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Capítulo I Introdução ao Direito Eleitoral SUMÁRIO • 1. Introdução ao Direito Eleitoral. 1.1. Conceito de Direito Eleitoral. 1.2. Obje- to. 1.3. Taxonomia e autonomia. 1.4. Fontes. 1.4.1. Fontes diretas. 1.4.2. Fontes indiretas. 1.5. Codificações eleitorais. 1.6. Competência legislativa. 2. Sinopse. 3. Para conhecer a jurisprudência. 3.1. Informativos. 3.2. Jurisprudência selecionada. 4. Questões de exames e concursos. 4.1. Questão extra. 5. Gabarito. 1. INTRODUÇÃO AO DIREITO ELEITORAL 1.1. Conceito de Direito Eleitoral Segundo Fávila Ribeiro 1 , “o Direito Eleitoral, precisamente, dedica-se ao estudo das normas e procedimentos que organizam e disciplinam o funcionamento do poder de sufrágio popular , de modo a que se estabe- leça a precisa adequação entre a vontade do povo e a atividade governa- mental”. De acordo com Omar Chamon 2 , “o Direito Eleitoral, ramo autônomo do direito público, regula os direitos políticos e o processo eleitoral. Todas as Constituições trataram dessa matéria. Cuida-se de instrumento para a efetiva democracia, ou seja, estuda-se a influência da vontade popular na atividade estatal”. Na lição de Joel José Cândido 3 , “Direito Eleitoral é o ramo do Direito Público que trata de institutos relacionados com os direitos políticos e das eleições, em todas as suas fases, como forma de escolha dos titulares dos mandatos eletivos e das instituições do Estado”. Conceituamos o Direito Eleitoral como o ramo do Direito Público constituído por normas e princípios disciplinadores do alistamento, da convenção partidária, do registro de candidatos, da propaganda políti- ca, da votação, da apuração e da diplomação dos eleitos, bem como das ações, medidas e demais garantias relacionadas ao exercício do sufrágio popular. 1. RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral, Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 04. 2. CHAMON, Omar. Direito eleitoral. São Paulo: Método, 2006, p. 21. 3. CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. São Paulo: Edipro, 2004, p. 20.

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Capítulo IIntrodução ao Direito Eleitoral

SUMÁRIO • 1. Introdução ao Direito Eleitoral. 1.1. Conceito de Direito Eleitoral. 1.2. Obje-to. 1.3. Taxonomia e autonomia. 1.4. Fontes. 1.4.1. Fontes diretas. 1.4.2. Fontes indiretas. 1.5. Codificações eleitorais. 1.6. Competência legislativa. 2. Sinopse. 3. Para conhecer a jurisprudência. 3.1. Informativos. 3.2. Jurisprudência selecionada. 4. Questões de exames e concursos. 4.1. Questão extra. 5. Gabarito.

1. INTRODUÇÃO AO DIREITO ELEITORAL

1.1. Conceito de Direito Eleitoral

Segundo Fávila Ribeiro1, “o Direito Eleitoral, precisamente, dedica-se ao estudo das normas e procedimentos que organizam e disciplinam o funcionamento do poder de sufrágio popular, de modo a que se estabe-leça a precisa adequação entre a vontade do povo e a atividade governa-mental”.

De acordo com Omar Chamon2, “o Direito Eleitoral, ramo autônomo do direito público, regula os direitos políticos e o processo eleitoral. Todas as Constituições trataram dessa matéria. Cuida-se de instrumento para a efetiva democracia, ou seja, estuda-se a influência da vontade popular na atividade estatal”.

Na lição de Joel José Cândido3, “Direito Eleitoral é o ramo do Direito Público que trata de institutos relacionados com os direitos políticos e das eleições, em todas as suas fases, como forma de escolha dos titulares dos mandatos eletivos e das instituições do Estado”.

Conceituamos o Direito Eleitoral como o ramo do Direito Público constituído por normas e princípios disciplinadores do alistamento, da convenção partidária, do registro de candidatos, da propaganda políti-ca, da votação, da apuração e da diplomação dos eleitos, bem como das ações, medidas e demais garantias relacionadas ao exercício do sufrágio popular.

1. RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral, Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 04.2. CHAMON, Omar. Direito eleitoral. São Paulo: Método, 2006, p. 21.3. CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. São Paulo: Edipro, 2004, p. 20.

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1.2. Objeto

Incumbe ao Direito Eleitoral tratar sobre:• A organização da Justiça e do Ministério Público Eleitoral;

• As diversas fases do processo eleitoral:

a) o alistamento eleitoral: inscrição, transferência, revisão, cance-lamento e exclusão de eleitores;

b) a convenção partidária: momento e disciplinamento para esco-lha de candidatos e formalização de coligações;

c) o registro de candidatos: competência dos órgãos jurisdicionais, documentação necessária para o registro e demais regras espe-cíficas;

d) a propaganda política: o disciplinamento da propaganda parti-dária, intrapartidária e eleitoral;

e) os atos preparatórios à votação: distribuição das seções eleito-rais e sua composição, material para votação, organização das mesas receptoras e respectiva fiscalização;

f) a votação: a forma do voto e do sufrágio, os lugares de votação, a polícia dos trabalhos, o horário de início e de encerramento da votação;

g) a apuração; e

h) a diplomação dos eleitos.

• A estruturação dos partidos políticos;

• A fixação das regras de competência e procedimentos em matéria eleitoral;

• O estabelecimento de punições administrativas e criminais no âmbi-to eleitoral, etc.

1.3. Taxonomia4 e autonomia

O Direito Eleitoral, na atualidade, é, indubitavelmente, ramo do direi-to público, pois cuida, sobretudo, das medidas e demais garantias relacio-nadas ao exercício do sufrágio popular.

4. Taxonomia ou taxionomia consiste na ciência da classificação.

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Não menos indiscutível é asseverar que o Direito Eleitoral adquiriu autonomia científica, didática e normativa.

Dizemos que há autonomia científica porque existem normas e prin-cípios próprios de Direito Eleitoral.

A autonomia didática calca-se na presença de disciplinas específicas de Direito Eleitoral nos cursos de graduação e pós-graduação em direito.

No que concerne à autonomia normativa, encontramos no ordena-mento jurídico brasileiro uma grande quantidade de normas jurídicas au-tônomas e específicas de Direito Eleitoral, exempli gratia, a Lei n.º 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), a Lei n.º 9.096, de 19 de setem-bro de 1995 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), a Lei n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições), etc.

1.4. FontesAs fontes do Direito Eleitoral, isto é, aquelas que dizem respeito à sua

origem, estão classificadas em dois grandes grupos: fontes diretas ou pri-márias e indiretas ou secundárias.

1.4.1. Fontes diretasSão fontes diretas ou primárias do Direito Eleitoral, dentre outras:

a) A Constituição Federal5. É a fonte suprema. O Direito Eleitoral bra-sileiro, como todos os demais ramos da dogmática jurídica, retira seu fundamento de validade da Constituição Federal promulgada e pu-blicada em cinco de outubro de 1988. A CF (art. 22, inc. I) deferiu à União a competência privativa para legislar sobre Direito Eleitoral, mas lei complementar federal poderá autorizar que os estados-mem-bros legislem sobre questões específicas dessa matéria (art. 22, pará-grafo único);

b) O Código Eleitoral (Lei n.º 4.737, de 15.07.1965) e leis posteriores que o alteraram. O Código Eleitoral, embora promulgado à época de sua edição como lei ordinária, foi recepcionado como lei complementar pelo art. 121 da Lei Ápice de 1988. Dispõe acerca da organização e do exercício de direitos políticos, precipuamente os de votar e o de ser vo-tado; estabelece a composição e competência da Justiça Eleitoral; fixa as regras atinentes ao alistamento eleitoral, aos sistemas eleitorais, ao

5. Por simetria constitucional, pode-se dizer que as Constituições Estaduais, a Lei Orgânica do Distrito Federal e as Leis Orgânicas dos Municípios também são fontes diretas de Direito Elei-toral.

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registro de candidaturas, à propaganda política, aos atos preparatórios e à votação propriamente dita, à apuração e à diplomação dos eleitos. Aborda, ademais, as garantias eleitorais, os recursos e as disposições penais e processuais penais eleitorais. Está plenamente em vigor, salvo na parte não recepcionada pelo texto constitucional, bem como na par-te derrogada pela legislação superveniente;

c) A Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei n.º 9.096, de 19.09.1995). Dispõe, dentre outros assuntos, sobre a criação e o re-gistro dos partidos políticos; o funcionamento parlamentar; o pro-grama, o estatuto e a filiação partidária; a fidelidade e a disciplina partidárias; a fusão, a incorporação e a extinção das agremiações partidárias; a prestação de contas e o fundo partidário, bem como o acesso gratuito ao rádio e à televisão;

d) A Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar n.º 64, de 18.05.1990). Estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º, da Constitui-ção Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências; e

e) A Lei das Eleições (Lei n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997). Estabelece normas gerais para as eleições brasileiras, tais como as regras atinentes à formação de coligações, ao registro de candidatos, à arrecadação e à aplicação de recursos nas campanhas eleitorais, à prestação de contas, às pesquisas e testes pré-eleitorais, à propagan-da eleitoral em geral, ao direito de resposta, ao sistema eletrônico de votação e à totalização dos votos, às Mesas Receptoras, à fiscalização das eleições, assim como às condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais.

ATENÇÃO INDAGAÇÃO DIDÁTICA

Medida provisória pode ser editada sobre matéria eleitoral ou partidária? Não. É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria relativa a nacio-nalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e Direito Eleitoral (CF, art. 22, § 1.º, inc. I, alínea “a”, de acordo com a EC n.º 32/01).

1.4.2. Fontes indiretasComo fontes indiretas ou subsidiárias do Direito Eleitoral, podemos

citar, exemplificativamente:a) Código Penal. Fixa as regras gerais sobre concurso de agentes, tipici-

dade penal, antijuridicidade, tempo e lugar do crime, etc.;b) Código de Processo Penal. Estabelece o disciplinamento relativo à

persecução penal eleitoral; ao devido processo legal; à apuração das

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infrações penais; bem como à fixação da competência entre os diver-sos juízos criminais, etc.;

c) Código Civil. Conceitua domicílio, elenca as hipóteses de incapacida-de civil, fixa os graus de parentesco, etc.;

d) Código de Processo Civil. Orienta os operadores do direito como de-vem proceder na contagem dos prazos processuais e estabelece di-retrizes recursais. É aplicado subsidiariamente ao processo eleitoral em tudo aquilo que a lei eleitoral não dispuser de forma diversa;

e) Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral67. De grande valia as resoluções emanadas do Tribunal Superior Eleitoral. Estão relacio-nadas ao poder normativo da Justiça Eleitoral, cujo respaldo legal está encartado nos arts. 1º, parágrafo único c/c o art. 23, inc. IX do Código Eleitoral. Entendemos que, não obstante figurarem como uma das fontes de maior importância do Direito Eleitoral, devem ser editadas no exercício do poder regulamentar, ou seja, como norma “secundum legem”. Com efeito, reza a Lei das Eleições: “Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atenden-do ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos” (Lei n.º 9.504/97, art. 105, “caput”, com redação dada pela Lei n.º 12.034/09). Na prática, todavia, tem-se observado crescente expansão da atividade regulamentar do TSE, com a edição de resolu-ções com conteúdo de norma autônoma não emanada do Congresso Nacional, o que fez, certamente, alguns doutrinadores a classificarem tais atos normativos como fontes primárias ou diretas de Direito Elei-toral8; e

6. Também consideram as resoluções editadas pelo TSE como fontes indiretas ou subsidiárias de Direito Eleitoral: Fávila Ribeiro, Francisco Dirceu Barros, Thales Tácito Cerqueira, Camila Albuquerque Cerqueira e Omar Chamon. Este último chega a reconhecer que não é tarefa pa-cífica informar a natureza jurídica das resoluções ao asseverar, in verbis: “Parece-nos que, por absoluta ausência de autorização constitucional, a Justiça Eleitoral não tem competência para editar normas com o patamar de lei. A jurisprudência encontra-se dividida sobre o tema” (Di-reito eleitoral, p. 26).

7. No âmbito estadual e no território do Distrito Federal, os tribunais regionais eleitorais devem cumprir e fazer cumprir as decisões e instruções do Tribunal Superior Eleitoral (CE, art. 30, inc. XVI).

8. Joel José Cândido, por exemplo, considera a resolução do TSE fonte direta de Direito Eleitoral. Assevera que tal ato normativo tem força de lei ordinária (Direito eleitoral brasileiro, p. 20).

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f) Consultas9. O Tribunal Superior Eleitoral pode responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por auto-ridade com jurisdição federal ou por órgão nacional de partido polí-tico (competência consultiva prevista no inc. XII do art. 23 do Código Eleitoral decorrente de delegação constitucional contida no art. 121 da CF/88). Dois são os requisitos para que possam ser respondidas (condições de admissibilidade): a) apresentação por autoridade competente [com jurisdição federal (“exempli gratia”, Tribunal Re-gional Eleitoral, Senador da República, Deputado Federal) ou por ór-gão nacional de agremiação partidária (“verbi gratia”, presidente do diretório nacional do PSTU)]; e b) indagação em tese (jamais deverá ser respondida consulta formulada sobre fato concreto). Inobstante não terem caráter vinculante, podem servir de suporte para futuras decisões judiciais. Daí sua importância para o Direito Eleitoral.

1.5. Codificações eleitorais10

A partir da Revolução de 1930, o Brasil ingressou na era das codifica-ções eleitorais. Desde então, o país já contou com quatro códigos, a saber:a) O Decreto n.º 21.076, de 24.02.1932. Possuía 144 artigos e era

dividido em cinco partes, o que foi seguido pelos demais códigos. É considerado o primeiro Código Eleitoral brasileiro. Foi editado sob os reclamos oriundos da própria Revolução de 1930. Criou a Justiça Eleitoral; instituiu o voto feminino; previu o sufrágio universal, o voto direto e secreto em cabina indevassável; e o eleitor tinha legitimidade para propor ação penal eleitoral;

b) A Lei n.º 48, de 04.05.193511. Tal qual o primeiro, o segundo Código Eleitoral adveio sob a Era Vargas. Consistiu em um diploma legal com 217 artigos. Dispôs, em capítulo próprio (arts. 49 a 57), acerca da atu-ação do Ministério Público em todas as fases do processo eleitoral; e

9. Os tribunais regionais eleitorais também respondem a consultas, sobre matéria eleitoral, em tese, quando formuladas por autoridade pública (exemplo: Juiz Eleitoral, Deputado Estadual, etc.) ou partido político (CE, art. 30, inc. VIII).

10. Tramita no Congresso Nacional projeto de lei complementar (PLC n.º 195/94) que se propõe a ser o futuro Código Eleitoral ou, na redação do próprio diploma normativo, o “Código de Poder de Sufrágio”.

11. Em 1937 foi decretado um Estado de exceção democrática no Brasil com a implantação do denominado Estado Novo por Getúlio Vargas. Foi nesse ano decretada a extinção da Justiça Eleitoral, a abolição das agremiações partidárias existentes e a suspensão das eleições livres no país. Perdurou o regime autoritário até 1945, quando se deu a queda do presidente Vargas, a redemocratização nacional, a eleição do presidente Eurico Gaspar Dutra e a promulgação da Constituição Federal de 1946 (democrática).

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acrescentou, como órgãos integrantes do Judiciário, as Juntas Eleitorais (na época chamadas de Juntas Especiais) incumbidas de apurar as elei-ções municipais. Os Juízes Eleitorais passaram a ter competência para processar e julgar os crimes eleitorais (competência esta até então pri-vativa dos Tribunais Eleitorais). Reduziu os prazos prescricionais para a prática de crimes eleitorais para cinco anos (quando previstas penas privativas de liberdade) e dois anos (nos demais casos);

c) A Lei n.º 1.164, de 24.07.1950. O terceiro Código Eleitoral possuía 202 artigos. Foi editado quando da vigência da Constituição Federal de 1946. Previu o sufrágio universal e o voto direto, obrigatório e se-creto. Acolheu, tal como hoje, os sistemas eleitorais proporcional e majoritário. Dispôs sobre a propaganda eleitoral em capítulo especí-fico. Não destinou capítulo próprio ao Ministério Público Eleitoral; e

d) A Lei n.º 4.737, de 15.07.1965. É o quarto e atual Código Eleitoral. Embora lei ordinária, foi recepcionado como lei complementar pela Constituição de 1988. Possui 383 artigos e está organizado em cinco partes: I) Parte Primeira – Introdução (arts. 1º a 11); II) Parte Segun-da – Dos Órgãos da Justiça Eleitoral (arts. 12 a 41); III) Parte Terceira – Do alistamento (arts. 42 a 81); IV) Parte Quarta – Das Eleições (arts. 82 a 233); e V) Parte Quinta – Disposições várias (arts. 234 a 383).12

ATENÇÃO INDAGAÇÃO DIDÁTICA

Houve um quinto Código Eleitoral na história do Brasil?Não. Em 28.05.1945 foi editado o Decreto-lei n.º 7.586, considerado por Pin-to Ferreira como um diploma legal eleitoral propriamente dito. Em nenhuma passagem do texto do DL, todavia, houve menção em ser Código Eleitoral. Alu-dida norma, no entanto, foi de grande relevância, sobretudo devido ter sido o responsável pelo renascimento da Justiça Eleitoral brasileira, extinta pela Constituição de 1937. A doutrina brasileira, em sua maioria, não o considera um Código Eleitoral.6

1.6. Competência legislativaA competência para legislar sobre Direito Eleitoral é privativa da

União. Com efeito, assim dispõe o inc. I do art. 22 da Lei Ápice, in verbis: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral...”

12.. Nesse sentido, Joel José Cândido (op. cit. p. 29) e Antônio Roque Citadini (Código eleitoral ano-tado e comentado, p. 5).

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Não obstante incumbir à União legislar sobre Direito Eleitoral, nada impede que os Estados e o Distrito Federal legislem especifica e supleti-vamente sobre os mecanismos de democracia direta nos seus respectivos territórios.

Esses meios de democracia direta13 estão inseridos nos incisos I a III do art. 14 da Constituição Federal de 1988. São eles: plebiscito, referendo e iniciativa popular.14

ATENÇÃO INDAGAÇÃO DIDÁTICA

O que você entende por princípio da anualidade da lei eleitoral? É o princípio que está inserido no art. 16 da Constituição Federal15, com a reda-ção dada pela EC n.º 4/93, assim redigido: “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência”. Destarte, para que uma lei modificadora ou alteradora do processo eleitoral produza eficácia, ela terá que ser publicada no DOU, no mínimo, um ano e um dia antes de determinada eleição.

15

ATENÇÃO INDAGAÇÃO DIDÁTICA

O que é considerado “processo eleitoral” para fins do art. 16 da Constitui-ção Federal? A resposta é dada em duas ocasiões pelo próprio STF. A primeira, quando do julgamento da ADI 3.345, na qual se discutia a eventual inconstitucionalidade da Resolução do TSE que fixava o número de vereado-res. Extrai-se, a propósito, do Informativo STF n.º 398, de 22 a 26 de agosto de 2005, que a norma do art. 16 da Constituição Federal, “consubstanciadora do princípio da anterioridade da lei eleitoral, foi prescrita no intuito de evitar que o Poder Legislativo pudesse inserir, casuisticamente, no processo eleitoral, modifica-ções que viessem a deformá-lo, capazes de produzir desigualdade de participação dos partidos e respectivos candidatos que nele atuam”.

13. Sobre plebiscito, referendo e iniciativa popular, vide capítulo III, item 1.2., do presente livro.14. Conf. art. 16, CF, com a redação determinada pela Emenda Constitucional n.º 4, de 14 de setem-

bro de 1993.15. O art. 16 da CF foi redigido originariamente com o seguinte conteúdo: “A lei que alterar o pro-

cesso eleitoral só entrará em vigor um ano após a sua promulgação”. No meio jurídico tal texto legal passou a ser intitulado ou conhecido como “princípio da anualidade eleitoral”. Verificou--se, no entanto, no texto transcrito, uma atecnia legislativa, pois houve no dispositivo certa con-fusão entre vigência e eficácia da norma. A EC n.º 4, publicada no Diário Oficial da União de 15.09.1993, aperfeiçoou a redação e tornou clara a matéria. Com efeito, com a novel previsão não há dúvidas de que a lei entrará em vigor na data de sua publicação (vigência), mas não pro-duzirá efeitos jurídicos (não terá eficácia) para eleição que ocorra a menos de um ano da data de sua publicação.

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A segunda, quando do julgamento da ADI n.º 3.741, o Pretório Excelso decidiu haver violação do postulado da anterioridade ou anualidade da lei eleitoral quando a norma: a) produzir rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos e dos respectivos candidatos no processo eleitoral; b) in-troduzir deformação de modo a afetar a normalidade das eleições; c) conti-ver dispositivo considerado fator de perturbação do pleito; ou d) derivar de alteração motivada por propósito casuístico.

2. SINOPSEINTRODUÇÃO AO DIREITO ELEITORAL

2.1. Conceito de Direito Eleitoral

É o ramo do Direito Público constituído por normas e princípios disciplinadores do alis-tamento, da convenção partidária, do registro de candidatos, da propaganda política, da votação, da apuração e da diplomação dos eleitos, bem como das ações, medidas e demais garantias relacionadas ao exercício do sufrágio popular.

2.2. Objeto

O Direito Eleitoral cuida, dentre outras matérias, da organização da Justiça e do Ministério Público Eleitoral; das diversas fases do processo eleitoral (do alistamento até a diplomação dos eleitos); da disciplina dos partidos políticos; da fixação de regras de competência e procedimentos em matéria eleitoral, bem como do estabelecimento de punições adminis-trativas e criminais no âmbito eleitoral.

2.3. Taxonomia e autonomia

O Direito Eleitoral é ramo do direito público. Possui autonomia didática, científica e nor-mativa.

2.4. Fontes

Fontes diretas (Constituição Federal e leis eleitorais) e fontes indiretas (Código Penal, Códi-go de Processo Penal, Código Civil e Código de Processo Civil, Resoluções do TSE, Consultas, etc.).

2.5. Codificações eleitorais

O Brasil, após a Revolução de 1930, ingressou na era das codificações eleitorais. Desde en-tão, o país já contou com quatro códigos eleitorais (1º Código Eleitoral: Decreto n.º 21.076, de 24.02.1932; 2º Código Eleitoral: Lei n.º 48, de 04.05.1935; 3º Código Eleitoral: Lei n.º 1.164, de 24.07.1950; e 4º Código Eleitoral: Lei n.º 4.737, de 15.07.1965 (CÓDIGO ATUAL-MENTE EM VIGOR).

2.6. Competência legislativa

Incumbe à União legislar privativamente sobre Direito Eleitoral (art. 22, inc. I, da Constitui-ção Federal).

2.7. Vigência da lei eleitoral

A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, mas não se aplicará à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.

2.8. Mecanismos de democracia direta no texto constitucional

Plebiscito, referendo e iniciativa popular.

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3. PARA CONHECER A JURISPRUDÊNCIA

3.1. Informativos

I) Informativo STF nº 398 – Resolução do TSE. Fonte do Direito Eleitoral. Prin-cípio da Anterioridade da Lei Eleitoral.

Em relação ao mérito, concluiu-se pela inexistência das apontadas violações aos prin-cípios da reserva de lei, da separação de poderes, da anterioridade da lei eleitoral e da autonomia municipal. Esclareceu-se que a Resolução 21.702/2004 foi editada com o propósito de dar efetividade e concreção ao julgamento do Pleno no RE 197917/SP (DJU de 27.4.2004), já que nele o STF dera interpretação definitiva à cláusula de proporcionalidade inscrita no inciso IV do art. 29 da CF, conferindo efeito transcen-dente aos fundamentos determinantes que deram suporte ao mencionado julgamento. Salientando que a norma do art. 16 da CF, consubstanciadora do princípio da anterio-ridade da lei eleitoral, foi prescrita no intuito de evitar que o Poder Legislativo pudesse inserir, casuisticamente, no processo eleitoral, modificações que viessem a deformá-lo, capazes de produzir desigualdade de participação dos partidos e respectivos candida-tos que nele atuam, entendeu-se não haver afronta ao referido dispositivo, uma vez que a Resolução sob análise não ocasionou qualquer alteração que pudesse comprometer a finalidade visada pelo legislador constituinte. Da mesma forma, foram afastadas as demais alegações de infringência a postulados constitucionais. Afirmou-se que o TSE, dando expansão à interpretação constitucional definitiva assentada pelo Supremo – na sua condição de guardião maior da supremacia e da intangibilidade da Constituição Federal – em relação à citada cláusula de proporcionalidade, submeteu-se, na elabo-ração do ato impugnado, ao princípio da força normativa da Constituição, objetivando afastar as divergências interpretativas em torno dessa cláusula, de modo a conferir uniformidade de critérios de definição do número de Vereadores, bem como assegu-rar normalidade às eleições municipais. Vencido o Min. Marco Aurélio que dava pela procedência dos pedidos, ao fundamento de que o TSE extrapolou sua competência para editar resoluções – a qual estaria limitada ao cumprimento do Código Eleitoral (Cód. Eleitoral, art. 23, IX) – ao fixar tabela quanto ao número de vereadores, cuja in-cumbência, nos termos do inciso IV do seu art. 29 da CF, e desde que observados os limites mínimo e máximo previstos neste último dispositivo, seria de cada Câmara de Vereadores, por meio de Lei Orgânica dos Municípios. ADI 3345/DF e ADI 3365/DF, rel. Min. Celso de Mello, 25.8.2005. (ADI-3345) (ADI-3365).

II) Informativo STF nº 562 – Norma de Direito Eleitoral. Competência legiferan-te privativa da União. Governador e Vice-Governador: Dupla Vacância e Eleição Indireta pela Assembleia Legislativa.

No que se refere, do ponto de vista da sua gênese, à natureza da lei que predica a Cons-tituição Federal no art. 81, § 1º, bem como a de lei estadual que regulamente previsão idêntica da Constituição estadual, o relator salientou ser indiscutível a competência “ratione materiae” privativa da União para legislar sobre direito eleitoral (CF, art. 22, I), mas considerou que, quando o constituinte estadual reproduz a regra de eleição indireta pelos representantes do Poder Legislativo, na forma da lei, a lei exigida seria de competência do Estado, por não possuir caráter jurídico-eleitoral. Explicou não se ter, nesse caso, uma lei materialmente eleitoral, haja vista que ela simplesmente regu-la a sucessão do Chefe do Poder Executivo, sucessão esta extravagante. Reportou-se à orientação firmada na ADI 2709/SE (DJE de 16.5.2008), no sentido da constitucionali-

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dade de norma constitucional estadual que disciplina o processo de escolha de gover-nantes em caso de dupla vacância. Aduziu que, embora não deixem de revelar certa co-notação eleitoral, porque dispõem sobre o procedimento de aquisição eletiva do poder político, não haveria como reconhecer ou atribuir características de direito eleitoral “stricto sensu” às normas que regem a eleição indireta no caso de dupla vacância no último biênio do mandato. Em última instância, essas leis teriam por objeto matéria político-administrativa que demandaria típica decisão do poder geral de autogoverno, inerente à autonomia política dos entes federados. Em suma, a reserva de lei constante do art. 81, § 1º, da CF, nítida e especialíssima exceção ao cânone do exercício direto do sufrágio, diria respeito somente ao regime de dupla vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, e, como tal, da óbvia competência da União. Por sua vez, considerados o desenho federativo e a inaplicabilidade do princípio da simetria ao caso, competiria aos Estados-membros a definição e a regulamentação das normas de substituição de Governador e Vice-Governador. De modo que, quando, como na es-pécie, tivesse o constituinte estadual reproduzido o preceito constitucional federal, a reserva de lei não poderia deixar de se referir à competência do próprio ente federado. No mais, predefinido seu caráter não-eleitoral, não haveria se falar em ofensa ao princí-pio da anterioridade da lei eleitoral (CF, art. 16). ADI 4298 MC/TO, rel. Min. Cezar Peluso, 7.10.2009. (ADI-4298).

III) Informativo TSE nº 31, ano 13, de 10 a 16 de outubro de 2011 – Norma de Direito Eleitoral. Prestação de contas. Matéria processual. Lei nova. Aplicação imediata. Irretroatividade.

A aplicabilidade imediata da lei processual não tem efeito retro-operante em re-lação a situações jurídicas consolidadas sob a égide da lei anterior, devendo respeitar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. A despeito da inovação trazida pela Lei nº 12.034/2009 – que acrescentou os parágrafos 6º e 7º ao art. 30 da Lei nº 9.504/1997 para assentar o caráter jurisdicional da prestação de contas e o cabimento de recurso especial – observa-se que, pelo princípio “tempus regit actum”, a eficácia imediata da lei nova não alcança os atos consumados na vigência da lei anterior, a exemplo do acórdão regional proferido sob o entendimento de que a prestação de contas ostenta caráter meramente administrativo e, portanto, não desafia a interposi-ção de recurso especial. Conforme entendimento jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral, a interposição de recurso rege-se pela lei em vigor na data da publicação da decisão recorrida. Na espécie, o recurso especial eleitoral é incabível, porquanto inter-posto contra acórdão publicado em 2.9.2009, antes da Lei nº 12.034/2009, em vigor desde 30.9.2009. Nesse entendimento, o Tribunal, por unanimidade, desproveu o agra-vo regimental (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 12.268/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, em 13.10.2011).

3.2. Jurisprudência selecionada

Consulta eleitoral. Requisitos de admissibilidade

EMENTA: CONSULTA. PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO – PTB. CRIAÇÃO DE NOVO PARTIDO POLÍTICO.

Impugnações. Resolução nº 23.282/2010 do Tribunal Superior Eleitoral. Termos expressos na

norma. Precedente. Consulta não conhecida (Consulta nº 965-86/DF. Relatora: Ministra Cármen Lúcia. DJE de 10.10.2011).

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Lei eleitoral e princípio da anterioridade da lei eleitoral

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 11.300/2006 (MI-NIRREFORMA ELEITORAL). ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ANTERIORI-DADE DA LEI ELEITORAL (CF, ART. 16). INOCORRÊNCIA. MERO APERFEIÇOA-MENTO DOS PROCEDIMENTOS ELEITORAIS. INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO DO PROCESSO ELEITORAL. PROIBIÇÃO DE DIVULGAÇÃO DE PESQUISAS ELEITO-RAIS QUINZE DIAS ANTES DO PLEITO. INCONSTITUCIONALIDADE. GARANTIA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DO DIREITO À INFORMAÇÃO LIVRE E PLURAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO DI-RETA.

I – Inocorrência de rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos e dos respectivos candidatos no processo eleitoral.

II – Legislação que não introduz deformação de modo a afetar a normalidade das eleições.

III – Dispositivos que não constituem fator de perturbação do pleito.

IV – Inexistência de alteração motivada por propósito casuístico.

V – Inaplicabilidade do postulado da anterioridade da lei eleitoral.

VI – Direto à informação livre e plural como valor indissociável da ideia de demo-cracia.

VII – Ação direta julgada parcialmente procedente para declarar a inconstitucionali-dade do art. 35-A da Lei introduzido pela Lei 11.300/2006 na Lei 9.504/1997.

Decisão

O Tribunal, por unanimidade, julgou a ação direta procedente, em parte, para decla-rar inconstitucional o artigo 35-A, conforme a redação que lhe deu a Lei nº. 11.300, de 10 de maio de 2006, e improcedente no mais, nos termos do voto do Relator. Vo-tou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausentes, justificadamente, os Senhores Mi-nistros Gilmar Mendes e Cezar Peluso. Falou pelo requerente, Partido Social Cristão – PSC, o Dr. Vítor Nósseis. Plenário, 06.09.2006 (ADI 3741/DF – DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. RICARDO LEWANDO-WSKI. Órgão Julgador: Tribunal Pleno).

Emenda constitucional e aplicação do princípio da anterioridade da lei elei-toral

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º DA EC 52, DE 08.03.06. APLICAÇÃO IMEDIATA DA NOVA REGRA SOBRE COLIGAÇÕES PARTI-DÁRIAS ELEITORAIS, INTRODUZIDA NO TEXTO DO ART. 17, § 1º, DA CF. ALEGA-ÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI ELEITORAL (CF, ART. 16) E ÀS GARANTIAS INDIVIDUAIS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, CAPUT, E LIV). LIMITES MATERIAIS À ATIVIDADE DO LEGISLADOR CONSTITUINTE REFORMADOR. ARTS. 60, § 4º, IV, E 5º, § 2º, DA CF.

1. Preliminar quanto à deficiência na fundamentação do pedido formulado afastada, tendo em vista a sucinta porém suficiente demonstração da tese de violação consti-tucional na inicial deduzida em juízo.

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2. A inovação trazida pela EC 52/06 conferiu status constitucional à matéria até en-tão integralmente regulamentada por legislação ordinária federal, provocando, as-sim, a perda da validade de qualquer restrição à plena autonomia das coligações partidárias no plano federal, estadual, distrital e municipal.

3. Todavia, a utilização da nova regra às eleições gerais que se realizarão a menos de sete meses colide com o princípio da anterioridade eleitoral, disposto no art. 16 da CF, que busca evitar a utilização abusiva ou casuística do processo legislativo como instrumento de manipulação e de deformação do processo eleitoral (ADI 354, rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 12.02.93).

4. Enquanto o art. 150, III, b, da CF encerra garantia individual do contribuinte (ADI 939, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 18.03.94), o art. 16 representa garantia in-dividual do cidadão-eleitor, detentor originário do poder exercido pelos represen-tantes eleitos e “a quem assiste o direito de receber, do Estado, o necessário grau de segurança e de certeza jurídicas contra alterações abruptas das regras ineren-tes à disputa eleitoral” (ADI 3.345, rel. Min. Celso de Mello). 5. Além de o referido princípio conter, em si mesmo, elementos que o caracterizam como uma garantia fundamental oponível até mesmo à atividade do legislador constituinte derivado, nos termos dos arts. 5º, § 2º, e 60, § 4º, IV, a burla ao que contido no art. 16 ainda afronta os direitos individuais da segurança jurídica (CF, art. 5º, caput) e do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV).

6. A modificação no texto do art. 16 pela EC 4/93 em nada alterou seu conteúdo prin-cipiológico fundamental. Tratou-se de mero aperfeiçoamento técnico levado a efeito para facilitar a regulamentação do processo eleitoral.

7. Pedido que se julga procedente para dar interpretação conforme no sentido de que a inovação trazida no art. 1º da EC 52/06 somente seja aplicada após decorrido um ano da data de sua vigência.

Decisão

O Tribunal, por unanimidade, resolveu questão de ordem suscitada pela Relatora no sentido de que não é o julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Funda-mental prioritário em relação ao da Ação Direta de Inconstitucionalidade, podendo ser iniciado o julgamento desta. Por unanimidade, o Tribunal rejeitou a preliminar suscitada pela Advocacia Geral da União de ausência de fundamentação do pedido. O Tribunal, por unanimidade, admitiu como amici curiae a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro; o Partido do Movimento Democrático Brasileiro-PMDB; o Partido da Frente Liberal-PFL; o Partido Democrático Trabalhista-PDT, e o Partido Popular Socialista-PPS; e inadmitiu quanto ao Partido Social Liberal-PSL. O Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação para fixar que o § 1º do artigo 17 da Constitui-ção, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº. 52, de 8 de março de 2006, não se aplica às eleições de 2006, remanescendo aplicável à tal eleição a redação original do mesmo artigo, vencidos os Senhores Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence, nessa parte, sendo que o Senhor Ministro Marco Aurélio entendeu preju-dicada a ação, no que diz respeito à segunda parte do artigo 2º, da referida emenda, quanto à expressão “aplicando-se às eleições que ocorrerão no ano de 2002”. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Falaram: pelo requerente, o Dr. Roberto Antonio Busato, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; pelo requerido, o Dr. Alberto Cascais, Advogado-Geral do Senado Federal; pelos amicus

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curiae Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, o Dr. Marcelo Cerqueira, e pelo PMDB, PFL, PPS e PDT, o Dr. Admar Gonzaga Neto; pela Advocacia Geral da União, o Ministro Álvaro Augusto Ribeiro Costa, Advogado-Geral da União e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza, Procu-rador-Geral da República. Plenário, 22.03.2006 (ADI 3685/DF – DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. ELLEN GRACIE. Órgão Julgador: Tribunal Pleno).

4. QUESTÕES DE EXAMES E CONCURSOS

01. (MPF/PROCURADOR DA REPÚBLICA – 17º CONCURSO). A lei que alterar o pro-cesso eleitoral

a) entrará em vigor na data de sua publicação, retroagindo apenas para beneficiar as candidaturas já registradas na Justiça Eleitoral;

b) terá vigência imediata, valendo para as eleições em curso de forma isonômica para todos os partidos políticos;

c) entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência;

d) deverá sempre aprimorar o regime democrático sob pena de inconstitucionalidade moral.

02. (MPF/PROCURADOR DA REPÚBLICA – 19º CONCURSO). A lei que alterar o pro-cesso eleitoral

a) terá vigência imediata, aplicando-se às eleições em curso e às que venham a ser rea-lizadas em breve, se já escolhidos os candidatos em convenções partidárias;

b) somente entrará em vigor um ano após sua promulgação;c) não prejudicará o recurso cabível, segundo a Constituição, para o Tribunal Superior

Eleitoral, de decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais que anulem diplomas ou versem sobre inelegibilidade nas eleições municipais;

d) entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.

03. (MP/PI – PROMOTOR DE JUSTIÇA). Assinale a alternativa incorretaa) é competência privativa da União legislar sobre Direito Eleitoral. b) a democracia tem arcabouço na concepção do povo como autêntico titular do poder

soberano, logo, é este que legitima a investidura e o exercício do poder governamental. c) os Tribunais e Juízes Eleitorais são órgãos do Poder Judiciário. d) o Direito Eleitoral trata de estabelecer a forma de participação no exercício do poder,

seja para a ocupação das instituições, ou para exercer do sufrágio universal. e) o plebiscito é um modo de participação no exercício do poder, sendo uma manifesta-

ção de assentimento exarada pelo voto popular para conferir validade a uma propo-sição normativa ordinária.

04. (MP/PI – PROMOTOR DE JUSTIÇA). Assinale a alternativa incorreta. É objeto do Direito Eleitoral

a) a distribuição do corpo eleitoral (divisão do eleitorado em circunscrição); b) a organização do sistema eleitoral (sufrágio universal ou restrito);

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c) ditar normas que se devem cumprir quanto à forma (voto secreto ou público, cédula individual ou única), quanto à mecânica de representação proporcional; quanto às regras sobre aquisição e perda da capacidade;

d) o processo eleitoral propriamente dito (conjunto de atos, desde a organização e dis-tribuição de mesas receptoras de votos, a realização e apuração das eleições, até o reconhecimento e diplomação dos eleitos, que se desenvolve perante os Juizados Cri-minais);

e) a especialização do conjunto normativo pertinente às eleições majoritárias e propor-cionais.

05. (MP/PI – PROMOTOR DE JUSTIÇA). Assinale a alternativa correta. São disposições próprias do Código Eleitoral para os fins eleitorais.

a) o conceito de funcionário da Justiça Eleitoral e de funcionário público, b) as relativas aos crimes e as penas e sua aplicação, atinentes às questões de imprensa,

rádio, transporte de eleitores, processamento de dados, dentre outras. c) quanto à ação penal eleitoral, que é pública condicionada. d) relativamente ao órgão com atribuições em matéria de crime eleitoral, que é o Minis-

tério Publico junto ao Tribunal de Contas, que atua como “custos legis”; e) as pertinentes à especialização dos crimes eleitorais, sendo que alguns estão na legis-

lação comum, tais como a abusiva propaganda eleitoral e a corrupção eleitoral.

06. (MP/PI – PROMOTOR DE JUSTIÇA). É fonte direta do Direito Eleitoral, salvoa) Resolução do Tribunal Superior Eleitoral; b) Constituição Estadual; c) Lei das Inelegibilidades; d) Constituição Federal;e) Código Eleitoral.

07. (MP/MT – PROMOTOR DE JUSTIÇA). A lei que altera o processo eleitorala) entra em vigor após um ano de sua publicação;b) entra em vigor na data de sua publicação;c) só entra em vigor na data da publicação quando não há eleição prevista para até um

ano depois;d) nenhuma.

08. (MP/MG – PROMOTOR DE JUSTIÇA – XL CONCURSO). O art. 16 da Constituição Federal dispõe que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência”. Considerando as teorias que tratam da aplicabilidade e da eficácia das normas constitucionais, a norma acima pode ser considerada

a) de aplicabilidade imediata e eficácia contida porquanto, conforme dispõe em si mes-ma, a aplicação da lei referida ficará contida em relação à eleição subsequente que ocorrer até um ano após sua vigência;

b) de aplicabilidade imediata e eficácia plena, independentemente da lei referida;c) de aplicabilidade imediata e eficácia limitada vez que limita no tempo a aplicação da

lei referida;

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d) equivalente às normas “not self-executing” da doutrina constitucional norte-ameri-cana;

e) de aplicabilidade imediata e eficácia restringível, posto que restrinja temporalmente a vontade do legislador infraconstitucional.

09. (TJ/RN – JUIZ ESTADUAL). Suponha que uma lei que altere o processo eleitoral seja promulgada e publicada em março de 2002. Suponha ainda que haja eleições em outubro de 2002 e em outubro de 2004. Essa lei

a) estará em vigor apenas dois anos após sua publicação, aplicando-se à eleição de 2004 e às subsequentes;

b) entrará em vigor na data de sua publicação, aplicando-se já à eleição de 2002 e às subsequentes;

c) entrará em vigor apenas um ano após sua publicação, aplicando-se à eleição de 2004 e às subsequentes;

d) terá entrado em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição de 2002, mas apenas à de 2004 e às subsequentes.

e) entrará em vigor apenas um ano após sua publicação, aplicando-se apenas às elei-ções subsequentes à de 2004.

10. (OAB/PE – EXAME DA OAB). Assinale, dente os itens abaixo, o mecanismo de exer-cício da soberania popular que não resulta de norma de Direito Eleitoral

a) plebiscito;b) referendo;c) iniciativa popular;d) eleição direta.

11. (OAB/DF – EXAME DA ORDEM). À luz do Direito Constitucional, marque a opção correta

a) os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito público;b) os Estados, assim como a União, são detentores de soberania;c) é competência concorrente da União, dos Estados e dos Municípios legislar sobre

Direito Eleitoral;d) é competência da União legislar privativamente sobre Direito Eleitoral.

12. (CESPE/SENADO FEDERAL/CONSULTOR LEGISLATIVO). Julgue o item a seguir Certo ou Errado

I) se uma lei ordinária federal publicada em 1990 criasse hipótese de inelegibilidade para proteger a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico, ela seria recepcionada pela Constituição da República.

4.1. Questão extra

01. (CESPE/SENADO FEDERAL/CONSULTOR LEGISLATIVO – 2009). Julgue o item a seguir Certo ou Errado.

Se uma lei ordinária federal publicada em 2008 criasse hipótese de inelegibilidade para proteger a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico, ela seria recepcionada pela Constituição da República.

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5. GABARITO

01. CA lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua pu-blicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência (CF, art. 16).

02. DA lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua pu-blicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência (CF, art. 16).

03. E

O plebiscito, embora seja um modo de participação no exercício do po-der e uma manifestação de assentimento exarada pelo voto popular, não confere validade a uma proposição normativa ordinária. Ele é pré-vio, ou seja, é utilizado antes da proposição normativa ordinária. Estaria certa a questão se tivesse inserido no lugar de plebiscito o referendo.

04. DA alternativa errada se encontra na parte final da letra D. De fato, o pro-cesso eleitoral não se desenvolve perante os juizados criminais, mas pe-rante a própria Justiça Eleitoral.

05. AO próprio Código Eleitoral conceitua, para fins eleitorais, funcionário da Justiça Eleitoral (art. 283, incs. I a IV) e funcionário público (§§ 1º e 2º do art. 283).

06. A Não é fonte direta do Direito Eleitoral as Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral.

07. BA lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua pu-blicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência (CF, art. 16).

08. BO art. 16 da Constituição Federal é norma constitucional de eficácia ple-na e aplicabilidade imediata. Ela vigora independentemente da lei refe-rida.

09. DA lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua pu-blicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência (CF, art. 16).

10. C A iniciativa popular encontra previsão no § 2º do art. 61 da Constituição Federal.

11. D Compete privativamente à União legislar sobre direito eleitoral (conf. art. 22, I, CF).

12. ERRADOAs hipóteses de inelegibilidade devem ser tratadas em lei complemen-tar, conforme determina o § 9º do art. 14 da CF. Uma lei ordinária afron-taria a Lei Maior e, portanto, não seria válida.

QUESTÃO EXTRA 01. ERRADO

As hipóteses de inelegibilidade devem ser tratadas em lei complemen-tar, conforme determina o § 9.º do art. 14 da Constituição Federal. Uma lei ordinária publicada em 2008, ao criar hipótese de inelegibilidade para proteger a legitimidade das eleições contra a influência do poder econô-mico, ela seria inconstitucional, porque violaria a Lei Maior da República.

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