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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO KATHLEEN ANDERSON ALVES FREITAS INCLUSÃO: ATRAVESSANDO OS CAMINHOS DE UMA EDUCADORA CAMPINAS 2005

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

KATHLEEN ANDERSON ALVES FREITAS

INCLUSÃO:

ATRAVESSANDO OS CAMINHOS

DE UMA EDUCADORA

CAMPINAS

2005

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

KATHLEEN ANDERSON ALVES FREITAS

INCLUSÃO:

ATRAVESSANDO OS CAMINHOS

DE UMA EDUCADORA

Memorial apresentado ao Curso de

Pedagogia ­ Programa Especial de

Formação de Professores em Exercício Nos

Municípios da Região Metropolitana de

Campinas, da Faculdade de Educação da

Universidade Estadual de Campinas, Como

um dos pré­requisitos para Conclusão da

Licenciatura em Pedagogia.

CAMPINAS

2005

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Dedico este Memorial a todas as pessoas

que estiveram ao meu lado nesta caminhada, e que

dispuseram seu tempo em favor da minha causa.

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AGRADECIMENTOS

À DEUS pela infinita força e coragem, à Ele ofereço todo louvor, honra e glória.

À minha mãe, Hilda, que incansavelmente estimulou­me em palavras e orações.

Ao meu marido, Fernando pela compreensão, amor e respeito ao meu desejo

de crescimento.

Ao meu filho, Gabriel, por todas as recepções sorridentes, mesmo tarde da noite.

Aos meus irmãos, Érika, Erick, Alexei e Andrew , que ofereceram­me apoio em

árduos momentos.

O professor Sérgio Leite, que tornou viável o sonho da graduação, por meio deste

Curso.

À orientadora, Heloísa Matos, pela dedicação e sensibilidade com nossas angústias.

Finalmente, à Leslie, Leticia, Lúcia, Juliana, Hélen, pela amizade preciosa

que compartilhamos e que guardarei para sempre com carinho .

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Na arte de viver,

O homem é ao mesmo tempo

O artista e o objeto de sua arte,

É o escultor e o mármore,

O médico e o paciente

Erich Fromm

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APRESENTAÇÃO

Muitas vezes uma imagem, um cheiro, uma música, um objeto evocam

sensações e memórias que já tivemos algum dia.

Como se pressupõe, um memorial sugere uma reflexão sobre uma trajetória.

Aqui, neste memorial, busquei evocar lembranças sobre minha formação, mas também

acabo por deparar­me com a história da educação relatada ora pelo meu olhar de

criança ­ aluna , ora meu olhar de professora.

Ao longo das páginas expresso e revelo minhas alegrias, esperanças , dúvidas,

perplexidades no caminho da educação.

Saliento que, não foi tarefa fácil, afinal, deveria eu dissertar sobre o que fui? O

que se passou? A estes questionamentos recorri a Magda Soares (2001) que explanou

muito bem que, antes de falar do passado é preciso explicar o presente.

Neste quadro de memórias, ressalto minha formação enquanto profissional e ser

humano, e das responsabilidades desta profissão, que ocupa lugar todos os dias na

vida de muita gente.

Escrever sobre as minhas memórias, levou­me a refletir sobre minha identidade

como educadora, minha relação com a vida e a tomar ciência das marcas que a escola

imprime em nossas vidas.

Este memorial teve como foco principal a inclusão, hoje tão comentada e

discutida em nosso cotidiano profissional. Uma realidade social que avança pelas

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nossas escolas, que requer reflexão e análise. Situação nada fácil nesta área, na qual

a presença do preconceito derivado da construção histórica é marcante.

Não pretendo analisar a atual situação da educação especial brasileira, mas

apontar, por meio de vivências o que penso e entendo por trabalhar com deficientes.

Tudo faz parte do mundo do professor: tristezas, alegrias e, às vezes, emoções

tão grandes que nem podem ser contadas. Uma batalha por dia, um desafio constante,

em que cada vitória faz renascer a esperança e a vontade de continuar. As condições

de trabalho podem variar, mas o professor é professor, vive cada minuto do seu dia em

classe e gosta do que faz, não importa o lugar.

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SUMÁRIO

Capítulo I ­ Reescrevendo a História...........................................................................01

Capítulo II ­ Aprender brincando..................................................................................14

Capítulo III ­ Afetividade................................................................................................21

Capítulo IV ­ Todas as Crianças têm direito à escola................................................28

Considerações Finais...................................................................................................34

Referências Bibliográficas...........................................................................................36

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CAPÍTULO I

Reescrevendo a história...

Existe somente uma idade para a gente ser feliz,...

Essa idade tão fugaz na vida da gente chama­se PRESENTE

E tem a duração do instante que passa. Mário Quintana

Nasci em São Paulo , capital , numa manhã nebulosa e fria do dia 20 do mês de

agosto de 1969 ,nesta época, a política nacional convivia com conflitos

governamentais. Momento em que a Aliança Libertadora Nacional (ALN) organizada

por Carlos Marighella e o Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR­8) seqüestraram

no Rio de Janeiro o embaixador norte­americano Charles Elbrick. Os ativistas trocaram

o embaixador por 15 presos políticos, que foram enviados para o México. Alguns

grupos de esquerda partem para a luta armada, atuando em guerrilhas em regiões

como o Vale do Ribeira, em São Paulo, o interior do nordeste e a região do Rio

Araguaia. Em outubro, por indicação dos altos militares, o general Emílio Médici

assume a Presidência. Ele comandaria o período mais negro do regime militar,

conhecido como anos de chumbo.

Meu pai, administrador de uma fazenda perto de Vargem Grande, também

atravessava época de conflitos em seu trabalho, não aceitando as condições impostas,

viera para a capital juntamente com minha mãe, que cuidava do lar, onde se sujeitou a

vários tipos de serviços menores ( menos remunerados), mas não desistiu do sonho de

estudar e melhorar sua condição profissional e familiar.

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Poucos anos depois, nasceram meus irmãos . Estabelecemo­nos na cidade de

Americana, depois de morarmos em várias outras cidades.

Meu pai, na ânsia de crescer como profissional, não suportou a idéia de estar

preso a uma família numerosa e abandonou­nos ainda pequenos e esta atitude,

certamente, afetou a mim e a meus irmãos de forma arrasadora em nossa constituição

como indivíduos e que nos deixaria seqüelas para sempre.

Minha mãe, até então apenas dedicada à família, viu­se em situação de

reviravolta e buscou para si o que não tinha feito ainda: o mergulho no mercado de

trabalho. Não com a mesma intenção de meu pai, mas por uma questão de

sobrevivência. Ação esta, que também modificou nossa estrutura familiar e abalou

nosso sentimento de segurança e de infância ( minha e de meus irmãos). Nesta

jornada, a mãe, agora também a mulher profissional, dividiu­se no duplo papel de

pai/mãe e que o faz até os dias de hoje.

Não seria sensato dizer que tive uma infância tranqüila como a de qualquer

criança . No início, na pré ­ escola, por muitas vezes minha mãe deixava­me aos

prantos no portão da escola e quantas vezes não escapei enquanto o portão ainda não

havia sido trancado e era trazida de volta para escola pelas mãos de minha mãe?

Sempre tímida e quieta, tive dificuldades em adaptar­me as novas situações e não

conseguia fazer amizades; entendia que não era seguro sair de perto da minha mãe.

Aos poucos, fui adequando­me às novas conjunturas e inserindo­me nesta sociedade

da infância escolar, ainda com receio e temor.

Adquiri o gosto pelos livros, estimulada pelas novas descobertas (a

alfabetização), mas que não teve o incentivo da minha mãe , que me colocou no posto

de tutora de meus irmãos menores.

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Nesta época, tempo de muitas brincadeiras na rua e nos quintais, já possuía uma

extensa comunidade de amigos, mas havia uma criança em especial que até hoje me

vem à memória. Era uma menina muito bonita, loira, de olhos azuis, extremamente

falante e sorridente, mas que era também deficiente mental. Seu nome eu não me

lembro, apenas seu apelido: Keca.

Não era comum ver crianças ou adultos assim, por isso, eu tinha receio de

chegar perto dela ( a mãe da Keca deixava­a presa dentro de casa, com o portão

trancado com cadeado); no pouco que víamos o quintal, ela estava gritando, babando

e querendo sair, acenava para todos que via passar pela rua ou pedia para que se

aproximassem dela. Ninguém o fazia. Nem mesmos nós, os vizinhos, então, seu

irmão, carinhosamente ( o que para mim era uma atitude estranha), pegava­a nos

braços e a levava para dentro com seus brinquedos espalhados.

Até sua escola era diferente da nossa. Keca estudava em uma escola que

diziam ser especial para ela. A escola era no fim da rua de minha casa, e não me

lembro de ver crianças entrando ou saindo de lá. Sabia que funcionava, mas tudo era

muito discreto, sigiloso.

Descrevi esse episódio, devido ao fato de estar estudando Educação Especial

com Professora Ana Maria Torezan; docente da Faculdade de Educação da Unicamp e

orientadora da disciplina Educação Especial do curso PROESF (Programa Especial de

Formação de Professores em Exercício).

Quando iniciei a escrita deste memorial, buscava objetivos que realmente

tivessem me tocado como professora e, de todas as disciplinas que já tivemos, esta foi

a mais interessante no meu ponto de vista; devido ao fato de que está se tornando cada

vez mais freqüente a inserção de crianças portadoras de algum tipo de deficiência em

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salas de aula atualmente, e também porque já tive uma experiência com crianças

deficientes ao longo de minha caminhada como professora que adiante descreverei.

Assim sendo, acredito na defesa da cidadania e do direito à educação e que

neste caso em especial, a deficiência , seja ela qual for, já se torna fator real em nosso

cotidiano, e a falta de conhecimento contribui muito para que estas pessoas portadoras

sejam rotuladas, marginalizadas e ignoradas.

Voltando ao relato de minhas vivências, ingressar na escola foi algo tão

marcante que ainda lembro das primeiras aulas. Era interessante que mesmo quando

estava em casa ,a brincadeira predileta passou a ser a imitação do que ocorria na sala

de aula.

Na escola, atividades ligadas ao currículo formal para cada série, traduziam o

pensamento pedagógico na época, que ora centravam­se em conteúdos, ora nas

atividades, sem nunca contemplar uma relação entre o aluno e o conhecimento. A

seleção de conteúdos sempre ocorreu a partir de uma concepção positivista de ciência,

fundamentada em uma concepção de conhecimento formalizada, linear e fragmentada.

Contemplando Kuenzer:

Compreender os movimentos e os passos necessários a cada operação, memorizá­los e repeti­los em uma determinada seqüência, demandava uma pedagogia que objetivasse a uniformidade de respostas para procedimentos padronizados, tanto no trabalho quanto na vida social, ambos regidos por padrões de desempenho que foram definidos como adequados ao longo do tempo( Kuenzer , 1998 pp.33)

Nessa década (1970/80), em que pese toda a movimentação em torno de

mudanças políticas e mudanças no campo da educação e apesar do projeto político­

pedagógico, as minhas recordações são de um cotidiano escolar marcadamente

conservador. A ligação com os princípios tradicionais era evidente na postura dos

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professores que se limitavam em realizar exposições verbais dos conteúdos, nesse

momento era terminantemente proibido qualquer desatenção ou conversa paralela; o

silêncio era a principal regra que deveríamos obedecer, depois de ordenados em fileiras

nas salas de aula. Uma grande ênfase era dada à repetição, as rotinas de trabalho na

sala de aula passavam pela leitura individual, e em voz alta das lições. Nesses

momentos, deixar de aplicar a entonação correta, a cada ponto ou vírgula, era motivo

de interrupção brusca e correção impaciente da professora.

Interessante destacar que, muitas vezes enquanto brincava de "escolinha", não

conseguia assumir a postura de algumas das minhas professoras , pelo fato de que

considerava injusto os motivos que levavam uma pessoa a advertir outra, de modo tão

assustador e impaciente. Não queria que meus "aluninhos" tivessem medo de mim.

Reproduzia, sempre, a professora que eu mais gostava, que falava baixinho e que

sorria.

Estudar matemática era frustrante, o que mais assustava era o dia da prova,

para o qual os alunos tinham que ter decorado a tabuada. Cometer um erro, no

momento em que a professora perguntava individualmente, era fatal. Tenho fortes

recordações da separação da turma entre "fileiras dos sabidos e fileiras dos burros". Até

a oitava série, os valores tradicionais estavam presentes, os professores tinham uma

postura autoritária, as aulas praticamente não se diferenciavam quanto à estrutura de

apresentação de conteúdo e aplicação de exercícios, os conceitos e fórmulas deveriam

ser repetidos e memorizados, o intenso controle disciplinar era constante tanto dentro

quanto fora das salas de aula. Dedicar­se aos estudos, naquele momento,

representava, em primeiro lugar a chance de ficar isento da vergonha de não saber,

depois a busca da valorização atribuída pelo professor aos alunos que tivessem os

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melhores desempenhos e, por fim, significava entrar no jogo da competição entre

colegas pelas melhores notas. Um dos momentos mais esperados era o resultado final

e a aprovação para a série seguinte, quando um novo ciclo ( série ) recomeçava.

Depois da oitava série, senti­me na obrigação de decidir quais os rumos a serem

tomados para a vida profissional, na época só comentava­se sobre os cursos técnicos

( um mecanismo criado a fim de produzir mão de obra para o mercado de trabalho),

colegial ou ainda o curso normal. No momento em que foi necessário optar por um dos

cursos técnicos oferecidos pela escola, a opção foi pelo curso de magistério e lá eu

fiquei por quatro anos, até que um dia decidi trilhar os caminhos da Educação Infantil...

Até este momento de minha formação escolar, não havia encontrado alguém

como Keca. Nas escolas que freqüentei , nunca houve uma criança deficiente. Houve

sim, na época do magistério, uma classe dita '"especial " ,que situava­se no fundo do

corredor da escola. Mas não tínhamos qualquer tipo de contato, tanto com os alunos ou

com a professora, pois os horários de entrada, intervalo ou saída eram diferenciados

para não haverem encontros.

E não só na escola, mas nos supermercados, farmácias, cinemas, raramente se

via um deficiente circulando pela cidade, a não ser em caso de mendigos.

Voltando às minhas memórias, esta decisão de optar pelo magistério, permitiria­

me continuar a fazer o que sempre gostei: ler, estudar, aprender e que na visão da

minha mãe, facilitaria a minha inserção no disputado mercado de trabalho, um

enfrentamento necessário, para que pudesse contribuir com a renda de minha família.

Estou completando quinze anos nesta função, e como não poderia deixar de ser,

as experiências que vivi fizeram­me mais forte e confiante, entretanto com muito

esforço e sacrifício.

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Acredito que, o mais difícil de qualquer inicio de carreira é a falta da experiência,

mas no meu caso foi descobrir que o que aprendi na sala de aula, tanto das séries

iniciais , quanto do curso específico de magistério, não se comparava com a realidade

que encontrei.

Comecei a trabalhar com uma classe na época ( 1992), denominada classe do

período integral, ou seja, alunos que ficavam o dia todo na escola. Nesta classe haviam

várias idades, desde crianças com quatro anos até as mais velhas que eram as de

quase sete anos. Uma realidade que eu sequer sabia que existia.

No bairro em que se situava a escola, não havia creche pública, então a

Prefeitura fez um "arranjo" para que as crianças das quais as mães trabalhavam

pudessem permanecer na escola.

Entretanto, do meu ponto de vista, o arranjo só foi pensado visando a petição

popular que exigia um local público para seus filhos menores estarem, enquanto as

mães trabalhavam. Ou seja, um lugar seguro, para a criança, onde seria alimentada e

assistida. Assim como nas palavras de Kramer (2001, pp.27): "...um conceito de

assistência social para crianças pequenas, sendo ressaltada a sua importância para a

comunidade na medida em que liberava a mulher para trabalhar... "

Os alunos passavam o período da manhã com aulas regulares, com papéis,

pastinhas , atividades individuais, aproximação para a alfabetização. As professoras

destes alunos eram, no entender das famílias, as reais professoras de seus filhos.

Já, as professoras do período integral não pertenciam ao rol das educadoras,

mas eram aquelas que ficavam com as crianças depois das aulas.

Este foi também, um momento de desigualdade social, dentro da própria rede de

ensino. Acontecia aqui a polarização entre assistência e educação, como se fossem

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ambas, incompatíveis. Kuhlmann ( 1998, pp.60) complementa: "Preocupar­se em

assistir, preocupar­se com o cuidado, com a guarda da criança não seria "desviar­se"

da oportunidade de "proporcionar uma educação de qualidade..."

Professores e escola, não estavam preparados para o arranjo. Não havia espaço

físico suficiente, materiais e brinquedos adequados. Tudo partia da improvisação e da

criatividade da professora. Fica claro que na educação infantil, a identidade do

professor às vezes se assemelha a uma colcha de retalhos, expressa também pela

variedade de denominações recebidas: auxiliar de desenvolvimento infantil, professor,

educador, babá de creche. A falta de identidade na função de educador infantil, reflete a

indefinição presente na própria área , resultado tanto das diferentes políticas públicas

implementadas para a infância, quanto a modismos pedagógicos. Sendo assim, Rios

(2002, pp.59) cita:

Se o professor pensa que sua tarefa é ensinar o ABC e ignora a pessoa de seus estudantes e a condição em que vivem, obviamente não vai aprender a pensar politicamente ou talvez vá agir politicamente em termos conservadores prendendo a sociedade em laços do passado, ao subterrâneo da cultura e da economia...

A multiplicidade de rótulos que o educador recebe é um legado histórico. Foi a

época em que ingressavam as teorias de Emília Ferreiro. Nesta fase ficou clara a

discrepância pela qual passei da teoria do Magistério, passando daquele modelo

tradicional , em que o professor é o detentor do conhecimento. Na prática encontrei um

aluno real repleto de uma bagagem histórica e cultural.

Relembrando Morin ( 1998, pp.335): " ... uma teoria não é conhecimento, ela permite o

conhecimento. Uma teoria não é a chegada, é a possibilidade de uma partida. Uma

teoria não é uma solução; é a possibilidade de tratar um problema..."

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Trabalhei por cinco anos, como professora do período integral.

Depois, comecei a trabalhar nos ditos períodos regulares (1997), outra realidade,

completamente diferente da que eu havia vivenciado até então. A classe era de pré ­

escola, com crianças entre cinco e seis anos; a sala ficava no interior de uma creche,

denominada CAIC ( Centro de Atendimento Integrado à Criança), sem espaço físico

suficiente, nem mesmo para as mesinhas ( algumas mesas comportavam até cinco

crianças, sendo que a mesma só poderia comportar apenas quatro). Tínhamos que

revezar: trabalhar um pouco dentro da sala e um pouco fora. Ruas de terra, casas

populares e comunidade carente, falta de estrutura para a pré­escola, falta de recursos

como: materiais pedagógicos, papéis coloridos básicos, que incontáveis vezes eu

mesma comprava.

Quando chovia, os ônibus não entravam no bairro para não ficarem atolados,

então, éramos obrigados a amarrar sacolinhas nos pés para não nos sujar nos

atoleiros.

Nesta época, recebi uma aluna que com certeza não irei esquecer: foi a minha

primeira criança portadora de deficiência. E agora?

Como já citei anteriormente, eu sequer havia visto uma criança deficiente em

minhas aulas regulares ou de formação.

Automaticamente, minhas memórias voltaram àquele passado, no qual se

encontrava Keca, a menina que eu tinha receio de aproximação.

Entretanto esta aluna, a qual chamarei de Alice, tinha uma diferença em relação

a Keca, ela era negra, com leve deficiência auditiva, visual e mental, mas para piorar a

situação, a mãe da criança não admitia que a menina necessitava de cuidados

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especiais, tanto é que ela passou a freqüentar a escola quase completos seus seis

anos de idade.

Fui buscar auxílio com os profissionais que estavam mais próximos de mim:

colegas de trabalho, coordenadora e por fim a pedagoga encarregada pelo setor, da

qual recebi como resposta aos meus questionamentos a simples frase: ...Deixe­a

apenas sentadinha, porque ela não irá aprender nada mesmo!

Não era a resposta que eu esperava. Percebi que tanto Alice quanto eu

estávamos sozinhas .

Não cruzei meus braços e fui buscar nos poucos materiais que encontrei, alguma

direção para meu problema, e foi quando vi que as atividades obviamente teriam que

ser diferenciadas para aquela menina sorridente que estava contando comigo. Busquei

alternativas, superei dificuldades, no entanto o mais cruel obstáculo estava ainda por

vir: a rejeição pela diferença.

Relutantemente percebi, que a própria escola reagia de maneira excludente e

manifestava­se de maneiras perversas e diversas, ignorando a criança enquanto

cidadã, a mim, enquanto educadora, e principalmente tapando os olhos para a

realidade.

Não é fácil romper com este cerco de pessimismo, fracasso, incertezas, mas a

transformação de nossa sociedade depende de enfrentarmos desafios, ultrapassarmos

obstáculos buscando sempre uma nova possibilidade fazendo com que nós,

educadores, possamos nos sentir capazes de realizar este movimento de

transformação do mundo, enxergá­lo e vivê­lo de um modo diferente.

Nas palavras de Freire (1996, pp. 107):

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Quanto mais penso na prática educativa, reconhecendo a responsabilidade que ela exige de nós, tanto mais me convenço do dever nosso de lutar no sentido de que ela seja realmente respeitada. O respeito que devemos como professores aos educandos dificilmente se cumpre, se não somos tratados com dignidade e decência pela administração privada ou pública da educação.

Diante desta realidade que eu considerava bastante comprometida, mas que

assumi o meu papel de professora, julgando dar o melhor de mim, veio­me um

sentimento de necessidade de atualização na minha formação. A faculdade sempre foi

um sonho que esperava alcançar um dia, mas que ainda não tinha condições para

sustentar financeiramente.

As reuniões pedagógicas pouco tinham a acrescentar, normalmente, dividida em

setores, cada pedagoga era responsável em capacitar uma turma de professores, que

já haviam trabalhado no período contrário. Muitas vezes, fui direto da escola para a

reunião em que éramos obrigados a engolir a seco, os programas oficiais, que a

burocracia dita, com os quais os alunos iriam aprender uma boa educação e de

qualidade.

A proposta exposta pelas pedagogas já era empacotada sem ter havido antes

uma discussão conosco, professoras, que éramos as maiores interessadas no assunto.

Diante disso, evocando Larocca ( 1996, pp.39) : "A prática, por sua vez, não pode ser

tratada como implicação, colagem ou transposição direta de uma teoria, a não ser para

nos situar historicamente nas tendências educacionais de uma maneira didática..."

Movida por uma sensação enorme de buscar algo mais, fui procurar outras

formas de aperfeiçoamento.

Comecei a procurar cursos e oficinas para melhorar minha prática, minhas

concepções, indo para Paulínia/SP em busca de aprimoramento.

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Passava minhas férias e semanas inteiras em cursos de capacitação, ouvindo

relatos de experiências, oficinas práticas e congressos. Minha preocupação era com

minha prática, se eu realmente fazia a diferença para meus alunos, porque muitas

vezes como qualquer ser humano dotado de sensibilidade, sentia­me impotente diante

de alunos mais difíceis que não se dispunham a aprender, causando uma sensação de

que algo não estava certo, foram momentos de inquietações e reflexões sobre minha

prática.

Comecei então, a trabalhar em uma outra unidade de educação infantil ( 2000) ,

no centro de Americana .

Mais uma vez , uma realidade oposta a todas as outras com as quais trabalhei.

Crianças bem vestidas, pais universitários, abundância de materiais e recursos

pedagógicos, uma sala ampla, tudo o que parecia ser necessário para um bom

trabalho. Estou nesta unidade até os dias de hoje e tenho aprendido muito lá.

Neste mesmo ano, surgiu na classe de uma colega de trabalho uma criança

Síndrome de Down. A criança estava em período contrário ao meu , ou seja, eu

trabalhava de manhã e ela estudava à tarde, pouco contato tive com ela, mas sentia a

necessidade de estar a par de tudo o que acontecia em sala de aula. Não era muito

bem recebida, então afastei­ me e observava a distância. Gostaria de salientar que nem

todas as colegas de trabalho gostam de estar dividindo suas conquistas ou suas

frustrações, e neste caso com a criança deficiente, a professora não se sentia à

vontade para conversar sobre o assunto. Pouco pude fazer, mas serviu­me de

parâmetro tanto no sentido de apoio pedagógico, quanto a infra­estrutura local.

Sem querer, o trabalho com deficientes começou a surgir silenciosamente, mas

não em meio a protestos dos docentes. O medo do novo e do desconhecido afetava

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diretamente nós, professores, fazendo­nos sentir incapazes de assumir tal tarefa, seja

pelas condições espaciais da instituição, pela falta de capacitação ou de recursos, ou

mesmo o suporte especializado.

Em recente entrevista, Mantoan ( 2005, pp.24) destaca que o professor deve

sentir­se privilegiado por participar do movimento de inclusão, em suas próprias

palavras "...Inclusão é um privilégio de conviver com as diferenças..."

Acredito que, o trabalho com crianças com qualquer tipo de deficiência é uma

lição de vida, é exercitar o respeito pela diferença.

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CAPÍTULO II

Aprender brincando

Brincar com criança não é perder tempo, é ganhá­lo;

se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda

é vê­los sentados enfileirados, em salas sem ar, com

exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem.

(Drummond)

De um modo geral a brincadeira é um momento de interação e troca entre as

crianças. Momento de prazer, alegria e troca de afeto, criando situações de negociação

de significados.

Nesta perspectiva, buscar elementos que possam auxiliar em sala de aula é uma

constante. Busca esta, feita pelo professor inteiramente só, por seus próprios meios e

recursos, muitas vezes desamparadas pelo sistema educacional. Entretanto, este

mesmo sistema, faz­nos pensar que estamos aptos o suficiente para atuar em

qualquer situação .

Na educação infantil, não é diferente. Nós professores da Rede Municipal de

Americana não adotamos livros didáticos, mas procuramos fontes: livros, enciclopédias,

para a confecção do planejamento que é um dos elementos constitutivos da prática

pedagógica do professor, trabalha­se em algo a ser utilizado como parâmetro durante o

ano letivo.

Assim sendo, é possível entender as atividades lúdicas, desde que bem

direcionadas e com objetivos claros, como um importante meio de educação pois

carregam o que Bourdieu (1989) chama de poder simbólico.

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Adaptando os jogos ao contexto da educação inclusiva, é possível vislumbrá­los

como uma forma de facilitar o processo de inclusão do aluno deficiente na classe

comum; tendo como estratégia, o fato de que sempre que a brincadeira promove a

sociabilização e integração entre os elementos do grupo.

É muito comum os pais dizerem que as crianças vão ao parquinho para apenas

brincar com as "tias", apesar que este termo foi abolido, a muitos anos pela rede

Municipal de Americana, mas que ainda vive nas concepções dos pais. Mais uma vez ,

isto causa­ me um sentimento de inferioridade. Talvez devido ao fato de que apenas o

ensino Fundamental seja obrigatório, destinado a todas as crianças a partir do sete

anos, enquanto a Educação Infantil não se destina a todos, principalmente as crianças

da creche, sem deixar de mencionar que, até os dias de hoje, existam pais que insistem

em chamar as professoras de "tias".

Para as crianças qualquer espaço serve para brincar, a infância no atual

contexto, é diferente da realidade que eu vivi. Brincar na rua era normal e gostoso,

havia espaço e muitos amigos. De modo geral, na sociedade, as crianças restringem­

se a ambientes fechados, poucos lugares para movimentação e brincadeiras, então os

pais vêem a instituição infantil como o local ideal e seguro para o filho brincar, sem

reconhecerem o real conceito do brincar nesta fase da vida da criança.

O professor neste momento é o mediador, e auxiliado pelas crianças partilham

novas experiências, caminhos e propostas com as brincadeiras na construção do

conhecimento.

O aspecto pedagógico da Educação reduzido ao ensino escolarizante , torna a

aprendizagem e a brincadeira , muitas vezes vistas como ações opostas. Isto posto,

reporto­me a Vygotsky ( 1989, pp.117):

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...O brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da criança. No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento.

O brinquedo ou a brincadeira, elemento facilitador para inclusão de deficientes

na classe comum, tem em vista a importância que o lúdico possui na vida das crianças

e a simbologia que envolve essas atividades; dentre elas os jogos cantados, os

brinquedos populares, e as brincadeiras de roda.

O objetivo principal do brinquedo é facilitar o processo de inclusão do aluno,

deficiente ou não, utilizando atividades de domínio público, que normalmente já são

desenvolvidas na Educação Infantil e Ensino Fundamental, às vezes, adaptadas ao

contexto da escola inclusiva, trabalhando com a simbologia embutida nestas atividades,

buscando tornar o processo de inclusão em algo prazeroso, divertido e interativo,

fazendo que os alunos internalizem os conceitos trabalhados, que é o fator principal

para que haja uma mudança de comportamento, e um processo de ruptura nas

relações interpessoais frente à deficiência.

Acredito na necessidade em equilibrar jogo e educação, para que o contexto

formativo não seja superado pelo lúdico, sem que este perca suas características de

liberdade, prazer e diversão.

Para que se possa entender o papel do brinquedo como fator de

desenvolvimento da criança é necessário a convivência com a fantasia para que possa

reestruturar suas relações com o mundo. Para a criança, a brincadeira é a melhor

maneira de se comunicar, um meio para perguntar e explicar, um instrumento que ela

tem para se relacionar com outra criança.

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Para Vygosty (1984),o brincar é definido pela situação imaginária criada pela

criança, e que tende a suprir necessidades que mudam conforme a idade. Com o

crescimento surgem novas necessidades que poderão ser satisfeitas através da

capacidade imaginária da criança.

Vygotsky entende a brincadeira como uma atividade movida pela imaginação,

atividade consciente, que se desenvolve conforme seu crescimento. Isto significa que

as crianças muito pequenas ainda não possuem tal capacidade. Vygotsky dá

importância à ação e ao significado no brincar. Segundo ele, uma criança com menos

de três anos não consegue envolver­se em uma situação imaginária, pois é só

brincando que ela pode começar a compreender o objeto não da forma que ele é, mas

como gostaria que fosse. É na brincadeira que o objeto perde sua característica real e

passa a ter o significado que lhe dão.

Para Wallon (NEGRINE, 1994,pp. 29­ 30) :

O jogo para as crianças é expansão , e nesse sentido, se opõe à atividade “séria” que é o trabalho. (...) A compreensão infantil é tão somente uma simulação que vai do outro a si mesmo, e de si mesmo ao outro. A imitação como instrumento dessa fusão representa uma ambivalência que explica certos contrastes nos quais o jogo encontra alimento.

Sabe­se que cada criança, seja portadora ou não de alguma necessidade

especial, possui alguma dificuldade que se destaca em relação ao outro.

Por esta razão, acredito que a melhor forma de trabalhar com o aluno incluído é

dentro da sala de aula, com toda a turma, pois é através de um jogo adaptado às

necessidades especiais deste aluno, que ele terá chances de se destacar frente aos

demais, ser respeitado e visto como alguém capaz de participar e, porque não dizer, de

superar suas dificuldades. Pelo pouco que trabalhei e observei durante meus anos de

docência, as crianças incluídas tiveram uma sensível valorização de sua auto­estima e

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seus atos passaram a ter maior consideração perante seus colegas. No início percebia

uma certa dificuldade nos contatos entre os pares, mas aos poucos, trabalhando em

com o lúdico, o comportamento discriminatório por parte das crianças tidas como

“normais” aos seus colegas especiais diminuiu.

A importância dos companheiros de brincadeiras na socialização de crianças é

de fundamental importância. Uma das mais recentes e completas revisões sobre o

processo de socialização de crianças e adolescentes foi elaborada por Harris (1999),

mostrando que os pais não são os principais protagonistas na determinação da

personalidade adulta de seus filhos, apesar de serem os principais agentes

socializadores, aqueles que mais precocemente atuam sobre a criança. Não sendo os

pais os únicos e nem os principais agentes influenciadores de seus filhos, afirma­se a

importância do grupo no processo de socialização. De acordo com a teoria da

socialização de grupo de Harris (1999, pp.335): “(...) as crianças se identificam com um

grupo constituído dos pares delas, que talham o comportamento delas às normas do

grupo e que os grupos contrastam com outros grupos e adotam normas diferentes” .

É na brincadeira que a criança está pensando, buscando, explorando,

construindo e reconstruindo, simbolizando e dando outros sentidos ao mundo que a

cerca. É o seu momento de experimentação, criação e resignificação de todo um

conjunto de valores partilhados com seus pares.

Acredito que muitas vezes, a minha passividade em aceitar novas propostas,

métodos e a avalanche de conteúdos que a serem despejados nos alunos, deixava

perder­se um pouco, das inúmeras contribuições que a brincadeira pode trazer para a

criança. E a atividade da docência tornou­ se uma rotina comum, sem que se pergunte

se ela implica ou não decisões contínuas, constantes e precisas, a partir de um

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conhecimento adequado no processo educativo na sociedade. Estas afirmações

reportam­me a Saviani ( 2002, pp.98):

...não se busca um senso crítico do papel do educador no processo educativo; não se exige do educador uma preparação adequada para o exercício da docência, tanto do ponto de vista de compromisso político, quanto do ponto de vista da competência técnica e científica que ela exige.

Minha ingenuidade em meu próprio julgamento de praticar de forma coerente a

docência, muitas vezes abalaram meu auto­ conhecimento e minha auto ­estima,

desdobrando ­me em avaliar o aluno nos mais diferentes aspectos do dia­a­dia, nas

observações de atitudes, comportamentos, progressos ou avanços que supunha ser

fundamental para a compreensão do universo infantil e suas necessidades.

Mas era mais do que isso, um investimento profundo na práxis é que traria sem

dúvida, a ampliação de oportunidades no campo do desenvolvimento e do

enriquecimento das relações entre adulto e criança. E foram estes anos de formação na

graduação (PROESF­ Programa Especial de Formação de Professores em Exercício)

que vieram a tornar claro para mim esta necessidade, algo que eu já buscava.

Suponho que está claro que este é um longo caminho a ser percorrido e que

transformar a sala de aula em um local aberto à ludicidade é uma tarefa bastante árdua,

em vista da própria formação docente, das condições estruturais das instituições e da

visão equivocada de que brinquedo é tudo, menos coisa séria. É necessário que o jogo

deixe de ser visto apenas como um recurso de emergência no final de uma aula

conturbada para ocupar o seu papel principal: ser o eixo do processo inclusivo.

Freire (1996) declara que, se na verdade, o sonho que nos anima é democrático

e solidário, não é falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos

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os portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar,

mas é escutando que aprendemos a falar com eles.

Nem sempre uma visão crítica da realidade, imediatamente, conduz a uma

intervenção também crítica, mas é um começo, desde que haja clareza da necessidade

do momento .Sendo assim, Freire ( 1996, pp.73) explica:

O professor autoritário, o professor licencioso, o professor competente, sério, o professor incompetente, irresponsável, o professor amoroso da vida e das gentes, o professor mal­amado, sempre com raiva do mundo e das pessoas, frio, burocrático, racionalista, nenhum deles passa pelos alunos sem deixar sua marca."

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CAPÍTULO III

Afetividade

Como o ensino não pode e não deve ser algo estático e unidirecional, devemos

lembrar de que a sala de aula não é apenas um lugar para transmitir conteúdos

teóricos; é, também, local de aprendizado de valores e comportamentos, de aquisição

de uma mentalidade científica lógica e participativa, que poderá possibilitar ao

indivíduo, bem orientado, interpretar e transformar a sociedade e a natureza em

benefício do bem­estar coletivo e pessoal. Tão bem nos lembra GRISI ( 1971, pp.91):

"Toda aula, em resumo, seja qual for o objetivo a que vise, e por mais claro, preciso,

restrito, que este se apresente, tem sempre uma inelutável repercussão mais ou menos

ampla, no comportamento e no pensamento dos alunos.”

Na visão de Levin ( 2001) a criança, na contemporaneidade, está atravessada

pela urgência temporal; mal começa a andar improvisando os primeiros passos, já o

adulto está pensando em quando ela vai poder falar e basta­a articular e formar os

fonemas iniciais, que já o adulto está pensando em quando ela vai conseguir escrever,

mal consegue soletrar, é colocada para ler direito, e assim por diante, sem pausa.

Quanto mais conhecimento ela acumular e mais rapidamente, melhor condição terá

para adequar­se às novas regras e competências do mercado.

Nesta busca desenfreada ao conhecimento, pergunto­me onde se situa a criança

que apresenta deficiência e quantas expectativas, angústias e incertezas sobre sua

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inclusão no mercado de trabalho e na vida social ao se tornar adulto? Aprender a lidar

com o tempo desta criança é o desafio da sociedade, da família, especialistas e de

muitos educadores.

Diante do desafio de adequar a sociedade para a inclusão social, a começar na

educação, torna­se necessário que profissionais especialistas possam acompanhar e

orientar com técnicas específicas o desenvolvimento de competências e habilidades,

além de informar o perfil da criança atendida, sendo comunicada aos educadores da

escola, pelo qual, está inclusa.

É imprescindível que tanto o educador quanto os profissionais envolvidos tenham

perspectivas claras e concretas sobre o que buscar nas intervenções, como intervir e

para quem encaminhar, porque a singularidade da diferença humana estende a cada

sujeito independente de seu estilo de adquirir e expressar conhecimento e sentimentos,

é preciso desenvolver um olhar especial naqueles que lidam diretamente com as

crianças deficientes. Observa­se no processo de inclusão que educadores que iniciam

a primeira experiência com crianças deficientes se angustiam por não alcançarem

respostas aos trabalhos de intervenção e reeducação em curto prazo. Como eu me

angustiei pelo simples fato de saber que teria uma criança deficiente em sala de aula e

não tinha respaldo teórico para amparar. Entendo que, da mesma forma que os

crianças aprendem a somar, a conhecer a natureza e a se apropriar da escrita, é

fundamental para suas vidas que conheçam a si mesmos e a seus colegas, e as

causas e conseqüências dos conflitos cotidianos.

Assim, por um lado, os sentimentos, as emoções e os valores podem ser

encarados como objetos de conhecimento como: tomar consciência, expressar e

controlar os próprios sentimentos. Talvez seja um dos aspectos mais difíceis para

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resolução de conflitos. Por outro lado, a educação da afetividade pode levar as crianças

a se conhecerem e a compreenderem melhor; suas próprias emoções e as das pessoas

com quem interagem no dia a dia.

Trabalhando dessa maneira, por meio de situações que solicitem a resolução de

conflitos, a educação atinge o duplo objetivo de preparar as crianças para a vida

cotidiana, ao mesmo tempo que não fragmenta as dimensões cognitiva e afetiva no

trabalho com as disciplinas curriculares.

Na perspectiva de Wallon (1992), inteligência e afetividade estão integradas: a

evolução da afetividade depende das construções realizadas no plano da inteligência,

assim como a evolução da inteligência depende das construções afetivas.

Diante dos conflitos pertinentes considero que cada progresso adquirido pela

criança pode acontecer lentamente, o que significa para o educador e a família uma

postura emocional de paciência e persistência em insistir durante algum tempo em

alguns conceitos e competências .

Portanto, acredito na fundamental importância do ingresso da criança na

educação infantil, neste espaço e tempo institucionalizados na qual poderá encontrar

oportunidades de interações fora da família, o que a estimulará a socialização e

autonomia (mesmo que necessite de monitoramento de apoio).

Mas para que este ambiente possa oferecer uma inclusão de qualidade, é

necessário que profissionais especializados possam orientar os educadores

adequadamente dando­lhes suporte teórico e técnico para atuarem no trabalho

pedagógico.

Por experiência, penso que o educador diretamente envolvido com a criança

deve conhecer, através dos profissionais da saúde e educação especializada o tipo de

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deficiência, o nível da deficiência, o estilo da aprendizagem, os aspectos emocionais e

de personalidade, as relações parentais e o ritmo de aprendizagem.

No geral, diante da experiência que já possuo, as crianças com necessidades

educativas especiais se integram sem maiores problemas tanto na sala de aula quanto

na escola. Estudam, brincam, correm, e brigam como os demais. Ou seja, independente

das suas dificuldades, usufruem o mesmo contexto escolar de todos os alunos, com

todas as vantagens, fragilidades e limitações pedagógicas pertinentes ao processo

escolar.

Percebo nas dificuldades dos alunos possibilidades de desafios profissionais, no

qual a partir desses desafios poderei enriquecer a minha prática.

A discussão sobre a integração de alunos com necessidades educativas

especiais no ensino regular é polêmica, necessária e ganha corpo à medida que, por

força da lei, os sistemas de ensino estão inserindo um número cada vez maior de

crianças antes consideradas clientela do ensino especial. Anteriormente segregadas

em instituições de ensino especial, hoje continuam segregadas, só que agora dentro da

escola regular, dita para todos.

Compreender o homem numa perspectiva sócio­histórica significa retirar o foco

dos problemas dos sujeitos isoladamente. É preciso deixar claro que todos os

indivíduos se desenvolvem, com ou sem adversidades. Mas, se sabemos o que fazer

para impulsionar o desenvolvimento, para garantir o direito de apropriação do

conhecimento, para contribuir com a ruptura dos estigmas de fracasso e de

incapacidade, devemos levar este saber para as instituições escolares, onde, a cada

dia, se produzem e consolidam rótulos que incapacitam muitos alunos de exercer o seu

direito à escolarização.

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Sem dissociar afeto e intelecto, e compreendendo o caráter histórico­cultural da

cognição, entendo que a deficiência é, antes de tudo, um produto social e cultural.

Ainda assim, acredito na possibilidade de mudança, trabalhando no sentido de criar

situações que não reproduzam as condições de marginalidade já cristalizadas em

nossa sociedade.

Portanto, discutir a integração das crianças no ensino regular envolve questões

tais como as diferentes concepções de deficiência, e com ela todo o problema da

avaliação, diagnóstico daqueles indivíduos que não correspondem à expectativa de

normalidade colocada pelos padrões da sociedade. Alegando que a essência do

homem é social, Vygotski (1991,pp.99) enfatiza o papel fundamental do processo

ensino/aprendizagem e das interações sociais para o desenvolvimento humano: "[...] o

aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através

do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que a cercam”. Assim sendo,

acredito que o desenvolvimento humano se dá nas e pelas interações sociais.

Sem a chance de interagir socialmente e o rompimento dos estigmas de

fracasso, pessoas com algum tipo de deficiência serão identificadas como incapazes,

improdutivas e, conseqüentemente, excluídas da escola, do mercado de trabalho, da

sociedade.

Acredito que, ao respeitar na criança o desenvolvimento que esta adquiriu

através de suas experiências de vida (conhecimentos já assimilados); idade e

desenvolvimento mental, são imprescindíveis. A meu ver, a relação estabelecida entre

professores e alunos constitui o cerne do processo pedagógico. É impossível

desvincular a realidade escolar da realidade de mundo vivenciada pelas crianças, uma

vez que essa relação é uma “rua de mão dupla”, pois ambos (professores e alunos)

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podem ensinar e aprender através de suas experiências. Assim sendo, Gadotti

(1999,pp.2) explica:

"Para por em prática o diálogo, o educador não pode colocar­se na posição ingênua de quem se pretende detentor de todo o saber; deve, antes, colocar­se na posição humilde de quem sabe que não sabe tudo, reconhecendo que o analfabeto não é um homem “perdido”, fora da realidade, mas alguém que tem toda a experiência de vida e por isso também é portador de um saber.”

O professor de educação infantil não pode partir para a homogeneização e

simplesmente ignorar as particularidades das crianças. É necessário que entenda a

respeitar as especificidades das crianças, sendo que cada uma é dona de uma forma

própria de ver o mundo e a si mesma.

Neste sentido, com a educação infantil deve­se primeiramente partir para uma

rica observação e continuar com seu olhar sensível a tudo que passa ao redor,

buscando caracterizar a identidade do grupo e individual, para assim poder

compreender suas crianças de forma a propor um planejamento flexível que contemple

o que elas questionam, desejam, querem saber e conhecer.

Depois do meu ingresso na universidade ( PROESF), foi que o mundo real se

abriu diante de mim, e o singelo mundo da minha sala de aula tornou­ se um desafio . A

educação é algo relacionado ao movimento, e é este movimento entre teoria e prática

que eu buscava compreender. Ficou muito claro que não bastava ser uma educadora

competente, era preciso fundamentação teórica e compromisso político. Ou seja, não

basta que se ensine a criança a ler, a escrever, a contar. É necessário que a ensine

também a falar e a ouvir. Mas este movimento, num sentido pedagógico, significa

trabalhar a democracia; construindo­a, exercitando­a. Mas estas mesmas atitudes

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servem especialmente para os próprios educadores que estão cada vez mais

comprometidos com a educação, a darem os primeiros passos para uma transformação

em nossa sociedade.

Nesta caminhada na graduação posso dizer que fiz minha própria aprendizagem,

ensinando e aprendendo. Neste raciocínio Gadotti ( 2004, pp.134) diz: "Não é suficiente

"melhorar" a escola burguesa para que esta cumpra seu destino histórico, como

instituição social e política, e se engaje na construção do futuro e não apenas

reprodução do passado”.

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CAPÍTULO IV

A ESCOLA QUE É PARA TODAS AS CRIANÇAS

O desenvolvimento complicado pela deficiência constitui um processo criador ( orgânico e psicológico) de construção da personalidade da criança, sobre a base da reorganização de todas

as funções de adaptação, da formação de novos processos, quer dizer, superestruturadores, substituidores e equilibradores, originados

pela deficiência, e do surgimento de novas vias de rodeio para o desenvolvimento

(Vygotsky, 1989)

A inclusão cresce a cada ano e, com ela, o desafio de garantir uma educação de

qualidade para todos. E é na escola, que os alunos aprendem a conviver com as

diferenças e se tornam cidadãos solidários, mas para isto acontecer, a participação e

conscientização do professor é essencial.

Percorrer pelo caminho da história da deficiência e suas várias representações

sociais, é uma forma de entender e compreender porque estes indivíduos foram

afastados do nosso convívio, não sendo possível conhecê­los. No imaginário das

pessoas é bastante forte as representações e categorização generalizada destas

pessoas, em que um cego é igual em sua deficiência a um deficiente auditivo ou um

indivíduo com deficiência física. O tratamento é dado da mesma maneira.

No século XVII, na Europa, a internação dessas pessoas era um grande

movimento, um período de segregação e categorização dos indivíduos, internando a

loucura pela mesma razão que a devassidão e a libertinagem . Os indivíduos excluídos

eram alienados, separados em grupos, entre os quais, indigentes, vagabundos e

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mendigos; prisioneiros; pessoas ordinárias; mulheres caducas; velhas senis ou

enfermas; velhas infantis; pessoas epilépticas; inocentes malformados e disformes,

pobres bons; moças incorrigíveis. (Foucault, 2002)

Uma das grandes incertezas vivenciadas pela escola atualmente é a inclusão de

crianças com necessidades especiais junto à classe ditas “normais”. São grandes as

dúvidas e receios por parte da maioria dos educadores. A palavra inclusão é muito

falada, mas pouco compreendida. As diferentes formas de desenvolvimento do

processo inclusivo ainda são fatores desconhecidos pela maioria dos professores que

tentam trabalhar da melhor maneira possível, mas totalmente desamparados em termos

de referenciais não só dentro da escola como também fora dela.

A criança com deficiência é reconhecida por apresentar transtornos na

aprendizagem, manifestações de conduta, problemas emocionais produzidas pela

interação entre suas características e as dificuldades impostas pelo meio físico e social.

Em linhas gerais, isso quer dizer que a criança deficiente, apresenta algum

problema de aprendizagem ao longo de sua escolarização, que exige uma atenção

mais específica e maiores recursos educacionais do que os necessários para os

colegas de sua idade.

Atualmente o capital é tido como o mecanismo propulsor da humanidade, e

produzir para o capital consiste na melhor forma de atuar dentro da sociedade.

Vive­se hoje em uma realidade que dá mais ênfase à questão do mercado –

competitivo e discriminatório ­ do que à problemas sociais. Isso esclarece a segregação

e exclusão de uma parcela significativa da população mundial representada pelos

idosos, desempregados, negros, mulheres, deficientes, etc. que são considerados em

muitos casos um “peso para o sistema”.

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É em meio a este contexto que algumas alterações no tratamento de pessoas

portadoras de deficiência começam a acontecer. De conceitos e versões grosseiras

sobre deficiência e seus “tratamentos” no passado, lentamente a mobilização social

passa a oferecer novas concepções, que geram outras atitudes e valores éticos, o que

pode produzir novas relações com portadores de necessidades especiais.

Segundo SASSAKI (1997,pp.27):

Os conceitos são fundamentais para o entendimento das práticas sociais. Eles moldam nossas ações. E nos permitem analisar nossos programas, serviços e políticas sociais, pois os conceitos acompanham a evolução de certos valores éticos, como aqueles em torno da pessoa portadora de deficiência .(...)

Portanto, a trajetória das pessoas com necessidades educativas especiais, ou

seja, as pessoas portadoras de deficiência, é marcada pela exclusão, pois elas não

eram consideradas pertencentes à maioria da sociedade, eram abandonadas ou

mortas. Depois, iniciou­se o atendimento em instituições especializadas, sendo assim

uma prática segregativa. Em seguida, passou­se à prática da integração social e,

recentemente à prática da inclusão social.

O modelo de integração social nada mais é do que a busca de uma inserção do

deficiente a uma sociedade que lhe exige certas capacidades para a sua sobrevivência.

SASSAKI (1997,pp.34), considera que a integração: (...)" tem consistido no esforço de

inserir na sociedade pessoas com deficiência que alcançaram um nível de competência

compatível com os padrões sociais vigentes."(...) desde que ele esteja de alguma forma

capacitado a superar as dificuldades que irá encontrar.

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A integração social não toma a sociedade como responsável principal neste

processo, pois é o portador da deficiência que deverá adequar­se à estrutura oferecida,

ou seja, deverá moldar­se aos mais diversos procedimentos e papéis sociais que lhe

forem exigidos, para que possa ser aceito.

No que se refere à Inclusão, parte­se da premissa de uma mudança na

sociedade como primeira etapa para que o portador de necessidades especiais, seja

aluno ou não, possa construir seu desenvolvimento e desempenhar o seu papel de

cidadão. O conceito de Inclusão defende a idéia de que todas as crianças podem

aprender e fazer parte de uma vida escolar e comunitária.

Criar uma realidade inclusiva resulta na mudança de toda a sociedade para que

esta possa atender as necessidades de cada indivíduo.

A inclusão é para SASSAKI (1997,pp.41):

(...) um processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo bilateral no qual as pessoas ainda excluídas e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos.

Relacionando o processo inclusivo à instituição ( escola) definir se ela será

inclusiva quando procurar educar todos os alunos em salas de aula regulares, isto

significa permitir a educação e a freqüência de todos na escola regular, bem como

oferecer a todos uma série de desafios e oportunidades que sejam adequadas às suas

habilidades e necessidades.

O primeiro passo para a escola ser inclusiva é o reconhecimento e a aceitação

das diferenças individuais, pois as necessidades educativas especiais pressupõe outras

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estratégias de ensino­aprendizagem que não as usadas rotineiramente com a maioria

dos alunos.

A escola Inclusiva se adapta para que todas as crianças, deficientes ou não

tenham as mesmas oportunidades de aprendizagem. Incluir é respeitar e aceitar a

individualidade, as diferenças de cada um e aprender com elas. Porém, aceitar e

respeitar não é suficiente. É necessário criar condições para que a inclusão aconteça

para todos. Dentro desse processo existem inúmeras formas de trabalho junto aos

alunos especiais.

A minha proposta, enquanto professora de educação infantil, é buscar nos jogos

e brinquedos a estimulação de relações interpessoais mais dinâmicas e livres de

preconceitos entre alunos­alunos e professores­alunos .

Assim sendo, ensinar na perspectiva inclusiva, significa ressignificar o papel do

professor, da escola, da educação e de práticas pedagógicas que são usuais no

contexto excludente do nosso sistema de ensino. Para isto, é necessário a interação

dos professores entre si, estudando juntos, estando abertos a colaborar, com seus

pares, em busca de novos caminhos pedagógicos para inclusão. Particularmente,

acredito que os conteúdos curriculares são tantos que nos tornam: alunos, professores

e pais, reféns de um programa que abre pouco espaço para trabalhar os talentos das

crianças. Mais do que criar condições para os deficientes, a inclusão é um desafio que

implica mudar a escola como um todo, no projeto pedagógico, na postura diante dos

alunos, na filosofia.

Por experiência e já descrita neste texto, posso assegurar que ainda não

estamos preparados para a nova responsabilidade, mas também considero­me

suficientemente capaz de trilhar este novo caminho, afinal, as crianças não podem ficar

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esperando a escola ou os professores se prepararem, elas já estão aí, prontas para

freqüentar a instituição, e no mínimo, temos que estar prontos para a diversidade, para

estimular a prática de responsabilidade social.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fazer da diversidade um recurso de ensino significa mostrar que todos são iguais porque todos

podem aprender... Guiomar Namo de Mello (Fundação Victor Civita)

Durante todos estes anos de Magistério, acreditava ter visto tudo em relação a

criança, a docência, a trabalhar em equipe.

Nestes anos na Universidade (PROESF), percebi que a observação e o registro

foram as marcas mais fortes de todos estes anos de prática.

Nesta perspectiva, ter acesso a teoria, depois de anos de prática, oportunizou­

me uma reconstrução do conhecimento, a habilidade da reflexão de meu cotidiano

diante do intenso ritmo das mudanças de nossa sociedade.

Aprendi muito sobre a criança, seu histórico, suas necessidades e a importância

da aproximação com o contexto social de cada turma.

Muitas vezes impressionei­me comigo mesma diante de cada situação surgida

em sala de aula, em que me pegava refletindo criticamente sobre uma decisão ou um

acontecimento, sobre aquilo que li, ou ouvi em palestras. E quantas discussões dentro

da escola, com os colegas de trabalho, sobre determinado autor ou suas obras. A

curiosidade começa com o professor, que é a etapa básica para que uma prática

investigativa se estabeleça, e que é uma qualidade fundamental a ser estimulada junto

aos alunos. Senti que a flexibilidade, a polivalência, a capacidade de continuar

aprendendo para adaptar­se às mudanças no trabalho e nas práticas sociais, na

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tentativa de construir sentido no mundo e em minha própria vida, fazem parte do

currículo do professor.

Neste mundo competitivo, as informações renovam­se com rapidez e a formação

é essencial em qualquer profissão, principalmente na educação, que nos delega a

função de construir conhecimentos e reestruturar saberes. Não basta obter a

informação, mas saber como processá­la.

Aprendi, produzi, sobrevivi.

Envolvi e convivi com situações concretas. Entendi que a idéia é que o professor

não ensina sozinho, também depende do aluno, e sobretudo, de uma conexão, uma

verdade comum entre os dois.

Esta verdade, mostrou­me que as diferenças existem e são palpáveis. O termo

normais ou iguais pressupõe superioridade. Uma superioridade camuflada pelo medo

do novo e do desconhecido, alimentada pela ignorância.

Valorizar as peculiaridades de cada aluno, atender a todos na escola, incorporar

a diversidade, sem nenhum tipo de distinção. Quanto às diferenças, e não digo apenas

às relacionadas aos deficientes, não devem ser só aceitas, mas também acolhidas

como subsídio para completar o cenário escolar.

Estudar e entender a Educação Especial, disciplina com a qual melhor

identifiquei­me, fez perceber, que o que vale, é oferecer atividades complementares,

adotar práticas criativas em sala de aula, adaptar o projeto pedagógico, rever posturas

e construir uma nova filosofia educativa.

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