interculturalidade-um olhar as diferenças- indigenas

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interculturalidade

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  • ISSN: 1982-3916ITABAIANA: GEPIADDE, Ano 5, Volume 10 | jul-dez de 2011.

    INTERCULTURALIDADE NA SOCIEDADE DAS DIFERENAS: UM OUTROOLHAR PARA A EDUCAO ESCOLAR INDGENA

    Joliene do Nascimento Leal1

    RESUMOEste texto faz parte da pesquisa de mestrado em Educao, Contextos Contemporneos e DemandasPopulares/UFRRJ, cujo objetivo principal verificar as possveis tenses, presente nos currculos deformao superior indgena, provocados pelo encontro de culturas dspares, que embora ocupando omesmo espao-tempo, podem no chegar a se encontrar. Nesse sentido, pensando nos limites epossibilidades, tenses e conflitos, presentes nos currculos de formao superior indgena,produzidos pelo encontro de diferentes conhecimentos - conhecimentos cientficos, ditos legtimose universais e os conhecimentos tradicionais indgenas, particulares-, diferentes formas de viver, sere conceber o mundo, pretende-se, nesse artigo, discorrer sobre um outro olhar, um outro paradigmaque atue como conciliador no dilogo na diversidade, que a interculturalidade.PALAVRAS-CHAVE: Dilogos; Diferenas, Currculo, Formao superior indgena.

    RESUMENEste texto es parte del investigacin de maestra en Educacin, Contexto Contemporneo yDemandas populares/UFRRJ, cuyo objetivo es verificar las posibiles tensiones, presente en elcurriculum de formacin superior indgena, causada por el encuentro de culturas dispares, que, apesar de ocupar el mismo tiempo-espacio, puede no llegar a encontrarse. En este sentido, pensar enlos limites y posibilidades, tensiones y conflictos presentes en los curriculum de formacin superiorindgenas producido por el encuentro de diferentes conocimientos - conocimiento cientfico, llamada"legtima" y universal y el conocimiento indgena tradicional, privada-, diferentes maneras de vivir,ser y entender el mundo, se pretende en este artculo, hablar de outra mirada, outro paradigma queacta como mediador en el dilogo en la diversidad, que es la interculturalidade.PALABRAS CLAVE: Dilogos, Diferencias, Curriculum, Educacin superior indgena.

    INTRODUO

    Uma Fronteira o ponto onde algo termina, mas, como os gregosreconheceram, a fronteira o ponto a partir do qual algo comea a se fazerpresente (Martin Heidegger).2

    1 Mestranda em Educao, Contextos Contemporneos e Demandas Populares/UFRRJ. E-mail: [email protected] In: BHABHA, H. K. O local da Cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998, p. 19.

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    ISSN: 1982-3916ITABAIANA: GEPIADDE, Ano 5, Volume 10 | jul-dez de 2011.

    O debate sobre as diferenas culturais e a relevncia de se garantirrepresentao das identidades culturais nos diversos campos sociais, incluindo oeducacional, tem se intensificado nos ltimos anos do sculo XX e incio do sculo XXI.Segundo Canen e Oliveira (2002), fazendo parte do que tem sido conhecido comomulticulturalismo e interculturalidade, estas preocupaes tm se evidenciado,recentemente, nos meios educacionais brasileiros, em artigos, reflexes e eventos quequestionam prticas e discursos curriculares homogeoneizadores e etnocntricos, buscandopensar em alternativas para se trabalhar o multiculturalismo na pedagogia e no currculo. OsParmetros Curriculares Nacional-PCN, por exemplo, apresentam, como um dos eixostransversais, o tema da Pluralidade Cultural, trazendo a necessidade de se levar em contaesta dimenso no cotidiano escolar.

    Este texto faz parte da pesquisa de mestrado (em andamento) em Educao,Contextos Contemporneos e Demandas Populares/UFRRJ, cujo objetivo principal verificaras possveis tenses, presente nos currculos de formao superior indgena, provocadospelo encontro de culturas dspares, que embora ocupando o mesmo espao-tempo, podemno chegar a se encontrar.

    Nesse sentido, pensando nos limites e possibilidades, tenses e conflitos,presentes nos currculos de formao superior indgena, produzidos pelo encontro dediferentes conhecimentos - conhecimentos cientficos, ditos legtimos e universais e osconhecimentos tradicionais indgenas, particulares-, diferentes formas de viver, ser econceber o mundo, pretende-se, nesse artigo, discorrer sobre um outro olhar, um outroparadigma que atue como conciliador no dilogo na diversidade, que a interculturalidade.

    Acredita-se que atravs da proposta pedaggica, as instituies escolares podempromover tanto a incluso quanto a excluso dos diferentes grupos socioculturais e seussaberes. na proposta pedaggica que so incorporados os vrios significados presentes emtantos conceitos, materializados na prtica escola

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    ISSN: 1982-3916ITABAIANA: GEPIADDE, Ano 5, Volume 10 | jul-dez de 2011.

    MEU, SEU, NOSSOS SABERES: A INTERCULTURALIDADE COMO CONCILIADOR DE DILOGOSRevisitando Faustino (2006), percebe-se que as discusses sobre as diferenas

    culturais no algo novo. As discusses sobre o multiculturalismo, por exemplo, segundoFaustino (2006), marcaram o Canad nos anos de 1970. De acordo com essa autora,multiculturalismo:

    Refere-se ao reconhecimento legal da existncia de diferentes gruposlingustico-culturais em um mesmo pas, tendo sido adotado como umaestratgia poltica para pr fim ao movimento separatista canadense quehavia se acirrado no final dos anos de 1960, visando autonomia poltica decentros econmicos controlados por anglfonos e francfonos (FAUSTINO,2006, p. 10).

    Aps esse reconhecimento, o governo canadense deu incio reformaconstitucional, promovendo a ampliao dos direitos civis e anunciando uma nova polticaque atendesse aos interesses econmicos dos diferentes grupos. Na rea da educao, apoltica foi reformulada determinando a todas as escolas a adoo do bilinguismo (ensino deingls e francs), como forma de minimizar a discriminao e barreiras lingusticas que ospovos de lngua francesa encontravam no mercado de trabalho das regies de lngua inglesa(FAUSTINO, 2006).

    Neste mesmo perodo, nos EUA, ocorriam as lutas do movimento negro efeminista por igualdade nos direitos civis, fim da segregao racial, insero equitativa nomercado de trabalho, acesso das minorias educao e habitao. O multiculturalismooriginou-se exatamente como uma questo educacional ou curricular, pois, segundo Silva,

    Os grupos culturais subordinados as mulheres, os negros, e os homenshomossexuais iniciaram uma forte crtica quilo que consideravam comocnon literrio, esttico e cientfico do currculo universitrio tradicional.Eles caracterizavam esse cnon como a expresso do privilgio da culturabranca, masculina, europia, heterossexual. O cnon do currculouniversitrio fazia passar por cultura comum uma cultura bastanteparticular a cultura do grupo culturalmente e socialmente dominante. Naperspectiva dos grupos culturais dominados, o currculo universitriodeveria incluir uma amostra que fossa mais representativa dascontribuies das diversas culturas subordinadas (SILVA, 2006, p. 88).

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    Conforme Moreira e Silva (2009), estes movimentos tencionaram e tencionam ocampo do currculo, trazendo novas configuraes e propondo novos olhares, voltados aoreconhecimento e valorizao de identidades culturais apagadas ou negadas em estruturascurriculares monoculturais.

    De acordo com Faustino (2006), aps vrios estudos encomendados pordiferentes governos, o multiculturalismo foi adotado nos EUA nos anos de 1970 como umapoltica governamental, representada por aes afirmativas, que foi implementada peloEstado como mecanismo de incentivo a grupos discriminados e manuteno equilibrada dasforas antagnicas da sociedade.

    Nos dois pases em que foi adotada, inicialmente, a poltica do multiculturalismo,fundamentada na teoria cultural3, promoveu a exaltao da diversidade como umacaracterstica positiva das sociedades modernas propondo o reconhecimento da filiao decada indivduo a seu grupo cultural, ressaltando a importncia do respeito s crenas,escolhas e costumes diferenciados, como importantes elementos para combater adiscriminao e construir a paz social (FAUSTINO, 2006).

    Na teoria cultural ou culturalista, as leis do processo cultural podem serapreendidas mediante a reconstruo da histria cultural particular de cada sociedade. Estepensamento compreende cada cultura como uma totalidade, constituda de diversas partesque se interligam (religio, vida familiar, economia e instituies polticas).

    Enquanto no Canad e nos EUA a poltica que orientava a formulao de umapoltica governamental era o multiculturalismo, na Europa o iderio que orientou otratamento da diversidade cultural no incio dos anos de 1980, foi a interculturalidade que,anunciando o surgimento de uma nova sociedade (globalizada, diversificada einformatizada), tornava necessria uma poltica educacional que considerasse a existncia

    3 Mais conhecido como culturalismo esta teoria floresceu nos Estados Unidos, com financiamento de agnciasgovernamentais, nos anos de 1930/1940 com as obras de Franz Boas, A mente do homem primitivo (1938) e Raa,linguagem e cultura (1940), de Margaret Mead, Sexo e temperamento em trs sociedades primitivas (1935), e de RuthBenedict, Padres de cultura (1934), O crisntemo e a espada: modelos de cultura japonesa (1946).

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    de diferenas tnicas e culturais na construo de uma nova democracia, em que, na visode Peres,

    O mundo em que vivemos cada vez mais complexo e multicultural. Ummundo em que as migraes so um fenmeno global, em que os gruposminoritrios reclamam o direito diferena, mas que ao mesmo temposofre das maleitas da homogeneizao. As sociedades esto, hoje,confrontadas com novos desafios e problemas provocados, em boa medida,por aquilo que se designa por globalizao. (...). imperioso repensar opapel da Sociedade, do Estado e das instituies educativas e a ao doseducadores e dos professores neste contexto econmico, social e polticomais complexo, transpassado por desigualdades e excluses dos maisvariados tipos, nomeadamente as que se relacionam com a identidade e adiversidade (PERES, 2002, p. 4).

    No final dos anos de 1990, o iderio do multiculturalismo e da interculturalidadej havia se consolidado como discurso dominante na educao escolar indgena no Brasil. OMinistrio da Educao-MEC organizou ento o Referencial Curricular Nacional para asEscolas Indgenas-RCNEI (BRASIL, 1998), coordenado por Nietta Lindenberg Monte,participante do Comit Nacional de Educao Escolar Indgena como representante dasorganizaes no-governamentais junto ao Comit.

    De acordo com Faustino (2006), neste perodo, os assessores do MEC divulgaramque a nova poltica educacional para os povos indgenas representava um avano do pontode vista legal permitindo a criao e autogesto de projetos pelos prprios ndios com aassessoria de antroplogos e linguistas e uma oportunidade extraordinria de se realizar astransformaes necessrias na educao escolar indgena que se pautava, anteriormente,pelos princpios do monoculturalismo, da integrao, domesticao dos grupos e dasubservincia do professor indgena.

    Para Canen e Oliveira (2002), compreender a sociedade como multicultural,como constituda de identidades plurais, com base na diversidade de gnero, classe social,padres culturais e lingusticos, habilidades e outros marcadores identitrios, constitui umaruptura epistemolgica com o projeto da modernidade, no qual se acreditava nahomogeneidade e na evoluo natural da humanidade rumo a um acmulo de

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    conhecimentos que levariam construo universal do progresso (CANEN & OLIVEIRA,2002, p. 61), como anteriormente.

    Caminhando nessa direo, Hall (2006) coloca que as sociedades, principalmentena contemporaneidade, so caracterizadas pela diferena, ao argumentar que, elas soatravessadas por diferentes divises e antagonismos sociais que produzem uma variedadede diferentes posies de sujeitos isto , identidades para os indivduos (HALL, 2006,p.17).

    Hall (2006) faz distino de trs concepes de identidade. O primeiro seria osujeito do iluminismo, que:

    estava baseado numa concepo da pessoa humana como indivduototalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razo, deconscincia e de ao, cujo centro consistia num ncleo interior, queemergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia,ainda que permanecendo essencialmente o mesmo contnuo ou idnticoa ele ao longo da existncia do indivduo (HALL, 2006, p.10-11).

    Nesse caso o centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa.A segunda concepo proposta por Hall (2006) tem-se o sujeito sociolgico, onde

    a identidade formada na interao entre o eu e a sociedade. Nessa concepo o sujeitoainda tem um ncleo ou essncia interior que o eu real, mas este formando emodificado num dilogo contnuo com os mundos culturais exteriores e as identidades queesse mundo oferece (HALL, 2006, p. 11). A identidade, nessa viso, preenche o espaoentre o interior e o exterior, ou seja, entre o mundo pessoal e o mundo pblico. Aidentidade costura (...) o sujeito a estrutura (HALL, 2006, p.12).

    At ento as estruturas a que os indivduos estavam ligados eram estveis eestabilizavam tanto os sujeitos quantos os mundos culturais que eles habitavam, tornandoambos reciprocamente mais unificados e predizveis. No entanto, so exatamente essascoisas que esto mudando. Hall coloca que as identidades, que compunham as paisagenssociais l fora e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as necessidadesobjetivas da cultura, esto entrando em colapso (HALL, 2006, p.12). Segundo esse autor,

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    a assim chamada crise de identidade vista como parte de um processomais amplo de mudana, que est deslocando estruturas e processoscentrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referncia quedavam aos indivduos uma ancoragem estvel no mundo social (HALL, 2006,p. 7)

    O sujeito que at ento vivia como tendo uma identidade unificada e estvel, setornou fragmentado; composto no mais de uma identidade, mas de vrias, algumascontraditrias. Vive-se nesse momento o nascimento do sujeito ps-moderno, conceituadocomo no tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. Nesse sentido, a medidaque os sistemas de significaes e representaes culturais se multiplicam, os indivduos soconfrontados por uma multiplicidade de identidades possveis, podendo se identificar, aomenos temporariamente, com cada uma delas. Assim, Hall (2006) prope que ao invs de sefalar em identidade como uma coisa acabada, sugere que se fale em identificao e quese a veja como em processo inacabado e sempre em andamento.

    Dialogando com Hall (2006), Giddens (1991) cita que o ritmo e o alcance damudana, so fatores que podem colaborar para construo das diferentes identidades dosujeito. Segundo ele na medida em que reas diferentes do globo so postas eminterconexo umas com as outras, ondas de transformao social atingem virtualmente todaa superfcie da terra (GIDDENS, 1991, p. 12).

    Vivemos um tempo em que a revoluo tecnolgica e a intensificao dos laostransnacionais encurtaram a velocidade com que as informaes, imagens e modos de vidadistintos viajam por diferentes territrios, tornando as distncias mais curtas entre gruposculturais e sociais diversos que, por muito tempo, estiveram separados no espao e notempo (HARVEY, 2003).

    Para Hall (2003) esses deslocamentos culturais no so algo novo, pois, bemantes da expanso europia (a partir do sculo quinze) e com crescente intensidade desdeento - a migrao e os deslocamentos dos povos tm constitudo mais a regra que aexceo, produzindo sociedades tnica ou culturalmente mistas (HALL, 2003, p. 55).

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    Em dilogo com Hall (2003), Canclini (2008) nos ajuda a compreender que

    em um mundo to fluidamente interconectado, as sedimentaesidentitrias organizadas em conjuntos histricos mais ou menos estveis(etnias, naes, classes) se reestruturam em meio a conjuntos intertnicos,transclassista e transnacionais. As diversas formas em que os membros decada grupo se apropriam dos repertrios heterogneos de bens emensagens disponveis nos circuitos transnacionais geram novos modos desegmentao, (...); outros remodelam seus hbitos no tocante s ofertascomunicacionais de massas, outros adquirem alto nvel educacional eenriquecem seu patrimnio tradicional com saberes e recursos estticos devrios pases; (...). Estudar processos culturais, por isso, mais do que levar-nos a afirmar identidades auto-suficientes, serve para conhecer formas desituar-se em meio heterogeneidade e entender como se produzem ashibridaes (CANCLINI, 2008, p. XXIII-XXIX)

    Canclini (2008) define hibridao como sendo processos socioculturais nosquais estruturas ou prticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam paragerar novas estruturas, objetos e prticas (CANCLINI, 2008, p. XIX). nesse contato que asdiferenas culturais se tornam mais evidentes. E justamente na interao social que asidentidades culturais so construdas, reconstrudas, afirmadas e reafirmadas. Silva defineque (...) a identidade , assim, marcada pela diferena (SILVA, 2000, p.9).

    De acordo com Moreira e Silva (2009), as identidades so marcadas por meio desmbolos e por representaes que, ao mesmo tempo em que as constroem, fazem umamarcao das diferenas, atuando esta marcao como componente chave em qualquersistema classificatrio. Desta forma, classificam-se como iguais todos os que se aproximaremde uma determinada concepo de identidade/s: branco, classe mdia, brasileiro, catlico, ecomo diferente o outro, aquele que se afasta desse modelo, ou seja, portadores denecessidades especiais, negros, pobres, gordos e outros.

    Barth (1998), afirma que as identidades so uma construo que se elaboram nainterao social, em uma relao que ope um grupo aos outros grupos com os quais estem contato. Uma cultura particular no produz por si s uma identidade diferenciada(CUCHE, 1999, p.182).

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    A afirmao do escritor mexicano Octvio Paz que as civilizaes no sofortalezas, mas encruzilhadas, citado por Bessa Freire (2009, p. 93), reafirma as idias deBarth (1998) e Cuche (1999).

    (...) ningum vive isolado absolutamente, fechado entre muros de umafortaleza. Historicamente, cada povo mantm contato com outros povos.s vezes essas formas de contato so conflituosas, violentas. s vezes, socooperativas, se estabelece o dilogo, a troca. Em qualquer caso, os povosse influenciam mutuamente. O conceito que nos permite pensar e entenderesse processo o conceito de interculturalidade (BESSA FREIRE, 2009, p.94)

    Partindo do reconhecimento de que os indivduos so possuidores de diferentesidentidades, que as sociedades so multiculturais, hibridas, Canclini (1998) afirma que hojetodas as culturas so de fronteiras. Todas as artes se desenvolvem em relao com outrasartes: o artesanato migra do campo para a cidade; os filmes, os vdeos e canes que narramacontecimentos de um povo so intercambiados com outros (CANCLINI, 2008, p. 348).Portanto, falar em interculturalidade significa o resultado da relao entre as culturas, datroca que se d entre elas (BESSA FREIRE, 2009, p. 94). O ideal que esse processo ocorrade forma dialgica, e que haja liberdade de escolha, como colocado por esse ltimo, de talforma que cada uma delas tenha a liberdade de dizer: isso ns queremos, isso ns noqueremos, ou ento, ns no queremos nada disso (BESSA FREIRE, 2009, p. 94)

    A esse respeito, Canclini (2008) adverte para o fato de pressupor que aintegrao e fuso das culturas se d de forma fcil e tranquila, o que desvia a ateno dosprocessos de estranhamento e contradies e dos que no se deixam hibridar.

    No contexto da educao escolar indgena a relao entre as culturas se deu deforma violenta e brbara. No houve dilogo. Houve imposio do colonizador (BESSAFREIRE, 2009, p. 94). A cultura indgena e seus conhecimentos foram considerados semvalor. Nesse caso, no houve trocas, pois s h trocas quando julga-se que os elementosenvolvidos tenham o mesmo valor.

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    Souza Santos (2006), ao discorrer sobre mudanas e trocas desiguais entreculturas, mostra que isto tem sempre acarretado a morte do conhecimento prprio dacultura subordinada, que ele denomina como epistemicdio, o homicdio doconhecimento local. a globalizao hegemnica que canibaliza as diferenas em vez depermitir o dilogo entre elas. Esto armadilhadas por silncios, manipulaes e excluses(SOUSA SANTOS, 2006, p. 86).

    O processo de colonizao do Brasil, alm de produzir o extermnio de muitasetnias, adiou o conhecimento da experincia histrica, das instituies, dos sistemas devalores, da produo e veiculao do conhecimento e da concepo de mundo destes povos.

    Entretanto, apesar da violncia e do desrespeito das aes dos colonizadoresperante os povos indgenas, constata-se que essas sociedades, as que felizmentesobreviveram ao extermnio fsico, desenvolveram estratgias para resistir aos invasores,como enfatizou Meli:

    esses povos no s superaram a prova do perodo colonial, mas tambm osembates da assimilao e da integrao de tempos mais recentes.Como o conseguiram? E at que ponto mantiveram sua alteridade e suaidentidade?Os povos indgenas sustentaram sua alteridade graas a estratgiasprprias, das quais uma foi precisamente a ao pedaggica. Em outrostermos, continua havendo nesses povos uma educao indgena quepermite que o modo de ser e a cultura venham a se reproduzir nas novasgeraes, mas tambm que essas sociedades encarem com relativo sucessosituaes novas (MELI, 1999, p. 11-12)

    Nesse sentido, a dimenso da interculturalidade est hoje colocada como umdos aspectos desejveis para uma escola indgena, tida mesmo como uma das condiesnecessrias para que seja respeitada a especificidade da educao escolar indgena.

    Atualmente, pensando na preservao da cultura, a educao indgena estcontemplada no Plano Nacional de Educao - PNE e em projeto de lei de reviso doEstatuto do ndio (Lei n 6.001/73). A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDBEN9.394/1996, ao tratar da educao escolar indgena assegura que:

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  • JOLIENE DO NASCIMENTO LEAL 159

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    Art. 78. O Sistema de Ensino da Unio, com a colaborao das agnciasfederais de fomento cultura e de assistncia aos ndios, desenvolverprogramas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educaoescolar bilngue e intercultural aos povos indgenas, com os seguintesobjetivos:1.proporcionar aos ndios, suas comunidades e povos, a recuperao desuas memrias histricas; a reafirmao de suas identidades tnicas; avalorizao de suas lnguas e cincias.

    Em 9 de junho de 2011, a Lei 12416 deu origem ao pargrafo 3 do artigo 79 daLDBEN. Ela dispe sobre a oficializao de oferta de educao superior, assistncia eestmulo pesquisa e desenvolvimento de programas especiais para os povos indgenas.

    A LDBEN e o PNE tm abordado o direito dos povos indgenas a uma educaodiferenciada e intercultural. Tal direito est pautado pelo uso e manuteno das lnguasindgenas, levando em considerao a valorizao dos conhecimentos e dos saberestradicionais dos povos. Tambm prioriza a formao dos prprios professores indgenaspara que atuem como docentes em suas comunidades. O art. 1 da Resoluo do ConselhoNacional de Educao/Cmara de Educao Bsica n 003, visa estabelecer, no mbito daeducao bsica, o reconhecimento da valorizao plena das culturas dos povos indgenas ea afirmao e manuteno de sua diversidade tnica.

    O binmio intercultural e bilngue considerado como constitutivo da categoriaescola indgena. Essa preocupao em afirmar os currculos educacionais indgenas comointerculturais, nasce de uma situao pr-existente. Antes de a escola ser intercultural, associedades indgenas j se relacionavam com a sociedade no-indgena e o modo comoocorrem essas relaes se reflete no cotidiano da escola. No outra a razo de srecentemente esse adjetivo aparecer qualificando a escola indgena, coincidindo com apoca em que o modelo de educao integradora, implantado desde o incio da colonizaoem nosso pas, comeou a ser questionado pelas comunidades indgenas e seus aliados.

    Nesse modelo, as questes que diziam respeito s culturas indgenas no secolocavam, pois se a inteno era a assimilao dos ndios comunho nacional,consequentemente a escola deveria ser um dos instrumentos dessa integrao, e essa

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  • 160 INTERCULTURALIDADE NA SOCIEDADE DAS DIFERENAS: UM OUTRO OLHAR PARA AEDUCAO ESCOLAR INDGENA

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    perspectiva estaria, inevitavelmente, presente nos currculos, transplantados dos modelosaplicados nas escolas da sociedade majoritria.

    Em se falando de contextualizao e reconhecimento da diversidade, Freire(2007) em seu texto clssico A Pedagogia do Oprimido afirma que a pedagogia tem queser forjada com ele e no para ele, enquanto homem ou povos, na luta incessante derecuperao da humanidade (FREIRE, 2007, p. 32).

    Sobre este ponto, Bessa Freire (2009) aponta que a interculturalidade quedesejamos a do dilogo respeitoso entre culturas. Nesse sentido, somente ser possvelverificar a superao do modelo universalista quando forem colocadas em prticaestratgias curriculares tais como: relao dialgica entre a academia, o poder pblico e acomunidade educativa; organizao curricular calcada no dilogo e na especificidade decada povo; construo coletiva de projetos de gesto escolar.

    No h dvidas de que as polticas pblicas referentes educao escolarindgena e ao reconhecimento de que ela deva ser pautada pela interculturalidadeavanaram, mas infelizmente ainda existe uma distncia muito grande entre a organizaodisciplinar pautada no pensamento ocidental e os modos indgenas de conceber o mundo eo conhecimento.

    Falar em interculturalidade, no significa propor, por exemplo, que para garantiro carter intercultural deva haver necessariamente professores no-ndios e indgenastrabalhando lado a lado na sala de aula ou que o prdio da escola deva conter caractersticasarquitetnicas indgenas e ocidentais, ao mesmo tempo. A interculturalidade, quandopensada no cotidiano de uma escola indgena, est intrinsecamente ligada questo dosconhecimentos, organizao das disciplinas. Assim, o que se prope umainterdisciplinaridade, que no corresponde a uma mudana paradgmtica nas cincias, masapenas uma nova estratgia de conhecimento, ou seja, um modo de colocar-se frente aomundo. Nesse sentido, Morin argumenta que

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  • JOLIENE DO NASCIMENTO LEAL 161

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    a interdisciplinaridade pode significar pura e simplesmente, que diferentesdisciplinas so colocadas em volta de uma mesma mesa, como diferentesnaes se posicionam na ONU, sem fazerem nada alm de afirmar, cadaqual, seus prprios direitos nacionais e suas prprias soberanias em relaos invases do vizinho. Mas interdisciplinaridade pode significar tambm atroca e cooperao, o que faz com que a interdisciplinaridade possa vir aser alguma coisa orgnica (MORIN, 2000, p. 115)

    A preocupao que se coloca que o distanciamento das polticas de educaono tocante integrao das formas de educar e dos conhecimentos indgenas, nos projetosnacionais, em grande parte, pode ter sido o responsvel pela perda de referenciaistradicionais e pelo afloramento de processos de estranhamento, em vista, sobretudo, doconvvio entre sociedades dspares que, embora ocupando espaos comuns, no chegaram ase integrar.

    Algumas questes se colocaram, mas ainda permanecem como desafios para osestudiosos do campo da educao escolar indgena: como reverter histrica subordinaoda diversidade cultural ao projeto de homogeneizao que imperou ou impera naspolticas pblicas, o qual teve na educao o espao para consolidao e disseminao deexplicaes encobridoras da complexidade de que se constitui nossa sociedade? Comopromover cidadanias afirmadoras de suas identidades, compatveis com a atual construoda cidadania brasileira, em um mundo tensionado entre pluralidade e universalidade, entreo local e o global? Como promover o dilogo com essas diferenas na construo curricular?

    Atravs da sua proposta pedaggica, as instituies escolares podem promovertanto a incluso quanto a excluso desses saberes. por meio dela que se concretizam asdiferentes filosofias, ideologia, modos de pensar e agir, as diferentes abordagens doprocesso pedaggico. nela que so incorporados os vrios significados presentes em tantosconceitos, materializados na prtica escolar (SPONCHIADO, 2005).

    Vale destacar a anlise de Bhabha (1998) sobre o conceito de povo e nao.Bhabha trabalha a idia de nao como uma narrativa metafrica. Segundo esse autor anao preenche o vazio deixado pelo desenraizamento de comunidades e parentesco4

    4 Desenraizamento provocado pela disperso dos povos na dispora, e nos processos de migrao.

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    (BHABHA, 1998, p. 199). Essa idia transporta o significado de casa e de sentir-se em casaatravs da meia-passagem ou das estepes da Europa Central, atravs daquelas distncias ediferenas culturais, que transpem a comunidade imaginada do povo-nao (BHABHA,1998, p. 199).

    No entanto, Bhabha (1998) alerta para o fato do conceito de povo emergirdentro de uma srie de discursos como um movimento narrativo duplo, o que segundo elefaz com que tenhamos:

    (...) um territrio conceitual disputado onde o povo tem de ser pensadonum tempo-duplo; o povo consiste em objetos histricos de umapedagogia nacionalista, que atribui ao discurso uma autoridade que sebaseia no pr-estabelecido ou na origem histrica construda no passado; opovo consiste tambm em sujeitos de um processo de significao quedeve obliterar qualquer presena anterior ou originria do povo-nao parademonstrar os princpios prodigiosos, vivos, do povo comocontemporaneidade, como aquele signo do presente atravs do qual a vidanacional redimida e reiterada como um processo reprodutivo (BHABHA,1998, p. 206-207).

    Nesse sentido, na produo da nao como narrao ocorre uma ciso entre atemporalidade continusta, cumulativa do pedaggico e a estratgia recorrente doperformtico (BHABHA, 1998, p. 207). Ou seja, h sempre a presena perturbadora deuma outra temporalidade que interrompe a contemporaneidade do presente nacional(BHABHA, 1998, P. 203).

    Na educao no diferente. De um lado temos uma temporalidade, que continusta, entendida como todo um conjunto de saberes culturais legitimados, umacultura eleita, cuja funo do projeto educacional transmitir. Nesse sentido, a educaoapresenta-se e autoriza-se como histria, como espao-tempo da repetio, dacontinuidade, no sentido que Hall (2006) lhe concede:

    A formao de uma cultura nacional contribuiu para criar padres dealfabetizao universais, generalizou uma nica lngua vernacular como omeio dominante de comunicao em toda a nao, criou uma cultua

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    homognea e manteve instituies culturais nacionais, como, por exemplo,um sistema educacional nacional (HALL, 2006, p.49-50)

    Do outro lado, assim como no discurso de povo-nao h outra temporalidade,outro tempo de escrita que seja capaz de inscrever as intersees ambivalentes equiasmtica (BHABHA, 1998, p. 201), e essa temporalidade continusta convive com umatemporalidade performtica. Nesse sentido, h na educao um projeto de significao quenega qualquer temporalidade anterior, qualquer referncia a um passado essencialmentebom, como, por exemplo, o pensamento moderno de levar os povos que se encontravamna ignorncia ou selvageria a atingirem um estgio mais elevado no processo decivilizao, descrito anteriormente.

    A tenso entre essas duas temporalidades cria uma zona de ambivalncia, umespao-tempo liminar, em que possvel pensar a existncia do outro como um outrocultural que no visto a partir das culturas legitimadas pelos currculos escolares, como seuavesso, mas que est l na prpria temporalidade introduzida pelo performativo. Umatemporalidade que, na expresso de Bhabha, um entre-lugar, o qual permite que vozesmarginais no mais necessitem dirigir suas estratgias de oposio para um horizonte dehegemonia, que concebido como horizontal e homogneo (BHABHA, 1998, p. 213).

    Nesse caso, permite pensar a diferena, o outro, no como diversidade, mascomo um discurso relacional em que o prprio sistema de sua representao est emquestionamento. Como defende Skliar, um outro que poltico, que no vive somentepara contestar o malefcio, que no se alinha facilmente a uma cultura que pode serordenada como mltipla, que no pode ser reduzida (...) a uma ao apenas relacional ecomunicativa (SKLIAR, 2002, p.202). Um outro que no esconde as diferenas, mas fazquesto de demonstr-las.

    Sousa Santos (2001), a esse respeito, adverte chamando a ateno para anecessidade de se impedir que o foco nas diferenas contribua para isolar grupos, para criarguetos e, consequentemente, para aumentar, na sociedade, a fragmentao que se quereliminar. Nesse sentido, entende como indesejveis as culturas de testemunho, decorrentes

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    de critrios de autenticidade que, equivocadamente, somente autorizam as mulheres a falarsobre as discriminaes contra as mulheres, os negros a falar sobre a opresso sofrida pelosnegros, os homossexuais a falar sobre os ataques perpetrados contra eles. precisoprevenir, sustenta, contra um novo apartheid cultural que, visando criar a igualdade,reafirme a separao. Com separao no h igualdades, h apartheids. A igualdade sexiste quando h possibilidade de se compararem as coisas (SOUSA SANTOS, 2001, p. 22),assim como os preconceitos s so suspensos quando so explicitados.

    aqui que mais uma vez reforo a necessidade do dilogo na construo docurrculo, do reconhecimento desse espao como instituinte de prticas solidrias e tambmcomo espao de resistncia. Nesse sentido volto-me para a necessidade de valorizao dosconhecimentos indgenas dentro do sistema acadmico, para a importncia da formulaoconjunta da matriz curricular dos cursos de formao universitria de professores indgenas,pois a obteno da igualdade depende de uma modificao substancial do currculoexistente. Como afirma Silva no haver justia curricular, se o cnon curricular no formodificado para refletir as formas pelas quais a diferena produzida por relaes sociais deassimetria (SILVA, 2006, p. 90 ).

    Numa sociedade onde se tem vrias possibilidades de viver e ser, onde novasidentidades culturais emergem, se afirmam, transgredindo proibies e tabus identitrios,num tempo de cruzamento de fronteiras, onde grupos culturais e sociais que cultivam suasidentidades locais reinventam novas maneiras de convivncia e de interao, impossvelter um currculo homogneo. Portanto, fundamental que, neste novo contexto, estesgrupos se articulem e reivindiquem voz e representao de suas culturas, seus valores e suaslutas.

    REFERNCIASBARTH, Fredrick. Grupos tnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FERNAT, Jocelyne. Teorias da Etnicidade. So Paulo: Fundao Editora da UNESP, 1998, p.185-227.

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    Recebido: 09/10/2011Aprovado: 21/10/2011