modelados e paisagens

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Modelados e paisagens Certos geógrafos escreveram que a geografia é a ciência das paisagens. Não penso que o seja, pois isso seria reduzi-la ao estudo de conceitos

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Modelados e paisagens

Certos geógrafos escreveram que a geografiaé a ciência das paisagens. Não penso que o seja,pois isso seria reduzi-la ao estudo de conceitos

subjectivos incompatíveis com o assunto da geo-grafia que é o de «avaliar a natureza e a inten-sidade das relações que caracterizam"econdicio-nam a vida dos grupos humanos». Todavia, osmodelados são elementos das paisagens porvezes não associados às actividades humanas:paisagens dos grandes ergs sarianos, dos planal-tos tibetanos salpicados de lagos e dominadospor cordilheiras cobertas de gelo. O modeladopode mesmo identificar-se com a paisagem:fala-se assim do canhão do Colorado, da dunado Pilat, das falésias de Étretat.

Segundo o geógrafo Michel Bruneau, «a pai-sagem está no limite comum entre a epidermeterrestre e a atmosfera. Forma visível do contactoentre a biosfera, a litosfera e a hidrosfera, a pai-sagem é caracterizada por uma vegetação natu-ral mais ou menos degradada, por uma utiliza-ção e uma ocupação humana do solo num dadoquadro geomorfológico».Esta definição dá contaprecisamente dos elementos da paisagem, mascertos geógrafos quiseram levar mais longe assuas investigações ao ponto de afirmar, comovenho de dizer, que a geografia era a ciência daspaisagens. Nestas condições, a paisagem torna-va-se um objecto científico que era necessáriocodificar. A dissecação em vista de uma descri-ção anatómica fria e metódica conduz a algumasaberrações. Querer codificar as paisagens éum empreendimento delicado, e prestam-se asorrisos os neologismos fabricados com este fim.Sempre com a finalidade de lhes codificar a des-crição, alguns submeteram-nas a uma grelha

destinada a classificá-las em relação a urna abor-dagem sensorial. Assim, esta grelha distingueem primeiro lugar, por exemplo, volumes e for-mas; mas os volumes não têm necessariamenteurna forma? A grelha teria tendência para fazeresquecer a alguns que os volumes e as formastêm nomes: são ravinas, dunas, falésias, ensea-das, vulcões - e que estes objectos, para ocomum dos mortais, são evoca dores de conjun-tos paisagísticos. Na outra extremidade doxadrez geográfico, alguns consideram as paisa-gens corno o «domínio fraco» da geografia aoqual, por urna espécie de contra-senso científico,foram aplicadas técnicas rigorosas incompa-tíveis com o assunto. Todavia, a paisagem édesde há alguns anos objecto de reflexão, poisos técnicos do planeamento do território tornamem conta um aumento da procura social dizendorespeito à melhoria do meio ambiente quoti-diano e, portanto, entre outros, do patrimóniopaisagístico.

A paisagem é uma composição a váriosníveis, representando elementos naturais e oimpacto, por vezes profundo, das actividadeshumanas. Segundo a sua sensibilidade, o obser-vador descobrirá, de preferência, as componen-tes naturais, corno os modelados, ou, ao contrá-rio, interessar-se-á pela. organização do parcelare pelo aspecto arborizado da paisagem agrícola.Pelo que me diz respeito, penso que a paisagempermanece sensorial, sem nenhuma conotaçãocientífica. Apresenta todavia um grande inte-resse pedagógico pois provém de urna observação

em varras escalas, com planos sucessivos emesmo elementos invisíveis que é possível fazersobressair para uma melhor interpretação.

Tomemos como exemplo o sítio de Zagora,no Sul marroquino. A partir ao jbel Zagora,olhando em redor abraça-se uma imensa planíciedesértica fechada pela escarpa contínua e rígidada Crosse do Bani. Esta domina detritos colu-viais que se juntam a jusante com glacis baixosdo Quaternário recente. Em contrapartida, osglacis mais recentes elevam-se em montículos eem correias alongadas, orientadas na direcção dagoteira do vale do uede Draa. A uma escalamaior, distinguiríamos os regs em andares, algu-mas dunas sobre uma estrumeira de limos, par-celas irrigadas nos palmeirais, aldeias de casbahsencostadas umas às outras. A uma escala aindamaior, poderíamos descrever as casas em adobee, observar que o palmeiral está plantado comfigueiras, amendoeiras, oliveiras e damasquei-ros. A cada etapa desta descrição, seria possívelapelar para noções invisíveis que completam apaisagem. Os terraços e glacis estão salpicadosde pedras, um solo mediterrânico vermelhocobre os aluimentos no sopé do jbel Zagora. Oscamponeses sedentários são antigos escravosvindos das savanas. A paisagem visível é poisprolongada pelos dados científicos que melhorpermitem apreciá-la.

Certos modelados estão integrados em paisa-gens das quais constituem por vezes o interesseessencial, tais como os Dolomitas que dominamCortina de Ampezzo. A celebridade destas

paisagens provém da sua rriediatiz ação pelapublicidade, pelo cinema (a baía de Along, ondefoi em parte rodado o filme Indochina), pelosguias turísticos, pelos mapas onde estão assina-lados os miradouros e os panoramas. Destemodo são gabadas as paisagens pitorescas quemerecem um desvio e mesmo a viagem. Esteentusiasmo conduz à classificação dos grandeslocais que fazem parte do património nacional einternacional.

A lei francesa de 1930regula a protecção doslocais proporcionalmente às suas qualidadesestéticas, históricas ou paisagísticas. O exemplodo vale da Restonica ilustra bastante bem opapel dos modelados nos encantos de um localprotegido. O vale de Restonica é um dos trêsgrandes locais protegidos da Córsega, junta-mente com as agulhas de Bavella e o golfo dePorto-Cirolata. No caso da Restonica, o interessedo vale de altitude reside na existência de mode-lados de origem glaciária representados por doislagos ditos de ferrolho * - Capitello e Melo -, pormareias e pelas paredes abruptas do vale emforma de U escavado nos granitos.

A originalidade das agulhas de Bavella pro-vém do afeiçoamento de granitos resistentes,fracturados verticalmente pela erosão mecânicae pela decomposição química, que recortaram namassa rochosa: agulhas, pilastras, zimbórios,cristas rendilhadas. De um modo mais geral, oslocais incluem modelados associados à reparti-ção da cobertura vegetal e às actividades huma-nas; é o caso da baía do Rio de Janeiro.

No estudo dos modelados da Terra, tentá-mos, na qualidade de geógrafo, mostrar o papeldo homem, pois a humanização dos meios«naturais», progressiva no começo e hoje acele-rada, é um tema maior.

Os modelados, objecto de pesquisas, ofere-cem um domínio de reflexões variadas. Reflexõesacerca do tempo, aquele que desfila ao longodas eras geológicas e que se acelera com os cemúltimos milenários. Reflexões sobre a Terra nassuas mutações progressivas, pedológicas e sedi-mentares, ou brutais, caóticas e catastróficas.Reflexões, enfim, acerca das paisagens, cujoconhecimento se enriquece com os dados cientí-

. ficas que a sua contemplação desperta.

EROSÃO E PAISAGENS NATURAIS I JEAN RISER; TRAD. ANTÓNIO VIEGAS

AUTOR(ES):

PUBLICAÇÃO:

DESCR. FlsICA:

COLECÇÃO:

NOTAS:

ISBN:

Riser, Jean; Viegas, António, trad.

Lisboa: Instituto Piaget, 1999

127 p. : tl. ; 21 em

Biblioteca básica de ciência e cultura ; 64

Tít. orig.: Érosion et paysages naturels

972-771-135-9