intr população e saude
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POPULAO E SADE
Se tudo virtual quando a populao est ausente, como sublinham as cincias liga-
das populao, a situao de crise que se vive em Portugal e no mundo remete para a
oportunidade de se valorizar mais uma vez o indivduo nas suas especificidades, produ-
zindo conhecimento e trazendo para discusso os resultados, de forma que as proclama-das reformas estruturais considerem as pessoas que atingem nos mais diversos domnios.
Pode a comunidade de investigadores ajudar a essa reflexo no domnio da populao,
das prticas sociais e dos cuidados de sade, produzindo textos que tragam contributos
com essa finalidade, nas diversas reas de anlise, com relevo para a histria, mas numa
perspetiva transdisciplinar?
Foi com o desafio acima que se lanou a organizao do dossiercom a designaogenrica de Populao e Sade, destinado ao n. 5 da revista CEM, previsto para edi-
o em 2014, em funo do qual chegaram redao mais de duas dezenas de artigos, de
temtica diversificada, que foram, como habitualmente, submetidos a arbitragem cient-
fica e so agora apresentados, agrupados em trs temticas, cujos vetores essenciais de
agrupamento passam, sucessivamente, por abordagens em que a norma, a doutrina e o
nmero, sucessivamente, predominam.
Assim, o primeiro ncleo de artigos abre com um trabalho substancial sobre um
processo de normalizao fundamental o do medicamento, nos anos 40, quando da
transio do processo artesanal para o da produo em srie, obrigando a regulamenta-
o administrativa e controle de qualidade, para cujos efeitos, na perspetiva da defesa da
sade da populao, nasceu a Comisso Reguladora dos Produtos Qumicos e Farma-cuticos CRPQF (1940), cujas atribuies foram marcantes para a nova etapa da hist-
ria da farmcia em Portugal. Seguem-se dois textos, com formas de abordagem prximas,
sobre a evoluo do quadro sanitrio em Portugal: um sobre a trajetria do processo de
ordenamento da sade pblica, delineando as discusses polticas inerentes a esse pro-
cesso e os esforos para uma regulamentao central, buscando-se um cdigo sanitrio,
para culminar depois no Regulamento Geral de Sade e Beneficncia Pblica, publicadoem 1901, obra seminal de Ricardo Jorge; e outro texto sobre a construo da conscincia
sanitria, com base na explorao da literatura mdica e de referncias institucionais,
desde Ribeiro Sanches aos autores dos finais do sculo XIX, tendo como escopo a clarifi-
cao da designada transio epidemiolgica. Surge depois um artigo que nos conduz
discusso sobre a utilizao da enfermagem religiosa nos hospitais portugueses, facto
apresentao
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CEM N. 5/ Cultura,ESPAO & MEMRIA
que suscitou viva discusso em tempos propcios a uma racionalidade laica. Um ltimo
artigo deste ncleo remete-nos para o universo da medicina popular, para o mundo das
resistncias, de solues tradicionais para a o tratamento e conservao da sade, face aos
objetivos de uniformizao e imposio do novo saber mdico, que se configura como
oficial, originrio da Universidade e legitimado pelo poder, criando novos quadros nor-mativos.
Um segundo ncleo de artigos remetem-nos essencialmente para posies e prti-
cas doutrinrias. Um primeiro artigo conduz-se a uma experincia, sustentada pela
maonaria, de aplicao da nova pedagogia e das doutrinas higienistas aos menores
desprotegidos, tendo como campo de anlise o Asilo de S. Joo, no Porto e a sua ao
escolar recuperadora, de natureza laica, em prol da cultura fsica e moral dos interna-
dos. Outro artigo rastreia a produo historiogrfica relativamente ao fenmeno do
antisemitismo e sua relao com o darwinismo social e preocupaes nacionalistas, reco-
nhecendo a observao em Portugal de uma tradio de polticas sistemticas de destrui-o de comunidades e culturas judaicas. Numa outra linha de pesquisa, surge novo artigo
a delinear a influncia da legenda dos santos Cosme e Damio, padroeiros dos mdicos,
atravs da exemplificao com textos portugueses do sculo XVI.
O terceiro ncleo de artigos, em que o nmero ganha realce, procura perspetivar a
populao a partir de indicadores demogrficos e/ou sociais, relativos a tempos histri-
cos e espaos geogrficos diferenciados. O primeiro artigo deste conjunto avalia, atravs
de uma abordagem biodemogrfica, a correspondncia intergeracional da longevidade
na ilha do Pico desenvolvida sobre uma amostra representativa de famlias reconstitudaspara nove comunidades insulares entre os sculos XVIII e XX. Segue-se um texto cen-
trado sobre os efeitos gravosos despoletados pela pneumnica em alguns municpios
do distrito de Viana do Castelo, destacando os sucessivos mecanismos implementados
pelas instituies polticas e sanitrias locais, desde finais de 1918, no sentido de minimi-
zar a propagao da epidemia na regio. Um outro artigo desenvolve, para a parquia
minhota de Espores, aproximaes empricas sobre os nveis de mortalidade infantil e
infantojuvenil observados entre os sculos XVII e XIX em famlias de baixo e alto risco,
seleccionadas em funo do respectivo estatuto social. O quarto artigo desta srie procede
a uma comparao casustica das causas de morte declaradas pelos procos nos registosde bito da freguesia transmontana de S. Dinis, entre 1796 e 1819, com as informaes
veiculadas pela equipa mdica do Hospital da Misericrdia de Vila Real, ambas focaliza-
das sobre a sintomatologia e, raramente, sobre o diagnstico da doena que conduziu
morte. O texto seguinte explora a informao proporcionada por listas nominativas pro-
duzidas no ano de 1828 pelas Companhias de Ordenana, sustentando uma anlise com-
parativa sobre a estrutura dos agregados domsticos nas freguesias do concelho de Cami-
nha, considerando variveis influentes como a envolvncia espacial e as actividades pro-
fissionais predominantes. A partir de idnticas fontes, elaboradas em 1801 e 1830 para a
vila porturia de Paraguan no Brasil, um ltimo artigo caracteriza a situao social e
econmica da populao portuguesa a residente durante o perodo colonial e aps a
independncia, concluindo pela permanncia de um superior estatuto socioprofissional
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relativamente populao autctone, avaliado atravs de indicadores como a natureza
das actividades profissionais, o nmero de patentes milicianas, a posse de escravos e a
implantao da residncia familiar no espao urbano.
Como habitualmente, o volume integra a seco de Varia, no qual se recolhem arti-
gos apresentados redao, embora fora do dossi temtico. Aqui se encontram textosdiversos: sobre as leituras da obra e da personalidade de Ricardo Jorge, sobre o projeto
reformador em torno da revista A guia, sobre a implantao do caminho-de-ferro emPortugal e as instituies mais vocacionadas para essa operao, bem como um texto
sobre a leitura, os livros e as bibliotecas. Insere-se ainda uma significativa e oportuna
entrevista a quem durante largos anos se preocupou institucionalmente com a emigrao
em Portugal a Dr. Manuela Aguiar, ex-secretria de Estado da Emigrao e das Comu-
nidades.
Como habitualmente, um conjunto de recenses a obras recentes publicadas em
reas afins s do CITCEM e outras notcias encerram o presente nmero da revista. Final-mente, uma palavra sentida para a evocao da Prof. Ftima Sequeira Dias, a universit-
ria precocemente falecida, que, apesar da sua vida cheia, integrou o Conselho Consultivo
do CITCEM, aqui recordada num texto de Isabel e Joo Leite.
Jorge Fernandes Alves | Carlota Santos
(Editores da CEM 2014)
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