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Caso 1 – Tema: Os diversos significados da palavra “Direito”. O direito(1) à vida e à saúde é tutelado no direito(2) brasileiro e cabe ao Estado cuidar da saúde e da assistência pública. Com base nestes argumentos, José teve reconhecido o direito(3) a receber medicamentos do Estado para o tratamento de uma doença que contraíra. Realmente, não parece direito(4) deixar um cidadão direito (5) desassistido. Mas nem sempre foi assim: apenas com o passar do tempo, o estudo do direito (6) reconheceu esses direitos (7) sociais, transformando-os em direito (8). Identifique as diversas acepções da palavra “direito” no texto acima, estabelecendo correspondência com os seguintes significados: direito subjetivo, direto objetivo, direito positivo, justo, correto e ciência jurídica. Sugestão de Gabarito: 1. Direito subjetivo; 2. Direto positivo; 3. Direito subjetivo; 4. Justo; 5. Correto; 6. Ciência jurídica; 7. Direito subjetivo 8. Direito objetivo. b) Quando nos referimos ao direito de uma pessoa ou de muitas pessoas, estamos nos referindo a que tipo de direito? Conceitue este direito. Sugestão de Gabarito: Referimo-nos ao direito subjetivo. Dentre outras definições possíveis, podemos dizer que o direito subjetivo pode ser entendido como o poder de submeter alguém a um interesse seu preestabelecido na norma jurídica.

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Page 1: Intr. Estud. Direito Iquestoes Resolvidas.pdf

Caso 1 – Tema: Os diversos significados da palavra “Direito”.

O direito(1) à vida e à saúde é tutelado no direito(2) brasileiro e cabe ao Estado cuidar da saúde e da assistência pública. Com base nestes argumentos, José teve reconhecido o direito(3) a receber medicamentos do Estado para o tratamento de uma doença que contraíra. Realmente, não parece direito(4) deixar um cidadão direito (5) desassistido. Mas nem sempre foi assim: apenas com o passar do tempo, o estudo do direito (6) reconheceu esses direitos (7) sociais, transformando-os em direito (8).

Identifique as diversas acepções da palavra “direito” no texto acima, estabelecendo correspondência com os seguintes significados: direito subjetivo, direto objetivo, direito positivo, justo, correto e ciência jurídica.

Sugestão de Gabarito:

1. Direito subjetivo;

2. Direto positivo;

3. Direito subjetivo;

4. Justo;

5. Correto;

6. Ciência jurídica;

7. Direito subjetivo

8. Direito objetivo.

b) Quando nos referimos ao direito de uma pessoa ou de muitas pessoas, estamos nos referindo a que tipo de direito? Conceitue este direito.

Sugestão de Gabarito: Referimo-nos ao direito subjetivo. Dentre outras definições possíveis, podemos dizer que o direito subjetivo pode ser entendido como o poder de submeter alguém a um interesse seu preestabelecido na norma jurídica.

c) Qual a distinção entre direito e justiça?

Sugestão de Gabarito: Em primeiro lugar, é preciso estabelecer a que direito estamos nos referindo. Aqui o vocábulo tem o sentido de direito objetivo. Justiça, no enunciado, não significa o aparelhamento do Estado para fazer valer o direito positivo, mas tem relação com um ideal, como um objetivo a ser alcançado. Muito embora a justiça guarde relação com o “bem comum”, tem ela, também, um conteúdo interno, subjetivo, no sentido de que cada

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pessoa pode entendê-la de uma forma, dependendo da situação a ser analisada, da época em que o fato se deu e da cultura da sociedade. Há também determinados parâmetros de justiça que transcendem a esfera individual e alcançam uma relativa unanimidade: o fato de se tirar a vida de alguém por crueldade, por exemplo, ofende a ideia de justiça de quase todas as pessoas, seja qual for a sociedade. Ela é uma das finalidades do direito, uma vez que o direito, através de suas normas, busca alcançá-la. Entretanto, o direito pode, eventualmente, abrir mão da justiça, para privilegiar outra de suas finalidades, como a segurança, por exemplo.

Caso 2 – Tema: A finalidade do Direito: controle social, prevenção e composição de conflitos, promoção da ordem, segurança e justiça.

Eleita a Assembleia Nacional Constituinte, senadores e deputados ficaram encarregados de redigir uma nova Constituição para a República Federativa do Brasil. Concluídos os trabalhos, foi elaborado o seguinte preâmbulo, com intuito de demonstrar os propósitos das normas contidas no documento:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

a) A partir do Preâmbulo da CF/88, identifique as finalidades do ordenamento jurídico brasileiro (direito positivo brasileiro).

Sugestão de Gabarito: O aluno deverá identificar que, de uma forma sintética, o preâmbulo da CF/88 desejou conferir à sociedade uma ordem, uma organização a partir de regras jurídicas que contemplassem a justiça, a segurança, o desenvolvimento, tudo em prol do bem comum.

b) Podemos dizer que o direito que regia o Estado Nazista de Hitler (direito positivo alemão de 1940) tinha a mesma finalidade que o nosso ordenamento jurídico? Justifique. O que há de comum entre ambos?

Sugestão de Gabarito: Embora não se tenha à mão o direito alemão daquela época, é possível se ter a noção de que o Estado Nazista cerceou a liberdade de muitos de seus cidadãos, estabeleceu a perseguição aos judeus e instalou a guerra entre diversas nações. Não foi um estado democrático, entre outros motivos, porque estabeleceu distinções raciais e se impôs pela força. Entretanto, seu ordenamento jurídico visava ao desenvolvimento do país, à segurança a partir de regras preestabelecidas, à justiça (sendo certo que esta era vista no

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interesse da raça ariana), tudo em prol do bem comum dos cidadãos alemães (conceituados como tais de modo peculiar).

c) O direito como conjunto sistemático de regras (direito objetivo) se presta a cumprir algumas finalidades. Quais são elas?

Sugestão de Gabarito: O aluno deve concluir que o direito, visto como sistema de normas, tem como fim a regulação da sociedade com o intuito de promover o desenvolvimento, a segurança e a justiça, tendo como foco principal o bem comum.

Questões objetivas

(Repostas Justificadas)

1. As normas éticas se estruturam linguisticamente por meio de:

a) Juízos de valor;

b) Juízos de realidade;

c) Dever-ser;

d) Questionamentos;

e) Ser.

GABARITO: Alternativa c. “Ser” e “dever-ser” são estruturas linguísticas de afirmações. Quando se quer com uma informação descrever uma realidade, uma característica, fazer um juízo de realidade, a frase deve ter a estrutura de “ser”, pois, afinal, estamos dizendo que algo é de uma forma ou de outra. Quando queremos criar ou expressar normas, fazemo-no, necessariamente, por meio de afirmações com a estrutura de “dever-ser”. As normas não querem descrever realidades, mas, ao contrário, regulá-las, modificá-las. As normas dizem que algo deve ser, e não que algo é.

2. É considerada instituição fundamental da sociedade:

a) a igreja;

b) o contrato;

c) a escola;

d) a família;

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e) as associações de bairro.

GABARITO: Alternativa d. A família se constitui numa instituição fundamental, é o pilar da sociedade humana , é o ponto de partida da vida em sociedade.

Caso 1 – Tema: Mecanismos de controle social – Moral e Direito.

Y é garota de programa e costuma “fazer ponto” na rua Eliseu de Brito, em frente ao edifício de número 10. Marcos, residente do mencionado edifício, acredita ser imoral o que ali se passa, pois a moça, embora vestida normalmente, desempenha atividade contrária aos bons costumes da vizinhança. Comunicada a Delegacia Policial mais próxima, determinou o delegado sua retirada imediata do local, mantendo-a presa, em seguida, por 48 horas. Liberada, Y noticiou ao Ministério Púbico o cometimento de crime de abuso de poder por parte do delegado. Alegou que a atividade por ela desempenhada, embora imoral para alguns, não é ilegal, por inexistir qualquer regra jurídica neste sentido.

Dentro dos padrões médios de moralidade, a atividade desempenhada por Y é reprovável? Em caso positivo, há sanção moral que se possa impor a Y por sua conduta? Juridicamente, a atividade de Y é reprovável? Há sanção no plano jurídico para Y em razão de sua conduta? Há, no caso, identidade entre a regra jurídica e a regra moral? Justifique todas as respostas.

Sugestão de Gabarito: Para responder tal pergunta faz-se necessário uma minuciosa observação de como a sociedade encara a prostituição, tendo em vista que os aspectos morais e jurídicos divergem. Dessa forma, levando em consideração a reprovabilidade social, o autor Sérgio Cavalieri Filho conceitua a prostituição:

“Entende-se por prostituição o acesso carnal de forma promíscua e habitual, com fim de lucro ou não. É, em outras palavras, a prática de atos sexuais com número indeterminado de pessoas e de forma reiterada. O que caracteriza a prostituição não é o fim de lucro, como comumente se pensa, mas sim a promiscuidade e a habitualidade dos acessos carnais”. (CAVALLIERI FILHO, Sérgio. Programa de Sociologia Jurídica. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004).

A definição trazida por este célebre jurista revela que a sociedade, de maneira geral, reprova efetivamente a prostituição, considerando-a um ato promíscuo. O próprio conceito da palavra prostituir, encontrado no dicionário, confirma tal premissa, pois seu significado é o mesmo da palavra “degradar-se”.

Contudo, não é necessário, apesar de útil, buscar em grandes juristas ou no próprio sentido da palavra a motivação de sua reprovabilidade, basta cada indivíduo refletir sobre este modo de sobrevivência que, na maioria das vezes, é consequência da violência social, da violência no

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trabalho e de maus-tratos dos próprios entes familiares. Assim, não resta à prostituição outro destino senão o da forte reprovabilidade social.

E é justamente na aprovação ou não de determinada conduta que se encontra o fator diferencial relativo à moral, pois a conduta moral é principalmente espontânea, interior, livre, é aquela que necessita da adesão e da concordância dos indivíduos. Como se percebe, conforme os padrões médios de moralidade, resultante da manifestação livre dos indivíduos, a prostituição é vista de forma reprovável, considerada um ato promíscuo, resultante dos mais diversos tipos de violência.

Resposta: A norma moral não é cogente, pois é livre e mutável, somente interferindo no pensar. É ela alheia à obrigatoriedade, e assim incoercível. A moral não pode valer-se de um poder punitivo e suas sanções são diferenciadas, resultantes da consciência, do remorso, da rejeição social e da vergonha.

As sanções morais não são impostas, elas se passam no íntimo do indivíduo que sofre reprovação da sociedade e até de si mesmo.

Resposta: No plano jurídico existem três posições assumidas pelas sociedades modernas a respeito da prostituição.

Proibicionista: Na qual a prostituição é declaradamente proibida por lei e, dessa forma, considerada conduta criminosa. A maioria dos estados americanos adotaram esta posição.

Regulamentista: Nesta, a prostituição é permitida e regulamentada por lei. É o que ocorre na Alemanha, por exemplo.

Abolicionista: Os abolicionistas são indiferentes à prostituição, não sendo uma atividade proibida e muito menos permitida, contudo tolerada. É a posição adotada pelo Brasil. Em nosso país a prostituição não é considerada uma conduta criminosa, o Código Penal vigente somente considera ilícito o lenocínio, ou seja, a atividade que objetiva a promoção ou o ato de beneficiar-se da prostituição alheia.

Logo, no Brasil, o ato de prostituir-se não é juridicamente reprovável. Contudo, conforme o art. 227 do Código Penal, a indução à satisfação da lascívia alheia através de promessas ou súplicas é considerada crime. Da mesma forma, é considerada conduta criminosa o favorecimento da prostituição (art. 228 do Código Penal), a manutenção de casa de prostituição (art. 229 do Código Penal), o rufianismo, que é a participação direta nos lucros advindos da prostituição (art. 230 do Código Penal) e o tráfico de mulheres, que consiste na promoção ou facilitação da entrada e saída do território nacional de mulheres destinadas a exercer a prostituição. Mas, somente o ato de prostituir-se não é conduta criminosa, logo não é reprovável.

Resposta: Como visto anteriormente, a moral é incoercível, enquanto o direito é coercível, podendo se valer do poder punitivo de uma autoridade pública. Contudo, para que haja

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sanção, deve haver uma norma sancionada e promulgada que tipifique uma determinada conduta como criminosa. Trata-se do Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal, previsto tanto na Carta Magna quanto no Diploma Penal, no qual não há crime sem lei que o defina, nem pena sem cominação legal. Sendo assim, ninguém pode ser punido por fato a lei não considere crime. A conduta criminosa é aquela descrita em lei e reprovada socialmente. Por mais que o fato de Y se prostituir seja reprovável, não há tipificação legal que o considere ato criminoso, não sendo possível a aplicação de qualquer sanção jurídica.

Resposta: Não. A conduta de Y é reprovável de acordo com os padrões médios de moralidade, mas no mundo jurídico não há regra que descreva que sua conduta seja criminosa, não sendo, assim, passível de sanção jurídica. A falta de identidade entre regra jurídica e a regra moral comprova que muitas relações ocorridas sobre égide do Direito, não sendo imorais, são, pelo menos, amorais. Por isso, a Teoria de Claude Du Pasquier ou Teoria dos Círculos Secantes é a que mais se aproxima da concepção real das relações entre o Direito e a Moral, mostrando que existem normas jurídicas com conteúdo moral, mas que também existem normas meramente jurídicas alheias e até mesmo contrárias à moral.

A atitude do delegado é juridicamente reprovável? Em caso positivo, qual a sanção a que ele deve se submeter? É moralmente aceitável que uma autoridade prive alguém de sua liberdade sem motivo para tanto? Em caso negativo, qual a sanção moral para o delegado? Nesta hipótese, há identidade entre a regra jurídica e a regra moral? Justifique as respostas.

Sugestão de Gabarito: Sim, a atitude do delegado é juridicamente reprovável. Ao contrário do que ocorre com a moral, no mundo jurídico sempre haverá reprovabilidade de condutas se estas se encontrarem descritas numa lei, independente da concordância individual ou não. Assim, somente ocorrerá crime, conduta humana passível de sanção jurídica, se essa mesma conduta for típica, descrita na lei como infração penal, e antijurídica, contrária ao ordenamento jurídico por não estar por ele protegida. No caso em tela, o delegado incorre em crime de abuso de autoridade, regulado pela Lei 4.898 de 9 de dezembro de 1965, segundo a qual constitui abuso de autoridade qualquer atentado contra a liberdade de locomoção, e ainda acrescenta, no seu art. 4º, que igualmente incorre em tal crime quem: “ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder.”

Então, nota-se que a conduta do delegado encontra adequação legal, daí se origina a reprovação no campo do Direito.

Resposta: Como já visto anteriormente, o Direito se distingue da Moral, dentre vários aspectos, pela coercibilidade. Coação, se utilizada como característica do Direito, significa a utilização da força no cumprimento das regras do Direito, por isso, no mudo jurídico é comum

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a repartição de competências e poderes, para que determinadas pessoas, revestidas de um poder lhes dado através de leis, possam fazer uso de sua autoridade para que as normas jurídicas sejam cumpridas, assim mantendo-se a paz e o equilíbrio social. Já por sanção entende-se a garantia do cumprimento das regras, ou seja, se um indivíduo infringe determinado preceito, a ele deverão ser impostas determinadas sanções; o indivíduo sofrerá uma punição, e é esta que garante que as regras sejam cumpridas. Enquanto as sanções morais são de foro íntimo, as sanções jurídicas se caracterizam pela sua predeterminação e organização. Assim, em conformidade com o princípio da legalidade e da anterioridade, não existe pena sem prévia cominação legal; as penas devem ser cominadas anteriormente em lei para que o infrator possa ser punido por ela, deve existir uma predeterminação legal e o Estado deve se organizar e se estruturar para que a aplicação da pena seja cumprida conforme os ditames legais. Dessa forma, o delegado que comete o crime de abuso de autoridade sofrerá as sanções penais previstas em lei, são elas: penas privativas de liberdade, penas restritivas de direitos e pena de multa. Contudo, deve-se ressaltar que o Direito não utiliza a força de forma arbitrária e que um indivíduo somente sofre sanções depois que ocorrer o devido processo legal, e que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, pois, antes do trânsito em julgado de uma sentença condenatória, ninguém poderá ser considerado culpado. Todos esses princípios são de tamanha importância que encontram-se protegidos na nossa Lei Maior.

Resposta: Não, não é aceitável moralmente que uma autoridade prive alguém de sua liberdade sem motivo. A norma moral é interior e relativa à consciência individual, dessa forma qualquer ser humano possui consciência da importância da liberdade, do agir por livre e espontânea vontade. Para tanto, basta se imaginar privado dela. A liberdade é um bem tão importante quanto a própria vida, que somente tem sentido se vivida com liberdade. Logo, quando uma autoridade, extrapolando os limites do poder a ela conferido, priva um indivíduo de sua liberdade, age de forma contrária aos padrões morais, que revelam a liberdade como um dos bens mais caros de uma sociedade, ao lado da própria vida e da Justiça.

Resposta: A sanção moral se diferencia da sanção jurídica, porque nesta é utilizada a coação, o uso da força no cumprimento das normas, e naquela inexiste imposição ou obrigatoriedade. As sanções morais podem ocorrer sob dois aspectos: o coletivo e o individual. Levando-se em consideração a coletividade, as sanções morais são extrínsecas ou externas, nos dizeres do mestre Miguel Reale:“são aquelas que se refletem na sociedade, pelo mérito ou demérito que o indivíduo granjeia, em razão ou em função dos atos praticados.” (in REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27.ed. São Paulo: Saraiva, 2003).

São sanções morais externas: a crítica, a condenação, a opinião pública formada em razão da conduta humana, a discriminação, enfim tudo que reflete a autodefesa da sociedade. E serão essas sanções que o delegado que age conforme o caso sofrerá, tendo em vista o sentimento de liberdade como um dos valores mais importantes, comum a todos os indivíduos. Já na esfera individual, as sanções morais resultam do exame de consciência do autor da conduta, que pode ocorrer ou não. Ocorrendo a censura de sua própria atitude, resultará o remorso e o arrependimento. Se o delegado possuir autocrítica, indubitavelmente incorrerá nestas modalidades de sanções, caso contrário, não havendo introspecção, ou até mesmo havendo indiferença ou contrariedade aos padrões morais, o delegado será alheio a elas. Logo, o que se

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pode afirmar é que, necessariamente, ele sofrerá a reprovação social, muitas vezes externada através da opinião pública, de críticas e da discriminação, mas, quanto ao remorso e ao arrependimento, dependerá da sua consciência.

Resposta: Sim, há nesse caso, identidade entre a regra jurídica e a regra moral, pois a liberdade, da mesma maneira que tem sua importância intrínseca à consciência humana, é um bem reafirmado e protegido pelo Direito. O Direito, refletindo a relevância do valor da Liberdade dada pela Moral, cercou este bem de proteção jurídica proporcional. Tanto que é amparada no texto da Constituição Federal, no art. 5º, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”.

Também se permite a utilização de uma garantia constitucional denominada de remédio constitucional para assegurar o gozo deste direito, conforme o art. 5º , LXIII, da Lei Magna:“Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

Dessa forma, percebe-se que tanto a moral quanto ao Direito cercam a liberdade da proteção merecida. Contudo, não é isso que sempre ocorre; nem tudo que se passa no mundo jurídico encontra fundamento na ordem moral. Conforme a teoria do mínimo ético, o direito seria o mínimo de moral obrigatória para a sobrevivência da sociedade. Porém, nem tudo que é jurídico é moral, e esta teoria corresponde a um idealismo.

O direito pode ser inspirado na moral?

Sugestão de Gabarito: Sim, o Direito pode ser inspirado na moral. Desde dos tempos antigos, nota-se a influência da moral no mundo jurídico, assim confirma o autor J. M. Leoni Lopes de Oliveira:

“Efetivamente, se formos às raízes do Direito, verificaremos a influência da moral sobre a nossa ciência desde quando o imperador Justiniano determinou a codificação do Corpus iuris civillis, no qual constava de sua introdução uma invocação à Justiça: “iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi (...). Júris praecepta sunt haec: honestere vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere”, isto é, a justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o que lhe corresponde. Os preceitos da lei são: viver honestamente, não causar dano ao próximo e dar a cada um o que é seu”.( OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Introdução ao Direito. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.)

“Outra expressão do Direito antigo que demonstra o reconhecimento da influência da moral sobre o Direito encontramos em Celso: 'ius est boni et aequi', ou seja, o direito é a arte do bom e do justo, onde arte está a significar habilidade, destreza, donde serem os juristas especialistas ou artesãos do bom e do justo”. (in OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Introdução ao Direito. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.)

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Hoje, o que se nota é, cada vez mais, a introdução de preceitos morais no Direito, buscando o ideal da Teoria do Mínimo Ético. A nossa Constituição Federal, já no preâmbulo, anuncia as finalidades do Diploma Legal repletas de institutos morais:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.

São vários os artigos da Lei Magna de conteúdo moral:

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I- construir uma sociedade livre, justa e solidária”.

“Art. 5º omissis

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.

“Art. 12 omissis

São brasileiros naturalizados os que, na forma da lei, adquiram nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral”.

“Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”

E não é somente no Direito Constitucional que se percebe tal influência, no Direito Civil também:

“Art. 186 – Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

“Art. 187 – Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

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“Art. 1.638 omissis

Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que praticar atos contrários à moral e aos bons costumes”.

“Art. 883 – Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei”.

Entretanto, os exemplos não se esgotam, mas é importante alertar, como já dito em outra oportunidade, que nem tudo que se passa no mundo jurídico é moral, esse é o ideal da teoria do mínimo ético. Na realidade, muito do que ocorre no Direito é simplesmente indiferente à moral (amoral), como no caso de normas meramente administrativas, organizacionais e processuais:

“Art. 18 C.F. – A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.

“Art. 44 C.F. – O poder legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal”.

Uma norma de trânsito, por exemplo, é meramente administrativa e não influi no campo da Moral. Um artigo do Código de Processo Civil que determina que o réu citado deve oferecer contra razões em até 15 dias, também. O mesmo ocorre com o prazo determinado no Código Civil para anulação de contratos que é de quatro anos.

Há, ainda, infelizmente, atos jurídicos que contrariam os padrões morais, assim chama atenção o mestre Miguel Reale:

Existem atos juridicamente lícitos que não o são do ponto de vista moral. Lembre-se o exemplo de uma sociedade comercial de dois sócios, na qual um deles se dedica, de corpo e alma, aos objetivos da empresa, enquanto que o outro repousa no trabalho alheio, prestando, de longe em longe, uma rala colaboração para fazer jus aos lucros sociais. Se o contrato social estabelecer para cada sócio uma compensação igual, ambos receberão o mesmo quinhão. E eu pergunto: é moral? Há, portanto, um campo da Moral que não se confunde com o campo jurídico. O Direito, infelizmente, tutela muita coisa que não é moral. Embora possa provocar nossa revolta, tal fato não pode ficar no esquecimento.

Por isso, a representação mais adequada à realidade da relação entre a Moral e o Direito é de dois círculos secantes ou Teoria de Claude Du Pasquier, na qual se pode observar a existência de normas meramente morais, normas jurídicas de cunho moral e normais meramente jurídicas amorais ou até mesmo imorais.

Diferencie Direito de Moral.

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Sugestão de Gabarito: Conquanto se constituam mecanismos de controle social, Direito e Moral não se excluem mutuamente, não obstante guardarem entre si marcantes e relevantes diferenças. Por intermédio de diversos critérios de diferenciação, pode apontar os seguintes:

Quanto à ordem cronológica:

As normas morais são anteriores às normas do Direito, na verdade, o Direito se origina da Moral e constantemente se alimenta e convive com ela, compartilhando preceitos e recebendo novos preceitos.

Quanto ao cumprimento:

O cumprimento das normas morais é espontâneo, dependendo da adesão do indivíduo que a pratica, sua conduta é livre. O indivíduo age conforme sua própria vontade. Assim, não há que se falar em ato moral forçado, e muito menos de utilização de força no cumprimento de regras morais. Já no caso das normas jurídicas, seu cumprimento é obrigatório e alheio à concordância individual. As condutas descritas nas regras do Direito são exigíveis, por isso a possibilidade de utilização da força para que sejam efetivadas.

Quanto à esfera de atuação:

As normas morais se relacionam ao que se passa no interior do homem, é a valoração da conduta humana em relação ao próprio sujeito; enquanto que o Direito avalia o comportamento humano sob o ponto de vista externo, ou seja, a valoração da conduta em relação aos demais. Isso não significa que o Direito é indiferente ao elemento interno das condutas humanas, pois, ao avaliar o efeito destas nos outros, são avaliadas suas motivações. Não se separam, para a Moral e nem para o Direito, intenção, motivação, vontade e resultado. Elemento interno e externo das condutas caminham lado a lado, o que ocorre é que uma leva em consideração a conduta em si mesmo em relação àquele que agiu e a seus valores, e o outro se preocupa com o resultado da conduta no meio social em relação àqueles que estão convivendo com o agente. Assim confirmam os conceitos de dolo, erro, simulação, fraude, dentre outros; que são peculiares ao Direito e que levam em consideração a motivação, a intenção, a vontade de persuadir, induzir ou de burlar do agente, todos conceitos que se passam na interioridade do ser humano.

Quanto ao procedimento de criação das normas:

As normas jurídicas resultam de um processo de elaboração formal, complexo e rígido: iniciativa legislativa, emendas, votação, sanção ou veto, promulgação e publicação. As normas morais resultam do progresso histórico e cultural da humanidade, que é flexível e mutável.

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Quanto à coação:

Por ser espontânea, livre e, conforme a vontade humana, a moral é incoercível, não há utilização da força no cumprimento de normas morais que dependem exclusivamente da adesão daquele que a pratica. O Direito, ao contrário, é coercível, se vale da força para fazer valer seus mandamentos. Jhering, em seu livro A luta pelo Direito, simbolizava a atividade jurídica com uma espada e uma balança: o Direito não seria o equilíbrio da balança se não fosse utilizada a força da espada.

Quanto à adesão:

As normas de Direito valem objetivamente, independente da adesão da opinião, da pretensão ou do querer de seu destinatário, por isso o Direito é heterônomo. As normas morais só têm sentido se de acordo com a vontade humana, por isso diz-se que a moral é autônoma.

Quanto às relações intersubjetivas:

Tanto a Moral, quanto o Direito são bilaterais. Por mais que a atuação da moral limite-se à interioridade do homem, este não pode ser analisado senão no meio social. Ninguém vive em função de si mesmo e toda conduta, mesmo que moral, repercute na sociedade. Quanto a isso, esclarece de forma brilhante Miguel Reale:

“A sanção na Moral obedece a essa dimensão individual-social do homem, porquanto opera tanto no plano da consciência quanto no plano da chamada consciência coletiva. Há uma reação por parte da sociedade, quando o homem age de modo contrário à tábua de valores vigentes”.( in REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2003).

Para entender a bilateralidade do Direito basta recorrer a sua finalidade. Partindo do princípio que o Direito rege condutas humanas em sociedade buscando a manutenção do equilíbrio social, percebe-se que seu conceito é eminentemente social. Não há que se falar de Direito sem sociedade. Relação jurídica é a relação social prevista no ordenamento jurídico. Por isso o Direito, com sua função primordial de dirimir conflitos entre indivíduos, é essencialmente bilateral.

Quanto à atributividade:

Como vimos, a Moral e o Direito são bilaterais, pois somente são vivenciados dentro do contexto social. Contudo, há um diferencial: na Moral não existe exigibilidade de condutas ou ações e no Direito há. O cumprimento ou descumprimento de normas morais refletem na convivência social, mas não podem ser exigíveis, porquanto espontâneo; enquanto que, no mundo jurídico, há obrigatoriedade de condutas, assim, o direito age entre pessoas (bilateralidade) obrigando-as a determinadas ações (atributividade). Nas palavras do ilustre Miguel Reale:

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“Bilateralidade atributiva é, pois, uma proporção intersubjetiva, em função da qual os sujeitos de uma relação ficam autorizados a pretender, exigir, ou a fazer, garantidamente, algo”.

Quanto à sanção:

As sanções morais são difusas no meio social, podem ser de ordem interior: remorso, o arrependimento, o amargo exame de consciência; e de repercussão externa: crítica, condenação e discriminação. As sanções jurídicas são organizadas, porque o Estado deve se estruturar para efetivar seu cumprimento, e predeterminadas, porque existem anteriormente em leis. São elas, de acordo com o art. 32 do Código Penal, privativas de liberdade, restritivas de direitos e de multa.

Caso 2 – Tema: Mecanismos de controle social - Religião e Direito.

Mário foi acometido de grave doença. Internado num hospital público e praticamente inconsciente, necessita, urgentemente, de uma transfusão de sangue. Seus familiares, alertados do fato, proíbem terminantemente o médico de proceder à transfusão, sob a alegação de que Mário, assim como todos da família, é de uma religião que condena tal procedimento. O médico, por seu turno, ligado às regras do Código de Ética da profissão, acha inaceitável permitir a morte de seu paciente, pois seu dever é o de preservar a vida das pessoas. Receando ser acusado do crime de omissão de socorro por não proceder à transfusão, o médico ingressa em juízo pedindo autorização judicial para tanto.

No caso em exame, a norma religiosa que impede a transfusão de sangue e a norma jurídica que impõe pena à omissão de socorro são normas de conduta? Justifique. Em que consiste a distinção entre ambas?

Sugestão de Gabarito: No caso em exame, a norma religiosa que impede a transfusão de sangue e a norma jurídica que impõe pena à omissão de socorro são normas de conduta? a) Sim, tanto a norma religiosa, quanto a norma jurídica são normas de condutas, porque são normas éticas. Ética é a ciência normativa dos comportamentos humanos valiosos e por isso considerados obrigatórios. Todas as relações entre homens implicam decisões perante a realidade envolvendo juízos de valor. Toda vez que a conduta humana visando à proteção de valores for considerada obrigatória, por adesão do espírito ou por imposição, está-se diante de uma regra ou norma ética. A norma ética se caracteriza pela possibilidade de sua transgressão, e não poderia ser diferente, uma vez que tem como objeto decisões e atos humanos. Contudo, para toda norma ética existe uma sanção peculiar. Sendo assim, toda norma ética (costumeira, religiosa, de trato social, moral ou jurídica) é o limite da atuação da conduta do homem ou a sua diretriz.

Resposta: Ambas são normas éticas por tratarem da conduta humana e da proteção de valores humanos. Aí se encontra a primeira diferença entre as normas religiosas e jurídicas: o bem

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protegido pelas primeiras é o valor do santo, do sacro, ou do divino, é a busca pelo transcendental que complete ou explique a vida, e é com base nestes preceitos que as religiões ditam comportamentos aos indivíduos. Já a norma jurídica visa ao bem social, a superação do bem de cada indivíduo para se alcançar o equilíbrio social. Baseia-se nas relações intersubjetivas, na conduta do homem para com o próximo, ao contrário das normas religiosas que se baseiam na relação indivíduo-divindade. Da mesma forma que ocorre com as normas morais, as normas religiosas são de foro íntimo, ocupando-se daquilo que se passa na consciência individual. Por isso, suas sanções também são o remorso, o arrependimento e o exame de consciência. Externamente, a sanção religiosa pode ser percebida através da discriminação, mas não por parte da sociedade de maneira geral, mas por parte de uma coletividade que possui as mesmas convicções religiosas. No caso do Direito, a conduta humana é avaliada externamente, ou seja, em relação aos demais, e suas sanções são organizadas e predeterminadas, como já vimos. Ambas são obrigatórias: as religiosas por causa da crença de que determinada conduta é a correta perante Deus e as jurídicas por se fazer valer da força através da coação.

Caso Mário estivesse consciente e desejasse descumprir a norma religiosa para salvar-se, haveria alguma sanção a que necessariamente se devesse submeter? Justifique.

Sugestão de Gabarito: Não, no caso de descumprimento de uma norma religiosa não há sanção a que um indivíduo deva necessariamente se submeter. As normas religiosas, da mesma forma que as normas morais, são incoercíveis, não fazem uso da força para se fazer valer. O que ocorre é uma crença na obrigatoriedade de determinada conduta por se achar a mais correta perante os olhos de Deus. Não há imperatividade das normas religiosas, porque uma vez acabada ou transformada a fé, a conduta anterior baseada nela passa a não ter sentido. Desta forma, as sanções peculiares das normas religiosas (remorso, arrependimento, exame de consciência) podem vir a ocorrer ou não, porque dependem daquilo que se passa na psique humana e que é mutável. Não existe ordem capaz de incutir no homem o sentimento de arrependimento ou de remorso. Logo, não há punição obrigatória para aquele que descumpre uma norma religiosa.

Caso Mário viesse a falecer, por não ter havido a transfusão de sangue, e o médico, acusado de omissão de socorro, fosse condenado, haveria alguma sanção a que este último necessariamente se devesse submeter? Justifique.

Sugestão de Gabarito:O caso em tela é assunto de grande divergência no meio jurídico por se tratar de dois direitos de tamanha importância que são constitucionalmente protegidos: o direito à vida e o direito à liberdade de culto. O direito à vida se encontra no rol ilimitado dos direitos personalíssimos, que incidem sobre bens imateriais ou incorpóreos. A existência desses direitos surge juntamente com a Escola do Direito Natural, pois são inerentes à

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personalidade; o positivismo somente reafirma sua importância. O atual Código Civil trata desses direitos no artigo 11 usque 21. Para resolução deste caso concreto, faz-se necessário a interpretação minuciosa do art.11: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.

Daí concluir-se que os direitos da personalidade são intransmissíveis, ou seja, seu detentor não pode transferi-lo; são irrenunciáveis, seu titular não pode dispor dele, desintegrando a sua personalidade e principalmente: seu detentor não tem disponibilidade sobre ele, não podendo limitá-lo de forma voluntária. Os direitos da personalidade protegem a dignidade humana e desta forma são indisponíveis. O caso em análise trata do direito à vida e da proteção do corpo da pessoa. O princípio geral é que ninguém pode ser constrangido à invasão de seu corpo contra sua vontade, mas há limites morais e éticos que são recepcionados pelo Direito, assim confirma o art. 13 do Código Civil atual: “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”.

Assim, conforme as normas supra mencionadas, nenhum indivíduo pode dispor de sua própria vida e muito menos colocar em risco sua integridade física em nome de qualquer crença ou forma de religião. O exercício desses direitos não pode ser limitado nem pelo seu titular, contudo o assunto não se esgota aqui, passemos a analisar o que nossa Lei Maior menciona em relação ao assunto. De acordo com o art. 5o, caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos. Dessa forma confirma o acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça, relatado pelo Desembargador Renan Lotufo: “A Constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência”. (in Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 04, p.299-302).

Por outro lado, a mesma Constituição oferece proteção à liberdade de crença religiosa no art.5º, VI: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Quanto ao assunto, anuncia o autor Alexandre de Moraes:

A abrangência do preceito constitucional é ampla, pois sendo a religião o complexo de princípios que dirigem os pensamentos, ações e adoração do homem para com Deus, acaba por compreender a crença, o dogma, a moral, a liturgia e o culto. O constrangimento à pessoa humana de forma a renunciar sua fé representa o desrespeito à diversidade democrática de ideias, filosofias e a própria diversidade espiritual. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16 .ed. São Paulo: Atlas, 2004).

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Ora, o que ocorre então é um conflito de normas constitucionais no caso analisado, pois ao mesmo tempo em que há proteção à vida, também há proteção à liberdade de crença. Recorremos, então a alguns princípios gerais do Direito. De acordo com o princípio da unidade da Constituição, a interpretação constitucional deve ser realizada de maneira a evitar contradições entre suas normas. Vital Moreira aponta a necessidade de delimitação do âmbito normativo das normas, levando-se em consideração a razão de sua existência, finalidade e extensão. Completando esses princípios, Jorge Miranda propõe a regra de que a contradição deve ser separada, ou por meio da redução proporcional do âmbito de alcance de cada um deles ou mediante sua prioridade e preferência. Em sintonia com esses pensamentos, o autor Alexandre de Moraes aponta a resolução do conflito:

“A Constituição Federal assegura o livre exercício do culto religioso, enquanto não for contrário à ordem, tranquilidade e sossego públicos, bem como compatível com os bons costumes.’ (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16 .ed. São Paulo: Atlas, 2004).

“Obviamente, assim como as demais liberdades públicas, também a liberdade religiosa não atinge grau absoluto, não sendo, pois, permitidos a qualquer religião ou culto atos atentatórios à lei, sob pena de responsabilidade civil e criminal”. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16 .ed. São Paulo: Atlas, 2004).

Logo, se Mário viesse a falecer e o médico fosse condenado por omissão de socorro, indubitavelmente este será submetido a uma sanção. Assim são as normas jurídicas, aqueles que as transgridem serão punidos com sanções predeterminadas em lei, é o direito utilizando-se da coação que nada mais é que a força em potencial. Neste caso específico, o crime se encontra tipificado no art. 135 do Código Penal:

“Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, a criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e eminente perigo, ou não pedir nesses casos, o socorro da autoridade pública”.

Assim, o médico responderá por crime de omissão de socorro, cuja pena é de detenção, de um a seis meses, ou multa, conforme o diploma legal.

A norma jurídica depende da concordância do indivíduo para se fazer valer? E a norma religiosa? Por quê?

Sugestão de Gabarito: Não, a norma jurídica independe da concordância do indivíduo para se fazer valer, por isso é heterônoma, pelo seu caráter alheio à adesão individual. A norma jurídica se efetiva pelo uso da força ou coação, sendo assim imperativa. Já a norma religiosa depende da concordância do indivíduo, por tratar de valores íntimos referentes ao conceito de divino, desta forma o homem somente se vê obrigado a cumprir preceitos religiosos se estes estiverem de acordo com suas convicções.

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Caso 3 – Tema: Teoria Tridimensional do Direito.

José contrata com João a locação de um imóvel por determinado preço. João, locatário, deixa de pagar os valores acordados. José, respaldado na Lei de Locação, entra com ação de despejo cumulada com cobrança dos alugueres em atraso, recuperando, após a decisão do juiz, a posse direta de seu imóvel.

Qual o fato determinante do despejo de João?

Resposta: Para responder esta indagação é necessário entender, preliminarmente, o que é fato jurídico. Na Roma antiga, já se utilizava a seguinte lição: Ex facto oritur jus – Do fato se origina o direito. Contudo, nem todos os fatos geram direitos, somente aqueles valorados pelo homem. Assim, fato jurídico, ou fato gerador ou propulsor, é o fato humano ou natural passível de valoração pelo homem e previsto no ordenamento jurídico. No caso em análise, o fato que determina o despejo é o não pagamento das prestações devidas pela utilização do imóvel.

Como dito anteriormente, para que um fato seja jurídico, deve estar previsto numa norma jurídica, dessa forma, veja-se a norma (Lei de Locações – 8.245/91):

Art.23. O locatário é obrigado a:

I – pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação, legal ou contratualmente exigíveis, no prazo estipulado ou, em sua falta, até o 6º (sexto) dia útil do mês seguinte ao vencido, no imóvel locado, quando outro local não tiver sido indicado no contrato.

Art. 59. Omissis

§ 1º conceder-se-á liminar para desocupação em 15 (quinze) dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a 3 (três) meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo:

I – o descumprimento do mútuo acordo (art. 9º, I), celebrado por escrito e assinado pelas partes e por 2 (duas) testemunhas, no qual tenha sido ajustado o prazo mínimo de 6 (seis) meses para desocupação, contado da assinatura do instrumento.

O que visa a Lei de Locação preservar quando determina o despejo do mau pagador? Justifique.

Sugestão de Gabarito: De acordo com a Teoria Tridimensional, toda norma descreve um fato valorado pelo homem, ou seja, toda norma protege um bem da vida, algo que tenha valor para o ser humano. Entende-se por bem tudo que pode proporcionar utilidade aos homens. A palavra “bem” deriva de bonu, felicidade, bem-estar.

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A Lei de Locações, como todas as normas jurídicas, protege um bem que é tanto o direito à propriedade, também protegido constitucionalmente, quanto o direito de crédito.

Podemos dizer que esta norma contida na Lei de Locação descreve um fato para preservar um valor? Justifique.

Sugestão de Gabarito: Sim, todas as normas jurídicas protegem algo passível de valoração pelo homem, daí deduz-se que normas protegem bens jurídicos, que podem ser materiais ou imateriais.

O que ocorre é o seguinte: Acontece algum fato (humano ou natural) que se encontra previsto no ordenamento jurídico, o que faz dele um fato jurídico, neste ordenamento jurídico existem normas que protegem um valor ou algo passível de valoração pelo homem. Assim, fato, valor e norma se correlacionam mutuamente, e a Lei de Locações também se enquadra nesta dialética de complementaridade.

Caso 4 – Teoria Tridimensional do Direito.

Maria, ao preencher o formulário de adesão ao plano de saúde da empresa Y, omite o fato de ser portadora de hipertensão arterial, com o intuito de ver reduzidas as prestações a ele relativas. Internada às pressas em razão da doença, Maria foi obrigada a passar três dias na Unidade de Terapia Intensiva, o que lhe acarretou elevada despesa. Descoberta a omissão na oportunidade, a empresa Y se negou a ressarcir Maria dos gastos decorrentes da internação, alegando ter ela faltado com a lealdade contratual, exigida por lei. Maria ingressou em juízo pedindo o ressarcimento, mas não logrou êxito com a ação, uma vez que o magistrado acatou os argumentos da empresa.

Que fato retirou de Maria a possibilidade de se ver ressarcida das despesas médicas?

Sugestão de Gabarito: Para uma melhor visualização da resposta à indagação transcrevem-se dois artigos (765 e 766 NCC):

Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar, na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.

Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio.

Ambos os artigos estão em consonância com o art. 422, que trata dos contratos em geral, o qual preconiza:

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Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

É, pois, o princípio da boa-fé expressa exigência contida no Código Civil que repousa sobre os contratantes. Significa este princípio que estes não devem ter comportamento destinado a ludibriar a parte contrária e, a despeito dela, beneficiar-se de maneira indevida.

Na hipótese simulada, o fato que retirou a possibilidade de ressarcimento das despesas médicas foi a conduta torpe de Maria, posto que mentiu ao omitir circunstância pré-existente relevante, que por sai só excluiria a cobertura financeira do seu tratamento.

O que visam preservar os artigos 765 e 766 do Código Civil ao determinar a perda do direito à garantia do segurado, no caso de declarações inexatas que possam influir no preço ou na aceitação da proposta?

Sugestão de Gabarito: Visam ambos os artigos preservar os valores contidos naqueles dois princípios da veracidade (declarar a verdade) e da boa-fé objetiva, que devem presidir as relações contratuais, posto que se requer de cada contratante que, ao contratar, cultivem a mútua confiança e solidariedade.

Podemos dizer que esta norma descreve um fato para preservar um valor? Justifique.

Sugestão de Gabarito: No que se refere ao art. 766, não há dúvida. O fato nele previsto envolve conduta reprovável, diz respeito à conduta inconveniente, podendo-se dizer que em lugar da locução “declarações inexatas” pode-se utilizar “declarações não verdadeiras”.

Os valores que se pretende preservar estão colocados de maneira explícita, a boa-fé objetiva, a veracidade, a honestidade.

QUESTÕES OBJETIVAS

(RESPOSTAS JUSTIFICADAS)

1. Para que haja um fenômeno jurídico, é necessário existir fato, valor e norma. Com a criação da norma, o fato e o valor ficam interligados e entram no mundo jurídico como única coisa. O Direito ilumina o fato relevante. O disposto acima consagra o seguinte:

a) Jus Naturalismo;

b) Jus Positivismo;

c) Teoria Tridimensional do Direito;

d) Teoria dos Círculos Independentes;

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e) Teoria dos Círculos Concêntricos.

Sugestão de Gabarito: A proposição da questão é a própria enunciação sintética da Teoria Tridimensional do Direito. Conforme afirmado anteriormente, somente aqueles fatos passíveis de valoração pelo ser humano, e que possuem um bem jurídico subjacente a ser protegido é que estão inseridos na norma jurídica, mutuamente correlacionados numa dialética complementar.

Marque falso(F) ou verdadeiro (V) para as seguintes afirmativas, justificando as falsas:

a) ( v ) Possui direito subjetivo todo aquele que pode utilizar a garantia do direito objetivo para a realização de um interesse próprio.

b) ( v ) O direito natural é espontâneo, não escrito e informal.

c) ( F) Direito positivo é o direito que independe da vontade humana, pois sempre é escrito.

d) ( F ) O Direito consuetudinário faz parte do Direito Positivo.

e) ( F ) Direito subjetivo é o conjunto de normas jurídicas impostas ao homem com o fim de satisfazer aos seus interesses.

SUGESTÂO:

Justificativa: Nos dias atuais não se aceita esta afirmativa, carregada de tecnicismo, que afasta elementos sociais que influenciam na formulação do direito. O Direito é fato, valor e norma. E, nessa correlação se admite a influência dos costumes e dos princípios gerais de direito. Conforme preconiza o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, ainda que se diga que aquela previsão seja de caráter integrativo da norma jurídica omissa.

Justificativa: O direito subjetivo não é um conjunto de normas jurídicas impostas ao homem, é uma prerrogativa garantida no ordenamento jurídico (normas jurídicas), a alguém de poder, legitimamente, satisfazer seus interesses juridicamente protegidos.

Divisões do Direito. O Direito Natural. O Direito Positivo, o Direito Objetivo e o Direito Subjetivo. Diferenças entre Direito Público Interno e Externo e o Direito Privado Interno e Externo. Principais ramos do Direito Público Interno: Constitucional, Administrativo, Tributário, Penal, Processual Civil e Penal. A questão do Direito do Trabalho. Ramos do Direito Privado Interno: Civil e Comercial. A Unificação do Direito Privado. A Questão da Superação da Dicotomia do Direito Público e do Direito Privado.

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Caso 1 – Tema: Direito Natural.

Conforme noticiado em jornais de grande circulação, a dona de casa Maria das Graças sofreu um derrame em agosto de 2004. Ela teve todo o lado direito do corpo paralisado, não falava e tinha grande dificuldade de compreensão. O médico comunicou à família de Maria das Graças que as sequelas eram permanentes, no entanto, disse-lhes que havia um estudo com a aplicação de células-tronco sendo realizado no Hospital Pró-Cardiáco e na UFRJ. A família concordou que a paciente fosse submetida a este estudo experimental. Com efeito, cinco dias após ter sofrido o derrame, Maria das Graças recebeu o implante de células-troco adultas retiradas da sua própria medula óssea. Em pouco mais de duas semanas, já caminhava, conseguia falar algumas palavras e apresentava bem menos dificuldade de compreensão.

No Direito Brasileiro, não existe norma regulamentadora da hipótese acima, nem tampouco da utilização de células-tronco embrionárias, estando a lei de Biossegurança, que regulamenta tais pesquisas, tramitando lentamente no Congresso Nacional. A demora se deve principalmente à oposição da bancada formada por parlamentares católicos e evangélicos. O projeto prevê que poderão ser usadas em pesquisas células de embriões descartados por clínicas de fertilização in vitro, desde que tenham autorização do casal que gerou os embriões. Para a pesquisa com células-tronco ser liberada, o projeto precisa passar pelo plenário da Câmara. Depois, irá à sanção do Presidente da República. Não há previsão de votação.

Conforme podemos verificar, o Direito Positivo não regulamenta a questão. Seria possível legitimar as experiências com células-tronco embrionárias com base no direito natural?

Sugestão:Embora pertencente ao campo das pesquisas médicas, a questão é de caráter multidisciplinar e está revestida de alta indagação filosófica, religiosa, sociológica e jurídica.

A questão dos embriões não utilizados nas fecundações extra-corpóreas (in vitro), também denominados “embriões excedentes”, ainda é muito incipiente, não existe no Brasil legislação relativa à sua utilização.

Entretanto, essa lacuna não impede que se debata o assunto, inclusive, é curial que assim se faça. O cientista e pesquisador Volnei Garrafa, único representante do Brasil na Sociedade Internacional de Bioética (SIBI) para a América Latina, tem-se manifestado sobre o tema, inclusive denunciando o atraso em que se encontra o país nesse aspecto.

A Constituição Federal, no art. 1º, III, consagrou um dos princípios fundamentais sobre os quais repousa a República Federativa do Brasil, ao tratar da dignidade da pessoa humana. No mesmo diapasão, o Código Civil (Lei n.º 10.406/2002), nos arts. 11 a 22, trata dos direitos da personalidade, protegendo-os.

Duas teorias existem em situação polêmica sobre referidos direitos, a Teoria Naturalista, segundo a qual os direitos da personalidade pertencem ao direito natural reconhecidos ao ser humano pelo simples fato de sua existência, e os que constam reafirmados no direito positivo

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o são em caráter exemplificativo, havendo possibilidade de se reconhecer novos direitos; e a Teoria Positivista, que afirma que os direitos da personalidade reconhecidos estão referidos pelo direito positivo de forma taxativa. (numerus clausus).

Vislumbrando o tema pela ótica do Direito Natural, que consagra o mais importante dos bens da vida, a própria vida, vê-se que utilizados na preservação da vida, na melhoria da qualidade de vida daqueles acometidos de determinadas doenças, e sob um eficiente sistema de controles, não existe óbice que impeça a sua utilização.

Caso 2 – Tema: Diferenças entre Direito Público e Direito Privado.

O estado do Rio de Janeiro locou um imóvel para instalar um órgão administrativo do Governo. No entanto, não vem pagando os alugueres em dia. O dono do imóvel pretende ajuizar ação de despejo por falta de pagamento em face do Estado do RJ. O ente da federação se nega a pagar o aluguel e pretende continuar no imóvel, sob o fundamento do interesse público de que ali está instalada “uma farmácia popular” que vende remédios a um real.

O estado do Rio de Janeiro, nesta relação locatícia, está atuando na qualidade de Estado (quando seus poderes são utilizados tendo em vista o interesse público) ou na qualidade de um particular? Por quê?

Sugestão de Gabarito: Resposta: A proposição faz referência à existência de um contrato de locação disciplinada na Lei n.º 8.245/91, que trata da locação urbana residencial e não residencial. A hipótese se enquadra naquela modalidade de locação não residencial em que os sujeitos da relação estão em nível de igualdade em que são tratados numa relação de coordenação, característica de relação jurídica particular.

Por quê?

Resposta:A relação jurídica se origina das disposições de uma lei ordinária de natureza civil, e o Estado do Rio de Janeiro não está atuando com o jus imperium (com o direito de imposição de sua vontade soberana) conforme previsão contida na legislação de direito administrativo.

Esta relação jurídica está no campo do direito público ou privado? Por quê?

Sugestão de Gabarito: Esta relação é presidida por normas do campo do direito privado, visto ser a Lei n.º 8.245/91, norma destinada a presidir este tipo de relação nitidamente privada, não obstante figurar o Estado do Rio de Janeiro em um dos lados dela, na condição de Locatário.

O que objetivam as regras de direito público? E as de direito privado?

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Sugestão de Gabarito: As regras de direito público são aquelas atinentes aos interesses da coletividade como um todo, e com o direito reconhecido pelo ordenamento jurídico, de imposição de sua soberana vontade, interesses esses protegidos e defendidos pelo ente público como União, Estados, Distrito Federal, Território (quando existir) e os Municípios e também destinadas a presidir relações jurídicas que tratam da atuação daqueles entes de direito público interno com os seus servidores, diz-se, numa relação de subordinação.

As de direito privado destinam-se a disciplinar as relações entre os particulares e seus interesses em um nível de coordenação e igualdade, sem qualquer afetação aos interesses públicos.

Caso 3 - Tema: Diferenças entre Direito Público e Direito Privado.

O Município de Macaé, tendo em vista a realização de obras para a construção de uma estrada para viabilização do escoamento da produção de petróleo, editou um Decreto Expropriatório visando à desapropriação do imóvel onde se localiza a fazenda São Pedro, de propriedade de Antônio Ferreira. Descontente com o ocorrido, Antônio ingressa com ação na justiça estadual na tentativa de preservar seu direito de propriedade. Na petição inicial, Antônio alega que a Fazenda São Pedro está em poder de sua família há quase cem anos e, além disso, possui considerável número de cabeças de gado leiteiro e de corte, não se tratando, portanto, de terra improdutiva. Não obstante a ação intentada, Antônio teve suas terras desapropriadas.

O estado do Rio de Janeiro, nesta relação desapropriatória, está atuando na qualidade de Estado (quando seus poderes são utilizados tendo em vista o interesse público) ou na qualidade equivalente a de um particular? Por quê?

Sugestão de Gabarito:

Resposta: Está atuando na qualidade de ente público tendo em vista que a construção de uma estrada destinada ao escoamento da produção gerará serviços que propiciarão desenvolvimento ao Município.

Porque o crescimento e desenvolvimento com geração de serviços otimizarão a economia local, uma vez que viabiliza a criação de empregos. Na realidade, a atuação do Município, na hipótese, está respaldada na legislação existente, posto que no local passará a existir um logradouro público.

Esta relação jurídica está no campo do direito público ou privado? Justifique.

Sugestão de Gabarito: Está situada no campo do direito público, porque envolve um ente público atuando no interesse público, da coletividade como um todo. Por outro lado, é hipótese prevista na legislação de direito administrativo, que admite a vontade soberana do ente público para a construção de via pública, não importando que a fazenda seja produtiva e seja da família há mais de cem anos.

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Caso 4 – Tema: Dicotomia entre Direito Público e Direito Privado.

Recentemente, integrantes do movimento dos “sem-teto” invadiram um prédio na Barra da Tijuca – Rio de Janeiro. Alegaram não possuir moradia e, tendo em vista estar o imóvel abandonado há muitos anos, levando-se em conta a função social da propriedade, direito reconhecido constitucionalmente, acreditaram ser possível tomar a posse das unidades habitacionais para nelas residirem. O proprietário, por seu turno, ajuizou ação de reintegração de posse em face dos ocupantes, alegando que a propriedade privada também tem proteção constitucional, devendo este direito prevalecer, em razão da garantia da segurança das relações sociais.

O direito de propriedade representa um interesse pessoal ou social? Justifique.

Sugestão de Gabarito:Na hipótese, representa um interesse pessoal o qual a Constituição Federal cerca de garantias, mas que deve cumprir a sua função social.

Representa, também, um interesse social quando determinadas propriedades ociosas não cumprem sua função social e são destinadas pela vontade soberana do Estado (desapropriação) a acolher os desamparados, conforme têm sido os assentamentos dos sem-terra realizados pelo Governo Federal.

A propriedade não mantém apenas relação com o particular, com o indivíduo, com a dimensão estritamente privada. Esta é a ideologia predominante nos países adeptos ao pensamento liberal.

Por outro lado, não se pode aceitar que seja de puro domínio estatal a definição de seu conteúdo, tese a que se filiam os adeptos ao marxismo.

O conteúdo deve resultar de uma conjugação dialética dos dois polos. Nossa Constituição deixa bem registrada esta intenção ao dispor de forma sequencial que “é garantido o direito de propriedade” e “a propriedade atenderá à sua função social”.

Da mesma forma que o exagero do individualismo é nocivo ao corpo social, a dilatação excessiva de valores sociais pode levar à falta de identidade e de autonomia do cidadão como agente operante da história da humanidade.

O direito, através da Constituição, busca contribuir para a efetivação de tais argumentos, não limitando seus conteúdos de forma arbitrária e garantindo o uso da tese para que sejam aplicadas segundo a conveniência e oportunidade políticas mais adequadas, quando, então, o direito confere o seu aval, ratificando as posturas deliberadas.

Neste sentido, em obra publicada pelo Professor, filósofo e padre Bruno Trombetta, encontra-se uma excelente síntese do que parece ser o espírito constitucional sobre a questão da propriedade e sua função social. No livro intitulado “A Igreja, os presos e a sociedade” um

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certo parágrafo registra: “Na riqueza é preciso distinguir a posse do seu uso. A posse é particular, seu uso é universal”.

A legislação infra-constitucional está de acordo com este meio termo, nem tanto público, nem tanto privado – art. 1.210, único do NCC; art. 161, caput do CPB: alteração de limites ; art. 161, § 1º, I do CPB : usurpação de águas; art. 161, § 1º, II: esbulho possessório; art. 163 do CPB: crime de dano, com nítida proteção à propriedade.

Ele encontra proteção no direito público ou no direito privado? Por quê?

Sugestão de Gabarito:Conforme visto anteriormente, a propriedade é um interesse pessoal e social. Sendo um bem de interesse pessoal, é objeto de proteção do direito privado, sendo um bem de interesse social, é objeto do direito público.

Questões objetivas

(Respostas Justificadas)

Júlio, Defensor Público aposentado, requer em juízo o pagamento de uma determinada verba que está sendo paga aos Defensores Públicos que estão na ativa, mas não aos que já se aposentaram. Fundamenta o seu pedido na regra da paridade entre servidores em atividade e aposentados, disposta no artigo 40, § 8º, da Constituição da República Federativa do Brasil, de acordo com o qual: “(...) os proventos de aposentadoria e as pensões serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade(...)”

O pedido formulado por Júlio está fundamentado com apoio no:

a) Direito positivo;

b) Direito natural;

c) Direito processual;

d) Direito autoral;

e) Costume.

Justificativa: O pedido formulado por Júlio fundamenta-se no direito positivo, pois baseia-se em uma norma constitucional, e nessa condição reconhecida pelo Estado. O direito positivo é o conjunto de normas jurídicas ou modelos jurídicos reconhecidos pelo Estado, também denominado de Ordenamento Jurídico. Assim, se um determinado modelo jurídico,

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independente de sua fonte, tem vigência e eficácia garantidas pela sociedade e pelo Estado em um determinado território, é direito positivo.

Assinale a afirmativa correta.

Em relação à divisão do direito, podemos dizer que:

a) São considerados sub-ramos do Direito Público interno, o Direito Constitucional, o Direito Penal, o Direito Administrativo e o Direito Comercial;

b) O direito público é o ramo do direito em que o Estado, pelo interesse social, coordena a vontade das pessoas da sociedade.

c) O grande Mestre Miguel Reale entende que o Direito do Trabalho é sub-ramo do direito privado, uma vez que regula as relações trabalhistas, cujo interesse é individual e particular das pessoas que a compõem, que são o empregado e o empregador;

d) O Direito Penal, como sub-ramo do direito público, é o conjunto de regras e princípios pelos quais se tipificam formas de conduta consideradas criminosas, e para os quais são cominadas penas;

e) O sistema jurídico commow law tem como fonte principal os usos e costumes.

Justificativa: O Direito Penal é sub-ramo do direito público, pois é ele que protege os bens jurídicos mais importantes de uma sociedade. Assim, ao tipificar condutas consideradas criminosas, o Estado visa proteger valores de tamanha importância que extrapola os interesses individuais. Ao praticar determinado crime, por mais que atinja diretamente o bem de um indivíduo, é o Estado, munido de sua soberania, quem pratica a punição, pois é sua finalidade a manutenção da paz e do equilíbrio sociais e a prevenção de crimes.

Fontes do Direito Positivo. Conceito de Fontes do Direito e Classificação. Distinção entre Fontes Materiais (substanciais) e Formais (de conhecimento ou de cognição) do Direito. A Lei. Os Costumes. O Papel da Doutrina e da Jurisprudência no Sistema Jurídico Brasileiro.

Caso 1 – Tema: Fontes Materiais e Fontes Formais do Direito.

Em razão da massificação da produção e do consumo, as grandes empresas perderam, com o passar dos anos, a capacidade de negociar com seus clientes de forma personalizada. A partir deste momento, surgiu o que hoje denominamos de “contrato de adesão”, instrumento cujas cláusulas são pré-definidas e o cliente, simplesmente, adere ao negócio que lhe é proposto. São os contratos realizados para o uso de cartão de crédito, de planos de saúde e tantos

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outros, cada dia mais comuns. A sociedade brasileira vinha notando o abuso das empresas ao incluírem cláusulas em seus contatos que prejudicavam os consumidores. Foi a partir de então que a Assembleia Nacional Constituinte incluiu, na Constituição de 1988, um dispositivo que determinava ao Estado promover a proteção do consumidor, do que resultou, posteriormente, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Com base no acima descrito, indique, justificadamente, a fonte formal e a fonte material do direito do consumidor vigente hoje no Brasil.

Sugestão de Gabarito: Miguel Reale entende ser um equívoco designar a divisão entre fontes materiais e formais do direito, por preferir reservar a expressão fonte do direito somente para os aspectos jurídicos dos fenômenos do direito, por isso afirma que o que se designa como fonte material do direito é o estudo filosófico ou sociológico dos motivos éticos ou dos fatos econômicos que condicionam o aparecimento e as transformações das regras do direito (REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, p. 139/140). Já Paulo Dourado de Gusmão afirma que as únicas fontes do direito são as materiais, pois fonte significa a origem do direito, ou seja, de onde ele provém. São consideradas fontes materiais os fatos econômicos, sociais, demográficos, climáticos etc, que dão o conteúdo das normas jurídicas. São, então, fontes materiais os fenômenos sociais e dados extraídos da realidade social, das tradições e dos ideais dominantes com os quais o legislador resolvendo questões que dele exigem solução dá conteúdo (matéria) às regras jurídicas. Estas configuram as fontes formais do direito, as leis, regulamentos, resoluções, decretos etc. (GUSMÃO, Paulo Dourado de , p. 101/102).

As fontes materiais são não só os fatores sociais, que abrangem os históricos, religiosos, naturais (clima, solo, raça, natureza geográfica do território, constituição anatômica e psicológica do homem), os demográficos, os higiênicos, os políticos, os econômicos, e os morais (honestidade, decoro, decência, fidelidade, respeito ao próximo), mas também os valores de cada época (ordem, segurança, paz social, justiça), dos quais fluem as normas jurídicas positivas. São elementos que emergem da própria realidade social e dos valores que inspiram o ordenamento jurídico. ( DINIZ, Maria Helena. p. 283/284).

As fontes formais, então, são os meios ou formas pelas quais o direito positivo se apresenta na história; os meios através dos quais o direito positivo pode ser conhecido. São as formas de expressão do direito. São os meios ou as formas (lei, decreto, costume etc.) pelos quais a matéria (econômica, moral, técnica etc.) que não é jurídica, mas que necessita de disciplina jurídica, transforma-se em jurídica. (GUSMÃO, Paulo Dourado de. p. 104).

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As fontes materiais decorrem do fato de que o direito não é um produto arbitrário da vontade do legislador, mas uma criação que se lastreia no querer social. É a sociedade, como centro das relações da vida, como sede de acontecimentos que envolvem o homem, que fornece ao legislador os elementos necessários à formação dos estatutos jurídicos. (NADER,Paulo. p.138).

O direito positivo apresenta-se aos seus destinatários por diversas formas de expressão, e as fontes formais, são os meios de expressão do direito; as formas pelas quais as normas jurídicas se exteriorizam, tornam-se conhecidas. Para que um processo jurídico constitua fonte formal, é necessário que tenha o poder de criar o direito, que significa introduzir no ordenamento jurídico novas normas jurídicas através dos órgãos capazes de elaborá-las. (NADER, p. 139).

Assim, os fatos da massificação da produção e do consumo constituem as fontes materiais, enquanto que o dispositivo constitucional e, posteriormente, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor constituem as fontes formais do direito.

Caso 2 – Tema: Jurisprudência como Fonte do Direito

O ônibus da Companhia X bateu de frente como caminhão da Empresa de Transporte Y, que invadiu a contramão de direção. Vários passageiros do ônibus ficaram gravemente feridos, pelo que ajuizaram ação de indenização em face da Companhia X. Em defesa, esta alegou culpa exclusiva do motorista do caminhão, que invadiu a contramão de direção. A sentença julgou procedente os pedidos, com base na súmula 187 do Supremo Tribunal Federal, que diz: “A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.” Argumentou, ainda, que esta súmula foi transformada em texto legal no artigo 735 o novo Código Civil.

O que é uma Súmula?

SUGESTÃO DE GABARITO: Súmulas são enunciados normativos que resumem as teses consagradas em reiteradas decisões dos tribunais superiores - STF e STJ. (REALE, p. 175).

A jurisprudência do STF pode ser considerada fonte formal do direito? Justifique.

SUGESTÃO DE GABARITO: A jurisprudência é o conjunto de normas emanadas dos juízes em sua atividade jurisdicional. (DINIZ, p. 292). Há divergência quanto a incluir a jurisprudência como fonte formal do direito. Para autores como Orlando Gomes, Caio Mario da Silva Pereira e Serpa Lopes a jurisprudência não pode ser considerada como fonte formal porque o juiz é o servo da lei, a função criadora da norma jurídica cabe somente ao Poder Legislativo, sendo atribuição do Judiciário somente aplicá-la e interpretá-la. (OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de , p .177) somando-se a isso o fato de a decisão somente produzir efeitos entre as partes.

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Todavia, a maioria da doutrina considera a jurisprudência como fonte formal do direito, já que ela é o processo ou atividade jurisdicional do Estado no exercício de aplicar o direito, que se expressa através dela. A obra dos tribunais, havendo uma série de julgados que guarda entre si certa continuidade e coerência, converte-se em fonte formal do direito, de alcance geral, pois suas decisões se incorporam na vida jurídica, sendo consideradas pelas pessoas e passando a integrar o direito vigente sob a denominação de jurisprudência. (DINIZ, p. 293).

Desta forma, pode-se entender a jurisprudência do STF como fonte formal do Direito, uma vez que é uma das formas de expressão daquele.

Podemos afirmar que a jurisprudência se constitui em fonte do direito no momento em que o juiz a levou em conta para decidir a questão? Por quê?

Sugestão de Gabarito: A jurisprudência tem a função de orientar, informar, possuindo autoridade científica; os juízes de instâncias inferiores não têm o dever de acompanhar a interpretação hermenêutica dos tribunais superiores. A interpretação do direito há de ser um procedimento intelectual do próprio julgador.

Hoje, no entanto, vige a Emenda Constitucional n° 45, de 08 de dezembro de 2004, que alterou o artigo 102 da CRFB, ao inserir, em seu parágrafo segundo, que as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo STF, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. E o artigo 103 , que faculta ao STF, de oficio ou por provocação, mediante a decisão de 2/3 dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula, que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do poder judiciário e da administração pública direta ou indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. Em seu parágrafo primeiro, afirma que a súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia das normas determinadas acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciais ou entre esses e a administração pública, que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

Embora não se possa afirmar, tendo em vista o caráter legislativo de nosso sistema jurídico, que o direito é o que os tribunais dizem ser em seus pronunciamentos, como fazem os propugnadores escandinavos e anglo-saxônicos do realismo jurídico, é inegável o papel relevantíssimo exercido pela jurisprudência reiterada em determinado sentido na configuração do material jurídico positivo e consubstanciado nas decisões judiciais. (GUERRA FILHO, Willis Santiago. p. 107).

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A interpretação feita pelos tribunais dos artigos de lei é fonte do direito (inspiram a criação de normas jurídicas) ou representam meios de integração do direito (ajustam normas existentes às situações concretas postas em juízo)?

Sugestão de Gabarito: A jurisprudência, muitas vezes, inova em matéria jurídica, estabelecendo normas que não estão contidas estritamente na lei, mas resultam de uma construção obtida graças à conexão de dispositivos, até então considerados separadamente, ou, ao contrário, mediante a separação de preceitos por largo tempo ligados entre si. Nessas oportunidades, o juiz compõe, para o caso concreto, uma norma que vem completar o sistema objetivo do direito. (REALE, p. 168). O juiz pode também atualizar o sentido possível da lei, ajustando-as as circunstâncias e contingências do momento. (REALE, p. 170). O juiz, ao aplicar a norma, não age como um autômato, mas, ao interpretá-la e aplicá-la à realidade social que está julgando, indiscutivelmente está criando direito. (OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de . p.178). A tarefa dos juízes e tribunais, ao aplicar o fato à norma gera,l possui índole político-jurídica. Isso porque a norma geral a ser aplicada é mera moldura dentro da qual surge a norma jurídica individual, em virtude da eleição de uma das possibilidades contidas na norma geral. (DINIZ, p. 298).

A função criadora do poder judiciário desenvolve-se pela interpretação, integração e correção, que são instrumentos dinâmicos na criação jurisprudencial, tendo por escopo reavaliar a axiologia que informa a ordem jurídico-positiva. A atividade jurisdicional é um fato de continuidade do ordenamento jurídico por colocá-lo em funcionamento, assegurando a realização dos princípios, dos fatos e dos valores que o fundamentam: um fator de evolução por fazer com que a ordem jurídica se reajuste, adaptando-se aos fatos no tempo, e um fator de progresso, por redescobrir a fonte de cognição que lhe fornece a seiva vivificante e contribuir para o desenvolvimento e seu aperfeiçoamento conjunto. (DINIZ,p. 300).

Caso 3 – Tema: Costume como Fonte do Direito.

O GLOBO – Sábado, 04 de dezembro de 2004, p.1.

Manchete: FISCALIZAÇÃO DE INSULFILM NÃO REPROVARÁ VEÍCULOS

Os motoristas do Rio não precisarão mais correr para retirar o insulfilm irregular de seus veículos. O presidente do Detran, Hugo Leal, decidiu ontem estender por tempo indeterminado o caráter apenas educativo da verificação da transparência das películas. Com isso, mesmo os veículos que estiverem fora dos índices de transparência estabelecidos pela norma do Conselho Nacional de Trânsito não serão reprovados na vistoria de 2005. Pelo menos por enquanto, os motoristas estarão livres da multa de R$ 127,90.

A decisão foi tomada depois da reunião, anteontem, no Departamento Nacional de Trânsito, em Brasília, da qual participaram presidentes de todos os Detrans do país e autoridades

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municipais de trânsito. Segundo Hugo Leal, ainda não houve consenso sobre a aplicação da norma. O presidente do Detran do Rio decidiu que só aplicará a multa ao final das discussões nacionais (...).

A movimentação da sociedade no sentido de instalar película insulfilm nos veículos, com o fim de garantir sua segurança, é um fato social de prática reiterada, de aceitação comum e de conhecimento de todos, porém contrário à lei.

No entanto, diante do noticiado na matéria jornalística acima, é correto dizer que os costumes contra legem podem revogar a lei?

SUGESTÃO DE GABARITO: Os costumes contra legem caracterizam-se pelo fato de a prática social contrariar as normas de direito escrito. (NADER, p.154). Estabelecem normas contrárias às estabelecidas pela lei ou que tornam usual a não aplicação de uma lei (desuso). O costume contrário à lei, no sistema em que a lei é a fonte principal do direito, como o brasileiro, não tem juridicamente validade. (GUSMÃO, Paulo Dourado de .p. 121).

Apesar de haver divergência doutrinária quanto à sua validade, é pensamento predominante o de que a lei só pode ser revogada por outra. (NADER, p. 154). Dois argumentos sustentam a permanência em vigor das leis em razão dos costumes contra legem: um de caráter político e outro fundado na hierarquia das fontes formais do direito. Em relação ao primeiro, o costumecontra legem seria uma forma de participação do povo na elaboração da ordem jurídica, funcionando como válvula moderadora. O segundo garante primazia à lei sobre os costumes, uma vez que é princípio incontestável decorrente da organização política atual que a lei só se revoga por outra lei. (NADER,p. 160/161). O fundamento legal para a defesa de tais idéias é o artigo 2° da LICC. Pode-se afirmar que a problemática do costume contra legem é de natureza política e não jurídica, pois se trata de uma questão de colisão de poderes.

Apesar de, na sociedade moderna, se reconhecer expressamente nas legislações de quase todos os sistemas jurídicos a impossibilidade de se admitir o costume derrogatório (contra legem), bem como de tal fato ser afirmado pela doutrina, não se deve esquecer que, na realidade social, tal fato ocorre, não sendo aconselhável ao estudioso do direito negar tal realidade. (OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. p. 175).

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Caso 4 – Tema: Costume como Fonte do Direito.

João foi multado por estar dirigindo seu veículo sem fazer uso do cinto de segurança. Para evitar “ganhar pontos na carteira”, interpõe recurso administrativo, alegando que é costume da população a não utilização do cinto de segurança. Acredita, assim, que tal costume teria revogado a lei, uma vez que esta não conta com a aceitação da sociedade.

Decida a questão, levando-se em conta os costumes como fonte do direto.

SUGESTÃO DE GABARITO O costume continua desempenhando função relevante na experiência jurídica de nossos dias, não sendo, porém, igual o seu papel em todas as

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disciplinas. Verifica-se uma força maior do direito costumeiro em certos ramos do direito ou para a solução de determinados problemas. (REALE, p. 159).

Isso ocorre em razão de que, por mais extensa que seja a lei em suas generalizações, nunca poderá conter toda a infinidade de relações emergentes da vida social, que necessitam de uma garantia jurídica devido à exuberância da realidade, tão variável de lugar para lugar, de povo para povo. Por isso, ante a insuficiência legal, é mister manter a seu lado, quando for omissa e quando for impossível sua extensão analógica, as fontes subsidiárias do direito que revelam o jurídico. (DINIZ,p. 301).

Ele tem vantagens e desvantagens. Corresponde melhor à realidade social e ao sentimento de justiça e coletividade. Modifica-se com a mudança do contexto social, mais rapidamente do que se fosse obra do legislador. Acompanha, portanto, mais de perto as transformações sociais do que a lei. Porém, não estando contido em um texto, é de conhecimento difícil. Daí depender de prova e daí a sua incerteza, a não ser quando compilado. (GUSMÃO, p. 120).

Sobre o tema central, validade ou não da lei em desuso, a solução deve ser gerada pelos dois valores supremos do direito: justiça e segurança. Como justiça não pode haver sem a segurança, o centro de gravidade do problema reduz-se aos critérios de segurança jurídica. Onde estaria a segurança da sociedade? Nas leis que ninguém cumpre e os órgãos públicos rejeitam, ou nos costumes, que criaram raízes na consciência popular? A verdade não se localiza nos grandes extremos. A lei em desuso é um mal que não oferece soluções ideais. Daí validade à lei abandonada, esquecida pelo povo e negligenciada pelo próprio Estado, seria um ato de violência e que poderia provocar situações por demais graves e incômodas. A adoção de um critério absoluto de revogação da lei pela desuetudo, de igual modo atenta contra os princípios de segurança da sociedade. As leis de ordem pública, que resguardam os interesses maiores da sociedade, devem estar a salvo de convenções em contrário e da negligência dos órgãos estatais. As parcelas de responsabilidade na prevenção dividem-se entre os poderes da República – Legislativo, Executivo e Judiciário – que têm na lei o seu grande elo. (NADER, p. 162/163).:

Questões objetivas

(respostas justificadas)

1) Assinale a afirmativa correta:

I.A norma jurídica é abstrata porque procura atingir o maior número de pessoas possíveis, que se encontram na mesma situação jurídica, daí decorrendo o princípio da isonomia;

SUGESTÃO DE GABARITO: Verdadeira. Visando atingir o maior número possível de situações, a norma jurídica é abstrata, regulando os casos dentro do seu denominador comum, ou seja, como ocorrem via de regra. Se o método legislativo pretendesse abandonar a abstratividade em favor da casuística, para alcançar os fatos como ocorrem singularmente com todas as suas variações e matizes, além de se produzir leis e códigos muito mais extensos, o legislador não

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lograria o seu objetivo, pois a vida social é mais rica do que a imaginação do homem e cria sempre acontecimentos novos e de formas imprevisíveis. (NADER, p. 85).

II. O direito e a moral, além de se relacionarem em alguns fatos da sociedade, conforme explica a Teoria do Círculos Secantes, de Du Pasquier, tem como característica a heteronomia.

SUGESTÃO DE GABARITO: Falso. As normas de direito são postas pelo legislador, pelos juízes, pelos usos e costumes, sempre por terceiros, podendo coincidir ou não os seus mandamentos com as convicções que as pessoas têm sobre o assunto. Pode-se criticar as leis, mas deve-se agir de conformidade com elas, mesmo sem lhes dar adesão de nosso espírito. Isto significa que elas valem objetivamente, independentemente, e a despeito da opinião e do querer dos obrigados. Essa validade objetiva e transpessoal das normas jurídicas, as quais se põem acima das pretensões dos sujeitos de uma relação, superando-as na estrutura de um querer irredutível ao querer dos destinatários, é o que se denomina heteronomia. Foi Kant o primeiro pensador a trazer à luz essa norma diferenciadora, afirmando ser a moral autônoma e o direito heterônomo. O direito é heterônomo, visto ser posto por terceiros aquilo que juridicamente somos obrigados a cumprir. (REALE, p. 48/49).

III. Quanto às fontes do direito, na visão do ilustre Mestre Paulo Dourado de Gusmão, o Tratado Internacional é fonte infra-estatal.

SUGESTÃO DE GABARITO: Falso. Há fontes do direito que estão acima do Estado, ou seja, fontes supra-estatais do direito, independentes do consentimento do Estado, como por exemplo, os costumes internacionais e fontes dependentes desse consentimento, como os tratados e convenções internacionais. (GUSMÃO, p. 133).

IV. Fontes estatais são aquelas constituídas por normas escritas, vigentes no território do estado, por ele promulgadas.

SUGESTÃO DE GABARITO: Verdadeiro. As fontes estatais do direito são constituídas de normas escritas, vigentes no território do Estado, por ele promulgadas, no qual têm validade e no qual são aplicadas pelas autoridades administrativas ou pelas judiciais. (GUSMÃO, p. 109).

a) As afirmativas I e II estão corretas;

b) Somente a afirmativa II está correta;

c) As afirmativas III e IV estão corretas;

d) Somente a afirmativa IV está correta;

e) Somente as alternativas I e II estão incorretas.

2) Marque falso (F) ou verdadeiro (V) para as seguintes afirmativas, justificando as falsas:

a) ( F ) Direito objetivo é a faculdade ou poder reconhecido ao titular do direito. É o poder ou faculdade de exigir de uma pessoa uma prestação capaz de satisfazer ao interesse legítimo.

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SUGESTÃO DE GABARITO: o direito objetivo é o complexo de normas jurídicas que regem o comportamento humano, prescrevendo uma sanção no caso de sua violação. Direito subjetivo é a permissão dada por meio de norma jurídica válida, para fazer ou não fazer alguma coisa para ter ou não ter algo, ou ainda, a autorização para exigir, por meio dos órgãos competentes do poder público ou através dos processos legais, em caso de prejuízo causado por violação de norma, o cumprimento da norma infringida ou a reparação do ma sofrido. (DINIZ, p. 244).

b) (V) Direito Natural é o conjunto de princípios que atribuídos a Deus, à razão, ou havidos como decorrentes da natureza das coisas, independem de convenção ou legislação, e que seriam determinantes, informativos ou condicionantes das leis positivas.

c) (V) Direito positivo é institucionalizado pelo Estado. É a ordem jurídica em determinado lugar e tempo.

d) (F) A doutrina pode ser compreendida como um conjunto de ideias enunciadas nas obras dos jurisconsultos sobre determinadas matérias jurídicas. Isto significa dizer que, sendo o direito científico, a doutrina cria direitos e deveres para todos os cidadãos.

SUGESTÃO DE GABARITO: Os modelos doutrinários envolvem as fontes de direito desde a emanação das normas, isto é, desde o momento da produção de modelos jurídicos prescritivos até o momento de interpretação e aplicação desses modelos, os quais representam o “conteúdo significativo” produzido ou revelado pelas fontes. Sendo assim, a lei, que é a fonte mais geral do direito, não pode atingir a sua plenitude de significado sem ter, como antecedente lógico necessário, o trabalho científico dos juristas e muito menos se atualizar sem a participação da doutrina. No entanto, a doutrina não estabelece normas (direitos e deveres) por ser-lhe próprio apenas determinar em que consiste o significado das disposições produzidas pelas fontes do direito. (REALE, p. 177/178).