innocence project chancede reviravolta...2 dn30dejulhode2019 terça-feira #revisãocriminal...

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10 DN 29 de julho de 2019 Segunda-feira www.diariodonordeste.com.br SEGURANÇA Chance de reviravolta Homem preso há cinco anos por estupro pode ser inocentado A Defensoria Pública e a organização não-governamental Innocence Project pediram revisão criminal no TJCE –a ser julgada hoje – por entenderem que o crime foi cometido por outro homem. Caso ficou conhecido como’ Maníaco da Moto’ A prisão por estuprar oito mulheres, a con- denação a nove anos de reclusão e quase cinco anos no cárce- re. Mas, hoje, a vida de Antônio Cláudio Barbosa de Castro, de 35 anos, pode ter uma reviravolta, com a conclusão do julgamento da revisão criminal proposta pe- la Defensoria Pública do Ceará e pelo Innocence Project (IP) Brasil, associação sem fins lu- crativos que busca reverter condenações de inocentes, que irá acontecer a partir das 13h30, nas Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justi- ça do Ceará (TJCE). Antônio Cláudio era dono de uma borracharia no Mon- dubim e não tinha passagens pela Polícia, quando foi deti- do em agosto de 2014 por sus- peita de abusar sexualmente das oito mulheres, de idades entre 11 e 24 anos, nos bairros Maraponga, Parangaba, Vila Peri e arredores, em Fortale- za. O caso ficou conhecido co- mo ‘Maníaco da Moto’. O criminoso utilizava uma motocicleta ver- melha para abordar as vítimas e uma faca para ameaçá-las. Quatro delas reco- nheceram Antônio como o agressor. Um dos casos termi- nou na condenação, decre- tada em fevereiro de 2018. O processo crimi- nal segue sob sigilo de Jus- tiça, por se tratar de crime se- xual. A denúncia de “condena- ção injusta” chegou ao IP logo em seguida e a instituição pro- curou a Defensoria. O defen- sor público que atua no caso #RevisãoCriminal Messias Borges [email protected] Um homem foi detido por estupro em 2014 e condenado a nove anos de prisão, em 2018. Após cinco anos da prisão, ele pode ser inocentado hoje, após pedido de revisão criminal e coleta de novas provas www.diariodonordeste.com.br Segunda-feira 29 de julho de 2019 DN 11 8 MULHERES FORAM VÍTIMAS DO ‘MANÍACO DA MOTO’ O‘Maníacoda Moto’,comoficou conhecidoo agressor,teria estupradooito mulheres,nosbairros Maraponga,Parangaba,Vila Perie arredores,emFortaleza. SEGURANÇA preferiu não comentar o as- sunto antes do novo julgamen- to. Já a ONG aceitou falar com a reportagem sobre o pedido de revisão criminal, respeitan- do o sigilo da ação penal. “O Innocence Project foi procurado por uma ex-namo- rada dele, que alegava sua ino- cência. Nós somos uma insti- tuição não-governamental, sem fins lucrativos, e atuamos depois que fazemos um longo trabalho de investigação, para nos convencermos, baseados em provas, da inocência de al- guém que está preso e conde- nado”, conta a diretora do Pro- jeto, a advogada Flávia Rahal. Um dos argumentos do pe- dido feito pela Defensoria Pú- blica e pelo Innocence Pro- ject, obtido pelo Sistema Ver- des Mares, é que sete mulhe- res desistiram de acusar Antô- nio Cláudio. No único caso le- vado adiante, a vítima tinha apenas 11 anos na época. Ela te- ria sido a primeira pessoa a re- conhecer o dono de borracha- ria como criminoso. Questionada acerca do as- sunto, Rahal afirma que “a úni- ca coisa que sustentou a con- denação foi o reconhecimen- to feito pela vítima” – não hou- ve exame de DNA, por exem- plo. “Não estamos falando de um reconhecimento feito por má-fé. Ela foi vítima de abuso, deve ser uma coisa que deixa marcas muito doloridas. E quando ela viu a foto dele (An- tônio), se convenceu de que ele era a pessoa que a atacou. No momento em que ela se convence – tem uma tese de Direito com Psicologia que fa- la da falta de memória – ela in- terioriza que foi ele”, acredita. Outro suspeito Para a defesa, o homem que cometia os crimes sexuais pe- las ruas de Fortaleza tem mais de 1,80m de altura. Antônio Cláudio é bem mais baixo, tem apenas 1,59m. A prova es- taria em uma imagem de uma câmera de monitoramento, que também foi utilizada para reconhecer o dono de uma borracharia como criminoso, na investigação do 5º DP (Pa- rangaba), da Polícia Civil. Dois laudos elaborados por peritos forenses atestam a diferença e foram anexados ao pedido de revisão criminal. A Defensoria Pública e o In- nocence Project acrescentam, no documento, que os ata- ques do ‘Maníaco da Moto’ continuaram, mesmo com An- tônio preso. Uma mulher teria sido estuprada em abril de 2015 e outra em janeiro de 2016. Outro homem foi captu- rado pelos crimes e ainda te- ria sido reconhecido por duas vítimas – em casos que antes a autoria era atribuída pela Polí- cia a Antônio Cláudio. Duas policiais civis que in- vestigaram o caso do ‘Maníaco da Moto’ se convenceram de que o homem condenado não é o criminoso e atuaram como testemunhas de defesa no pro- cesso. O pedido de revisão cri- minal ainda garante que Antô- nio não possuía uma motoci- cleta vermelha na época dos crimes – até chegou a ter, mas vendeu em novembro de 2013. O dia O novo julgamento de Antô- nio Cláudio já começou, em sessão realizada em maio des- te ano. O Ministério Público do Ceará (MPCE), que o de- nunciou pelo crime, voltou atrás e se posicionou a favor da inocência do homem pre- so. A desembargadora relato- ra do processo também foi fa- vorável, mas um desembarga- dor foi contra. Um magistrado pediu vistas do pedido de revi- são criminal, o que paralisou a sessão e adiou o desfecho do caso. Faltam os votos de dez desembargadores. O MPCE pode mudar de po- sicionamento, dentro da ação penal. Procurado através da assessoria de comunicação, o órgão informou que o promo- tor de Justiça responsável pe- lo caso não iria conceder en- trevista, devido ao sigilo do processo. “Concomitantemen- te ao exercício da função de acusador num processo penal por ação incondicionada, o Mi- nistério Público também exer- ce a função de fiscal da Lei, não podendo se afastar das im- posições constitucionais, sob pena de violar a administra- ção da Justiça”, explicou. + PRIMEIRA VITÓRIA DO INNO- CENCE PROJECT BRASIL Crimes sexuais com reviravolta sãocomunsnomundo.OInnocen- ceProject Brasil jáconseguiu re- verteruma condenação, também porestupro. AtercinoFerreira de Lima Filho foi sentenciado a 27 anosde prisão pelaacusação de terabusado sexualmente dedois filhos,quando eram crianças. Anos depois, eles voltaram atrás e disseramque não foi o pai. Em março de2018, 11 meses apósa condenação, o homem foi inocen- tadopelo Tribunal de Justiça de SãoPaulo (TJSP). CASO NOS EUA RETRATADO EM DOCUMENTÁRIO Emoutro caso deestupro com reviravolta, Steven Avery foi ino- centado,após cumprir18 anos de prisão,entre 1985 e 2003, nos EstadosUnidos. Em 2005, elefoi novamentedenunciado, desta vez porum homicídio. E em 2007, condenadomais uma vez. A defe- sa dopreso também pediu revisão criminal sobre o novo crime. A históriade Avery foi retratada no documentário ‘Makinga Murderer’,da Netflix. O condenado não foi autor do fato criminoso, ou o fato criminoso não aconteceu O condenado tem no mínimo 5 anos de pena a cumprir no sistema prisional A condenação já transitou em julgado Há fato ou prova capaz de absolver o réu e que nunca foi analisada pelo Poder Judiciário Innocence Project Organização não-governamental e sem fins lucrativos atua no Brasil desde 2016 1 O Projeto recebe um pedido de atuação em um processo criminal 2 Os associados do Projeto apuram informações preliminares sobre o caso 3 O caso é analisado para ver se cumpre os requisitos de atuação do Projeto 4 Os membros do Innocence Project estudam todos os casos que preencham os requisitos 5 Em seguida, eles tentam obter provas de inocência dos réus 6 Por fim, os advogados peticionam a revisão criminal à Justiça Requisitos

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Page 1: Innocence Project Chancede reviravolta...2 DN30dejulhode2019 Terça-feira #RevisãoCriminal ThatianyNascimento thatiany.nascimento@diariodonordeste.com.br DESTAQUE Fimda agonia oram

10 DN 29dejulhode2019 Segunda-feira www.diariodonordeste.com.br

SEGURANÇA

Chancedereviravolta

HomempresohácincoanosporestupropodeserinocentadoADefensoriaPúblicaeaorganizaçãonão-governamental InnocenceProjectpediramrevisãocriminalnoTJCE–aser julgadahoje–porentenderemqueocrimefoicometidoporoutrohomem.Casoficouconhecidocomo’ManíacodaMoto’

Aprisão por estupraroito mulheres, a con-denação a nove anosde reclusão e quasecinco anos no cárce-re. Mas, hoje, a vidade Antônio CláudioBarbosa de Castro,de 35 anos, pode teruma reviravolta, com

a conclusão do julgamento darevisão criminal proposta pe-laDefensoria PúblicadoCearáe pelo Innocence Project (IP)Brasil, associação sem fins lu-crativos que busca revertercondenações de inocentes,que irá acontecer a partir das13h30, nas Câmaras CriminaisReunidas do Tribunal de Justi-çadoCeará (TJCE).Antônio Cláudio era dono

de uma borracharia no Mon-dubim e não tinha passagenspela Polícia, quando foi deti-do em agosto de 2014 por sus-peita de abusar sexualmentedas oito mulheres, de idadesentre 11 e 24 anos, nos bairrosMaraponga, Parangaba, VilaPeri e arredores, em Fortale-za. O caso ficou conhecido co-

mo ‘ManíacodaMoto’.O criminoso utilizavauma motocicleta ver-melha para abordar as

vítimas e uma faca paraameaçá-las.Quatrodelas reco-nheceram Antônio como oagressor. Um dos casos termi-

nou na condenação, decre-tada em fevereiro de2018. O processo crimi-

nal segue sobsigilode Jus-tiça, por se tratar de crime se-xual.Adenúnciade“condena-ção injusta” chegou ao IP logoemseguida e a instituição pro-curou a Defensoria. O defen-sor público que atua no caso

#RevisãoCriminal MessiasBorges [email protected]

Umhomemfoidetidoporestuproem2014econdenadoanoveanosdeprisão,em2018.Apóscincoanosdaprisão,elepodeser inocentadohoje,apóspedidoderevisãocriminalecoletadenovasprovas

www.diariodonordeste.com.br Segunda-feira 29dejulhode2019 DN 11

8MULHERESFORAMVÍTIMASDO‘MANÍACODAMOTO’O‘ManíacodaMoto’,comoficouconhecidooagressor,teriaestupradooitomulheres,nosbairrosMaraponga,Parangaba,VilaPeriearredores,emFortaleza.

SEGURANÇA

preferiu não comentar o as-suntoantesdonovo julgamen-to. Já a ONG aceitou falar coma reportagem sobre o pedidode revisão criminal, respeitan-doo sigiloda açãopenal.“O Innocence Project foi

procurado por uma ex-namo-radadele, quealegava sua ino-cência. Nós somos uma insti-tuição não-governamental,sem fins lucrativos, e atuamosdepois que fazemos um longotrabalho de investigação, paranos convencermos, baseadosemprovas, da inocência de al-guém que está preso e conde-nado”, conta adiretoradoPro-jeto, a advogadaFláviaRahal.Um dos argumentos do pe-

dido feito pela Defensoria Pú-blica e pelo Innocence Pro-ject, obtido pelo Sistema Ver-des Mares, é que sete mulhe-res desistiram de acusar Antô-nio Cláudio. No único caso le-vado adiante, a vítima tinhaapenas 11 anosnaépoca.Ela te-ria sido a primeira pessoa a re-conhecer o dono de borracha-ria comocriminoso.Questionada acerca do as-

sunto,Rahal afirmaque“aúni-ca coisa que sustentou a con-denação foi o reconhecimen-to feito pela vítima” – nãohou-ve exame de DNA, por exem-plo. “Não estamos falando deum reconhecimento feito pormá-fé. Ela foi vítima de abuso,deve ser uma coisa que deixamarcas muito doloridas. Equando ela viu a foto dele (An-tônio), se convenceu de queele era a pessoa que a atacou.No momento em que ela seconvence – tem uma tese deDireito com Psicologia que fa-la da falta dememória – ela in-teriorizaque foi ele”, acredita.

OutrosuspeitoPara a defesa, o homem quecometia os crimes sexuais pe-las ruas de Fortaleza temmaisde 1,80m de altura. AntônioCláudio é bem mais baixo,temapenas 1,59m. A prova es-taria em uma imagem de uma

câmera de monitoramento,que também foi utilizada parareconhecer o dono de umaborracharia como criminoso,na investigação do 5º DP (Pa-rangaba), da Polícia Civil. Doislaudos elaborados por peritosforenses atestam a diferença eforam anexados ao pedido derevisãocriminal.A Defensoria Pública e o In-

nocence Project acrescentam,no documento, que os ata-ques do ‘Maníaco da Moto’continuaram,mesmocomAn-tôniopreso. Umamulher teriasido estuprada em abril de2015 e outra em janeiro de2016. Outro homem foi captu-rado pelos crimes e ainda te-ria sido reconhecido por duasvítimas – em casos que antes aautoria era atribuída pela Polí-cia aAntônioCláudio.Duas policiais civis que in-

vestigaramocasodo ‘Maníacoda Moto’ se convenceram deque o homem condenado nãoé o criminoso e atuaram comotestemunhasdedefesanopro-cesso. O pedido de revisão cri-minal ainda garante que Antô-nio não possuía uma motoci-cleta vermelha na época doscrimes – até chegou a ter, masvendeu em novembro de2013.

OdiaO novo julgamento de Antô-nio Cláudio já começou, emsessão realizada emmaio des-te ano. O Ministério Públicodo Ceará (MPCE), que o de-nunciou pelo crime, voltouatrás e se posicionou a favorda inocência do homem pre-so. A desembargadora relato-ra do processo também foi fa-vorável, mas um desembarga-dor foi contra. Ummagistradopediuvistasdopedidode revi-são criminal, oqueparalisouasessão e adiou o desfecho docaso. Faltam os votos de dezdesembargadores.OMPCE podemudar de po-

sicionamento, dentro da açãopenal. Procurado através daassessoria de comunicação, oórgão informou que o promo-tor de Justiça responsável pe-lo caso não iria conceder en-trevista, devido ao sigilo doprocesso. “Concomitantemen-te ao exercício da função deacusador numprocesso penalporação incondicionada,oMi-nistério Público tambémexer-ce a função de fiscal da Lei,nãopodendo seafastardas im-posições constitucionais, sobpena de violar a administra-çãoda Justiça”, explicou.

+PRIMEIRAVITÓRIADOINNO-CENCEPROJECTBRASILCrimessexuaiscomreviravoltasãocomunsnomundo.OInnocen-ceProjectBrasiljáconseguiure-verterumacondenação,tambémporestupro.AtercinoFerreiradeLimaFilhofoisentenciadoa27anosdeprisãopelaacusaçãodeterabusadosexualmentededoisfilhos,quandoeramcrianças.Anosdepois,elesvoltaramatrásedisseramquenãofoiopai.Emmarçode2018,11mesesapósacondenação,ohomemfoiinocen-tadopeloTribunaldeJustiçadeSãoPaulo(TJSP).

CASONOSEUARETRATADOEMDOCUMENTÁRIOEmoutrocasodeestuprocomreviravolta,StevenAveryfoiino-centado,apóscumprir18anosdeprisão,entre1985e2003,nosEstadosUnidos.Em2005,elefoinovamentedenunciado,destavezporumhomicídio.Eem2007,condenadomaisumavez.Adefe-sadopresotambémpediurevisãocriminalsobreonovocrime.AhistóriadeAveryfoiretratadanodocumentário‘MakingaMurderer’,daNetflix.

O condenado não foi autor do fato criminoso, ou o fato criminoso não aconteceu

O condenado tem no mínimo 5 anos de pena a cumprir no sistema prisional

A condenação já transitou em julgado

Há fato ou prova capaz de absolver o réu e que nunca foi analisada pelo Poder Judiciário

Innocence ProjectOrganização não-governamental e sem finslucrativos atua no Brasil desde 2016

1O Projeto recebe um pedido de atuação em um processo criminal

2Os associados do Projeto apuram informações preliminares sobre o caso

3O caso é analisado para ver se cumpre os requisitos de atuação do Projeto

4Os membros do Innocence Project estudam todos os casos que preencham os requisitos

5Em seguida, eles tentam obter provas de inocência dos réus

6Por fim, os advogados peticionam a revisão criminal à Justiça

Requisitos

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30deJULHOde2019 Ano38/Nº13356

TERÇA-FEIRA R$3,00Fundador:EdsonQueirozwww.diariodonordeste.com.br

VERSO

Apóspassarcincoanospreso injustamenteporestupro,oborracheiroAntônioCláudioBarbosadeCastrodevesair, hoje, docárcere.Entendacomoocasosofreu reviravoltae reparouumagrande injustiçaP.2E3

GovernadoresdoNEdefinemprioridades P.18e19

Maisde500embarcaçõesautuadasem3anosnoCE P.10e11

Iza fala sobrechegadaao timedoTheVoice

Homeminocentadoapós5anosnaprisão

FOTO:JLROSA

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2 DN 30dejulhode2019 Terça-feira www.diariodonordeste.com.br

#RevisãoCriminal ThatianyNascimento [email protected]

DESTAQUE

Fimdaagonia

oram precisamente 4 anos, 11meses e 7 dias preso por umcrimedaqual não foi culpado.Quando Antônio Cláudio Bar-bosa de Castro sair, hoje, doCentro de Execução Penal eIntegração Social Vasco Da-masceno Weyne (Cepis), co-nhecidocomoCPPLV, em Itai-tinga, a vida recomeça, apósuma reviravolta. Ele foi presoem2014preventivamenteacu-sado de estupro de vulnerá-vel. Em 2018 foi condenado a9 anos de prisão. Ontem, de-sembargadores das CâmarasCriminais doTribunal de Justi-ça do Ceará (TJCE) reviram acondenaçãoeoabsolveram.A revisão criminal foi pro-

posta pela Defensoria Públicado Ceará e Innocence Project(IP) Brasil, associação sem finslucrativos que busca revertercondenações de inocentes.No julgamento, dois desem-bargadores votaram contrá-rios à revisão da sentença eanulação da pena. Outros oi-to, dentre elas a desembarga-dora relatora do caso desem-bargadora Marlúcia de AraújoBezerra, foram favoráveis.O pedido de revisão foi, en-

tão, considerado procedentee Antônio Cláudio Barbosa deCastro declarado formalmen-te inocente. A desembargado-ra Marlúcia de Araújo Bezerradeve assinar, hoje, o alvará desolturadopreso.A família aguarda comansie-

dade omomento que AntônioCláudio deixará o cárcere.

Nosquase cinco anos, alémdaCCPLV, ele também ficoupre-so na Casa de Privação Provi-sória de Liberdade III (CPPLIII), em Itaitinga.Para chegar a esse desfe-

cho, duas vias forampercorri-das inicialmente. A família, se-gundo a irmã do preso, Antô-nia Geralda Castro, conta quedesde a prisão, buscava uma

formadecomprovar a inocên-ciado irmão.Atravésdeumfil-me soube da existência do In-nocence Project (IP) Brasil,que até então só exista nos Es-tadosUnidos.Hádois anos, re-lata ela, umescritório da orga-nização foi aberto emSãoPau-lo e a família entrou em conta-to. A partir daí, a organizaçãocomeçouaatuarno caso.

“Hoje foi feita Justiça.Umrapazqueviviaumavidanormal, idôneo,honesto,quedeumahoraparaaoutra teveavidadestruídaporumengano”EmersonCasteloBrancoDefensorPúblico

INJUSTIÇA REPARADA

Desdequeele foipreso,eulutopor Justiça.Otantoqueeucorri,queeusofri,quantasnoiteseupasseiacordada.Oquantoeucorriatrásdeum,atrásdeoutro.Meu irmãoéinocente”AntôniaGeraldaCastroIrmãdopreso inocentado

AntônioCláudioBarbosadeCastrofoideclaradoinocentepelaJustiça

F

www.diariodonordeste.com.br Terça-feira 30dejulhode2019 DN 3

Em paralelo, duas inspeto-ras da Polícia Civil do Ceará,que haviam atuado na investi-gação do caso, procuraram aDefensoria Pública do Estadodo Ceará, com amesma finali-dade da família, evidenciarque Antônio Cláudio não eraculpado. A inspetora JulianaGarcia explica que ela traba-lhava no 5º Distrito Policial,na Parangaba, quando a sériedeataques amulheres teve iní-cio.Ocaso ficou conhecidoco-mo ‘Maníaco da Moto’ e o cri-minoso que se deslocava emuma motocicleta vermelha,abordava as vítimas com umafaca para ameaçá-las e tam-bémviolentá-las.

DenúnciaNa época, cerca de 8 vítimasformalizaram a denúncia.“Umadasvítimas chegouàde-legacia com uma foto de umhomemqueela tinha reconhe-cidoemumsalãodebelezape-la voz. Só que essa foto já ti-nha sido distribuída para ou-tras vítimas e, quando elaschegavam à delegacia, já esta-vam com aquela pessoa emmente”. A imagem era de An-tônio Cláudio. A Polícia Civilcontinuou trabalhando comas provas técnicas, mas comos relatos das vítimas, o man-dadodeprisão foi expedido.Outro fato que intrigava os

investigadores, explica a ins-petora, équeohomemqueco-meteu os crimes sexuais temmais de 1,80m de altura, en-

quanto Antônio Cláudio temapenas 1,59m. “As imagensnão condiziam com a altura”,reforça ela. Um vídeo de umacâmera de monitoramentoatestavaessadiferença. “Inclu-sive o próprio delegado colo-cou nos autos alegando queaquele rapaz não era o dasimagens. A gente colocou nosautos isso”, acrescenta a inspe-tora Daniele Vidal, que tam-

bém trabalhou no caso. Asduas inspetoras foram teste-munhas de defesa de AntônioCláudio.Apesar das alegações de

queas evidências eram fracas,o processo teve continuidadee, em 2018, ele foi condenadoàpena de 9 anos de prisão porter cometidoestuprodevulne-rável. A denúncia inicial erade estupro de 8 mulheres.Mas no decorrer da investiga-ção e julgamentodoprocesso,apenas três vítimas mantive-ram a acusação. No julgamen-to, conforme sustentado pelaDefensoria Pública, duas mu-lheresnãooreconheceramco-mo agressor. Apenas uma dasvítimas, na época com 11 anos,assegurou que Antônio Cláu-dioerao criminoso.

TrabalhoNa decisão de ontem, os de-sembargadores consideraramtodas as fragilidades das pro-vas. No pedido de revisão, aDefensoria Pública e o Inno-cence Project acrescentamque os ataques do ‘Maníacoda Moto’ tiveram continuida-de, mesmo após a prisão deAntônio. Uma mulher teria si-do estuprada em abril de 2015eoutra em janeirode2016.A advogada do Innocence

Project (IP) Brasil, FláviaRahal, explica que a organiza-ção existe há 25 anos nos Esta-dosUnidos, e essa é a segundavitória no Brasil, sendo a pri-meira no Ceará. “Foi uma luta

da Defensoria Pública e do In-nocence Project. Nós fomosprocurados pela família e poruma ex-namorada de AntônioCláudio, sempre muito con-vencida da inocência dele. Fi-zemos um trabalho de investi-gação intenso e extenso paratermos novas provas da ino-cência. Nós tínhamos convic-ção absoluta de que não eraele. As novas provas que sãomuitas convenceram tambémo Tribunal fazendo com queuma injustiça, que já dura cin-co anos, fosse finalmente re-vertida”, explicou.O defensor público Emer-

son Castelo Branco reitera oargumento e ressalta que “aJustiça é de interesse de todose é preciso tentar reparar oserros quando os erros aconte-cem”. Emerson foi enfáticonanecessidadede se fazer Justiçano caso e acrescentou que aparticipação das investigado-ras foi fundamental.OMinistérioPúblicodoCea-

rá (MPCE), quedenunciouAn-tônio Cláudio pelo crime, re-cuou e na revisão criminal seposicionou a favor da inocên-cia. Procurado, via assessoriade comunicação, na semanapassada, o órgão informouque o promotor responsávelpelocasonão iria concederen-trevista, já que o processo tra-mitava em sigilo. Ontem, du-rante o julgamento, o Ministé-rio Público apenas reiterou osargumentos da Defensoria nopedidode revisão criminal.

OnovojulgamentodeAntônioCláudiohaviacomeçadoemmaioefoiconcluídoontem

DESTAQUE

FOTO:HELENESANTOS

8DESEMBARGADORESFORAMFAVORÁVEISArevisãocriminalfoipropostapelaDefensoriaPúblicadoCeará,eoitovotosdefiniramaanulaçãodapenaedeclaraçãodeinocênciadopreso

9ANOSDEPRISÃOPORESTUPRODEVULNERÁVELEm2018,AntônioCláudiofoicondenado.Masjáseencontravapresodesdeagostode2014.Comisto,estavareclusoháquase5anos

Após5anospreso,borracheiroinocentadodevesersoltohojeAntônioCláudioBarbosadeCastro,35, foipresoem2014econdenadoanopassadoporumcrimequenãocometeu.Ontem,desembargadoresdoTribunalde JustiçadoCeará repararamoerroe inocentaramohomem

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31deJULHOde2019 Ano38/Nº13357

QUARTA-FEIRA R$3,00Fundador:EdsonQueirozwww.diariodonordeste.com.br

JOGADA

Especialistas consideramvantajosoutilizar recursosdoFundodeGarantia para a aquisição de imóvel. Entenda o processo

e conheça as condições necessárias para usar o dinheiro P.2A5

ComousaroFGTSparacomprarimóvel

Clássico-Rei:memóriasdosúltimos jogosnaSérieA P.34e35

Homempresoinjustamente,enfimvoltaàliberdade P.18e19

FOTO:NATINHORODRIGUES

FortalezaPrefeituragastaR$1,6milhãopormêscomaluguéis P.8e9

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Liberdadeconquistada

OalvarádesolturadeAntônioCláudiofoiexpedidoontempelaJustiça

SEGURANÇA

Minutos antes dereencontrar o fi-lho Antônio Cláu-dio Barbosa deCastro, a dona decasa Antônia Bar-bosa de Castrodisse: “quero darum abraço bemgrande nele. Só

Deus sabe a saudade”. A faladamulher que esperava pron-tamente na porta de entradado Complexo Penitenciáriode Itaitinga II vai muito alémda saudade.Depois de passar cinco

anos preso, ontem, AntônioCláudio foi solto. Por voltadas 14h30,mãe e filho se abra-çaram novamente. A angús-tia vivida pelo réu, por paren-tes e amigos teve fim quandooito desembargadores do Tri-bunal de Justiça do Ceará(TJCE) votaram a favor da re-visão da sentença e anulaçãodapena contra o homemcon-denado, indevidamente, porestupro de vulnerável.Na tarde de segunda-feira

(29), os magistrados votarama revisão criminal propostapela Defensoria Pública doCeará e pelo Innocence Pro-ject (IP) Brasil, associaçãosem fins lucrativos que buscareverter condenações de ino-centes. Quase 24 horas após avotação, Antônio Cláudio te-ve, finalmente, sua liberdadedevolvida.

Antônio Cláudio era donode uma borracharia no Mon-dubim e não tinha passagenspela Polícia, quando foi deti-do, em agosto de 2014, porsuspeita de abusar sexual-mente das oito mulheres, deidades entre 11 e 24 anos, nosbairros Maraponga, Paranga-ba e Vila Peri, em Fortaleza.O caso ficou conhecido como“Maníaco daMoto”.Ele foi preso em 2014, pre-

ventivamente, acusado de es-tupro de vulnerável. Em2018, foi condenado a noveanos de prisão. Desde então,a luta por Justiça ficou maisacirrada. A denúncia de “con-denação injusta” chegou aoIP Brasil logo em seguida e ainstituição procurou a Defen-soria. Ambos ingressaramcom uma revisão criminal.Na última segunda-feira (29),finalmente, veio o veredictofavorável.Na saída do Centro de Exe-

cução Penal e Integração So-cial Vasco Damasceno Wey-ne, conhecido como CPPL V,Barbosa reencontrou os pais,que não via desde quando foirecolhido à penitenciária, eagradeceu por todo o apoiona luta com objetivo de pro-var que o “Maníaco da Moto”não era ele. “É como se eu es-tivesse emum sonho. Faz cin-co anos que não vejo nemmeu pai e nem minha mãe.Eu nunca mudei minha índo-

#Inocentado [email protected]

BorracheiroinocentadoésoltoapóscincoanosnaprisãoAntônioCláudioBarbosadeCastro foiconsiderado inocenteapósrevisãocriminal.Na tardedeontem, familiareseamigosdeCláudio forambuscá-lonaportadoComplexoPenitenciáriode Itaitinga

5ANOSPRESOINJUSTAMENTEAntônioCláudiofoipresopreventivamenteem2014.Desdeentão,eleestavaemcárcere.

AntônioCláudioBarbosadeCastrofoisolto,natardedeontem,apóspassarcincoanospresoporcrimesquenãocometeu.Elehaviasidocondenadoinjustamenteporestuprodevulnerável

18 DN 31dejulhode2019 Quarta-feira www.diariodonordeste.com.br

+INNOCENCEPROJECTBRA-SILVENCESEGUNDOCASOOcasodoborracheirocearenseAntônioCláudioBarbosadeCas-trorepresentaasegundavitóriadoInnocenceProjectBrasil.AprimeiroprocessofoiemSãoPaulo,envolvendoAtercinoFer-reiradeLimaFilho.Elefoisenten-ciadoa27anosdeprisãopelaacusaçãodeterabusadosexual-mentededoisfilhos,quandoeramcrianças.Anosdepois,asvítimasvoltaramatrásedisse-ramquenãotinhasidoopai.Ater-cinofoi inocentadoemmarçode2018,peloTribunaldeJustiçadeSãoPaulo(TJSP).

SEGURANÇA

Eunãoguardosofrimentosónocoraçãonão,euguardocicatrizesnomeucorpodetudooqueaconteceu”

AntônioCláudioBarbosaBorracheiro

Emocionados,ospaisdeAntônioCláudioforambuscarofilhonaportadoComplexoPenitenciáriodeItaitinga

le. Deus me abençoou comuma família que nunca desis-tiu dessa luta. Esse aqui é oprimeiropasso e ainda vou lu-tar sim por Justiça. Não guar-do sofrimento só no coraçãonão. Eu guardo cicatrizes nomeu corpo de tudo o queaconteceu. Não foi um sofri-mento só para mim”, contouAntônio Cláudio.

MemóriascruéisAo lado do defensor públicoEmerson Castelo Branco, An-tônio Cláudio Barbosa lem-brou ter presenciado rebe-liões dentro da unidade pri-sional. Houve muitas vezesem que ele teve fé que a Justi-ça seria feita e ele solto, mas,a cadamomento difícil viven-do lá dentro, um pensamen-to persistia: “não consigo ima-ginar como pessoas que seconsideram seres humanosconseguem colocar uma pes-soa inocente dentro de um lu-gar comoesse”. Antônio Cláu-dio estava em uma unidadeprisional em 2016 quando amaior série de rebeliões foi re-gistrada no Ceará deixou 18mortos. Entre os detentos as-sassinados, muitos eram acu-sados de estupro.José Joaquim de Castro, pai

de Barbosa, disse que “foi sósofrimento durante esses cin-co anos. Toda noite quandoeu ia deitar, pedia a Deus queabençoasse para meu filho

sair da cadeia”. Vendo o paiagradecer por vê-lo naquelemomento, Antônio diz que-rer rever seus amigos de Qui-xeramobime tambémagrade-ce a todos que lutaram juntoa ele: “o que eu mais queroagora é ficar junto destas pes-soasmaravilhosas”.Conforme Emerson Caste-

lo Branco, o homem foi víti-ma de falhas gerais durantetodo o processo que levou àcondenação dele. Para o de-fensor público, “todas insti-tuições erraram”. A defesa re-corda que Cláudio foi consi-derado como o “Maníaco damoto”, porém, das oito víti-mas que prestaram depoi-mentos à Polícia, sete não ha-viam reconhecido-o comoresponsável pelo crime.O defensor destaca que o

verdadeiro criminoso temuma cicatriz no rosto e maisde 1,80 de altura. Emersonconta que este “maníaco” jáfoi identificado pelas autori-dades. “Umapessoa foi consi-derada de uma hora para ou-tra como serial killer de estu-pro. A Defensoria Pública e oInnocence Project só foramatuar depois que o Cláudio ti-nha sido condenado em cará-ter definitivo, ou seja, quan-do não tinha mais como re-correr. Desde o primeiro mo-mento que conversei com oCláudio, ele chorava desespe-rado e eu pedia para ele ter

calma. Agora, a Polícia estácolhendo elementos paraque, com cautela, esse verda-deiro maníaco da moto sejapreso”, afirmou.A advogadaFlávia Rahal, in-

tegrante do Innocence Pro-ject, afirma que “a única coi-sa que sustentou a condena-ção foi o reconhecimento fei-to pela vítima” – não houveexame de DNA, por exemplo.O reconhecimento foi feitopor uma criança de 11 anos, ví-tima de estupro”. ConformeRahal, a criança se equivocouao se convencer de que o bor-racheiro foi o autor do crime.“Não estamos falando de

um reconhecimento feito pormá-fé. Ela foi vítima de abu-so, deve ser uma coisa quedeixa marcas muito dolori-das. E quando ela viu a fotodele, se convenceu que era apessoa que a atacou”, ponde-roua advogada.

IndenizaçãoEmersonCasteloBrancoea fa-mília de Cláudio não descar-tam uma ação de indenizaçãocontra oEstado para,minima-mente, reparar o erro da con-denação. Segundo o defensorpúblico, ele e Cláudio aindanão conversaram sobre isso,“porque era uma peregrina-ção para provar a inocênciadele. Mas claro que cabe inde-nização”, disse o integrantedaDefensoria.

“DesdeoprimeiromomentoqueconverseicomoCláudioelechoravadesesperado.Eupediaparaeletercalma”

EmersonCasteloBrancoDefensorpúblico

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Page 6: Innocence Project Chancede reviravolta...2 DN30dejulhode2019 Terça-feira #RevisãoCriminal ThatianyNascimento thatiany.nascimento@diariodonordeste.com.br DESTAQUE Fimda agonia oram

SEGURANÇA

Opedido de revisão crimi-nal do Innocence ProjectBrasil, junto comaDefen-soriaPúblicadoCeará, re-sultou em uma das maio-

res reviravoltas da Justiça bra-sileira. Após cinco anos presoe condenado a nove anos dereclusão, em 2018, por um es-tupro, o borracheiro AntônioCláudio Barbosa de Castro foisolto, na última terça-feira(30), no Ceará. Diretora daONG, a advogada Flávia Rahalconcedeu entrevista ao DiáriodoNordeste para falar sobre aatuaçãono caso, o trabalho daInstituição e a condenação deinocentesnoBrasil.

O que a soltura do Antô-nio Cláudio representa pa-rao InnocenceProject?Representa que nós esta-

mos no caminho certo, que éum trabalho que precisa serfeito e visto, para que haja umnovo olhar para a questão daJustiça criminal brasileira.

Como o Innocence Pro-ject trabalhou na defesa deAntônioCláudio?Noprimeiromomento, bus-

camos nos convencer, atravésde documentos e provas, dainocência dele. E produzimosnossas provas, que nos possi-bilitaram abrir uma nova açãoe rever a condenação que elehavia sofrido. A primeira pro-va foi de que ele tinha sido in-vestigado, processado e con-denadocomo‘ManíacodaMo-to’, uma pessoa que abusavade forma serial demulheres, eos abusos continuaram de-pois da prisão dele. A segunda

prova: uma imagem captadadesse ‘maníaco’ que demons-trava que ele tinha ao menos1,85m, enquanto AntônioCláudio tem 1,59m. Foi produ-zida uma prova pericial quedemonstrava essa discrepân-cia na altura. O terceiro: umdocumento que foi obtido pornóspara comprovarqueAntô-nioCláudionão tinhaumamo-tovermelhanoperíododos fa-tos, e o ‘maníaco’ atacavamu-lheres sempre com umamotovermelha.

Qual foi amaiordificulda-de para o Innocence Pro-jectnesse caso?Noprimeiromomento, o fa-

to de estarmos emSão Paulo eo fato aconteceu em Fortale-za.Mas nós tivemos aparceriacom a Defensoria Pública doEstado, que foi extremamenteeficiente. A produção de no-vasprovas é sempre complica-da, porque, na cultura jurídi-ca brasileira, a defesa criminalnão temamentalidadedepro-duzir provas. A gente não teminvestigadores nos escritóriosde advocacia, como acontecenosEstadosUnidos.

Qual a importância docombate à condenação deinocentesnoBrasil?É fundamental. Porque,

quando você consegue de-monstrar que a justiça crimi-nal errou num caso concreto,as pessoas se questionam so-bre a eficiência do sistema cri-minal brasileiro. Ao longo dotempo, na medida em quemais casos comoesse são reve-lados, a gente consegue ter

um diagnóstico de quais sãoas principais falhas e as princi-pais causas do sistema crimi-nal brasileiro, de forma a ten-tar mudar esse problema, teruma ação preventiva que evi-te erros futuros.

O Innocence Project temnoção de quantos condena-dos inocentes podem exis-tirnoBrasil?Não. Essa é uma das gran-

desdificuldadesnanossaatua-ção, a inexistência de dadosclaros sobre a questão do errojudiciário no Brasil. Nos Esta-dosUnidos, onde o InnocenceProject já atua há 27 anos, jáhá um histórico que possibili-ta essapercepçãodequalonú-mero de pessoas e quais cau-sas levaramaspessoas inocen-tes a seremcondenadas.

Por que acontecem con-denações injustasnoPaís?Em regra, uma condenação

injusta é fruto de uma série defatores. Muito difícil a existên-cia de um erro em que se con-siga apontar uma causa única.A gente pode dizer, sem som-bra de dúvidas, que a Políciapoderia estar melhor estrutu-rada para as investigações, asdefesas precisariam ter maisparticipação na produção daprova, ehádeterminadospro-cedimentos, como é o caso doreconhecimento, que precisa-riam ser feitos de formamuitomais objetiva e seguindo pro-tocolos, como acontecem emoutrospaíses.

É possível apontar quaiserros aconteceram na con-

denaçãodeAntônio?O caso de Antônio Cláudio

tem algumas característicasque são muito comuns em ca-sos de erros judiciários. Eraum caso de repercussão gran-de em Fortaleza, porque ésempre muito assustador aexistência de um ‘maníaco’solto, abusando de mulheres.E tinhaumaexpectativa emci-mados órgãos de investigaçãomuito grande para se chegar aum culpado. Isso faz com quehaja, de fato, uma aflição parase indicar logoqueméoabusa-dor. Normalmente, é um ele-mento que pode afetar umacondução mais séria da pró-pria investigação. O que levouao principal desvio na direçãodesse caso foi que uma foto deAntônio Cláudio que circulouem grupos deWhatsApp e fezcom que muitas mulheres, aover aquela foto, interiorizas-semque ele era, de fato, aque-le abusador.

Quantas denúncias decondenações injustaschega-ram à ONG desde a sua fun-daçãonoBrasil?Nós tínhamos um total, até

essa semana, de quase mil ca-sos. Com a divulgação do casode Antônio Cláudio, nós já es-tamos recebendo muitos ou-trospedidosde ajuda.

Háumperfil depresoqueprocuraa Instituição?Nós temos recebido muitos

pedidos de ajuda de pessoascondenadas por crimes se-xuais e homicídios. São os cri-mes nos quais há mais alega-ções de pessoas inocentes,

#JustiçaCriminal MessiasBorges [email protected]

EntrevistacomaadvogadaFláviaRahal“Umacondenaçãoinjustaéfrutodeumasériedefatores”Diretorado InnocenceProjectBrasil, juntodaDefensoriaPúblicadoCeará,conseguiureverteracondenaçãodeumhomemporestupro,nestasemana.Elaacreditaqueadefesacriminalprecisacomeçaraproduzirprovas,noPaís

2CONDENAÇÕESREVERTIDASOtrabalhodoInnocenceProjectBrasil,iniciadoem2016,járesultounareversãodacondenaçãodedoishomens.AlémdeAntônioCláudionoCeará,AtercinoFerreiradeLimaFilhofoicolocadoemliberdadeemSãoPauloapósojulgamentodeumareversãocriminal,em2018.

156CASOSEMANDAMENTOAONGtrabalhacom156denúnciasdecondenaçãoinjusta,atualmente,nasmaisdiversasfasesdeanáliseeproduçãodeprovas.DoiscasosjáresultaramempedidosàJustiça.Umclientefoisoltoporumaliminar,antesdeterarevisãojulgada;eooutroaguardavistadojuiz.

Paraquenãoserepita

UmtrabalhodaONGInnocenceProjectBrasilcomaDefensoriaPúblicadoCearáresultounareversãodacondenaçãodeumhomemporcrimesexual,nestasemana,emFortaleza.Elefoisentenciadoa9anosdeprisão

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presas e condenadas. O perfilda pessoa que pede ajuda é operfil da população car-cerária, basicamente. A gentetem mais pedidos de homensdoquedemulheres, enormal-mente de uma classe socialmenos favorecida.

Como vocês escolhem emquecasosvãoatuar?A gente tem que respeitar

uma ordem de pedidos. Háumaprimeira análisede requi-sitos objetivos, entre os quaisse já há trânsito em julgado edecisão condenatória. Se hou-ver o preenchimento dessesrequisitos, a gente passa parauma segunda etapa, que é deanálise do conteúdo do pro-cesso,paraver seháumapers-pectiva de produção de pro-vas novas, provas que não fo-ramapreciadasno juízodepri-meiro grau, que possa ser im-pactante para a reversão dacondenação.

ComoaONGse sustenta?Atualmente, nós diretores

somos os responsáveis porbancar todo o trabalho da or-ganização. Nós temos recebi-do algumas doações,mas pre-cisamos que as pessoas queacreditam nesse trabalho e naimportância dele passem acontribuir com o InnocenceProject, para podermos cres-cer, ter mais estrutura e aten-dermais casos.Nós somospar-te de uma rede, que foi funda-da nos Estados Unidos. Mas arededáorientações,não finan-cianemajudano financiamen-to (dasoutras instituições).

Quais são os objetivos daInstituição a curto e longoprazos?A curto prazo: ajudar o

maiornúmerodepessoaspos-sível. Pessoas como o AntônioCláudio e o Atercino, que sãonossos dois inocentados. Fa-zer com que esse pesadelo –que essas pessoas vivem pre-sas pelo que elas não comete-ram – chegue logo ao fim. E, alongo prazo, é que, a partir daanálise desses casos concre-tos, da humanização que es-ses casos trazem em relação àJustiça criminal brasileira, po-der atuar para melhorar o Sis-tema (de Justiça), para sermais efetivoemenos falho.

EraumcasoderepercussãograndeemFortaleza.Etinhaumaexpectativaemcimadosórgãosdeinvestigaçãomuitograndeparasechegaraumculpado.

QuandovocêconseguedemonstrarqueaJustiçaerrounumcasoconcreto,aspessoassequestionamsobreaeficiênciadosistemacriminalbrasileiro.”

AdvogadaafirmaqueaONGsesustentanoBrasilapenascomdoaçõesdecolaboradores

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