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© 2018 IBRACON Volume 11, Number 3 (June 2018) p. 564 – 585 • ISSN 1983-4195 http://dx.doi.org/10.1590/S1983-41952018000300008 Soil-structure interaction analysis considering concrete creep and shrinkage Interação solo-estrutura: análise contemplando fluência e retração do concreto a Fluminense Federal University, Civil Engineering Department, , Niterói, RJ, Brazil; b State University of Rio de Janeiro, Structure and Foundation Department, Rio de Janeiro, RJ, Brazil. Received: 31 Dec 2016 • Accepted: 18 Aug 2017 • Available Online: This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License L. M. P. ROSA a [email protected] B. R. DANZIGER b [email protected] E. M. L. CARVALHO a [email protected] Abstract Resumo The paper presents some results from Rosa’s [1] research that aimed to verify the effect of creep and shrinkage of the concrete in soil-structure interaction. The construction consists in a 17 storeys building. It is set down on shallow foundation, in the central part of the construction, and steel piles, on the boundary. The structure was submitted to instrumentation during construction, including the monitoring of foundation settlements and columns deformation. It was possible to compare the structural design with a numerical refined structural analysis. Comparisons of the structural and foundation design with and without due consideration of soil-structure interaction are also presented. Finally, the different design assumptions were confronted with instrumentation results, both related to foundation settlements and to columns loading as well. Attention is pointed out on the effect of concrete creep and shrinkage in the soil-structure interaction analysis. Keywords: soil-structure interaction, foundation settlements, instrumentation. O presente artigo apresenta alguns resultados da pesquisa de Rosa [1], que teve por objetivo verificar o efeito da fluência e retração do concreto na interação solo-estrutura. Foi analisada uma edificação com 17 pavimentos mais subsolo, em fundação mista, submetida à instrumentação de campo contemplando o monitoramento de recalques e deformação de alguns pilares, ao longo do processo construtivo. Foi possível comparar o projeto do calculista com uma análise numérica mais refinada. Também se comparou o projeto, sem considerar e considerando a interação solo-estrutura. Finalmente, os diferentes cenários de projeto foram confrontados com os resultados experimentais, tanto em relação aos recal- ques como aos esforços nos pilares instrumentados. Atenção particular foi dada ao efeito da consideração da fluência e retração do concreto na análise da interação solo-estrutura. Palavras-chave: interação solo-estrutura, recalque, instrumentação.

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© 2018 IBRACON

Volume 11, Number 3 (June 2018) p. 564 – 585 • ISSN 1983-4195http://dx.doi.org/10.1590/S1983-41952018000300008

Soil-structure interaction analysis considering concrete creep and shrinkage

Interação solo-estrutura: análise contemplando fluência e retração do concreto

a Fluminense Federal University, Civil Engineering Department, , Niterói, RJ, Brazil;b State University of Rio de Janeiro, Structure and Foundation Department, Rio de Janeiro, RJ, Brazil.

Received: 31 Dec 2016 • Accepted: 18 Aug 2017 • Available Online:

This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License

L. M. P. ROSA a

[email protected]

B. R. DANZIGER b

[email protected]

E. M. L. CARVALHO a

[email protected]

Abstract

Resumo

The paper presents some results from Rosa’s [1] research that aimed to verify the effect of creep and shrinkage of the concrete in soil-structure interaction. The construction consists in a 17 storeys building. It is set down on shallow foundation, in the central part of the construction, and steel piles, on the boundary. The structure was submitted to instrumentation during construction, including the monitoring of foundation settlements and columns deformation. It was possible to compare the structural design with a numerical refined structural analysis. Comparisons of the structural and foundation design with and without due consideration of soil-structure interaction are also presented. Finally, the different design assumptions were confronted with instrumentation results, both related to foundation settlements and to columns loading as well. Attention is pointed out on the effect of concrete creep and shrinkage in the soil-structure interaction analysis.

Keywords: soil-structure interaction, foundation settlements, instrumentation.

O presente artigo apresenta alguns resultados da pesquisa de Rosa [1], que teve por objetivo verificar o efeito da fluência e retração do concreto na interação solo-estrutura. Foi analisada uma edificação com 17 pavimentos mais subsolo, em fundação mista, submetida à instrumentação de campo contemplando o monitoramento de recalques e deformação de alguns pilares, ao longo do processo construtivo. Foi possível comparar o projeto do calculista com uma análise numérica mais refinada. Também se comparou o projeto, sem considerar e considerando a interação solo-estrutura. Finalmente, os diferentes cenários de projeto foram confrontados com os resultados experimentais, tanto em relação aos recal-ques como aos esforços nos pilares instrumentados. Atenção particular foi dada ao efeito da consideração da fluência e retração do concreto na análise da interação solo-estrutura.

Palavras-chave: interação solo-estrutura, recalque, instrumentação.

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Soil-structure interaction analysis considering concrete creep and shrinkage

1. Introdução

A última atualização da Norma de Fundações da ABNT NBR 6122 [2] preconiza, em seu item 5.5, que “Em estruturas nas quais a deforma-bilidade das fundações pode influenciar na distribuição de esforços, deve-se estudar a interação solo-estrutura ou fundação-estrutura”.No caso particular de fundações mistas, que contemplam a utili-zação de fundações diretas e profundas, com os pilares da lâmina central, mais carregados, assentes em sapatas com elevada área de contato com o solo superficial e os pilares periféricos, menos carregados, em estacas, a deformabilidade das fundações pode influenciar de forma relevante a distribuição de esforços. Neste caso, o projeto deve ser estudado, em conformidade com a Norma Brasileira, prevendo a interação solo-estrutura, aspecto este ainda muito desconsiderado na prática.Apresenta-se, neste trabalho, parte do estudo da pesquisa de doutorado de Rosa [1], que contempla a análise de um edifício em fundações mistas submetido a uma instrumentação com monitora-mento dos recalques e da deformação de alguns pilares ao longo do processo construtivo.Uma previsão do comportamento do solo é procedida, incluindo a grandeza e desenvolvimento do recalque com o tempo, com base num modelo consistente da edificação e do solo. A análise estrutural foi feita com um modelo numérico elástico tridi-mensional da estrutura, utilizando um programa baseado no méto-do dos elementos finitos (MEF). Com base num modelo consisten-te do solo, foi possível estabelecer uma comparação da previsão do comportamento com os resultados das medições de campo.Foram interpretados os resultados da análise da interação solo--estrutura para as diferentes etapas construtivas e interpretados os efeitos da fluência e retração do concreto.

2. Descriçãodaedificação edoperfilgeotécnico

Trata-se de um edifício residencial com 12 pavimentos-tipo, cober-tura, pavimento de uso comum, térreo e pavimento semi-enterrado mais subsolo, situado em Niterói, RJ, ilustrado na Figura 1. A es-

trutura é em concreto armado, com geometria convencional, sobre fundações mistas (Figura 2(a)), sendo parte em fundação profunda, em estacas metálicas, e parte em fundação direta, em sapatas.O perfil geotécnico, ilustrado na Figura 2(b), revela um terreno de composição uniforme em planta, constituído por um trecho de aterro em sua superfície, de espessura de aproximadamente 0,7 metros em quase todas as sondagens. A seguir, observa-se uma camada de argila arenosa, com espessura que varia entre 1 e 2 metros, sobrejacente a uma camada de areia fina, média e grossa, argilosa com espessura variável entre 5 e 8 metros. Es-tas duas camadas, por sua vez, estão assentes sobre outra ca-mada de argila arenosa, com espessura de aproximadamente 2 metros. Finalmente, registra-se outra camada de areia fina, média e grossa, argilosa, com espessura variável até a profundidade do impenetrável, onde foram interrompidas as sondagens. O nível

Figura 1Fachada da edificação

Figura 2(a) Foundation plan; (b) Geotechnical profile

A B

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d’água encontra-se a cerca de 2m abaixo do nível do terreno nas sondagens. A locação das sondagens encontra-se apresentada na Figura 2(a).As sapatas estão assentes numa profundidade de -4,65 m em relação ao nível do terreno por ocasião da realização das sonda-gens, com exceção das sapatas P13+P36, P14+P21, M15, M16, M17, M22, P18 e P24 que estão assentes a -6,52 m. Todas as sapatas estão assentes em horizonte arenoso de média compa-cidade. Conforme dados do projeto, foi considerada uma tensão admissível de 0,4 MPa no dimensionamento das fundações. As estacas apresentaram comprimento variando entre 14 m e 23,4 m.

3. Modelo estrutural

A partir das plantas de forma do edifício, foi elaborado um modelo estrutural tridimensional, em elementos finitos, através do progra-ma comercial SAP2000. As vigas e os pilares foram modelados como elementos de barra, as lajes e a parede estrutural como elementos de placa, conforme ilustrado na Figura 3.Foram elaborados vários modelos para análise do prédio. O pri-meiro considerou a estrutura sobre apoios rígidos, indeslocáveis e teve como objetivo comparar as cargas obtidas nos pilares com as cargas do projeto original da edificação. Foram observadas di-ferenças nas cargas em torno de apenas 3%. Isso se deve ao fato do prédio ter uma geometria bastante regular e um modelo estrutural convencional.

4. Instrumentação de campo

A obra foi iniciada no começo de 2011 e as observações de campo referentes à execução da obra foram iniciadas em julho de 2011. Foram monitoradas 6 etapas construtivas entre novembro de 2011

e junho de 2012 com medições de recalque de alguns pilares, a serem detalhadas em item a seguir.A instrumentação de campo teve como objetivo monitorar os recal-ques e deformações dos pilares ao longo do tempo. Foram reali-zadas medidas em diversas etapas da construção.A medida de recalques envolveu a realização de um nivelamento ótico de precisão com base numa referência de nível profunda, efetuada em pontos fixos da estrutura na qual se pretendia medir os deslocamentos verticais. Para isto, foram instalados pinos de aço inoxidável nas faces externas de 11 pilares do edifício, no pa-vimento do subsolo, a uma altura de aproximadamente 30 cm do piso. O procedimento de medição dos recalques consistiu basica-mente em se nivelar os pinos dos pilares em relação às referên-cias fixas externas (“benchmark”), instaladas de forma a não sofrer influência da própria obra ou de outras causas externas.Os pinos serviram de apoio para a mira. Com nivelamentos perió-dicos, foi possível obter valores de recalques em diferentes fases de carregamento e de construção do edifício.No caso específico desta obra, não foi possível a execução de re-ferência externa à obra, pois não havia nenhum ponto, visualizado da obra, que fosse garantido que não se deslocasse, além da falta de recursos para sua execução internamente à obra. Com isso, optou-se por fixar como referência um pilar interno com recalque muito menor do que os demais pilares instrumentados.Conforme já mencionado, foram realizadas medições de recalque em 6 etapas construtivas. A Figura 4 mostra o estágio de cons-trução do prédio na 2a etapa de medição, em dezembro de 2011. Vale ressaltar que a primeira medição ocorreu com o edifício construído até o quarto pavimento. Sendo assim, a primeira eta-pa medida será considerada como a etapa “zero” e as demais medidas retiradas em função da diferença em relação a esta pri-meira medida.

Figura 3Modelo numérico da edificação em estudo

Figura 4Estágio de construção da 2a medição

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Para cada etapa medida, foi elaborado um modelo estrutural correspondente, com as cargas atuantes referentes a tais eta-pas. A Tabela 1 indica as etapas construtivas em que foram efetuadas medições de recalque e seus respectivos tempos de execução. A Tabela 2 enumera os pilares instrumentados para medição de recalque e o tipo de fundação, cuja localização foi indicada na Figura 2(a). A Figura 5 ilustra as curvas iso-recalques medidos para a 6a e

última etapa instrumentada. Nesta etapa o edifício já estava com sua estrutura e alvenaria prontas e o revestimento executado até o sétimo andar. Observou-se que os maiores recalques ocorreram nos pilares as-sentes sobre sapatas e os menores recalques ocorreram nos pi-lares com fundação profunda, conforme esperado neste caso, em que as fundações profundas são em perfis metálicos embutidos em solos de elevada resistência e as sapatas de grandes dimen-sões em planta. Em todas as etapas em que foram medidos recalques e defor-mações nos pilares, foram também medidas as temperaturas e umidades do ambiente com a utilização de um relógio termo-hi-grômetro. Não houve variação expressiva nas medições destes

Figura 5Curvas iso-recalques medidos para a 6a etapa, em centímetros

Tabela 1Etapas construtivas

Modelo Etapa da obra Tempo (dias)

Início – 0

1a leitura Estrutura concretada até o piso do 4o pavimento 203

2a leitura Estrutura concretada até o piso do 5o pavimento 217

3a leituraEstrutura concretada até o piso do 9o pavimento, com alvenaria

até o 4o pavimento266

4a leitura

Estrutura concretada até o teto da cobertura, alvenaria até o

10o pavimento, revestimento até o 2o pavimento

310

5a leituraEstrutura concluída, alvenaria até o 11o pavimento e revestimento

até o 3o pavimento336

6a leituraEstrutura concluída, alvenaria concluída e revestimento até

o 7o pavimento413

Tabela 2Pilares instrumentados e tipo de fundação

Pilares* Tipo de fundação

M15 Superficial

M20 Profunda

M21 Profunda

M22 Superficial

M23 Profunda

M25 Shallow

M28 Superficial

M29 Superficial

M32 Profunda

M36 Referência

P13+P36 Superficial

P18 Superficial

P24 Superficial

*(Para localização dos pilares instrumentados vide Figura 2(a))

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parâmetros. A média dos valores medidos foi de 27 graus Celsius, para a temperatura, e 75% para a umidade. Estes valores foram usados nas análises considerando a fluência e retração apresen-tadas no item 6.3.

5. Previsão teórica dos recalques

Para a previsão de recalques utilizou-se o método de Aoki e Lopes [3], o qual estima tensões e recalques no interior do maciço de solo através de um processo numérico em que as cargas que um conjunto de elementos (sapatas e estacas) transmite ao solo são decompostas em um sistema equivalente de cargas concentra-das, cujos efeitos são superpostos nos pontos em estudo.Baseado num programa computacional, desenvolvido por Aoki--Lopes [3], foram estimados os recalques para todos os pilares da edificação, a partir das cargas de projeto. Importante observar que estes valores foram calculados com o objetivo de verificar os pontos de maior e menor recalque, e ter uma ideia da ordem de grandeza dos valores.A Figura 6 mostra as curvas iso-recalques estimados para esta situação, sem consideração da interação solo-estrutura e para as cargas provenientes do projeto estrutural da edificação.Nota-se que os pilares com fundação profunda apresentaram a ordem de grandeza dos recalques bem menor que os pilares com fundação rasa, em sapatas, conforme era esperado. Os maiores valores de recalque ocorreram para os pilares centrais. Os me-nores valores de recalque ocorreram para os pilares da periferia. Cabe registrar que enquanto os recalques medidos tiveram início com a estrutura concretada até o piso do 4o pavimento, os recal-ques previstos consideram a estrutura completa.

6. Análisesdaedificação

6.1 Modelos numéricos

Foi previsto um modelo estrutural para cada etapa construtiva ins-trumentada. Com isso, foi possível comparar, para cada etapa, os recalques medidos com os recalques calculados a partir das cargas nas fundações previstas na análise do modelo estrutural.

Numa primeira fase da análise, as cargas foram aplicadas para o modelo com apoio rígido, apenas considerando os carregamentos existentes em cada etapa construtiva. A partir das cargas da fun-dação, assim obtidas, foram calculados os recalques referentes a cada etapa construtiva descrita, utilizando a metodologia proposta por Aoki-Lopes [3]. Nas fases seguintes da análise, os apoios foram considerados deslocáveis. Uma vez que as sapatas foram assentes em cama-da arenosa, de compressibilidade rápida, o modelo proposto para representar as características do terreno foi composto por uma mola, comportamento, portanto, linear. Os valores dos coeficien-tes de rigidez das molas representativas do modelo do solo foram estimados a partir das cargas nas fundações e dos respectivos recalques calculados em cada etapa construtiva, de forma a repro-duzirem a compressibilidade da camada de areia. Para a estimativa dos coeficientes de rigidez das molas represen-tativas do modelo do solo, partiu-se da definição do coeficiente de recalque K, que é a relação entre a carga atuante e o recalque, em kN/m. Os valores dos coeficientes de rigidez, estimados conforme ex-plicitado acima, foram considerados como condição de contorno no modelo estrutural para análise da interação seguinte. Foram feitas, para todas as etapas, várias iterações até a convergência dos valores de coeficiente de rigidez. Observou-se que os valores convergiram na 3a iteração.

6.2 Comportamento quanto aos recalques medidos e estimados

A partir dos modelos numéricos elaborados para cada etapa cons-trutiva, foi possível comparar os recalques medidos com os recal-ques estimados. As Figuras 7(a), 7(b), 7(c) e 7(d) apresentam as curvas iso-recalques estimados para a 6a etapa construtiva, consi-derando apoios rígidos e considerando as 3 iterações calculadas com interação solo-estrutura, respectivamente. Observa-se que os maiores recalques são estimados quando da consideração das cargas do modelo correspondente ao apoio rí-gido. Há mudança na locação dos maiores recalques quando se introduz a análise com interação solo x estrutura. Por outro lado, a mudança é pouco significativa no padrão de comportamento das curvas de iso-recalques quando se passa a um maior refinamento das análises (maior número de iterações), até a convergência dos resultados. Estes resultados parciais podem ser melhor acompa-nhados na pesquisa de Rosa [1].Verificou-se que estas análises de iterações múltiplas são muito trabalhosas e não resultam em diferenças significativas no padrão de comportamento nas diversas iterações além da primeira, quan-do se contempla a interação solo x estrutura. Não se observou di-ferença sensível no padrão de distribuição de recalques em planta e também na redistribuição de cargas na fundação. Uma vez que as fundações representam a última etapa do projeto e a primeira da execução, os autores consideram que, para projetos correntes, a análise da interação solo x estrutura, recomendada pela versão mais atualizada da norma, justifica-se numa única iteração.Em seguida, procurou-se comparar as curvas de iso-recalques previstas e medidas, de forma a se avaliar os parâmetros de com-pressibilidade estimados para o maciço de solos e a capacidade

Figura 6Curvas iso-recalques do projeto, em centímetros

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Soil-structure interaction analysis considering concrete creep and shrinkage

de previsão de comportamento, seja do modelo estrutural, seja da metodologia aplicada na previsão dos recalques. Cabe desta-car que a metodologia de Aoki-Lopes [3], originalmente concebida para fundações profundas, também pode ser utilizada para funda-

ções diretas e fundações mistas, como o caso presente. Para a 6a etapa, os valores medidos são ilustrados na Figura 7(e) e previs-tos na Figura 7(f). Uma vez que os recalques medidos se iniciaram após o início da obra, foram reduzidos, dos recalques calculados

Figura 7Curvas iso-recalques para a 6a etapa (em centímetros)

A

C

E

Estimados, apoios rígidos

aEstimados, 2 iteração

Medidos

B

D

F

aEstimados, 1 iteração

aEstimados, 3 iteração

Calculados

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apresentados na Figura 7(f), os valores correspondentes àqueles que ocorreriam antes do início da instrumentação.Observa-se que as Figuras 7(e) e 7(f) apresentam um aspecto bastante similar, com maiores recalques, da ordem de 1 cm, na parte central da edificação, especialmente no trecho dos pilares que apresentam fundação direta. Os pilares com fundação profun-da e da periferia apresentam ordem de grandeza dos recalques bem menor que os pilares centrais. A similaridade nos valores de recalque indica a adequação do mo-delo de compressibilidade do solo, que já havia sido observado por Conde de Freitas et al [4]. A similaridade no padrão da curva revela a adequação do modelo numérico ao representar o com-portamento da interação entre o solo e a estrutura.Cabe aqui lembrar o comportamento observado por Gusmão Filho [5] quanto ao efeito da sequência da construção na interação solo x estrutura, ilustrado na Figura 8. A Figura 8 ilustra o aumento do recalque médio com o avanço das etapas construtivas. Ao mes-mo tempo em que se observa o aumento do recalque médio, por efeito do acréscimo do carregamento, a variabilidade do recalque diminui, ou seja, o coeficiente de variação do recalque tende a diminuir com o avanço da construção. Este é o efeito da interação.As Figuras 9(a), 9(b) e 9(c) ilustram este mesmo efeito para a obra em estudo. Como as leituras desta obra não foram iniciadas no tempo zero, os valores estatísticos (média, desvio padrão e coeficiente de variação) foram determinados considerando que o recalque medido, em cada um dos pilares instrumentados, apre-sentasse, no início das leituras, um valor de recalque igual àquele calculado para o mesmo pilar naquele mesmo tempo. Os recal-ques calculados foram tomados com a origem no início da exe-cução. As Figuras 9(a), 9(b) e 9(c) ilustram, respectivamente, a média, desvio padrão e coeficiente de variação dos recalques es-timados e dos recalques medidos. O cálculo da média foi feito con-siderando o somatório dos recalques em cada pilar instrumentado dividido pelo número de pilares (11 pilares), para cada uma das etapas instrumentadas (6 etapas). A partir da média foi calculado

o desvio padrão e o coeficiente de variação, que é a razão entre o desvio padrão e a média.Observa-se que os valores médios medidos foram praticamente coincidentes com os valores médios calculados, exceto para a leitura correspondente ao intervalo de 310 dias após o início da instrumentação, justamente na ocasião em que foram perdidas 3 leituras. Possivelmente, a redução do número de observações re-sultou no comprometimento do valor médio. Observou-se, ainda, que o valor médio calculado no tempo de 310 dias, que contem-plou a média de 11 valores, se aproximou muito mais da tendência da curva do que o valor da média do recalque medido neste tem-po, cujo valor se afastou do comportamento do conjunto.Verificou-se que os valores de desvio padrão medidos foram tam-bém muito próximos dos valores calculados, exceto para a leitura correspondente ao mesmo intervalo de 310 dias após o início da instrumentação, justamente na ocasião em que foram perdidas 3 leituras. Possivelmente, o comprometimento do valor médio re-sultou no mesmo efeito no desvio padrão. Porém, enquanto no gráfico de recalques o valor do recalque médio calculado tenha se aproximado da curva do conjunto, enquanto o medido tenha se distanciado, no caso do desvio padrão aconteceu o oposto. Ainda não se conseguiu identificar uma justificativa para tal resultado.Como se considerou, para os valores medidos no início da instru-mentação, os mesmos valores calculados para aquela data, os valores da média, desvio padrão e coeficiente de variação se ini-ciaram no mesmo ponto. Nos valores calculados o coeficiente de variação se reduz, ao longo do processo executivo, porém muito lentamente. Para os valores medidos, o coeficiente de variação apresenta uma maior amplitude de variação, possivelmente pela perda de algumas leituras, como comentado anteriormente. Cabe observar que, apesar das diferenças ocorridas durante o carre-gamento, a amplitude da redução do coeficiente de variação foi a mesma, quer se tome os valores medidos, quer se tome os valo-res calculados. Destaca-se também que a maior redistribuição de cargas e recalques costuma acontecer no início da construção,

Figura 8Efeito da sequência executiva, Gusmão Filho [5]

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quando a rigidez da estrutura aumenta até os primeiros pavimen-tos. Observações experimentais comprovam que os primeiros pavimentos são os que mais trabalham, daí se verificar danos, relativos à presença de recalques excessivos, justamente nos primeiros pavimentos, que, infelizmente, na obra em apreço, não foram instrumentados. Como esta obra consiste num empreendi-mento comum, com um cronograma executivo rápido, apesar de todo o apoio recebido por parte da construtora, os autores não tiveram permissão de alterar as etapas e a velocidade de constru-ção. Até que se obtivesse a autorização e se iniciasse as leituras, a construção já se encontrava no quarto pavimento. Não foi possí-vel, assim, se observar o comportamento do coeficiente de varia-ção com o tempo no período em que ele deve sofrer uma variação mais significativa, ou seja, nas primeiras etapas da construção.Isto posto, se observa, embora de forma mais tênue, a redução do coeficiente de variação com a sequência executiva. Reportando--se à Figura 8, observa-se que Gusmão Filho [5] já representava a redução mais significativa do desvio padrão nas primeiras etapas.

6.3 Análise considerando a fluência e a retração do concreto

As iterações calculadas calibraram o modelo quanto às caracterís-ticas do terreno, definindo o valor a ser adotado para o coeficiente de rigidez das molas representativas do solo. Para a estimativa do coeficiente de rigidez das molas representativas do modelo do solo, partiu-se da definição do coeficiente de recalque K, que é a

relação entre a carga atuante e o recalque, em kN/m. Considerou--se, portanto, para as etapas subsequentes, os valores de coefi-ciente de rigidez da 6a etapa, após a 3a iteração. Toda a previsão de fluência e retração foi feita através do programa SAP2000, que se baseia nas formulações do Código Modelo do CEB-FIP [6]. Para o emprego das recomendações do CEB, faz-se necessário o uso de coeficientes empíricos baseados em certos parâmetros e características geométricas e propriedades mecâni-cas da estrutura, como: a resistência característica à compressão do concreto (fck = 35 MPa), módulo de elasticidade do concreto a 28 dias (Eci= 34x 103 MPa), seção transversal das peças, umidade relativa do meio (75%), idade e duração do carregamento e tipo de cimento empregado (0,25, na presente análise, correspondendo a um cimento de endurecimento normal). Quanto à idade e duração do carregamento, foram consideradas às etapas de construção e sua duração, indicados na Tabela 1. Importante observar que, para esta análise, não foram conside-radas todas as etapas citadas na Tabela 1, (1 a 6). Isto porque o acréscimo de carga entre determinadas etapas foi muito peque-no. Em alguns casos, os intervalos entre etapas foram também muito pequenos.Além disso, acrescentou-se uma etapa anterior ao início da instrumentação, ou seja, anterior à leitura “zero”, de forma a considerar o carregamento correspondente à construção da fundação, subsolo, piso semi-enterrado, térreo e pavimento de uso comum (PUC), objetivando melhor observar os efeitos dos fenômenos analisados.

Figura 9(a) Média, (b) Desvio padrão e (c) Coeficiente de variação dos recalques medidos e calculados

A B

C

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Foram analisadas seis situações para o edifício estudado, ao lon-go do tempo, conforme descrito abaixo:1) Estrutura com apoios rígidos;2) Estrutura com apoios elásticos e material da estrutura sem flu-

ência e retração;3) Estrutura com apoios elásticos e material da estrutura sujeito

apenas a fluência;4) Estrutura com apoios elásticos e material da estrutura sujeito

apenas a retração;5) Estrutura com apoios elásticos e material da estrutura sujeito a

fluência e retração;6) Estrutura com apoios rígidos e material da estrutura sujeito a

fluência e retração.As Figuras 10 e 11 apresentam as curvas de esforços normais de dois pilares (M5 e M22) ao longo do tempo, para as situações 1 a 6, enumeradas acima. Nestas figuras estão também identificadas, para melhor clareza, as etapas das medições.

A Figura 10 mostra as curvas para o pilar M5 (locação apresen-tada na Figura 2(a)), em fundação profunda. Para este pilar, por-tanto, o limite superior do carregamento equivale à estrutura sobre apoios elásticos e sem fluência e retração, enquanto o limite infe-rior equivale à estrutura sobre apoio elástico e submetida apenas à retração. O efeito da fluência resultou na redução da carga, para este pilar, enquanto a interação solo-estrutura resultou no acrés-cimo. A solicitação contemplando o efeito da fluência e retração ficou compreendida entre estes dois limites, ou seja, apoio elástico sem fluência e retração e apoio elástico com fluência e retração.A Figura 11 ilustra o que ocorre com o pilar M22, com fundação direta em sapata. Neste pilar, houve uma redistribuição de car-ga no sentido do acréscimo da solicitação, em todas as etapas de análise. O efeito da fluência, neste pilar, resultou no aumento do carre-gamento, para todas as etapas, de forma crescente no tempo. Houve uma mudança de comportamento em relação aos demais

Figura 10Esforço normal ao longo do tempo para o pilar M5, considerando as seis situações descritas

Figura 11Esforço normal ao longo do tempo para o pilar M22, considerando as seis situações descritas

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584 IBRACON Structures and Materials Journal • 2018 • vol. 11 • nº 3

Soil-structure interaction analysis considering concrete creep and shrinkage

Figura 13Curvas iso-recalques da 6a etapa: (a) medidos, (b) calculados e (c) considerando fluência e retração (em centímetros)

A B

C

pilares analisados, em que a interação e a fluência caminharam sempre em sentidos opostos. O efeito da retração indicou ser pouco significativo para este pilar, e caminhou no sentido de reduzir o carregamento. As autoras observaram, portanto, que na grande maioria dos pila-

res o efeito da fluência foi contrário ao da redistribuição de cargas. Já o efeito da retração se mostrou pouco significativo. Gonçalves [7] também observou que os efeitos da retração foram pequenos e aconteceram no tempo inicial do carregamento e na região dos pilares de grande rigidez. No geral, a partir do tempo de 140 dias, os efeitos da retração também foram pouco significativos.A Figura 12 mostra as curvas iso-recalques, após a 6a etapa cons-trutiva, considerando a interação solo-estrutura e os efeitos da fluência e retração. As curvas iso-recalques sem considerar os efeitos de fluência e retração foram apresentadas na Figura 7(d). Em relação aos recalques, o efeito da fluência e retração não alte-rou o padrão de sua distribuição em planta para o caso em estudo, nem seu valor máximo, como se observa na comparação entre as Figuras 7(d) e 12. Conclui-se que, para a obra em estudo, o efeito combinado da flu-ência e retração não contribuiu para uma maior uniformização dos recalques em planta em relação ao efeito relevante da interação solo x estrutura. A Figura 13 mostra as curvas iso-recalques após a 6a etapa cons-trutiva reduzindo, no caso dos recalques estimados, a parcela cal-culada anteriormente ao carregamento existente por ocasião do início da instrumentação (1a etapa). A Figura 13 inclui: (a) os recal-ques medidos, (b) os recalques calculados considerando a intera-ção solo-estrutura e (c) os recalques calculados considerando a interação solo-estrutura incluindo os efeitos da fluência e retração.

Figura 12Curvas iso-recalques da 6a etapa, com interação solo-estrutura, considerando fluência e retração (em centímetros)

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585IBRACON Structures and Materials Journal • 2018 • vol. 11 • nº 3

L. M. P. ROSA | B. R. DANZIGER | E. M. L. CARVALHO

Observa-se que houve maior consistência entre a curva medida com aquela contemplando apenas a interação. Quando se conside-ra, além da interação, o efeito da fluência e retração, ocorreu uma mudança de comportamento no trecho central da curva, com uma maior uniformização dos recalques, superior ao ocorrido na curva medida, além de uma mudança nos cantos, com redução mais brusca dos recalques na curva contemplando a fluência e retração.Conclui-se, assim, que a consideração da fluência e retração na análise numérica sinaliza para uma avaliação em excesso à sua real significância quando comparada apenas ao efeito da intera-ção, de acordo com a instrumentação.

7. Conclusões

O presente artigo apresentou a análise de um edifício, em fun-dações mistas, em que foi realizada a instrumentação de campo para medições de recalque e deformações de pilares.O artigo revelou uma adequação das ferramentas atualmente dis-poníveis, quer em relação ao modelo numérico estrutural, quer em relação à previsão dos recalques, efeito de grupo e estimativa da compressibilidade do maciço de solo em representar, de forma ade-quada, o comportamento da interação entre o solo e a estrutura.Observou-se que os valores médios e de desvio padrão dos re-calques medidos foram praticamente coincidentes com os valores médios e desvio padrão dos recalques calculados. Verificou-se que as análises de iterações múltiplas são muito tra-balhosas e não resultam em diferenças significativas no padrão de comportamento nas diversas iterações além da primeira, quando se contempla a interação solo x estrutura.Em relação à redistribuição das cargas em etapas sucessivas, observou-se que a interação e a fluência caminharam sempre em sentidos opostos.A consideração da fluência e retração na análise numérica sinaliza para uma avaliação em excesso à sua real significância quando comparada apenas ao efeito da interação.

8. Referênciasbibliográficas

[1] ROSA, L. M. P. Soil structure interaction: analysis consid-ering creep in concrete (In Portuguese) Niterói, 2015, DSc Thesis – Civil Engineering Department, Fluminese Federal University, 204 p.

[2] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Foundations Design and Execution (In Portuguese). - NBR 6122, Rio de Janeiro, 2010.

[3] AOKI, N.; LOPES, F. R. Estimating stresses and settle-ments due to deep foundations by the Theory of Elasticity. Proceedings, 5th Pan American CSMFE, Buenos Aires, v.1, p.377-386, 1975.

[4] CONDE DE FREITAS, A.; PACHECO, M.; DANZIGER, B. R. Estimating Young Module in Sands from the Normalized N60 Blow Count. Soils and Rocks, vol. 35, n.1, 2012.

[5] GUSMÃO FILHO, J. Contribution to foundation practice: a experience from the city of Recife. Full professor These (In Portugueses), UFPE, Recife, 1995, 251 p.

[6] COMITÊ EURO-INTERNACIONAL DU BETON. CEB-FIP Model Code 1990, Design Code, Thomas Telford

[7] GONÇALVES, J.C. A Influência dos Recalques das Funda-ções no Comportamento de Edificações ao Longo do Tem-po. Rio de Janeiro, 2010, Tese (doutorado), Engenharia Civil, Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ, 312 p.