabalho, foi aos poucos ocupando um espaço fundamental na relação social nascente, e o comércio ultrapassou os limites locais para o regional e até mesmo para o internacional, através de feiras e mercados. Assim, por volta do século XV, já mais organizada e ampliada, a relação comercial de produção transformou significativamente a vida do homem.

Essas transformações, ao mesmo tempo como processo e produto da atividade histórica do homem ao produzir sua existência, estão articuladas a um processo social mais amplo que se constitui em uma nova realidade histórica, social, política e econômica.

Aquela sociedade, na qual predominavam o poder da Igreja Católica e do senhor feudal, a vida na zona rural etc., foi, aos poucos, cedendo espaço para outra forma de viver e de pensar. O crescimento e o desenvolvimento de uma classe média e da vida urbana, o questionamento dos dogmas impostos pela Igreja, a liberdade de expressão do pensamento e, até mesmo, a defesa de ampliação do atendimento escolar (Lutero, por exemplo) são algumas alterações ocorridas. Era necessário instituir uma sociedade em que predominasse o "clima" de liberdade de maneira a garantir as condições necessárias para a "nova" sociedade comercial emergente.

Neste sentido, entre os séculos XVI e XVIII, conforme a força do capital comercial vai solapando as instituições feudais, é instituído o Estado Nacional e, aos poucos, o poder é centralizado no rei. Esta forma de Estado chega a extremos na forma de governos absolutistas, despóticos e tiranos. Fortalecido com o desenvolvimento do comércio e da burguesia, o absolutismo cresce por toda a Europa. E o caso, por exemplo, de países como Inglaterra, França, Rússia, onde ocorreu a centralização do poder usufruído dos benefícios e das vantagens da acumulação comercial. Existe um movimento nacional de reforço e valorização da monarquia: "unidade de decisão no topo, unidade nas diversas partes do corpo político. Ligam muita importância aos laços que unem o súdito ao monarca: sem súdito não há poder; o príncipe deve ser amado e ao mesmo tempo temido" (Touchard, III, 1970, p. 97).

Mas, diante das contradições colocadas pela oposição entre o clima de "liberdade" e "igualdade" necessário ao desenvolvimento comercial e o poder cada vez mais despótico dos governantes absolutistas, que lutavam por manter a forma de exploração feudal, foram desenvolvi dos valores, idéias e concepções que questionavam o mundo econômico, político e ideológico dominado pelo poder da nobreza e da Igreja Católica. Passa a predominar na sociedade um movimento renovador que se inicia com o desenvolvimento e a expansão da relação comercial no mundo e culmina com a revolução industrial, no final do século XVIII, por meio da qual o capitalismo vai se tornar dominante.

O período de efervescência intelectual iniciado no século XVI atinge a arte, a literatura, a filosofia, a ciência etc., e culmina nos séculos XVII e XVIII com o desenvolvimento das

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idéias iluministas.

Diante da superação das relações de produção que mantinham a sociedade feudal, a visão de mundo elaborada segundo a concepção cristã (a realidade é obediente a uma ordem divina, eterna e perfeita) é questionada pela possibilidade de o homem agir sobre a natureza, compreendê-la e transformá-la, de acordo com seus interesses e necessidades e segundo um método científico e racional de investigação. Nesse momento são produzidas teorias como as de Bacon, Kepler, Galileu, Descartes, Newton, dentre outros.

Descartes (1596-1650), por exemplo, revolucionou a visão religiosa do mundo feudal colocando no seu "penso, logo existo", a razão humana como ponto de partida para a elaboração do conhecimento. Seu método, fundamentado na dedução, procurou investigar as causas e os princípios do que é possível conhecer e instituiu a dúvida metódica como base da investigação da verdade.

Neste momento, o modelo ideal de mundo, de homem, de sociedade, elaborado desde os antigos gregos e conservado pelo ideal cristão através da relação Deus-homem, é questionado pela razão e é estabelecido um novo caminho para a elaboração do conhecimento. Superando a explicação de mundo fundamentada, predominantemente, na visão cristã, os pensadores do século XVII, mesmo quando levaram em conta a existência de Deus e a vida sobrenatural, não deixaram de considerar a realidade empírica, natural e humana, como ponto de partida de suas investigações.

Enquanto Descartes questionou o pensamento religioso predominante propondo um método de conhecimento para conhecer evidentemente (clara e distintamente), Bacon (1561-

1626) também procurou um novo caminho para o conhecimento científico: a experiência. A partir dela, a sistematização científica, até então concebida como contemplação de uma. ordem eterna e perfeita, tornou-se ativa, devendo fornecer resultados práticos para a vida do homem, ajudando-o a dominar a natureza.

Nesse mesmo século de valorização da razão e do empírico, também Galileu (1564-

1642) e Kepler (1571-1630), completando a teoria heliocêntrica de Copêrnico, deduziram os movimentos da Terra e comprovaram que os planetas descrevem órbitas elípticas em torno do Sol, centro de todo o sistema.

Comênio, como pastor e bispo protestante (Irmão Moránio), professor e reitor de universidade, pertencente a um grupo religioso que possuía as Sagradas Escrituras como única autoridade da fé, dedicou grande parte de sua vida a ensinar. Denominado por alguns de "Bacon da Pedagogia" e "Galileu da Educação", ele criticou a sociedade que perseguiu o protestantismo, tendo convivido com as causas e as conseqüências da guerra dos 30 anos entre católicos e protestantes.

Foi com base nessas experiências e nesse clima de transformações materiais, políticas e ideológicas que atingiu a sociedade desde o século XV que ele questionou a forma de ensinar predominante nas escolas dominadas pelo dogmatismo da Igreja Católica e revolucionou o "como ensinar ".

Segundo Comênio, a escola deve desenvolver as potencialidades do aluno, ligando-o ao mundo sobrenatural (mundo perfeito) na medida em que destrói tudo o que o prende à existência material. Na "Didáctica Magna" ele critica o método de ensino utilizado pelas

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escolas da Igreja. Fundamentado na escolástica, este ensino priorizava a forma lógica de organização do pensamento do professor para a exposição de argumentos "pró" e "contra" uma questão colocada por ele. A esta, o aluno devia apresentar argumentos e objeções, até chegar a um argumento único que geralmente revelava a posição do mestre. Tal ensino utilizava "lições" (explicação de um manual) e "questões" (exercícios de discussão organizada pelo professor com seus discípulos), através das quais o pensamento lógico do aluno era conduzido pelo professor do confuso para o distinto, de princípios gerais evidentes para aplicações e conclusões particulares.

Possuidor de uma visão crítica a respeito da teoria e da prática religiosas dominantes no mundo feudal, Comênio leu João Luiz Vives, Campancila, Bacon e Descartes e produziu um grande número de obras dedicadas à religião e ao ensino. E será numa posição oposta à ênfase colocada no modelo ideal de homem, utilizada pela Igreja Católica, que Comênio, no século XVII, propõe sua" Didáctica Magna".

Ao destacar nove requisitos necessários para ensinar e aprender, seguindo o caminho da natureza, ele inverte a ênfase do produto para a ênfase no processo de ensino:

Fundamento 1: A natureza espera o momento favorivel. Fundamento II: A natureza prepara a matéria, antes de começar a introduzir-lhe uma forma. Fundamento III: A natureza toma um sujeito apto para Se as operaçóes que ela quer realizar ou, ao menos, prepara<) para se tomar apto para isso~ Fundamento IV: A natureza não realiza suas obras na confusão, mas procede distintamente. Fundamento V: A natureza começa cada uma de suas operações pelas partes mais internas. Fundamento VI: A natureza começa todas as suas obras pelas coisas mais gerais e acaba pelas mais particulares. Fundamento VII: A natureza não da saltos, mas procede gradualmente. Fundamento VIII: A natureza, quando empreende um trabalho, não o abandona senão depois de o haver terminado. Fundamento IX: A natureza evita diligentemente as coisas, contrárias e prejudiciais. (Comênio 1976, pp. 206-226)

Comênio está, assim, preocupado em encontrar um método capaz de fazer "germinar e desenvolver as coisas das quais ele (o homem) contém o gérmen em si mesmo e fazer-lhe ver a sua natureza" (idem, p. 104).

Fundamentado nesta concepção de natureza que dá as sementes do saber, da honestidade e da religião, mas não dá propriamente o saber, a virtude e a religião - "estas adquire-se orando, aprendendo, agindo"

Comênio justifica a educação humana: "Por isso, e não sem razão, alguém definiu o homem como um 'animal educável , pois não pode tornar-se homem a não ser que se eduque" (idem, p. 119).

Segundo ele, a educação do homem deverá ser realizada através de uma "Didáctica

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Magna" que, buscando a ordem perfeita da natureza, visa ensinar e aprender para que seja impossível não obter bons resultados" (idem, p. 186). Significando a "arte de ensinar", a didática passa à história possuindo como seu objeto o "como ensinar".

Os fundamentos de seu método de ensinar e de aprender foram edificados na natureza e comparados à arte do jardineiro:

...Por isso, aqueles que instruem e educam a juventude não têm outra

obrigação além de semear habilmente na alma dos jovens as sementes daquilo

que tem de ensinar, e de regar cuidadosamente as plantazinhas de Deus; o

crescimento e o incremento viria por acréscimo. (Comênio, 1976, p. 206)

Sua "didática será, então, um método...

Nós ousamos prometer uma "Didactica Magna", isto é, um método universal de ensinar tudo a todos... Que devera auxiliar o professor a ensinar com prazer e solidamente para obter bons resultados... E de ensinar com tal certeza, que será impossível não conseguir bons resultados. E de ensinar rapidamente, ou seja, sem nenhum aborrecimento para os alunos e professores, mas antes como sumo prazer para uns e para outros. E de ensinar solidamente, não superficialmente e apenas com palavras, mas encaminhando os alunos para uma verdadeira instrução, para os bons costumes e para a piedade sincera... (idem 1976, pp. 45-46, grifos do autor)

Que prevê um "novo" professor, um "novo" aluno, uma "nova escola", um "novo"

homem... A proa e a popa da nossa "Didáctica" seni investigar e descobrir o método segundo o

qual os professores ensinem menos e os estudantes aprendam mais; nas escolas, haja menos barulho, menos enfado, menos trabalho inútil, e, ao contrário, haja mais recolhimento, mais atrativo e mais sólido progresso; na Cristandade, haja menos trevas, menos confusão, menos dissídios e mais luz, mais ordem, mais paz e mais tranqüilidade... (idem, pp. 43-44).

Adequada a este enfoque de Comênio, ainda existe hoje no interior do conhecimento

produzido sobre didática, uma tendência em compreendê-la como "arte, técnica, ciência, disciplina ou ainda metodologia" (Alvite 1981, p. 21). Considera-se, ainda, que sua temática central é"guiar, dirigir ou instrumentalizar o processo ensino-aprendizagem em que estão envolvidos alunos e professor" (idem, ibidem). A partir deste enfoque a didática (e o seu ensino nos cursos que habilitam o profissional da educação) tem, predominantemente, ficado restrita ao aspecto técnico e instrumental do como organizar, desenvolver e avaliar o ensino.

Possuindo como objeto de estudo o "como ensinar", o conteúdo da "didática", desde Comênio, em nível tanto de pesquisa como de ensino, foi historicamente direcionado para as formas de organizar, desenvolver e avaliar a relação pedagógica. Na prática, tais formas significaram a ênfase ora na transmissão do saber, ora na atividade do aluno, ora na inovação do recurso técnico, ora no planejamento etc.

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Mas para a análise aqui pretendida não será levada em conta apenas esta concepção de "didática" que destaca o aspecto operacional do processo educativo. Tal concepção somente considera o ensinar do ponto de vista da função da escola de transformar a realidade (a socie-dade, o homem, a ciência etc.) por meio dos conhecimentos, dos hábitos, das habilidades e dos valores que são colocados para o aluno aprender.

Pretende-se, aqui, considerar também que a sociedade, como finalidade para a qual se destina a educação escolar, é condição determinante para a objetivação do ensino. Neste caso, a "didática" será analisada e compreendida como forma teórico-prática de ensino e, como tal, expressa determinada educação do homem para a vida em sociedade. A relação conteúdo-forma do ato de ensinar

Marx (1818-1883), ao utilizar o método dialético para a análise e a interpretação da realidade, compreende o mundo material em que vivemos como fenômeno social, totalidade contraditória, econômica, política e ideológica, resultante das relações de trabalho que os homens e as classes sociais estabelecem entre si para produzir a existência humana.

Para ele, existe uma relação dinâmica entre determinada fase de desenvolvimento das forças produtivas e determinada organização 50cial, material, política e ideológica.

Que é a sociedade, qualquer que seja a sua forma? O produto da ação

recíproca dos homens. Podem os homens eleger livremente esta ou aquela forma

social? Nada disso. A um determinado nível do desenvolvimento das forças

produtivas dos homens corresponde uma determinada forma de comércio e de

consumo. A determinadas fases de desenvolvimento da produção, do comércio, do

consumo correspondem determinadas formas de organização social, uma

determinada organização da família, das camadas sociais ou das classes; ...

(Marx, 1982, p. 85)

Em sua análise da sociedade capitalista, Marx leva em conta as relações existentes entre o estágio de desenvolvimento das forças produtivas e as formas de organização da sociedade, entre o desenvolvimento dos meios materiais de produção e o desenvolvimento histórico da sociedade. Nessa mesma análise, Marx destaca as relações entre cada estágio particular de desenvolvimento das forças de produção e as respectivas transformações produzidas na sociedade.

Do mesmo modo, as relações sociais de acordo com as quais os indivíduos

produzem, as relações sociais de produção, alteram-se, transformam-se com a

modificação e o desenvolvimento dos meios materiais de produção, das forças

produtivas. Em sua totalidade, as relações de produção formam o que se chama de

relações sociais, a sociedade, e, particularmente, uma sociedade num estágio

determinado de desenvolvimento histórico, uma sociedade com um caráter

distintivo, peculiar. A sociedade antiga, a sociedade feudal, a sociedade burguesa

são conjuntos de relações de produção desse gênero, e, ao mesmo tempo, cada

uma delas caracteriza um estágio particular de desenvolvimento na história da

humanidade. (idem, ibidem, p. 96)

Na rei ação dinâmica entre a estrutura econômica e a superestrutura jurídica, política e

ideológica da sociedade, Marx explica sua visão de mundo para a análise crítica do modo de

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produção capitalista.

O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu de guia para

meus estudos, pode formular-se, resumidamente, assim: na produção social da

própria existência, os homens entram em relações de produção correspondente a

um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O

conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da

sociedade, a base reaJ sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política

e à qual coreespondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de

produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e

intelectual. Não é a consciência dos homens que determina a realidade; ao

contrário, é a realidade social que determina sua consciência. (idem, ibidem, pp.

82-83)

Partindo desta visão que compreende a história e o mundo humano como resultado de relações dinâmicas entre a produção material e a produção espiritual (intelectual) da existência, entre o econômico e o político, é que se pretende aqui compreender o significado teórico e prático do pensamento de Comênio, em seu propósito de definir um Método universal de ensinar tudo a todos".

Deste ponto de vista, a didática, ao significar uma forma de vivenciar a ação da escola

para a formação do aluno, segundo uma finalidade social determinada, possui um sentido e um significado que vão além da específica operacionalização do ensino. Pois, na medida em que seu objeto de estudo é uma forma de ensino que busca adequar e preparar o aluno para a vida social, essa forma, além do aspecto técnico operacional, possui um conteúdo que é determinado pelas condições e necessidades predominantes na prática social mais ampla.

Em outras palavras, o objeto da "didática" (o "como ensinar") será aqui analisado e compreendido não apenas do ponto de vista técnico e operacional de um movimento que organiza o ensino para educar e adaptar o homem a uma sociedade. Mas, como forma de organizar, desenvolver e avaliar uma prática social específica, a escola é determinada por condições, necessidades e interesses predominantes na prática social mais ampla que a instituiu. Neste sentido, a forma de ensinar está articulada a uma prática social, seu pressuposto e sua finalidade.

Assim compreendido, o conteúdo da didática, em vez de tratar o "como ensinar apenas como técnica, deve constituir-se, também, em meio que contribui para a compreensão crítica da educação e do ensino. Como área de conhecimento que possui o ensinar como seu objeto, a didática será aqui compreendida como a operacionalização de uma forma que expressa um conteúdo, vinculado a um modelo de sociedade.

Cheptulin, em A dialética materialista, oferece uma importante contribuição para a compreensão da relação entre a forma de uma prática e o mundo exterior:

...não há nenhuma forma não material da realidade objetiva nem pode

haver. Toda forma existente no mundo é a estrutura dessa ou daquela formação

material... (as estruturas) encerram um conteúdo determinado que reflete direta ou

indiretamente a correlação entre os elementos correspondentes do mundo

exterior... (1982, p. 267)

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Longe de ser autônoma e independente, isto é, longe de existir primeira e

independentemente do mundo exterior, como propôs Aristóteles, toda forma é a estrutura de determinada formação material. Neste sentido, a área de conhecimento que possui a teoria e a prática da forma de ensino como seu objeto não pode ficar restrita, apenas, às relações que priorizam ora um, ora outro elemento dos que compõem a relação pedagógica: o professor, o aluno, o conteúdo e os recursos de ensino. Como estrutura articulada a uma formação material e política mais ampla, as formas de ensinar utilizadas historicamente pela escola expressam, também, finalidades relacionadas e ligadas aos diferentes momentos de desenvolvimento do processo histórico de produção da sociedade humana. Estas, ao serem analisadas, compreendidas e vivenciadas apenas do ponto de vista ou do professor que ensina (pedagogia tradicional), ou do aluno que aprende (pedagogia nova), ou do planejamento da ação que garante a produtividade do ensino (pedagogia tecnicista), enfatizando-se ora o saber, ora o aluno, ora as técnicas que orientam o processo ensino-aprendizagem, levam a uma compreensão neutra e fragmentada do "como ensinar

Isto porque, dadas as condições e necessidades predominantes na formação social mais ampla, a finalidade da escola será vivenciada na forma de ensinar e de transmitir ao aluno uma visão teórico-prática de mundo, isto é, uma determinada forma de pensar e agir. Assim concebida, essa forma de ensinar, além dos conhecimentos, dos hábitos, das habilidades e dos valores transmitidos, possuem um conteúdo implícito, uma concepção de sociedade, de homem, de educação. Este conteúdo é vivenciado por meio das relações e ligações que o aluno é levado a estabelecer entre um objeto de conhecimento e o mundo, a sociedade, o homem, a ciência, a tecnologia etc.

Assim compreendida, a forma de ensinar deixa de desempenhar apenas a função de organizar os elementos que estão envolvidos na relação pedagógica. Pois, se analisada também do ponto de vista de seu conteúdo implícito, ela expressa as condições e as necessidades predominantes na sociedade e pode contribuir para desenvolver no aluno uma visão crítica de mundo.

E Cheptulin (1982, p. 267) esclarece esta relação entre uma forma e um conteúdo:

..Estando, de uma maneira ou de outra, ligadas às formações materiais,

essas estruturas (essas formas) não somente não podem ser introduzidas no mundo

dos fenômenos, determina-los e ordena-los, mais ainda, elas próprias não são

deduzidas do mundo exterior e são determinadas por ligações e relações das

formações materiais pelas estruturas que lhe são próprias.

Como estrutura que reflete uma relação entre a educação e a sociedade, a forma de ensinar não é, simplesmente, introduzida no interior da prática escolar como resultado de uma opção individual que o professor organiza e desenvolve. Ela, também, não é mecânica e simplesmente deduzida das condições e necessidades predominantes na sociedade. Mas, ao mesmo tempo em que é determinada pela prática social mais ampla, uma forma específica de ensino, também determina a visão de mundo transmitida pelo conteúdo escolar (saber científico), por meio das ligações e articulações que são estabelecidas entre os elementos que a compõem (o professor, o aluno, os recursos e o saber) e a sociedade. Neste sentido, não sendo absoluta a autonomia de uma forma de ensinar, ela é relativa às relações e ligações que

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são estabelecidas entre o conhecimento transmitido e a sociedade.

Em outras palavras, embora o professor possua autonomia para organizar, desenvolver e avaliar o ensino e concretizar a formação do aluno, esta autonomia é relativa aos conhecimentos, aos hábitos, às habilidades e aos valores vivenciados pela prática pedagógica.

Do ponto de vista da relação educação-sociedade, a área de conhecimento que possui a forma de ensinar como seu objeto de estudo (didática) não pode possuir como conteúdo apenas o planejamento, o desenvolvimento e a avaliação do "como ensinar". Pois, uma forma de ensino, além da atividade planejada de um professor para transmitir, direta ou indiretamente, um conhecimento científico; além da atividade de um aluno para assimilar, memorizar, descobrir ou produzir um novo saber; além dos recursos e dos procedimentos específicos utilizados; expressa a educação do homem, seu desenvolvimento e sua adaptação a uma sociedade. Não possuindo um fim em si mesma, determinada forma de ensinar possui a formação social como seu ponto de partida (condições e necessidades existentes) e de chegada (finalidades a serem alcançadas) e, como tal, expressa um conteúdo pedagógico, implícito nas relações estabelecidas no interior da sala de aula.

A partir da compreensão destas relações, a forma de ensinar será, aqui, fundamentada nos seguintes pressupostos:

O primeiro deles considera que, o mundo humano, como transformação da natureza

para produzir a sobrevivência material da humanidade, é produto de um processo social de

trabalho no qual o homem é o agente, processo-produto.

No mundo, o que é resultado de transformação da natureza, através do trabalho do homem, é produto social, seja ele material, intelectual e até mesmo o próprio homem. À medida que as relações sociais de trabalho que os homens estabelecem entre si transformam a realidade objetiva e produzem a existência humana, estas relações modificam as condições e necessidades predominantes às quais o homem precisa se adaptar e se ajustar. Neste caso, a sociedade, como resultado, produto de determinado modo de produção da existência, possui o homem como seu agente, processo e produto do trabalho.

Existe, pois, uma relação determinante, mas dinâmica, entre o processo social de produção da existência e o produto obtido, seja ele material, intelectual e o próprio homem; entre determinada estrutura econômica (material) e a superestrutura jurídica, política e ideológica produzida, na medida em que o homem é simultaneamente, como agente, processo e produto, o elemento articulador mediador-mediado da prática social de produção da existência.

Mas, na medida em que, historicamente, neste processo de produção uns foram escravos, outros homens livres, uns servos, outros senhores, uns capitalistas, outros operários, predominou, na sociedade escravagista, feudal e capitalista correspondente, uma classe social livre que explorou e apropriou-se do produto material e intelectual do trabalho de outra classe utilizada, apenas, como instrumento, mão-de-obra de produção.

Essas funções sociais específicas de direção e controle ou de mão-de-obra, desempenhadas por classes sociais distintas, determinaram as formas de participação do processo de produção, e de apropriação-expropriação do produto do trabalho. Na prática, no momento em que uma classe ficou sendo responsável, predominantemente, pela mão-de-obra

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e a outra apropriou-se do produto do trabalho e, consequentemente, dos meios de produção, esta segunda classe possuiu as condições objetivas-subjetivas para controlar e dirigir a relação social como um todo, para direcionar jurídica, política e ideologicamente o produto material e intelectual obtido. A produção e apropriação do produto do trabalho são, neste caso, determinadas pela forma social segundo a qual se organiza o processo material de produção da existência.

Aqui, fica colocado um segundo pressuposto: A estrutura da sociedade está

fundamentada historicamente em relações sociais de trabalho que dividem os homens em

classes sociais opostas conforme a participação de cada grupo ou classe como proprietário

ou mão-de-obra da produção.

Interferindo na vida humana do ponto de vista da produção, da, apropriação ou da expropriação do produto material e intelectual, econômico, político e ideológico, a divisão dos homens em classes sociais opostas recorre da organização de um Estado, para manter as condições, as necessidades e interesses predominantes na relação social de trabalho que o fundamenta.

Sweezy (1986, p. 189) assim expressa a relação entre classe social e Estado:

Um determinado conjunto de relações de propriedade serve para definir e

demarcar a estrutura de classes da sociedade. Qualquer que seja o conjunto de

relações de propriedade, uma classe ou classes (os proprietários) desfrutam

vantagens materiais; outras classes (os que são possuídos e os não possuidores)

sofrem desvantagens materiais. Uma instituição especial capaz e disposta a usar a

força necessária é essencial à manutenção desse conjunto de relações de

propriedade. A pesquisa mostra que o Estado possui esta característica no mais

alto grau, e que nenhuma outra instituição pode competir com ele sob tal aspecto.

Isso habitualmente se expressa dizendo-se que o Estado, e apenas ele, exerce a

soberania sobre todos os que estão sob sua jurisdição. Não é difícil, portanto,

identificar o Estado como o analista de um determinado conjunto de relações de

propriedade.

Esta compreensão do Estado como superestrutura, produto Jurídico, político e

ideológico) de relações materiais de trabalho que os homens estabelecem entre si, constitui o terceiro pressuposto da análise.

Gramsci distingue, no interior do Estado, duas esferas essenciais:

...a "sociedade política" (Estado-coerção) que é formada pelo conjunto de

mecanismos, através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal da

repressão e da violência, e que se identifica com o aparelho de coerção sob

controle das burocracias executivas e policial militar; a "sociedade civil", formada

precisamente pelo conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e ou

difusão das ideologias, compreendendo o sistema escolar, as igrejas, os partidos

políticos, os sindicatos, as organizações profissionais, a organização material da

cultura (revistas,jomais, editoras, meios de comunicação de massa) etc. (Coutinho

1981, pp. 91-92)

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Ao distinguir estas duas funções no interior do Estado, Gramsci diferencia e destaca a

contribuição específica de meios instituidos que, não realizando uma função explícita de "coerção e dominação", contribuem para manter os interesses dominantes, através da "direção política" e do "consenso", Trabalhando específica e adequadamente com as condições, os interesses e as necessidades predominantes na realidade social, a "sociedade civil", na análise de Gramsci, realiza uma função política implícita no contexto da realidade social, através de sua forma de organização. Assim, os meios de comunicação, a Igreja, os sindicatos, as escolas etc., como instituições aparentemente neutras, por meio de uma prática social específica, além de desenvolverem uma compreensão-explicação de mundo, do ponto de vista de suas práticas, desenvolvem, também, uma concepção implícita de mundo que contribui para "conservar a unidade ideológica de todo o bloco social" (Grasmsci 1981, p. 16). É, portanto, no nível das práticas específicas das instituições da "sociedade civil" que são sistematizados e veiculados, explícita e impli citamente, as concepções, as teorias e os valores adequados à produção reprodução das relações econômicas que mantêm o capital.

Neste sentido, a escola, como instituição da "sociedade civil' desempenha sua finalidade específica de difusão de determinada com preensão-explicação científica, metódica e sistematizada de mundo através de uma forma de organização, desenvolvimento e avaliação de trabalho pedagógico. Como forma de expressão teórico-prática de deter minada compreensão de mundo, a escola desenvolve a formação de un homem segundo a visão histórica, geográfica, lingüística, matemática etc. que transmite.

Fica evidenciado, desta maneira, que a produção e a veiculação de determinada concepção científica sobre o mundo contribuem para garantir o consenso necessário à sobrevivência de um modelo de sociedade através do como ensinar. Ou seja, o trabalho do professor (na acepção de Gramsci, o trabalho dos funcionários da hegemonia da classe domi-nante), utilizando-se de uma forma específica de organização, execução e avaliação da prática pedagógica, con4ribui para transmitir concepções, teorias e valores adequados a uma realidade social. Chega-se, assim, a um quarto pressuposto: As instituições da "sociedade

civil", estando adequadas a uma base econômica, produzem uma forma de estabelecer

relações Teórico-práticas com esta realidade, isto é, uma forma específica de compreender e

desenvolver sua prática, a partir das condições e necessidades predominantes.

Assim compreendido, o trabalho do intelectual, estando organicamente articulado aos interesses e às necessidades de determinado grupo ou classe social, organiza uma forma específica de desenvolver e avaliar sua prática, também específica e adequada à base material da sociedade que o fundamenta.

Levando em conta esta relação entre um modo de produção material e o Estado, como "sociedade política e sociedade civil", a contribuição da escola para a manutenção- superação da realidade adquire uma dimensão mais ampla. Esta instituição, ao possuir como finalidade específica o desenvolvimento de uma compreensão sistemática de mundo, do ponto de vista das diferentes áreas do saber que constituem o currículo escolar, utiliza-se de uma forma de trabalho pedagógico, para organizar a prática de sua função social específica. E é através da forma de o professor desenvolver com o aluno relações e articulações entre o conhecimento transmitido pela escola e a sociedade, como pressuposto e finalidade da educação, que os valores, os hábitos e as habilidades, gerados pelo trabalho social de produção da existência, serão sistematicamente transmitidos, elaborados e reelaborados.

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Pois, conforme já foi colocado, uma forma de ensinar é um sistema de ligações e relações entre todos os processos e elementos que compõem o interior da aula, e os processos materiais, jurídicos, políticos e ideológicos, predominantes na prática social mais ampla.

Na realidade, toda forma esta' organicamente ligada ao conteúdo, é uma

forma de ligação dos processos que o constituem. A forma e o conteúdo estando

em correlação orgânica, dependem um do outro e essa dependência não é

equivalente. O papel determinante nas relações é desempenhado pelo conteúdo.

Ele determina a forma e suas mudanças correspondentes da forma. Por sua vez,

a forma reage sobre o conteúdo, contribui para seu desenvolvimento ou o refreia.

(Cheptulin 1982, p. 268)

Esta compreensão da forma de uma prática, ao expressar as ligações e relações dos processos que ocorrem entre os elementos que a compõem e o mundo exterior, chama a atenção para um aspecto, ainda secundarizado no como ensinar: o conteúdo da forma. Significando determinada compreensão da articulação entre o mundo, a sociedade, o homem (aluno), a educação etc., através do conhecimento transmitido, o Conteúdo implícito na forma de ensinar determina a contribuição da prática pedagógica para a conservação-superação da sociedade mais ampla. Não possuindo uma finalidade em si mesma e estando articulada a determinadas finalidades sociais que extrapolam o interior da escola, uma forma de ensinar, ao contribuir para ajustar e adaptar o aluno a determinada prática social, pode, também, contribuir para desenvolver uma compreensão crítica da mesma.

É necessário ainda destacar, aqui, que esta análise da relação conteúdo-forma de ensinar

que parte de ligações e relações entre a prática social que produz e mantém a existência humana e o interior da escola, segundo estes quatro pressupostos, não é mecânica. Pois estão sendo considerados tanto a correlação e a interdependência (determinação), como o isolamento e a independência (autonomia relativa), entre a estrutura material e a superestrutura política, jurídica e ideológica, entre a escola e a sociedade

Compreender o "como ensinar" com base nessa articulação supõe ampliar seu significado e a extensão de sua organização, de seu desenvolvimento e de sua avaliação. Em outras palavras, supõe compreender que a escola, para cumprir sua função pedagógica explícita de transmitir um saber científico sobre o mundo, organiza, desenvolve e avalia o ensino por meio de relações implícitas que são estabelecidas entre elementos envolvidos. Tais elementos - o professor, o aluno, o saber, os recursos etc. - ao mesmo tempo em que expressam e sintetizam condições e as necessidades predominantes na realidade, direcionam o "como ensinar" para atender a finalidades sociais determinadas. Pois o aluno, ao ser levado a estabelecer relações entre um concebimento específico e a realidade natural e social mais ampla, através do saber científico transmitido, acaba adquirindo determinada compreensão de mundo, determinados hábitos, habilidades e valores, adequados ao modelo de sociedade que fundamenta a prática.

Esta análise da prática pedagógica escolar contribui para destacar a dupla função desempenhada por essa instituição social. De um lado, na medida em que, historicamente, ficou caracterizada como função da escola a transmissão do saber elaborado sobre as diversas áreas do conhecimento, evidenciou-se a transmissão de um conteúdo explícito sobre o mundo, a sociedade, o homem, a natureza etc. Por outro lado, se considera que a transmissão-assimilação dessa visão significa, também, a formação de um homem em termos de

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conhecimentos, de hábitos de habilidades, de valores, implícitos na forma de ensinar, destaca-se outra função desempenhada pela escola no processo de produção-reprodução-transformação do mundo produzido historicamente pelo trabalho do homem. O "como ensinar" assim compreendido transmite explícita implicitamente uma visão de mundo, através do como é organizado desenvolvido e avaliado o ensino do saber escolar. Para a didática, caracterizada agora como conteúdo-forma, passa a ser de fundamental importância compreender e analisar as determinações, as ligações e as relações que ocorrem entre a sociedade e a escola, através do ensino. Neste caso, considerando que o professor, ao definir sua forma de ensinar, define, também, um conteúdo pedagógico implícito, o tratamento que reduz a didática apenas à operacionalização do "como ensinar" é superado pela compreensão do conteúdo implícito na forma de ensino. Neste sentido, a didática pode contribuir para desenvolver uma compreensão crítica da arte

de ensinar na medida e,n que for trabalhada do ponto de vista da relação conteádo forma.

Bibliografia

ALVITE, M.C.C. Didática e psicologia - Crítica ao psicologismo da educação. São Paulo, Loyola, 1981. AQUINO, Santo Tomás de. Suma teológica. Porto Alegre, Grafosul, 1980. CHEPTULIN, A. A dialética 'na teria lista. São Paulo, Alfa-Omega, 1982. COM ÊNIO, J.A. Didáctica Magna. Lisboa, Calouste Gubenkian, 1976. COUTINHO, C.N. Fontes do pensamento político de Grainsci. Porto Me-gre, L.& PM, 1981. DAMIS, O.T. "Didática e sociedade - O conteúdo implícito do ato de ensinar". Càmpinas, Unicamp, 1990 (dissertação de mestrado). GRAMSCI, A.A concepção dialética da história. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1981. IIUBERMAN, L. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro, Zabar, 1984. IANNI, 0. (org.). Marx. São Paulo, Ática, 1982. SWEEZY, P.M. "Teoria do desenvolvimento capitalista". Os economistas. São Paulo, Nova Cultura, 1986. TOUCHARD, J. História das idéias políticas. Lisboa, Europa América, 1970, vol. III.

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CRÍTICA À ORGANIZAÇAO DO PROCESSO DE TRABALHO PEDAGÓGICO NO ENSINO SUPERIOR (1)

CELI NELZA ZULKE TAFFAREL _ Professora Dra. Titular FACED/UFBA GERALDO BARROSO – Professor Dr. Centro Educação UFPE

RESUMO

O estudo aborda o trabalho docente, fazendo-o a partir de experiência sistematizada no Ensino Superior que permitiu apontar elementos para a construção de uma matriz de problemas referentes ao processo de trabalho pedagógico, trato com o conhecimento, objetivos e avaliação no exercício da docência no magistério superior. Discute-se, também, a teoria pedagógica, teoria de conhecimento, projeto de formação humana e projeto histórico como imprescindíveis ao trabalho docente na perspectiva da superação da atual organização do trabalho pedagógico cujos traços essenciais correspondem a base técnica capitalista de organizar o trabalho humano, flexibilizado, fragmentado, precarizado, super-explorado, produtivista e alienador. PALAVRAS CHAVE: trabalho pedagógico; didática; ensino superior

ABSTRAC The study it approaches the teaching work, making it from experience systemize in Superior Ensino that allowed to point elements with respect to the construction of a matrix of referring problems to the process of pedagogical work, treatment with the knowledge, objectives and evaluation in the exercise of the docência in the superior teaching. It is argued, also, the pedagogical theory, theory of knowledge, project of formation human being and historical project as essential to the teaching work in the perspective of the overcoming of the current organization of the pedagogical work whose essential traces correspond the base capitalist technique to organize the human work, flexible, breaking up, precarious , super-explored, productive and alienator. WORDS KEY: pedagogical work; didactics; superior education 1. INTRODUÇÃO AO TEMA - A REALIDADE: TENDÊNCIA A DESTRUIÇÃO DAS FORÇAS PRODUTIVAS E OS DESAFIOS EDUCACIONAIS A sistematização das experiências durante o exercício da docência na Disciplina Didática do Ensino Superior ministrada no período de cinco anos nos Cursos de Mestrado em Educação e Especialização na área da Educação, Saúde e Serviço Social da UFPE (1) permitiu abordar as problemáticas significativas do trabalho docente, fazendo-o a partir das relações trabalho-educação. Esta sistematização implicou em registros e análises das produções na área, presentes em eventos científicos relevantes, em periódicos, teses e dissertações, bem como a análise de proposições pedagógicas (eventos/projetos/disciplinas) em desenvolvimento na IES - objeto empírico do estudo. Como não estamos falando de lugar nenhum, mas guiados pela força da nossa consciência de classe, de nossas responsabilidades sociais, explicitamos, a seguir, as dimensões do conhecimento que privilegiamos no trabalho. Para tratar da questão – o trabalhk docente em IES no seio do modo de produção capitalista (ainda hegemônico, apesar de viver uma fase senil, destruidora e catastrófica para a maioria dos povos) - se faz imprescindível confrontar a base teórica à realidade, reunir fatos da conjuntura que expressam o acirramento dos confrontos de classes e, o processo de destruição sistemática dos povos, atualmente acentuado.

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Não descolamos, portanto, a finalidade do trabalho docente em IES da análise política dos fatos atuais. A ação de ensinar/aprender/apreender, produzir e socializar coletivamente conhecimentos é orientada por esta combinação interferindo assim, na direção que assume a formação humana nesta sociedade. O ponto de partida para a discussão te!F3rica sobre trabalho pedagógico no ensino superior está sendo uma referência básica, um dos desafio da contemporaneidade, colocado a todos os educadores, instituições, movimentos e políticas educacionais, qual seja: "como educar e formar docentes para as IES no interior da crise agudizada, o colapso, a exaustão das possibilidades civilizatórias do capitalismo? Como educar no contexto do capitalismo tardio, monopolista, imperialista senil ?

As evidências da crise do capital podem ser localizadas em cinco âmbitos: I.) no padrão de produção de bens no marco do capitalismo que se caracteriza pela subsunção do trabalho ao capital, a super exploração do trabalho humano, a alienação humana, a produção social dos bens mas apropriação privada, a propriedade privada dos meios de produção, concentração de riquezas e a tendência à destruição das forças produtivas - trabalho, trabalhador e meio ambiente; II.) Nos padrões de dominação, exploração da América Latina que se constroem historicamente pela colonização ocidental, passando pela emergência dos mercados capitalistas e a emancipação de nações, à revolução industrial, até a expansão das grandes empresas corporativas nas esferas do comércio, serviços e financeira caracterizando-se o imperialismo; III.) Na caracterização do imperialismo senil que se assenta em seis eixos: a) pela concentração da produção e do capital que cria monopólios com papeis decisivos na vida econômica; b) fusão de capitais – industrial e bancário formando o capital financeiro de caráter especulativo; c) surgimento e fortalecimento das oligarquias financeiras a partir do capital financeiro; d) a exportação de capitais assumindo importância particular; e) formação e fortalecimento da união internacional de capitalistas que partilham o mundo entre si; f) a partilha territorial do Globo entre as maiores potências capitalistas; IV.) Nos ajustes e reformas necessárias para manutenção da hegemonia do capital, frente a sua tendência de destruição das forças produtivas a saber: a) reestruturação produtiva do mundo do trabalho e da divisão internacional do trabalho; b) os ajustes do Estado, do qual o capital prescinde, com a redefinição e redistribuição das atividades nos quatro campos a saber: 1) núcleo estratégico do Estado – os três poderes – o poder executivo por meio de ministérios para redefinição do exercício do poder, legislativo que aprova orçamentos, reformas na constituição e leis infraconstitucionais e, o poder judiciário que estabelece o cumprimento da legislação vigente; 2) as atividades exclusivas do Estado definidas pelo núcleo estratégico e que não podem ser delegadas a instituições não estatais, como as forças armadas; c) o setor das empresas estatais e de infra-estrutura para atender ao mercado; 4) Os serviços não exclusivos do Estado, aqueles que podem ser executados por instituições não estatais, na qualidade de prestadores de serviço, parceiros, organizações não governamentais, enquadrando-se aí a educação, previdência, assistência e saúde. IV.) No complexo econômico atual, no qual estão imbricados o capital especulativo, volátil, parasitário, o capital industrial, empresarial, o capital estatal e a economia popular solidária ou não, complexo este que se expressa no empresariamento, a mercadorização da educação e da educação física & esporte e lazer na perspectiva do mercado e do lucro As evidências do acirramento da crise de decomposição pode ser comprovada pelos fatos: 1) o registro de, aproximadamente, 70 conflitos bélicos em todo o planeta, envolvendo as Grandes Nações, um grande aparato militar nuclear, cuja existência compromete direitos, internacional e humanos, de crianças, jovens, mulheres e idosos, destacando-se a intervenção armamentista dos norte americanos; 2) a exaustão das fontes energéticas, acirramento de problemas ecológicos, do meio ambiente, da bio-diversidade, efeito estufa; 3) destruição do mundo do trabalho assalariado, através do desemprego estrutural; 4) a falência do Estado de

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Bem Estar Social, através das privatizações, reformas do Estado e da retirada de conquistas trabalhistas; 5) a globalização e a mundialização do capital, de relações econômicas baseadas na super exploração da mais-valia e em relações especulativas, base de Tratados Multilaterais envolvendo o grande capital que comanda a economia e a política mundial; 6) aumento das disparidades entre Norte e Sul, evidentes no crescimento demográfico e na queda dos índices de qualidade de vida, na ampliação da miséria e pobreza; 7) endividamento externo, gerado pela especulação e negócios espúrios da elite e governos autoritários, eliminando a autonomia das Nações, deixando como lastro a miséria dos povos; 8) concentração das riquezas e dos meios de produzi-las nas mãos de poucos, ao lado da falta de mecanismos para distribuí-la com eqüidade social; 9) ajustes estruturais impostos por organismos do capital internacional com perda da soberania dos Estados periféricos e comprometimento da democracia 10) perda de legitimidade da racionalidade cientifica, técnica, ética e política, seguida do anúncio de uma "pós-modernidade" impregnada de incertezas, mitos, simulacros, despolitização, desresponsabilização, pornografia, e de um senso comum caótico, que se pretende hegemônico e defende o fim da história; 11) discriminação e eliminação de culturas e etnias, sexismo e xenofobia; 12) crise do socialismo realmente existente, expressa no esgotamento de um padrão de transição social que se revelou incapaz de realizar a dupla socialização do poder político e da economia. Vivemos, enfim, sob os auspícios do "Horror Econômico" , a era da destruição, da violência, do avanço da barbárie, paradoxalmente em meio a esplêndidos avanços científicos e tecnológicos .

Por tudo isso, reconhecemos que a referência da "realidade atual", como balizadora das decisões científicas e pedagógicas, deve implicar não apenas o entendimento geral dos efeitos da planetarização do capitalismo, manifestados no aumento dramático, imoral, da miséria da classe trabalhadora, como também, principalmente, dos seus efeitos concretos nas exigências que estão sendo impostas aos sistemas Educacional, Científico & Tecnológico. A reflexão pedagógica ganha aqui relevância social e estratégica, tomando para si a tarefa de interpretar as relações sociais de uma sociedade historicamente determinada para transforma-las. Atender a realidade atual como "suliamento" do ensino e do trato com o conhecimento na formação acadêmica, é colocar as problemáticas pedagógicas no contexto dos conflitos sociais que acirram a luta de classes. Realidade atual implica inserir o ensino e a pesquisa no "contemporâneo", que não é, infelizmente, o progresso científico e tecnológico chegando a todos, senão as conseqüências trágicas das novas formas de exploração e de aculturização, neocolonização nos países menos desenvolvidos, ou periféricos. Enfim, "realidade atual" são os determinantes sociais da educação, ciência & tecnologia confrontando o dia-a-dia da prática pedagógica. Desse modo, a prática do professor necessita orientar-se no conhecimento da luta ideológica contemporânea.

Esta luta de classes se manifesta, na área pedagógica, nas características que o capitalismo imprime às tarefas sociais da educação, assim como o neotecnicismo, alimentando-as com correntes de pensamento idealistas (neopositivismo, existencialismo, pragmatismo, entre outras) que isolam a escola dos problemas que afetam a sociedade e incrementam a contraposição dos interesses individuais aos sociais. A "realidade atual" como conceito fundamental para o trato com o conhecimento, deve ser compreendida como referência política, decorrente do projeto histórico que dá origem ao projeto político pedagógico. Como defender, por um lado, a distribuição democrática do saber historicamente acumulado enquanto, por outro, distanciamos esse conhecimento dos laços com o projeto de transformação da sociedade e a possibilidade de promover as explicações do real, do momento histórico em questão, portanto, do projeto de "homem" que a escola deve ajudar a formar? Situar-se em relação a um Projeto Histórico não capitalista - "contra hegemônico" -

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implica apontar a superação das atuais estruturas sociais. Implica, ainda, a rejeição radical de teorias pedagógicas e abordagens epistemológicas que se mantêm hegemônicas por procedimentos ideológicos como a inversão, que coloca efeitos no lugar de causas e transforma estas em causa, produz o imaginário social, através de imagens reprodutoras, por representações da realidade e, pela operação do silêncio. Teorias reacionárias que negam o caráter classista da educação e da pedagogia, afirmando-se na natureza "invariável" do homem e dos processos educacionais próprios para cada sistema social; teorias baseadas em normas e valores para uma sociedade capitalista de pretensas relações harmoniosas, universais e solidárias. O Projeto Histórico é o eixo em torno do qual devem definir-se as orientações pedagógicas, assegurando dessa forma que o "estatuto progressista" do discurso seja menos uma qualificação ideológica e mais um compromisso objetivo com transformações revolucionárias - e não meramente reformistas - da vida social.

Os indicadores que confirmam a tendência à destruição do sistema capitalista, colocam desafios educacionais e problemáticas significativas para os mais diversos campos do fazer pedagógico, seja para o currículo, para as metodologias do ensino e da pesquisa, para todas as áreas cientificas de referência do currículo; enfim para a teoria pedagógica.

2. A TEORIA PEDAGÓGICA ENQUANTO PONTO DE ENCONTRO A Teoria Pedagógica é o local do ponto de encontro e de construção da unidade metodológica entre as áreas do conhecimento e campos de saberes que são referencias para as disciplinas escolares. É aqui que se estabelece a base para um possível diálogo entre teorias. É aqui que faz sentido dialogarmos sobre as questões gerais colocadas para o campo educacional, considerando agora a especificidade, em termos epistemológicos, dos campos de saber, das áreas de conhecimento, ou das disciplinas científicas. Aqui faz sentido dialogarmos sobre as respostas de outras teorias e de outras áreas de conhecimento. Aqui, a matriz teórica e o projeto Histórico possibilitam reconhecer problemáticas significativas que somente poderão ser tratadas em um esforço conjunto integrado, dentro de uma dada unidade teórico-metodológica estabelecida pelos pontos de referencia básicos para o dialogo, ou melhor o plano de entendimento. Este plano de entendimento tem como fundamento a prática concreta para transformar a realidade social.

Nenhum dos problemas que hoje reconhecemos como específicos da Didática poderá ser tratado adequadamente fora desta referencia - a teoria pedagógica que se desenvolve como categorias da prática. É, portanto, necessário recolocar questões históricas do tipo: que contribuição a Didática do Ensino Superior enquanto área de referência científica, enquanto prática educativa cultural, enquanto disciplina curricular, poderá trazer para repensar a teoria pedagógica e seu objeto, os processos de formação humana e para repensar o seu lócus privilegiado, a universidade?

A base técnica hegemônica do capitalismo tem orientado a base técnica do trabalho pedagógico também no ensino superior para orientar a produção e a formação da classe trabalhadora. Disto não se exime a educação superior.

Ao analisarmos a base técnica do trabalho ao longo da história como por exemplo, o taylorismo (tarefas simples e repetidas), o fordismo (linha de montagem), o fordismo-keynesiano (intervenção do estado na economia) a globalização ou mundialização da economia capitalista (desregulamentação, ajustes estruturais, reformas, abertura da economia nacional), o toyotismo ou acumulação flexível (organização da produção flexível de acordo com a demanda) as reconhecem refletidas, não de maneira mecânica, mas por mediações, na

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organização do trabalho docente. A essas organizações do trabalho em geral correspondem projetos de escolarização e propostas no campo da educação superior, o que se evidencia no trabalho pedagógico, na formação de professores, na produção do conhecimento e nas políticas públicas.

Que conhecimentos, conteúdos, valores, atitudes, processos, em que tempos, situações e que aprendizagens temos condições de propor para a organização do currículo, na perspectiva de superar essa concepção hegemônica de educação superior? Como podemos contribuir para uma visão articulada e densa da teoria educativa, superando o ativismo desvairado de práticas aleatórias, isoladas, desconexas, que são verdadeiros engodos do tempo pedagógico dos estudantes no ensino superior? Como contribuir para ampliar a capacidade reflexiva critica dos estudantes, a consciência de classe, a formação política e sua capacidade organizativa para o enfrentamento da realidade contraditória, complexa e em movimento com que se deparam nestes tempos de acentuação da barbárie? Compreender esta dinâmica da formação humana no processo civilizatório, na cultura, para transformá-las é objeto central da teoria pedagógica. A pedagogia se propõe a entender e ajudar na maturação para o desenvolvimento omnidimensional ou politécnico , para a autonomia racional, ética, política, prática, para a liberdade, a emancipação, a igualdade, a criatividade, a inclusão, enfim o direito de sermos humanos que passa necessariamente pela revolução das atuais formas de organizar a vida. Portanto, por concordância científica e convicção ética, consideramos o desafio mais urgente, frente à realidade atual, responder à seguinte questão: "Como se efetiva, no contexto de uma situação agudizada de crise do capitalismo, uma ação educativa, no ensino e na pesquisa, no magistério superior, que dê respostas às necessidades imediatas do mundo do trabalho, que imprima tarefas sociais à educação, preservando elementos de uma estratégia anticapitalista? Esta questão fundamental perpassa todas as áreas de referencia das disciplinas do currículo da universidade e implica em concepções epistemológicas, curriculares e didáticas. Ela vem sendo respondida por diferentes abordagens teóricas, com diferentes enfoques, configurando assim matrizes do pensamento pedagógico. A elaboração da teoria pedagógica é matéria de pesquisa e, segundo FREITAS (1987, p. 138), implica interação intensa com a prática pedagógica. A prática não é o conhecimento em si, mas fornece, indiscutivelmente, a base para a construção deste conhecimento. A questão que se coloca ainda segundo Freitas é "qual seria o elemento basilar na pesquisa da teoria pedagógica?" Ao contrário do que afirma a perspectiva positivista (o fato objetivo é à base da pesquisa), a base da pesquisa seria "...aquilo que, por um lado, é elemento dela e, por outro, é expressão das necessidades práticas que impulsionam o pensamento no sentido da procura de novos resultados. São essas peculiaridades que estão presentes no problema com o qual a pesquisa científica inicia (Kopnin, 1978:230). Freitas (1987, p. 138) propõe ainda, "vivenciar a prática pedagógica com um projeto histórico claro, sem aprisionar a prática com a imposição de esquemas estruturantes; buscar apoio interdisciplinar; gerar problemas significativos de pesquisa que permitam extrair conceitos em direção ao abstrato para empreender o regresso ao concreto”, levantando como hipótese de elementos basilares da teoria pedagógica a organização do trabalho no trato com o conhecimento, nos objetivos – avaliação. Para compreendermos as tendências da didática no ensino superior, se faz necessário abordar os níveis metodológico, técnico, teórico, epistemológico (pressupostos lógico-gnosiológicos e ontológicos), que todo trabalho acadêmico apresenta. Pela abordagem destes níveis podemos apreender o lógico e o histórico, os nexos e as determinações tanto do ensino, quanto da pesquisa no campo da Didática para criticar seus traços essenciais – o trabalho

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pedagógico no trato com o conhecimento, os objetivos e avaliação. Este debate se instala, por um lado, pela analise Epistemológica das diferentes contribuições teóricas correntes em livros que hoje constituem uma vasta literatura disponível na área; mas, por outro lado, exige a análise da prática pedagógica na organização do trabalho pedagógico na Universidade. A Epistemologia questiona os fundamentos das ciências, os processos de produção do conhecimento e os parâmetros de confiabilidade da pesquisa científica. Figura, portanto, como alternativa de avaliação crítica dos avanços e lacunas que se identificam na produção da pesquisa, apontando para possibilidades de redefinição de rumos e aguçando a reflexão crítica sobre o assunto. A concepção da pesquisa científica enquanto atividade socialmente condicionada ou como fenômeno historicamente situado, parte do entendimento de que essa forma de produção humana traz em seu processo de desenvolvimento questões de natureza epistemológica, teórica, metodológica, técnica e política. Esses elementos estão contidos nos programas das disciplinas, nos projetos de atividades curriculares, nos textos e nas propostas de aulas/projetos de cada professor/pesquisador. Para analisá-las é preciso lançar mão de uma proposta instrumental para o estudo das articulações entre os elementos constitutivos do programa, texto e da aula/projeto, técnicas, métodos, teorias, modelos científicos e pressupostos filosóficos, bem como suas determinações históricas . Os indicadores para essa análise podem ser expressos sob a forma de níveis e pressupostos, tais como: 1) nível metodológico (abordagem metodológica predominante) 2) nível técnico (tipo de pesquisa realizada e técnicas de pesquisa utilizadas) 3) nível teórico (fenômenos educativos/sociais privilegiados, críticas desenvolvidas e propostas apresentadas ou sugeridas) 4) quanto ao nível epistemológico (concepções de validação científica, de causalidade e de Ciência, referentes aos critérios de cientificidade implícita ou explicitamente contidos nas pesquisas), este pode ser desdobrado em: 4.1. pressupostos lógico-gnosiológicos: referentes às maneiras de tratar o real (o abstrato e o concreto) , no processo de pesquisa, o que implica diferentes possibilidades de abstrair, conceitualizar, classificar, nas diversas formas de tratar o sujeito e o objeto na relação cognitiva; 4.2. pressupostos ontológicos: relacionados às concepções de Homem, História, Realidade, Educação, nas quais as pesquisas se fundamentam, e que se referem à visão de mundo contida em toda produção científica.

Contudo, a simples análise e reconstrução da lógica que articula os elementos constitutivos do programa, texto, aula/projeto não é suficiente para compreender o processo de produção científica. É necessário, ainda, situar o caráter histórico da construção científica. E, neste sentido, recorremos a MARX quando expõe suas teses acerca da formação social da consciência humana e do hegemônico. Diz MARX: "Será preciso grande perspicácia para compreender que as idéias, as noções, e as concepções, numa palavra, que a consciência do homem se modifica com toda mudança sobrevinda em suas condições de vida, em suas relações sociais, em sua existência social? Que demonstra a história das idéias senão que a produção intelectual se transforma com a produção material? As idéias dominantes de uma época sempre foram às idéias da classe dominante. Quando se fala de idéias que revolucionam uma sociedade inteira, isto quer dizer que, no seio da velha sociedade, se formam os elementos de uma nova sociedade e que a dissolução das velhas idéias marcha de par com a dissolução das antigas condições de vida" (Marx e Engels, s/d, Manifesto do Partido Comunista. São Paulo. OT:31-32). Nesta perspectiva, o sujeito e objeto relacionam-se na base real em que são unificados na história (Kosik,1976) . O movimento do pensamento ocorre através da atividade histórica

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do homem, o trabalho - fundamento ontológico da história, processo da formação da espécie humana, cujo ser genérico só se objetiva através do trabalho -, havendo coincidência plena entre sujeito e objeto, através da prática, no transcurso da história , onde vão se constituindo, através da relação, o sujeito enquanto objetivado, e o objeto enquanto subjetivado, tornando-se o pensamento objetivo e as leis do pensamento coincidentes com as leis do objeto. Isto é um processo, em que a realidade objetiva transforma-se em leis do pensamento, ou seja em conhecimento. Por isto reconhecemos que o desenvolvimento teórico dá-se como categorias da prática e isto se dá através do método que serve às finalidades da produção do conhecimento. O desenvolvimento do conhecimento exige, portanto, reconhecermos as categorias, seus conteúdos históricos e suas leis. Cabe à Didática do Ensino Superior, enquanto disciplina científica, enquanto disciplina curricular, enquanto área de formação e intervenção profissional, contribuir com esse debate, refletindo sobre "realidade e possibilidades", enquanto espaços de ação de organização do trabalho pedagógico e de trato com o conhecimento e, para além dela, enquanto elemento da construção de uma dada hegemonia, frente às necessidades históricas de formação humana para a transformação da sociedade. Essa necessidade traz em si uma exigência histórica para a formação humana; exigência radicada numa compreensão do homem como ser ativo e criativo, prático, que se transforma na medida em que transforma o mundo, pela sua ação material e social. Unem-se aí compreensão teórica e ação real, com vista à transformação radical da sociedade . Para tanto é imprescindível a leitura crítica do hegemônico , do que vem sendo assegurado, consolidado, desconstruído, reconstruído, construído, reconceptualizado. Isto nos leva a questionar a Didática do Ensino Superior hoje empregada nas universidades. Segundo GRAMSCI (1968), uma classe mantém seu domínio não simplesmente através do uso de mecanismos de força mas, por ser capaz de ir além de seus interesses corporativos estreitos, exercendo uma liderança moral e intelectual; por isso ela faz concessões, dentro de certos limites, a uma variedade de aliados unificados num bloco social de forças. Esse bloco, chamado de Bloco Histórico, representa uma base de consentimento para uma certa ordem social, na qual a hegemonia de uma classe dominante é criada e recriada numa teia de instituições, relações sociais e idéias. Esta "textura da hegemonia" é tecida, também, pelos intelectuais que têm um papel organizativo na sociedade, entre os quais situam-se os professores, os pesquisadores das Universidades . Esta tese que Gramsci levanta pode ser confirmada pelos fatos concretos quando, o real, com o que acontece dentro das universidades brasileiras. O conhecimento de uma determinada ordem social vem sendo tecida no interior das universidades pela organização do trabalho pedagógico e o trato com conhecimento. 4. O DADOS EMPIRICOS – A CONSTRUÇÃO DA HEGEMONIA Para reconhecer como a didática empregada pelos professores no Ensino Superior pode contribuir para a construção de uma dada hegemonia e refletir sobre possibilidades para o enfrentamento do desafio teórico aqui colocado, nos valemos dos procedimentos próprios da abordagem qualitativa do ensino-pesquisa, através da utilização da concepção de pesquisa matricial e metodologia do ensino problematizador. Para questionar sobre o hegemônico em termos de concepção epistemológica, organização curricular e prática pedagógica - concepção de conhecimento e saberes, sobre aprendizagens, espaços, tempos, situações, processos, tecnologias - para a formação humana, valemo-nos dos seguintes procedimentos: a) análise da literatura atualizada, expressa em

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teses, dissertações, periódicos e eventos; b) análise do ordenamento legal e os projetos de universidade em confronto: de um lado as formulações da sociedade brasileira organizada em fóruns populares e nos organizamos da luta de classes como o sindicato (Projeto do ANDES-SN para a Universidade Brasileira) e, do outro, da política de Estado e Governo (Proposta do Governo de FHC/MEC); c) análise de práticas em desenvolvimento no seio das IES;

O levantamento dos dados nas fontes primarias e secundárias, a observação e descrição destes dados, a analise documental e entrevistas nos permitiram questionar radicalmente a direção que estamos dando ao ensino e a pesquisa no Magistério Superior, vinculada a demandas de qualificação e demandas de valores, saberes, competências e subjetividades esperadas ou exigidas pelas transformações do trabalho em sua forma especifica assumida no modo de produção capitalista, gestado segundo a lógica do mercado, do lucro, e das premissas da pós-modernidade que é a lógica cultural do capitalismo tardio. Qual é, hoje, a função da Universidade? Como ela realiza as concepções de educação universal e a formação cultural, intelectual e moral? Que conhecimentos e que tipo de intervenção estamos privilegiando? Estamos efetivamente desenvolvendo o pensamento cientifico, a pesquisa cientifica? Ou estamos baseando nosso trabalho em pseudoconceitos?

O enfrentamento dessas questões exige penetrar no cotidiano das IES, observar cuidadosamente o dia-a-dia, as condições objetivas e subjetivas, a situação dos professores, com seu trabalho precarizado, seus salários aviltados, seus direitos retirados, as decisões curriculares e a organização do currículo daí decorrente, a dinâmica curricular, as práticas educativas, as aulas, as demais atividades curriculares, a normalização, enfim a cultura pedagógica, o processo de trabalho pedagógico, tanto na sala de aula, quanto nas demais atividades na instituição. Poderemos, aí, reconhecer os confrontos, os conflitos, as dificuldades, os antagonismos, as contradições e identificar tendências. Outra exigência fundamental para compreender o trabalho pedagógico e a analise das políticas públicas para a educação superior, principalmente frente a governos de colisão de classes, recurso último do capital para recompor sua hegemonia.

A observação é, apenas, a primeira etapa do processo de apropriação científico-metódica da práxis formativa dominante nas IES: A finalidade científica e política que perseguimos nos proíbe de dar uma definição acabada de um processo inacabado. Ela nos impõe observar todas as fases do fenômeno, de fazer aparecer às tendências progressistas e reacionárias, de revelar sua interação, de prever as diversas variantes do desenvolvimento ulterior e de encontrar nesta precisão um ponto de apoio para a ação.

Necessário e superar a pseudoconcreticidade que predomina no magistério superior. O que acontece no mundo da pseudoconcreticidade é que os fenômenos e as forma fenomênicas das coisas se reproduzem espontaneamente no pensamento comum como realidade, pois é produto natural da práxis cotidiana. O pensamento comum é a forma ideológica do agir humano de todos os dias. A representação da coisa não constitui uma qualidade natural da coisa e da realidade: é a projeção, na consciência do sujeito, de determinadas condições históricas petrificadas. É com este modo de operar com a realidade que muitas das vezes procedemos no magistério superior organizando o trabalho pedagógico. Agimos a partir de representações do real. Vale destacar estes elementos da teoria do conhecimento porque eles nos permitem entender a distinção entre praxis utilitária cotidiana e praxis revolucionária, considerada o modo pelo qual o pensamento capta a coisa em si, o que somente pode ser feita a partir da dialética – o pensamento crítico que se propõe a compreender a “coisa em si” e sistematicamente se pergunta como é possível chegar a compreensão da realidade; que destrói a pseudoconcreticidade para atingir a concreticidade, assim realizando o processo no curso do qual sob o mundo da aparência se desvenda o mundo real. Para que o mundo possa ser explicado “criticamente”, cumpre que a explicação mesma se coloque no terreno da “práxis” revolucionária. Portanto a realidade pode ser mudada de modo revolucionário só porque e só

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na medida em que nós mesmos produzimos a realidade, na medida em que saibamos que a realidade é produzida por nós. O mundo real, oculto pela pseudoconcreticidade, é o mundo da práxis humana. È a compreensão da realidade humano-social como unidade de produção e produto, de sujeito e objeto, de gênese e estrutura que permitirá a práxis revolucionária. É um mundo em que as coisas, as relações e os significados são considerados como produtos do homem social, e o próprio homem se revela como sujeito real do mundo social. A didática utilizada pelos professores no ensino superior não está eximida de enfrentar este desafio, o de superar a pesudoconcreticidade, superar a práxis utilitária.. Os dados demonstram a necessidade da critica radical das praticas docentes. Precisamos dar respostas - mesmo que transitórias/provisórias - aos questionamentos sobre de onde vem e para que serve o conhecimento que estamos utilizando nas intervenções nas aulas nas IES e na produção do conhecimento científico? É necessário precisar quem e como se produz este conhecimento que utilizamos, privilegiadamente em nossas ações pedagógicas, no processo de formação dos universitários. As concepções presentes nas monografias, dissertações, teses e nas aulas podem ser tomadas como indicadores da visão de mundo dos pesquisadores e professores. Considerada de forma mais abrangente, é essa visão que explica e justifica as opções metodológicas, técnicas, teóricas e epistemológicas, feitas por cada professor/pesquisador. Mas isto não pode ser considerado na dimensão da individualidade do professor/pesquisador e sim, como expressão de sua prática social, desenvolvida em condições históricas específicas, sócio-político-culturais. O caráter individualista que se expressa no programa, nos textos ou nas aulas não pode ser explicado de forma isolada, visto que qualquer obra, seja literária, artística ou científica, é a expressão de uma visão de mundo, um fenômeno de consciência coletiva que atinge um grau determinado de clareza conceitual, sensível ou prática, na consciência do professor, artista, filósofo ou cientista. Uma visão de mundo manifesta, portanto, um conjunto de aspirações, idéias e sentimentos que reúne os membros de uma classe ou grupo social e os distinguem de outras. Esses sentimentos, aspirações e pensamentos, se desenvolvem a partir de condições econômicas e sociais específicas, que determinam, em última instância, os limites das formas de ações e maneiras de apreensões da realidade, que se manifestam, por exemplo, no ato da investigação científica e do trabalho pedagógico em sala de aula ou outra atividade curricular. Nossas observações sobre a prática pedagógica do professor nas salas de aulas e demais atividades curriculares e as reflexões teóricas estimuladas pela produção analisada, permitiram reunir evidências de que a organização geral da escola é uma mediação, entre as relações sociais e a sala de aula que na escola capitalista se caracterizam pela submissão e subsunção e que portanto, as categorias organização do trabalho-trato com o conhecimento e objetivos e avaliação são os pilares centrais, basilares, para alterações no trabalho pedagógico. CONCLUSÕES – O ENFRENTAMENTO DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO CAPITALISTA

Para superar a Didática faz-se necessária uma nova qualidade no desenvolvimento da prática pedagógica do professor alicerçada numa teoria educacional emergente do trabalho revolucionário e quotidiano da classe trabalhadora e seus aliados, sem o que não haverá condições para que ela aconteça.

Freitas sustenta a hipótese de que, possivelmente, a categoria mais decisiva para assegurar a função social que a escola tem na sociedade capitalista seja a da avaliação. A avaliação e os objetivos da escola/matéria são categorias estreitamente interligadas. A avaliação é a guardiã dos objetivos. Os objetivos em parte estão diluídos, ocultos, mas a

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avaliação é sistemática (mesmo quando informal) e age em estreita relação com eles. No cotidiano da escola os objetivos estão expressos nas práticas de avaliação. Na avaliação estão concentradas importantes relações de poder que modulam a categoria conteúdo/método. Ou seja, os objetivos da escola como um todo (sua função social) determinam o conteúdo/forma da escola. No plano didático essa ação se repete e, à sua vez, sustenta relações de poder que são vitais não só para o trabalho pedagógico na sala de aula, mas para a sustentação da organização do trabalho da escola em geral – seja pela via disciplinar, seja pela via da avaliação do conteúdo escolar, ou das atitudes e dos valores. Deve-se considerar que os objetivos de que falamos não são apenas os explícitos, mas incluem os objetivos “ocultos” da escola interiorizados a mando do sistema social que a cerca.” (FREITAS, 1995:59).

No entanto, enfrentar estas questões não tem sido comum no magistério superior. Esta tarefa, demonstram os dados da observação tem sido relegada. !0A

E isto é tarefa de intelectuais orgânicos, conforme alerta PETRAS (1994): "É dolorosamente evidente que os intelectuais já não jogam um papel destacado como protagonistas na luta política da classe operária. A bem da verdade, para alguns a classe operária já não existe; para outros, a própria noção de classe é problemática. (...) Os intelectuais orgânicos, ao contrário, integram a tropa de ativistas e militantes políticos, com uma visão global que desafia os limites do mercado liberal burguês. Seu trabalho vincula as lutas locais nas minas, bancos e fábricas como instâncias concretas de combate à dominação imperialista global. Articulam o descontentamento social com as lutas políticas contra um Estado classista claramente determinado". O desafio está posto: como organizar o trabalho pedagógico no trato com o conhecimento no ensino superior, significativos para a luta operária?

Neste sentido afirma LEONTIEV (1981:203) "(...) para que um conteúdo seja conscientizador é necessário que ele ocupe dentro da atividade do sujeito um lugar estrutural de objetivo direto da ação e dessa forma, entre numa relação correspondente com respeito ao motivo dessa atividade". Isto significa reconhecermos as contradições da organização do trabalho pedagógico, no trato com o conhecimento e da avaliação/objetivos da prática concreta e da auto-organização do coletivo de professores pesquisadores do ensino superior, no contexto conservador do projeto capitalista, altamente destrutivo do caráter público da educação superior onde se desenvolvem também seus elementos superadores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS. BERBEL, N. Metodologia da problematização: Uma alternativa metodológica apropriada para o ensino superior. In: SEMINA. Edição Especial. Volume 16, N. 2 Outubro de 1995. BRZEZINSKI, I.Formação de Professores: Um desafio.Belo Horizonte/MG:Ed. UCG, 1996.. COGGIOLLA, Oswaldo. A Crise capitalista e a Universidade Brasileira. Brasília, ANDES(Mimio) 1998. DEMO, Pedro. Pesquisa e construção de conhecimento. R. J., Tempo Brasileiro, 1994. ESCOBAR, Micheli. O . Transformação da didática: Construção da teoria pedagógica com categorias da prática pedagógica. UNICAMP, tese de doutorado 1997. FREITAS, Luís Carlos de. Critica a organização do processo de trabalho pedagógico e a didática. Campinas, Papirus, 1995. FREITAS, Maria Helena. O Trabalho como princípio articulador na prática de ensino e nos estágios. Campinas/SP, Papirus, 1996. FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo, Cortez, 1995. GRAMSCI,A . Os Indiferentes. In: Escritos Políticos. Lisboa, Seara Nova, 1976. P 121-123. KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. 2. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. KOPIN, P.V. A dialética como lógica e teoria do conhecimento. RJ.: Civilização Brasileira,

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.A RELAÇÃO TEORIA-PRATICA NA DIDÁTICA ESCOLAR CRÍTICA

Oswaldo Alonso Rays

A evolução da humanidade amplia a cada momento o círculo de fatos e fenômenos que são objeto tanto da atividade cognoscitiva como da atividade prática do gênero humano. As grandes descobertas da ciência e as múltiplas transformações ocorridas até hoje sempre foram

resultado da ação consciente do homem - ação crítica - de conjugar a unidade da teoria e da prática em sua atividade sociocultural. Pode-se, pois, obviamente, afirmar que as grandes transformações ocorridas na história da humanidade foram realizadas pela ação do homem sobre o mundo da natureza e o mundo da cultura, ou seja, através do trabalho humano.

No entanto, nossa sociedade mantém-se dividida em classes ocupam posições antagônicas na estrutura social, resultando, consequentemente, na hierarquia e na divisão do trabalho humano. Este fato tem cerceado às classes trabalhadoras, que se encontram em posições subalternas (na hierarquia social e na hierarquia do trabalho), a aquisição de novos conhecimentos e a assimilação da experiência da humanidade acumulada ao longo do processo histórico. Por essas razões, processo de escolarização, é preciso desenvolver o trabalho pedagógico no sentido de propiciar condições objetivas a essas classes sociais c conhecerem criticamente os motivos históricos pelos quais se encontram nessa posição social.

No modo de produção existente em nossa sociedade nem toda atividade do homem é uma atividade consciente. Em parte, essa situação pode ser atribuída ao processo educacional sempre que este não oferece uma formação científica crítica, em que a união da teoria e da prática seja a marca predominante para a formação do homem onilateral. Por isso, é preciso que todo processo formativo sistematizado ofereça ao homem a oportunidade de alcançar a atividade consciente. para que possa transformar a realidade objetiva que o oprime. Daí a importância da união da teoria e da prática nos processos formativos escolares.

Torna-se necessário lembrar, logo no início deste texto, que toda atividade consciente do homem é guiada pela unia-o da teoria e da prática, na forma histórico-social da atividade-trabalho, envolvendo, a um só tempo, valores cognitivos e valores práticos. Essa união não caracteriza apenas a atividade consciente do homem, mas o próprio homem. Assim, toda ação humana realizada com base no princípio da vinculação teoria-prática ocupa posição científica na atividade consciente do homem.

O caráter científico da atividade consciente do homem manifesta-se no momento em que o homem se reconhece como homem histórico (e não puramente biofísico) e tem consciência de suas condições socio-culturais concretas, ou seja, quando tem consciência da sua história. De fato, trabalhando-pensando e pensando-trabalhando, o homem conhece e transforma, cientificamente, seu mundo circundante. O ato relacional teoria-prática-teoria

A ênfase em se buscar um acordo consciente entre teoria e prática reside no fato de os

modos da relação teoria-prática terem assumido, na história do pensamento científico,

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acepções diferentes. Grosso modo, essas acepções podem ser classificadas em negativa e positiva.

A acepção negativa da relação teoria-prática pode ser representada, de forma esquemática, assim: "PRATICA ---> TEORIA" (em que a teoria submete-se à prática) e "TEORIA ---> PRÁTICA" (em que a prática submete-se à teoria). Na acepção negativa da relação teoria-prática, a teoria assume as características de uma não-teoria e a prática, as características de uma não-prática, por não se complementarem. Isolar, portanto, a teoria da prática e a prática da teoria é privar o homem de sua capacidade de agir consciente e historicamente.

Na acepção positiva a relação teoria-prática, ao contrário da acepção negativa, pode ser assim representada: "TEORIA <---> PRATICA" (em que teoria e prática constituem-se reciprocamente). Na acepção positiva a reciprocidade teoria-prática passa, portanto, pela reciprocidade sujeito-objeto, que se constitui no lado ativo da relação teoria-prática. Nesse entendimento, a evolução da teoria corresponde à evolução da prática que ocorre sempre ligada à evolução da teoria.

Esse princípio de identidade faz com que teoria e prática sejam dinâmicas. As vezes pensamos, equivocadamente, que a teoria é sempre a mesma, que a prática é sempre a mesma e que ambas desenvolvem-se autonomamente. Mas, se pensarmos mais detidamente vamos concluir que, a um só tempo, teoria e prática movem-se e transformam-se continuamente. Em nenhum momento da atividade humana a teoria e a prática estão imóveis, uma vez que a teoria não exclui a prática e a prática não exclui a teoria na atividade social dos homens.

Teoria e prática são, portanto, partes integrantes de um todo único e onilateral, e constituem-se na correta dinâmica histórica da atividade humana na sociedade. A onilateralidade da teoria e da prática é que propicia ao homem conhecer corretamente a essência do mundo da cultura e do mundo da natureza. Essa onilateralidade oferece-lhe, tam-bém, as condições de buscar o conjunto de elementos inerentes às relações entre as partes e o todo de uma realidade concreta.

É a atividade teórico-prática do homem que motiva e promove, criticamente, transformações na realidade objetiva e no próprio homem. Nesse sentido, pode-se afirmar que é a atividade (o conhecimento teórico-prático do homem) que assegura ao ser humano as condições socioculturais e as bases materiais de sua própria existência. Desse modo, a teoria - conhecimento - é um momento da prática- ação, assim como a prática é um momento da teoria e do próprio pensar.

O ato relacional teoria-prática-teoria é, assim, um ato que se supera continuamente cm razão de o homem ser um constante produtor de novos conhecimentos, de novos significados, de novos fenômenos e de novos objetos, que acabam se incorporando no modo de ser da humanidade.

A relação teoria-prática deve conter, portanto, as características de um ato científico contextualizado, evitando, assim, relações atomizadas e arbitrárias, tanto no momento da apreensão da realidade, como na objetivação das condições materiais para a sobrevivência do homem e do desenvolvimento de suas potencialidades. É, pois, o próprio homem que objetiva e intervém na relação teórico-prática. em desenvolvimento num determinado momento histórico. Em outras palavras, é a atividade avaliativa-produtiva do homem, sobre o ato teórico-prático, que opera transformações positivas no ato de produzir e no resultado deste.

Ao conhecer e assimilar criticamente um objeto ou um fenômeno, o homem realiza uma

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ação prática, por paradoxal que esse fato possa parecer. O conhecer é, portanto, ação que não exclui a teoria da prática e a prática da teoria, ao tratar de problemas concretos em suas relações históricas. É assim que o ato de conhecer, entendido como ação, como atividade humana consciente, transforma-se na verdadeira força motriz da evolução sociocultural e da determinação de seu desenvolvimento futuro.

Essa conexão científica representa uma linha de conduta para a atividade humana geral, desde que produza, constantemente, a emancipação das sociedades oprimidas e que resulte na melhoria da qualidade de vida de toda a população É por meio do emprego desse processo relacional que se destrói a falsa consciência e adquire-se a consciência verdadeira. Assim, o que pensamos, o que desejamos e a ação que praticamos materializam-se a partir e para um contexto determinado. Sentir, pensar e provocar a ação historicamente é, pois, uma das carac-terísticas essenciais da unidade da teoria e da prática.

Com base nesses pressupostos a sociedade somente poderá ser entendida como complexo de processo. E a partir e para o complexo de processo que ocorre a atividade humana com as características processuais em questão. A atividade humana consciente não ocorre, portanto, no vazio. Não pode, também, caracterizar-se como uma prática simbólica mas se constituir como uma prática concreta. No entanto, não podemos nos esquecer de que o complexo de processo que caracteriza determinada sociedade não se traduz por um complexo estático e mecânico, mas por um complexo processual sempre em vias de transformação historicizada, concreta, que ocorre através do trabalho humano (consciente) sobre a realidade já humanizada. Busca-se, pois, a verdade das coisas na realidade concreta. Trabalho pedagógico: Complexo teórico-prático onilateral

Após essas considerações introdutórias sobre a relação teoria-prática, cabe perguntar:

como se realiza e qual a importância dessa relação para o trabalho docente?

Em se tratando de desenvolver a relação em questão, no trabalho docente, é preciso pensá-la e exercê-la não apenas pedagogicamente, mas, também, politicamente. E preciso, pois, com base nessa premissa, não perder de vista o projeto pedagógico e o projeto de sociedade, e considerá-los, também, como um complexo onilateral, cujo desenvolvimento possa colaborar na modificação do modo de produção dominante, gerando um novo modo de produção (econômico, cultural e pedagógico) no qual o homem não seja objeto do homem. Esse processo, porém, deve acontecer de forma histórica, para não se incorrer na transformação fetichista do sistema social e do sistema escolar. E necessário, assim, ao educador, intervir política e pedagogicamente no processo de formação que ocorre erroneamente por meio da escolarização, ou seja, intervir criticamente no modo capitalista da formação humana. Esse procedimento resulta e implementa um novo sentido para o trabalho docente: um modo de agir-sentir-pensar dialético. 7 Com isso, o trabalho docente não ocorre de modo arbitrário, mas pela intervenção (política e pedagógica) do educador (marcada pela sua subjetividade-objetividade) que antevê e projeta conscientemente sua ação pedagógica.

O trabalho docente realizado com base nessa perspectiva torna-se, de fato, um trabalho em permanente construção, feito e desfeito num tempo-espaço específico, pela mediação da teoria e da prática. Para que Isso aconteça concretamente o trabalho pedagógico tem que assumir as características de uma construção histórica. Como construção histórica o trabalho docente parte da apreensão das múltiplas conexões que representam o ambiente pedagógico, isto é, de conexões políticas, sociais, econômicas e pedagógicas. E somente assim que teoria e prática constituem-se reciprocamente, através do modo de agir-sentir-pensar dialético. E nesse sentido que a ação pedagógica afasta da educação escolar o processo de reprodução das

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relações sociais de dominação.

O desenvolvimento da unidade da teoria e da prática na ação pedagógica escolarizada nasce, pois, na especificidade da própria ação pedagógica, como estratégia do trabalho docente. Assim, a objetivação pedagógica que resiste às determinações das relações de dominação surge no fluxo do agir, referendada pela assimilação crítica dos ambientes sociais e dos ambientes pedagógicos.

A conjugação teoria-prática, como princípio pedagógico, não pode, em hipótese alguma, ter um valor em si mesma, em razão de ser uma unidade inseparável dos elementos científicos e culturais que dão consistência ao currículo escolar. Estes elementos estão, por sua vez, diretamente relacionados a conceitos, representações, valores, símbolos, atitudes e habilidades que, organizados adequadamente, constituem-se no núcleo concreto do ato educativo, proporcionando condições ideais de aprendizagens (do conjunto da produção humana) necessárias para a prática social crítica.

A conexão correta entre teoria e prática é, desse modo, uma ação sempre adequada a finalidades não-arbitrárias; é uma ação intencional que materializa criticamente o processo de trabalho pedagógico escolarizado. Trata-se do ato de produzir e organizar, conscientemente, os elementos socioculturais essenciais para a formação do educando. No entanto, essa perspectiva relacional, como núcleo do trabalho pedagógico, nem sempre é dotada de homogeneidade, uma vez que a relação teoria-prática, em algumas situações didáticas, ocorre de forma a-histórica e acrítica, o que a torna mecânica e voluntarista.

A correta unidade dessa relação exige uma prática pedagógica histórico-crítica, visando garantir ao educando atividades cognoscitivas e atividades práticas, que proporcionem os meios para a assimilação crítica do conhecimento científico e da realidade objetiva. Para tanto, torna-se necessário que a ação pedagógica escolar eleve ao máximo a atividade cognoscitiva-prática no sentido de garantir resultados de qualidade em relação ao desenvolvimento integral do educando. Somente a observância permanente a esses pressupostos proporciona ao educando possibilidades de compreensão e de ação da e na

realidade objetiva. Para isso, cumpre ao educador não se esquecer de que toda prática pedagógica é circunstancial e que a circunstância pode alterar a prática pedagógica, e esta, por sua vez, pode alterar a circunstância.

Essa é uma das razões que caracterizam a prática pedagógica como um movimento dialético de dois pólos contraditórios: de um lado, um momento que procura informar e fazer com que os educandos apreendam criticamente o saber sistematizado pelos currículos escolares; de outro lado, um dinamismo que busca confrontar o saber sistematizado em suas conexões com a realidade concreta.

Desse modo, a atividade cognoscitiva e a atividade prática, como componentes de uma ação única, constituem-se no fundamento essencial que oferece "vida concreta" ao processo de ensino-aprendizagem. A atividade cognoscitiva, como valor epistemológico, e a atividade prática, como valor pragmático, revelam-se, assim, parte do processo de recuperação do trabalho docente atomizado, superando-o e elevando-se à categoria de um trabalho total, pleno e dinâmico. Ô trabalho docente torna-se, dessa forma, ato processual, por meio do qual a relação dialética entre teoria e prática converte-se na marca predominante do processo educacional. Trata-se, assim, de um ato pedagógico de tipo apropriativo, centrado nas relações do cotidiano escolar, por meio do qual estas são conectadas reciprocamente às relações sociais.

Por sua vez, a separação da teoria e da prática no processo formativo escolarizado

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subtrai ao educando a possibilidade de desenvolvimento integral de suas potencialidades. E essa separação pode significar, em última instância, recortar o que é inerente ao ser humano: sua integralidade biofísica e sócio-histórica. Esse recorte mecânico é injustificável, em razão de a integralidade do educando constituir-se num complexo constantemente submetido (pela intervenção pedagógica) e auto-submetido (pela autocrítica do educando) a processos de desenvolvimento temporariamente estáveis.

Todavia, esses momentos de estabilidade não são considerados, pela didática escolar

crítica, prejudiciais para a formação do educando, mas, pelo contrário, necessários, uma vez que a nova fase de seu desenvolvimento ocorre a partir do conhecimento que temporariamente permanece em sua estrutura cognitiva. O conhecimento estável, necessário ao desenvolvimento do educando, acaba, por assim dizer, "desintegrando-se" e reorganizando-se, provocando o aparecimento de um novo estágio de desenvolvimento, fruto do processo de interação e de confrontação com novas situações concretas. A conjugação teoria-prática: Insumo básico da didática escolar

A conjugação teoria-prática, com base nos pressupostos acima, constitui-se, assim, no insumo básico da didática escolar crítica, em que a aliança entre a realidade da natureza e a realidade sociocultural encontra-se integrada na unidade dialética das' contradições da ciência, da arte e da técnica. Com isso, a conjugação teoria-prática contribui para o aparecimento de novos valores e de novas atitudes na prática pedagógica.

No pensamento pedagógico crítico é ponto pacífico a necessidade da conexão teoria-

prática no cotidiano escolar. A reorientação essencial do trabalho docente está, portanto, na necessidade da conjugação teoria-prática que considera não apenas a realidade atual para a organização das atividades escolares, mas, também, o ideal de futuro que, metodologica-mente, se caracteriza como uma espécie de espiral dialética que resgata o passado num movimento histórico-estrutural: passado histórico, realidade atual e ideal de futuro, como motor das perspectivas de desenvolvimento histórico, da modernidade e da busca de qualidade de vida.

É por essas razões que a educação, para a compreensão e a transformação dos mecanismos sociais e educativos alienantes, reclama da didática escolar a dialética da unidade da teoria e da prática.

No entanto, as possibilidades de essa unidade dialética vir a se materializar na prática pedagógica constitui para o educador um complexo desafio político e um intrincado desafio didático.

Esses desafios, no entanto, não podem ser operacionalizados na prática pedagógica como se fossem unidades justapostas. Trata-se, sim, de uma unidade indissolúvel e recíproca, uma vez que é a unidade da teoria e da prática que proporciona ao ato educativo as verdadeiras alternativas pedagógicas multicontextualizadas, para um processo escolar comprometido com o encaminhamento da solução das problemáticas educacionais contemporâneas, que nada mais são do que parte das problemáticas sociais da atualidade.

A didática escolar, desenvolvida com base no princípio da dialética da unidade da teoria e da prática, cumpre funções de caráter político, educativo e científico a um só tempo. A integralização dessas funções pela didática escolar toma, portanto, essa disciplina acadêmica, algo mais complexo que a simples procura e implementação de procedimentos de ensino.

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O efeito político e educativo de uma didática escolar assim concebida extrapola o simples desenvolvimento de mecanismos didáticos internos ao currículo escolar, uma vez que transforma a prática pedagógica num trabalho p0lítico-pedagógico-científico sem perder de vista o horizonte da educação escolarizada comprometida com uma nova ação didática e uma nova ordem social. Para tanto, requer-se o abandono, por completo, de atitudes e de meios de ensino nos quais predominam o arbítrio político-pedagógico-científico.

Ressalto essas questões, em razão de o ato educativo ser um processo contraditório e dialético. Desconsiderar essas características do ato educativo, quando se pretende atingir a unidade da teoria e da prática no processo escolar, é incorrer numa relação falaciosa.

Na verdade, há uma visão positivista e uma visão dialética da conexão teoria-prática. Diante de tais visões, a unidade da teoria e da prática, na didática escolar, pode ser classificada em dois pólos antagônicos: o pólo simbólico e o pólo concreto.

O pólo simbólico processa-se com base em formas político-pedagógicas (acríticas) previamente determinadas e age como se as circunstâncias histórico-sociais fossem estranhas à escola. Há uma dicotomia generalizada entre o contexto histórico e a realidade cotidiana escolar; entre a finalidade didática e a ação didática; entre o saber escolar e o saber cotidiano; enfim, entre o educador, o educando e a realidade que aporta a prática pedagógica real.

O pólo concreto, por sua vez, é aquele que promove a conexão teoria-prática num

movimento, autenticamente histórico-estrutural, em que as condições objetivas e subjetivas das circunstâncias histórico-sociais são consideradas na proposição e no desenvolvimento da prática pedagógica.

Em outras palavras, a unidade concreta da teoria e da prática educativa acontece quando o fazer didático atinge as contradições que envolvem o "ato de ensinar" e o "ato de aprender", circundados pela problematicidade mais ampla da sociedade.

Com a adoção desse pressuposto, a didática escolar será sempre produzida na mediação da unidade da teoria e da prática educativa, objetivando a formação do "sujeito histórico competente" capaz de avaliar a realidade (a partir do domínio do conhecimento científico) e nela intervir, provocando a mudança histórica.

Nessa perspectiva, todo corpo de conhecimentos e todo ato educativo - conhecimento-ação-conhecimento - requerem um tratamento específico em relação ao tempo-espaço-tempo do próprio processo didático. Todo ato educativo contém um corpo de conhecimentos que se revela no próprio ato educativo. Com isso, também o corpo de conhecimentos passa a receber um tratamento específico no desenrolar da prática pedagógica situada. Cabe, pois, à ação didática, a complexa tarefa de processar a articulação dialética entre a realidade sociocultural e as variáveis internas do processo escolar.

O que se está preconizando, pois, para a didática, é que na estruturação de seus pressupostos políticos, pedagógicos e científicos, não se ocultem e não se afastem as contradições sociais existentes no interior do currículo escolar.

O momento pedagógico atual é, portanto, o de temporalizar e superar a conexão positivista da teoria-prática que se contrapõe ao tratamento totalizante do ato educativo. Superar e temporalizar essa falsa conexão significa confrontar criticamente o estatuto teórico-prático da didática escolar com o da realidade natural e social, no sentido de realizar - metaforicamente falando - a "faxina pedagógica" que essa conexão exige, em face das constantes mutações do contexto social.

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A didática escolar não pode mais continuar sendo indiferente à fragmentação do

processo global da prática pedagógica, presente em nosso sistema educativo. Não pode mais reduzir o universo escolar a apenas uma de suas partes (a pedagógica e/ou política, por exemplo), pois, com isso, impede o educador de compreender não só o todo que o mesmo representa, mas, também, os próprios elementos considerados para a análise desse mesmo todo.

Se o universo escolar for considerado de forma global, e questionado-analisado em sua totalidade, conterá elementos significantes para a elaboração de alternativas didáticas, específicas e diferenciadas, para a implantação, no processo escolar, de uma prática pedagógica mais substancial.

No processo escolar, o pedagógico e o social necessitam ser trabalhados de forma integrativa para não se incorrer na negação do próprio ato educativo. O tratamento simultâneo do pedagógico e do social exige o emprego de uma metodologia processual-dialética em todo o continuum do processo educativo, que por sua vez assume, também, as características de um "continuurn dialético", que supera o 'contínuum atomizado" produzido pela dualidade entre a teoria e a prática. A unidade crítica da teoria e da prática na didática escolar

A unidade crítica da teoria e da prática, na dialética escolar, somente ocorrerá no

momento em que a prática pedagógica transformar-se numa prática pedagógica concreta. A prática pedagógica concreta não estabelece, jamais, a ruptura entre o conhecimento (teoria) e a ação (prática), tanto na produção em si, como no processo de transformação do real.

Assim, é preciso, pois, apreender de forma crítica o pressuposto epistemológico que embasa a unidade dialética da teoria e da prática, para se superar a visão e a ação positivistas, ainda predominantes no processo pedagógico.

Para tanto é preciso ir além da aparência e chegar à essência e à concretude da prática pedagógica, para se ter uma compreensão clara das conexões e dos conflitos existentes no ato educativo. Trata-se, assim, de penetrar, radicalmente, na essência do ato educativo. Isto significa realizar operações críticas e criativas, de análise e de síntese, que esclareçam a dimensão mediata-imediata da ação e do conhecimento contidos no ato educativo.

Esse processo, porém, é extremamente complexo e exige um verdadeiro discernimento

crítico do social e do educacional, para sua efetivação real.

Essas questões levam-nos a um outro problema; o metodológico. Neste, porém, deverá estar explícito o processo de conhecimento que subsidiará o discernimento crítico e que poderá levar a uma crítica pedagógica concreta. Para tanto, torna-se necessário que os pressupostos metodológicos que embasam as atividades curriculares sejam concebidos com base na teoria dialética do conhecimento.

Como funciona, então, a concepção metodológica subsidiada pela teoria dialética do conhecimento?

Primeiramente, é preciso estar consciente de que não se pode estabelecer, em hipótese alguma, a ruptura entre o conhecimento (teoria) e a ação (prática). Busca-se, então, a unidade

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entre a teoria e a prática. A teoria e', portanto, um conhecimento que funciona como um guia" para a ação. A prática é a ação, a produção. É toda a ação do homem transformando o real, transformação essa que pode ser, por exemplo, a negação da própria teoria. Numa palavra, esse processo nada mais é que a conexão recíproca entre a teoria e a prática, o conhecimento e a ação e entre o processo de abstração e o concreto real.

E, pois, através do processo de abstração que teorizamos sobre a prática e penetramos com mais lucidez nas raízes da realidade concreta, o que nos permite provocar de forma mais segura e amadurecida a mudança histórica.

Como admitir, então, a ausência do processo de abstração nas atividades curriculares escolares? Pode-se admitir essa ausência, se se admite que a prática pedagógica, aí exercida, deva possuir as características de uma prática que se manifesta fora do âmbito da realidade concreta e imediata. Essa prática utiliza, em seu processo, uma metodologia inconseqüente, em razão de não proporcionar ao processo de ensino a ordenação necessária que permita passar da aparência à essência do ato educativo.

Incorporando nas atividades didáticas o processo de abstração surge a possibilidade de o

educador apropriar-se teoricamente da prática pedagógica, não como um conjunto de especulações vazias, mas como um conjunto de ações enraizadas na prática (concreta) de suas tarefas educativas.

Assim, é preciso partir da ordenação de um processo de abstração que permita superar a

aparência exterior dos fatos particulares. Por exemplo: as operações didáticas que o educando faz no transcorrer de uma aula às suas causas internas, estruturais e históricas - para poder assimilar criticamente a razão de ser daquela aula, e captar a essência de seu sentido em suas conseqüências pedagógicas e sociais. Esse processo não é fácil de ser realizado, conyem admitir, e é uma tarefa bastante complexa, apesar de necessária e, às vezes, pedagogicamente falando, "dolorosa". Seu resultado para a formação do profissional não é imediato e sim mediato. Exige, portanto, um planejamento ordenado de análises e sínteses, para que a percepção das contradições da realidade em estudo venha à tona, com o máximo de concretude. Dada a complexidade dessa tarefa é necessário, pois, planejar o processo de abstração, para não se cair na arbitrariedade de falsas análises e de falsas intervenções na prática educativa A teorização conduz ao conhecimento, que fornecerá meios para superar o processo que causa a ruptura da teoria e da prática. Por meio da teorização, alcança-se a visão totalizante da realidade. Capta-se a articulação das partes - aula - dentro de um todo particular - educação - para, assim, apreender o todo particular na sua relação com o todo maior do qual faz parte, ou seja, a sociedade.

Desse modo, supera-se e aprofunda-se o conhecimento pedagógico e social subjacente à prática educativa. Trabalha-se o conhecimento pedagógico e social em seu próprio desenrolar e de forma inacabada. Deixa-se de lado o mito da reprodução e alcança-se a produção do conhecimento, t3e, por conseguinte, propostas de práticas educativas alternativas, mais concretas, para situações didáticas particulares.

O processamento desses pressupostos, se implementados criticamente e superado o nível da simples apreensão do contexto socioeducativo, certamente promoverá os profissionais em formação à categoria de educadores críticos com competência para conhecer, avaliar e intervir na realidade.

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No entanto, alguns elementos que se constituem em desafios atuais para a didática escolar deverão ser superados no âmago de situações socioeducativas específicas, para que a materializaçao pedagógica desses pressupostos assuma um caráter operativo-concreto.

Assim, o elemento inicial a ser superado seria a elucidação do equivoco político-pedagógico presente em boa parte dos cursos de formação profissional escolarizada: Primeiro conhecer, para depois fazer, ou, Primeiro fazer, depois conhecer. O conhecer e o fazer na didática crítica não podem ser tomados em sua dualidade mas na conjugação do ato teórico-prático.

O elemento subsequente - e intimamente ligado ao anterior -seria a adoção de um método de trabalho pedagógico que abrangesse o processo educativo em sua totalidade. Nesse sentido, a teoria dialética do conhecimento é subsídio essencial para a implementação de métodos de trabalho que priorizem as inter-relações do cotidiano escolar com o contexto social. Este processo servirá, também, como elemento para a intervenção no real, por meio de propostas pedagógicas alternativas.

Nesse processo estará presente, também, a assimilação crítica dessas inter-relações, que ocorrerá pelo processo de abstração que Os envolvidos na educação escolar deverão fazer, sobre o mundo da cultura e o mundo da natureza. Aplicar o processo de abstração a situações didáticas específicas significa avaliar a realidade socioeducativa em estudo e operar sobre ela, ou seja, teorizar sobre a realidade concreta, viva, em desenvolvimento. Adotando esse procedimento será possível planejar a ação transformadora da realidade com conhecimento de causa. Através desse processo a unidade dialética da teoria e da prática, na didática escolar, assume, também, as características de uma verdadeira investigação científica da realidade cotidiana da prática pedagógica. O resultado dessa investigação evidenciará, certamente, as contradições e mediações concretas que a síntese do cotidiano escolar encerra. As contradições e mediações não serão, assim, concebidas a priori da situação didática, como geralmente acontece.

Os resultados das análises daí provenientes orientarão ações que permitirão desvelar e transformar toda e qualquer realidade mistificadora da prática educativa. Contribuirão, assim, para que o educando e o educador compreendam historicamente o processo de ensino e o processo de aprendizagem, e apropriem-se teoricamente da prática educativa, tanto em sua concepção como em sua Organização e em seu desenvolvimento.

Desse modo, a categoria "criticidade-criatividade", inerente a esse processo conectivo,

será acionada na sua totalidade, para a eliminação do fantasma (astuto) do dualismo entre a teoria e a prática, na organização e no processamento do trabalho escolar. Em suma, o grande desafio da didática crítica será passar da crítica à criatividade (construção de propostas pedagógicas alternativas), e, desta, à crítica da própria criatividade, vale dizer, do projeto pedagógico de transformação em desenvolvimento na escola.

A integração crítica entre a teoria e a prática na didática escolar somente será alcançada pela práxis educativa dialética.

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RELAÇÃO DE INTERDEPENDÊNCIA ENTRE ENSINO E APRENDIZAGEM

Antonia Osima Lopes

A dinâmica ensino-aprendizagem constituí-se em uma das relações didáticas mais

evidenciadas na situação pedagógica desenvolvida na sala de aula. Tal evidência acontece em virtude de ocorrer no cerne dessa relação o processo de apropriação do conhecimento e elabo-ração de novos saberes, finalidades básicas da escola.

Embora se considere convencionalmente, para efeito de análises, o ensino e a

aprendizagem como elementos distintos da didática, neste texto vamos discutir a relação de interdependência entre estes dois componentes de um mesmo processo, de forma a tratá-los como uma totalidade, em que um está intrinsecamente unido ao outro.

Inicialmente consideramos que refletir atualmente sobre a dinâmica ensino-

aprendizagem escolar é tarefa que deve fazer parte do cotidiano de todos os professores, envolvidos que estão em um conjunto de problemas, indefinições e questionamentos relativos ao futuro da escola pública em nosso país. Essa reflexão passa pela apreciação dos índices de repetência e evasão que historicamente têm sido acumulados, excluindo um significativo número de educandos do acesso ao saber escolarizado.

A realidade do fracasso escolar gerado pelos altos índices de repetência e evasão

integra todas as estatísticas publicadas no país, mostrando-se tão presente na ação docente que não pode ser ignorada pela didática, nem ser considerada apenas um problema entre os demais que a escola tende a apresentar. Há mais de cinco décadas, desde os anos 40, as estatísticas demonstram que o número de crianças que repetem a série inicial de escolarização é da ordem de 60%, índice preocupante para quem está interessado na democratização do conhecimento sistematizado. Mais grave ainda é constatar-se que a repetência não é fenômeno exclusivo da série inicial, mas é um problema presente também nas demais séries da escolarização básica, atualmente denominada de 1~ grau.

O fenômeno do fracasso escolar até há algum tempo era visto como um problema

individual de cada aluno que não conseguia aprender. Embora fossem muitas as explicações, o foco principal da causa do problema estava no indivíduo-aprendiz.

Posteriormente, após anos de estudos sobre essa questão e passando pela causa social-

econômica, o problema passou a ser visto como produto de múltiplos fatores, tanto intra como extra-escolares, e, nesta perspectiva, o professorado freqüentemente sente-se impotente para exercer, com eficácia, o papel docente, atuando como mediador entre o saber escolar e os educandos que se encontram em suas salas de aula.

É com base nessa contextualização que vamos discutir a dinâmica ensino-

aprendizagem na instituição escolar. O que a didática tem a revelar sobre esta totalidade? Como empreender uma ação transformadora de ensinar e aprender a fim de que quem deseja apropriar-se do saber escolarizado chegue efetivamente a concretizar o seu propósito? São questões que passaremos a discutir a seguir. O ensino e a aprendizagem escolar

Em sua vida cotidiana todo ser humano aprende uma infinidade de conhecimentos em

sua interação com os outros e o ambiente. Este estado permanente de aprendizagem se dá em diferentes níveis e ocorre de forma assistemática e espontânea. Diferentemente dessa forma de

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conhecimento há um outro, sistematizado, para o qual o indivíduo necessita organizá-lo formalmente de modo que os elementos que o compõem possam ser utilizados e modificados em outras situações. Historicamente o conhecimento sistematizado, necessário ao crescimento social do indivíduo, acontece no seio da instituição escolar. A escola e uma instituição social com a função específica de proporcionar aos indivíduos que a freqüentam o acesso ao conhecimento sistematizado, acumulado historicamente. Nessa perspectiva, a aprendizagem que o indivíduo realiza na escola apresenta características que a distinguem daquela realizada em outras instâncias de sua vida cotidiana.

Uma característica distintiva é que a ação de aprender na escola envolve uma forma de

conhecimento, o sistematizado, e sujeitos que interagem entre si, constituindo a dinâmica ensino-aprendizagem. Partindo-se dessa idéia percebe-se que na ação integradora que resulta nessa dinâmica existe a presença de um sujeito que aprende e de um sujeito que ensina, revelando-se as figuras do aluno e do professor.

Por exigir uma interação entre professores e alunos a dinâmica ensino-aprendizagem

escolar envolve fatores afetivos e sociais. Essa relação implica um vínculo direto com o meio social que inclui as condições de vida do educando, a sua relação com a escola, sua percepção e compreensão do conhecimento sistematizado a ser estudado. O trabalho docente é a atividade que dá unidade à dinâmica ensino-aprendizagem pelo processo de mediação entre o conhecimento a ser aprendido e a ação de apropriação desse conhecimento.

Essa concepção difere da idéia que considera o ensino escolar como uma ação

individual do professor, transferindo conhecimentos para os alunos. Difere também de outra idéia segundo a qual o ensino consiste apenas na organização das experiências do aluno com base nas suas necessidades e nos seus interesses.

A relação ensino-aprendizagem, de acordo com Libâneo (1991), revela-se pelo

conjunto de atividades organizadas do professor e dos alunos, objetivando a apropriação de um saber historicamente acumulado, tendo como ponto de partida o nível atual de conhecimentos, experiência de vida e maturidade dos alunos. Esse ponto de partida implica que a relação ensino-aprendizagem pressupõe uma transformação progressiva dos conhecimentos dos alunos em direção ao domínio do saber sistematizado (Saviani 1991), sua reelaboração e aplicação nas situações de interação com os outros. Antes de tudo, essa relação é de socialização, de troca de conhecimentos aprendidos e transformados na interação. E uma relação dinâmica, dialógica, portanto, construtiva da aprendizagem pela troca de saberes. E essa a concepção de ensino-aprendizagem que queremos enfatizar.

A dinâmica ensino-aprendizagem tem como função precipua assegurar a apropriação

por parte dos alunos de um saber próprio selecionado das ciências e da experiência acumulada historicamente pela humanidade, organizado para ser trabalhado na escola; o saber sistema-tizado. Ao apropriar-se desse saber os alunos adquirem condições de enfrentar as exigências da vida em sociedade. E neste ponto reside um aspecto da importância social do saber escolar.

A importância da apropriação do saber sistematizado, disseminado pela escola, reside

ainda na idéia de que através desse processo produz-se a base para a elaboração de novos saberes. Cabe aqui esclarecer que numa sociedade capitalista, como a nossa, o saber sistematizado é predominantemente reservado ao conhecimento das classes sociais economicamente favorecidas, as quais, de forma ideológica, o transformam em idéias e práticas convenientes aos seus interesses, buscando impô-las como verdades acabadas para as demais classes sociais. Entretanto, é importante ressaltar que na relação pedagógica que se estabelece na dinâmica ensino-aprendizagem o saber escolar deve ser tratado como objetivo e universal, porém não pode ser visto como neutro.

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Neste sentido, deve-se reconhecer a objetividade e a universalidade do saber escolar,

bem como se deve estar consciente de que na sociedade capitalista cuida-se de ensinar um saber que reflete os interesses da classe dominante. A objetividade e a universalidade do saber escolar apoiam-se no conhecimento científico, nas suas diferentes formas de interpretação da realidade. Mas como é elaborado socialmente, a escola, de acordo com a conjuntura socioeconômica do momento histórico, tende a ocultar partes dessa realidade, ou distorcendo-as ou simplificando-as, chegando a apresentar o conhecimento como verdades acabadas.

Numa ação consciente de ensinar-aprender cabe a professor e alunos vincular o saber

escolar a seus determinantes sociais a fim de que o conhecimento científico prevaleça e a objetividade e a universalidade desse saber sejam preservadas. A ação transformadora de ensinar e aprender

A ação de ensinar, tal qual estamos aqui discutindo, põe em movimento os elementos

constitutivos da didática - os objetivos, os conteúdos e a unidade ensino-aprendizagem - numa situação didática concreta, que inclui o contexto sociocultural da escola e dos alunos, a ação docente, os recursos didáticos disponíveis, os conhecimentos e as experiências de vida do professor e dos alunos.

Os fatores e as condições que asseguram o ensino eficiente e resultados satisfatórios da

aprendizagem dos alunos têm sido exaustivamente discutidos e os livros de didática estão ai para apresentar diferentes alternativas para esse propósito. Há autores que indicam que as condições essenciais estão no professor, na sua ação de ensinar, ressaltando que métodos apropriados seriam eficientes para o êxito dessa ação. Outros entendem que o ponto essencial nesse processo está no conhecimento do aluno e no atendimento a seus interesses e necessidades.

Considerando que as idéias referidas pelo conjunto da literatura didática têm sua

importância se analisadas de forma crítica, deixando de ressaltar-se determinados fatores e condições, concordamos com os autores que destacam a ação de ensinar como uma atividade de mediação pela qual são providos as condições e os meios para os alunos se tornarem sujeitos ativos no processo de apropriação do saber sistematizado (Saviani 1991; Libâneo 1991; Veiga 1993; Moysés, 1994; Penin 1994). Com base nessa concepção, entendemos que a dinâmica ensino-aprendizagem deve caracterizar-se por situações que estimulem a atividade e a iniciativa dos alunos e do professor; situações que favoreçam o diálogo dos alunos entre si e com o professor, ao mesmo tempo em que valorizem o diálogo com o saber acumulado historicamente; situações que considerem os interesses dos alunos na apropriação dos conhecimentos, sistematizados e ordenados gradualmente de acordo com a organização escolar.

Essa perspectiva representa a base do que aqui estamos chamando de ação

transformadora de ensinar e aprender, apresentando-se como uma contribuição ao conjunto de estudos sobre os elementos da didática. Essa visão da relação ensino-aprendizagem escolar vincula-se à concepção do ensino como uma atividade de interação na sala de aula. Nessa concepção o professor deve questionar seus alunos, interpelá-los constantemente, ser elemento integrador, apresentando conhecimentos sistematizados. Deve discutir e apresentar questões essenciais à apropriação desses conhecimentos, levando os alunos a refletir sobre suas idéias e seus procedimentos de ação. Nessa forma de interação o aluno é levado a tomar consciência e refletir tanto sobre suas próprias idéias, suas descobertas e apropriações, como

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sobre idéias elaboradas por outros. Essa visão da dinâmica ensino-aprendizagem, portanto, é incompatível com a

perspectiva tradicional, que parte do pressuposto de que o saber é detido apenas pelo professor, estabelecendo-se com freqüência na sala de aula uma relação autoritária em que a participação e a contribuição do aluno não são incorporadas na prática pedagógica.

Parece-nos que não há dúvida quanto à necessidade e à importância de que as escolas

privilegiem uma ação transformadora de ensinar e aprender. Ressaltamos, entretanto, que para se engajar nessa mudança cabe ao professor o desafio de transformar sua prática pedagógica de modo a garantir um espaço de interação em que haja a possibilidade de participação e troca de todos os alunos, sem privilegiar apenas aqueles que se destacam nas iniciativas ou na verbalização. E fundamental nessa interação que o professor assuma o papel de um interlocutor mais experiente, contribuindo efetivamente para que todos os alunos, indistin-tamente, consigam apropriar-se dos conhecimentos essenciais da etapa escolar específica em que se encontram, tendo consciência de que cada momento de ensinar-aprender é um passo importante para a interiorização do saber sistematizado, historicamente acumulado.

A relação pedagógica transformadora é aquela tratada como uma situação dialógica,

como espaço de discussões, descobertas e transformações. Essa postura condiciona novas perspectivas para a sala de aula. Discursos diversos nela se formam, envolvendo professores e alunos e os diferentes sujeitos que construíram o saber sistematizado e registraram suas elaborações em livros e demais recursos didáticos utilizados na escola. Os procedimentos de ensino adotados nessa práxis caracterizam-se essencialmente pela constante presença na sala de aula da discussão, do questionamento, da curiosidade em investigar os "porquês" e os "comos".

Essa visão de prática pedagógica tem sua base teórico-metodológica na dialética, cujos

princípios têm sido tomados como uma rigorosa forma de pensar a superação de dicotomias, apontando novos caminhos para um tratamento do processo de escolarização, e, nesse contexto, a dinâmica ensino-aprendizagem.

Dentre as posições pedagógicas tomadas com base no referencial teórico-dialético a

perspectiva sociointeracionista é um caminho que tem sido adotado como campo de reflexão e desenvolvimento de experiências pedagógicas em busca de processos positivos que superem a crise da escolarização. De acordo com essa perspectiva, o sujeito constrói seus conhecimentos e sua afetividade na interação com sujeitos mais experientes de sua cultura. Na interação com os outros sujeitos, por meio de influências recíprocas que vão se estabelecendo, cada sujeito constrói o seu conhecimento do mundo e o conhecimento de si mesmo como sujeito histórico. Nesse processo interativo um grande valor é atribuído à escolarização, que criaria condições para a construção do conhecimento do sujeito, por exigir-lhe o domínio da linguagem escrita e de formas complexas de conhecimentos científicos.

Partindo do ponto de vista sociointeracionista, e sem perder seu fundamento dialético,

a didática tem buscado ressaltar na prática pedagógica escolar a dinâmica ensino-aprendizagem por considerar que aí se estabelecem as tensões principais no processo de apropriação do saber sistematizado. Dessa forma, a finalidade dessa dinâmica não é apresentar verdades acabadas, mas sim instrumentalizar o aluno para se apropriar efetivamente de conhecimentos e ter condições de elaborar novos conhecimentos. Com base nessa perspectiva, uma prática pedagógica diferenciada daquela até então predominante nas escolas vem sendo adotada por um número crescente de professores e tem mostrado resultados positivos na busca da apropriação do saber sistematizado por todos os alunos, indistintamente.

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De acordo com esse fundamento a conduta apropriada na situação de ensino-aprendizagem seria partir dos conhecimentos que os alunos já possuem, discutir problemas que gerem conflitos cognitivos, dar ênfase ao processo de construção do conhecimento, secundarizando a busca de resultados. É tarefa do professor criar um ambiente na sala de aula propício ao diálogo, levando os alunos a refletir sobre os porquês e os comos da ação, através de um processo de interação.

Nesse contexto uma prática pedagógica centrada em aulas convencionais, em que o

professor expõe um conteúdo sem dialogar com os alunos, está destinada ao fracasso. A postura docente deve ser de mediação entre o saber sistematizado e os alunos, propiciando situações desafiadoras de apropriação do conhecimento. E nessa dinâmica que a aprendizagem é construída, pelo confronto de posições, num processo que nada tem de linear, mas que é conduzido por conflitos e desafios.

A prática pedagógica de fundamento sociointeracionista, portanto, mostra-se como um

caminho para uma ação transformadora de ensinar e aprender. Sob essa ótica vemos a relação professor-aluno de modo diferenciado da concepção funcionalista que vê o mestre como direcionador da aprendizagem do aluno, numa ação pedagógica unilateral. De outra forma concebemos a interação professor-aluno como movimento dialógico, como influência recíproca de desiguais, em que a dinâmica ensino-aprendizagem mostra-se como uma relação de socialização de conhecimentos e elaboração de novos saberes.

Para concluir nossas idéias, reiteramos que a contribuição da didática para reduzir o

fracasso escolar consiste em instrumentalizar os professores no sentido de estes buscarem incessantemente em sua prática pedagógica uma ação transformadora de ensinar-aprender. A qualidade do saber escolar não se tornará melhor adotando-se objetivos e procedimentos de ensino-aprendizagem que ignorem a importância do discutir, do questionar, do contra-argumentar. Ou seja, a escola não atingirá seu objetivo maior que é proporcionar a apropriação do saber sistematizado àqueles que o buscam.

Na verdade, a escola de que precisamos e a relação ensino-aprendizagem que visamos

dependem, sobretudo, de um professor comprometido com uma escolarização transformadora' que, no dizer de Moysés (1994), se expressa pelo empenho de instrumentalizar política e tecnicamente o aluno, ajudando-o a construir-se como sujeito social. BIBLIOGRAFIA

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo, Cortez, 1991 (Coleção Magistério 2º grau. Série Formação do Professor). MOYSÉS, Lúcia. O desafio de saber e ensinar. Campinas, Papirus; Niterói Edurf, 1994. PENIN, Sônia T. de S.A aula: Espaço de conhecimento, lugar de citítura. Campinas, Papirus, 1994 (Coleção Magistério: Formação e trabalho pedagógico). SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: Primeiras aproximações. 2ª 5ª ed., São Paulo, Cortez: Autores Associados, 1991 (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo, 40). VAZQUEZ, Adolfo 8. Filosofia da práxis. 2ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.

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DIDÁTICA E ENSINO DE INFORMÁTICA

Luís Paulo Leopoldo Mercado

Universidade Federal de Alagoas

Pensar a Informática como um recurso pedagógico que propicia um aumento na eficiência e na qualidade do ensino é, antes de mais nada, pensá-la vinculada á realidade da educação de seus professores e alunos, é pensá-la voltada para a busca da superação dos problemas de ensino é, enfim, procurar identificar formas de seu uso que constituam respostas para os problemas de nossa Educação.

Nesse contexto, cabe a Universidade a formação dos recursos humanos responsáveis pela condução e resolução dos problemas que afligem a sociedade. A qualidade desta modalidade de ensino é objeto constante de preparação por parte de todos aqueles que direta ou indiretamente estão envolvidos no processo educacional. Assim, a acentuada perda de qualidade decorrente da expansão desordenada do ensino universitário e sua concomitante massificação têm levado invarialvelmente a um decréscimo qualitativo na formação de recursos humanos. A Universidade não está sendo capaz de formar indivíduos que, no exercício de suas funções na sociedade, possam propor e implementar as soluções exigidas. Desse modo, a definição da participação da Universidad na resolução dos problemas nacionais passa, obrigatoriamente, pela consideração do papel fundamental que tem oprofessor como indivíduo e o corpo docente como grupo.

A utilização mais intensa e abrangente de métodos a técnicas pedagogicamente adequados ao contexto da Universidade, deve abranger a capacitação do docente universitário no sentido de prover-lhe uma formação didático-pedagógica suficientemente consistente a ponto de produzir melhoria na qualidade de seu ensino. Assim sendo, segundo LESOURE (1988) "para que a Informática penetre na escola, uma condição local essencial deve ser cumprida: a existência de uma equipe de professores motivados, capazes de dedicar tempo a um projeto pedagógico preciso, e dispondo de meios que lhes permitam adquirir ou adaptar os programas, garantir a manutenção e estocagem do material e organizar os locais necessários". (p.21).Os professores são os principais agentes de inovação educacional. Sem eles nenhuma mudança persiste, nenhuma transformação é possível.

A educação brasileira passa por um momento especialmente crítico e caótico. Diante dessa realidade duas posições básicas podem ser assumidas, segundo CANDAU (1992): uma analisa a crise como uma disfunção do sistema. Este não é colocado em questão. Trata-se de melhorar, aperfeiçoar o sistema e perguntar-se sobre o papel da Informática nesta perspectiva. A segunda posição parte da necessidade de uma mudança estrutural da sociedade e, consequentemente, da Educação. O Sistema de Ensino tem de ser repensado a partir da ênfase no seu compromisso com a socialização do conhecimento e a formação para uma cidadania consciente, ativa e crítica. Não tem sentido reforçar uma perspectica em a aprendizagem seja concebida quase que exclusivamente como processo de assimilação, adestramento intelectual, profissional e social. Necessitamos favorecer o potencial reflexivo, não somente o pensamento

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convergente e analítico, mas também divergente e intuitivo das nossas crianças, adolescentes, jovens e adultos. É a perspectiva da transformação a nível pessoal, social, educacional.

Nessa perspectiva, ao aprofundar sobre as contribuições da Informática, vimos que a Universidade Brasileira contribui para o desenvolvimento do país, no desempenho de suas verdadeiras funções, isto é, gerar novos conhecimentos - pesquisa básica e aplicada - e transmitir conhecimentos. O que vem ocorrendo, no entanto, é uma expansão da função da universidade no setor de pesquisa e uma estagnação e/ou involução na função de ensino, constatando-se um desquilíbrio que abrange as duas funções. O decréscimo na qualidade do ensino influi decisivamente nas possibilidades de expansão da pesquisa, já que debilita as possibilidades de orientação aos pesquisadores para escolha e implantação dos problemas e progrmas a pesquisar.

Ao professor da Universidade é conferida a responsabilidade de difundir o saber no intuito de revisá-lo e ampliá-lo, democratizando-o na troca de experiências com seus alunos. A ele cabe a tarefa adicional de fazê-lo com vistas a lançar no mercado profissional, pessoas competentes que efetivamente possam responder as demandas sócio-político-econômico-culturais em vigor, no seu mais alto grau. Para o professor sem bagagem pedagógica e carente de conhecimento do seu conteúdo específico, o emprego do computador acelera suas falhas, põe a nu suas incoerências. Por outro lado, para o professor de sólidos conhecimentos e experiência no nível didático e de conteúdo, o computador otimiza a produção. Seu uso vai provocar o crescimento e aprofundamento deste profissional. Há uma mentalidade difusa nos meios educacionais que encara a tecnologia avançada como força para resolver os problemas escolares. Na verdade, as dimensões basilares que definem a qualidade e a direção da educação encontram-se na formulação do professor, nas condições de trabalho que lhes são dadas e nas condições dadas ao aluno no nível econãmico e cultural e na filisofia educacional da escola. Qualquer tecnologia intervém no quadro já dado, realçando as características definidas pela política hegemãnica. Para PURPER (1990) a Informática, enquanto Ciência da Informação constitui-se a partir de teorias que conflitam com as teorias defendidas nas últimas décadas e que, tendo no horizonte a democratização da educação e da sociedade, propõe uma educacão emancipatória em busca de um desenvolvimento em que o conjunto da população nacional participa e usufrua dos avanços alcançados. É o projeto de uma educação emancipatória que, em última instãncia, está por trás do questionamento da informática e da educação bancária e tecnicista que se constitui pela memorização, aquisição e processamento de conteúdos (informações) resultando um trabalho intelectual ("conhecimento") considerado alienado,uma vez que é desenvolvido de modo fragmentado, estático, descontextualizado e a - o histórico. Trata-se de uma concepção de conhecimento que não instrumentaliza para o exercício da plena cidadania, que não educa para compreender, explicar e habilitar-se para a apropriação do saber e intervenção nos processos definidores das práticas sociais concretas, específicas e gerais. Ou seja, uma determinada disciplina precisa ser desenvolvida de tal forma que o alunopossa habilitar-se a dominar o conhecimento específico mas, também possa apreender as relações do conjunto do saberes entre si e as inserções desta área do conhecimento nas práticassociais e nos seus processos definidores.

A questão é como articular, por um lado, os avanços tecnológicos representados pela Informática e demandados pela sociedade, e por outro, a democratização da educação escolar sistematizada em um projeto político-pedagógico emancipatório.

O projeto pedagógico no conjunto das lutas sociais inclui tanto uma diretriz teórica com os meios de processar a prática escolar, onde Pedagogia e Didática se correspondam

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mutuamente, a primeira, buscando na prática educativa a compreensão crítica da sociedade e da cultura, constituindo-se na teoria da ação educativa,e a segunda questionando a prática educativa, proporcionando elementos para a reavaliação teórica. Nesse contexto o professor é o mediador entre a teoria e a prática. Daí a necessidade da Teoria pedagógica para determinar o sentido de sua ação e da Didática para embasar o aspecto técnico dessa ação.

Esses aspectos destacam que o papel que cabe à Educação sintetiza-se em interpretar, analisar, construir, avaliar e transformar a realidade.

Para ROMISZOWSKI (1983), alguns fatores contribuiram na modificação da atitude dos educadores para a aceitação do computador na educação:

1 - o ritmo acelerado do impacto do computador na vida de cada cidadão. Entramos em contato com a Informática em toda a sociedade (bancos, comunicações, eletrodomésticos, telejogos);

2 - explosão tecnológica nas possibilidades da microeletrônica e o conseqüente barateamento e miniaturização dos computadores.

3 - impulso que os órgãos de comunicação e publicidade estão dando ao assunto. A Educação e Treinamento é uma das áreas da Informática que maior interesse vem despertando: artigos descrevem projetos já em andamento, resultados já alcançados e preocupações éticas, pedagógicas e outras. Todos descrevem as mesmas aplicações (existem ainda não muitas escolas que visam computadores no ensino como atividade regular), citam poucos resultados concretos, pois as escolas que visam computadores ainda não produziram uma "massa crítica" de dados sobre as suas experiências e citam as mesmas preocupações, principalmente com os efeitos psicológicos sobre os alunos e com a "importação de tecnologias estrangeiras".

Para OLIVEIRA (1989) "é de fundamental importãncia que ao usarmos um determinado meio instrucional não o usemos ingenuamente. A Educação não é neutra e devemos estar conscientes de toda a filosofia e política que se resguarda atrás da nossa prática pedagógica."(p.113)

Diante disso, ao relacionarmos Educação e Informática, devemos considerar dois aspectos importantes: a educação informatizada e a educação para a informatização. A educação informatizada destaca o uso do computador no ensino como um recurso não em substituição ao professor, mas em auxílio a este. A educação para a informatização considera a preparação do indivíduo para o mundo tecnológico com o qual cada vez mais terá contato em sua vida.

A Universidade aparece atualmente como uma destas estruturas capazes de difundir e utilizar o computador com a preocupação de preparar uma sociedade informatizada.

OLIVEIRA (1989) defendem-se três metas importantes e atuais com o uso da Informática na Educação;

1 - desenvolver uma formação de cultura geral em informática (para que serve, o que pode contribuir na vida moderna, quais suas limitações e aspectos econômicos-políticos-sociais associados a ela);

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2 - favorecer simultaneamente uma renovaçãopedagógica, a brindo para o processo ensino-aprendizagem novas perspectivas na área de recursos instrucionais, auxiliando o professor a questionar-se sobre a validade de seu conteúdo e o modo como está sendo transmitido;

3 - introduzir a Informática através de disciplinas tradicionais, sem que seja criada uma nova disciplina específica, que viria sobrecarregar um currículo já extenso e correria o risco de se tornar mais um conhecimento estanque sem ligação e/ou aplicação com a estrutura curricular de um determinado curso.

Estamos conscientes que existem limitações ao uso desta técnica, pois apesar de poder ser utilizada em todas as matérias, o uso da Informática não pode se fazer de maneira idêntica em todas as disciplinas, tornando-se necessário sua adequação.

A própria renovação pedagógica ligada à utilização da Informática no ensino, pelas suas próprias características, dá-se lentamente, não sendo possível esperar-se resultados rápidos.

Um dos maiores desafios que enfrenta a educação brasileira é favorecer estilos pedagógicos que promovam um processo de ensino-aprendizagem estimulante, ativo, reflexivo e criativo.

Para CANDAU (1991) a didática predominante continua enfatizando a transmissão de um conhecimento pronto, a repetição e a memorização, em alguns casos, a compreensão, a aplicação e a realização de exercícios mecãnicos, de adestramento ou de aplicação de conceitos, leis ou princípios a situações particulares. A educação na maior parte das vezes não estimula a capacidade de dúvida, de incerteza, a consciência de que todo conhecimento é provisório, que está em contínuo processo de criação e recriação. Certamente existem escolas que favorecem um trabalho nessa linha mas são em número reduzido e não afetam de modo significativo a dinãmica do sistema como um todo.

ZAMORA (1977) apud CANDAU (1991) distingue três formas de aplicação de novas tecnologias na educação em países em desenvolvimento:

1 - a partir da caracterização do contexto e das necessidades reais da população, com o compromisso de enfrentar os problemas mais relevantes que afetam a educação, coloca-se o conhecimento científico, as metodologias, as técnicas e os equipamentos a serviço da solução dos referidos problemas;

2 - a partir de um conhecimento teórico dos instrumentos, estes são aplicados indiscriminadamente, permanecendo um enfoque meramente eficientista, procurando-se "otimizar" aberta ou disfarçadamente, consciente ou inconscientemente, o sistema vigente com todas as suas ambiguidades;

3 - tendo por base uma visão superficial dos conhecimentos disponíveis para fazer tecnologia educacional e com uma ausência de sensibilidade humana, se faz pseudo-tecnologia educacional para justificar pseudo-cientificamente decisões sem uma análise crítica do contexto educacional vigente.

Na prática predominam a terceira e segunda aplicações. Certamente a tecnologia da informação não é uma exceção. No entanto, a existência de algumas experiências na linha da primeira abordagem assinalada, permitem afirmar sua possibilidade e lançar um desafio a ser enfrentado.

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O grande desafio da didática atual, segundo CANDAU (1991) é "assumir que o método didático tem diferentes estruturantes e que o importante é articular esses diferentes estruturantes e não exclusivar qualquer um destes tentando considerá-lo como o único". (p.21) Certamente o conteúdo, a estrutura e a organização interna de cada área do conhecimento e sua lógica específica, é um dos estruturantes do método didático. Mas não é o único. O sujeito da aprendizagem, que tem sua configuração própria e evolutiva, uma criança, um adolescente, um adulto, as diferenças individuais e estilos cognitivos são elementos básicos do processo de ensino-aprendizagem. Outros estruturantes são o elemento lógico geral, o contexto em que se dá a prática pedagógica, as variáveis político-sociais e culturais e os fins da educação. Somente articulando todos estes estruturantes, a partir de uma clara concepção da Educação e do processo de ensino-aprendizagem, é possível caminhar na construção de uma didática e de uma pedagogia capazes de romper com a prática educativa predominante em nossas escolas.

Este é também o desafio da Informática na Educação. Como pode ela contribuir para transformar em profundidade as nossas práticas pedagógicas? Que não nos contentemos com mudanças periféricas ou que se reduzam a otimizar o existente. É necessário colaborar com a transformação. Construir uma nova configuração do processo de ensino-aprendizagem capaz de integrar articuladamente, processo e produto, dimensão intelectual e afetiva, objetividade e subjetividade, assimilação de conhecimentos e construção criativa, compromisso com o saber e a questão do poder na escola, dimensão lógica e psicológica, aspectos gerais e específicos da aprendizagem, dimensão política e técnica da prática pedagógica, função de ensino e de socialização da escola, fins da educação, meios e estratégias.

A partir disso, o uso da informática em educaçào deve estar inserido numa proposta pedagógica que respeite o contexto sócio-político da realidade brasileira, as condições prévias do aluno e a avaliação permanente das aquisições e processos intelectuais, antes, durante e após a utilização do computador.

A Didática é uma prática com seus pressupostos filosóficos, com sua teoria de aprendizagem e com procedimentos hierárquicos, regrados e instrumentados que balizam a relação aluno-professor. Os pressupostos filosóficos fornecem uma visão de Homem e colocam um objetivo à Educação. As Teorias de Aprendizagem aspiram a um estatuto científico para dar a palavra final. Mal se distingue das questões filosóficas, cabe às teorias da aprendizagem dar uma descrição fiel dos processos psicológicos que levam um indivíduo a perceber, conceituar, lembrar, generalizar as descobertas nesse campo retroagindo sobreas concepções filosóficas assim como estas influem no caminho das pesquisa.

ALMEIDA (1988) coloca que "dever-se-ia criar uma metodologia de uso do computador na educação, não a metodologia que se encontra constumeiramente por aí, nem a metodologia empacotada nos primeiros programas educacionais. É importante uma metodologia como norteadora da prática pedagógica". (p.367) Outra dimensão da metodologia do ensino seria aquela que a fizesse ser criada a partir da análise do trabalho, ou seja, que formasse a estrutura curricular os programas, as estratégias que os professores adotam, as formas de avaliações, levantando toda a problemática, desde os seus currículos e programas até o seu sistema de avaliação, detectando os pontos de entraves ao desenvolvimento da sua prática cotidiana educativa. É feito um levantamento da problemática para detectar, dentro dessa os ítens em que o computador pode dar uma contribuição para sua solução e que outros ãmbitos da tecnologia não pode dar, e aí sim, aplicar o computador.

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O computador, nesse caso, entra no fim de um processo de análise crítica dos problemas pedagógicos, ao invés de entrar como uma solução a priori, sem ter sido feito um levantamento do problema. É só a partir disso que se deve elaborar programas educacionais com apoio do computador.

ALMEIDA (1988) defende uma "metodologia de produção de material informatizado aplicado à educação"(p.367), onde o professor utiliza todos os recursos da Informática para fazer gráficos, desenhos, ilustrações e textos em suas aulas, sem conhecer computação, pois vai utilizar apenas os recursos da máquina. O curso montado para uma aula e passado para a estrutura computacional, é um curso de uma instrução programada, bastante sofisticada, que está embutida dentro do computador, e o conhecimento que um professor precisa ter de programação para montar um curso com esse recurso é extremamente pequeno.

Se fosse criada uma metodologia de produção de material de informática aplicada à educação, na qual tivessemos muitos recursos a disposição, para produzir os nossos cursos com uma metodologia mais sofisticada, mais aprofundada, as conseqüências pedagógicas seriam várias e benéficas.

Além disso, é necessário também um acompanhamento pedagógico extremamente crítico dos programas produzidos. É muito fácil lançar programas sem que haja acompanhamento pedagógico ou avaliação sitemática das suas conseqüências no aluno e até nas relações disciplinares. Entretanto, é preciso fazer uma análise pedagógica em profundidade, e não utilizar esse elemento como se fosse bom por essência simplesmente, por ser informatizado; por pertencer à informática, ele pode até representar um fator negativo para a escola, decorrendo disto a necessidade de se refletir sobre ele, analisando-o com muito cuidado.

Outro aspecto da Didática que precisamos analisar são os procedimentos, que são a manifestação prática dos pressupostos e das teorias. São hierarquizados, pois são estabelecidas prioridades; regradas, porque ditam normas à maneira de conduzir o aprendizado e uso de recursos (livros, vídeo, televisão). É nesse ponto que entra o computador, pois ele é um "novo" instrumento. É um instrumento independente do ensino e aproveitado por ele. São independentes porque não dizem respeito a nenhuma matéria em particular e nem surgiram de uma necessidade do ensino. Foram criados pela tecnologia para finalidades alheias à educação e, bem ou mal, reaproveitados pelo ensino.

Assim, discute-se não o instrumento, mas a forma de empregá-lo. Os instrumentos que atraem o ensino são instrumentos de comunicação. A relação de ensino é uma relação de comunicação por excelência que visa a formar e informar.

É justamente por ser um instrumento de comunicação que o uso do computador torna-se problemático: tendo a pedagogia um "como transmitir conhecimentos" tendo em vista uma filosofia e uma teoria, estes instrumentos se inserem diretamente no ãmago da questão. Empregar qualquer instrumento significa modificar a relação aluno-conhecimento, a relação aluno-professor e a relação escola-sociedade.

Na relação aluno-conhecimento, o ensino discute não apenas o que ensinar, mas também como vai travar contato com tal conteúdo. A relação aluno-conhecimento é modificada pelos meios empregados para estabelecê-lo.

Na relação aluno-professor a modificação desta relação decorre da primeira, de duas formas:

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1 - o professor tem à sua disposição mais possibilidades didáticas de transmitir conhecimentos e, consequentemente, mudar sua maneira de da aula;

2 - o "status" de dono do conhecimento se modifica: o aluno pode obter maior autonomia de estudo com a existência de livros do que quando havia um só manuscrito para muitos. O conhecimento passa por outras mãos que não as do professor e a relação aluno-professor se vê modificada por estas novas formas de comunicação.

Na relação escola-sociedade, a sociedade encontra novos meios de estocar e comunicar o conhecimento. A cultura, como um todo, se organiza de maneira diferente para gerar o seu patrimãnio. A escola representa uma reposição (atualizada ao contexto das novas tecnologias) dos termos de um antigo debate entre as pedagogias tradicional, tecnicista e renovada. De fato, as divergências entre essas concepções de educação se assentam ao longo do tempo, principalmente sobre a questão dos métodos de ensino e não tanto sobre as finalidades básicas e as funções sócio-políticas da Educação.

Em relação aos procedimentos, CARRAHER (1990) nos diz que o computador é empregado na sala de aula de acordo com pressupostos sobre o seu papel na Educação, sobre a natureza da aprendizagem e sobre a natureza do conhecimento. Quando é tratado como "quadro-negro eletrônico", é utilizado principalmente para representar informações na forma de texto e desenho na tela. O computador se torna um recurso audiovisual que o professor utiliza para ensinar vários conteúdos. Esse uso é associado a uma posição filosófica fundamentalmente empírica, segundo a qual o conhecimento é visto como algo que não sofreria grandes transformações pelo indivíduo, isto é, a representação do conhecimento na mente do aluno é vista como sendo muito semelhante à representação externa do conhecimento. O conhecimento existiria objetivamente no mundo - nos livros ou na mente do instrutor - e a tarefa da Educação consistiria em transferir os conhecimentos do lado de fora do aluno para olado de dentro. O aluno, assim pega conceitos, assimila conteúdos, aprende através de um processo de "fixação". O computador ajudaria nessa tarefa por ser um recurso motivador capaz de armazenar e transferir informações.

A partir deste estudo, após várias entrevistas com os docentes que ministraram aulas de Informáticana Universidade Federal de Santa Maria, constatou-se que o avanço da Informática é uma realidade inquestionável, que está presente em toda a Instituição e na sociedade. A maioria dos professores mostraram interesses em se atualizar e utilizar o computador cada vez mais em suas aulas,como recurso didático. A área de atuação dos docentes entrevistados pode ser situada dentro de duas linhas metodológicas básicas:

1 - investimento na formação do professor, por ser este o agente principal para o desencadeamento de um trabalho correto, capaz de fazer abortar, distorcer ou achar os verdadeiros rumos da informatização na Educação;

2 - integração do trabalho com o computador ao currículo, o que exige do professor e a Universidade uma reflexão sistemática acerca de seus objetivos, de suas técnicas, dos conteúdos escolhidos, das grandes habilidades e seus pré-requisitos, enfim, ao próprio significado da Educação.

Constatou-se um grande questionamento e dúvidas dos docentes em relação a Informática na Educação. Devido a quase nula formação na área pedagógica, a maioria acredita que quem utiliza a Informática no ensino deve abordar a questão do ponto de vista das teorias de

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educação, da interdisciplinaridade da estrutura dos cursos, da infra-estrutura das escolas, dos usuários, e do conhecimento, no caso, específico da Informática como ciência mais ampla e do conhecimento existente sobre a utilização do computador na educação.

Ressaltaram as deficiências teóricas e metodológicas frente ao tema que não podem ser superadas sem uma grande discussão e não devem ser encobertas com treinamentos técnicos.

Os docentes conhecem muito bem Informática, mas pouco a parte didático-pedagógica. É necessário uma complementação para sanear essa lacuna. Alguns não estão acostumados a trabalhar com outras pessoas, como é exigido na relação professor-aluno. Também não estão acostumados com a questão do conteúdo, não sabem bem como transmitir os conhecimentos que dominam.

O conhecimento específico do docente, na maioria das vezes, sobrepõe-se ao conhecimento didático-pedagógico. Um tipo de conhecimento necessariamente não precisa sobrepor-se ao outro. Os dois precisam andar juntos, lado a lado. Não adianta o profissionalser uma pessoa com uma boa formação acadêmica, com muitos cursos, se não consegue propiciar o aprendizado aos alunos.

Constatou-se, ao longo da pesquisa que os entrevistados estão preocupados com a defasagem que se coloca entre o projeto educacional vigente e as demandas técnicas, científicas e teóricas, postas e impostas pelo avanço tecnológico, particularmente da Informática.

Com base na situação dos cursos de licenciaturas no contexto da realidade educacional brasileira, várias deficiências foram apontadas: a inadequação do preparo do professor em geral para um trabalho docente que se apoie e/ou utilize tecnologias educacionais informatizadas.

Segundo LEPÍSCOPO (1992) "o ensino da Informática carece de uma coisa muito importante que é a metodologia. Não existe uma metodologia para o Ensino da Informática e normalmente os docentes ensinam os seus alunos da mesma forma como aprenderam, de um jeito formal, não-sistematizado, não-programado. Eles desconhecem a questão do planejamento de ensino, o que planejamento de ensino, o que dificulta muito o trabalho. Numa sala de aula, há um programa a cumprir e, se o docente não tiver um mínimo de planejamento, não conseguirá cumprí-lo. É preciso que ele tenha muita clareza sobre a questão da avaliação, e até da avaliação com instrumentos mais formais. Mas, o que se nota no mercado, pelos meios nas Instituições em que pudemos recolher informações, é que realmente muito pouca gente está trabalhando em algum projeto para desenvolver uma metodologia para a área."(p.16)

Esta ausência de metodologia não ocorre só na área de Informática; ela acontece também em outras áreas. Quando se lida com uma área de conhecimento mais específica, é preciso ter uma metodologia, uma abordagem eficaz para ensiná-la. No caso da Informática, talvez diferentemente das outras áreas, até porque se trabalha com tecnologia de ponta, há a mistificação que ainda existe em relação á máquina. Há ainda, infelizmente, muitos profissionais que propositadamente mistificam a máquina, mistificam o conhecimento, achando que a Informática se sobrepõe a todas as demais áreas. Este é um grande engano, uma grande incoerência, porque esse tipo de idéias contradiz a própria tendência da microinformática, que é a disseminação dos microcomputadores. O microcomputador existe hoje para ser um instrumento, uma ferramenta acessível a qualquer pessoa.

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Para LEPÍSCOPO (1992) o usuário comum não precisa ter uma formação específica na área de Informática. Isto seria contrário aquilo que é a filosofia da Informática hoje: colocar um micro na mão de qualquer pessoa com programas os mais acessíveis. Hoje existem grandes empresas investindo muito trabalho e dinheiro no desenvolvimento de programas que possam ser manipulados por qualquer pessoa. O usuário, então, não tem de fazer cursos de linguagens, de lógica, de programação, de análise. Ele tem de fazer um curso que o habilite a mexer no computador da mesma maneira que manipula a televisão, o vídeo e dirige o carro. O micro tem de fazer parte da vida das pessoas apenas como uma ferramenta de trabalho, nada mais que isso.

A formação na área de Informática é resultado de um conjunto de conhecimento. Não se pode, por exemplo, considerar apenas o aspecto do conhecimento específico, uma boa formação em Informática ou em qualquer área, é dar condições para o aluno saber interpretar o que está em volta dele. Infelizmente não se observa nas Universidades em geral uma preocupação com esse objetivo. A Universidade hoje não está preocupada em dar nem essa "boa formação" aos alunos, nem a formação profissional propriamente dita.

Outro aspecto importante que deve ser trabalhado com os alunos é o da abrangência de sua formação e da sua atuação político-social futura. O aluno precisa ter uma visão real sobre o impacto da Informática na sociedade, ter consciência que o computador poderá vir a tirar empregos e ter clareza quanto a forma em que esse processo ocorre ou pode ocorrer. Na verdade, as pessoas podem ser recicladas, podem adquirir conhecimentos na área de Informática e ser aproveitadas.

O avanço da informática proporciona aos educadores grandes variedades de meios e recursos no sentido de auxiliá-los em seu trabalho. O surgimento de novas tecnologias e métodos de ensino vieram solicitar a utilização de instrumental mais eficaz para atender os usuários. Mas, apesar dos avanços tecnológicos, na sociedade, ainda temos uma realidade educacional que deixa a desejar, onde o nível de formação do professor frequentemente é inadequado para a classe; não há domínio de conteúdo, recebem baixa remuneração e tem alta rotatividade profissional.

Parece ser mais cômodo manter-se a escola acatando a educação como um imenso processo de acumulação de dados alguns necessários, outros supérfluos, sempre privilegiando a consciência individual. Com o advento do computador, o homem, produto de uma escola tradicional, torna-se antiquado e obsoleto, e como reservatório de conhecimento é facilmente superado pela máquina.

Nossa proposta metodológica para usar o computador no Ensino Superior considera a Educação como emancipatória, que leva em conta a realidade na qual o aluno vive, que utiliza o computador como recurso didático, onde o uso deste é importante.

Para se trabalhar com uma metodologia dentro da pedagogia emancipatória precisamos estar comprometidos com a educação, termos uma perspectiva de homem e mundo numa ação integradora, onde o ensino e as aprendizagens específicas são partes de uma totalidade maior, onde os educadores discutam as questões mais gerais, ligadas as estruturas curriculares que devam integrar diferentes saberes num processo coerente, com as possibilidades de desenvolvimento do aluno, além de contribuir para formar uma consciência de cidadania.

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Questiona-se, se o papel do professor é ensinar ou se o objetivo da educação é criar os instrumentos necessários para o aluno descobrir (sob orientação) com seus próprios meios.

O computador é um instrumento de aprendizagem que pode ser bem ou mal usado. Não está restrito a certas áreas de aprendizagem. Como instrumento ele não é a fonte de aprendizagem mas um canal de comunicação por onde ela passa. Embora a simples presença do computador já constitua um ato de aprendizagem, esta ocorre quando o computador é utilizado pelo aluno, momento em que se estabelece uma interação entre o aluno e quem elaborou o programa.

É preciso uma tomada de consciência, por parte dos professores e administradores, do papel que desempenha a informática na educação e no Ensino Superior. Somos parte da era tecnológica, e isto não apenas do ponto de vista técnico-pedagógico, mas sobretudo como uma questão epistemológica. É imprescindível incentivar pesquisas para fazer avançar o conhecimento nessa linha; para não caminhar às escuras e, também, analisar a importãncia da formação de professores, pois se os currículos dos cursos não contemplam uma formação na linha apontada, estaremos distanciando a Universidade cada vez mais da sociedade e condenando a Educação a algo obsoleto e distanciado do mundo do trabalho, onde a Informática se impõe como mais um instrumento.

É necessário equipar adequadamente as Unidades de Ensino e Pesquisa, prioritariamente as que têm a função de formação de professores, para que possam a partir da prática, tomar realidade a Informática na Educação. A preparação da criança, do jovem e do adulto para os complexos processos da Informática exige uma escola capaz de possibilitar a compreensão teórico-prática dos fundamentos científicos-técnicos e sócio-econãmicos das tecnologias emergentes e presentes no mundo do trabalho.

A ampliação dos aspectos do Ensino Superior levam à vários tipos de metodologias. Nunca teremos uma metodologia uniforme para utilizar em Informática, pelo próprio ritmo dos avanços tecnológicos nessa área.

A Didática que sirva de suporte a uma proposta de utilizar a Informática na Educação precisa considerar dois aspectos fundamentais: a socialização do conhecimento e a formação para o exercício da cidadania. Para CANDAU (1992) "Conhecer é uma capacidade iminentemente humana. É do próprio homem construir conhecimento, não somente transmiti-lo ou reproduzí-lo. Conhecer é um ato profundamente pessoal e criativo."(p.16) Na nossa sociedade a participação no processo de elaboração do conhecimento sistematizado é privilégio de poucos. O compromisso da educação é com a socialização do conhecimento, com a ampliação da participação dos diferentes segmentos da sociedade no processo de transmissão e construção do saber científico, do saber sistematizado. Não somente por seu valor instrumental na constituição de uma nova sociedade mas, articulado com este, por seu valor profundamente humanizador e por seu potencial liberador. Toda inovação no âmbito da Educação deve favorecer este objetivo.

Outro objetivo é a formação para o exercício da cidadania. Uma cidadania ativa, crítica e responsável. Isto supõe pessoas que verdadeiramente sejam sujeito de sua história pessoal e social. Com uma de identidade claramente assumida, capazes de fazer opções conscientes em termos éticos e de sentido da vida humana. Com uma visão de realidade sócio-econãmica e cultural em que viveu explicitamente trabalhada, com um compromisso ativo com a humanização da sociedade.

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Socialização do conhecimento e formação para a cidadania são objetivos básicos da Educação no momento histórico do nosso país. Toda inovação educativa tem de perguntar-se sobre como situar sua contribuição neste horizonte de uma educação comprometida com a construção de um conhecimento e a formação de cidadãos capazes de contribuirem para a transformação social e a afirmação da democracia e da justiça social na sociedade brasileira.

O pano de fundo e ponto de chegada da informatização deve ser a construção de uma sociedade democrática, com participação mais igualitária no conhecimento, nas inovações e nas riquezas. A informatização da sociedade vai tender para uma ou outra dimensão, democratizante ou então oligopólica, dependendo do esquema político-social de distribuição do poder e das riquezas, onde está imerso o processo de informatização.

A Didática para a Informática no nível superior, aqui abordada, deve considerar, além dos aspectos já discutidos:

1 - a definição de uma política nacional de informática na educação, cujas primeiras diretrizes estavam no âmbito da Política Nacional de Informática, que nos anos 80 eram suficientemente amplas, permitindo as Universidades, aos sistemas estaduais de ensino e as escolas de 1º e 2º graus a formação de recursos humanos e as pesquisas e experiências para o desenvolvimento de tecnologia, tendo em vista as necessidades brasileiras. Nos anos 80 houve o auge das propostas de Informática na Educação chegando-se aos anos 90 sem uma política de informática na educação implementada, apenas algumas pesquisas e propostas isoladas.

2 - Investimentos na formação do professor aqui já concretado. Investir no professor, neste momento de grande carência de qualidade docente, uma sábia e coerente perspectiva de cuidar da educação na sua totalidade: os conteúdos, a avaliação, o currículo, a psicologia do aluno e até as questões de política educacional brasileira. Junto a isso propiciar experiências voltadas em informática educativa as comunidades docentes de escolas e Universidades, além de fornecer embasamentos filosófico e pedagógico que permitam refletir criticamente sobre o processo educacional.

3 - Equipar as escolas públicas e universidades com aparelhagem informática, no mínimo mostrar às pessoas que as frequentam, que elas são tratadas com respeito. A escola, para a grande maioria das crianças, se apresenta como o primeiro agente socializador, e é nela que os filhos das classes sociais menos privilegiadas vão ver pela primeira vez como esta sociedade a trata e a valoriza.

4 - O nosso aluno já tem condições de ser alfabetizado e aprender algumas das habilidades fundamentais com as quais o computador trabalha. O país já tenha a sua disposição, seja na área de software, seja na hardware, material a preços acessíveis e resistentes que permitem iniciar trabalhos pedagogicamente consistentes.

5 - A adaptação dos currículos das escolas e Universidades para a inclusão das disciplinas de Informática. Um curso flexível será capaz de formar professores de informática, com alto conhecimento em didática e técnicas pedagógicas, sem, necessariamente, ser um curso de licenciatura em Informática. Basta que um aluno demonstre vontade e habilidade para o ensino, para que seja orientado e estimulado a participar de trabalhos em Eudcação, sob orientação de um docente desta área, plenamente interessado no uso da Informática na Eudcação, por exemplo. Livre para cursar disciplinas básicas desta área, plenamente integralizáveis em seu currículo, teríamos, ao completar os seus estudos, um profissional de

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Informática com formação complementar em Educação, ou seja, um professor de Informática. Um dos pontos da estrutura curricular, a ser considerada é a contemporaneidade do currículo. A área de Informática ainda experimenta notáveis avanços técnicos e científicos. Por mais atual que seja um currículo agora, corre alto risco de tornar-se obsoleto em pouco tempo, senão houver também flexibilidade interna. A capacidade de se auto-ajustar, sem a necessidade premente de uma reforma curricular, a cada passo do avanço técnico-científico na área, só seria possível se o ementário fosse livre, aberto. Contudo, afora as disciplinas básicas, tal abertura é praticável nas disciplinas complementares.

6 - A contenção da tendência de criação de novos cursos na área de Informática, ou por causa da Informática, numa mesma instituição, para atender objetivos específicos. A proliferação de cursos numa dada área, numa mesma instituição, sempre leva a descentralização administrativa, minando a possibilidade de um planejamento consistente e bem coordenado no seu ãmbito. Trabalhos em duplicidade e redundância de ações, obrigam as instituições a investirem dinheiro público de forma perdulária. Também atritos de interesses particulares, motivos de contendas desnecessárias, são mais facilmente superáveis dentro de um contexto centralizado. Neste tocante, podemos enumerar problemas na contratação de docentes, construção de laboratórios de uso público e de uso particular de um dado curso, aquisição de novos equipamentos e material bibliográfico, entre outros. O mais recomendado, quando o interesse da formação profissional exigir, é abrir modalidades específicas dentro do curso, aproveitando-se, desta forma, todos os recursos já existentes. Esta prática irá reforçar o uso dos recursos comuns, melhorar o planejamento do aumento do acervo bibliográfico e de equipamentos, fomentar a cooperação inter-departamental, estimular as demandas reprimidas.

7 - Organização de aulas com discussão de assuntos com a turma toda, (coletivo) ou grupos visando incentivar o aluno a participar mais ativamente da disciplina, conscientizando-se do seu papel de sujeito, do seu processo de educação e não sendo simplesmente um objeto (com participação passiva) deste processo; propiciar o acesso direto dos alunos as fontes de informação (artigos, livros, material didático em geral) sem necessidade da intermediação do professor (como acontece nas aulas expositivas) e incentivando a autonomia da turma em relação ao professor. Uma maneira de repensar a forma de trabalho objetivaria evitar que a Educação seja feita através de doutrinação no uso de técnicas, mas sim através da conscientização para o uso de técnicas. Esta conscientização se dá através do amadurecimento dos alunos pelo estudo, uso de ferramentas e ambientes, diálogo e discussões em aula, onde o professor deve ser uma fonte de estímulos e não de obstáculos.

No ensino da Informática a introdução aos conceitos fundamentais começa geralmente em noções sobre as funções que um computador é capaz de realizar, para logo passar a descrição dos subsistemas que interagem para realizar tal comportamento, sem perder o papel do software como suporte lógico de controle do sistema. Assegurada a absorção destes princípios básicos, é necessário passar para o nível de Arquitetura, e assim sucessivamente passa-se para níveis de abstração mais baixos e detalhados, isto é, desde a arquitetura externa do sistema que mostra o processador como um intérprete do código de máquina, até a arquitetura interna, descrevendo os blocos lógicos e as transferências de informações entre os mesmos, assim como a estrutura lógica das partes operativas e de controle. A arquitetura interna pode ser realizada considerando diferentes alternativas de implementação: por exemplo, microprogramação (vertical ou horizontal) ou lógica aleatória.

Apresentando diferentes enfoques, que dependem do perfil dos destinatários, a maioria dos cursos de informática, devem apresentar e discorrer sobre todos os níveis de abstração, aos

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quais são agregados, no caso da formação de recursos humanos orientados ao hardware, os níveis de implementação física até chegar aos componentes básicos no ãmbito da microeletrônica.

Normalmente, o docente ao percorrer os diversos níveis de descrição de uma máquina utiliza-se de exemplos de arquiteturas hipotéticas ad-hoc que não saem do papel,a não ser em simulações por computador, ou então de arquiteturas reais de processadores comerciais. Estes últimos, geralmente, não permitem ir além dos conceitos da arquitetura externa: pode-se programar o sistema e observar o comportamento das instruções, considerando os registradores acessíveis externamente. Mas o conhecimento da arquitetura interna e não é possível obter-se pois, por razões óbvias de segredo comercial, os fabricantes não divulgam documentação sobre a concepção de seus circuitos, apenas uns dados superficiais.

8 - Inexistência de laboratórios e de software (programas) adequados e eficientes. Laboratórios são importantes para demonstrar os princípios de projetos, implementação e testes dos sistemas de hardware e software. A inexistência de softwares adequados é e será um dos grandes elementos de limitação a maior expansão do uso de Informática na Educação, como já o é para o uso de Informática em outras atividades na sociedade. Não custa barato o desenvolvimento de software para a Educação, pois requer pessoal altamente qualificado, por um lado, sendo o mercado de computadores para a Educação, por outro, muito pequeno. Agrava-se o problema tendo em vista que computadores de diferentes fabricantes em geral,não podem compartilhar o mesmo software.

Assim, para que se atinja a informatização da Educação de nossas escolas e universidades seria necessário, em primeiro lugar, vontade política dos governantes apoiada num projeto pedagógico para a Educação, como um todo, assessoria de técnicos na área de Educação e Informática, capacidade de articulação com organismos que já detém experiência na área.

A Informática constitui-se a partir de teorias que conflitam com as teorias defendidas nas últimas décadas e que, tendo no horizonte a democratização de educação e da sociedade, propõe uma Educação emancipatória em busca de um desenvolvimento econômico, político, sócio-cultural, democratizado onde o conjunto da população participe e usufrua dos avanços alcançados. O papel da Educação e do Ensino terá que se redimensionado, em função das contribuições que o avanço tecnológico emprestará forçosamente à estrutura sócio-político-cultural de toda a humanidade. Isto significa que, também e principalmente a área de formação de professores será, irreversivelmente afetada por esta verdadeira revolução que remete a relevância do estudo e desenvolvimento de alternativas para o enfrentamento da problemática aí implicada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CANDAU, Vera M. Informática na Educação: um desafio. Rio de Janeiro : Tecnologia Educacional, 20(98-99):14-23, jan/abr, 1991.

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PLANEJAMENTO DO ENSINO NUMA PERSPECTIVA CRITICA DE EDUCAÇÃO

ANTONIA OSIMA LOPES*

Na prática pedagógica atual o processo de planejamento do ensino tem sido objeto de constantes indagações quanto à sua validade como efetivo instrumento de melhoria qualitativa do trabalho do professor. As razões de tais indagações são múltiplas e se apresentam em níveis diferentes na prática docente.

A vivência do cotidiano escolar nos tem evidenciado situações bastante questionáveis

nesse sentido. Percebe-se, de início, que os objetivos educacionais propostos nos currículos dos cursos apresentam-se confusos e desvinculados da realidade social. Os conteúdos a serem trabalhados, por sua vez, são definidos de forma autoritária, pois os professores, via de regra, não participam dessa tarefa. Nessas condições, tendem a mostrar-se sem elos significativos com as experiências de vida dos alunos, seus interesses e necessidades.

Percebe-se também que os recursos disponíveis para o desenvolvimento do trabalho

didático tendem a ser considerados como simples instrumentos de ilustração das aulas, reduzindo-se dessa forma a equipamentos e objetos, muitas vezes até inadequados aos objetivos e conteúdos estudados.

Com relação à metodologia utilizada pelo professor, observa-se que esta tem se

caracterizado pela predominância de atividades transmissoras de conhecimentos, com pouco ou nenhum espaço para a discussão e a analise critica dos conteúdos. O aluno sob essa situação tem se mostrado mais passivo do que ativo e, por decorrência, seu pensamento criativo tem sido mais bloqueado do que estimulado. A avaliação da aprendizagem, por outro lado, tem sido resumida ao ritual das provas periódicas, através das quais é verificada a quantidade de conteúdos assimilada pelo aluno.

Completando esse quadro de desacertos, observa-se ainda que O professor, assumindo

sua autoridade institucional, termina por direcionar o processo ensino-aprendizagem de forma isolada dos condicionantes históricos presentes na experiência de vida dos alunos.

No contexto acima descrito, o planejamento do ensino tem se apresentado como

desvinculado da realidade social, caracterizando-se como uma ação mecânica e burocrática do professor, pouco contribuindo para elevar a qualidade da ação pedagógica desenvolvida no âmbito escolar.

No meio escolar, quando se faz referência a planejamento do ensino, a idéia que passa é

aquela que identifica o processo através do qual são definidos os objetivos, o conteúdo programático, os procedimentos de ensino, os recursos didáticos, a sistemática de avaliação da aprendizagem, bem como a bibliografia básica a ser consultada no decorrer de um curso, série ou disciplina de estudo. Com efeito, este é o padrão de planejamento adotado pela grande

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maioria dos professores e que, em nome da eficiência do ensino disseminada pela concepção tecnicista de educação, passou a ser valorizado apenas em sua dimensão técnica.

Ao que parece, essa definição dos componentes do plano de ensino de uma maneira

fragmentária e desarticulada do todo social é que tem gerado a concepção de planejamento incapaz de dinamizar e facilitar o trabalho didático. Consideramos, contudo, que numa percepção transformadora, ou seja, o processo de planejamento visto sob uma perspectiva crítica de educação, passa a extrapolar a simples tarefa de se elaborar um documento contendo todos os componentes tecnicamente recomendáveis. 1. Planejamento: ação pedagógica essencial

A partir dos desacertos observados na atual prática pedagógica em nossas escolas, sentimos que o processo de planejamento do ensino precisa 'ser repensado. A visão negativa desse processo demonstrada pela grande maioria dos professores não pode ser considerada como uma situação irreversível. Entendemos que um planejamento dirigido para uma ação pedagógica crítica e transformadora possibilitará ao professor maior segurança para lidar com a relação educativa que ocorre na sala de aula e na escola como um todo. Nesse sentido, o "planejamento adequado", bem como o seu resultado - "o bom plano de ensino" - se traduzirá pela ação pedagógica direcionada de forma a se integrar dialeticamente ao concreto do educando, buscando transformá-lo.

Numa perspectiva crítica de educação, a instituição escolar tem o significado de local de

acesso ao saber sistematizado historicamente acumulado. De acordo com SAVIANI (1984, p. 9), a escola existe "para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber". Os conteúdos que constituem esse saber elaborado não poderão ser considerados de forma estática e acabada, pois trata-se de conteúdos dinâmicos e, por isso, articulados dialeticamente com a realidade histórica. Nestes termos, precisam ser conduzidos de forma que, ao mesmo tempo em que transmitam a cultura acumulada, contribuam para a produção de novos ronhecimentos.

Produzir conhecimentos nessa concepção tem o significado de processo de reflexão

permanente sobre os conteúdos aprendidos, buscando analisá-los sob diferentes pontos de vista. Significa ainda desenvolver a atitude de curiosidade científica, de investigação da reali-dade, não aceitando como conhecimentos perfeitos e acabados os conteúdos transmitidos ~a escola.

Nessa concepção, a questão do planejamento do ensino não poderá ser compreendida de

maneira mecânica, desvinculada das relações entre escola e realidade histórica. Em vista disso, os conteúdos a serem trabalhados através do currículo escolar precisarão estar estreitamente relacionados com a experiência de vida dos alunos. Essa relação, inclusive, mostra-se como condição necessária para que, ao mesmo tempo em que ocorra a transmissão de conhecimentos, proceda-se a sua reelaboração com vistas à produção de novos conhe-cimentos. O resultado dessa relação dialética será a busca da aplicação dos conhecimentos aprendidos sobre a realidade no sentido de transformá-la.

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Sob essa perspectiva, podemos concluir que a tarefa de planejar passa a existir como

uma ação pedagógica essencial ao processo de ensino, superando sua concepção mecânica e burocrática no contexto do trabalho docente.

2. Planejamento do ensino: um processo integrador entre escola e contexto social

Consideramos que uma nova alternativa para um planejamento de ensino globalizante, que supere sua dimensão técnica, seria a ação resultante de um processo integrador entre escola e contexto social, efetivada de forma crítica e transformadora. Isso significa dizer que as atividades educativas seriam planejadas tendo como ponto de referência a problemática sócio-cultural, econômica e política do contexto onde a escola está inserida. O planejamento do ensino nessa perspectiva estaria voltado eminentemente para a transformação da sociedade de classes, no sentido de torná-la mais justa e igualitária.

Na prática, como se efetivaria essa forma de planejamento? Nossa proposta tem como fundamento os princípios do planejamento participativo,

forma de trabalho comunitário que se caracteriza nela integração de todos os setores da atividade humana, numa ação globalizante, com vistas à solução de problemas comuns.

Essa forma de ação implica uma convivência de pessoas que discutem, decidem,

executam e avaliam atividades propostas coletivamente. A partir dessa convivência, o processo educativo passa a desenvolver mais facilmente seu papel transformador, pois, à medida que discutem, as pessoas refletem, questionam, conscientizam-se de problemas coletivos e decidem-se por se engajar na luta pela melhoria de suas condições de vida.

No contexto escolar o planejamento participativo caracteriza-se pela busca da integração

efetiva entre escola e a realidade social, primando pelo inter-relacionamento entre teoria e prática. A participação de professores, alunos, especialistas, pais e demais pessoas envolvidas no processo educativo, seria o ponto de convergência das ações direcionadas para a produção do conhecimento, tendo como referencial a realidade histórica.

Para efeito de análise desse processo integrador, poderemos sistematizá-lo em fases ou

etapas inter-relacionadas. A primeira será aquela onde se procederá ao estudo real da escola em suas relações com o contexto social em que se insere. O estudo em questão deverá ser desenvolvido de forma global, analisando-se os condicionantes sócio-culturais, econômicos e políticos de diferentes níveis presentes nas relações escola-sociedade.

No bojo desse estudo será naturalmente configurado o universo sócio-cultural da

clientela escolar, possibilitando assim a caracterização dos interesses e necessidades dos educandos para os quais a ação pedagógica estará sendo planejada. Nesse sentido, pesquisar os alunos objetivando identificar o que eles já conhecem, ao que aspiram e como vivem, será uma tarefa imprescindível.

Segundo SNYDERS (1974), os alunos possuem uma experiência que não poderá ser

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ignorada pela escola, experiência das situações de vida, das relações pessoais, bem como uma significativa multiplicidade de informações e conhecimentos, embora de forma fragmentada e dispersa. Portanto, a identificação dos temas ou problemas que se mostram mais importantes para os educandos constitui fator relevante na definição do material da realidade a ser estudado no decorrer do processo de ensino.

O resultado desse primeiro momento do planejamento seria um diagnóstico sincero da

realidade concreta do aluno, elaborado de forma consciente e comprometida com seus interesses e necessidades. Concluído esse diagnóstico, o passo seguinte seria, a partir dele, proceder-se à organização do trabalho didático propriamente dito. Assim, a definição dos objetivos a serem perseguidos, a sistematização do conteúdo programático e a seleção dos procedimentos de ensino a serem utilizados, constituem as ações básicas dessa segunda etapa do planejamento.

Nessa fase é importante ter-se em vista que um processo de ensino transformador não

poderá deixar-se conduzir por objetivos que explicitem somente a simples aquisição de conhecimentos. Na definição dos objetivos, portanto, será essencial a especificação dos diferentes níveis de aprendizagem a serem atingidos: a aquisição, a reelaboração dos conhecimentos aprendidos e a produção de novos conhecimentos.

É importante ressaltar ainda que, num processo educativo que se propõe transformador,

os objetivos de ensino precisarão estar voltados eminentemente para a reelaboração e produção de conhecimentos. Para tanto, deverão expressar ações, tais como a reflexão crítica, a curiosidade científica, a investigação e a criatividade.

Os conteúdos a serem estudados, como já fazem parte do currículo escolar previamente

estruturado, deverão passar por uma análise crítica com vistas à identificação daquilo que representa o essencial e o que representa o secundário a ser aprendido. Nesse caso, o critério básico para se efetivar essa distinção deverá ser a própria realidade concreta dos educandos, a partir da qual o saber sistematizado poderá ser selecionado com vistas a funcionar como instrumento de compreensão crítica da dinâmica dessa mesma realidade. A partir dessa definição, a organização do chamado conteúdo programático far-se-á considerando-se os objetivos propostos em termos de aquisição, reelaboração e produção de conhecimentos.

Conforme já referido anteriormente, o saber sistematizado, atual conteúdo dos

currículos escolares, tem sido produzido longe da escola. A partir desse saber, que na nossa conjuntura educacional não poderá ser ignorado, deverão ser gerados novos conhecimentos através da problematização e da análise crítica. Na percepção de PAULO FREIRE (1987), se professores e alunos exercessem o poder de produzir novos conhecimentos a partir dos conteúdos impostos pelos currículos escolares, estariam de fato consolidando seu poder de contribuir para a transformação da sociedade.

Daí a importância de se ressaltar a relação intrínseca existente entre objetivos propostos

e conteúdos a serem estudados. Em última instância, a organização dos conteúdos estará intimamente relacionada com o objetivo maior da educação escolar, que é propiciar a aquisição do saber sistematizado (ciência), tido como instrumento fundamental de libertação do homem (SAVIANI, 1984).

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Tendo como ponto de referência os objetivos propostos e os conteúdos a serem

estudados, passa-se à articulação dos procedimentos que deverão concretizá-los. Esses procedimentos deverão ser selecionados de forma a atenderem os diferentes níveis de aprendizagem desejados, bem como a natureza da matéria de ensino proposta.

Tendo em vista que a reelaboração e produção de conhecimentos serão os níveis desejáveis de aprendizagem, o critério básico para a seleção dos procedimentos de ensino deverá ser a criatividade. Assim, a tarefa do professor nesse momento será articular uma metodologia de ensino que se caracterize pela variedade de atividades estimuladoras da criatividade dos alunos. Nessa tarefa, inclusive, a participação dos educandos será bastante enriquecedora. Descobrir suas expectativas, saber por que estão na escola, qual seu projeto de vida, são questões que levarão ao entendimento do aluno, ajudando na compreensão de sua linguagem, de suas dificuldades, de seu nível de aspiração.

Complementando esse momento de organização da metodologia de ensino, o passo

seguinte será a sistematização do processo de avaliação da aprendizagem. A avaliação nessa concepção de planejamento não poderá ter o sentido de processo

classificatório dos resultados do ensino. Num processo educativo onde a metodologia de ensino privilegia a criatividade dos alunos, a avaliação terá o caráter de acompanhamento desse processo, num julgamento conjunto de professores e alunos. Dessa forma, não deverá existir preocupação com a verificação da quantidade de conteúdos aprendidos, mas tão somente com a qualidade da reelaboração e produção de conhecimentos empreendida por cada aluno, a partir da matéria estudada.

Concluindo essa discussão, faz-se necessário enfatizar que a caracterização de

momentos ou etapas no planejamento do ensino não deverá ser entendida como o desenvolvimento de partes distintas e estanques dentro desse processo, pois não é possível compartimentar-se uma ação que por sua própria natureza é contínua, dinâmica e globalizante. Assim como a educação pretendida através dessa ação, o planejamento deverá ser integrador em toda a sua extensão. Essa abordagem integradora, com eleito, é que proporcionará um ensino voltado para a formação de pessoas criticas, questionadoras e atuantes. Entendemos que uma educação integradora, onde professores e alunos produzam conhecimentos a partir da participação da escola na sociedade e vice-versa, estará formando efetivamente um educando com possibilidades de contribuir concretamente para a transformação da sociedade.

Tal perspectiva, contudo, exigirá uma postura docente que seja comprometida não só

com o pedagógico, mas também com o social. Exigira, pois, um compromisso do professor com uma educação política e não-ideológica. Nestes termos, um planejamento do ensino nos moldes aqui discutidos só poderá ser efetivado a partir de uma escola cujo engajamento com o contexto social seja, pelo menos, pretendido. Para tanto, será imprescindível que nessa escola convivam pessoas comprometidas com essa postura política a fim de que um processo transformador possa ser desencadeado.

Um outro aspecto a ressaltar é que um planejamento participativo implica a. eliminação

da divisão do trabalho pedagógico existente na escola. Se o fundamento básico desse processo é a integração entre a escola e o contexto social, e seu objetivo maior é a educação do

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indivíduo para a vida social, a co-participação apresenta-se como atitude norteadora de toda a ação pedagógica. Assim, não será possível a convivência de um discurso de participação com uma prática da divisão e da competição. Nesse sentido, não haverá lugar para a defesa de posições de grupos distintos, como, por exemplo, de professores de diferentes séries, disciplinas ou cursos; de supervisores e orientadores; de diretores; de alunos. Na concepção participativa está implícita a relação educador-educando sob todos os aspectos cooperativa, pois existe uma totalidade a ser preservada e esta se explicita pela participação e não pela divisão.

Dessa forma, professores e especialistas não terão que agir de modo compartimentado.

O trabalho pedagógico deverá estar voltado para o engajamento permanente de todos os elementos envolvidos no processo, cada um contribuindo dentro de suas potencialidades e limitações.

Em síntese, na efetivação dessa forma de planejamento é importante que se ressaltem

suas principais diretrizes: - a ação de planejar implica a participação ativa de todos os elementos envolvidos no processo de ensino; - deve priorizar a busca da unidade entre teoria e prática; - o planejamento deve partir da realidade concreta (aluno, escola, contexto social. ..); - deve estar voltado para atingi.. o fim mais amplo da educação.

Em face do exposto, podemos concluir que a concepção de planejamento do ensino aqui

esboçada justifica-se pelo simples fato de que, como a educação, a ação de planejar não pode ser encarada como uma atividade neutra. De outra parte, a opção do professor por um ensino crítico e transformador somente se concretizará através de uma sistemática de planejar seu tra-balho de forma participativa e problematizadora, que ouse dar oportunidade para o aluno reelaborar os conteúdos do saber sistematizado, com vistas à produção de novos conhecimentos.

Sob essa perspectiva, o planejamento do ensino deverá ser assumido pelo professor

como uma ação pedagógica consciente e comprometida com a totalidade do processo educativo transformador, o qual, emergindo do social, a ele retorna numa ação dialética

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A DIDÁTICA E A FORMAÇÃO MULTIDIMENSIONAL DO EDUCADOR: UMA PERSPECTIVA TRANSDISCIPLINAR

Rosemeire Silva Baraúna

RESUMO O texto discute o papel da Didática no ensino superior apresentando-a como alternativa viável à superação da fragmentação do conhecimento presente nesse nível de formação. Propõe-se a construção de propostas de integralização do conhecimento entre as diversas áreas do saber, através da transdisciplinaridade, sendo a Didática a responsável pelo diálogo e articulação desses conhecimentos com intuito de favorecer a formação multidimensional do educador. Palavras chave: Didática, transdisciplinar, multidimensional.

A inteligência que só sabe separar reduz

o caráter complexo do mundo a

fragmentos desunidos, fraciona os

problemas e unidimensionaliza o

multidimensional. Edigar Morin.

Este texto tem o objetivo de refletir sobre o papel da Didática enquanto área do

conhecimento capaz de promover a integração dos diversos campos do saber, numa

perspectiva transdisciplinar, tendo em vista a formação multidimensional dos profissionais da

educação em nível superior.

O percurso histórico da Didática, enquanto ramo do conhecimento indispensável à

formação dos profissionais da educação, evidencia que, a cada época, em decorrência das

mudanças nos contextos político, econômico e social, foram privilegiados determinados

conhecimentos e práticas educativas que direcionaram os rumos dessa ciência.

Em face de constatação das tendências da Didática no processo ensino/aprendizagem,

Candau (2001) classifica três aspectos no processo de formação docente, a saber: o aspecto

técnico, o humano e o político, identificando que a cada momento histórico um dos aspectos

se sobrepõe aos demais. Segundo a autora o grande desafio da Didática seria ultrapassar essa

segregação, não simplesmente com uma justaposição dos diferentes aspectos, mas com a

construção de um todo integrado e articulado, contribuindo, assim, para uma formação

multidimensional.

Em uma abordagem sobre a perspectiva transdisciplinar Nicolesco (1997: 2) afirma

que “a transdisciplinaridade diz respeito ao que está, ao mesmo tempo, entre as disciplinas e

além de todas as disciplinas. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente”. Nesse

sentido, a abordagem torna-se adequada ao projeto de formação do educador que esteja

concatenado com a integralização de conhecimentos que tenha como conseqüência uma

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aprendizagem significativa.

O contexto atual apresenta novas demandas para a formação do educador. A formação

pretendida ultrapassa os limites da profissionalização para o atendimento das necessidades do

mercado. Observam-se constantes transformações na forma de compreender e atuar na

realidade, cujo dinamismo e simultaneidade dos acontecimentos tem comprometido a

construção das bases sólidas de conhecimento por parte dos profissionais em formação. São

constantes as denúncias acerca do processo de desarticulação entre teoria e prática, contudo,

parecem faltar formas adequadas de se trabalhar a teoria de modo que favoreça a autonomia

dos sujeitos em suas intervenções. É nessa perspectiva que se propõe a reflexão sobre a

importância da Didática no processo de articulação das diversas áreas do conhecimento,

necessárias à formação docente, para a construção de uma proposta que mobilize saberes em

prol de uma aprendizagem integrada, contextualizada e significativa acerca dos fenômenos

educativos. Ainda nas palavras de Nicolesco (1997: 2) são encontrados elementos que

reforçam essa necessidade:

“a pesquisa disciplinar diz respeito, na melhor das hipóteses, a um

único e mesmo nível de realidade; além do mais, na maioria dos

casos, refere-se a apenas um fragmento de um nível de realidade.

Por outro lado, a transdisciplinaridade diz respeito à dinâmica

engendrada pela ação de diferentes níveis de realidade ao mesmo

tempo”.

É comum nas instituições de Ensino Superior a existência de trabalhos isolados em

disciplinas. Os departamentos, colegiados, documentos formais como planos de cursos e

planos de disciplinas não têm favorecido o diálogo entre educadores no intuito de elaboração

de uma proposta de trabalho que integre os diferentes campos do saber no desenvolvimento de

atividades conjuntas. Trabalhos realizados de forma específica dificultam o estabelecimento

de relações, fragmentando o objeto de conhecimento, o que inviabiliza o processo de

formação integral.

Ao pesquisar sobre as práticas educativas no ensino superior Masetto (2003) denuncia

que a grande preocupação na educação superior se limita ao próprio ensino. Segundo o autor

as universidades têm se orientado em três pilares que se estruturam de forma paradigmática:

“Organização curricular que privilegia disciplinas

conteudísticas e técnicas, estanques e fechadas, transmitindo

conhecimentos próprios de sua área; na constituição de um

corpo docente altamente capacitado do ponto de vista

profissional, com mestrado e doutorado em sua área do

conhecimento, mas nem sempre com competência na área

pedagógica; uma metodologia que, em primeiro lugar, deve dar

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conta de um programa a ser cumprido, em determinado tempo

com a turma toda”. (pp.80 e 81)

Uma Didática que vislumbra transpor a perspectiva instrumental para atingir a

multidimensionalidade deve ultrapassar os limites do campo disciplinar para auxiliar no

processo de recomposição dos fragmentos resultantes do processo de disciplinarização.

Afinal, torna-se difícil a compreensão dos fenômenos educativos em discussões pontuais,

ainda que trabalhados com metodologias diversificadas e abordagens críticas. Tem que se

buscar o entendimento de que a realidade não funciona por compartimentos e que os fatos se

entrelaçam produzindo novas variáveis e para compreendê-las é necessário um pensamento

articulado de maneira lógica, o que só será possível com o entendimento global dos

conhecimentos imbricados. Além disso, as atividades conjuntas favorecem a reflexão por

parte dos docentes de outras áreas do conhecimento acerca da especificidade da prática

pedagógica, elemento de domínio da Didática.

Segundo Morin (2005: 51) “a transdisciplinaridade se caracteriza geralmente por

esquemas cognitivos que atravessam as disciplinas por vezes com uma tal virulência que as

coloca em transe”. É nesse sentido que se propõe a construção conjunta de propostas

integradas de ensino/aprendizagem em que a Didática funcione como articuladora e

mediadora da construção do conhecimento em uma perspectiva integralizadora, tendo como

ponto de partida a transdisciplinaridade. Dessa forma, deve-se utilizar o estado de transe para

fazer emergir, através de um processo de formação multidimensional, novas alternativas aos

desafios lançados à educação.

Referências Bibliográficas

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Conceição de Almeida, Edgard de Assis Carvalho. (orgs.) – 3 ed. – São Paulo: Cortez, 2005.

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AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

VANI MOREIRA KENSKI *

1 - O ato de avaliar e o cotidiano dos indivíduos

O ato de avaliar está presente em todos os momentos da vida humana. A todo momento as pessoas são obrigadas a tomar decisões que, na maioria das vezes, são definidas a partir de julgamentos provisórios.

O ato de avaliar na vida cotidiana se dá, permanentemente, pela unidade imediata de

pensamento e ação. Nesta unidade a pessoa precisa estar sempre pronta para identificar o que é para si o "verdadeiro", o "correto", opções que vão lhe indicar o melhor caminho a seguir, o que fazer. Muitas vezes essa escolha não corresponde a um conhecimento aprofundado, real, daquilo a que se refere a opção.

Heller nos diz que cada uma de nossas atitudes baseia-se numa atitude probabilística.

" Em breves lapsos de tempo somos obrigados a realizar atividades

tão heterogêneas que não poderíamos viver se nos empenhássemos em lazer

com que nossa atividade dependesse de conceitos fundados cientificamente." O caráter provisório desses juízos é resultante da condição de "doxa", de opinião, que e

própria do saber cotidiano. Esses juízos provisórios, assumidos como verdades, impelem a ação do indivíduo nas suas relações diárias mas podem se alterar, se modificar, na atividade social e individual. As correções desses julgamentos vão se dar mediante a experiência, o pensamento, o conhecimento e a decisão moral individual que orientam a tomada de decisões. "O seu caráter provisório conserva-se na própria alteração."

O ato de avaliar, portanto, exercido em todos os momentos da vida diária dos indivíduos

é leito a partir de juízos provisórios, opiniões assumidas como corretas e que ajudam nas tomadas de decisões4. Esses posicionamentos são definidos pelas pessoas com todos os aspec-tos de sua individualidade, de sua personalidade.

Ao fazer um juízo visando uma tomada de decisão o homem coloca em funcionamento

os seus sentidos, sua capacidade intelectual, suas habilidades, sentimentos, paixões, idéias e ideologias. Nessas relações estão implícitos não só os aspectos pessoais dos indivíduos mas também aqueles adquiridos em suas relações sociais.

A opção de uma pessoa entre ficar em casa lendo ou participar de uma atividade

esportiva ou de um comício, por exemplo, vai ser orientada pelos juízos que esta pessoa tiver feito quanto a essas opções. Para tomar a decisão a pessoa em questão, às vezes em breves

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lapsos de tempo, utiliza a maioria dos elementos acima relacionados. 2 O ato de avaliar no cotidiano da sala de aula

Ao assumirmos que o ato de avaliar se faz presente em todos os momentos da vida humana estamos admitindo que ele também está presente em todos os momentos vividos em sala de aula. O dia-a-dia da sala de a não se separa da cotidianidade de cada um dos indiví duos que aí se relacionam. O ato de avaliar está sempre presente, portanto, nos momentos desfrutados pela classe.

Alunos e professores estão permanentemente avaliando a tudo e a todos. São

formulados juízos em diferentes sentidos. Esses juízos vão orientar a tomada decisões e o estabelecimento de relações que podem ser as do grupo como um todo, incluindo o professor (como a participação em uma excursão), ou simplesmente particulares, de grupos menores (a turma da bagunça a "turma de trás"), ou mesmo individuais (o alunos "puxa-saco").

Em seu sentido mais amplo existem, nas relações sala de aula, dois posicionamentos

básicos nem sempre convergentes: o do professor e o do aluno. O professor emite juízos, quase sempre provisórios que vão de opiniões elásticas sobre a

turma (boa, fraca desordeira...) até aos julgamentos sobre cada um dos alunos em particular. Os alunos também avaliam os seus colegas e, principalmente, o professor. O professor é

avaliado sob diferentes critérios que vão desde sua aparência pessoal até as suas atitudes frente à turma ou sua relação, em termos de conhecimento, com a matéria que ensina.

Esses juízos, positivos ou negativos, podem recair em atitudes diferenciadas e que se

limitam, em termos extremos, em uma atitude de atenção permanente às mudanças ocorridas no comportamento da pessoa que está sendo avaliada, ou se cristalizam em posições este-reotipadas, gerando preconceitos.

Um professor que, por exemplo, rotula uma determinada turma de "incapaz" ou de

"bagunceira" e, mesmo em situações que demonstrem uma evidente mudança no comportamento dos alunos não consegue ultrapassar esse juízo inicial, apresenta uma atitude cristalizada, preconceituosa face a turma.

Esses juízos são também responsáveis pelas tomadas de posições de ambas as partes -

professores e alunos - e que vão desde a colaboração e participação positiva até todos os atos de resistência e oposição.

No caso do professor os juízos emitidos definem a forma de seu relacionamento com os

alunos, a distribuição de prêmios e castigos, punições e elogios, conforme estes se aproximem ou não de suas expectativas, de sua concepção do que seja correto, do seu sentido particular de verdade.

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Instituída pela organização escolar como a detentora do saber verdadeiro a figura do professor confunde-se com a do cientista, o descobridor da "ciência". Seu conhecimento, por mais desatualizado que esteja, é considerado como parâmetro da verdade, sob o qual são julgados todos os alunos sob sua orientação.

Na efetivação da prática do professor e nos julgamentos por ele efetuados vão estar

presentes outros elementos, além dos ligados exclusivamente ao conteúdo da matéria em questão. Como afirma EZPELETA:

"O conhecimento que um professor desenvolve ao trabalhar com um

grupo de crianças incorpora necessariamente elementos de outros domínios

de sua vida."

Nas relações cotidianas de sala de aula o professor apresenta muitas práticas e saberes aprendidos em outros ambientes, outras situações e, muitas vezes, exclui "de sua prática elementos que pertencem ao domínio escolar".

O caráter dinâmico e subjetivo de formulação desses juízos provisórios faz com que o

professor emita avaliações diferentes mesmo em situações aparentemente semelhantes. Neste sentido pode ocorrer que um professor julgue diferentemente dois alunos que passaram por situações semelhantes apresentando o mesmo resultado. Vão estar presentes na efetivação dessas avaliações todo um forte contingente de elementos ligados à individualidade do professor, às relações existentes entre ele e cada um dos alunos, e às condições histórico-concretas em que se dá cada uma dessas situações.

E nesse espaço dinâmico onde diferentes juízos são formulados por diferentes pessoas

em interação permanente que não cabe mais privilegiar apenas um elemento do grupo em suas opiniões. E nesse espaço limitado de sala de aula onde ocorrem avaliações diferenciadas a todo instante que não cabe mais apenas privilegiar um segmento parcial, fragmentado, cristalizado (quando baseado apenas numa prova - do crime, será?) de avaliação.

Como situar a avaliação então? Em que sentido deve ser entendido o ato avaliativo

executado em sala de aula? Que relações devem existir entre o ato de avaliar e o projeto educativo da escola? E o que me proponho a refletir em seguida. 3 - O ato de avaliar e o projeto educativo da escola.

A avaliação desenvolvida durante o processo de ensino-aprendizagem deve estar vinculada a um projeto educativo mais amplo que, na sua elaboração a nível de escola deve contar com a participação dos professores, alunos, demais profissionais da escola, pais ou responsáveis e representantes da comunidade onde a escola está inserida.

O projeto educativo desenvolvido na escola deve ter como premissa básica o alcance de

objetivos que correspondam aos interesses e necessidades dos alunos, garantindo-lhes

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instrumentos que possibilitem o acesso aos conhecimentos necessários à formação de uma consciência crítica, que os liberte da fragilidade e impotência diante do poder e da dominação.

Assim, o projeto educativo da escola deve conter condições gerais amplas ligadas às

características de nacionalidade do conhecimento a ser desenvolvido, garantindo-lhe assim a unidade no contexto amplo da sociedade nacional e, também, no outro extremo, deve estar ligado aos elementos resultantes das relações entre a escola e o contexto social onde ela se encontra.

Tendo como pontos críticos as condições apresentadas pelas duas vertentes a nacional

e a local a escola determina o seu projeto educativo de forma participativa, com o

envolvimento de todos os agentes que se incluem na relação escola-comunidade. A partir dos objetivos estabelecidos no projeto da escola o professor vai orientar os

objetivos particulares de sua disciplina, buscando sempre o atendimento das expectativas interesses e necessidades dos alunos.

O professor deve estar sempre questionando sobre:

O valor do trabalho que está realizando com seus alunos e, se ainda

não se perguntou - o que laço na minha sala de aula contribui de alguma

forma para uma vida mais humana? - inconscientemente não estará

reproduzindo o modelo de sociedade vigente?

Qual será a opção do educador: reproduzir a atual sociedade ou lutar para transforrmá-

la ?"

Se a opção do professor for por uma educação que possibilite aos alunos o acesso a instrumentos que vão auxiliar na transformação da sociedade os seus objetivos devem enunciar claramente essas proposições. Deve ficar evidente o que vai ser essencial para a aprendizagem daquele grupo de alunos, os conteúdos que serão relevantes, as habilidades e atitudes que irão contribuir, no âmbito de sua disciplina, com a formação de um indivíduo consciente, critico e capaz de orientar o seu próprio aprendizado.

Nesse sentido, o que deve o professor pretender em sua atividade cotidiana em sala de

aula? O professor vai estar, então, comprometido não apenas com a simples transmissão

de um saber elaborado que os alunos se limitam a estudar e a esquecer. Seu compromisso vai estar ligado a um processo complexo por onde esse saber vai ser adquirido pelo aluno de for-ma crítica, relacionado com seu universo de experiências; de forma desafiadora, procurando novas soluções para velhos problemas; de forma questionadora, procurando formas criativas e competentes de fazer as mesmas coisas, mesmo aquelas tradicionalmente consideradas bem feitas.

A opção por uma educação transformadora vai exigir, necessariamente,

posicionamentos diferentes de professores e alunos daqueles que tradicionalmente são assumidos no desenvolvimento das atividades de ensino aprendizagem.

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Ao professor vai ser exigido, antes de tudo, competência ao ensinar. O professor

ideologicamente comprometido com uma proposta de educação transformadora deve estar inteiramente consciente da importância política de sua competência no ato de ensinar.

O professor deve ter consciência também de que seus alunos vão se apropriar:

" diferentemente das coisas, dos conhecimentos, dos usos e das

instituições - . . se apropriam também, sem necessariamente acreditar nelas

ou aprová-las, das regras de jogo necessárias à sobrevivência neste

âmbito."

Para atuar eficientemente, frente a essas exigências, o professor precisa possuir competência não apenas no domínio do conteúdo da disciplina a ser ministrada mas, também, no conhecimento de propostas alternativas para trabalhar o conteúdo de maneira a ser apreendido, em suas relações complexas, da melhor forma possível. Precisa também ter capacidade para orientar as ações pedagógicas de acordo com as necessidades e possibilidades dos alunos.

Ao aluno vai ser exigido muito mais do que o simples estudo da matéria, onde lhe cabe

apenas o exercício de sua capacidade de memorização e, após a execução do ato ritualístico da avaliação, o esquecimento. O aluno terá participação dinâmica na sala de aula executando um esforço, no ato de aprender, onde deverá colocar em funcionamento os seus sentimentos, sua capacidade intelectual, suas habilidades, sentidos, paixões, idéias e ideologias. Ou seja, tudo aquilo que coloca permanentemente em funcionamento ao elaborar os juízos provisórios em sua vida diária. No caso em questão esses juízos serão realizados em relação a um objeto de conhecimento específico, apresentado pelo professor. 4 - A avaliação da aprendizagem em um projeto educativo

As tarefas relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem não são estanques, isoladas. Elas efetivamente fazem parte do cotidiano dos indivíduos na escola e não devem ser avaliadas, apenas, em momentos isolados, muitas vezes totalmente desvinculados da realidade diária de sala de aula, e onde os alunos precisam responder questões sobre um saber cristalizado.

A avaliação efetiva vai se dar durante o processo, nas relações dinâmicas de sala de aula

que orientam as tomadas de decisões freqüentes, relacionadas ao tratamento do conteúdo e à melhor forma de compreensão e produção do conhecimento pelo aluno.

Para que isso ocorra faz-se necessário que o professor esteja permanentemente atento às

alterações de comportamento dos alunos. Que haja um clima favorável à participação de todos em sala de aula. Que os alunos não se sintam reprimidos e possam manifestar suas dúvidas, inquietações e incompreensões quanto ao que está sendo aprendido.

É nas relações cotidianas entre professor e aluno que vai se dar a aprendizagem. Dessa

interação vão surgir condições mais efetivas para que ambos possam ser capazes de se avaliar, de avaliarem o conteúdo em questão e de tomarem decisões quanto ao prosseguimento do

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processo ensino~aprendizagem.

Essa relação dinâmica de aquisição, reelaboração e produção de conhecimentos, em que os alunos participam decisivamente do processo, faz com que não haja sentido um processo de avaliação cuja competência caiba exclusivamente à opinião do professor quanto ao desempenho dos alunos.

Parceiros na dinâmica da sala de aula professor e aluno devem participar de todo o processo de avaliação. Nesse processo não devem estar em julgamento apenas o grau de aprendizagem alcançada pelo aluno mas, também, muitos outros questionamentos. Precisa ocorrer durante o processo a auto-avaliação, de cada uma das partes, a forma como o conhecimento vem sendo ensinado-aprendido, os recursos que estão sendo utilizados e os objetivos que estão orientando a aprendizagem e que são possíveis de serem alterados de acordo com as novas necessidades sentidas pelo grupo.

A auto-avaliação nesse contexto passa a ter uma grande importância. A opção por um ensino transformador leva a que o aluno precise ter oportunidades de desenvolvimento de sua capacidade critica e, para isso, é importante que ele tenha condições não só de criticar o que lhe é externo. Que essa capacidade se volte para dentro de si mesmo nas suas relações com o conhecimento e com os outros, através da auto-crítiça, da autoavaliação.

A auto-avaliação não vai ser, apenas, aquela baseada em relatórios estruturados onde os

alunos são orientados para responderem sobre o seu comportamento durante as aulas, trabalhos individuais e de grupos, ou sobre o seu interesse pelo assunto estudado. A auto-ava-liação do aluno deve proporcionar uma reflexão mais profunda, um momento de parada e de encontro do aluno com o objeto de conhecimento, uma análise das alterações ocorridas durante as interações existentes entres ele, sujeito da aprendizagem, e o novo saber.

Da mesma forma a auto-avaliação efetuada pelo professor é o seu momento de reflexão

mais intensa, de encontro com as suas verdades, o seu conhecimento e a realidade, caracterizada então pela sua prática com um determinado grupo de alunos. E o seu momento de questionamento, de desorganização e reorganização. Não há necessidade de se instituir momentos formais para a realização de tais atividades. Elas devem se dar em meio às práticas do cotidiano de sala de aula, em momentos que a especificidade da matéria, do grupo de alunos e do professor é que podem determinar.

Importante é que os resultados dessas auto-avaliações se tornem conscientes, que

possam ser utilizados de alguma forma para reorientar ou não a rota, o caminho do processo de ensino-aprendizagem.

Em um processo crítico de ensino visando uma educação transformadora, a ênfase da

avaliação vai estar nas relações efetuadas no contato diário com o conhecimento. No entanto deve existir espaço para que, em determinados momentos, sejam feitas paradas de reflexão. Essas paradas de reflexão constituem a formulação de atividades pelo professor para que os alunos individualmente ou em grupos possam utilizar o conjunto de conhecimentos apreendidos para criar, questionar, sugerir, procurar novas formas de aplicar aquele saber, enfim mostrar as transformações que o novo saber lhes proporcionou.

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Essas paradas para reflexão tendo em vista a verificação da aprendizagem dos alunos não podem ser, porém, o único elemento sob o qual o aluno vá ser avaliado. O professor precisa ter a preocupação de, no decorrer do processo, utilizar diferentes meios através dos quais os alunos tenham oportunidades de demonstrar o seu aprendizado, as relações que vem estabelecendo entre o novo conhecimento e as aprendizagens anteriores, e as relações que fazem entre o conteúdo aprendido e a realidade histórico-concreta em que se situam. Para isto deve o professor propor a execução de diferentes atividades pelos alunos, elaboradas em gru-pos ou individualmente, como a realização de experimentos, elaboração de projetos, participação em discussões, etc.

Os resultados dessas atividades precisam ser conhecidos não só pelo professor mas,

também, por todos os alunos. Devem ser discutidos, analisados em classe e servirem para que, periodicamente sejam redefinidos ou não os objetivos, sejam reorientados ou não os caminhos da ação educativa.

O sistema escolar impõe que a avaliação, em seu sentido burocrático, resulte em um

veredicto apresentado sob a forma de nota ou conceito. O sistema escolar autoriza também que o responsável pela determinação desse valor

crítico seja o professor. O professor, por sua vez, normalmente realiza essa atividade de forma isolada, considerando-a cansativa, aborrecida. Mas os seus vereditos sobre cada um dos alunos são, quase sempre, inquestionados.

Em um projeto de educação transformadora não se pode pensar que essa atividade deva

ser efetuada apenas por um dos agentes do processo. E' necessário que ambos os sujeitos (professor e aluno) participem de todas as fases do projeto educativo, inclusive da avaliação e da determinação do valor representativo (nota ou conceito) do alcance do aluno na aprendizagem.

E' importante também que essa não seja a única atividade avaliativa a ser desenvolvida.

Durante todo o processo de ensino-aprendizagem a avaliação deve se fazer presente formulando juízos sobre os diferentes elementos que configuram o caminho da atividade pedagógica. 'Assim, devem ser avaliados não só os alunos mas o professor, o conteúdo desenvolvido, os recursos utilizados, os objetivos, a metodologia, etc...

A avaliação deve ser coletiva principalmente nos momentos finais do período letivo,

quando sua função classificatória vai determinar a aprovação ou reprovação do aluno. Nesse sentido é importante retomar o conceito do Conselho de Classe como local onde

os professores, e pelo menos os representantes dos alunos, devem atuar para, de forma coletiva, tomarem decisões quanto ao projeto educativo desenvolvido na escola. A classifica-ção do aluno, positiva ou negativa, deve ser discutida e definida por todos e para todas as disciplinas.

O processo de avaliação em sua forma final, classificatória, não encerra o processo

ensino-aprendizagem. Sua principal função deve ser a de permitir a análise crítica da realidade educacional, seus avanços, a descoberta de problemas novos, de novas necessidades ou de

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outras dimensões possíveis de serem atingidas. O ato de avaliar é uma fonte de conhecimentos e de novos objetivos a serem alcançados no sentido permanente do processo educativo.

BIBLIOGRAFIA

EZPELETA, Justa e ROCKWELL, Elsie. Pesquisa Participante. 5a'o Paulo, Cortez. 1986.

HEILER. Agnes. O Cotidiano e a Historia Rio de Janeiro. Paz e Terra, 2ª ed.

1985.