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Introdução à História do Brasil

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Page 1: Introdução à História do Brasil

Introdução à História do Brasil

Instituto Cajamar1989

Page 2: Introdução à História do Brasil

INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO BRASILInstituto Cajamar

Abril de 1989

ÍNDICE

APRESENTAÇÃO..................................................................................................................5

CAPÍTULO I - O PERÍODO ESCRAVISTA (1530/1888)........................................................6

A Descoberta do Brasil........................................................................................................6

A ocupação Portuguesa......................................................................................................7

O Trabalho Escravo............................................................................................................8

A Resistência do Escravo...................................................................................................9

O Quilombo de Palmares..................................................................................................10

As Formas de Exploração da Colônia pela Metrópole......................................................11

A Estrutura de Classes na Colônia...................................................................................12

A Idade do Ouro................................................................................................................14

A Crise do Sistema Colonial..............................................................................................15

O Renascimento Agrícola.................................................................................................16

As Lutas pela Independência............................................................................................17

A Inconfidência Mineira.....................................................................................................17

A Inconfidência Baiana - 1798..........................................................................................18

O Processo de Independência..........................................................................................19

A Política de Colonização.................................................................................................19

O Tratado de Comércio com a Inglaterra..........................................................................20

A Revolução do Porto.......................................................................................................20

A Revolução Pernambucana de 1817..............................................................................21

A Independência Política - 1822.......................................................................................22

A Deposição de D. Pedro..................................................................................................23

As Regências....................................................................................................................24

Cabanagem.......................................................................................................................25

Farroupilha........................................................................................................................25

A Revolta dos Malês.........................................................................................................25

Sabinada...........................................................................................................................26

Balaiada............................................................................................................................26

O Segundo Império...........................................................................................................26

O Café...............................................................................................................................27

O problema da mão-de-obra.............................................................................................27

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Page 3: Introdução à História do Brasil

A Abolição do tráfico e o crescimento econômico.............................................................28

A crise do escravismo.......................................................................................................29

CAPÍTULO II - A REPÚBLICA VELHA (1889-1930)..........................................................31

A Proclamação da República............................................................................................31

Os Governos Militares.......................................................................................................32

O Domínio das Oligarquias...............................................................................................33

O Processo de Industrialização.........................................................................................35

A Luta Operária.................................................................................................................37

As Lutas Urbanas.............................................................................................................40

As Lutas no Campo...........................................................................................................41

O Tenentismo....................................................................................................................43

A Revolução de 1930........................................................................................................45

CAPÍTULO III - O PERÍODO V ARGAS (1930 / 1945)........................................................47

A Reação da Oligarquia Paulista......................................................................................47

A Aliança Nacional Libertadora.........................................................................................48

O Estado Novo (1937 - 1945)...........................................................................................50

Diretrizes Econômicas do Estado Novo............................................................................51

A Propaganda do Estado (DIP).........................................................................................52

Movimento Operário (1930 -1945)....................................................................................52

Os Sindicatos e o Estado Novo........................................................................................53

A Crise do Estado Novo....................................................................................................54

Os Novos Partidos............................................................................................................55

A Expansão Industrial nos Anos 3O.................................................................................56

CAPÍTULO IV - DA CRISE DO POPULISMO AO GOLPE MILITAR (1945/1964)..............58

O Governo Dutra (1946 - 1951)........................................................................................58

Os Trabalhadores e a Redemocratização.........................................................................58

O Governo Vargas (1951 - 1954)......................................................................................59

Estratégias para o Desenvolvimento do País...................................................................59

A Política Econômica de Vargas.......................................................................................60

A Crise do Governo Vargas..............................................................................................61

Expansão do Capitalismo e Lutas no Campo...................................................................63

Ligas Camponesas e Sindicatos Rurais............................................................................64

A Luta dos Trabalhadores Urbanos..................................................................................66

A repressão do governo Dutra ao movimento sindical......................................................66

O Populismo de Vargas e a Reação dos Trabalhadores..................................................67

A retomada do Nacionalismo com Juscelino....................................................................68

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Page 4: Introdução à História do Brasil

As Greves Políticas...........................................................................................................68

O CGT e a Reação de Direita a partir de 63.....................................................................70

Principais Greves de 1963................................................................................................71

O Golpe de 1964 e o Fim do CGT....................................................................................72

O Populismo......................................................................................................................73

Nacionalismo: Campanha do Petróleo..............................................................................74

Da Renúncia de Jânio ao golpe de 1964..........................................................................76

Campanha pelas Reformas de Base................................................................................77

Campanha pelo Plebiscito................................................................................................78

O Plano Trienal e a Polarização Política...........................................................................79

Agravamento da Crise.......................................................................................................80

O Golpe Militar..................................................................................................................81

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APRESENTAÇÃO

Esta apostila é uma introdução ao estudo da História do Brasil.

Tendo em vista a importância do período da ditadura militar, deixamos seu tratamento para

uma segunda apostila, que deverá ser publicada durante o ano de 1989. Temos

consciência de que este texto possui diversas falhas, que pretendemos corrigir nas

próximas edições. Para isto contamos com as críticas e sugestões dos leitores. A primeira

versão deste texto - bem como a revisão final - é de autoria de Ivan Antonio de Almeida,

Hélio Costa e Paulo Fontes, membros da equipe de monitores do Instituto Cajamar.

Participaram da discussão do texto, bem como do trabalho de edição, Rui Falcão e Valter

Pomar.

Setor de Publicações do Instituto Cajamar

Abril de 1989.

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Page 6: Introdução à História do Brasil

CAPÍTULO I - O PERÍODO ESCRAVISTA (1530/1888)

A Descoberta do Brasil

A Europa vivia por volta de 1500 importantes transformações. A intensificação do comércio

estimulava a produção artesanal e manufatureira, fazendo crescer as cidades e

provocando modificações no campo. O mundo medieval, dividido entre senhores feudais e

servos, se dilui.

Com a intensificação das atividades produtivas, comerciantes, artesãos, manufatureiros

(mais tarde industriais) e assalariados vão alterar as relações sociais.

Em Portugal e Espanha, as lutas para a expulsão dos Árabes da Península Ibérica facilitam

a união entre comerciantes e nobreza na formação de Estados Nacionais.

Comerciantes e Nobreza, associados, patrocinam a formação de companhias de comércio

marítimos. Partiram a procura de mercadorias que, vendida na Europa, possam lhes trazer

um alto lucro. Serão responsáveis pela descoberta da América (1492) e por um novo

caminho para as Índias, pela costa atlântica da África ( 1498).

Em 1494, Portugal e Espanha, com a aprovação do Papa, fizeram um acordo dividindo o

mundo a ser descoberto pelas potências européias em duas partes, através de uma linha

imaginária que passava a 370 léguas a leste de Cabo Verde. As terras que ficassem à

direita da linha seriam portuguesas; as da esquerda, espanholas. Dessa forma, as terras

descobertas pelos portugueses seriam cortadas à altura da atual cidade de Belém do Pará,

ao norte, e Santa Catarina, ao Sul. SÓ o conhecimento ou a suposição da existência de

terras explica a insistência dos portugueses neste tratado, que altera outro do ano anterior,

cuja linha divisória, 100 léguas a leste das ilhas de Cabo Verde, deixaria o futuro Brasil de

fora. Isto é uma das evidências de que o Brasil não foi descoberto casualmente, como

consta da versão oficial (carta de Pero Vaz de Caminha).

Por outro lado, os portugueses tinham estado, antes de 1500, nas costas americanas, ao

norte do Brasil, pelo menos uma vez (viagem de Duarte Pacheco em 1496).

Durante os trinta primeiros anos da descoberta, Portugal não se interessa pelo Brasil. Os

habitantes do Brasil vivem num estágio de comunismo primitivo no qual a produção

agrícola (quando há) é apenas para o consumo. A baixa densidade demográfica não exige

maior divisão do trabalho. Não havia qualquer mercadoria de grande valor que pudesse ser

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Page 7: Introdução à História do Brasil

comercializada na Europa. Portugal prioriza o comércio com as Índias: as primeiras viagens

chegaram a dar lucro de 4000%. O governo português manda ao futuro Brasil apenas

algumas expedições de caráter explorador (havia expectativa de se encontrar ouro no

interior) e punitivo (para combater outros países europeus que por aqui andavam com a

mesma curiosidade).

Para pagar os custos da viagem fazia se o escambo, troca de produto por produto sem a

intermediação de dinheiro. Em troca do trabalho de derrubar o pau-brasil (cuja madeira

tervida resulta numa tinta vermelha usada para tingir panos) e embarcá-lo, os indígenas

recebiam bugigangas, espelhos, colares de contas, favas, tesouras, panos de baixo valor

etc.

A ocupação Portuguesa

A concorrência de outros países europeus (Holanda, França e Inglaterra) que seguiram os

portugueses na rota do comércio Com o Oriente, o custo de manutenção das feitorias

(depósitos fortificados de mercadorias) na África e nas Índias, e o temor de perder o

território, cada vez mais frequentado por outros europeus (franceses, principalmente)

fizeram com que Portugal decidisse ocupar o Brasil.

À falta de produtos que tornassem economicamente viável a ocupação, decidiu-se instalar

aqui uma unidade produtora de uma mercadoria, o açúcar, que, exportada, desse lucro na

Europa. A experiência nas ilhas atlânticas seria aproveitada e reproduzida em larga escala.

A ocupação iniciou-se com a expedição de Martim Afonso de Souza, em 1530. A costa

brasileira foi dividida em doze partes, as Capitanias Hereditárias, começadas a distribuir a

partir de 1534. Para recebê-las bastava fazer um requerimento e ter os meios para ocupá-

las. Recursos para o transporte de equipamentos técnicos, animais, escravos, enfim, tudo

aquilo que era necessário para a instalação de um engenho de açúcar.

O capitão donatário teria o direito de exercer a legislação civil e criminal sobre a Capitania.

Poderia ainda doar sesmarias para quem quisesse nelas se instalar. A maioria dos

donatários e beneficiários de sesmarias pertencia à pequena nobreza, geralmente

funcionários do Estado português. Para se instalarem, dependiam de créditos holandeses

ou de cristãos novos (judeus convertidos ao cristianismo para escaparem das

perseguições).

O latifúndio escravista se concentra na zona da mata no nordeste, região apropriada para a

produção açucareira, graças à qualidade de terra, ao clima e a maior proximidade da

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Page 8: Introdução à História do Brasil

Europa. Este tipo de unidade de produção, baseada numa única mercadoria destinada à

exportação, na utilização do trabalho escravo e no aproveitamento de uma grande

extensão de terra, ficou conhecida como ''plantação’’.

A região de São Vicente (onde aportou a primeira expedição colonizadora em 1534) não

oferecia maiores condições para a instalação de engenhos devido a estreiteza da faixa

litorânea entre o mar e a serra. Não teria maior importância econômica até a expansão

cafeeira no século XIX. São Vicente, por sua atividade de exportador de indígena para o

Rio e o Nordeste, ficou conhecido durante muito tempo como "ponto dos escravos”.

A presença de "criminosos" como marca do início da ocupação do Brasil pelos portugueses

não têm a mínima importância. Tais degredados de fato existiram, mas, em número

reduzido. Adotaram os costumes indígenas, casando-se com diversas mulheres (para o

espanto e inveja dos europeus que por aqui passavam) e fizeram vasta descendência.

O caráter de "criminosos" também é muito discutível. A legislação portuguesa (Ordenações

Manuelinas) relacionava cerca de 200 infrações punidas com o degredo. Era uma forma

compulsória de encontrar homens que preenchessem as funções necessárias à expansão

marítima.

O Trabalho Escravo

Os motivos da utilização do trabalho escravo nas plantações vêm do isto de que nenhum

homem livre iria querer trabalhar para outro com as possibilidades de acesso à terra que o

Brasil possibilitava.

As tribos indígenas, além de não ocuparem densamente o território, tinham o ''direito', de

serem exploradas exclusivamente pela Igreja. A Igreja, que aprovava a escravidão do

africano, conseguira a proibição da escravização dos povos americanos por parte do

Estado português e espanhol. Ainda assim, em caso de ''guerra justa'' (isto é, se tomassem

a iniciativa do conflito) poderiam ser escravizados. No Brasil, há notícias de "guerras justas”

até 1835. Até 1630, a maioria dos escravos dos engenhos eram indígenas.

A Igreja procurava destribuibalizá-los, através da cristianização e de sua concentração em

''reduções'' ou "missões" . Ali os índios eram organizados para o trabalho. Estas missões,

organizadas a partir do século XVII exclusivamente pelos jesuítas, distribuibuíam-se por

toda a América Latina e constituíam importantes unidades, isoladas do contato com as

áreas de plantação. Na Amazônia, por exemplo, exportavam as "drogas do sertão'', cravo,

canela, anil, guaraná, cacau, urucum etc. No sul, criavam gado.

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Page 9: Introdução à História do Brasil

Treze dessas missões, situadas ao longo do rio Paranapanema (atual Estado do Paraná),

reuniam em 1628 mais de 100 mil índios.

Em época de crise de abastecimento de mão-de-obra africana, Como durante a ocupação

das costas da África pelos holandeses (em 1641 por exemplo, ocuparam São Paulo de

Luanda, Angola e São Tomé), o preço dos escravos subia a ponto de tornar lucrativo o

negócio de apresamento de índios, particularmente os aldeados pelos padres. A

concentração de índios facilitava a sua captura. Entre 1614 e 1639 estimavam-se em 300

mil os índios escravizados.

Nestas incursões, os bandeirantes não deixariam de sofrer uma grave derrota, em Bororé,

quando os jesuítas resolveram armar os indíge e contrata instru militaem 1641.

O contato dos índios com os europeus, a princípio pacífico (marcado pelo escambo),

altera-se quando estes passam a se instalar no território, expropriando as terras dos índios

e tentando utilizá-los como mão-de-obra escrava ou semi-escrava. A resistência chega,

algumas vezes, à formação de grandes confederações indígenas (pouco conhecidas ou

divulgadas, assim como todos os conflitos na história do Brasil, já que prejudica a versão

oficial de uma história, “pacífica e ordeira"), como a chamada Guerra dos Bárbaros, quando

índios do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco resistem organizadamente durante

41 anos (1683 a 1724), nos sertões do Nordeste.

Mas era mesmo de origem africana a massa dos escravos que constituiu a base do

trabalho no Brasil durante quatro séculos.

A valorização do escravo como principal mercadoria para os europeus, estimulou a luta

entre os reinos africanos que, para sobreviverem, necessitavam de armas e munições,

conseguidas em troca de escravos.

Capturados no interior da África, os escravos eram "estocados" nas feitorias, à espera dos

barcos dos traficantes. Os traficantes, a princípio portugueses, dividiram com os

comerciantes ingleses (até o século XVIII) o rendoso negócio. Nestas feitorias era feito o

controle do pagamento dos 10% de impostos para a Coroa e de 5% para a Igreja. Havia

portanto interesses concretos para que o escravo africano fosse preferido.

A Resistência do Escravo

Começava já na África a tentativa de impedir (ou pelo menos dificultar) a revolta dos

escravos negros. Cristianizados, ou melhor, batizados (para não chegarem pagãos à nova

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Page 10: Introdução à História do Brasil

terra), recebiam nomes portugueses, numa tentativa de tirar-lhes a identidade. Aqui, ao

venderem a “mercadoria", procurava-se separar as famílias e misturar as etnias para que,

falando línguas diferentes (só os da nação bantu falavam 182 dialetos) tivessem

dificuldades de se comunicar. Ou ainda reunir nos diferentes ''lotes'' vendidos escravos de

tribos inimigas.

Mas a resistência à escravidão também começava na África. Uma vez capturados,

tentavam a fuga ou buscavam se libertar através do suicídio. Os navios negreiros eram

verdadeiras tumbas, devido ao alto índice de mortalidade de negros durante as viagens.

Do século XVI ao século XIX, estes índices oscilaram entre 20 a 10%. Os ''tumbeiros''

ingleses registram centenas de motins.

No Brasil, a resistência ia desde o assassinato do senhor, ou de feitores, até fugas e

rebeliões. Desde os primeiros anos da escravidão até 1888, há notícias de formação de

quilombos (concentração de escravos fugidos), o mais conhecido pela sua duração e

resistência foi o de Palmares.

O Quilombo de Palmares

No início do século XVII escravos fugidos dos engenhos já procuravam refúgio na serra da

Barriga (atual Estado de Alagoas). Em 1671, diversas aldeias (mocambos) reuniam cerca

de 30 mil habitantes. Produziam cana, milho, banana, dedicavam-se à caça e pesca, ao

artesanato e criavam pequenos animais. Entre eles também viviam mestiços e indígenas.

Chegaram a estabelecer relações comerciais com brancos vizinhos, dos quais obtinham sal

e algumas armas e ferramentas. Sua organização política seguia o modelo dos Estados

africanos do século XVII, sendo os chefes eleitos. Além da massa de homens livres, havia

escravos negros raptados aos brancos. Estes quilombos representavam séria ameaça à

ordem escravocrata, não porque pudessem (ou quisessem) destruí-la, mas pelo exemplo

da possibilidade de um outro modo de vida, pela alternativa de liberdade aos negros da

região. Por isso, desde o início os escravocratas tentaram destruí-los. Os holandeses (que

ocuparam o Nordeste de 1630 a 1654) organizaram duas expedições, em 1644 e 1645,

sem sucesso (os palmarinos se retiraram sem oferecer combate, tática que usariam com

frequência). Em 1667, outra expedição é organizada com o mesmo resultado. Entre 1671 e

1678 foram organizadas 25 expedições! Em 1675, Fernão Carrilho impõe pesadas baixas

aos palmarinos, aprisionando dois filhos do rei Ganga Zumba e lhes oferece uma trégua

em troca da deposição das armas. Nem todos a aceitam. Com a morte do Ganga Zumba

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Page 11: Introdução à História do Brasil

(envenenado), Zumbi, chefe do macambo de Cacau e desde o início contra a trégua,

assume a liderança total dos palmarinos.

Diante das dificuldades em submeter Palmares às autoridades, contrataram um

bandeirante paulista, Domingos Jorge Velho, especialista no massacre e submissão de

grupos indígenas. O caráter do bandeirante, responsável pelo assassinato não só de

índios como de brancos, pode ser ilustrado por uma de suas proezas. Mandou degolar 200

índios pelo simples fato de se recusarem a acompanhá-lo na luta contra Palmares. Seu

prêmio seria a venda dos negros capturados, sesmarias na região conquistada e o perdão

pelos seus crimes.

A primeira expedição, de cerca de 1000 homens (800 dos quais índios), foi destroçada no

ataque ao mocambo do Macaco. No ano seguinte, 1693, nova tentativa, também

fracassada. Em 1694, nova expedição, desta vez com 9 mil homens e artilharia (4

canhões). Foi o maior exército do período colonial. Para se ter uma idéia do que

significava, os holandeses conquistaram o Nordeste com7 mil homens. Foram necessários

vários ataques e um cerco de 22 dias para quebrar a resistência palmarina. No dia 16 de

fevereiro de 1695, o principal reduto, o dos Macacos, está destruído. Poucos foram os

prisioneiros. Os homens foram degolados. Muitas mulheres preferiram morrer pela fome e

matar seus filhos a serem reduzidas a escravidão. Zumbi, no entanto, conseguira escapar.

Emboscado, será morto a 20 de novembro de 1695.

As Formas de Exploração da Colônia pela Metrópole

Portugal ocupou o Brasil através da implantação de uma unidade produtora de uma

mercadoria que dava lucro na Europa, para enriquecer a metrópole, enriquecer Portugal.

A transferência da riqueza não se dava apenas através dos impostos. Toda relação entre

colônia e metrópole exigia que a colônia comercializasse apenas com sua metrópole. Os

latifundiários escravistas podiam vender suas mercadorias apenas para Portugal. Como

único comprador, Portugal poderia impor um preço baixo. As colônias eram proibidas de

produzir manufaturas (a não ser pano grosso para os escravos). As classes dominantes da

colônia tinham assim que gastar o que ganhavam com exportação, importando

manufaturados (panos e ferramentas) e escravos. Pagavam altos preços, pois só tinham

um vendedor, os comerciantes da metrópole.

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Page 12: Introdução à História do Brasil

Este monopólio do comércio associado à proibição da produção dos manufaturados é o

pacto colonial que garante a transferência para a metrópole da riqueza aqui produzida

pelos escravos.

Até o século XVII, Portugal era um simples intermediário da Holanda, que financiava,

refinava e distribuía o açúcar pela Europa. Mais tarde, da Inglaterra, que, em troca de suas

manufaturas, recebe de Portugal ouro, algodão e outras mercadorias.

A riqueza que vai parar nos países europeus produtores de manufaturados, principalmente

a Inglaterra, contribuiu para o acúmulo de capital que resultará na Revolução Industrial

inglesa nos fins do século XVIII.

Apesar de pioneiros na constituição do Estado Nacional e nas navegações, sua condição

de intermediários explica o atraso do desenvolvimento do capitalismo em Portugal e

Espanha.

A Estrutura de Classes na Colônia

Nos dois primeiros séculos da colônia temos já esboçada a estrutura de classe que vai

marcar a história do Brasil até a Abolição.

Da Bahia a Pernambuco concentraram-se os engenhos. Os senhores de escravos de

maiores posses os instalam nas melhores terras da costa. Os demais, sem recursos para a

instalação de engenhos, mas proprietários de escravos, utilizam os engenhos em troca de

parte do açúcar produzido.

Agregada ao latifúndio, uma classe de homens livres pobres produz bens de consumo,

permitindo aos escravos se concentrarem na atividade mercantil. Ela vai se tornando cada

vez mais numerosa e vai substituindo o escravo com a decadência da produção canavieira.

Apesar de uma certa hostilidade aos proprietários escravistas, pela exploração a que são

submetidos, é entre estes agregados que os latifundiários vão recrutar os elementos

encarregados de reprimir os escravos ou para servir de jagunços nos conflitos entre

setores da classe dominante.

O sertão nordestino, imprestável para a produção açucareira, vai ser refúgio de escravos,

mestiços e homens livres pobres. Alguns chegam a tornar-se proprietários de enormes

latifúndios de criação extensiva de gado. Outros tornam-se vaqueiros. A maioria

transforma-se em sitiantes produtores de bens de consumo, farinha, milho, fava, feijão,

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Page 13: Introdução à História do Brasil

contribuindo com os agregados da Zona da Mata para o abastecimento de gêneros

alimentícios do engenho.

Até então, as relações entre moradores e proprietários não passavam pelo assalariamento.

Eram relações pré-capitalistas. A existência de certas relações como o cambão

(pagamento da renda da terra em dias de trabalho), por exemplo, levou alguns

historiadores a confundi-las com relações feudais.

Quando surgem as usinas (fábricas rurais movidas por máquinas a vapor que vão substituir

o engenho no fabrico do açúcar) depois de 1880, os proprietários estendem seus canaviais

pelos antigos sítios de moradores, tirando-lhes as terras para produzir. Começa a se impor

o trabalho assalariado.

No sertão, ainda hoje, a pequena propriedade camponesa constitui-se em importante

fornecedora de mão-de-obra assalariada para as cidades. As relações capitalistas custam

a penetrar nesta região. As cidades, pequenas e litorâneas até o século XVIIl (quando a

exploração aurífera estende a urbanização para o interior), surgem em torno das atividades

de importação e exportação e como centros administrativos. O comércio externo e interno

é dominado por comerciantes portugueses.

Mesmo nas cidades, os escravos são a base do trabalho. O trabalho, aviltado pela

escravidão, é mal visto pelo homem livre. O número de escravos continua a medir a

riqueza do seu proprietário. O dinamismo da vida urbana, no entanto, cria uma ampla

camada intermediária constituída por funcionários da Coroa, militares, artesãos (escravos,

ex-escravos e homens livres) e uma massa de homens livres pobres.

Em 1580, Portugal, por um problema na sucessão do trono (o parente mais próximo do

soberano falecido era espanhol) e com a conivência da nobreza portuguesa, passa para o

domínio espanhol (até 1640). A Holanda, em luta com a Espanha, viu ameaçados seus

interesses nos negócios do açúcar brasileiro. Tratados de paz adiaram o conflito inevitável.

A partir de 1630, o comércio, a finança, a manufatura e a aristocracia holandesa

associados, através da Companhia das Índias Ocidentais, iniciam a ocupação das fontes

produtoras de açúcar no Brasil e dos territórios fornecedores de escravos na África. A

região ocupada, de Sergipe ao Rio Grande do Norte, respondia por metade da produção

da colônia.

Após curta resistência, a presença holandesa no Nordeste brasileiro (1630-1654) foi aceita

pelos latifundiários escravistas, até que deixou de atender as suas necessidades: um bom

preço pelo açúcar, financiamento para a importação de manufaturados e escravos. O

processo de expulsão dos holandeses, em dificuldades na Europa (onde estavam em

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Page 14: Introdução à História do Brasil

guerra com a lnglaterra), começou quando eles resolveram executar as dívidas contraídas

pelos latifundiários (o que significava perderem as propriedades).

Terminada a guerra, a economia da região entrou em crise. Muitos engenhos estavam

destruídos. Centenas ou milhares de escravos tinham aproveitado para fugir (Palmares

cresce neste período).

Os holandeses, agora instalados nas Antilhas (região próxima do Golfo do México), vão

fazer concorrência ao açúcar nordestino.

A Idade do Ouro

As expedições organizadas pelos paulistas para o interior da colônia visavam, além da

captura de índios, a descoberta de minas de ouro e pedras preciosas (obsessão

perseguida desde a descoberta). Só serão bem sucedidos por volta de 1693 ou 1695. É

neste final do século XVII que se inicia uma corrida para a região das minas.

A descoberta de ouro na região das Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás altera a geografia

da colônia. A ocupação se dera até então apenas no litoral.

Nos primeiros anos do século XVIII, esta corrida do ouro provoca crises de fome na região.

Uma galinha chega a valer, em 1710, 3 ou 4 oitavas de ouro (uma oitava de ouro equivalia

a 3,586 gramas); cinco quilos de açúcar custavam mais de uma oitava de ouro.

A circulação de ouro ampliou o mercado consumidor. A região, além de ter os escravos

ocupados na produção aurífera, não contava com boas terras.

Rotas terrestres serão abertas para abastecer a região das minas. Tropas de burros e

mulas chegam do Rio Grande do Sul para facilitar o transporte. Sorocaba será um

importante entroncamento deste comércio. Outros caminhos trazem mercadorias e

aventureiros do litoral da Bahia e do Rio de Janeiro.

Mudanças administrativas seguem-se a essas alterações econômicas. A capital, Salvador,

escolhida devido a sua posição central em relação a litoral, vai ser transferida para o Rio de

Janeiro (1763), mais bem situada para fiscalizar a saída do ouro de Minas Gerais.

As necessidades da produção aurífera (e de diamantes) provocam um aumento de preços

do escravo, que chegam aos milhares da África e mesmo do Nordeste, onde a crise

estimula os latifundiários a vendê-los. O século XVIII vai ser o apogeu do tráfico de

escravos.

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Page 15: Introdução à História do Brasil

Forma-se no interior da colônia uma sociedade urbana. Enquanto cidades como Salvador

não passavam de 20 mil habitantes no século XVIII, Vila Rica, em Minas, alcança mais de

30 mil na mesma época.

A urbanização promove a instalação de inúmeros serviços urbanos, lojas, bodegas,

armazéns, hospedarias, depósitos etc. Em numerosas oficinas trabalham artesãos de todo

tipo, a maioria negros e mulatos, escravos e libertos.

As características da produção aurífera levam alguns senhores de escravos a permitir que

estes acumulassem alguns recursos (além da coerção, prêmios podiam estimular o escravo

a achar mais ouro), para comprar a própria liberdade. Em 1735, negros e mulatos forros

representam 1,4% da população; em 1786, 35%.

A Crise do Sistema Colonial

O esgotamento das minas, em fins do século XVIII, coincide com importantes modificações

na conjuntura mundial. Na Inglaterra ocorre o apogeu da produção manufatureira e o início

da Revolução Industrial. Resulta de um longo processo de "acumulação primitiva" do

capital (acumulação que não tem origem na exploração da mais valia do assalariado), para

a qual contribuíam os povos americanos como vítimas do saque ou da espoliação através

do Pacto Colonial.

A produção em larga escala coloca em primeiro plano a necessidade da venda das

mercadorias produzidas.

A Inglaterra, que fora grande traficante de escravos, a riqueza de Manchester , uma das

primeiras cidades inglesas a se industrializar, provém justamente do tráfico), passa a liderar

a luta contra o tráfico e pela abolição da escravidão. É que os capitais gastos com a

compra de escravos por parte dos proprietários poderiam ser transferidos para a compra de

mercadorias inglesas. O fim do trabalho escravo exigiria a importação de força de trabalho

européia, contribuindo para atenuar o problema social na Europa (onde o avanço do

capitalismo proletarizava milhares de camponeses e artesãos) e para ampliar, através

desses trabalhadores assalariados, o mercado consumidor na América, em particular no

Brasil, o maior mercado para os produtos ingleses na América.

O comércio indireto (ou através do contrabando) com as colônias alheias já não era

suficiente. É preciso quebrar o Pacto Colonial. A Inglaterra é pioneira na pregação do ''livre

comércio'', que preconizava a abolição de todas as práticas comerciais protecionistas.

Estas idéias serviam à indústria inglesa que, graças a sua maior produtividade, competia

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Page 16: Introdução à História do Brasil

em vantagem com outros países. Nesse mesmo período, na França, as idéias iluministas -

que negam os privilégios da nobreza e afirmam a legitimidade popular das leis e

instituições - se constróem na luta contra o Estado absolutista feudal e preparam a

Revolução Francesa (1789).

Apesar das proibições, as notícias sobre as transformações mundiais e as “subversivas

idéias francesas” penetram na América Latina e encontram receptividade nas camadas

médias e mesmo em setores da classe dominante (muitas das classes dominantes latino-

americanas vão estudar na Europa e se entusiasmam com as mudanças provocadas pela

Revolução Industrial na Inglaterra e pelas idéias iluministas). Os proprietários de terras e

gado (e de escravos, no caso brasileiro) estavam insatisfeitos com O Pacto Colonial,

especialmente agora quando o livre comércio lhes abria possibilidades de comprarem

manufaturados a preços mais baixos e de conseguirem melhores condições para a venda

de seus produtos. As metrópoles, através de políticas fiscais mais opressivas e de reformas

administrativas que excluíam a classe dominante nativa da participação da administração

colonial, tentaram aumentar a arrecadação, contribuindo para criar as bases materiais da

receptividade às novas idéias.

Para as camadas médias (homens livres pobres das cidades), a crise econômica era uma

limitação a suas possibilidades de ascensão. Já as mudanças poderiam representar uma

melhoria na sua condição. O sucesso da Revolução Norte-americana (que se inicia em

1776) reforça o ânimo dos simpatizantes de mudanças. Era a primeira vez que uma colônia

se tornava independente.

Foi dentro deste contexto que ocorreram as lutas de independência na América Latina.

O Renascimento Agrícola

As necessidades da Revolução Industrial mais o corte no fornecimento do algodão norte-

americano (com a guerra de Independência) e a crise da produção açucareira no Haiti e

São Domingos (a produção chegou ao colapso total com a luta de independência em 1792)

fizeram aumentar o preço dessas mercadorias, estimulando a intensificação de sua

produção no Brasil. Assim, à exceção da região de Minas Gerais (e da produção dela

dependente), a produção está em pleno crescimento no Brasil quando da crise do sistema

colonial. O açúcar se desenvolve na região de Campos (e o Rio chega a produzir em 1807

um terço do açúcar exportado). Em São Paulo, esta produção se firma no interior (região

de Itu, por exemplo), criando uma nova elite agrária e comercial. A partir de 1760, o

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Page 17: Introdução à História do Brasil

algodão se expande. Com ele, intensifica-se o uso do trabalho do escravo africano (até

então praticamente inexistente na região). Por volta de 1830, a maioria da população do

Maranhão é formada de escravos. É neste período de “renascimento agrícola'' que se

introduz o café.

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Page 18: Introdução à História do Brasil

As Lutas pela Independência

A Inconfidência Mineira

Nas Minas Gerais, a decadência econômica, com o esgotamento da produção e os

impostos extorsivos, cria um clima de revolta entre os homens livres e empurra os senhores

de escravos para posições radicais. A Inconfidência Mineira (1789) é o retrat desta

situação.

A maioria dos conspiradores pertencem às "boas famílias". Proprietários de escravos

ligados à extração mineral, à produção agrícola ou à administração colonial e à milícia.

Também os clérigos envolvidos são proprietários.

O penúltimo governador antes da tentativa de insurreição, Cunha Menezes, conseguira

desagradar a todos. Indispôs-se com a classe dominante local ao afastá-la da

administração, ao extorquir-lhe dinheiro e ao lançar mão da violência contra ela. As

camadas médias sentem especialmente o rigor com que é imposto o cumprimento do

Alvará de 1785 (que proíbe as manufaturas). Além da repressão à população, esta é

forçada a comprar manufaturados importados da metrópole, bem mais caros que os que já

eram produzidos no local (tecidos, sapatos etc).

A política de ''arrocho colonial" não admitia que a queda na arrecadação de impostos fosse

decorrente do esgotamento da minas. Desde 1763 instituíra um sistema que impunha a

contribuição forçada de todos os habitantes para cobrir a diferença entre o arrecadado e a

taxa cobrada pela metrópole: 1500 quilos anuais de ouro. Essa cobrança forçada era a

''derrama''. Em 1788, chega o novo governador com a missão de realizá-la. O déficit

acumulado já chegava à 5760 quilos.

Os conspiradores aproveitaram a "derrama" para fazê-la coincidir com a data da revolta.

Seu projeto era tornar o Brasil independente de Portugal, com um regime republicano.

Joaquim José da Silva Xavier, alferes do Regimento dos Dragões, chamado "Tiradentes'', é

um dos mais ativos propagandistas da causa. Filho de pequeno proprietário rural,

alfabetizado, era o único que tinha penetração nas camadas médias da população (o povo

da época, se descartarmos a classe dominante e os escravos). Tentou a mineração, foi

tropeiro, dentista (daí o apelido) e finalmente tentou a carreira militar. Dizem que andava

com a constituição norte-americana no bolso. É o único abolicionista. Descoberta a

conspiração através da delação, 34 são condenados num processo que dura dois anos.

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Page 19: Introdução à História do Brasil

Apenas Tiradentes será condenado à morte, enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro,

em 21 de abril de 1792.

A Inconfidência Baiana - 1798

Em 1798, em Salvador, é sufocada a primeira revolução social brasileira. Formada por

escravos, ex-escravos, artesãos (a maioria alfaiates), padres, soldados e até alguns

oficiais, tinha como objetivo, não só a independência, mas mudanças de caráter social:

igualdade de raça e de cor, o fim da escravidão, a abolição de todos os privilégios. Foi

chamada de ''Conjuração dos Alfaiates'' ou ''Inconfidência Baiana”.

O renascimento agrícola, o crescimento das lavouras de cana, no Rio de Janeiro e São

Paulo e mesmo na Bahia e do algodão no Maranhão, no início do século XlX, beneficiou os

grandes proprietários e os comerciantes de Salvador, mas ao expandir as áreas de cultura

de cana sobre a produção destinada ao consumo interno agrava o crônico problema da

escassez de alimentos para a população pobre (já que o consumo dos senhores de

escravos era todo importado).

Eram frequentes os saques de carne e farinha por parte de negros e mulatos nos anos que

antecederam a revolta. Essa agitação facilitou a difusão das idéias revolucionárias

francesas entre esta camada, particularmente aqueles aspectos referentes à igualdade de

direitos, e ao fim da escravidão.

A difusão de panfletos levou à prisão de suspeitos, o que precipitou o levante. Os seis

condenados à morte (além das dezenas de mortos e feridos durante a repressão) atestam

o caráter popular da luta. Ao condicionar a solução da questão nacional (a independência)

à questão social (o fim da escravidão e a igualdade jurídica entre os homens e o fim dos

privilégios), a Inconfidência Baiana é a primeira experiência revolucionária da história

brasileira.

Esta participação popular de caráter democrático e igualitário, que caracterizou a

Inconfidência Baiana, estará presente em diversos momentos do processo de

Independência (1808 a 1831) e da regência (1831 - 1845) e será violentamente reprimido

pela aliança entre as classes dominantes nativas e os antigos representantes do poder

colonial português no Brasil, grandes comerciantes, burocracia e militares portugueses.

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Page 20: Introdução à História do Brasil

O Processo de Independência

As lutas que se sucedem à Revolução Francesa (1789 - 1798) na Europa, envolvendo a

burguesia francesa de um lado e a burguesia inglesa aliada à aristocracia européia de

outro, facilitam a luta de independência das colônias latino-americanas.

Tradicionalmente ligada à Inglaterra, Portugal tenta ficar neutro no conflito europeu e

termina invadido pela França. Escoltada pela Marinha inglesa, a família real portuguesa

foge para o Brasil. Entre as exigências feitas pela Inglaterra em troca do seu apoio está a

abertura dos portos “para todas as nações amigas” (que no momento se reduzem à própria

Inglaterra). Isto significa a quebra do Pacto Colonial (daí 1808 ser considerado a

independência econômica do Brasil). A quebra do Pacto Colonial (a proibição da instalação

de manufaturas também é revogada) satisfaz temporariamente a oligarquia escravista

nativa. Aquilo que na América Espanhola vai ser conquistado através de um longo e

sangrento conflito, no Brasil vai ser uma espécie de “transição pelo alto”. A partir daí o

Brasil deixa de ser colônia, mas também não é nação independente.

A Política de Colonização

A transferência para o Brasil das instituições do estado Português inaugurou um período

de modernização da economia e da vida cultural, especialmente no Rio de Janeiro. A

cidade viu crescer sua população de 50 mil para 110 mil habitantes em apenas 10 anos.

Os senhores de engenho da Baixada Fluminense procuram se instalar na Corte e imitar

seus hábitos. Os impostos se elevam para manter o aparelho de Estado que consome dois

terços da arrecadação. Os problemas de abastecimento se agravam. Só a Corte consumia,

em dias normais, 620 aves em apenas duas refeições diárias.

O início da política de imigração de europeus para o Brasil (possível a partir de um decreto

de 1808 que permite o acesso de estrangeiros à propriedade fundiária) está ligado à

questão do abastecimento interno. A idéia é trazer imigrantes europeus que, ao se tixarem

em pequenas propriedades familiares e sem concorrerem com o latifúndio escravista,

abasteçam o Rio de Janeiro e criem uma camada intermediária entre escravos e senhores

(além de contribuir para o “branqueamento da raça"). Com esta intenção foram trazidos

imigrantes suíços para Nova Friburgo (RJ) em 1818.

Os interesses expansionistas da Coroa no Brasil levaram-na a invadir a Guiana Francesa

(1809) e a Banda Oriental do Uruguai (incorporada ao império em 1820 como Província

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Page 21: Introdução à História do Brasil

Cisplatina). No Sul, os conflitos com as colônias espanholas já eram tradicionais. Com a

intenção de assegurar o comércio terrestre de muares e gado, de manter aberta a rota de

tropas (para garantir as fronteiras com as colônias espanholas) e de desalojar os índios

que habitavam aquela região, o governo português iniciara desde 1747 a fixação de

famílias portuguesas nos Açores, no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Em 1824,

imigrantes alemães, dando continuidade a esta política, fundam São Leopoldo no Rio

Grande do Sul. É um marco na formação da pequena propriedade no sul do país. Até a

década de 1840, a política imigracionista desta região estará voltada para a ocupação

estratégica de áreas montanhosas, que não concorrem com as fazendas de criação de

gado.

O Tratado de Comércio com a Inglaterra

Em 1810 a Corte no Brasil consagra, através de dois tratados de "Comércio e Amizade'', a

hegemonia econômica da Inglaterra sobre o Brasil. Entre outras concessões e privilégios,

as mercadorias vindas de Portugal passam a ser taxadas com impostos superiores às

mercadorias vindas da Inglaterra, 16% e 15%, respectivamente. As demais serão taxadas

em 24%. Nestes tratados registra-se o compromisso da Coroa portuguesa de abolir o

tráfico de escravos da África para o Brasil, atendendo aos interesses da revolução

Industrial inglesa. Os tratados serão renovados após a Independência e, como condição

para reconhecê-la, em 1827, fica estabelecido que o tráfico será abolido até 1830.

A Revolução do Porto

Depois de um período de ocupação francesa e inglesa, Portugal readiquire em 1820 a

soberania através de uma revolução liderada pelos comerciantes portugueses ligados ao

antigo monopólio comercial. No princípio, ela tem o apoio dos ''brasileiros'', à exceção dos

escravos, para os quais pouco importavam mudanças políticas que excluíssem a liberdade.

Favorável a uma monarquia constitucional, a Revolução convoca uma Constituinte, da qual

participam deputados brasileiros - 70 numa assembléia de 200. O voto é censitário, ou

seja, limitado aos proprietários de uma certa renda.

Ao exigirem a volta do rei, porém, os revolucionários portugueses deixam claro seu

interesse de recolonizar o Brasil. A massa de homens livres pobres, nas cidades

brasileiras, agita-se ao perceber o caráter da Revolução do Porto. O anti-lusitanismo passa

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Page 22: Introdução à História do Brasil

a ser a palavra de ordem e as idéias de independência são vistas como perspectivas de

mudanças.

A Revolução Pernambucana de 1817

No Nordeste, essa mesma massa, associada ao latifúndio, já tentara a independência em

1817. Mas a manutenção do trabalho escravo limitaria esta iniciativa também em 1824

e1848.

As taxações impostas pela Corte no Rio sobre as exportações nordestinas de açúcar e de

algodão (agora principal produto de exportação) atingiam especialmente Pernambuco, que

sofrera uma seca intensa em 1816 e 1817. A queda dos preços destes produtos nas

bolsas de Londres e Amsterdã deixara os proprietários escravistas em situação delicada.

Dependente de empréstimos dos comerciantes por portugueses (que apesar do fim do

monopólio comercial mantinham a exclusividade do comércio internacional), a classe

dominante pernambucana tem suas dívidas insuportavelmente majoradas. Nestas

circunstâncias, não foi difícil a associação de interesses dos senhores de escravos locais

aos poucos comerciantes brasileiros que concorriam com os lusitanos. É também ao clero

(o Seminário de Olinda era conhecido pela sua receptividade às idéias liberais) que, sendo

proprietário de engenhos e plantações, também sofria o efeito do monopólio português e

da política extorsiva da Corte. Finalmente, havia a massa de homens livres não

proprietários, cujas oportunidades de sobrevivência ou ascensão viam-se ainda mais

restritas na crise.

No Recife, os conflitos entre "patriotas" e portugueses são freqüentes. Os brasileiros estão

unidos pela ''lusofobia'' (ódio a tudo que fosse português). As reuniões e encontros

secretos não passam despercebidos ao governador português. As lideranças mais

conhecidas são presas. Militares brasileiros envolvidos na conspiração reagem à ordem de

prisão e precipitam a revolução. A 7 de março de 1817 forma-se o primeiro governo

nacional brasileiro. Uma república escravista. Seu programa: liberdade de consciência, de

imprensa e de religião (embora o catolicismo apostólico romano continue sendo a religião

oficial do Estado). Previa-se a eleição de uma Constituinte. As divergências políticas entre

os revolucionários iriam comprometer a resistência às tropas enviadas do Rio.

Enquanto alguns elementos ligados às camadas médias (como os comerciantes

brasileiros) eram abolicionistas e favoráveis à utilização dos escravos na defesa, os

proprietários rurais eram radicalmente contra. A vioIenta repressão (mais de 20

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Page 23: Introdução à História do Brasil

enforcamentos ou fuzilamentos e cerca de 117 condenações à prisão) tal como em 1789

ou em 1798 não abateria o ânimo dos revolucionários, que voItariam à Iuta em 1824 e

1848.

Embora Iimitado, o posicionamento da cIasse dominante nordestina de 1817 pró-

repubIicano é favoráveI ao rompimento do domínio português, representava sua tendência

mais revolucionária. A outra tendência era aquela que temia qualquer revolução como uma

ameaça ao seu domínio escravista (tendência majoritária no Rio). Prefere as “transições

pelo alto", os acordos a nível do Estado. Durante todo o processo de independência (1808

a 1831) e durante as regências (até 1840), estas duas tendências disputarão a hegemonia.

A primeira, compondo com setores médios urbanos, pequenos comerciantes, funcionários,

artesãos, e homens livres pobres. O segundo grupo se compõe dos representantes do

grande comércio e finanças (formado por portugueses) e funcionários do aparelho

burocrático do Estado. Na Iuta das Regências, representarão a tendência centralizadora e

a tendência de maior autonomia para as províncias. Os dois grupos têm em comum o

interesse na manutenção da escravidão e da estrutura de propriedade de terra, o que lhes

possibilita depois de Iongo período de conflitos chegarem a uma conciliação que dará

estabilidade política ao Segundo Império (1848 - 1889). Na monarquia parlamentar irão se

revezar nos ministérios, ora representados peIo Partido Liberal ora pelo Partido

Conservador. A diferença entre os dois foi bem expressa por um contemporâneo: “nada

mais parecido a um conservador que um liberal no poder''.

A Independência Política - 1822

. A RevoIução do Porto criara uma certa expectativa positiva, Iogo desfeita ao reveIar sua

intenção de fazer voItar o monopólio comercial. No Nordeste, inclusive. a formação de

juntas governativas (que reúnem num primeiro momento brasileiros e portugueses no

juramento de fidelidade à Revolução Constitucionalista, substituindo os governadores

portugueses) foi responsável pela libertação dos revoIucionários de 1817.

As agitações urbanas já tinham chegado na Bahia à guerra aberta. Em fevereiro de 1822,

a junta governativa que reunia brasileiros e portugueses se desfaz e a população ur bana

inicia a luta contra as tropas portuguesas estacionadas em Salvador.

Diante das pressões recoIonizadoras das Cortes portuguesas e antes que a guerra se

generalizasse (gerando lideranças populares e forçando as partes em conflito a libertarem

os escravos (condição para seu apoio) ou forçando a oligarquia escravista a concessões

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Page 24: Introdução à História do Brasil

para os setores mais radicais), as classes dominantes nacionais e os interesses

portugueses no Brasil fizeram um acordo. Os latifundiários escravocratas (que formariam o

“partido brasileiro”) aceitaram incorporar a burocracia portuguesa no Brasil e as forças

militares fiéis ao príncipe D. Pedro e não mexer com os comerciantes portugueses (o

“partido português"), unidos pelo interesse na exclusão dos escravos e da massa de

homens livres urbanos não proprietários (cujo setor mais radical era inclusive republicano).

A preservação da monarquia, através do príncipe português (que continuava herdeiro da

Coroa Portuguesa), viabilizou esta “transição pelo alto". Resolvia-se o problema nacional

sem tocar nas relações sociais.

Os “patriotas'', que não participaram do acordo, foram excluídos do novo governo ou

afastados, pela prisão, exílio ou mesmo morte. É o caso do Pará, onde as forças que

tinham se adiantado na expulsão das tropas portuguesas, mas que não eram de confiança

do governo do Rio, foram presas pelo mercenário ingIês GrenfeIl (a serviço do governo

imperial) e assassinados (cerca de 300 encarcerados no porão de um navio foram mortos

jogan do-se cal sobre eIes).

Na América espanhoIa, as lutas de independência se proIongam por mais de dez anos (de

1810 à década de vinte). A Iuta força os exércitos em conflito a concederem liberdade aos

escravos em troca do seu apoio. Consolidada a independência, a escravidão sobrevive

apenas no Brasil e EUA, onde a abolição só virá peIa Guerra da Secessão, de 186O/1865.

Tais atitudes ampliam as cisões na classe dominante, sempre temerosa do exemplo do

Haiti (onde em 1791 negros e pardos fizeram a independência com a abolição da

escravidão e a eliminação dos brancos).

O papel dos ingleses foi novamente significativo na repressão. Lord Cochrane, que já

participara da expulsão das tropas portuguesas da Bahia, faz o bloqueio naval de Recife.

Convinha aos ingleses preservar a unidade do Império, economicamente subordinado a

seus interesses.

A Deposição de D. Pedro

Com a vitória sobre o movimento republicano do Nordeste consolida-se a hegemonia do

“partido português". O restante do Primeiro Império será marcado pelo distanciamento

progressivo entre este grupo e o "partido brasileiro", mesmo os seus setores mais

moderados.

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Page 25: Introdução à História do Brasil

Contribuíram para o afastamento a crise econômica mundial, a concorrência estrangeira

aos principais produtos de exportação (açúcar, charque, arroz, algodão) que baixam os

preços destes produtos; e a crise financeira, causada pelos contínuos déficits na balança

comercial e pelos gastos com a tentativa do governo imperial de manter o domínio sobre a

Província Cisplatina (que conquistara a independência em 1828).

A gota d'água é o envolvimento do imperador com a sucessão do trono português, a partir

de 1826, e o assassinato de um jornalista de oposição, Líbero Badaró. Os conflitos que se

sucedem resultam na deposição do imperador pelo "partido brasileiro", moderados e

radicais novamente unidos.

No dia 7 de abril de 1831 o imperador renuncia em nome de seu filho de 5 anos.

Mais uma "transição pelo alto" articulada pela classe dominante escravista e em nome da

exclusão dos escravos e da massa de homens livres não proprietários.

As Regências

Consolidado o domínio das oligarquias agrárias escravistas, pela liquidação dos setores

radicais, cada uma delas vai tentar afirmar sua autonomia. O período regencial será

marcado por estas lutas. Da Amazônia ao Rio Grande do Sul, os homens livres pobres,

brancos, mestiços, pardos, negros forros (ocupados nas mais diversas atividades urbanas),

camponeses agregados ou independentes vão participar ao lado dos grupos oligárquicos

que se apressam em oferecer-lhes possibilidades de mudança. A liberdade de imprensa, a

descentralização, a República, o antilusitanismo são as idéias que os unem.

Em dois momentos destas lutas, na Cabanagem e na Balaiada, estas camadas médias

rompem sua subordinação às oligarquias e ameaçam os pilares da ordem social: o

latifúndio e a escravidão. A heterogeneidade e a posição dentro da estrutura de classes

(marcada pela dicotomia senhor versus escravo) impedem, no entanto, que estas massas

tenham um claro programa de lutas e reivindicações. Destas lutas cabe destacar a Revolta

dos Malês, ocorrida em Salvador em 1835. Formada por escravos e negros forros, é uma

luta sem relação com as camadas médias pobres.

A notícia da deposição de D . Pedro trouxe novo ânimo aos pernambucanos que, apesar

da intensa repressão ao movimento de 1824, mantinham o espírito de luta. Esta

insatisfação se expressa em dois levantes, rapidamente sufocados, de caráter antilusitano

e liberal: a Setembrizada e a Novembrada, ambas em 1831. Em setembro de 1832, os

''restauradores" desencadeiam um movimento, chamado de Abrilada, para trazer de volta o

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Page 26: Introdução à História do Brasil

imperador. Derrotados em Recife, conseguem mobilizar camponeses do vale do Jacuípe

numa guerra messiânica: a Guerra dos Cabanos (nada a ver com a Cabanagem do Pará)

que se prolonga por três anos.

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Page 27: Introdução à História do Brasil

Cabanagem

No Pará, de 1835 a 1840, a massa pobre da população, índios destribalizados, negros

escravos, ou livres caboclos, assume a direção de um processo que se iniciou na disputa

entre as elites locais (proprietários e comerciantes) pelo controle do governo da Província.

Os "cabanos" (por morarem em cabanas às margens dos rios) formam o primeiro governo

popular e revolucionário da História do Brasil. Impossibilitados de permanecerem em Belém

(a capital), durante anos vão sofrer o massacre das tropas imperiais. Em alguns distritos, o

ódio aos exploradores leva-os a não deixarem vivo sequer um branco (identificados como

proprietários ou comerciantes). O caráter popular da luta transforma todo o povo em objeto

de repressão. Em cinco anos são mortas quase 40 mil pessoas numa população que não

chegava a l00 mil.

Farroupilha

Característica diversa teve a Farroupilha, uma revolta que durou dez anos (1835 - 1845) e

envolveu duas províncias: Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

A política do governo central de não proteger o charque gaúcho (principal riqueza dos

estancieiros do sul desde o período da mineração) da concorrência do charque produzido

no estuário do Prata, aliada à falta de autonomia para a oligarquia local nomear seus

próprios governadores, provoca o rompimento da província do Rio Grande do Sul com o

Império. A rebelião nunca saiu das mãos da classe dominante, a despeito da participação

dos seus escravos, peões e agregados. Tratava-se de um conflito entre iguais. As

condições da ''pacificação'' refletiram este fato. Foi a mais bem sucedida das revoltas. O

comandante das tropas imperiais, o Barão de Caxias, usou a tática de associar a repressão

à anistia para dividir os revoltosos. A invasão das fronteiras pelas tropas uruguaias facilitou

o acordo. Os farroupilhas foram anistiados, seus líderes, integrados no exército imperial

com a mesma patente, e os escravos que participaram da revolta foram libertos (única vez

que isto aconteceu).

A Revolta dos Malês

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Page 28: Introdução à História do Brasil

Em 1835 uma revolta de escravos e libertos ameaça a propriedade escravista em

Salvador. Liderados pela etnia dos Haussás (ou malês) e pelos nagôs, eles formavam uma

sociedade secreta de cerca de 1500 revoltosos com o projeto de voltarem à África. Sua

organização não contava com brancos ou mulatos (considerados traidores pela sua

integração na sociedade escravista). Marcada para o dia 25 de janeiro, foi denunciada na

tarde do dia 24. Os revoltosos conseguiram resistir e as escaramuças se generalizaram por

todo o Recôncavo baiano. Cerca de 300 revoltosos morreram nos combates. O levante,

chamado de Revolta dos Malês, foi a mais ampla de uma série de revoltas de escravos que

vinha ocorrendo em Salvador desde 1807 (também em 1814 e 1826). Foram talvez as

únicas insurreições urbanas de escravos na América.

Sabinada

Liderada pelo jornalista Francisco Sabino, em1837, a Sabinada envolve uma camada

média radicalizada, sem maior ligação popular e ainda assustada com a Revolta dos

Malês. Seu projeto de uma República Baiense até a maioridade de D. Pedro, é logo

sufocado por tropas do Rio e milícias da aristocracia rural baiana.

Balaiada

Entre 1839 e 1841, época da Balaiada (dos balaios que um de seus participantes fabricava

e vendia), o Maranhão tinha quase 200 mil habitantes, metade dos quais eram escravos. A

maior parte dos homens livres era ligada à pequena lavoura ou à pecuária. A rebeldia

destes grupos já se expressara na época da Independência e tal como na Cabanagem, um

conflito entre a classe dominante local lhes possibilita tomar a dianteira do movimento que

se alastra pelo Ceará e Piauí. O antilusitanismo, antiabsolutismo e um sentimento de

justiça os levarão a se oporem aos exploradores, grandes proprietários e comerciantes.

A falta de um projeto mais claro, entretanto, mantém divididos os homens livres e os

escravos rebelados (o preto Cosme que se levantara à frente de 3 mil escravos rebelados

é um dos últimos a ser capturado), facilitando sua derrota.

O Segundo Império

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Page 29: Introdução à História do Brasil

Com o Segundo Império inicia-se uma acomodação entre as classes dominantes expressa

pelo revezamento nos ministérios do Partido Conservador e Partido Liberal, que

representam fundamentalmente os interesses dos homens de negócio ligados ao comércio

exterior ou dos fazendeiros do café e açúcar. Os setores ''radicais'' e populares, quase

todos antigos combatentes da Independência, padres, militares, intelectuais, jornalistas,

anônimos homens do povo, foram mortos, estão na prisão ou isolados politicamente.

As classes populares, estarão presentes na história mas sua participação (à exceção de

1848) só voltará a ser mais intensa no final do século com a Campanha da Abolição.

O Café

A partir de 1830 o café assume a ponta das exportações brasileiras, com uma participação

de 43,8% no valor total, seguido pelo açúcar, com 24% e pelo algodão, com 10,8%.

Beneficiando-se do avanço da industrialização na Europa e EUA, que cria grandes centros

urbanos consumidores do produto, a lavoura de café vai se expandir pelo Vale do Paraíba

e, a partir de 1840, avança pelo sul de Minas, Espírito Santo e para o oeste de São Paulo.

O problema da mão-de-obra

Com a proibição, em 1850, do tráfico de escravos, imposto pelos ingleses, as oligarquias

de São Paulo, Rio e Minas vão recorrer ao tráfico interno. As regiões decadentes do

Nordeste e de antiga mineração vão exportar seus escravos para a área cafeeira, que em

1872 concentra 66% dos escravos brasileiros.

Para complementar o trabalho escravo, tenta-se usar o trabalho do imigrante europeu. Mas

o trabalho do homem livre ao lado do trabalho do escravo mostrar-se-á inviável. Das 29

colônias registradas em São Paulo em 1860, restam apenas 13 em 1870. A resistência

destes colonos (através de fugas, não pagamento de dívidas e greves) devia-se às

péssimas condições de trabalho (precárias condições de moradia, taxas e multas ausentes

dos contratos, altos preços das mercadorias que eram obrigados a comprar no barracão da

fazenda etc). Na Europa, a denúncia desses maus tratos faz com que Suíça, Prússia e

ltália proibam temporariamente a imigração para o Brasil.

Quanto à população livre e pobre, já ampla maioria, não estava disposta a vender sua

força de trabalho. lsso porque as condições não eram atrativas, e porque era possível viver

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Page 30: Introdução à História do Brasil

de maneira autônoma sem ter de se submeter, ao lado do negro, a um trabalho braçal

(considerado "coisa de negro").

Congressos de proprietários (em 1878 se realizaram um em São Paulo e outro no

Nordeste) chegaram a recomendar uma "boa lei de locação de serviços" que obrigasse o

trabalhador nacional "indolente" e "perdido por essas matas" ou aos "vadios" das cidades a

trabalharem nas plantações. Em fins de 1878 foi aprovada uma lei em que são

disciplinados os contratos com trabalhadores nacionais, libertos e estrangeiros. 0 contrato

teria vigência mínima de 6 anos para os nacionais e de 5 para os estrangeiros. É a primeira

lei que acolhe disposições antigrevistas.

Feita sobretudo para o trabalhador nacional, esta lei entretanto não chegou a ser aplicada.

É que devido ao afluxo crescente de trabalhadores imigrantes, ela tornou-se não só

desnecessária como prejudicial. 0 sistema de colonato mostrou-se bem mais adequado

para este tipo de trabalhador. A importação de trabalhadores chineses também foi

cogitada. Reconhecia-se que a abolição do trabalho escravo era inevitável. 0 problema era

a indenização exigida pela perda da ''propriedade''.

A política adotada era de uma abolição "lenta, gradual e permanente'', da qual faziam parte

a Lei do Ventre Livre (1871) e a Lei dos Sexagenários (1885). A Lei de Terras, de 1850,

também está ligada aos interesses da oligarquia cafeeira. Ao proibir a aquisição de terras

públicas através de qualquer outro meio que não a compra, pretendia impedir o acesso dos

trabalhadores livres pobres à terra. Com a venda de terras públicas, o Estado buscava

arrecadar fundos para financiar a imigração.

A Abolição do tráfico e o crescimento econômico

A proibição do tráfico, que em 1850 ainda representava um terço do valor das importações,

libera um imenso capital, que vai ser investido na expansão da produção cafeeira e na

fundação de dezenas de empresas, geralmente ligadas ao escoamento da produção

cafeeira.

De 1856 a 1861 é construída uma rodovia entre Juiz de Fora e Petrópolis, cidade que era

ligada por ferrovia ao porto do Rio de Janeiro. A Estrada de Ferro D. Pedro II é inaugurada

em 1875, partindo do Rio de Janeiro e se bifurcando na serra para Minas e São Paulo. Em

São Paulo, a primeira ferrovia é inaugurada em 1867. É a Santos-Jundiaí, que mais tarde

se estende até Campinas. Em 1870 nasce a Companhia Mogiana. Estas iniciativas, assim

como a iluminação a gás do Rio de Janeiro (1851), as Companhias de Navegação e de

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Page 31: Introdução à História do Brasil

transportes urbanos associavam capitais ingleses (detentores da tecnologia e exportadores

de equipamentos) a capitais de fazendeiros de café.

Ao ligar as diversas regiões, encurtar as distâncias, dinamizar a circulação de riquezas e

acelerar o processo de urbanização, o sistema de transportes criará condições para uma

futura industrialização. O crescimento econômico é estimulado pela Guerra do Paraguai

(1865 - 1870), que amplia o mercado consumidor, aumenta o dinheiro em circulação e

força o aumento das taxas alfandegárias, estimulando em consequência a produção

nacional de manufaturados.

Este esboço de industrialização (algumas indústrias têxteis e a Fundição da Ponta da

Areia, de propriedade de Irineu Evangelista de Souza, futuro Visconde de Mauá) é

dificultado pela propriedade escravocrata. A escravidão impedia o desenvolvimento de um

mercado interno capaz de absorver uma produção industrial em larga escala. A escassez

de mão-de-obra força a utilização de escravos na indústria, aumentando os custos da

produção e dificultando a concorrência com as mercadorias estrangeiras (Mauá, embora

abolicionista, várias vezes utilizou mão-de-obra escrava, por exemplo na construção do

canal do Mangue, no Rio, onde oitenta escravos trabalhavam ao lado de 320 operários

livres).

A crise do escravismo

A partir da década de 1870 a abolição, planejada para ser lenta e gradual, se precipita com

a fuga organizada de escravos. O movimento abolicionista já conquistara a opinião pública

das cidades. Simultaneamente à luta parlamentar, atuavam na clandestinidade

organizações (como a dos Caifazes em São Paulo) que sabotavam a produção

promovendo a fuga de escravos para quilombos ou para grandes cidades onde dificilmente

seriam localizados. Sendo insuficiente a repressão policial e diante da recusa do Exército

intervir (abolicionista e republicano, além de ter incorporado na Guerra do Paraguai grande

número de escravos, libertos na condição de "voluntários da pátria''), não restava ao

Império senão reconhecer uma situação de fato, de que "estava abolida a escravidão no

Brasil" (13 de maio de 1888).

Perdendo a base escravista que o sustenta o Império cai através do golpe militar de 15 de

novembro de 1889 (mais uma "transição pelo alto''). Está aberto o espaço para o domínio

das oligarquias do café de São Paulo e Minas.

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Page 32: Introdução à História do Brasil

Agora livre, mas sem terras para produzir, o escravo deve escolher entre continuar sendo

explorado como morador de engenhos e fazendas ou disputar os empregos urbanos com

os imigrantes, que chegavam em massa a partir de 1888. Nas regiões de baixa densidade

demográfica (como Maranhão, Piauí e oeste da Bahia), graças à possibilidade da

ocupação das terras, a Abolição despovoou engenhos e fazendas. Os ex-escravos

estabeleceram-se nas matas vivendo de uma economia de subsistência e contribuindo

para a formação do campesinato.

A entrada em massa de imigrantes (financiada pelo Estado), na condição de colonos,

garantia aos fazendeiros uma mão-de-obra abundante e barata. Esta mão-de-obra será

suficiente para formar um vasto proletariado urbano, necessário para o processo de

industrialização. Em 1881, havia pouco mais de duzentos estabelecimentos industriais

reunindo aproximadamente 3 mil trabalhadores. Oito anos depois, o país já contava com

639 estabelecimentos industriais que ocupavam cerca de 54 mil operários.

Os colonos constituíam um semi-proletariado rural, que recebia uma certa importância em

dinheiro pelo trato dos cafezais e podia cultivar alguns produtos de subsistência garantia

aos fazendeiros uma mão-de-obra abundante e barata.

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Page 33: Introdução à História do Brasil

CAPÍTULO II - A REPÚBLICA VELHA (1889-1930)

A Proclamação da República

As mudanças sócio-econômicas ocorridas no Brasil a partir da segunda metade do século

XIX, especialmente a Abolição em 1888, tornam o Império anacrônico. A República surge,

então, como um ajuste das instituições político-administrativas às mudanças sociais e

econômicas, entre as quais se destacam: aumento da população; crescimento urbano;

declínio da agricultura tradicional escravista do Nordeste e Vale do Paraíba; fortalecimento

econômico dos fazendeiros de café do oeste paulista; crescimento, ainda que incipiente, do

mercado interno; ampliação do sistema de transporte (principalmente as ferrovias); e a

Abolição, que permite o incremento do trabalho livre e da imigração.

Durante a década de 1880, as idéias republicanas ganham ressonância em setores

expressivos da população. Em São Paulo, os fazendeiros de café constituíam o setor mais

expressivo do movimento republicano. No Rio e em outras províncias, as camadas urbanas

cumpriam esse papel.

Os fazendeiros de café viam no programa republicano (que prometia maior autonomia às

províncias) a possibilidade concreta de assumir o controle político do país. As camadas

médias e pobres urbanas idealizavam a República como um regime capaz de resolver as

contradições que as afligiam.

O descontentamento e o desprestígio do lmpério se ampliam na década de 80. As

manifestações, os comícios abolicionistas e republicanos são comuns. Em 1880, a

''Revolta do Vintém'', manifestação popular violenta contra o aumento dos impostos e das

tarifas dos bondes, revela o grande descontentamento da população do Rio de Janeiro. A

imprensa antimonárquica cresce, com jornais como "O Paíz'', "A República", e revistas

como "Revista Ilustrada'' e ''Zigue-Zague''. Desprestigiado, o Império tinha os dias

contados.

O Exército teve um papel fundamental na queda da monarquia. Com o fim da Guerra do

Paraguai, em 1870, o Exército, embora vitorioso, aumenta suas contradições com o

regime, que remunera mal os militares e os coloca em segundo plano nas questões

nacionais. Desprezados pelo lmpério, os militares, principalmente a jovem oficialidade,

influenciados pelas idéias positivistas, sentem-se no dever de "salvar a pátria". Propondo-

se a resolver os problemas nacionais, eles pretendiam sanear o país de políticos ''corruptos

e sem patriotismo'', ironicamente chamados de "casacas".

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Page 34: Introdução à História do Brasil

Após a Abolição, acentuam-se as contradições entre as classes sociais e o Império.

Os fazendeiros escravistas do Nordeste e do Vale do Paraíba, última base de sustentação

do Império, desagregam-se. As articulações entre os republicanos e os militares

intensificam-se no segundo semestre de 1889. No dia 15 de Novembro, o movimento

militar liderado pelo marechal Deodoro da Fonseca derruba o imperador e proclama a

República no Brasil.

Os Governos Militares

Os governos iniciais do período republicano, chefiados pelos marechais Deodoro da

Fonseca e Floriano Peixoto, são govemos de transição, nos quais as forças sociais que

derrubaram a monarquia disputam o controle do aparelho do Estado, ou seja, do governo e

de suas instituições político-administrativas.

O govemo do marechal Deodoro caracteriza-se, portanto, pela disputa entre a oligarquia

paulista cafeeira e uma facção militar associada à antiga burocracia imperial, que adere à

República. A essa disputa soma-se uma crise econômica provocada pelo “Encilhamento''

nos primeiros meses do novo regime.

Colocado em prática por Rui Barbosa, ministro da Fazenda de Deodoro, o “Encilhamento”

foi uma reforma financeira que permitiu grandes emissões de moeda. O aumento dos

meios de pagamento daí decorrente serviu para remunerar os novos assalariados surgidos

com a abolição da escravidão e liberou recursos para um incipiente desenvolvimento

industrial. O "Encilhamento" acabou gerando uma grave crise econômica, já que provocou

alta da inflação e desordenada especulação financeira. Surgiram inúmeras empresas

“fantasmas" e multiplicaram-se as falências e concordatas.

No entanto, é na Assembléia Nacional Constituinte, convocada em 1890, que se ampliam

os enfrentamentos entre os apoiadores de Deodoro e a oligarquia do café, que consegue

aprovar uma série de medidas - especialmente o federalismo - que criava as condições

legais necessárias para sua hegemonia política.

Promulgada em fevereiro de 1891, a Constituição previa que o primeiro presidente seria

eleito indiretamente. Graças às fortes pressões militares e ameaças concretas de golpe,

Deodoro é eleito presidente. No entanto, a oposição sistemática da oligarquia cafeeira

acaba minando as bases de apoio do marechal presidente. Perdendo parte da sustentação

militar para o vice Floriano Peixoto, Deodoro acaba renunciando em novembro de 1891.

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Page 35: Introdução à História do Brasil

Ao assumir, Floriano enfrentou várias crises políticas. À frente de um governo centralizado

e autoritário, Floriano consolida a República, ganhando o apoio de diversos setores

urbanos e propiciando a ascensão da oligarquia cafeeira ao poder.

Além de contar com o apoio tático das oligarquias cafeeiras, Floriano teve como base as

camadas médias urbanas e expressivos setores militares. Esse setor radicalizado,

chamado de ''jacobino'', em analogia aos jacobinos da Revolução Francesa, pretendia a

instalação de um governo "ditatorial" de nítido caráter pequeno-burguês. Graças a medidas

de cunho popular, como a redução dos aluguéis, a intervenção no mercado de carne para

baixar os preços, Floriano reforça o esquema de sustentação do regime e o consolida.

No entanto, ele ainda encontra forte oposição, tanto no setor militar como em setores

monarquistas restauradores. A Revolução Federalista (1892 - 1895) no Rio Grande do Sul

e a Revolta da Armada no Rio de Janeiro (1893) são combatidas por Floriano, que enfrenta

assim uma grave crise governamental.

Todas essas crises e revoltas obrigam Floriano Peixoto a aproximar-se das oligarquias,

impedindo assim que os setores militares e os jacobinos façam o seu sucessor. A

oligarquia paulista, bem organizada, acaba impondo Prudente de Moraes como candidato,

contra a vontade de Floriano. No dia 1º de março de 1894, Prudente de Moraes é eleito,

por voto direto, presidente do Brasil, consolidando a hegemonia política da oligarquia

cafeeira.

O Domínio das Oligarquias

Derrotando os setores pequeno-burgueses radicalizados (os ''Jacobinos''), a oligarquia

cafeeira inicia no govemo de Prudente de Moraes e consolida no governo seguinte,

chefiado por Campos Salles, a montagem de um aparato político que lhe assegura a

hegemonia política no Brasil até 1930.

Baseadas no federalismo, consagrado na Constituição de 1891 e que permitia aos Estados

arrecadar os impostos de exportação e solicitar empréstimos extemos, as oligarquias

estaduais garantiam sua independência financeira perante o govemo federal. A "Política

dos Govemadores" iniciada com Campos Salles assegurava essa autonomia dos Estados.

Em troca do irrestrito apoio político das diversas oligarquias, o poder central comprometia-

se a não interferir nos problemas e questões locais.

As eleições eram outro ponto importante no esquema de dominação. O sistema eleitoral da

Constituição de 1891, que dava direito de voto apenas para os homens maiores de 21

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Page 36: Introdução à História do Brasil

anos e alfabetizados, limitava o colégio eleitoral a cerca de 6% da população. Além disso,

a política do ''café-com-leite'', permitia o predomínio de São Paulo e Minas, os Estados

mais ricos, revezando na Presidência da República representantes das oligarquias paulista

e mineira.

O federalismo impunha a existência de partidos regionais, que representavam os

interesses dominantes locais. O PRP (Partido Republicano Paulista) e o PRM (Partido

Republicano Mineiro) foram os mais importantes durante a República Velha. Localmente, a

hegemonia oligárquica era conseguida através do "coronelismo", pelo qual grandes

fazendeiros exerciam o domínio sobre a massa da população valendo-se de relações de

caráter pessoal: clientelismo político, compadrio e troca de favores. Assim o ''coronel''

(grande fazendeiro) garantia o controle político de seu ''curral eleitoral", ou seja, dos votos

da população de sua região. Quando necessário, o controle era exercido através da

violência e da fraude eleitoral. Nas cidades, o domínio dos “coronéis" era bem menor,

constituindo-se os centros urbanos nos maiores focos de oposição às oligarquias.

A política econômica dos governos oligárquicos integrava o Brasil na divisão internacional

do trabalho: um modelo agro-exportador, baseado na monocultura do café e na total

dependência do capitalismo internacional (principalmente da Inglaterra, em menor escala

da Alemanha, e de forma crescente dos EUA).

O café, sobretudo após as crises de superprodução do início do século XX, passa a contar

com uma política de valorização permanente. O Convênio de Taubaté (1906) comprometia

os governos dos principais Estados produtores (São Paulo, Minas e Rio), apoiados por

bancos ingleses e norte-americanos, a comprarem todo o excedente do café não

exportado. Foram tomadas medidas de restrição das área plantada para evitar a

superpodução, que faria cair o preço do café nos mercados internacionais. Estas

providências na verdade beneficiavam apenas as oligarquias cafeeiras, representando uma

''socializaão das perdas'' para os outros setores da sociedade brasileira.

Apesar do predomínio do café, outros produtos primários e extrativos também tiveram ou

continuaram a ter importância durante a República Velha. Na Amazônia, a extração de

borracha atraiu milhares de migrantes nordestinos e chegou a representar 25% das

exportações totais do país. No nordeste, o açúcar, embora decadente, ainda tinha

importância. O cacau, no sul da Bahia; a pecuária, no sertão do Nordeste e no Rio Grande

do Sul; e o mate, no Paraná e Mato Grosso, são outros produtos significativos. Além disso,

é importante notar a existência de uma agricultura de subsistência que absorvia grande

parte da população em todo país.

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Page 37: Introdução à História do Brasil

O Processo de Industrialização

A expansão das relações capitalistas de produção nas últimas décadas do século XIX

favorece o desenvolvimento de um processo lento, porém contínuo, de industrialização no

Brasil.

A Abolição e o incremento da imigração possibilitam a ampliação das relações salariais e o

consequente crescimento do mercado interno. Esses fatores, associados à urbanização,

ao desenvolvimento dos transportes e às emissões monetárias geradas pelo

“Encilhamento'', geraram condições favoráveis ao desenvolvimento industrial. No entanto,

foi o dinamismo da economia cafeeira que criou os capitais necessários para a

industrialição. O capital industrial originou-se do capital agrícola.

A transferência para a indústria do capital gerado pelo café não se dava diretamente, mas,

principalmente, por meio do sistema bancário e comercial. Os bancos e as casas de

exportação de café, pertencentes às oligarquias agrárias ou ao capital estrangeiro

associado à monocultura cafeeira, preferiam reaplicar os excedentes gerados pela

cafeicultura na expansão da própria cafeicultura. Mas, devido às crises de superprodução e

à proibição das expansão dos cafezais, os excedentes líquidos são desviados pelos

bancos e casas comerciais para o financiamento das indústrias.

Vale ressaltar a presença do capital estrangeiro (preponderantemente o inglês, e em menor

escala, porém em ascensão, o norte-americano) nos setores básicos da economia.

Associados às oligarquias cafeeiras, os capitalistas estrangeiros controlavam, entre outros

setores, os transportes (estradas de ferro e portos), as firmas de exportação e importação e

de energia elétrica (como a Light paulista e carioca).

A indústria leve de bens de consumo não duráveis, particularmente têxteis e alimentos,

puxa o crescimento industrial. Em 1907, a indústria têxtil e de alimentos representam

43,7% do produto industrial nacional; em 1920, esta taxa sobe para 50,1% (Gorender,

Jacob - "A burguesia brasileira", Ed. Brasiliense, São Paulo, p. 29). A indústria de bens de

capital quase inexiste: em 1920 apenas 4,7% das indústrias são metalúrgicas e mecânicas

(Mendes Jr., A. e Maranhão, R. - "Brasil História'', vol. 3, Brasiliense, São Paulo, p.212). A

indústria brasileira era totalmente dependente da tecnologia industrial externa.

O dinamismo da economia cafeeira e a presença de um mercado regional considerável

provocaram uma concentração industrial nas áreas metropolitanas de São Paulo e do Rio

de Janeiro. Em 1907, 30,3% do valor da produção industrial nacional estavam

concentrados na então Capital Federal; São Paulo possuía 15,9% da produção brasileira.

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Page 38: Introdução à História do Brasil

Em 1920, São Paulo passa a ser o maior pólo industrial, com 33,1% da produção nacional.

O Rio vinha a seguir, com 22,4% (Gorender, Jacob, obra citada, pág. 35 e 36).

Durante a República Velha, a industrialição brasileira avança principalmente nos períodos

de crise econômica mundial. Na Primeira Guerra Mundial (1914 -1918) ocorreu o maior

surto industrial, graças ao declínio da importação de manufaturados dos países em guerra.

Em 1889, o Brasil tinha 626 estabelecimentos industriais; em 1907, já eram 3120. No

primeiro ano da guerra (1914), sobem para 7430; e, com o crescimento provocado pelo

conflito, elevam-se para 13336 estabelecimentos industriais em 1920 (Carone, Edgar "A

República Velha", S. Paulo, Difel, pág. 74).

A indústria brasileira na República Velha nasceu e se desenvolveu subordinada à

economia cafeeira voltada para a exportação. Assim, apesar de sua expansão, as

indústrias eram frágeis, devido à sua dependência interna e externa. Incapazes de

competir em qualidade e preço com os produtos importados, as indústrias dependiam de

uma política aduaneira e cambial protecionista, raramente adotada porque contrariava os

interesses das oligarquias cafeeiras associadas ao capital externo.

A burguesia industrial que surge desse processo não é antagônica ao latifúndio agro-

exportador dominante. Nasce, convive, cresce subordinada e complementa as atividades

agrícolas. Não há uma ruptura entre o setor industrial e o setor agrícola exportador.

Composto basicamente por imigrantes que já vieram do exterior com algum capital, por

cafeicultores e comerciantes, o empresariado industrial nascente identificou-se como uma

das "classes conservadoras''. O processo de industrialização e de formação da burguesia

industrial no Brasil não a colocava em confronto com as classes latifundiárias. Muitos

industriais, inclusive, adquiriram terras, tornando-se também latifundiários. A especulação

de terrenos urbanos também é um ramo lucrativo aproveitado pelo empresariado.

Em São Paulo, até 1928, quando é fundado o Centro de Indústrias do Estado de São

Paulo, os industriais filiavam-se à Associação Comercial. A convivência de industriais e

comerciantes nas mesmas associações comprovam uma certa identificação entre esses

setores durante a República Velha. Matarazzo, Klabin, Pereira Ignácio e Villares foram

empresários que acumularam, durante certo tempo, a função de industriais com a de

comerciantes importadores (Gorender, Jacob, obra citada, pág. 29).

As reivindicações dos industriais durante a República Velha centravam-se nas questões

alfandegárias e cambiais. Procurando defender-se da competição com os produtos

estrangeiros, a burguesia industrial solicita tarifas protecionistas e controle de câmbio. No

entanto, somente com a criação do Centro de Indústrias de São Paulo é que se

consolidará a organização do empresariado industrial.

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Page 39: Introdução à História do Brasil

A Luta Operária

Com a industrialização, temos o surgimento e o desenvolvimento da classe operária no

Brasil. O crescimento industrial acelera a formação da classe operária. Em 1889 havia

54.169 operários; em 1907, eles são 136.250, passando a 293.673 em 1920. Esta rápida

progressão altera marginalmente a estrutura de classes, visto que o desenvolvimento

capitalista se mantém subordinado à produção agrícola para exportação. A classe operária,

apesar de combativa, é numericamente pouco expressiva. Em 1925, por exemplo, o

proletariado industrial representa 12% da mão-de-obra global, cabendo ao setor agrícola

68% da população economicamente ativa do país.

A maioria do nascente operariado industrial brasileiro é representada por imigrantes.

No Rio, espanhóis e portugueses; em São Paulo, italianos. Com a Abolição, a imigração

européia intensificou-se. O governo republicano estimula a vinda de europeus para a

lavoura do café. A urbanização e a industrialização, bem como as dificuldades encontradas

na lavoura, atraíram grande parte desses imigrantes para as cidades, onde acabaram

constituindo a maior parte do operariado.

Embora decresça com o passar do tempo, o número de operários estrangeiros é

significativo durante toda a República Velha. Em 1901, 90% dos operários industriais na

cidade de São Paulo são estrangeiros; essa taxa cai para 52% em 1920.

A partir de 1930, a imigração européia diminui sensivelmente. A crise econômica mundial

desencadeada em 1929, a conjuntura européia do período (ver apostila de HMOI) e as

limitações à imigração impostas pelo governo brasileiro, devido às crises de superprodução

do café, são fatores que explicam o declínio imigratório. O Estado de São Paulo, por

exemplo, já a partir de 1928 não subvencionava mais o transporte de imigrantes para o

Brasil.

As condições de vida e trabalho dos trabalhadores industriais eram muito difíceis. Os

salários eram muito baixos; a jornada de trabalho chegava a 14 horas diárias ou mais; as

condições de higiene e segurança nas fábricas praticamente inexistiam e o trabalho

feminino e infantil era utilizado indiscriminadamente, não regulamentado e superexplorado

(há notícias de crianças de 5 anos trabalhando nas fábricas).

As leis trabaIhistas não existiam, não havia descanso semanal nem férias remuneradas.

Tampouco seguros contra acidentes ou previdência social. Ao longo de sua história, a

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Page 40: Introdução à História do Brasil

classe operária teve de lutar e conquistar esses direitos para impor limites à taxa de

exploração capitalista.

Simultaneamente ao seu surgimento, a classe operária começa a se organizar. Surgem as

corporações, caixas beneficentes, sociedades de socorro mútuo e, posteriormente, os

primeiros sindicatos. Os sindicatos eram totalmente organizados e administrados pelos

operários, sem qualquer vínculo com o Estado. As principais reivindicações dos sindicatos

nesse período estão ligadas à melhoria das condições de trabalho (redução das jornadas,

principalmente) .

Vindo da Europa, juntamente com os imigrantes, o anarco-sindicalismo constituía-se na

principal tendência política do operariado: anticlericais, contra qualquer tipo de ação

parlamentar ou partidária, os anarco-sindicalistas pregavam a dissolução do Estado. A

ação direta através das greves era a principal arma do anarco-sindicalismo, que via no

sindicato o agente fundamental para a organização da luta operária e o núcleo da futura

sociedade.

Com violência verbal e discurso marcadamente anticapitalista, os anarco-sindicalistas

organizaram, nas duas primeiras décadas do século, uma importante imprensa operária,

mantendo jornais como "A Terra Livre", "A Plebe'', entre outros. A vida cultural da classe

operária era fortemente estimulada pelos sindicatos anarquistas, que organizavam eventos

teatrais, musicais, recitais de poesia, piqueniques e bailes culturais.

O Congresso Operário Brasileiro, realizado no Rio em 1906, representou a vitória das teses

anarco-sindicalistas. Outras tendências políticas do período eram os socialistas (ligados à

2ª lnternacional) e tendências católicas (que defendiam uma comunhão entre patrões e

trabalhadores).

Em 1908, sob controle anarco-sindicalista, organizava-se a Confederação Operária

Brasileira (COB), que reunia cerca de 30 associações operárias. Sua publicação oficial era

o jornal "A Voz do Trabalhador". Em sua primeira fase a COB duraria somente até

dezembro de 1909.

O patronato reagia à organização dos trabalhadores. A repressão policial era. intensa (“a

qúestão social é uma qúestão de polícia”. alertava o oligarca Washington Luís). As greves

eram fortemente reprimidas. Elaboravam-se ''Listas negras” de operários. Em 1907 é

aprovada a Lei Adolfo Gordo, que garantia a expulsão do país de líderes operários

estrangeiros. Os líderes brasileiros eram confinados na Amazônia.

Além da repressão, o assistencialismo também era útilizado contra a mobilização operária.

Construíam-se vilas operárias. Organizavam-se atividades filantrópicas em favor dos

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Page 41: Introdução à História do Brasil

operários. O patronato e o governo também esboçavam tentativas de cooptação dos

trabalhadores. Em 1912, o governo organiza um Congresso Trabalhista. Entretanto, os

setores combativos do operariado reagem. Em 1913, um novo Congresso Operário, com a

participação de mais de 100 delegados e representantes de associações, reorganiza a

COB.

Com a 1ª Guerra Mundial, a partir de 1914, as condições de vida dos trabalhadores se

deterioram. O cústo de vida aumenta rapidamente, os salários são achatados e há falta de

alimentos. A classe operária se agita. Entre 1917 e 1919 ocorrem diversas greves e

manifestações em todo o país. Em junho de 1917, em São Paulo, uma greve iniciada no

Cotonifício Crespi alastra-se pela cidade. Um Comitê de Defesa do Proletariado organiza e

dirige a greve. As principais reivindicações dos trabalhadores eram: jornada de trabalho de

8 horas; redução dos aluguéis; direito de organização: normalização do trabalho feminino e

infantil; e aumento de 35% para salários inferiores a 5 mil réis e de 25% para os demais. A

norte do grevista Antonio Martinez, em um confronto com a polícia, faz crescer a greve. O

enterro de Martinez transformou-se numa das maiores manifestações de protesto da

história da cidade. O número de trabalhadores em greve chegou ao espantoso (para a

época) número de 75 mil pessoas. Os patrões foram forçados a recuar e acabaram

negociando um acordo qúe previa aumento de 2O% dos salários, não punição dos

grevistas, regulamentação do trabalho feminino e intantil e redução da jornada de trabalho

para 8 horas diárias. Alguns meses depois, no entanto, o acordo seria desrespeitado pela

maior parte dos empresários.

Em algumas cidades, grandes greves também ocorreram em 1917. Em julho, 50 mil

trabalhadores pararam o Rio de Janeiro. Em Recife, também ocorre uma greve de grandes

proporções.

Apesar de não intluir diretamente nas greves e manifestações de 1917, a Revolução Russa

teve repercussão no Brasil, como de resto em todo o mundo. Em várias cidades, em que

pese a falta de informações e as confusões sobre o caráter da revolução, ocorreram

manifestações de apoio aos bolcheviques e à Revolução.

Em 1919, ocorrem greves importantes no Rio, São Paulo, Recife, Salvador e Porto Alegre.

Em novembro, no Rio de Janeiro, os anarco-sindicalistas tentam uma rebelião armada

proletária, que é facilmente descoberta e dominada pela polícia. O anarco-sindicalismo

nostrava-se incapaz de elaborar propostas globais. Encontrava dificuldades em analisar a

realidade do Brasil, país de operariado minoritário em relação à mão-de-obra rural. Muitas

vezes, reproduziam mecanicamente análises do novimento operário europeu.

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Page 42: Introdução à História do Brasil

Esses fatores, além da forte repressão policial, fizeram o movimento operário refluir a partir

de 1920. Vários anarquistas, influenciados pela Revolução Soviética e pelos impasses do

movimento operário no Brasil, começam a fazer autocrítica e a questionar o anarco-

sindicalismo. Em março de 1922 é fundado o Partido Comunista do Brasil (PCB), que tem

entre seus fundadores diversos ex-anarquistas, como Astrogildo Pereira, Joaquim Barbosa

e Hermogêneo Silva.

Em 1924 o PCB filia-se à 3ª Internacional, fundada em Moscou em 1919 (ver apostila

HMOI). Os comunistas consideravam-se à frente das concepções anarquistas, tidas como

sectárias e pequeno-burguesas, e achavam fundamental a unidade sindical para o êxito da

luta política. O marxismo, porém, era pouco estudado, sendo poucas, malfeitas e

deturpadas as traduções dos clássicos marxistas.

Durante a década de 20 e até meados da década de 30, os comunistas disputam com os

anarco-sindicalistas o comando do movimento operário no Brasil.

As Lutas Urbanas

O predomínio durante a República Velha da economia agro-exportadora e da população

rural (em 1920, 70% da população está no campo) não consegue barrar o processo de

urbanização, gerado pela própria economia cafeeira e pela industrialização. Tanto assim

que o Rio, que em 1890 tinha 522.651 habitantes, passou a abrigar 1.157.000 em 1920. E

São Paulo cresceu quase dez vezes em trinta anos: de uma população de 64.934 pessoas

em 1890, passou a 579.000 em 1920. (Basbaum, Leôncio - "História Sincera da República"

, Alfa-Ômega, São Paulo, 1976, 4ª. ed., 2º vol. - pag. 141).

A maior parte da população urbana era integrada por operários industriais, pequenos

funcionários públicos e do comércio, além de um setor pobre não diretamente vinculado à

produção. Composto por ex-escravos e por um grande contingente de marginalizados, este

setor vivia de ''biscates'', pequenos negócios e, muitas vezes, da criminalidade.

Esse quadro social era particularmente presente no Rio de Janeiro, capital e principal

cidade do país. O Rio, durante esse período, foi palco de várias revoltas e manifestações

populares. O altíssimo custo de vida, a falta de alimentos, as dificuldades de transporte e

moradia geram uma tensão constante. Protestos públicos, comícios populares, queima de

bondes e saques são comuns e mostram a insatisfação das camadas populares, apesar de

sua pouca organização. Durante a República Velha, as greves operárias, com

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Page 43: Introdução à História do Brasil

reivindicações amplas contra o custo de vida, preço de aluguéis e transportes, contam com

um grande apoio das outras camadas populares urbanas.

No início do século, Pereira Passos, prefeito do Rio, inicia um processo de reforma urbana

e arquitetônica. As classes dominantes procuravam assim afastar do centro as camadas

populares, jogando-as para a periferia e os morros da cidade. A população reage, os

conflitos aumentam. Em 1904, a situação agrava-se com o lançamento de uma campanha

de saneamento público e vacinação. A campanha de vacinação obrigatória, comandada

pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz, foi o estopim de uma série de manifestações

populares violentas que ficaram conhecidas como "Revolta da Vacina''.

Durante uma semana do mês de novembro de 1904, distúrbios, barricadas, "quebra-

quebras" e confronto com a polícia marcaram o cotidiano da população carioca. Mais do

que um protesto contra a vacinação obrigatória, a revolta dirigia-se contra a situação de

miséria e exploração a que estava submetida a maior parte da população. A intervenção

policial é violenta. Centenas de pessoas são feridas e mortas. A desorganização e

espontaneidade do movimento fazem com que grupos oposicionistas, principalmente os

''Jacobinos'' e os monarquistas, tentem capitalizar e comandar a revolta. O govemo, então,

intensifica a repressão, conseguindo dominar a situação após alguns dias.

Outro episódio que merece destaque é a "Revolta da Chibata''. Em 1910, os marinheiros

da esquadra brasileira rebelam-se contra os castigos corporais que lhes eram impostos

pela oficialidade desde os tempos do Império. Os marinheiros, geralmente recrutados à

força nas camadas populares, tomam os principais navios de guerra e ameaçam

bombardear o Rio de Janeiro, caso suas reivindicações contra os castigos não fossem

atendidas. Liderados por João Cândido (o "Almirante Negro''), os marinheiros surpreendem

os oficiais e as classes dominantes graças a sua organização e destreza no comando dos

navios.

Apoiados por grande parte da população carioca, os marinheiros são vitoriosos em um

primeiro momento. O governo cede e promete não punir aos revoltosos. Em seguida,

porém, decreta o estado de sítio, prende os marinheiros rebelados e os líderes

oposicionistas, pondo fim à revolta.

As Lutas no Campo

A penetração de relações capitalistas e a Proclamação da República não alteram a

estrutura fundiária. O latifúndio continuava dominante. No início do século, de 650 mil

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Page 44: Introdução à História do Brasil

propriedades rurais existentes no Brasil, apenas 4% eram latifúndios de mais de 1.000

hectares; no entanto, estes latifúndios representavam 60% de todas as terras.

Os trabalhadores no campo representavam dois terços da população brasileira. Em sua

maior parte, eram colonos, meeiros e parceiros sem propriedades, vivendo miseravelmente

e sob a dominação dos grandes fazendeiros.

Por isso mesmo, a República Velha foi palco de inúmeras revoltas e manifestações contra

a ordem social vigente e os poderes constituídos. Muitas vezes de forma inconsciente, com

forte conotação religiosa e messiânica, essas revoltas contudo, expressavam uma real

contestação ao poder oligárquico e à estrutura fundiária baseada no latifúndio. Daí a

necessidade das classes dominantes de reprimi-las tão violentamente. Canudos (1893-97),

na Bahia, e Contestado (1912-16), em Santa Catarina, são os principais exempIos dessas

revoltas populares.

No Nordeste, à miséria e à fome dos trabalhadores rurais somavam-se a decadência

econômica da região e as secas, fatores que aumentavam as migrações para a Amazônia

e para o Sudeste do país, despovoando diversas regiões. Nesse cenário, começam a

surgir, em fins do século XIX, diversos ''beatos'' e ''messias'' que, arregimentando

seguidores entre a população miserável da região, percorriam o sertão, prometendo uma

vida melhor e a salvação divina. Antônio Conselheiro foi o mais conhecido e mais radical

desses ''beatos''.

Vagando durante vários anos pelo sertão nordestino, Antonio Conselheiro, aliás, Antônio

Mendes Maciel, seu verdadeiro nome, reuniu inúmeros seguidores. Apesar do caráter

místico de suas pregações, Conselheiro era um contestador da ordem. Abolicionista (após

a abolição em 1888, diversos ex-escravos seguem Conselheiro); influenciado pela leitura

da "Utopia", de Thomas Morus, que imagina uma sociedade igualitária, Conselheiro negava

as autoridades constituídas, chegando mesmo a mandar queimar editais de cobrança de

impostos contra a população.

Em 1893, funda no sertão baiano, na região conhecida como Canudos, a cidade de Belo

Monte. Ali cria uma sociedade onde a produção era dividida entre todos. Sertanejos

fugindo da opressão da oligarquia acorrem de todos os lugares para a "Cidade Santa".

Belo Monte chega a reunir uma população superior a 30 mil pessoas.

Canudos contestava na prática a dominação oligárquica, as autoridades constituídas, o

latifúndio e a Igreja. Não era suportado pelas classes dominantes, para quem Conselheiro

e seus seguidores não passavam de um bando de fanáticos perigosos que precisavam ser

destruídos. Contra eles são enviadas três expedições militares. Esta, porém, são uma a

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Page 45: Introdução à História do Brasil

uma derrotadas pelos sertanejos de Conselheiro, que, utilizando a tática de guerrilhas,

mostravam-se muito eficientes e humilhavam o orgulhoso Exército.

A quarta expedição, reforçada com o armamento mais moderno das forças militares

brasileiras na época, derrota e dizima Canudos em 5 de outubro de 1897. 0 fim de

Canudos é relatado dramaticamente em "0s Sertões", magistral trabalho de Euclides da

Cunha para o jornal "0 Estado de São Paulo":

"Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento

completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao

anoitecer, quando caíram seus últimos defensores, mortos. Eram quatro apenas, um velho,

dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil

soldados".

A região do Contestado, localizada ao sul do Paraná e ao norte de Santa Catarina, era

disputada pelos dois Estados, daí o seu nome. Palco de violências desde a Guerra dos

Farrapos e passando pela Revolução Federalista, a região do Contestado teve suas

contradições sociais acentuadas nos primeiros anos do século XX. A chegada de

empresas colonizadoras de terras e a construção, em 1908, da ferrovia que ligava União

da Vitória a Marcelino Ramos expulsa diversos camponeses de suas terras, gerando uma

situação tensa e explosiva.

Vários desses trabalhadores rurais começam a seguir o monge José Maria, que pregava a

construção de uma sociedade mais justa, com terras para todos e baseada nos valores

cristãos. Tais idéias entravam diretamente em choque com os interesses dos fazendeiros

da região, das companhias colonizadoras e da ferrovia. Durante anos, e mesmo após a

morte do monge em 1913, os trabalhadores rurais formaram "vilas santas" e foram

perseguidos e combatidos pelas tropas governamentais. As "vilas santas" chegam a reunir

50 mil pessoas.

Em 1915, o Exército e a polícia lançam uma ofensiva final contra os revoltosos. Utiliza-se

pela primeira vez no Brasil a aviação de guerra e bombardeios aéreos. No início de 1916 a

rebelião é liquidada, com milhares de camponeses mortos.

O Tenentismo

O crescimento das principais cidades, sobretudo após a 1ª Guerra Mundial, promoveu a

ampliação do número de pequenos comerciantes e pequenos industriais, da burocracia

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Page 46: Introdução à História do Brasil

estatal, de intelectuais e profissionais liberais, os chamados setores médios urbanos, cujos

interesses e origens eram bastante heterogêneos.

A partir da década de 20, porém, a insatisfação contra o regime oligárquico acentua-se. A

não participação dos setores médios no aparelho governamental e a crise econômica a

partir de 1920 explicam essa insatisfação.

Intelectuais e artistas passam a contestar a arte dominante, moldada em padrões europeus

do século XIX, bem como o servilismo de parte da intelectualidade às oligarquias. O ponto

alto deste movimento foi a Semana de Arte Moderna, em 1922, em São Paulo.

Artistas plásticos (como Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti) ; escritores (como

Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira) e músicos (como Villa-Lobos),

entre outros, buscam novas manifestações culturais que na prática contestavam o Brasil

agrário e dominado pelas oligarquias.

Foi o tenentismo, porém, a forma mais radical de contestação ao poder oligárquico por

parte das camadas médias e setores do Exército durante a década de 20. Insatisfeitos, os

setores médios encontram no tenentismo pontos de contato e um canal para suas

reivindicações.

O programa político dos jovens oficiais do Exército e da Marinha, (''os Tenentes''), embora

vago e pouco coeso, era apoiado pelos setores médios. Suas principais reivindicações:

voto secreto, reformas administrativas, independência do Poder Judiciário, e mudanças no

sistema educacional. Moralistas, os "tenentes" acreditavam que a simples substituição dos

govemantes imorais e corruptos por homens íntegros e patriotas salvaria o país.

Opositores ferrenhos do govemo autoritário de Artur Bernardes, que governou entre 1922 e

1926, os "tenentes", promoveram inúmeras rebeliões nesse período: a revolta do Forte de

Copacabana (1922) no Rio; revoltas em São Paulo, Amazonas, Pará, Sergipe, Rio Grande

do Sul, e Mato Grosso em 1924, e, principalmente, a Coluna Prestes-Miguel Costa que

percorre cerca de 25 mil quilômetros entre abril de 1925 e fevereiro de 1927, lutando contra

o governo de Artur Bernardes.

O tenentismo pode ser explicado como a insatisfação dos setores médios (origem social da

maior parte dos "tenentes") aliada à marginalização do Exército do aparato governamental

oligárquico. As oligarquias estaduais preferiam modernizar e apoiar as Forças Públicas

Estaduais, criadas após a proclamação da República como aparelhos militares

suplementares. Assim, diversos setores do Exército, especialmente a jovem oficialidade,

sentiam-se excluídos (e efetivamente o eram) do poder. Tal sentimento, aliado à

insatisfação dos setores médios, originou o "Tenentismo".

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Page 47: Introdução à História do Brasil

Marginalizados do poder e afetados pela crise, os tenentes, entretanto, descartavam

qualquer aliança com as classes populares, por considerá-las ignorantes e atrasadas.

Temiam, ainda, o risco de uma rebelião popular, incontrolável e de consequências

imprevisíveis. O caráter elitista e antipopular do tenentismo levou-o à derrota e à cooptação

de seus participantes por setores oligárquicos dissidentes.

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Page 48: Introdução à História do Brasil

A Revolução de 1930

Na década de 20, o aparato de dominação política montado pelas oligarquias começa a

desagregar-se. Oligarquias de estados menores como a do Rio Grande do Sul, reclamam

maior participação no poder político. Surgem oposições oligárquicas até em estados

dominantes, como São Paulo, onde é fundado o Partido Democrático, rival do poderoso

PRP.

A crise de hegemonia acentua-se no final do governo do presidente Washington Luís,

representante da oligarquia paulista que governou entre 1926 e 1930. Washington Luís

preocupou-se com o equilíbrio do balanço de pagamentos e com o estabelecimento de

uma reforma financeira. Prevendo graves problemas para a economia brasileira com a

quebra da Bolsa de Nova York, que jogaria o mundo numa crise sem precedentes (ver

apostila de HMOI), Washington Luís e a oligarquia paulista indicam Júlio Prestes como

candidato.

A oligarquia mineira não aceita o rompimento da política do ''café-com-leite'', que a

indicação de Júlio Prestes formalizava. Articulando-se com a oligarquia gaúcha e

paraibana, os mineiros formam a Aliança Liberal, que lança o chefe de governo do Rio

Grande do Sul, Getúlio Vargas, à Presidência da República.

O programa político da Aliança Liberal contemplava reformas liberais, como a instituição do

voto secreto e o voto das mulheres; criação de uma justiça eleitoral; moralização da vida

pública; e algumas reformas sociais, como a regulamentação do trabalho, para atender às

pressões do movimento operário.

A Aliança Liberal consegue o apoio dos setores médios urbanos e de parte dos "tenentes'' .

Uma ala mais à esquerda do tenentismo, ligada a Luís Carlos Prestes, recusa-se a apoiar a

Aliança Liberal, segundo eles uma farsa oligárquica.

Nas eleições, realizadas em março de 1930, a máquina eleitoral da oligarquia paulista e

das oligarquias estaduais dominantes vence a Aliança Liberal. Júlio Prestes bate Getúlio

por 1.097 mil a744 mil votos.

Setores da Aliança Liberal, no entanto, recusam o resultado das eleições e repelem

qualquer tentativa de conciliação com os vencedores. Setores militares e oligárquicos

oposicionistas tramam contra o governo. O assassinato do candidato a vice-presidente da

Aliança Liberal, João Pessoa, serve de pretexto para desencadear o golpe. Tropas

militares movimentam-se no Rio Grande do Sul, no Nordeste e em Minas. No Rio de

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Page 49: Introdução à História do Brasil

Janeiro, uma Junta Militar depõe Washington Luís, e, a 3 de novembro, passa o poder para

Getúlio Vargas. Era o fim da República Velha.

A oligarquia cafeeira havia sido politicamente derrotada e subia ao poder um bloco

bastante heterogêneo, formado por oligarquias dissidentes, "tenentes" e setores médios. A

chamada Revolução de 30 não passava de mais uma "transição pelo alto", com a exclusão

dos setores populares do processo político. Dessa vez, contudo, a classe operária, por seu

desenvolvimento e por sua expressão numérica, tinha de ser levada em conta pelo novo

bloco dominante. A "questão social" passaria a ser uma das principais preocupações do

novo governo.

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Page 50: Introdução à História do Brasil

CAPÍTULO III - O PERÍODO V ARGAS (1930 / 1945)

A Reação da Oligarquia Paulista

Chegando ao poder, Getúlio Vargas instaura um Governo Provisório que duraria até a

elaboração de uma nova Constituição. A inexistência de partidos ou correntes ideológicas

fortes, bem como a heterogeneidade do bloco que chegou ao poder em 1930, levou

Vargas a se apoiar em dois grupos principais: as lideranças políticas tradicionais dos

principais Estados revoltosos (especialmente Minas Gerais e Rio Grande do Sul), e os

tenentes, que integram o primeiro Ministério do governo provisório.

As primeiras medidas de Getúlio Vargas agradam aos tenentes, já que implicavam uma

centralização maior do poder e fortalecimento do Estado, atingindo assim as oligarquias

regionais. O governo federal fecha o Congresso Nacional, os Legislativos estaduais e

nomeia interventores, em sua maioria tenentes, para o governo dos Estados.

Os tenentes procuram se organizar. Em maio de 1931, fundam o Clube 3 de outubro.

A maioria deles acha que Vargas não deve convocar eleições para a Assembléia

Constituinte, mas sim instalar um governo mais forte que promova uma série de reformas

políticas e econômicas. Além da moralização das eleições, os tenentes reivindicam maior

intervenção do Estado na economia; ação estatal para harmonizar as relações capital-

trabalho; representação por categorias profissionais (idéia corporativista inspirada no

fascismo italiano) e maior centralização política. Vargas é simpático à maior parte dessas

idéias, combatidas pelos setores oligárquicos.

É em São Paulo que o governo provisório encontra maior resistência. Vargas nomeia João

Alberto, um dos expoentes do tenentismo, como interventor. Ele logo entra em choque com

os setores oligárquicos locais. O Partido Democrático, que fizera parte da Aliança Liberal,

rompe com Getúlio e aproxima-se do Partido Republicano Paulista, formando a Frente

Única Paulista, de oposição ao governo provisório e favorável à nomeação de um

interventor "civil e paulista'' e à convocação urgente de uma Assembléia Nacional

Constituinte. Além disso, os oligarcas paulistas opunham-se à crescente centralização

política e à intervenção do Estado na economia. Com a formação da Frente Única,

esperam criar as condições para voltar ao poder político.

No início de 1932, Getúlio cede às pressões paulistas. Nomeia Pedro de Toledo, paulista e

civil, interventor em São Paulo e fixa a data de 3 de maio de 1933 para as eleições da

Assembléia Constituinte. No entanto, os fatos se precipitam. Em São Paulo, um protesto

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Page 51: Introdução à História do Brasil

estudantil contra a presença de Oswaldo Aranha, ministro de Vargas, é duramente

reprimido. Quatro estudantes Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo morrem nos confrontos

com a polícia.

Estoura a revolta em São Paulo. Com as iniciais dos estudantes mortos (MMDC), forma-se

uma organização de resistência armada, que reúne as milícias estaduais civis. A revolta,

que ficou conhecida com o nome de Revolução Constitucionalista, começa em 9 de julho

de 1932. Liderados pelos generais Bertoldo Klinger, Isidoro Dias Lopes e pelo coronel

Euclides Figueiredo, os paulistas partem para a ofensiva, exigindo a deposição do governo

provisório e a imediata reconstitucionalização do país. Na realidade, a revolução

constitucionalista era uma tentativa, por via armada, da oligarquia paulista recuperar o

poder político perdido em 1930. Vargas, habilmente, consegue isolar política e militarmente

a revolta, que não obteve o apoio de nenhum estado importante. Três meses após seu

início o conflito termina com a derrota paulista e com saldo de 15 mil vítimas, entre mortos

e feridos.

Vitorioso e fortalecido, Getúlio procura pacificar São Paulo. Concede ao Estado vantagens

financeiras (principalmente em relação ao preço do café); nomeia Armando de Salles

Oliveira, membro do PD, como interventor, e confirma a data de 3 de maio para as eleições

constitucionais.

As eleições ocorrem na data marcada e representam uma vitória para os políticos

oligárquicos tradicionais. Apesar de a legislação eleitoral permitir o voto secreto, o voto

feminino e a representação por classe (40 representantes de sindicatos de patrões e

empregados participam da Constituinte), as máquinas estaduais prevalecem, formando

uma maioria ligada às oligarquias.

O tenentismo se enfraquece. Dispersos, boa parte dos tenentes adere aos políticos

tradicionais nos estados onde as oligarquias pregavam algum reformismo. Muitos tenentes

voltam ao corpo regular do Exército e passam a defender os princípios da ''hierarquia'' e do

''profissionalismo''.

A Constituição é promulgada em 15 de julho de 1934. Liberal e federalista, a nova carta, no

geral, representava uma vitória das oligarquias. Vargas, embora descontente com o texto,

é eleito presidente pela Constituinte, para um mandato de quatro anos.

A Aliança Nacional Libertadora

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Page 52: Introdução à História do Brasil

Após a promulgação da Constituinte de 1934, o quadro político do país rapidamente se

radicaliza. Influenciado pela situação mundial de polarização ideológica, o Brasil vê surgir

fortes movimentos de direita e de esquerda. Vargas aproveita a radicalização ideológica e,

pragmático, apresenta-se como única alternativa contra os ''extremismos'', consolida e

reforça o seu poder, preparando terreno para a implantação de uma ditadura.

Desde a década de 1920 que as idéias fascistas, inspiradas principalmente no governo de

Mussolini na Itália, penetravam e eram difundidas no Brasil. No entanto, somente em 1932

é fundada a Ação Integralista Brasileira (AIB), diretamente influenciada pelos ideais

fascistas. Tendo como líder o escritor Plínio Salgado, a AIB lutará pela formação de um

"Estado Integral", ou seja, um Estado forte e autoritário, baseado em ideais nacionalistas e

anticomunistas. Seu lema, "Deus, Pátria e Família'', resume bem seus princípios

conservadores.

Aglutinando as parcelas mais reacionárias dos setores médios, a AIB organiza células

municipais por todo o país, constituindo-se assim, na primeira organização política de

caráter verdadeiramente nacional.

Em seu apogeu, em 1936, a AIB chegou a contar com 200 mil membros espalhados em

quatro mil células locais. À semelhança do nazifascismo, a AIB criou grupos páramilitares e

todo um ritual, que incluía saudações (Anauê!) e uniformes (camisas verdes).

Contra a AIB e a propagação das idéias fascistas, surge em março de 1935 a Aliança

Nacional Libertadora (ANL). Inspirada nas frentes populares antifascistas da Europa (ver

apostila de HMOI), a ANL reúne comunistas, socialistas, líderes sindicais, militares,

tenentes de esquerda e liberais fora do esquema de poder dominante. O presidente de

honra da ANL era Luís Carlos Prestes, ex-tenente que aderira ao comunismo e entrara no

PCB. O ingresso de Prestes no PCB ampliou o raio de ação do Partido, possibilitando a

formação de uma frente política como a ANL.

Com um programa democrático e reformista que incluía a suspensão do pagamento da

dívida externa, a nacionalização das empresas imperialistas, a reforma agrária e a

instauração de um governo verdadeiramente popular, a ANL conquistou maciça adesão

popular. Em seus dois primeiros meses reuniu, apenas no Distrito Federal, 50 mil membros

e formou em todo o país 1.600 núcleos, dos quais faziam parte setores do proletariado

urbano, dos meios intelectuais, estudantis e militares de esquerda.

O caráter antiintegralista, antiimperialista e de oposição da ANL provocou reações por

parte do governo Vargas e das classes dominantes. Em abril de 1935 é aprovada uma Lei

de Segurança Nacional. Em julho, utilizando como pretexto um violento discurso de Prestes

contra o governo, Getúlio dissolve a ANL por 6 meses.

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Page 53: Introdução à História do Brasil

A ANL, capitaneada pelos comunistas, planeja então um movimento insurrecional contra o

governo Vargas. A 23 de novembro, em Natal, soldados, cabos, sargentos e alguns oficiais

do 21º batalhão de Caçadores do Exército, apoiados por operários e funcionários públicos,

deflagram um levante armado e assumem o poder durante quatro dias. No dia seguinte,

rebeliões militares em Recife e Olinda são rapidamente sufocadas. Finalmente, no dia 27

de novembro, a rebelião é desencadeada no Rio de Janeiro, sendo, porém, derrotada

pelas forças governistas. A falta de maior organização e preparação, a presença de

elementos infiltrados e a avaliação equivocada do apoio popular foram fatais para os

revoltosos.

O fracasso da insurreição da ANL permitiu ao governo desencadear intensa repressão às

forças populares. É decretado o estado de sítio, milhares de militantes e simpatizantes da

ANL são presos, inclusive Luís Carlos Prestes e sua mulher, Olga Benário (posteriormente

deportada para a Alemanha nazista, onde foi assassinada em um campo de

concentração). No meio trabalhista, a repressão é utilizada para liquidar o restante de au

tonomia sindical ainda existente.

Os meses subsequentes à insurreição marcam o apogeu do integralismo. O anticomunismo

é propagandeado pelo governo de forma intensa. Em janeiro de 1936 é criada a Comissão

Nacional de Repressão ao Comunismo centralizando ainda mais o poder e reforçando o

aparato policial, Vargas preparava o terreno para um regime ditatorial.

O Estado Novo (1937 - 1945)

Com o golpe de 10 de novembro de 1937, desfechado por Getúlio Vargas, com o apoio de

militares, de integralistas e com a conivência da maioria dos governadores, consolidam-se

no govemo os diversos grupos que haviam assumido o poder com a revolução de 1930, à

exceção do tenentismo. Seu objetivo era a defesa de um Estado forte e centralizado,

capaz de promover a modernização (industrialização) do país, sem tocar nos fundamentos

da estrutura agrária.

Vargas usou, como pretexto para desfechar o golpe, a existência de um plano denominado

"Plano Cohen'' (de fato elaborado pelos integralistas) cujo objetivo seria a tomada do poder

pelos comunistas.

A nova Constituição, elaborada por Francisco Campos, inspirava-se nas constituições da

Polônia, Alemanha, Itália e Portugal e concentrava todos os poderes no chefe de Estado,

cujo mandato fora ampliado para seis anos. Uma série de agências e organismos

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Page 54: Introdução à História do Brasil

burocráticos estatais centralizavam o Poder Executivo, substituindo o papel anteriormente

desempenhado por outras instituições políticas. Eram estes os principais órgãos

burocráticos criados pela ditadura estadonovista:

a) Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), tinha como objetivo preparar e

executar o orçamento do govemo dentro das linhas traçadas pelo chefe do Executivo. Na

prática, funcionava como um superministério que controlava toda a iniciativa do sistema

administrativo ;

b) Interventorias: interligação entre as oligarquias estaduais, os ministérios e a Presidência

da República. Eram nomeadas pelo presidente da República;

c) Institutos, autarquias e grupos técnicos: Órgãos criados pelo govemo para controlar

atividades econômicas, ligadas ao setor agrícola, industrial, serviços básicos de

infraestrutura etc. Por exemplo, o Instituto do Açúcar e do Álcool, Conselho Nacional do

Café, Conselho Nacional do Petróleo etc.

Deve-se mencionar o processo de consolidação nacional das Forças Armadas, que, ao

sobrepujarem os efetivos e o poder de fogo das milícias estaduais, passaram a ser

importante fator da centralização do poder.

A criação dessa complexa máquina burocrática, que fugiu ao controle dos órgãos da

sociedade civil, deu-se às custas da cooptação dos agrupamentos dos diversos setores da

elite. Até mesmo os chamados liberais-democratas viam na ditadura a alternativa ideal para

promover a modernização do país, sem que fosse necessário ampliar as bases sociais do

poder.

Diretrizes Econômicas do Estado Novo

O mesmo princípio intervencionista, que norteou a política do Estado Novo no plano

administrativo e social, foi adotado no plano econômico. Os princípios do liberalismo (livre

concorrência, iniciativa privada) eram considerados superados ou inadequados à realidade

brasileira, e, por conseguinte, a noção do "Estado Democrático", que limitava seu papel a

regulamentar as relações econômicas e a intervir apenas como mediador, foi substituída

pelo "Estado Forte". Intervencionista, ele se afirmava em tomo do nacionalismo, único

agente capaz de superar o caos econômico e social reinante na sociedade, ao chamar

para si a responsabilidade das iniciativas em todos os setores, especialmente o econômico

e o sindical.

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Getúlio Vargas adotou uma política que visava a assegurar ao Estado o controle dos

elementos fundamentais ao processo de industrialização: transportes, minérios, fontes de

energia etc. Além disso, o Estado interveio nos setores comercial e financeiro.

O exemplo mais concreto da atuação do Estado Novo na economia foi a instalação da

Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, para fornecer aço à indústria de

base, imprescindível ao processo de industrialização.

A Propaganda do Estado (DIP)

O governo preocupa-se em montar um esquema centralizado de propaganda. Em 1931, foi

criado o Departamento Oficial de Propaganda (DOP), reorganizado em 1934 como

Departamento Nacional de Propaganda e Difusão Cultural. Ainda, neste ano, instituiu-se no

rádio o programa Hora do Brasil (que, remodelado, existe até hoje com o nome de A Voz

do Brasil). Esses eram os primeiros indícios da política de Vargas no sentido de controlar

os meios de comunicação. Mas somente no Estado Novo é que se definiu esta política. Em

1939, o governo criou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).

O DIP era ligado diretamente à Presidência da República e exercia as funções de

centralizar, coordenar e orientar a propaganda nacional. Além disso, fazia a censura da

imprensa, teatro, cinema, das diversões públicas e atividades desportivas. Competia-lhe

ainda promover e patrocinar manifestações cívicas.

Movimento Operário (1930 -1945)

Após a Revolução de 1930, a questão social deixou de ser vista pela classe dominante

como um "caso de polícia". Ela recorre ao Estado, como árbitro entre o capital e o trabalho,

para evitar momentos de radicalização do movimento operário.

Durante o governo provisório, Getúlio Vargas criou o Ministério do Trabalho, Indústria e

Comércio (em 26.11.193O), inaugurando-se a partir de então a intervenção direta e

sistemática do Estado nas questões trabalhistas. Logo depois, segue-se a Lei de

Nacionalização do Trabalho, segundo a qual a empresa deveria contar com dois terços de

empregados brasileiros. Em 1931, o Decreto 19.700, conhecido como Lei de

Sindicalização, regulamenta a existência de sindicatos patronais e operários. Em 1932

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Page 56: Introdução à História do Brasil

regulamenta-se o trabalho da mulher e do menor, assim como fixa-se o limite de oito horas

para a jornada de trabalho.

O Decreto 19.700 obrigava os Sindicatos a enviarem ao Ministério do Trabalho a ata das

reuniões, a relação dos sócios, a cópia dos estatutos, e um mínimo de 30 associados com

mais de 18 anos. A propaganda ideológica ou política era expresssamente proibida. Os

sindicatos deveriam preocupar-se apenas com a elaboração do contrato de trabalho,

serviços assistenciais e a manutenção das cooperativas. O decreto impunha ainda a

unicidade sindical e a formação de sindicatos por ramo de indústria e não por empresas.

Em 1934, o Decreto 24.694, ao adequar a legislação sindical aos dispositivos da

Constituição de 1934, estabeleceu a pluralidade sindical, embora as exigências para o

reconhecimento dos sindicatos fossem mantidas.

Através do Centro Industrial do Brasil (CIB) e da Federação das Indústrias do Estado de

São Paulo (Fiesp) o patronato opôs-se à maior parte da legislação aprovada, procurando

impedir sua aplicação. Um exemplo concreto é o da lei de férias. Os industriais

conseguiram retardar sua regulamentação por mais de três anos.

Os Sindicatos e o Estado Novo

O golpe de 1937 eliminou o que existia de democracia representativa no país. Os partidos

foram abolidos, o Congresso Nacional foi fechado e toda oposição ao governo foi

reprimida. A partir de 1937, o controle governamental sobre a organização sindical se

tornou mais severo. A nova Constituição, no artigo 139, proibe a greve. Somente os

sindicatos reconhecidos pelo Estado teriam o direito de representar legalmente os

assalariados. A instauração do dissídio coletivo dependia da prévia autorização do

Ministério do Trabalho. A unicidade sindical foi restabelecida, não sendo reconhecido mais

de um sindicato por profissão. Em 1940, criou-se o imposto sindical (regulamentado em

1943), que obrigava todo trabalhador a contribuir com um dia de trabalho em benefício do

sindicato mesmo que o trabalhador não fosse sindicalizado.

A consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que sintetizava toda a política trabalhista de

Vargas, passou a reger o funcionamento interno dos sindicatos e da relação entre o Estado

e as associações operárias. A greve foi proibida e o Ministério do Trabalho tinha

competência e o direito de intervir nos sindicatos.

A maioria dos trabalhos que tratam da história do movimento operário no período pós 30

até 1945 caracteriza a classe operária como submissa, cooptada pelas concessões do

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Page 57: Introdução à História do Brasil

Estado. Isso se devia ao caráter autoritário do Estado, à repressão desencadeada contra

as associações operárias, à entrada maciça de trabalhadores de origem rural no setor

industrial e à própria heterogeneidade da classe operária.

Alguns estudos mais recentes, porém, discordam desta avaliação e procuram resgatar uma

série de lutas que se travam neste período no interior das fábricas, inclusive para

implementação da legislação trabalhista cuja aplicação era recusada pelos empresários.

Segundo estes autores, as manifestações da luta de classes não devem ser buscadas

somente nas atividades partidárias ou sindicais da classe operária (embora sejam canais

fundamentais para sua expressão). Em períodos de forte repressão - como foi o caso do

Estado Novo - a classe operária tende a procurar outros espaços ou outras formas de luta

para expressar sua resistência à exploração capitalista, como por exemplo a prática de

sabotagens da produção, a organização de comissões de fábricas e outras manifestações.

A Crise do Estado Novo

A partir de 1942, o Estado Novo começou a se deparar com o crescimento do movimento

de massa, que repudiava tanto o fascismo europeu como a ditadura estadonovista.

Intelectuais, militantes do Partido Comunista e alguns sindicalistas fundaram no início de

1943 a Sociedade dos Amigos da América, com o objetivo de combater os remanescentes

do movimento integralista e o autoritarismo de Vargas.

Diversas greves começam a pipocar em alguns lugares do país a partir de 1944

(metalúrgicos em Santo André, ferroviários no Rio Grande do Sul, mineiros em Santa

Catarina). Estas manifestações desafiavam as tentativas de cooptação e cerceamento da

atividade sindical (através da CLT em 1943) imposta pela ditadura de Vargas. Em 1945, a

mobilização operária se torna muito mais intensa, contando com a participação mais aberta

dos militantes comunistas.

Além dos operários, outros setores da sociedade se mobilizaram. Em março de 1945, no

Recife, foi realizado um comício pró-anistia. Dissolvido a bala, resultou na morte de

Demócrito de Souza Filho, presidente da União dos Estudantes de Pernambuco, e do

operário Manoel Elias.

Com os acontecimentos do Recife, a campanha pela Anistia ganhou mais força, tendo à

frente a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Pressionado, Vargas concede em 18 de abril

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Page 58: Introdução à História do Brasil

de 1945 anistia aos presos políticos, entre eles Luís Carlos Prestes. No mês seguinte, um

decreto convoca eleições presidenciais para 2 de dezembro.

Neste quadro de intensa oposição à ditadura, setores ligados a Getúlio organizam com o

apoio do PCB, o Movimento Queremista "queremos Getúlio'', cuja finalidade era adiar as

eleições presidenciais e instalar a Constituinte com Getúlio.

Uma semana após uma grande manifestação ''queremista'' realizada em outubro

(aniversário da Revolução de 1930) em frente ao Palácio Guanabara, Getúlio baixou um

decreto antecipando as eleições municipais e estaduais. A oposição teme uma ação

golpista do ditador. Ainda em outubro, o presidente demite João Alberto (chefe de polícia

do Distrito Federal) por ter proibido um comício "queremista", o que indispôs Vargas com a

maioria dos oficiais do Exército.

A 29 de outubro, o ministro da Guerra, general Góes Monteiro (um dos colaboradores de

Vargas no golpe de 1937), cerca o palácio e depõe o presidente.

Assumiu o governo o ministro do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, afinado com a

política udenista, e que deveria passar o poder ao candidato vitorioso nas eleições

presidenciais de 2 de dezembro de 1945.

Os Novos Partidos

As duas principais forças políticas que disputaram as eleições foram a União Democrática

Nacional (UDN), fundada em 7 de abril de 1945, e o Partido Social Democrático (PSD),

fundado no dia seguinte.

A UDN tem suas origens na oposição antigetulista e antipopulista. Integravam-na altos

dirigentes financeiros, a oligarquia agrária, bacharéis e profissionais liberais, proprietários

de importantes jornais (como Diários Associados, O Globo, O Estado de S.Paulo, Correio

da Manhã). No seu início compunham também a UDN setores da esquerda democrática

(em 1946, a maioria se transferirá para o Partido Socialista Brasileiro).O PSD surge como

uma aglutinação de forças remanescentes do Estado Novo, que, sob a orientação de

Vargas, procura se adaptar às novas circunstâncias políticas advindas da

redemocratização. Agruparam-se em torno do PSD políticos e burocratas favorecidos pelo

governo Vargas, industriais e proprietários de terras (principalmente os ligados ao café).

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Page 59: Introdução à História do Brasil

Dois outros partidos disputavam a preferência popular, principalmente os trabalhadores

que vinham em grande ascensão: o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido

Comunista Brasileiro (PCB).

O PTB, assim como o PSD, nasceu também sob a tutela dos antigos colaboradores de

Vargas. Mas se estruturou no âmbito do Ministério do Trabalho, que exercia grande

controle sobre os sindicatos. Do ponto de vista doutrinário, o PTB centrará sua imagem na

figura de Vargas, pregando a harmonia entre capital e trabalho, e atribuindo ao ex-ditador

as conquistas da classe operária (''mito da outorga"). Minimizava, assim, a luta dos

trabalhadores e tentava cooptá-los.

O PTB responde à necessidade do governo de ampliar suas bases junto a um eleitorado

urbano emergente que o PSD, pela sua própria composição e origem, era incapaz de

atrair. Ao mesmo tempo, o PTB tentava contrapor-se à crescente influência do PCB no

movimento operário.

O PCB, ao contrário, foi fundado em 1922, e sempre se caracterizou como adversário do

Estado Novo. Conseguiu uma rápida acolhida junto às massas populares, liderou

sindicatos de importantes categorias (como marítimos, ferroviários, metalúrgicos), e Luís

Carlos Prestes, seu principal líder, desfrutava do grande prestígio nacional, só comparável

ao de Getúlio Vargas.

A estratégia do PCB, sintonizada com a política da Internacional Comunista, preconizava

alianças entre o PCB e as forças progressistas (incluindo-se aí a burguesia), contra o nazi-

fascismo. Seguindo essa orientação, o PCB adota a política de "apertar os cintos" e

desaconselha greves. Segundo sua concepção, as reivindicações econômicas da classe

trabalhadora deveriam, nesse momento, ser colocadas em segundo plano, para não

ameaçar a consolidação da democracia no país.

A Expansão Industrial nos Anos 3O

A crise econômica mundial iniciada com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em

1929 (ver apostila de HMOl) afeta fortemente a economia brasileira. A agricultura para

exportação, base principal da dependente economia nacional, sofre duros revezes. Caem

assustadoramente os preços do café, do açúcar, do cacau, do algodão e de outros

produtos primários. Há uma queda acentuada das exportações, acarretando sensível

redução das reservas monetárias e provocando, também, o declínio das importações. A

importação média anual no quinquênio 1926 -1930 fora de 5.460 mil toneladas; no

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Page 60: Introdução à História do Brasil

quinquênio seguinte cai para 3.830 mil toneladas (Prado Jr., Caio "História Econômica do

Brasil", Ed. Brasiliense, S. Paulo, 13ª ed., p.292).

O café, principal produto brasileiro, não encontra colocação no mercado internacional e

seus preços precisam ser mantidos artificialmente com subsídios do governo, que compra

milhões de sacas do produto. Grande parte desse café é queimado, para regularizar o

mercado e reduzir o custo da estocagem. Calcula-se que, durante a década de 30, foram

queimadas cerca de 80 milhões de sacas de café (Prado Jr., obra citada, p. 294). Apesar

disso, os preços de café continuaram baixos, gerando o aumento de falências e vendas de

terras, bem como o enfraquecimento político e econômico das oligarquias cafeeiras.

A política econômica de Vargas, no entanto, impediu que os efeitos do declínio do café se

espalhassem para o conjunto da economia. Em 1933, a economia brasileira já dava sinais

de recuperação, apoiada principalmente na produção agrícola e industrial voltada para o

mercado interno. A crise econômica e a consequente queda das importações causaram um

baque no consumo, o que estimulou a produção voltada para o mercado interno. Na

agricultura, a produção de açúcar e algodão volta-se para o mercado interno. Amplia-se a

produção e o consumo nacional de derivados de animais, cereais e frutas. Entre 1930 e

1939, a produção agrícola para o mercado interno aumentou a uma taxa anual média de

3,3%, enquanto que a taxa correspondente dos produtos primários de exportação foi de

2,2% (Gorender, Jacob "A burguesia brasileira'', Ed. Brasiliense. SP, 6ª ed., p. 05).

É o setor industrial, entretanto, que mais cresce nesse período. já em 1933, a produção

industrial recupera os níveis de 1929 e cresce 50% até 1937. Na década de 30, foram

criados 12.232 estabelecimentos industriais, contra 4.697 nos anos 20. 0 censo de 1940

registrou 49.418 estabelecimentos industriais, onde trabalhavam 781.185 operários (''Do

tear ao computador", ed. especial do jornal Retratos do Brasil, 19/11/1987 a 02/12/1987).

Com a transferência de capitais da agricultura exportadora para o setor industrial, há o

crescimento do setor de produção de bens intermediários. Amplia-se a produção de

cimento. Surgem fábricas de pneus e câmaras de ar. O setor de bens de produção também

cresce. A metalurgia, entre 1933 e 1939, cresce a taxas de 21% ao ano (Gorender, Jacob

Obra citada, p. 65).

A burguesia industrial passa a ter um peso fundamental na sociedade. Ideologicamente,

ela procura vincular industrialização com interesse nacional. O governo Vargas acaba

encampando essa bandeira e o Estado passa a intervir diretamente na economia. O

financiamento da industrialiação passa a ser feito pelo Estado através da Carteira de

Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, criada em 1937. Mas é na criação de

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Page 61: Introdução à História do Brasil

indústrias de base (ferro, aço, produtos químicos e petróleo) e de infra-estrutura econômica

(eletricidade, transportes), que o Estado terá uma política de intervenção direta.

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Page 62: Introdução à História do Brasil

CAPÍTULO IV - DA CRISE DO POPULISMO AO GOLPE MILITAR (1945/1964)

O Governo Dutra (1946 - 1951)

O grande vitorioso nas eleições de dezembro de 1945 foi o general Eurico Gaspar Dutra,

apoiado pela coligação PSD/PTB, que obteve 55% dos votos, seguido pelo brigadeiro

Eduardo Gomes, apoiado pela UDN, com 35% dos votos. Em terceiro lugar ficou o

candidato do PCB, Yedo Fiúza, que alcançou 10% dos votos.

Dutra adota uma política de abrir o país para a implantação de bens manufaturados,

valendo-se das divisas acumuladas durante a guerra. O govemo esperava, com as

importações, conter o processo inflacionário em curso. Talvez por isso, não se adotaram

medidas efetivas para expandir a capacidade industrial interna. O resultado foi que, em

menos de dois anos, as reservas cambiais se exauriram. A partir da segunda metade de

1947, o governo é obrigado a controlar o câmbio e a restringir as importações a produtos

essenciais (combustíveis, equipamentos e maquinário). 0 governo também fornece crédito

à indústria como meio para estimular a industrialização.

Os Trabalhadores e a Redemocratização

O tratamento que o govemo Dutra dispensou aos trabalhadores foi extremamente re

pressivo, intervindo em mais de 400 sindicatos, prendendo e espancando trabalhadores

em greve e cassando o registro do PCB em maio de 1947. A Constituição de 1946, que,

embora reconhecesse o direito de greve, na prática mantém a legislação de Vargas que

proibia greves.

Além disso, os sindicatos são definidos como "órgãos colaboradores do Estado", devendo

sua constituição ser regulamentada por lei, assim como a sua “representação legal nas

convenções coletivas de trabalho e o exercício das funções delegadas pelo bem público''.

No tocante à questão da propriedade, fica evidente a despreocupação dos constituintes em

relação aos desequilíbrios sociais. A Constituição declara que "a afirmação da liberdade de

cada homem não pode por em jogo a maneira como a riqueza está distribuída na

sociedade".

Os limites da participação política ficam evidentes quando a Constituição exclui

analfabetos, soldados e cabos de participarem das eleições.

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Page 63: Introdução à História do Brasil

O Governo Vargas (1951 - 1954)

Vargas retoma o poder graças a sua hábil articulação entre o PSD e o PTB. Através do

primeiro, manteve a lealdade dos tradicionais caciques políticos do interior; graças ao

segundo, consegue obter força eleitoral nas cidades. Um outro aliado fundamental para a

vitória de Vargas foi o Partido Social Progressista (PSP) de Adhemar de Barros, que

controlava a máquina eleitoral de São Paulo.

Getúlio sai como candidato oficial da coligação PTB/PSP, pois o PSD, por pressão de

Dutra, não apóia oficialmente Getúlio e lança Cristiano Machado como seu candidato.

Vargas, porém, contava com o firme apoio de dissidências do PSD.

A UDN lançou novamente o brigadeiro Eduardo Gomes como seu candidato à Presidência.

Vargas sai vitorioso no pleito de 3 de outubro de 1950, obtendo 49% dos votos.

Eduardo Gomes faz 30% e Cristiano Machado não passa de 21% dos votos.

Estratégias para o Desenvolvimento do País

Ao iniciar o govemo, Vargas se depara com uma série de problemas na economia.

Conjunturalmente, enfrenta um rápido crescimento da inflação. No Rio de Janeiro, por

exemplo, o custo de vida em 1950 subiu 11%, enquanto que o aumento em qualquer dos

anos anteriores registrava uma taxa máxima de 6%. Aumentou mais de 11% em 1951 e

pulou para 21% em 1952.

Outra grave questão a ser resolvida era o déficit no balanço de pagamentos, que acabava

por limitar a capacidade de importação do país, o que ocasionava, por sua vez, limites à

ampliação da indústria, que dependia da capacidade do país de importar equipamentos

básicos.

Além desses fatores, Vargas enfrentava vários entraves de ordem estrutural que exigiam

uma rápida solução, como a superação da precariedade da rede de transportes,

insuficiência de energia elétrica, falta de fontes internas de combustível, atraso na química

e de siderurgia.

Qual a melhor estratégia econômica para o país superar, num prazo curto, esses graves

problemas e promover o desenvolvimento econômico? Esta questão reanimou o governo

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Page 64: Introdução à História do Brasil

Vargas. Os diversos setores da sociedade se dividiram em três alternativas principais: o

liberalismo ortodoxo, o desenvolvimentismo nacionalista e o nacionalismo radical.

A fórmula liberal ortodoxa supunha que o mecanismo de preços deveria ser respeita do

como principal regulador da economia. Os orçamentos governamentais deveriam ser

equilibrados e as emissões, severamente controladas. O capital estrangeiro precisava ser

bem recebido e estimulado, sendo indispensável para suprir a deficiência de capitais. Do

mesmo modo, deveriam ser reduzidas ao mínimo as limitações impostas ao movimento

internacional do capital, do dinheiro e dos bens. O principal porta-voz deste modelo era o

economista Eugênio Gudin. As principais redes de jornais que apoiavam este ponto de

vista eram O Globo e os Diários Associados. Identificavam-se com o liberalismo ortodoxo a

maior parte dos políticos e tecnocratas ligados à UDN.

O desenvolvimentismo nacionalista acreditava que o livre funcionamento do mercado (que

estimulara a industrialização nos países europeus e nos Estados Unidos) causaria mais

empecilhos do que estímulos à industrialização no Brasil. A estratégia correta seria uma

economia mista, procurando romper os pontos de estrangulamento da economia

(transportes, energia, siderurgia). O capital estrangeiro poderia atuar no país, porém

deveria sofrer um rigoroso controle por parte das autoridades. Essas formulações tiveram

grande impulso e divulgação através da Comissão Econômica para América Latina (Cepal).

Entre seus adeptos se encontrava a maioria dos integrantes do PTB e do PSD, mais

ligados à área urbana.

O nacionalismo radical pregava o controle total do Estado sobre os empreendimentos

econômicos e apontava o imperialismo como principal responsável pela espoliação da

riqueza nacional. O capital estrangeiro era visto como o maior entrave ao desenvolvimento

industrial do país. Entre os defensores desta posição encontravam-se a maioria dos

membros do PCB e os setores à esquerda do PTB.

A Política Econômica de Vargas

Vargas, como é próprio de seu estilo, adota uma política mista, ora voltando-se para a

ortodoxia liberal, ora para o desenvolvimentismo nacionalista. Essa oscilação, na verdade,

reflete o complicado jogo de forças políticas que constantemente entravam em choque,

sobretudo setores da UDN que Getúlio procura cooptar no início de seu govemo.

No combate à inflação e ao déficit do balanço de pagamentos, o govemo adota uma

política mais ortodoxa, sujeitando-se às normas impostas pelo Fundo Monetário

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Page 65: Introdução à História do Brasil

Internacional (FMI) através do acordo que criou a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos

para o Desenvolvimento Econômico, em dezembro de 1950. Em 1951, Vargas envia

mensagem ao Congresso afirmando que o governo iria ''facilitar o investimento de capitais

privados estrangeiros, sobretudo em associação com os nacionais, uma vez que não firam

interesses políticos fundamentais do nosso país".

Um dos primeiros resultados da Comissão Mista foi a criação, em 1952, do Banco Nacional

de Desenvolvimento Econômico (BNDE), que se ”destinava a anular ou reduzir as

deficiências estruturais que impedem o regular desenvolvimento da economia brasileira”. A

Comissão estabelecia também objetivos e linhas mestras para grandes programas de

investimentos nas áreas de transporte e energia. Os projetos da Comissão foram

submetidos à aprovação técnica das instituições financeiras, tais como o Export-Import

Bank (Eximbank) e o Bank for Intemational Reconstruction and Development (BIRD).

Por outro lado, Vargas não abandonava o discurso nacionalista que sempre o identificara.

Ele defende a criação de empresas públicas, como instrumento básico da política de

desenvolvimento. Neste sentido, envia ao Congresso, em dezembro de 1951, projeto de lei

para a criação de uma empresa petrolífera de capital misto, a Petrobrás, com maioria das

ações em mãos do Govemo.

Em fins de 1951, o governo nomeou uma comissão de técnicos em finanças para estudar a

elevada taxa de remessa de lucros das empresas estrangeiras para o exterior. Baseando-

se no relatório que lhe foi apresentado, Vargas procura impor novos controles sobre a

remessa de lucros, baixando em janeiro de 1952 um decreto que impunha o limite de 10%

para as remessas de lucros. No entanto, o projeto permaneceu letra morta, já que as

autoridades financeiras do país acharam melhor aplicá-lo somente em casos excepcionais.

Também foi iniciado o projeto para a criação da Eletrobrás, empresa estatal que visaria

complementar as empresas estrangeiras no suprimento de energia elétrica.

A Crise do Governo Vargas

Nem mesmo tomou posse e Vargas já encontrou uma oposição decidida. A UDN tentou

impedir sua posse, alegando que a Constituição exigia maioria absoluta (Getúlio foi eleito

com 49% dos votos). Os setores mais radicais da UDN, cujo porta-voz principal era Carlos

Lacerda, chegavam a sugerir a intervenção direta dos militares. Lacerda publicava em seu

jornal: "O sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse.

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Page 66: Introdução à História do Brasil

Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar." (Carlos Lacerda -

Tribuna da Imprensa, 1/6/1950).

Para neutralizar a forte oposição da direita udenista, Vargas tenta empreender uma política

de aproximação com seus inimigos, através de acordos de cúpula, que resultaram na

nomeação de um membro da UDN, João Cleofas, para o Ministério da Agricultura.

Procurou também evitar o acesso ao governo de setores nacionalistas, tanto do PTB como

do PSD.

Ao mesmo tempo, Vargas continuava com sua velha política populista. Em seu discurso,

na comemoração do 1º de Maio, no Estádio do Vasco da Gama, Vargas apela aos

trabalhadores para que se organizem em seus sindicatos e em defesa de seus próprios

interesses:

"Preciso de vós, trabalhadores do Brasil, meus amigos, meus companheiros de uma longa

jornada; preciso de vós, tanto quanto precisais de mim. Preciso de vossa união, preciso

que vos organizeis sobriamente em sindicatos; preciso que formeis um bloco forte e coeso

ao lado do governo, para que este possa dispor de toda força que necessita para resolver

seus próprios problemas". (Getúlio Vargas - O Governo Trabalhista do Brasil - Rio de

Janeiro - José Olympio, 1952).

No mesmo 1º de Maio, Vargas anuncia a extinção do "atestado de ideologia", exigido dos

candidatos em eleições sindicais, procurando assim, apagar a imagem de antigo ditador, e,

ao mesmo tempo, consolidar uma nova imagem de político democrático. No entanto, evita

assumir qualquer compromisso com a classe operária - o que só seria buscado ao final do

seu governo, em meio a uma forte crise política.

A tentativa de Vargas de implementar uma política populista e, ao mesmo tempo, constituir

um governo conservador, já não obtinha o mesmo sucesso da época da ditadura.

A UDN recusa-se a qualquer aliança com o governo e caminha para o golpe de Esta do.

Acusa Getúlio Vargas de pregar a luta de classes e de adotar uma política econômica

vacilante. A situação se agrava quando Vargas nomeia João Goulart para o Ministério do

Trabalho.

No meio operário, o prestígio de Vargas parecia declinar. A vitória de Jânio Quadros, no

início de 1953, com uma massiva votação no meio operário, era indício de grande

desgaste político, proporcionando a eclosão de importantes greves: a dos têxteis, em São

Paulo, ocorrida em março do mesmo ano, e que durou cerca de trinta dias; e dos cem mil

marítimos, em julho. Além disso, havia a firme oposição do PCB, que acusava Vargas de

entreguista devido à criação da Comissão Mista Brasil-EUA para Asuntos Econômicos.

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Page 67: Introdução à História do Brasil

Vargas sabia que precisava avançar o sinal, definindo de forma mais precisa as relações

do governo com o rnovimento operário. Porém, é neste ponto que reside o limite e a

franqueza do populismo. Como empreender uma política de aproximação e mobilização da

classe operária, e das massas em geral, sem provocar a reação dos setores antigetulistas

e da direita das classes dominantes?

Exemplo desta situação foi o projeto de 100% de aumento do salário mínimo enviado ao

presidente pelo então ministro do Trabalho, João Goulart, após um período de intensa

agitação grevista no Rio e em São Paulo. Goulart é acusado de incentivar a criação de

uma república sindicalista e de conspirar contra a política de estabilização inflacionária

empreendida pelo ministro da Fazenda. O aumento, afinal, foi aprovado e Vargas anunciou

o novo salário mínimo nas comemorações do 1º de maio de 1953, bem ao seu estilo, em

inflamado discurso dirigido aos trabalhadores.

Toda a imprensa, à exceção do jornal ''Última Hora" fazia oposição a Getúlio. Setores das

Forças Armadas, próximos à UDN, também manifestavam suas críticas abertamente ao

governo, conforme ocorreu com a publicação do "Manifesto dos Coronéis'', em fevereiro de

1954, redigido pelo então coronel Golbery do Couto e Silva.

O estopim da campanha contra Vargas foi um atentado na rua Toneleros, em 5 de agosto,

quando um pistoleiro acabou matando um major da Aeronáutica, Rubens Florentino Vaz ,

que estava na companhia de Carlos Lacerda, atingido no pé pelos disparos. Gregório

Fortunato, chefe da guarda pessoal de Getúlio, foi apontado como mentor do atentado,

com o que se procurou incriminar o próprio presidente da República. A onda anti-Vargas

atingiu um nível sem precedentes. Quase todos os grandes jornais pedem, em editorial, a

renúncia de Vargas, alegando a falta de autoridade moral do presidente para permanecer

no cargo. Aumenta a inquietação no interior das Forças Armadas. Manifestam-se oficiais

da Aeronáutica, da Marinha e do Exército. O manifesto dos generais, exigindo a renúncia

do presidente, é publicado no dia 23 de agosto.

Os setores legalistas do Exército, fiéis ao presidente, já não conseguiam conter a

tendência golpista dentro das Forças Armadas. A deposição de Vargas passa a ser uma

questão de dias. Getúlio prefere o suicídio. Seu gesto desesperado, a 24 de agosto de

1954, neutraliza a oposição e o populismo consegue sobrevida. Primeiro porque seus

oponentes foram incapazes de controlar a situação diante das manifestações populares.

Segundo porque o PCB, até então na oposição a Vargas, tenta se colocar à frente das

massas como grande defensor da memória do ex-presidente.

Expansão do Capitalismo e Lutas no Campo

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Page 68: Introdução à História do Brasil

No Brasil, o capitalismo expandiu-se no campo de duas maneiras. A primeira, nas áreas de

monocultura (sobretudo canavieira), estimulada pela elevação dos preços do açúcar no

mercado internacional deu-se através de intensa política de expropriação dos camponeses,

na tentativa de transformá-los em assalariados.

As usinas, que se reequipavam com financiamentos do Instituto do Açúcar e do Álcool

(IAA), procuravam expandir a área produtora de cana-de-açúcar oferecendo, aos

proprietários de engenhos e às fazendas aforadas, uma renda mais elevada que a do

arrendamento de terras. Devido à pressão, os foreiros se retiravam ou destruíam suas

lavouras.

A segunda ocorreu nas áreas menos povoadas. A aquisição de terras a preços baixos ou o

apossamento puro e simples de áreas valorizadas, favorecida pela abertura de rodovias

efetuada por grandes proprietários ou empresários, provocaram a expulsão dos posseiros

dessas terras. Empurrados para áreas ainda mais distantes, eles iam abrindo novas roças

ou, quando não conseguiam resistir à expropriação, se transformavam em assalariados

temporários dos novos senhores.

"Nas zonas onde predominava a pecuária se deu o mesmo processo de expulsão dos

camponeses que trabalhavam em sistema de parceria e arrendamento. Com a valorização

da terra e da carne, acompanhada da introdução de novas gramíneas, resistentes à seca,

além dos benefícios da política governamental, os fazendeiros ampliaram as áreas a serem

ocupadas pelo gado e expulsaram os agricultores sem terra que cultivavam milho, feijão,

algodão etc, em áreas delimitadas nas fazendas, em troca do pagamento em dinheiro ou

espécie (arrendamento), ou de parte da produção (parceria)''. (''Lutas Camponesas no

Nordeste”, Manuel Correia de Andrade).

A política de estímulo à industrialização adotada por Vargas e, principalmente, o acelerado

processo de implantação das indústrias de base no governo Juscelino, deixarão mais

claros os conflitos já existentes no setor agrário, onde a concentração da terra e riqueza

nas mãos de uma pequena minoria sempre foi uma constante.

Os conflitos gerados pela posse da terra acirraram-se, também, devido à implantação de

indústrias ligadas ao setor agrícola, à expansão da rede de transportes, à construção de

hidrelétricas, provocando assim a valorização da terra e tornando-a mais acessível ao

mercado de matérias-primas e ao mercado consumidor em geral.

Ligas Camponesas e Sindicatos Rurais

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Page 69: Introdução à História do Brasil

Em resposta à espoliação sofrida, crescem as lutas dos trabalhadores no campo.

Em 1933, o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Campos, no Estado do Rio, é o primeiro

a obter seu reconhecimento. Quase vinte anos depois, em 1955, havia apenas cinco

sindicatos rurais reconhecidos no Brasil. Isso se deve à própria dificuldade dos

trabalhadores de se organizarm dentro da estrutura corporativista dos sindicatos, que os

subordinava ao Ministério do Trabalho, e à repressão exercida pelos proprietários de terra,

com a conivência das autoridades.

Para contornar a situação, os camponeses começaram a organizar associações

registradas em cartórios, nos termos do Código Civil, denominadas Ligas Camponesas,

nas áreas periféricas do Recife e em alguns municípios do interior, aglutinando plantadores

de legumes que se viam ameaçados de expulsão das terras arrendadas que cultivavam.

"A mais famosa Liga Camponesa, foi fundada no Engenho Galiléia, com o nome de

Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco (SAPP), quando o

proprietário do engenho quis expulsar os feridos que ali trabalhavam há vários anos.

Inicialmente, era uma sociedade beneficente, com fins assistencialistas. Com a repressão,

ela foi radicalizando e contratou como advogado, Francisco Julião, parlamentar eleito pelo

PSB. Ele as organizou como sociedades civis, e deu-lhes dimensão estadual, criando um

conselho diretor interpartidário e levando o problema da terra para a Assembléia Legislativa

Estadual (Manuel Correira de Andrade, obra citada).

Ao mesmo tempo, foram promovidas reuniões como o Congresso de Trabalhadores Rurais

de Limoeiro, em agosto de 1954, reprimido pela polícia, no ano seguinte, em setembro de

1955, houve o Congresso de Camponeses no Recife, encerrado com uma passeata. Ao

mesmo tempo que aumentava a influência das Ligas Camponesas, nas áreas de

posseiros, parceiros, foreiros e pequenos proprietários, também crescia, nas zonas onde

predominavam os trabalhadores rurais assalariados, o movimento de sindicalizaçao rural

patrocinado pela União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB)

criada em 1954, em São Paulo, sob influência do PCB.

A linha política adotada pelo PCB não o impediu que atuasse junto às Ligas Camponesas,

nem que apoiasse Francisco Julião para a presidência das Ligas em 1954. Mas, à medida

em que as Ligas vão adotando uma postura mais radical, indo além das reivindicações

legais, o PCB começa a se distanciar e a explicitar suas divergências. Julião, influenciado

pelas revoluções cubana e chinesa apontava o campesinato como a classe capaz de dirigir

uma revolução de caráter socialista no Brasil. Para o PCB era a classe operária que

deveria conduzir o processo revolucionário.

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Page 70: Introdução à História do Brasil

Na visão do PCB, a revolução socialista deveria ser precedida pela revolução democrático-

burguesa, através da aliança do operariado com a burguesia progressista. Isso implicava a

adoção de uma política sindical menos agressiva, que explicitasse a luta de classes. Da

mesma forma que essa orientação gerou problemas a partir do governo Juscelino/Goulart,

se intensificarão as divergências entre as Ligas Camponesas e o PCB, que, preocupado

em evitar confrontos com o governo federal - sobretudo com a linha populista do vice-

presidente - defendia a luta pela aplicação da CLT, como principal bandeira dos

assalariados rurais. Devido ao caráter reacionário e ao despotismo dos proprietários rurais,

o PCB aproveita-se do populismo de Juscelino e, principalmente do de Goulart, para

organizar sindicatos de grande combatividade, como o de Palmares, em Pernambuco, que

contou com a participação do militante comunista Gregório Bezerra.

O início da década de 60 será marcado pela intensificação das lutas dos trabalhadores

rurais, que combatiam pela posse e uso da terra em vários Estados: Paraíba, Ceará,

Pernambuco, Bahia, Goiás, e Rio Grande do Sul. Tais reivindicações sempre

desembocavam na reforma agrária, que se tornará uma das questões mais polêmicas do

governo Goulart. Setores moderados e direitistas se unirão em torno da manutenção da

estrutura agrária. Não por acaso, os congressistas, na sua maioria ligados ao latifúndio,

apegaram-se ao artigo 147, parágrafo 16 da Constituição de 1946, que exigia indenização

prévia e em dinheiro de terras desapropriadas.

A Luta dos Trabalhadores Urbanos

A repressão do governo Dutra ao movimento sindical

O presidente Dutra toma posse enfrentando intensa mobilização dos trabalhadores.

Os meses de janeiro, fevereiro e março, são recordistas em ações grevistas. O mais

importante movimento deste período foi a greve nacional dos bancários, que mobilizou a

categoria em todo o país durante 21 dias ( a greve teve início no dia 24 de janeiro de

1946). A greve contou com a solidariedade de várias categorias, além do apoio da

população em geral. Os bancários saíram vitoriosos nas suas demandas econômicas, além

de conseguirem a não demissão dos funcionários grevistas, legitimando, na prática o

direito de greve num período em que vigorava ainda a proibição da Carta de 1937.

Destaca-se nos surtos grevistas, do governo Dutra, a importância da atuação das

comissões de fábrica, ora de forma autônoma, ora pressionando os sindicatos para

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Page 71: Introdução à História do Brasil

mediarem as negociações com os patrões. Primeiro, porque muitos dos sindicatos ainda

estavam nas mãos dos pelegos e, depois, porque os sindicatos controlados pelos

comunistas, cumprindo as determinações da cúpula do partido, adota uma prática

sintonizada com a política da Internacional Comunista, que preconizava alianças do PCB

com as forças progressistas (incluindo a burguesia) contra o nazi-fascismo. De acordo com

esta linha, os trabalhadores deveriam ''apertar os cintos" e evitar as greves ou confrontos

com o governo e o patronato, para consolidação da democracia do país. Idêntica atitude

era adotada pelo Movimento de Unificação dos Trabalhadores (MUT), fundado por

militantes do PC em abril de 1945. Apesar desta orientação, a pressão das bases obrigou

muitos dirigentes sindicais comunistas a adotarem uma postura mais combativa.

Além dos bancários, várias categorias tiveram presença marcante: ferroviários, no Rio

Grande do Sul; metalúrgicos e têxteis em São Paulo e no Rio de Janeiro. As reivindicações

principais giravam em torno do aumento de salário e do abono de Natal (13º salário).

0 movimento operário entra em refluxo a partir de maio de 1947, devido à intensificação da

repressão promovida pelo governo Dutra que culmina com a cassação em mais de 400

sindicatos, além da extinção da Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB).

Embora em menor número, as greves continuam a acontecer nos anos seguintes. Em

fevereiro e março de 1948, eclode em diversos pontos do país uma intensa mobilização

grevista envolvendo cerca de 60 mil ferroviários, impulsionada por Comissões de

Trabalhadores.

0s trabalhadores têxteis também se mobilizam intensamente contando com a participação

decisiva das comissões de fábrica na organização do movimento.

O Populismo de Vargas e a Reação dos Trabalhadores

No segundo governo de Vargas, os trabalhadores encontram melhores condições para

exercer seus direitos políticos, realizando greves, passeatas e outras manifestações de

protesto contra o congelamento dos salários (de 1947 a 1951) e as elevações frequentes

do custo de vida que atingiu seu auge em 1953.

Nos primeiros meses de 1952, tecelões de diversas empresas na capital e no interior de

São Paulo paralisam suas atividades exigindo 25% de aumento e o fim da cláusula de

assiduidade, que impunha descontos salariais aos empregados que se atrasavam na

chegada ao trabalho. Em Pernambuco e na Paraíba, 40 mil têxteis cruzam os braços em

outubro do mesmo ano conquistando 30% de aumento e o pagamento dos dias parados.

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Page 72: Introdução à História do Brasil

0 ano de 1953 foi um dos mais movimentados para a classe operária. Em janeiro, no Rio, é

a greve de quase 50 mil têxteis, de 6 mil portuários que permaneceram 52 dias parados, e

dos 10 mil operários da construção naval.

A retomada do Nacionalismo com Juscelino

As lutas operárias chegam a mobilizar 800 mil trabalhadores nos anos 1956 e 1957. A

maioria das reivindicações dos grevistas concentrava-se no aumento salarial e no

congelamento dos gêneros de primeira necessidade, como bem ilustra a greve dos 400 mil

em São Paulo, em outubro de 1957, que envolveu 6 categorias durante 10 dias.

Outro aspecto marcante das greves nesse período e que irá se acentuar nos anos

posteriores é o forte conteúdo nacionalista imprimido, lado a lado com as reivindicações

econômicas. Começam a fazer parte da pauta de reivindicações dos sindicatos a defesa do

crédito para a indústria nacional, o tabelamento dos juros, facilidades para importação de

máquinas e equipamentos. A encampação de bandeiras da burguesia nacional por

comunistas e petebistas trará consequências profundas para a história do movimento

operário.

As teses nacionalistas contagiam as lideranças sindicais nos congressos de diversas

categorias realizados em 1959. 0 mesmo irá acontecer no 3º Congresso Sindical Nacional

realizado, no Rio, em agosto de 1960, onde foi dado impulso decisivo para criação do

Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). As principais deliberações do Congresso, que

culminou com a vitória dos ''nacionalistas'' (PCB/PTB) sobre os ''amarelos'' estavam na sua

maioria relacionadas à defesa da indústria nacional: luta contra os trustes internacionais,

nacionalização das empresa estrangeiras de energia elétrica, limitação das remessas de

lucros ao exterior, política de crédito dos bancos oficiais para a indústria nacional e para

importação de máquinas e equipamentos etc.

Em novembro de 1960 ocorre um importante movimento grevista de trabalhadores

ferroviários, marítimos e portuários, que além da vitória econômica resultou na criação do

Pacto de Unidade e Ação (PUA) - organização sindical horizontal com forte influência dos

comunistas.

As Greves Políticas

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Page 73: Introdução à História do Brasil

Os primeiros anos da década de 60 caracterizam-se por uma participação intensa das

entidades e lideranças sindicais na crise política e institucional que se abre no país com a

renúncia do presidente Jânio Quadros e com as ameaças constantes de golpe contra o

governo de João Goulart, o vice de Jânio.

Os meses de agosto e setembro, por exemplo, são marcados por uma instensa

mobilização dos trabalhadores, principalmente no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Rio

Grande do Sul, em defesa da posse de João Goulart. Cruzaram os braços os

trabalhadores da Leopoldina, além da greve geral dos marítimos, têxteis, bancários e

petroleiros.

A paralisação mais importante deste ano, porém, foi a greve dos 300 mil em São Paulo, em

março e abril, envolvendo várias categorias. A greve se prolongou por 30 dias, tendo os

grevistas conquistado um reajuste de 32% além da libertação dos colegas presos e de sua

readmissão nas empresas.

Esta greve marcou um momento decisivo na organização do movimento operário, pois a

comissão intersindical formada por militantes que na sua maioria pertenciam às comissões

de fábricas criou condições para que, terminado o movimento, se constituísse um comitê

intersindical, que logo resultou no Pacto de Unidade Intersindical (PUI), do qual nasceria o

Pacto de Unidade e Ação (PUA), embrião da futura CGT.

O PCB teve uma atuação destacada na greve, participando ativamente das comissões de

fábrica e do comitê intersindical, no qual vários comunistas se destacaram, inclusive o

principal dirigente, o tecelão Antonio Chamorro.

O Pacto de Unidade Intersindical (PUI) organiza em setembro do ano seguinte, em São

Paulo, uma greve geral de 24 horas contra a carestia e exigindo o congelamento dos

preços dos gêneros de primeira necessidade. Estes movimentos tiveram grande

importância não só pelo fato de unificarem várias categorias em torno de um único objetivo

como também pelo fato de redundar na criação do Comando Geral de Greve (CGG), que

na Prática foi o primeiro ensaio para a criação da CGT no ano seguinte.

Das mais de 120 greves que se realizaram em 1962, destacou-se a greve de julho contra a

aprovação do nome de Auro de Moura Andrade pelo Congresso Nacional para o cargo de

primeiro ministro, em substituição a Tancredo Neves que renunciara. Auro de Moura

Andrade era considerado um político conservador pelos sindicalistas.

A grande mobilização levada a cabo pelas direções sindicais das principais federações de

trabalhadores, agora na sua maioria nas mãos do PCB e da esquerda do PTB, provocou a

renúncia do primeiro-ministro, antes mesmo da eclosão da greve. O Congresso Nacional,

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Page 74: Introdução à História do Brasil

por sua vez, aprovou a formação de um conselho de ministros mais favorável às reformas

de base. Além disso, o ministro foi escolhido por intervenção direta das lideranças

sindicais. Foi assinado também pelo presidente da República a lei do 13º salário, dando

mais prestígio aos líderes sindicais nacionalistas.

Outro acontecimento de grande importância foi o 4º Encontro Sindical Nacional, realizado

em São Paulo de 17 a 19 de agosto de 1962. Compareceram 574 entidades sindicais e

2.566 delegados credenciados de todos os Estados. Foi nesse encontro que os

sindicalistas transformaram o Comando Geral de Greve (CGG), criado na greve de julho,

em Comando Geral dos Trabalhadores (CGT).Em setembro de 1962 os trabalhadores

voltam a agitar o país com outra greve geral decretada pelo CGT, devido à rejeição por

parte do Congresso do projeto apresentado pelo primeiro-ministro Brochado da Rocha, que

previa a antecipação do plebiscito pela volta do presidencialismo para 7 de outubro. O

movimento eclodiu na data prevista (15 de setembro) e durou 24 horas.

A greve teve um desfecho favorável para os trabalhadores, pois, no mesmo dia, o

Congresso aprovou a lei Capanema-Valadares, convocando o plebiscito para 7 de janeiro

de 1963. Os grevistas presos também foram soltos por exigência do CGT.

O CGT e a Reação de Direita a partir de 63

A capacidade de mobilização demonstrada pelo CGT, nas mobilizações de julho e

setembro, em greves com caráter predominantemente político, bem como sua aproximação

crescente do governo Goulart, acirrará a oposição de setores mais conservadores dos

militares.

O comício marcado pelo CGT para 10 de abril de 1963 na Guanabara, em apoio ao

presidente João Goulart, depois de violentos pronunciamentos feitos pelo líder da UDN,

Carlos Lacerda, dirigidos ao presidente da República, explicitou publicamente o

descontentamento da cúpula militar com as constantes mobilizações dos trabalhadores.

O CGT, depois de muitas discussões, decide pelo adiamento do comício e lança, a 10 de

abril, um manifesto à Nação denunciando a conspiração, um golpe de direita, tipo ''gorilas”

da Argentina, com o objetivo de liquidar com todas as liberdades democráticas e os direitos

sindicais. "O comando Geral dos Trabalhadores está permanentemente à frente da luta

contra a consumação do golpe que os ''gorilas'' tramaram contra a emancipação

econômica, política e social da nossa Pátria. Por tudo isso, o Comando dirige-se a todos os

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Page 75: Introdução à História do Brasil

trabalhadores para, unidos e organizados, responderem com uma greve geral se qualquer

tentativa de golpe se consumar'' (O Estado de S. Paulo 11.04.63).

Outro episódio que marcou definitivamente a oposição entre o CGT e a cúpula do Exército

foi a campanha pelo aumento de 70% da remuneração dos servidores civis e militares,

repelida pelos oficiais das três Armas.

O conflito se agravou por ocasião da rebelião dos 650 sargentos da Marinha e Aeronáutica,

em Brasília, a 12 de setembro de 1963.

A polarização do CGT com as forças direitistas também aconteceu no interior do

movimento sindical. Em julho de 1963, a corrente sindical direitista, adversária histórica da

aliança de esquerda ente PTB e PCB, apoiada pelos governadores da Guanabara e São

Paulo, organiza uma nova entidade de cúpula, tendo como objetivo principal o combate à

''infiltração comunista no movimento sindical". A nova entidade foi denominada UST (União

Sindical dos Trabalhadores).

Entre os demais setores de direita também são constantes os ataques ao CGT, que se

tomou o alvo privilegiado dos políticos da UDN e de instituições como IPES e IBAD, ao

intensificarem suas críticas ao governo Goulart em clara oposição à implementação das

reformas de base. Ilustrativo, foi a declaração do presidente da UDN, deputado Bilac Pinto,

que acusou os sindicatos de estarem guardando armas em suas sedes, o que foi

prontamente desmentido por Clodsmidt Riani, presidente do CGT e da CNTI. (Diário de

Minas 04.02.64).

Principais Greves de 1963

Dentre as 149 greves registradas em 1963, duas delas se destacaram: a greve geral de

Santos, em setembro, e a greve dos 700 mil, em São Paulo, ocorrida em outubro.

A Baixada santista foi uma das regiões de maior mobilização da classe operária nos anos

60. Lá se realizaram 58 greves de diversas categorias em 1962, e, no ano seguinte, 53,

sendo 19 greves só no porto de Santos.

O ponto mais alto do movimento operário em Santos foi a greve geral de 2 de setembro,

que durou 3 dias. A greve foi convocada pelo Fórum Sindical de Debates (FSD) que atuava

como órgão de cúpula do CGT na Baixada santista , em solidariedade aos enfermeiros da

Santa Casa de Santos, que se recusou a conceder um reajuste de 100% nos salários

reivindicado pelos enfermeiros em greve.

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Page 76: Introdução à História do Brasil

A greve dos 700 mil em São Paulo, teve como origem o impasse gerado entre os

representantes dos trabalhadores e dos patrões quanto à forma de negociação dos

sálarios. Em outubro, a CNTl tenta participar das negociações salariais em nome de 700

mil trabalhadores de 14 categorias profissionais, mas a Federação das Indústrias do

Estado de São Paulo (FIESP), não aceita.

Diante da irredutibilidade dos empregadores, no dia 29 de outubro cerca de 700 mil

trabalhadores entram em greve, paralisando as atividades das indústrias da capital e de

cerca de 40 municípios do Interior. São atingidas indústrias dos setores metalúrgico,

químico, têxtil, calçados, curtumes, laticínios e moinhos.

Finalmente, destacaram-se ainda no ano de 1963 a greve nacional dos aeroviários,

portuários, ferroviários, marítimos e operadores navais, realizada de 30 de maio até 3 de

junho, e a greve nacional dos bancários, que se estendeu de 18 de setembro a 12 de

outubro.

O Golpe de 1964 e o Fim do CGT

As tensões entre os setores direitistas civis e militares provocadas pelas mobilizações

populares, em especial aquelas organizadas pelo CGT, se acentuaram nos primeiros

meses de 1964.

Isto fica evidente na troca de declarações na grande imprensa, nos documentos internos

do Exército, nos comunicados das organizações sindicais, nas ações paramilitares da

extrema direita, como foi a tentativa de se atear fogo no palanque montado para o comício

da sexta-feira 13 de março, organizado pelo CGT.

Os discursos pronunciados pelo presidente João Goulart e por Leonel Brizola, no comício

do dia 13, geraram uma forte reação da direita civil e militar que já articulava o golpe de

Estado. A anistia concedida pelo presidente João Goulart aos marinheiros que participaram

do levante do dia 26 de março, teve como consequência o reforço das articulações

golpistas.

O movimento sindical aparentemente não desconhecia isto. Em uma nota oficial, expedida

a propósito da ”Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, o CGT concita os sindicatos

a “manterem-se preparados para desfechar a greve geral em todo o território nacional na

defesa da liberdade democrática e sindical, usando todas as formas de luta que o

movimento comportar, além da greve geral”.

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Page 77: Introdução à História do Brasil

No entanto, toda mobilização visando resistir ao possível golpe de estado, redundou em

total fracasso quando este veio a ocorrer de fato. Logo de imediato, 20 líderes do CGT

foram presos. A greve geral chegou a ser tentada pelos líderes que ainda se conservavam

em liberdade, mas só se conseguiu algum êxito entre os ferroviários, têxteis, portuários,

metalúrgicos e bancários no Rio de Janeiro.

Em São Paulo, a greve só atingiu os portuários de Santos. Em vários pontos do país se

esboçaram reações de setores localizados, mas a repressão violenta do Exército e dos

governadores golpistas conseguiu conter e esmagar os focos grevistas. Já no dia 2 de abril

a maior parte dos dirigentes do CGT se encontrava presa. Somente os ferroviários

resistiram até o dia 4 de abril.

Os golpistas desarticularam toda a engrenagem sindical coodernada pelo CGT, intervindo

nos sindicatos e federações a ele ligados. A CNTI passou a ser controlada novamente

pelos pelegos oficiais através de eleição realizada em maio de 1964, na qual votaram 22

federações já com interventos nomeados pela Junta Militar.

O Populismo

A revolução de 1930 opera um rearranjo das elites dominantes na estrutura do poder

existente até então, caracterizado pelo domínio exclusivo das oligarquias ligadas ao setor

agro-exportador. A partir daí, assumem o poder as oposições oligárquicas mais voltadas

para o mercado interno (com exceção de Minas Gerais) apoiadas por setores

intermediários representados na figura dos tenentes e pelos industriais que num primeiro

momento apoiaram a candidatura situacionista de Júlio Prestes. Mesmo os setores ligados

ao café, desalojados do poder, serão incorporados às classes dirigentes após a revolução

constituicionalista de 1932 ocorrida em São Paulo. É importante mencionar a crise de

1929, com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque e seus reflexos na economia

nacional, afetando principalmente o setor exportador ligado ao café, que fará acirrar as

divergências entre as oligarquias ligadas ao mercado interno e externo.

Nenhum desses novos grupos que participam do poder em 1930 terá autonomia suficiente,

no âmbito político e econômico, para assumir o controle do Estado de forma exclusiva. Por

exemplo, os tenentes, que representavam de um modo geral as aspirações das classes

médias, embora tenham a importante função de dar legitimidade aos novos dirigentes, não

possuem nem uma estrutura política consolidada (máquina partidária), tampouco força

econômica suficiente para se impor. As oposições oligárquicas, ligadas ao mercado interno

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Page 78: Introdução à História do Brasil

mesmo usufruindo do poder, continuam a depender economicamente dos setores ligados

ao café (principal fonte de divisas para o país, mesmo com as dificuldades advindas da

crise econômica internacional). Estes últimos, por sua vez se encontram excluídos do

poder político.

Em resumo, podemos dizer que 1930 caracteriza a passagem de um domínio exclusivo do

aparato estatal por parte das oligarquias ligadas ao setor agro-exportador de São Paulo e

Minas Gerais para um arranjo das classes dominantes (feito pelo alto, sem a participação

popular). Apesar de divergirem entre si, as oligarquias e os demais grupos se manterão no

poder, através de acordos políticos, denominados nos trabalhos acadêmicos de "estado de

compromisso", que tem como sustentação duas questões fundamentais: primeiro, evitar

que as massas populares, em especial os trabalhadores urbanos tenham um papel mais

ativo no processo político, nas fábricas, nos sindicatos, nos partidos etc; um segundo fator,

associado ao primeiro é a idéia que passa a ser difundida sobre a necessidade de um

Estado forte, que ao mesmo tempo mantenha a ordem e promova a modernização do país

em curto espaço de tempo (industrialização acelerada). O golpe de Estado desfechado por

Getúlio Vargas em novembro de 1937 será a coroação desse projeto.

A necessidade de um Estado forte e centralizado não elimina a necessidade das camadas

dirigentes buscarem legitimidade diante das massas populares para se consolidarem no

poder. Com esse propósito, procura difundir a imagem de um Estado como uma entidade

neutra, que paira sobre as classes, personificado na figura de Getúlio Vargas que assume

para si a responsabilidade de atender às demandas dos trabalhadores em geral. Essa

operação, que procura veicular a imagem do líder carismático que personifica a imagem do

Estado e que aparece como ''protetor dos pobres", é fenômeno que comumente se

denomina de populismo, que tem seus momentos mais exemplares no governo de Getúlio

Vargas e de João Goulart onde o populismo aparece muito vinculado à ideologia do

nacionlismo.

As concessões feitas por Getúlio Vargas aos trabalhadores (regulamentação da jornada de

8 horas, lei de férias etc.) conforme veremos a seguir, têm como objetivo cristalizar essa

imagem de protetor dos pobres e, ao mesmo temmo, apagar da memória dos

trabalhadores todo o passado de luta desde os primeiros anos deste século em defesa

dessas reivindicações como já vimos anteriormente.

A crise do segundo governo de Vargas em 1954, e do governo Goulart em 1963/64, foram

o ápice desse processo ambíguo da política brasileira que se instaura a partir de 1930 e

ganha nova dimensão em 1945, quando as massas populares foram incorporadas à

estrutura política através das associações e do sufrágio universal.

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Page 79: Introdução à História do Brasil

Nacionalismo: Campanha do Petróleo

O nacionalismo econômico prestou um grande serviço à política populista, que o utilizou

em larga escala como instrumento forjador da noção de harmonia social e de consenso

popular. “O nacionalismo era um sentimento que podia unir brasileiros de diversas classes

e setores, dar-lhes um senso de comunidade. A identificação com a Nação em um esforço

comum poderia ajudar a superar as tensões de classe produzidas por uma sociedade em

desenvolvimento" (Thomas Skidmore "De Getúlio e Castelo", pag. 153).

Mas, durante todo o período populista a única luta nacionalista que realmente obteve êxito

foi a campanha do petróleo, culminado com a criação da Petrobrás em outubro de 1953.

A polêmica em torno da questão do monopólio estatal do petróleo, iniciou-se em 1947,

quando o Clube Militar promoveu uma série de confêrencias em torno do assunto. O tema

do petróleo estava na ordem do dia pois o presidente Dutra acabara de nomear uma

comissão para elaborar um anteprojeto de lei (o Estatuto do Petróleo), a ser enviado ao

Congresso, afim de regular as atividades de produção, refino e distribuição de petróleo no

país.

As opiniões ficaram polarizadas em torno de dois personagens: de um lado o general

Juarez Távora, que ao atacar a política estatizante, em função da falta de recursos

técnicos e econômicos do país, via na participação do capital estrangeiro a fórmula mais

rápida e vantajosa para atender às necessidades do país; do outro lado, o general Horta

Barbosa, ardoroso defensor do monopólio estatal, admitia a presença do capital privado

nacional, desde que controlado pelo Estado.

Os militares que apoiavam as teses de Juarez Távora, eram na sua maioria ligados à

Escola Superior de Guerra (ESG), e os veteranos da FEB, justamente os que mais se

identificaram com o pensamento militar norte-americano de colaboração hemisférica contra

o bloco comunista. A maioria dos oficiais, porém, preferia as teses de Horta Barbosa, por

razões de segurança nacional.

Os debates no Clube Militar ganham as ruas através dos jornais e mobilizam intelectuais e

estudantes. Em março de 1948, vários grupos nacionalistas começam a se articular para

fundar o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e Economia Nacional (CEDPEN) que

visava coordenar a luta de diversos setores da sociedade contra o estatuto do petróleo

(que permitia a participação do capital estrangeiro juntamente com capital estatal) e pelo

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Page 80: Introdução à História do Brasil

monopólio estatal. A partir do Rio de Janeiro, o Centro rapidamente se espalha por todo o

Brasil, chegando até a se organizarem empresas.

A incorporação das classes médias e dos trabalhadores urbanos em geral deu um novo

entusiasmo à campanha e possibilitou uma pressão sobre o Congresso além do esperado,

conseguindo bloquear até o final do governo Dutra a possibilidade de participação do

capital estrangeiro nas atividades de exploração e refino.

Os comunistas tiveram uma participação ativa na campanha do petróleo, procurando

radicalizá-la, contra o imperialismo norte-americano.

A euforia em torno da questão do Petróleo renasce em dezembro de 1951 quando Getúlio

Vargas envia ao Congresso um projeto de lei sobre a criação de uma empresa estatal de

petróleo. O projeto do governo previa a criação de uma empresa mista, que admitia

capitais privados, porém sob o controle do Estado. A empresa (Petrobrás) articularia as

atividades de subsidiária e associadas que operariam nas diversas fases da indústria

petrolífera. No refino e distribuição seriam mantidas as concessões às empresas que já

estivessem em atividade.

A agitação política promovida pelo CEDPEN em junho de 1952 logo produziu seus efeitos.

O governo aceitou excluir a possibilidade de participação do capital estrangeiro, mas

definiu o monopólio da Petrobrás como empresa de caráter misto (capital estatal e

privado). Desse modo, o projeto foi aprovado na Câmara, em setembro de 1952, e no

Senado em junho de 1953.

O Partido Comunista teve uma participação importante, principalmente na mobilização dos

trabalhadores nas empresas e nos sindicatos.

Da Renúncia de Jânio ao golpe de 1964

Jânio Quadros surpreendeu a Nação com seu ato de renúncia, antes mesmo de completar

sete meses de mandato, no dia 25 de agosto de 1961. Sua carta-renúncia, apresentada ao

Congresso, é curta e ambígua, nela não aparecendo qualquer motivo que esclareça ou

justifique, de forma convincente, seu ato de renúncia. Parece que isto justifica as

interpretações que atribuem ao gesto uma tentativa de golpe, apoiado por alguns setores

militares com o objetivo de reforçar seu poder pessoal em relação ao Congresso.

O presidente demissionário esperava retornar ao poder pelas mãos dos militares.

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Porém, o grupo de oficiais que pretendia promover a volta de Jânio, não conseguiu se

impor diante de outras forças militares e civis, que optaram por outra solução. Jânio

Quadros imaginava obter massivo apoio popular para sua volta, mas suas esperanças logo

se desfizeram. As massas saíram às ruas para defender a posse de João Goulart (vetada

pelos ministros militares com o apoio da UDN).

Por ocasião da renúncia de Jânio, Goulart encontra-se em visita oficial à China. O

Congresso Nacional, reunido extraordinariamente, no dia 25 de agosto de 1961, autorizou

a posse de Ranieri Mazzili, presidente da Câmara dos Deputados, como ocupante da

Presidência da República.

Os rumores sobre um possível golpe são confirmados em 28 de agosto quando os três

ministros militares, através do presidente interino, tentam impor ao Congresso Nacional o

veto à posse de João Goulart. Após a recusa do Congresso em aprovar o veto, os

ministros militares lançam o manifesto à Nação, a 30 de agosto, explicitando as razões do

veto ao vice-presidente.

Mas os militares se encontravam divididos neste momento. O general Henrique Lott,

principal porta-voz dos militares legalistas, também redige um manifesto lido na Câmara

pelo deputado Eloy Dutra, do PTB. Mesmo tendo sido preso por ter redigido o manifesto, a

atitude do general Lott repercute favoravelmente entre uma parte da oficialidade.

Crescem também entre a população as manifestações antigolpistas. Desde as articulações

no Congresso Nacional até a organização de passeatas, comícios, pichações, além das

inúmeras greves.

Vários governos estaduais se posicionam favoravelmente à posse de Goulart (Carvalho

Pinto, em São Paulo; Ney Braga, no Paraná; Mauro Borges, em Goiás; e Leonel Brizola, no

Rio Grande do Sul). A tendência ao fortalecimento dos legalistas é cada vez maior. Mais

uma vez , o golpe terá que ser adiado pelos setores direitistas.

As classes dominantes conseguem encontrar uma forma de excluir as massas populares

do processo decisório. A solução encontrada foi o chamado "acordo de compromisso",

articulado pelo PSD e pela UDN, que estabelecia o regime parlamentarista no Brasil.

João Goulart é empossado no dia 7 de setembro de 1961, sob a égide de um novo sistema

de governo que, aparentemente, parecia resolver os impasses criados pela renúncia de

Jânio Quadros. Mas os acontecimentos vieram a demonstrar que a crise política estava

longe de chegar ao fim.

Campanha pelas Reformas de Base

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Presidido por Tancredo Neves, o primeiro Gabinete, denominado de União Nacional devido

à sua composição, evidenciou que o grande derrotado foi o movimento popular.

Realmente, o Gabinete Tancredo Neves não se empenhou em qualquer tipo de reforma

social que tocasse na questão salarial, na reforma agrária ou na regulamentação da

remessa de lucros para o exterior.

Contudo, o país atravessava uma conjuntura econômica muito difícil, que exigia rápidas

soluções diante da pressão popular. O aumento da dívida externa herdada de Juscelino; a

urbanização desordenada que gerava problemas de oferta de alimentos nas cidades; o fim

do subsídio ao trigo e ao petróleo contribuíram para a desvalorização do salário e,

consequentemente, para o aumento do custo de vida.

Pressionado por setores nacionalistas e esquerdistas, Goulart inicia sua pregação em

defesa das reformas de base. Em pronunciamento por ocasião da comemoração do 1º de

Maio de 1962 em Volta Redonda, o presidente critica indiretamente a forma como o

''Gabinete de conciliação” encaminhava o debate da reforma agrária e defende a

revogação do parágrafo 16 do artigo 141 da Constituição, que obrigava a indenização

prévia e em dinheiro das terras desapropriadas pelo governo. Propõe também a reforma do

sistema bancário, do sistema eleitoral, regulamentação da remessa de lucros para o

exterior e a reforma tributária.

Diante da falta de apoio do presidente, o Gabinete de Tancredo renuncia. Novamente

Goulart se encontra diante de um impasse para a escolha de um novo Gabinete. O nome

de San Thiago Dantas é recusado no Congresso. Visando conseguir apoio do PSD, Jango

apresenta o nome de Auro Soares de Moura Andrade, presidente do Senado. Porém,

desta feita, são as lideranças sindicais, favoráveis às reformas de base, que recusam o

segundo nome proposto e convocam, através do CGT, uma greve geral para o dia 5 de

julho, como forma de pressionar o presidente e o Congresso. O futuro ministro, que já

havia sido apro vado pelo Congresso, renuncia antes mesmo da eclosão da greve geral.

Campanha pelo Plebiscito

A emenda constitucional de setembro de 1961, que institui o parlamentarismo, previa a

realização de um plebiscito para princípios de 1965 para confirmação ou não dessa forma

de governo.

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O novo primeiro-ministro, Brochado da Rocha, empossado em 13 de Julho de 1962, envia

projeto de lei visando à antecipação do plebiscito para 7 de outubro, data da eleição do

Congresso.

A rejeição do projeto levou o Comando Geral dos Trabalhadores a marcar uma greve geral

para o dia 15 de setembro. O movimento grevista eclodiu na data marcada e durou 24

horas. O congresso aprova, então, um projeto conciliador que previa a realização do

plebiscito em janeiro de 1963. O Gabinete de Brochado da Rocha demite-se ao ter

recusada pelo Congresso sua mensagem, que o autorizava a legislar, através de decretos,

sobre as reformas de base.

O terceiro Gabinete, presidido por Hermes Lima, ex-ministro do trabalho, é empossado em

setembro de 1962, já sob intensa agitação em torno da campanha do plebiscito. No dia 6

de janeiro de 1963, depois de uma dispendiosa campanha político-publicitária contra o

regime parlamentarista, compareceram às umas quase 13 milhões de eleitores: 9.497.488

votaram pelo retorno ao presidencialismo; 2.073.582 pela manutenção do parlamentarismo;

935.072 nulos e 307.158 brancos. Assim, o presidente Goulart obteve plenos poderes e

neles foi investido a 23 de janeiro de 1963.

O Plano Trienal e a Polarização Política

Jango, como bom discípulo de Getúlio, nomeia um Ministério moderado, e procura

implementar uma política econômica que agrade às mais amplas parcelas da sociedade.

Assim, é elaborado por Celso Furtado o Plano Trienal, que contou com a colaboração de

San Thiago Dantas. O plano consistia numa política de combate à inflação e promoção do

desenvolvimento econômico através do refinanciamento da dívida externa, entrada de

recursos externos e redução do déficit público entendido como principal causador da

inflação.

O governo, em sua política de "salvação nacional", pedia aos empresários que

moderassem sua ganância por lucros e, ao mesmo tempo apelava aos trabalhadores

pedindo colaboração, paciência e patriotismo, adiando assim as greves e as reivindicações

por melhores salários.

Os trabalhadores, ao contrário dos empresários, fazem duras críticas ao governo através

do CGT, PUA, PUI e outras entidades. As críticas da esquerda e dos nacionalistas se

intensificam quando San Thiago Dantas, ministro da Fazenda, inicia as conversações com

os EUA para acertar o refinanciamento da dívida externa e da assistência econômica norte-

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americana. O Plano Trienal é apresentado como prova de que o Brasil passava a se

enquadrar dentro do receituário prescrito pelo governo dos EUA e pelo FMI.

A sociedade se encontra polarizada politicamente. A mobilização de setores nacionalistas e

esquerdistas não impede a onda de mobilização da direita. Em janeiro de 1963, a direita

ataca as sedes da União Nacional dos Estudantes (UNE) e do jornal Última Hora, pró-

governo.

No início de 1962 há uma dinamização do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) e

do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes). O primeiro agia em sintonia com grupos

paramiltares e anticomunistas em diversos pontos do país. O segundo, fundado por

empresários ligados ao capital multinacional, se definia como uma entidade voltada para a

pesquisa, a fim de criar alternativas para os problemas sociais e econômicos do país e

colocava como questão fundamental a defesa da livre iniciativa e da economia de

mercado. O Ipes atuava entre as Forças Armadas, na Igreja, no movimento de

camponeses, no Congresso Nacional e nas mais variadas associações , desenvolvendo

uma política de combate ao comunismo e ao populismo. Esse trabalho era efetuado

através da grande imprensa, edição de livros, jornais, revistas, panfletos, conferências,

seminários, programas de rádio e TV, produção de filmes etc. A importância desses órgãos

nas articulações golpistas de 1964 deve ser atribuída em grande parte ao seu profundo

entrosamento com os militares da Escola Superior de Guerra.

Agravamento da Crise

Com o fracasso do Plano Trienal, fracassa também a tentativa de Jango de formar um

governo de conciliação que pudesse estabelecer uma trégua entre os diversos grupos em

conflito na sociedade. O presidente volta, então, a acenar com o plano das reformas de

base.

A questão da reforma agrária polariza as atenções novamente. Na convenção da UDN, em

abril de 1963, líderes do partido defendem a intervenção das Forças Armadas e dos EUA,

para aniquilar o "comunismo legal" de Goulart.

O PSD e a UDN se unem para derrotar a emenda constitucional apresentada pelo PTB,

que pretendia tornar viável financeiramente a reforma agrária, alterando o parágrafo 16 do

Artigo 141 da Carta de 1946.

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Page 85: Introdução à História do Brasil

Os setores nacionalistas movem intensa campanha, através de comícios, passeatas,

manifestos em defesa das reformas de base e criticam Goulart pela vacilação em adotar

medidas concretas de caráter nacionalista e popular.

Em fins de 1963, Jango encontra-se em meio à ofensiva da direita e dos nacionalistas.

Diante da impossibilidade de qualquer acordo com os setores conservadores, o presidente

apela às massas e ''radicaliza'' em defesa das reformas de base. Em meados de janeiro,

Goulart regulamenta a lei de remessa de lucros, que esperava pela aprovação há mais de

16 meses. Também emite decreto para a revisão de todas as concessões governamentais

na área de mineração.

San Thiago Dantas tenta, pelo lado do governo, organizar uma frente ampla, unificando

progressistas oriundos do PSD ao PCB. O comício de 13 de março, organizado pelo CGT e

pela assessoria de Jango, foi o ponto alto desse esforço de mobilização em defesa das

reformas de base. O presidente encerra o comício anunciando o decreto de nacionalização

das refinarias particulares de petróleo e a desapropriação de propriedades com mais de

100 hectares que ladeavam as rodovias e ferrovias federais. Promete, ainda, tabelar os

aluguéis e controlar os preços, ataca a "democracia dos monopólios nacionais e

internacionais'', as associações de classe conservadoras etc.

O que assustava a direita, na verdade, não era tanto as consequências econômicas do

pronunciamento de Jango, mas sim a possibilidade de fortalecimento da esquerda e o

“fantasma da mobilização popular" que tendia cada vez mais a ser o ponto de apoio do

presidente, caso ele decidisse levar adiante as reformas de base.

Os esforços de moderação de San Thiago Dantas tiveram pouco êxito. A esquerda radical

queria a saída imediata do governo dos representantes do PSD. No dia 15 de março,

Goulart envia ao Congresso mensagem propondo uma consulta nacional a respeito das

reformas de base. No dia 20, dirigentes do CGT, da Frente de Mobilização Popular, da

UNE, da UBES e de outras entidades, reunidos na sede da CNTI, reivindicam a

encampação das empresas concessionárias de serviços públícos.

O Golpe Militar

As manifestações nacionalistas estimulam a ofensiva golpista. Em 19 de março ocorre em

São Paulo a "Marcha da Família com Deus pela Liberdade" reunindo cerca de quinhentas

mil pessoas. A manifestação, com um forte tom anticomunista, visava confrontar forças

com a esquerda e os nacionalistas.

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As articulações militares e civis em favor do golpe cresciam em vários Estados, quando

eclode a revolta dos marinheiros em 26 de março. Contrariando ordens superiores,

membros da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil reuniram-se no

Sindicato dos Metalúrgicos. Um contingente de fuzileiros navais, enviado para prender os

marinheiros, adere aos revoltosos.

Enquanto o CGT se solídarizava com os revoltosos, a oficialidade exigia a sua imediata

punição. Chegou-se a um acordo pelo qual os marinheiros e fuzileiros abandonariam o

prédio, sendo conduzidos para o quartel do Batalhão de Guardas do I Exército. Libertados

poucas horas depois, saíram em passeata.

Desprestigiado, o almirante Sílvio Mota demite-se do Ministério da Marinha. O Clube Naval

emite nota afirmando que o Exército e a Aeronáutica não poderiam ficar indiferentes ao ato

de indisciplina milítar acobertado pela autoridade constituída. Era o estopim da crise com

os militares. O golpe militar estava programado para o dia 2 de abril, data marcada para

uma passeata-monstro de oposição ao governo, no Estado da Guanabara.

Na noite do dia 30 de março, o presidente é homenageado pela Associação dos Sargentos

e Suboficiais da Polícia Militar, e em discurso improvisado, afirma que "a crise que se

manifesta foi provocada pela minoria de privilegiados que vive de olhos voltados para o

passado e teme enfrentar o luminoso futuro que se abrirá à democracia pela integração de

milhões de patrícios nossos na vida econômica, social e política da Nação, líbertando-se da

penúria e da ignorância".

Poucas horas depois, em Minas, os generais Mourão Filho e Carlos Luís Guedes

movimentam suas tropas em direção ao Rio de Janeiro. Embora pego de surpresa, o

general Castello Branco, líder da facção anti-Goulart no Estado Maior das Forças Armadas,

se mobiliza no Rio para apoiar os rebeldes. O I Exército, sediado no Rio, sob comando do

general Moraes Âncora, fiel a Goulart, ordenou o envio de tropas para enfrentar os

golpistas, mas, no Vale do Paraíba, onde as duas tropas se encontraram, os militares

aderiram ao golpe. O comandante do II Exército, general Amaury Kruel, fiel ao governo,

decide apoiar o golpe em marcha, depois de Goulart ter recusado a exigência feita pelo

general de se afastar dos comunistas do CGT.

O único foco de resistência militar se encontra na cidade de Porto Alegre, para onde o

presidente se dirige no dia 2 de abril. Brizola tenta convencer o presidente a resistir ao

golpe e convoca a população, através da Rádio Farroupilha, a engrossar as forças

legalistas. Porém, a grande dispersão de militares para o lado golpista faz com que Goulart

prefira aguardar os acontecimentos. Enquanto isso, o Congresso Nacional aprova a

declaração de vacância da Presidência da República. Na madrugada de 2 de abril, o

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presidente da Câmara, Ranieri Mazzili, é empossado como presidente da Repúblíca. No

dia 4 de abril, João Goulart ruma para o exílio definitivo, no Uruguai.

A forma como ocorreram os acontecimentos, com a desarticulação total dos focos de

resistência, além da própria decisão do presidente de não resistir, dispensaram uma

eventual intervenção direta dos Estados Unidos no golpe. Havia todo um dispositivo militar

que tinha por objetivo fornecer cobertura aos golpistas em caso de uma resistência

prolongada ao golpe. Essa manobra militar foi denominada "Operação Brother Sam".

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