intervenÇÕes urbanas: a presenÇa da pichaÇÃo na paisagem da cidade de sÃo paulo
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7/29/2019 INTERVENES URBANAS: A PRESENA DA PICHAO NA PAISAGEM DA CIDADE DE SO PAULO
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INTERVENES URBANAS:
A PRESENA DA PICHAO NA PAISAGEM DA CIDADE DE SO PAULO
Rosane CantanhedeMestra em Cincia da Arte/UFF
Professora de Educao Artstica do ensino mdio tcnico edo curso de ps-graduao Lato Sensu
Instituto Federal de Educao Cincia e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ),Campus So Gonalo
GT: Para alm da paisagem: o corpo e as novas formas de habitar e conviver.
Palavras-chave: Artes Visuais, Arte Urbana, Grafite, Pichao.
Escrita Urbana - Reflexos do Caos
Desde a ltima dcada do sculo XX a pichao cresceu nas cidades brasileiras
em propores epidmicas e, a exemplo do que aconteceu em Nova York nos anos
1970, vem sendo encarada como um problema insolvel para os governos municipais.
Os motivos desse fenmeno apontam para o crescimento desordenado dos centros
urbanos nos pases da Amrica Latina e para a m distribuio da renda que agravaram
as diferenas sociais na maioria das grandes cidades brasileiras desde os anos 1980.
O eixo Rio-So Paulo passou a abrigar uma populao marcada por conflitos sociais
e por uma poltica excludente que veio provocar um crescimento catico em reas
perifricas da cidade. Se considerarmos a populao no incio do sculo XX no Brasil
apenas 10% concentravam-se em cidades e a grande maioria em comunidades de reas
rurais; atualmente essa porcentagem subiu para cerca de 60 ou 70%. (CANCLINI,
2006:285) Segundo o pesquisador Jos Manuel Venezuela Arce, na dcada de 1990, 9%
da populao urbana brasileira se encontrava abaixo do nvel de pobreza absoluta. O
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autor ressalta que as favelas desenvolveram-se com a primeira dcada (do sculo XX),
e a urbanizao foi incorporando de maneira crescente afro-brasileiros que haviam
acabado de obter sua libertao com a abolio da escravatura, no final do sculo
XIX. (1999:27)
O processo de favelizao, seja ela vertical ou horizontal, provocou um fosso
entre as classes sociais, concentrando nessas reas uma populao que sobrevivia com
baixas remuneraes, subempregos e trabalho informal. As grandes cidades brasileiras
na dcada de 1990 viveram a escalada do crime organizado que girava em torno do
trfico de drogas. O problema da violncia urbana e a intolerncia da populao face ao
cenrio de crescente favelizao geravam um clima de insegurana para a populao
jovem que, segundo Arce, define expectativas de vida e opes prematuras de morte.(1999:31) O autor elenca algumas expresses juvenis, dentre estas o grafite, que se
destaca como uma resposta ao cenrio urbano marcado por problemas econmicos, pela
violncia e pela ausncia de oportunidades a estes jovens. Os agravantes dizem respeito
s reas de circunscrio desses jovens, aonde os conflitos socioeconmicos e de
violncia, seja por parte do poder pblico, seja nos micro ncleos do crime organizado,
predominantemente voltado ao trfego de drogas, faz com que essa forma de expresso
se manifeste de forma marginal, estendendo suas aes para alm dos limites decircunscrio em busca por outros territrios da cidade.
Nota-se que em So Paulo h uma maior concentrao de pichadores em regies
da cidade em que a paisagem destituda de qualquer atrativo, fato que impulsiona
ainda mais o interesse desses jovens para uma reconfigurao da paisagem local. o
caso de HOMENS PIZZA SAM de Diadema i que picha desde 1991, e relatou no
documentrio Escrita Urbana, 3, os motivos que o levaram a aderir pichao:
A gente morava num lugar bem humilde e no tinha muito com o que se
divertir, e como na minha rea tinha muito pichador, agente ficava olhando
e admirava. Para ns, os desenhistas de hoje em dia, como o Maurcio de
Souza, na poca eram os pichadores. E na escola tambm havia muita
pichao. Como sempre me interessei por artes me interessei pela pichao.
No s eu como vrios amigos que hoje em dia fez, faz, e outros pararam.
Tem os que trabalham e ganham dinheiro com isso por causa da pichao, e
tem pessoas que tiveram muitos problemas por causa da pichao, finadosii...
eu sempre gostei de desenhar, mas no tinha curso, estudo, nada, a me
interessei. (ESCRITA URBANA 3, 2007)
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Como um grito que expe sociedade essa realidade, os jovens marcam o
percurso de seu pertencimento social de forma a se fazer presente em reas de maior
fluxo urbano como nas regies centrais das grandes cidades, objetivando atrair o olhar
do pblico, que normalmente se mostra indiferente para essa realidade. Por sua vez, so
encarados pela sociedade como vndalos, marginais, selvagens, rebeldes, a tribo dos
guerreiros escribas underground, predominante e crescente na bolsa amnitica da
periferia (DJAN, CAU, 2011); isto se deve ao fato da pichao se manifestar como
uma expresso visual com caractersticas transgressoras, partindo de intervenes que
vo de encontro s leis sociais.iii Sem interesse em estabelecer um canal de
comunicao, a pichao, em So Paulo, permanece voltada para agredir a
sociedade, afirma o fotgrafo Choque Photosiv.
Pichao - Profisso Perigo
Encarada como esporte, diverso, ou meio de fazer amigos, muitos grupos de
jovens esto aderindo pichao de forma crescente, imprimindo suas marcas em reas
perifricas e central da grande So Paulo. Nota-se que a diversidade de interesses vem
contribuindo para que essa forma de interveno esteja em toda parte. Pichar no espaourbano , na definio dos prprios pichadores, uma profisso perigo. Representa uma
carreira que pode ser curta, que envolve muita adrenalina e um estado de constante
apreenso. H uma linha frgil que separa as simples expresses urbanas da
criminalidade, e a ultrapassagem desses limites pode provocar a sada de muitos, ou
porque so pegos pela polcia, ou devido morte em acidentes durante as intervenes.
Observa-se que houve uma transformao nas intervenes urbanas atravs da
pichao paulista do incio da dcada de 1970 aos dias atuais. Segundo Celso Gitahy,essa transformao divide-se em quatro fases com entrelaamentos entre essas etapas
ainda nos dias atuais.
A primeira fase caracteriza-se pela estratgia do bombardeamento de uma
determinada marca, logo ou signo que se apoia no maior nmero possvel de
intervenes. necessrio observar que o procedimento baseado na repetio, seja de
signos ou de imagens, perpassa a todas as quatro fases, tanto na pichaov como no
grafitevi
, sendo normativa para garantia de sucesso e reconhecimento dos que executamessas intervenes.O bombardeamento de uma determinada marca quando esgotado em
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seu territrio, regio ou cidade pode se estender a outras reas fora dos limites de
circunscrio desses grupos, podendo chegar a outras cidades e inclusive a outros
pases.
A segunda fase marcada pelas disputas territoriais entre as gangs, famliasvii
ou crews (grupos), quando cada coletivo cria seu nome e desenvolve sua marca de
identificao a fim de se fazer reconhecer. Surge ento logos (tags) em uma tipologia
especialmente elaborada com fins de marcar o estilo da assinatura dos grupos. De modo
que, cada rea da cidade apresenta intervenes que identificam as famlias de
pichadores locais, cujos nomes quase sempre dizem respeito a fatos e vivncias de seus
membros fundadores.viii
Existe uma tradio na pixaoix
paulista, cada turma tem uma letra padro
como um slogan de uma empresa, ento cada integrante que entra na turma
tem que seguir aquele padro de letra, mas com o tempo cada integrante
acaba deixando um DNA dele naquela letra padro da turma. Por exemplo,quem inventou a letra padro do CRIPTA foi o fundador da turma CBR, mas
como ele parou por volta de 1999, eu continuei de 2000 pra c, e todo
processo criativo passa por minhas mos, e das minha mos passara para os
novos integrantes da turma. Esse tambm um ciclo natural da pixao,
como um crculo vicioso que se renova a cada gerao. (DJAN, C. ementrevista a autora via e-mail, em: 24 jan. 2011)
A terceira fase, e a mais perigosa, caracterizada pelo surgimento de pichaes
no alto dos edifcios ou picos. Foi quando os pichadores deixaram o asfalto e
arriscaram-se em intervenes cada vez mais ousadas em busca de visibilidade e espao
na mdia.
Por fim, a quarta fase, que tambm integra as trs anteriores, refere-se
expanso da pichao, e ao crescimento do nmero de adeptos em intervenes cada
vez mais arriscadas e desafiadoras, estes agem estimulados pela ideia de
reconhecimento e visibilidade nas mdias impressas e telemticas. A despeito do apelo
da fama e visibilidade, o interesse pela pichao apresenta-se como uma opo por
intervenes mais rpidas e diretas, que envolvem riscos, muita ousadia e preparo
fsico.
CRIPTA DJAN, em depoimento no documentrio PixoAo (2011), descreve
esse processo de transformao, inicialmente se pichava no baixo, ou subia no alto e
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fazia um picox. Com a evoluo, surgiram as escaladas no primeiro andar das
janelas, depois em cima das janelas, tambm era raro o p nas costasxi
. Hoje em dia
j fazem trs em p. DJAN enumera as categorias e principais alvos da pichao
paulista:
Existem vrios alvos para pixadores na cidade, alguns preferem pixar em
locais menos arriscados como muros e portas, outros preferem se arriscarmais pixando topos e fachadas de casas e prdios, ou escalando prdios e
janelas pelo lado de fora. No caso da CRIPTA nossa turma sempre se
destacou mais pelo risco das escaladas e janelas, e as invases para pixar os
topos dos prdios.Alguns alvos so previamente estudados, outros acabamsurgindo durante a madrugada, muitas vezes vamos com mais de um alvo em
mente no rol, e quando um deles ou nenhum d certo acabamos
improvisando e pixando o que aparecer pela frente. xii
(Entrevista a autora via e-mail, em: 24 jan. 2011)
Figuras 1e 2: Escaladas janelas e Trs em p. Foto da autora.Fonte: Vdeo Escrita Urbana 2, 2004.
O carter efmero dessas intervenes no permite sua conservao no espao
pblico, mesmo assim, alguns pichadores costumam datar suas intervenes para serem
reconhecidas, principalmente quando so executadas em locais perigosos e de difcil
acesso. Para o pichador MAX, o bom da data que o cara t fazendo hoje, e vai
colocar a data, amanh ele passa, e caramba, vai t l. Ento o passado que vai t
presente. (ESCRITA URBANA 3, 2007)
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Escrita Urbana
Signos grficos repetem-se em curtos espaos sobre as superfcies da arquiteturaurbana transformando suas fachadas, reconstruindo-as em uma segunda pele que se
forma, descartando a informao de origem. Foi assim que surgiram as escritas de rua
inspiradas na verticalidade da cidade de So Paulo, reforadas pelos picos e pelas
escaladas que ao mesmo tempo desenvolveram uma maneira particular de interferir
nos espaos verticais dos prdios da cidade.
Qual a origem desse alfabeto? Onde
encontrar referencia que nos ajudem a entenderessas manifestaes que no se enquadram no
erudito ou no popularxiii, que atravessam esses
limites ou esto ao largo?
Canclini traz luz a esses questionamentos ao
tecer uma anlise dos processos de hibridao
intercultural a partir de um estudo sobre a cultura
urbana. Segundo o autor, esse processo dehibridao acontece na quebra e mescla das
colees organizadas pelos sistemas culturais, que
se do a partir da desterritorializao dos processos
simblicos e da expanso dos gneros impuros
reconhecidos nas expresses do grafite e
quadrinhos. O rompimento desses limites permitiu o
desenvolvimento de uma semiologia urbana comseus cdigos (smbolos e signos grficos), que
identificam e representam os diferentes grupos que
atuam no tecido urbano.
Figura 3: CRIPTA DJAN - Bombardeio em SP, Centro de So Paulo, 2003. Fonte: Foto doautor, disponvel em: www.facebook.com. Djan Ivson Cripta, acesso em: 29/05/2012
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Consideraes Finais
Independentemente das categorias onde atuam e, ao contrrio dos grafiteiros, os
pichadores no so valorizados pela sociedade e sim pelos seus pares; as razes dessesucesso so os graus de dificuldades dessas intervenes ao longo do permetro urbano,
o que lhes garantem um lugar de destaque em seu crculo. Isto porque a pichao
concede reconhecimento mais rpido que o grafite. Contudo a armadilha da fama pode
tornar refm queles que s visam o reconhecimento, pois to logo deixem de executar
suas aes perdem posio caindo no anonimato, sendo imediatamente substitudos por
outros.
Apesar do carter efmero desse gnero de interveno, no so poucos os que
atravessam a cidade deixando suas inscries adesivadas ao longo das superfcies da
arquitetura urbana. Disputando acirradamente cada espao e superfcie, inventam e
reinventam novos meios de intervir na cidade de So Paulo. Colam-se s laterais dos
edifcios, em seus tetos, sacadas e janelas agindo maneira dos super-heris, sem
nenhuma rede de proteo, cordas ou cintos de segurana. No ato de escalar, deixam
seus nomes ou desenham signos indistintamente em todas as direes, construindo
atravs da escrita seus percursos e atravessamentos. dessa maneira que visam o topodos edifcios ou picos, que em um sentido simblico representa a ascenso, o chegar
l. Superam-se em um esforo sobre humano para alm dos limites fsicos de modo a
deixarem suas assinaturas de ponta cabea, como forma de se imortalizarem e de
dizerem estive aqui.
BIBLIOGRAFIA
_ ARCE, J.M.V. Vida de barro duro: cultura popular juvenil e grafite. Traduo de HeloisaB. S. Rocha. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999.
_ ANJOS, Moacir dos (So Paulo). Fernanda Mena. "'Pixo' questiona limites que separamarte e poltica", diz curador da Bienal de SP. Folha.com Ilustrada, So Paulo, 15 abr. 2010.Disponvel em: . Acesso em: 04 maio 2012.
_CANCLINI, N. Culturas Hbridas. So Paulo: EDUSP, 2006.
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_ DJAN, Cripta; entrevista com CAU; Subsolo Art.com/bolg. Entrevista com o pixadorCripta Djan. Postado tera-feira, 1 de setembro de 2009, 09:00. Disponvel em:. Acesso em: 22ago. 2011.
_ DJAN,C. Canal de. Trailer do Documentrio "PIXO" de Joo Weiner. Disponvel em:. Acesso em: 22 ago. 2011.
_ ESCRITA URBANA (Brasil). Direo Cripta Djan (Org.). Homens Pizza: Volume 7. SoPaulo, 2007. CD-ROM.
_ ESCRITA URBANA (Brasil). Produo Cripta Djan e TH (Org.). Volume 2. So Paulo,2004. CD-ROM.
_ GITAHY, Celso. O Que Graffiti. 1a. Edio So Paulo: Editora Brasiliense, 1999. 83 p.
iMunicpio localizado ao sul de So Paulo e pertencente Regio do Grande ABC. De acordo
com o IBGE sua populao total de 386.039 habitantes sendo o 15 mais populoso do estado.ii
A palavra finados uma aluso aos pichadores que morreram durante as intervenes.iii
LEI N 12.408, DE 25 DE MAIO DE 2011.Art. 65. Pichar ou por outro meio conspurcaredificao ou monumento urbano: Pena - deteno, de 3 (trs) meses a 1 (um) ano, e multa. 1
oSe o
ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artstico, arqueolgico ou
histrico, a pena de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de deteno e multa. (NR)iv
CHOQUE PHOTOS possui um acervo fotogrfico dessas intervenes e teve suas obras expostas
na 29. Bienal Internacional de Arte de So Paulo, 2010.v A pichao se utiliza de repeties do mesmo signo grfico (tag), desenho ou assinatura.vi O grafite busca realizar o maior nmero de pinturas que podem trazer o mesmo tipo de imagensou no, e que ocupam diferentes de locais da cidade.vii Famlia uma forma de tratamento que significa grupo ou coletivo de pichadores. O termogang considerando pejorativo entre alguns grupos.viii
Segundo Cripta Djan, o nome da famlia CRIPTA surgiu a partir do seriado Contos da criptaque era apresentado pela TV Globo na dcada de 1990.ix Pixao, ou simplesmente o pixo, com 'x' mesmo, grafia usada por seus praticantes para
diferenciar o que fazem hoje em So Paulo das pichaes poltico-partidrias, religiosas, musicais, ou
mesmo ligadas propaganda que h vrios anos enchem os muros e paredes da cidade, a despeito do
quo 'limpa' ela queira apresentar-se.(ANJOS, Moacir, 2010)x
Denominao para as interferncias no alto dos edifcios.xiP nas costas uma expresso usada para as escadas humanas no qual o pichador apoia os
ps nos ombros de outro integrante do grupo, ou em um parceiro para executar sua interveno.xii
Sic.xiii
Segundo CANCLINI, as culturas populares se inserem nas categorias de pares de oposies
convencionais, (subalterno/hegemnico, tradicional/moderno), usados para falar do popular.
(2006:283)