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ÍNDICE DE VULNERABILIDADE FISCAL MUNICIPAL: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA Tiago Cisalpino Pinheiro Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia PUC Minas Resumo O processo de descentralização fiscal no Brasil a partir de 1988 resultou em municípios com alta dependência econômica dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios - FPM. Essa situação combinada aos recentes desdobramentos da crise financeira internacional de Setembro de 2008, resultou na queda da arrecadação federal de IPI e Imposto de Renda, que impostos federais formadores do Fundo de Participação dos Municípios. Essa queda na arrecadação federal implicará numa redução proporcional nos repasses federais do FPM. O trabalho propõe um índice representativo da vulnerabilidade econômico-fiscal municipal em relação aos repasses federais para identificação dos municípios e regiões mais vulneráveis a queda nos repasses do FPM. Palavras Chave: Descentralização Fiscal, Finanças Públicas Municipais, Vulnerabilidade Fiscal. Abstract The brazilian process of decentralization after the 1988 Constitution resulted on the establishment of municipalities highly dependent on federal transfers. This situation combined with the recent development of the Financial Crisis resulted on the reduction of the federal revenues, especially those which compose the federal transfer fund, the Tribute of Industrialized Products and the Income Tax. This paper present a methodology for the creation of an Index of Fiscal Vulnerability for Brazilian municipalities. Palavras Chave: Fiscal Decentralization, Public Finances, Fiscal Vulnerability. 1 INTRODUÇÃO O processo de descentralização político-administrativo brasileiro pós-Constituição de 1988 trouxe profundas alterações sobre a realidade sócio-econômica do país, com fortes implicações sobre o desenho político do território. A descentralização do poder no Brasil é fato histórico novo do ponto de vista constitucional, mas que ao mesmo tempo trás consigo uma heranças dos primórdios do processo de colonização. A história do poder local no Brasil mostra, contudo, que apesar da baixa densidade da ocupação inicial do território e a política de colonização descentralizada do governo português na forma das Capitanias Hereditárias, predominaram na história brasileira, períodos de centralização governamental e administrativa. (MOHN, 2006) (PIRES, 1999) É inegável que o processo político de encerramento da ditadura militar e passagem para o regime democrático culminado na Constituição de 1988, resultaria num profundo processo de descentralização política, tanto nas diretrizes do estado democrático que se formaria, como sobre o pacto federativo. O processo de descentralização pós-1988 abrange os sub-processos de descentralização política, através das eleições locais, administrativa, pela autonomia nos processos de tomada de decisão sobre certas políticas publicas, e fiscal, já que foram repassados recursos para que os municípios pudessem levar adiante os demais processos. Um dos aspectos marcantes foi a ampliação dos recursos tributários disponíveis para os municípios combinada a uma ampliação da autonomia de gestão dos recursos, posteriormente acompanhado por um processo atribuições de responsabilidade.

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ÍNDICE DE VULNERABILIDADE FISCAL MUNICIPAL: UMA PROPOSTA

METODOLÓGICA

Tiago Cisalpino Pinheiro

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia – PUC Minas

Resumo

O processo de descentralização fiscal no Brasil a partir de 1988 resultou em municípios com

alta dependência econômica dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios - FPM. Essa

situação combinada aos recentes desdobramentos da crise financeira internacional de Setembro de

2008, resultou na queda da arrecadação federal de IPI e Imposto de Renda, que impostos federais

formadores do Fundo de Participação dos Municípios. Essa queda na arrecadação federal implicará

numa redução proporcional nos repasses federais do FPM. O trabalho propõe um índice

representativo da vulnerabilidade econômico-fiscal municipal em relação aos repasses federais para

identificação dos municípios e regiões mais vulneráveis a queda nos repasses do FPM.

Palavras Chave: Descentralização Fiscal, Finanças Públicas Municipais, Vulnerabilidade Fiscal.

Abstract

The brazilian process of decentralization after the 1988 Constitution resulted on the

establishment of municipalities highly dependent on federal transfers. This situation combined with

the recent development of the Financial Crisis resulted on the reduction of the federal revenues,

especially those which compose the federal transfer fund, the Tribute of Industrialized Products and

the Income Tax. This paper present a methodology for the creation of an Index of Fiscal

Vulnerability for Brazilian municipalities.

Palavras Chave: Fiscal Decentralization, Public Finances, Fiscal Vulnerability.

1 INTRODUÇÃO

O processo de descentralização político-administrativo brasileiro pós-Constituição de 1988

trouxe profundas alterações sobre a realidade sócio-econômica do país, com fortes implicações

sobre o desenho político do território. A descentralização do poder no Brasil é fato histórico novo

do ponto de vista constitucional, mas que ao mesmo tempo trás consigo uma heranças dos

primórdios do processo de colonização. A história do poder local no Brasil mostra, contudo, que

apesar da baixa densidade da ocupação inicial do território e a política de colonização

descentralizada do governo português na forma das Capitanias Hereditárias, predominaram na

história brasileira, períodos de centralização governamental e administrativa. (MOHN, 2006)

(PIRES, 1999)

É inegável que o processo político de encerramento da ditadura militar e passagem para o

regime democrático culminado na Constituição de 1988, resultaria num profundo processo de

descentralização política, tanto nas diretrizes do estado democrático que se formaria, como sobre o

pacto federativo. O processo de descentralização pós-1988 abrange os sub-processos de

descentralização política, através das eleições locais, administrativa, pela autonomia nos processos

de tomada de decisão sobre certas políticas publicas, e fiscal, já que foram repassados recursos para

que os municípios pudessem levar adiante os demais processos. Um dos aspectos marcantes foi a

ampliação dos recursos tributários disponíveis para os municípios combinada a uma ampliação da

autonomia de gestão dos recursos, posteriormente acompanhado por um processo atribuições de

responsabilidade.

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A constituição de 1988 define as diretrizes do processo de descentralização fiscal,

determinando os tributos intrinsecamente urbanos como o Imposto Predial e Territorial Urbano -

IPTU e Imposto Sobre Serviços - ISS para os municípios, além de ampliar fortemente os repasses

estaduais e federais. Os critérios de distribuição da arrecadação federal do Imposto de Renda e

Imposto sobre Produtos Industrializados e da arrecadação estadual de Imposto sobre Circulação de

Mercadorias e Prestação de Serviços – ICMS e de IPVA definidos em 1988 consolidariam o

processo de descentralização fiscal iniciado já a partir do início do anos 1980, como apontam Serra

& Afonso (1991).

As especificidades da legislação tributária brasileira resultaria na formação de um grande

número de municípios altamente dependentes financeira e economicamente dos repasses federais,

principalmente do Fundo de Participação dos Municípios - FPM. (GOMES E MAC DOWEL,

2000). O trabalho pretende contribuir para o entendimento do processo de descentralização ocorrido

no Brasil a partir da contextualização teórica sobre o tema e da análise dos acontecimentos no

Brasil. A ênfase no processo de descentralização fiscal brasileiro servirá de base para ilustrar

eventuais distorções no processo, ao identificar municípios em situação de vulnerabilidade fiscal.

A partir da contextualização sobre o processo brasileiro será proposto um índice para medir

a dependência econômica dos municípios brasileiros do repasse do FPM, denominado índice de

Vulnerabilidade Fiscal Municipal.

2 DESCENTRALIZAÇÃO

2.1 Políticas e Processos de Descentralização

O conceito de descentralização que iremos trabalhar refere-se essencialmente a esfera

governamental. Seu significado básico é a transferência de responsabilidade das funções públicas

do governo central para as esferas de governo subordinadas. O conceito de Descentralização opõe-

se ao de Centralização em relação aos arranjos de organização do Estado, ou diretrizes de operação

ou de um aparelho político-administrativo. Os conceitos se referem a formas genéricas de

distribuição dos poderes entre órgãos políticos hierarquicamente diferenciados dentro de um Estado,

com a centralização se referindo a uma situação onde os poderes das autoridades locais seriam os

mínimos possíveis, somente o necessário para garantir a condição de autoridade a esses indivíduos,

e a descentralização o a situação inversa, quando os órgãos do governo central mantivessem

somente o mínimo de poder para lhe garantir como tal. Assim, a descentralização completa

implicaria na ausência completa de Estado e seu sentido básico é a transferência de poder e recursos

dos níveis superiores para os níveis inferiores de governo. (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO,

1997, p. 330).

A descentralização é um processo de transferência de poder do governo central para as

esferas sub-nacionais através de um conjunto de ações específicas geralmente na forma de medidas

políticas, administrativas e fiscais. O conceito não se refere portanto a um processo isolado, mas a

um conjunto de sub-processos relacionados a áreas específicas da atuação governamental. Ele

abrange nesse contexto às varias possibilidades de redistribuição de poderes dentro de um Estado,

referindo-se geralmente a processos de descentralização política, administrativa e fiscal. Justamente

por agrupar diversos tipos de políticas de redistribuição de poder entre a esfera central e as esferas

locais, existem diferenças sobre quais políticas formariam ou não o conceito genérico. Entretanto,

pudemos identificar nas principais conceituações sobre o tema as referências comuns aos processos

de descentralização política, fiscal e administrativa. Esses processos por sua vez podem ser

realizados em conjunto concomitantemente ou de forma isolada, certo tipo de descentralização pode

apresentar maior relevância em relação a outros, o conceito mais abrangente consiste nas inúmeras

possibilidades de processos específicos que podem ser sintetizados da seguinte maneira:

Descentralização Fiscal: envolve o processo de realocação de recursos entre os níveis de

governo com objetivo de permitir o funcionamento do nível local de governo.

Descentralização Política: transferência de poder político e autoridade aos níveis de governo

sub-nacionais.

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Descentralização administrativa, que consiste na transferência do poder de tomada de

decisão, recursos e responsabilidades na oferta de serviços públicos do governo central para

os níveis de governo locais e regionais. (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O

DESENVOLVIMENTO, 2004)

Falleti (2005) detalha cada um dos sub-processos relacionados a descentralização. A

descentralização política consistiria no conjunto de emendas constitucionais e reformas eleitorais

designadas para abrir espaços de representação política e eleitoral para as unidades sub-nacionais.

Todas as formas de fortalecimento da autonomia política das esferas sub-nacionais são consideradas

medidas de descentralização política, cujos exemplos mais comuns são a adoção de eleições

populares para prefeitos e governadores e a criação de assembléias legislativas estaduais e

municipais. A descentralização fiscal consistiria num conjunto de políticas para aumentar a receita e

a autonomia fiscal das unidades sub-nacionais manifestada das mais diversas formas, como um

aumento das transferências das receitas do poder central para os poderes locais/regionais ou mesmo

através da criação de novas taxas e impostos para as unidades sub-nacionais ou através de

delegação de taxas para essas unidades. A descentralização administrativa, por sua vez, incluiria a

transferência de responsabilidade sobre a oferta de serviços públicos (saúde, educação, moradia,

etc) aos governos sub-nacionais. A autora faz uma ressalva apontando que o processo de

transferência de responsabilidade deve ser acompanho pela transferência de recursos, quando a

descentralização administrativa fundiria com a descentralização fiscal. (FALLETI, 2005)

2.2. Descentralização no Brasil

O Sistema Colonial português no Brasil demandava em uma certa medida uma estrutura

relativamente centralizada para controle e exploração do território mas no Brasil, desde os tempos

coloniais mas a dimensão do território combinada aos problemas financeiros dos portugueses no

inicio da colonização resultaram em uma ocupação inicial relativamente descentralizada. O sistema

de Capitanias hereditárias, onde os mais diversos segmentos da sociedade portuguesa receberam

vastas regiões no Brasil para o processo iniciar a colonização. Essa experiência, que tivera sucesso

nos Açores a na ilha da madeira, objetivava garantir a posso do território contra os franceses e dos

problemas financeiros de Portugal em decorrência das guerras com os franceses e espanhóis. Assim

o território foi divido em linhas paralelas, perpendiculares a costa em 15 porções destinadas aos

mais diversos tipos da sociedade portuguesa. (Carvalho, 2008)

Um aspecto fundamental de suporte a visão de uma ocupação relativamente descentralizada

no período colonial pode ser encontrado em aspectos da obra de Sergio Buarque de Holanda ao

apontar a importância dos conhecimentos nativos no processo de interiorização do vasto território, o

que por si só em termos geográficos garante autonomia relativa de governantes locais em relação a

metrópole.

Carvalho (1998) aponta que a fundação do governo geral da colônia em 1549 restringe

relativamente a autonomia dos donatários e que a descoberta das minas de ouro políticas de

centralização foram naturalmente empregadas para controlar as minas de ouro mais produtivas do

mundo naquele momento. Contudo, apesar da tentativa de centralização, o sistema colonial

português nas Américas pode ser sintetizado na presença de um fraco poder colonial incapaz de

implantar uma estrutura centralizada. Oligarquias regionais fortes que controlam vastas extensões

de terra e grande número de escravos. Quase ou nenhuma integração entre as capitanias.

Apesar do poder das elites regionais, ocorrem processos de centralização com a chegada da

corte portuguesa em 1808 e na independência e períodos monárquicos e regencial. Carvalho aponta

que as elites regionais estavam interessadas num certo grau de centralização que lhes garantisse

segurança contra insurgências locais, influenciadas pelas revoltas violentas de escravos como

ocorrida em Santo Domingo (1798), atual República Dominicana. Apesar da tensões entre os

poderes locais e a metrópole o período foi marcado pela concentração de poder e recursos no

governo monárquico. (Carvalho, 1998)

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A proclamação da República em 1889 resultou no primeiro arranjo federativo e pela

primeira vez o aparecimento da instituição municipal como nos vemos hoje e pela concentração de

poder nas elites mineiras e paulistas. A partir desse período a orientação do governo no Brasil

permite a visualização de ciclos mais claros de centralização e descentralização. Já que o período

republicano daria lugar a ditadura Vargas, que seria sucedida por um curto período democrático e

posteriormente pela ditadura militar, até a recente redemocratização. O encerramento definitivo da

Ditadura Militar em 1988 daria inicio a um intenso processo de descentralização no país, com a

adoção das mais diversas políticas de descentralização que abrangeria as esferas, políticas, fiscais e

administrativas.

3. DESCENTRALIZAÇÃO FISCAL NO BRASIL

A distribuição da receita oriunda de impostos entre as esferas de governo sofreu uma grande

mudança com a Constituição de 1988. O processo de descentralização tributária tem sido observado

como uma contraposição ao processo de centralização dos recursos ocorrido no regime militar. Esse

processo de descentralização fiscal foi marcado pelo aumento das transferências de recursos e de

arrecadação tributária para estados e municípios, ao mesmo tempo em que lhes foram transferidas

inúmeras responsabilidades quanto à prestação de serviços públicos. Diversos autores têm

destacado a forte centralização das contas públicas brasileiras durante os governos militares, com a

concentração de grande parte da receita tributária e interferência direta na legislação tributária de

estados e municípios por parte da União (Gomes e McDowell, 2000; Tomio, 2000). Alguns autores

destacam que, apesar da concentração dos recursos na União, o processo de redistribuição

penalizara mais fortemente os estados em comparação com os municípios. Serra e Afonso (1991)

apontam que, já a partir de 1960, ao contrário do que comumente se tem apontado, inicia-se um

processo de descentralização tributária em favor dos municípios.

A partir de 1988, o governo federal transferiu sistematicamente para os municípios um grande

número de atribuições de responsabilidade na prestação de serviços públicos. A Lei de

Responsabilidade Fiscal impôs, ainda, um elevado número de restrições à capacidade de

endividamento dos municípios, diminuindo também os graus de liberdade na gestão de suas

receitas. Dentre as responsabilidades por serviços públicos transferidos aos municípios, destacam-se

a gestão da saúde (SUS) e a da educação básica (FUNDEF). Os municípios passaram a receber

transferências específicas da União, direcionadas ao fornecimento desses serviços, fenômeno que

representa a descentralização administrativa de gestão dos serviços públicos, associada a uma

contrapartida financeira.

Figura 1

Índice de Receita da União, Estados e municípios 1988-2000

Fonte: BNDS

Atualmente, a Receita Orçamentária dos municípios brasileiros é formada, basicamente, por

duas fontes de receita, as receitas próprias e as transferências dos estados e da União. A receita

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própria se origina dos impostos municipais (Imposto sobre Transmissão de Bens Intervivos – ITBI

–, Imposto sobre Serviços – ISS – e Imposto Predial e Territorial Urbano) e de taxas. As principais

transferências estaduais são o ICMS e o IPVA, arrecadados pelo estado e, posteriormente,

transferidos aos municípios segundo critérios específicos. Por parte da União, as principais são as

transferências do SUS, o FUNDEF e o Fundo de Participação dos Municípios. Os dois primeiros

são direcionados para financiar as responsabilidades assumidas pelos municípios na prestação dos

serviços de saúde e educação básica, respectivamente, e sua aplicação se dá por meio de normas

bastante rígidas.

Dentre as arrecadações estaduais, o ICMS consiste no principal imposto distribuído aos

municípios. A Constituição de 1988 define que os municípios brasileiros têm direito a 25% do

imposto estadual referente a operações de circulação de mercadorias e prestação de serviços de

transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação. Isso significa que 25% do ICMS

(Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) arrecadado por um estado devem ser

distribuídos entre seus municípios. A Constituição ainda afirma que 75% do ICMS que o estado

deve repassar aos seus municípios deverão ser definidos pelo Valor Adicionado Fiscal de cada

município. O VAF definido constitucionalmente consiste na proporção do valor adicionado por

cada município nas operações de circulação de mercadorias e serviços específicos, realizadas nos

territórios de cada uma das unidades municipais.

O VAF está relacionado à movimentação econômica que ocorre em cada uma dessas unidades.

Cada uma das atividades econômicas geradoras de valor agregado demanda uma série de insumos

de um dado valor, que produzem um volume de bens com um valor que se espera maior que a soma

do valor dos insumos, haja vista que, na transformação insumo-produto, espera-se que esteja

incluída a geração de valor no processo. A soma de todas as diferenças de valor acrescidas,

realizada pelos agentes econômicos presentes nos municípios, constitui-se no VAF municipal. De

forma mais simples, o VAF pode ser entendido como a diferença entre a soma do valor de todos os

insumos empregados em todas as atividades econômicas de um dado município e a soma do valor

de todos os bens e serviços produzidos por essa atividade.

O Fundo de Participação dos Municípios consiste, por sua vez, no principal repasse de recursos

tributários da União para os municípios. O FPM distribuído aos municípios brasileiros corresponde

a 22,5% da arrecadação nacional do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos

Industrializados. Sua distribuição é feita com base na população dos municípios calculada pelo

IBGE e reguladas através da Lei Complementar nº 63, de 11 de janeiro de 1990.

A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) têm disponibilizado, já há alguns anos, informações

detalhadas sobre as finanças públicas municipais, como também estudos que visam a construir

tipologias de perfil de receita e despesa públicas. Um dos aspectos mais marcantes apresentados

refere-se à elevada dependência dos municípios de pequeno porte populacional dos repasses

federais, como o FPM.

Outras instituições também têm destacado a relação direta entre o porte populacional e a

geração de receitas próprias nos municípios brasileiros. O Instituto Brasileiro de Administração

Municipal (IBAM) aponta, em sua publicação “Evolução das Finanças Municipais no período de

1989/1998”, que as alterações ocorridas na década de 90 resultaram no cenário acima descrito. Isso

fez com que os municípios se tornassem intensamente dependentes das transferências da União. A

análise que o mesmo instituto fez para a situação da receita orçamentária dos municípios brasileiros

em 2003, último ano das informações disponibilizadas pela Secretaria do Tesouro Nacional, mostra

claramente que, quanto menor o município, menor a participação das receitas próprias na receita

orçamentária total e, consequentemente, maior a dependência das transferências da União.

A situação apresentada pelo IBAM mostra que a participação relativa média da receita

tributária sobre a receita orçamentária cresce à medida que aumenta o tamanho da população dos

municípios. Nos municípios com população até dois mil habitantes, a participação relativa média da

receita tributária sobre a receita orçamentária é de apenas 2,3%, participação ligeiramente superior à

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dos municípios com população acima de dois mil e abaixo de cinco mil habitantes, que foi de 2,6%

em 2003.

Esse percentual de participação cresce em municípios de maior população: os municípios com

população entre 50 e 100 mil habitantes possuem 12,2% de sua receita orçamentária formada pela

receita tributária, e, nos municípios com mais de cinco milhões de habitantes, a participação média

máxima é de 37,8%. A lógica inversa mostra que, enquanto o valor do FPM por habitante nos

municípios com população menor que dois mil habitantes foi de R$ 1,14 milhões reais em 2003,

nos municípios com mais de cinco milhões de habitantes, esse mesmo valor foi de R$ 7,37 milhões.

Os principais indicadores da situação fiscal de um município que têm sido propostos por um

bom número de publicações na área podem ser sintetizados da seguinte maneira. Em primeiro lugar,

está a capacidade de um município de gerar receita tributária, que são as receitas próprias

arrecadadas com impostos, com destaque para o ISSQN e o IPTU, os quais, por sua vez, estão

diretamente relacionados ao porte do município.

A publicação do IBAM sugere uma boa explicação para esse fenômeno: ambos os tributos

estariam associados ao porte da economia urbana do município. De fato, o número de imóveis

urbanos e de atividades de prestação de serviços está diretamente relacionado à economia urbana de

uma cidade, o que parece uma boa explicação para a elevada dependência do FPM. Esse imposto é

distribuído segundo o porte populacional dos municípios e representa a principal fonte de receita

dos municípios de pequeno porte populacional. Para completar a análise das principais fontes de

receita dos municípios brasileiros, cita-se,o repasse estadual de ICMS, que está diretamente

relacionado, por sua vez, à geração de valor agregado nos municípios, haja vista que 75% desse

imposto são oriundos da contribuição do VAF municipal.

A participação relativa da receita tributária sobre a receita orçamentária de um município

parece ter uma relação direta com o seu porte populacional: quanto menor o município, menor a

participação da receita tributária sobre a receita orçamentária, o que confere com os resultados do

IBAM e STN para o conjunto dos municípios brasileiros. Outra relação aparente e diretamente

relacionada à anterior é o grau de dependência dos repasses federais, principalmente do Fundo de

Participação dos Municípios, que diminui à medida que aumenta a população residente na

localidade.

Quadro 1

Características da composição da Receita Orçamentária Municipal por classes de população dos

municípios brasileiros- 2005

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Secretaria do Tesouro Nacional.

Para analisar a distribuição espacial da situação fiscal dos municípios brasileiros, podem ser

apresentados os principais indicadores econômico-fiscais propostos para os municípios do país. A

Faixa (mil

habitantes)

Repasse ICMS/ Receita

Orçamentária (%)

FPM/ Receita

Orçamentária (%)

Receita Tributária/

Receita Orçamentária

(%)

Receita Orçamentária

Média (R$ 1.000)

Receita Orçamentária por habitante

(R$)

até 2 18,91 64,97 1,97 2.710,10 1.659,49

2 a 5 19,07 55,49 2,61 3.706,09 1.057,75

5 a 10 20,31 44,28 3,51 5.147,65 714,69

10 a 20 18,37 41,52 4,04 8.339,07 579,48

20 a 50 19,51 34,28 5,56 16.671,11 551,74

50 a 100 21,43 24,58 8,88 41.826,34 591,53

100 a 200 24,69 18,42 11,59 101.760,44 735,12

200 a 500 23,82 14,84 15,36 217.212,87 707,55

500 a 1000 26,89 9,98 18,40 559.291,49 795,93

acima 1.000 21,62 7,27 26,47 2.820.284,36 1.038,64

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Secretaria do Tesouro Nacional possui um banco de dados detalhado do perfil das finanças públicas

municipais. Entretanto, essa base de dados não contempla todos os municípios brasileiros. Isso

ocorre porque apresenta apenas os municípios que tiveram suas prestações de contas enquadradas

dentro de critérios estabelecidos pelo STN. Tendo em vista que um determinado município tem suas

informações disponibilizadas em um determinado ano e em outro ano ele não consta da lista,

buscou-se empregar aqui uma técnica que permitisse disponibilizar dados para o maior número

possível de municípios do país. Para tanto, agruparam-se as informações municipais das finanças

públicas entre 2002 e 2005, que foram deflacionadas pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo

(IPCA), calculado pelo IBGE. A partir daí, calculou-se a média dos principais tipos de receita dos

municípios para os anos em que suas informações foram disponibilizadas.

O Mapa 1 apresenta a participação do FPM sobre a Receita Orçamentária dos municípios

brasileiros, por meio de um método de visualização de uma superfície que representa as zonas de

dependência do FPM. Nesse caso, podem-se ver claramente as regiões brasileiras que concentram o

maior número de municípios onde a dependência dos repasses federais é maior. As cores laranja e

vermelha representam as regiões onde mais da metade da Receita Orçamentária municipal é

formada pelo repasse do FPM.

Nota-se que toda a região Nordeste, somada aos estados de Tocantins, Goiás e Minas Gerais,

forma uma extensa região onde a grande maioria dos municípios apresenta elevada dependência

desse repasse, característica normalmente associada à baixa capacidade de arrecadar recursos

próprios através da receita tributária e à ausência de atividades econômicas de maior valor

agregado, as quais implicariam maiores repasses estaduais de ICMS. É importante destacar que,

mesmo nessa grande região, existem zonas de menor dependência orçamentária do FPM, tais como

o Vale do São Francisco, na Bahia, as regiões metropolitanas dos estados nordestinos, o noroeste de

Minas Gerais e a região do Quadrilátero Ferrífero.

É importante destacar que as regiões de ocupação mais recente, como os estados do Pará, Mato

Grosso e Rondônia, têm apresentado nível de dependência do FPM em patamares bastante

inferiores ao das demais regiões brasileiras. Os estados do Sergipe, Alagoas, Espírito Santo e Rio de

Janeiro têm apresentado baixa dependência do FPM, fato provavelmente associado à exploração de

petróleo nas áreas litorâneas, que resulta em royalties para os municípios e estados litorâneos.

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Mapa 1

Contribuição do Fundo de Participação dos Municípios sobre a Receita Orçamentária Municipal (%)

– Brasil – Média 2002 -2005

Elaboração própria

Outro indicador importante da situação fiscal dos municípios brasileiros é a capacidade de

geração de receitas próprias, formadas principalmente pelo IPTU e pelo ISSQN. Pode-se

representar pelo mesmo método do Mapa 1 a participação das receitas próprias (Receita Tributária)

no contexto nacional. A capacidade de gerar receitas próprias está associada tanto às regiões mais

urbanizadas quanto às mais dinâmicas economicamente. O Mapa 2 demonstra que as regiões onde a

arrecadação tributária é maior correspondem àquelas onde a dependência do FPM é menor, haja

vista a relação inversa entre essas variáveis, ou seja, quanto maior a arrecadação própria, menor é a

dependência de repasses federais e estaduais. As regiões mais dependentes do FPM são, portanto,

justamente aquelas onde a arrecadação própria é baixa, como é o caso dos estados do Nordeste,

Minas Gerais, Goiás e Tocantins.

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Mapa 2

Participação do repasse estadual de ICMS sobre a Receita Orçamentária Municipal (%) nos

municípios brasileiros – 2002-2005

Elaboração própria

3. ÍNDICE DE VULNERABILIDADE FISCAL MUNICIPAL

A dependência de um grande número de municípios brasileiros do repasse federal do Fundo de

Participação dos municípios é uma característica que vem sendo apontada pela literatura que trata

das finanças públicas municipais. Recentemente, com o advento da crise financeira internacional

em Outubro de 2008 que vem implicando na queda da arrecadação federal de IPI e do imposto de

renda, essa característica que atinge a maior parte dos municípios brasileiros vem sendo apontada

como causa de uma crise fiscal no âmbito municipal. Como a maior parte da receita desses fundos é

oriunda de um fundo formado por impostos em queda na arrecadação, seria esperada uma forte

redução nos repasses mensais do FPM.

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No contexto das reduções dos repasses federais do FPM, municípios que tiverem níveis maiores

de dependência do repasse na sua Receita Orçamentária, estariam ainda mais vulneráveis a

eventuais reduções no repasse. A situação ainda seria mais critica se os percentuais de gastos

correntes, representados pela participação das despesas com o aparato legislativo e pessoal

estiverem comprometendo as finanças municipais. Se a economia desse município tiver a maior

parte de seus empregos formais na administração pública o município estará numa condição de

elevada vulnerabilidade fiscal. A partir desse idéia será proposto um índice de Vulnerabilidade

Fiscal Municipal, que será composto de alguns indicadores da situação das finanças públicas

municipais.

Assim poderíamos caracterizar a vulnerabilidade fiscal municipal como a situação de uma alta

dependência econômica da economia municipal dos repasses federais, deteriorada por elevadas

gastos com a estrutura administrativa municipal e pela baixa capacidade reação causada pela baixa

capacidade de gerar receitas próprias. O momento se faz bastante oportuno para esse tipo de

mensuração, tendo em vista que o desaquecimento da economia brasileira, e a já prevista redução

no repasse federal oriundo do FPM.

A situação de vulnerabilidade fiscal municipal pode ser entendida a partir da criação de um

índice que agregue indicadores da situação das finanças públicas de um município e da dependência

da economia municipal dos repasses federais. No numerador teríamos de um lado o indicador de

dependência dos repasses federais e do outro o Nível de comprometimento da Receita Orçamentária

com gastos correntes, combinado ao nível de dependência da economia municipal dos repasses

federais, como pode ser observado no quadro a seguir. No denominador mediaríamos a situação

econômica do município através de seu PIB per capita. Quanto menor for a renda per capita do

município, maior será o IVFM, pois é de se esperar que uma situação de vulnerabilidade como

descrita apresentaria efeitos mais devastadores em regiões de baixa renda per capita ao deteriorar a

capacidade de investimento do poder público municipal.

Quadro 2

Indicadores que compõem o Índice de Vulnerabilidade Fiscal Municipal (IVFM)

NUMERADOR

Indicadores de Vulnerabilidade Fiscal

Indicador Nível de Dependência do FPM

Indicador Nível de Dependência econômica dos repasses federais (IDER)

FPM/RO Participação Relativa do FPM sobre a Receita Orçamentária Municipal

DespLeg/RO Participação Relativa % Despesas com

Legislativo Receita orçamentária

DespPess/RO Participação Relativa % Despesas

com Legislativo Receita orçamentária

RAIS-adm/RAIS Participação Relativa % Empregos Formais na Administração Pública sobre Total dos Empregos Formais

PIBADM/PIB Participação Relativa PIB da

Administração Pública sobre PIB Total

DENOMINADOR

Nível de exposição a Vulnerabilidade Fiscal

PIB por Habitante Logaritimo Natural do PIB per capita

Nesse contexto, municípios que tem uma alta dependência do FPM, combinada a um elevado

comprometimento de suas Receitas com o funcionalismo público e com o aparato legislativo e

ainda com economias formadas prioritariamente pelo setor público teriam uma situação de maior

vulnerabilidade nas situações de forte redução nos repasses do FPM, como se espera que aconteça

no ano de 2009.

O Índice de Vulnerabilidade Fiscal municipal é composto de um numerador que é composto de

um indicador e de um outro Índice que mede o nível de dependência da economia municipal em

relação aos repasses federais, e no denominador a variável do PIB por habitante do município,

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incluída a partir da idéia de que quanto mais pobre for o município, mais vulnerável se encontraria a

situação municipal. A seguir podemos observar a composição do IFVM.

(1)

(2)

O índice de vulnerabilidade fiscal municipal permite que se identifique os municípios segundo

o grau de dependência dos repasses federais, bem como o nível de dependência da economia

municipal da administração pública e o nível de comprometimento das receitas municipais com

gastos correntes.

As variáveis utilizadas na composição do índice são oriundas de instituições governamentais e

disponibilizadas anualmente, o que permitiria um acompanhamento anual da situação

vulnerabilidade . Apesar dessa vantagem existe um problema na disponibilidade das variáveis

referentes as finanças públicas municipais. Isso ocorre porque o STN disponibiliza somente os

dados para os municípios que tiveram suas contas públicas apresentadas de forma consistente pela

instituição.

Quadro 3

Fonte e periodicidade dos Indicadores que compõem o Índice de Vulnerabilidade Fiscal

Municipal (IVFM)

Variável Fonte Séries

Finanças Públicas Municipais Secretaria do Tesouro Nacional STN Ministério da Fazenda

1985-2007

Empregos Formais Base RAIS - Ministério do

Trabalho e Empregos 1985-2007

PIB Municipal IBGE 1920-2006

Fonte: Elaboração Própria

Para construção do índice, as variáveis foram padronizadas e definidas na escala entre 0 e 1,

conforme padronização abaixo.

pp

ppiPP

minmax

min (3)

Onde:

PP é o valor padronizado das porcentagens;

Pi é o valor da porcentagem;

Pmax – Melhor valor será 0% ou 100%, dependendo qual o valor representa a pior situação;

Pmin – Pior valor será 0% ou 100%, dependendo qual o valor representa a melhor situação.

A padronização permite que as diferenças na forma de cálculo das variáveis elimine eventuais

distorções no cálculo além de colocar os índices numa escala entre 0 para o melhor valor e 1 para o

pior valor, lembrando que no caso quanto maior o valor do índice maior é a condição de

vulnerabilidade das finanças públicas municipais. A seguir serão apresentados os resultados do

PIBPIBadmRAISRAISadmRODespPessRODespLegIDER ////

POPPIBhab

IDERROFPMIVFM

lnln

)()/(

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índice de vulnerabilidade fiscal municipal para os municípios brasileiros. Foram utilizadas variáveis

disponíveis para o ano de 2005.

Mapa 3

Índice de Vulnerabilidade Fiscal Municipal - 2005

Elaboração própria

A distribuição espacial do IVFM mostra que os estados do Nordeste, região Norte do estado de

Minas Gerais e Noroeste do Estado do Amazonas apresentam os piores indicadores, colocando os

municípios dessa região entre os de situação de maior vulnerabilidade. A tabela a seguir mostra as

médias do IVFM para os municípios de cada estado brasileiro por classes de população, em

primeiro lugar podemos observar que quanto maior o município, menor seu índice de

vulnerabilidade, fato que decorre do perfil das finanças públicas municipais descrito anteriormente,

já que em média nos pequenos municípios o FPM representa maiores percentuais da Receita

Orçamentária Municipal.

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Quadro 4

Índice de Vulnerabilidade Fiscal Municipal (IVFM) – Média dos estados por classes de População

(mil habitantes) – 2005

UF < 2 2-5 5-10 10-20 20-50 50-100 100-200 200-500 500-1.000 >1.000 Total

GO 0,678 0,578 0,487 0,473 0,424 0,395 0,387 0,320 - 0,270 0,510

MS - 0,436 0,434 0,401 0,406 0,357 0,320 - 0,220 - 0,409

MT 0,555 0,429 0,377 0,337 0,358 0,315 0,290 0,310 - - 0,373

Centro-Oeste 0,617 0,481 0,433 0,404 0,396 0,356 0,332 0,315 0,220 0,270 0,431

AL - 0,705 0,630 0,656 0,538 0,456 0,370 - 0,410 - 0,602

BA - 0,584 0,618 0,610 0,540 0,456 0,309 0,343 - 0,260 0,572

CE - 0,690 0,617 0,605 0,541 0,463 0,310 0,410 - 0,240 0,563

MA - 0,528 0,527 0,525 0,474 0,402 0,470 0,270 0,280 - 0,501

PB 0,825 0,774 0,724 0,687 0,638 0,500 0,450 0,330 0,350 - 0,717

PE - 0,690 0,680 0,672 0,617 0,533 0,440 0,428 0,260 0,300 0,624

PI 0,660 0,653 0,617 0,543 0,524 0,437 0,470 - 0,300 - 0,610

RN 0,670 0,704 0,598 0,584 0,506 0,458 0,390 0,340 0,350 - 0,613

SE - 0,603 0,519 0,495 0,477 0,418 0,330 0,380 - - 0,506

Nordeste 0,718 0,659 0,614 0,597 0,539 0,458 0,393 0,357 0,325 0,267 0,590

AC - 0,580 0,446 0,489 0,500 0,470 - 0,520 - - 0,490

AM - - 0,602 0,602 0,580 0,393 - - - 0,270 0,574

AP - 0,635 0,523 0,550 0,650 0,600 - 0,550 - - 0,584

PA - 0,503 0,533 0,549 0,487 0,420 0,380 0,315 - 0,300 0,496

RO - 0,478 0,446 0,465 0,435 0,348 0,370 0,410 - - 0,444

RR - 0,310 0,527 0,510 - - - 0,540 - - 0,509

TO 0,580 0,566 0,491 0,474 0,421 0,290 0,385 - - - 0,528

Norte 0,580 0,512 0,510 0,520 0,512 0,420 0,378 0,467 - 0,285 0,518

ES - 0,560 0,468 0,423 0,442 0,355 0,320 0,335 - - 0,428

MG 0,648 0,579 0,530 0,506 0,447 0,339 0,312 0,313 0,245 0,220 0,516

RJ - 0,290 0,369 0,397 0,375 0,400 0,346 0,342 0,297 - 0,375

SP 0,485 0,455 0,386 0,360 0,316 0,299 0,269 0,267 0,222 0,200 0,370

Sudeste 0,567 0,471 0,438 0,422 0,395 0,348 0,312 0,314 0,255 0,210 0,422

PR 0,573 0,476 0,410 0,387 0,335 0,311 0,302 0,220 - 0,110 0,401

RS 0,413 0,429 0,399 0,360 0,338 0,328 0,331 0,274 - 0,230 0,391

SC 0,473 0,415 0,371 0,360 0,315 0,267 0,243 0,227 - - 0,373

Sul 0,486 0,440 0,393 0,369 0,329 0,302 0,292 0,240 - 0,170 0,388

Brasil 0,565 0,536 0,503 0,503 0,455 0,380 0,317 0,311 0,271 0,236 0,489

Fonte: Elaboração Própria

Para uma melhor definição dos padrões espaciais de distribuição do IVFM empregaremos as

técnicas da ESDA (Exploratory Spatial Data Analysis). O campo da estatística espacial diferencia-

se da estatística tradicional na medida em que baseia-se no pressuposto da dependência espacial

entre as observações, ou melhor de que as elementos geográficos mais próximos estão associados

de alguma maneira. (Fischer e Getis, 1997). O pressuposto teórico da Análise exploratória de dados

espaciais reside na hipótese da fricção da distância. A transposição do espaço exige energia e

recursos, coisas que a natureza e os seres humanos procuram minimizar. O conceito de Auto-

correlação espacial surge da busca por um método de avaliação estatística do nível de dependência

espacial dos dados. A medida mais famosa da auto-correlação espacial é o Índice de Moran, que é

uma extensão espacial ao Índice de Correlação linear de Pearson. (PARADIS, 2008) O Índice de

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Moran, é uma medida global para a auto-correlação espacial entre o valor de uma variável para um

determinado elemento geográfico e a média ponderada dos vizinhos. O índice de Moran varia entre

0 e 1, sendo que dependendo do seu valor avalia-se as hipóteses possíveis para a presença da auto-

correlação espacial. A autocorrelação espacial medida pelo Índice de Moran é uma medida da

dependência espacial, e informa qual é a similaridade entre uma unidade geográfica e seus vizinhos

em relação a um determinado atributo.

(4)

A Hipótese Nula, é a não existência de auto-correlação espacial. Valores de uma variável num

determinado local não dependem dos valores dessa variável nas localidades vizinhas. Aleatoriedade

espacial: se reordenássemos espacialmente os elementos e calculássemos o Índice de Moran ele

ainda teria significância? Nesse caso, o padrão espacial observado na distribuição de uma variável é

muito semelhante a qualquer outro padrão aleatório observável e o valor do índice de Moran é

próximo de zero.

As Hipóteses Alternativas são a presença de Autocorrelação Espacial Positiva e Negativa. No

primero caso os elementos geográficos mais próximos entre si apresentariam valores semelhantes

para a variável atributo, quando os valores semelhantes tendem a se agrupar no espaço Nesse caso,

os valores dos atributos de uma entidade espacial são é próximo do valor médio dos seus vizinhos.

Nesse caso, o valor do índice situa-se entre 0 e 1. Na Autocorrelação Espacial Negativa, o valor do

atributo de uma variável de uma localidade é diferente do valor dos seus vizinhos. Valor do índice

situa-se entre -1 e 0. O Diagrama de Moran por sua vez, representa a medida da associação linear

entre o valor de i e a média ponderada dos vizinhos. Ponderação realizada por critérios de distância

ou contigüidade. Dividindo os elementos espaciais em quatro quadrantes:

Clusters Espaciais (Agrupamentos espaciais)

ALTO/ALTO: Unidades com valores altos localizam-se próximas as unidades de

valores altos.

BAIXO/BAIXO: Unidades com valores baixos localizam-se próximas as unidades

de valores baixos.

Outliers Espaciais

ALTO/BAIXO: Unidades com valores altos próximas as unidades de valores baixos.

BAIXO/ALTO: Unidades com valores baixos próximas as unidades de valores altos.

A figura a seguir mostra o diagrama de dispersão para o índice de Mora do IVFM, quando foi

encontrada a presença de autocorrelação espacial positiva, o que significa que na média os valores

dos índices numa localidade encontram-se em patamares próximos aos da média dos seus vizinhos.

n

i

i

n

i

n

j

jiij

xx

xxxxw

SO

nI

1

2

1 1

)(

))((

n

i

n

j

ijwSO1 1

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Figura 2

Diagrama de Moran - Índice de Vulnerabilidade Fiscal Municipal - 2005

A autocorrelação espacial medida pelo Índice de Moran é uma medida da dependência espacial

global, onde o nível de dependência espacial é sumarizado num único indicador.

Anselin (1997) propõe uma estatística da medida da associação espacial local, denominada

estatística LISA (Local Indicators of Spatial Association) que indica para cada observação a

extensão da significância dos agrupamentos espaciais de valores semelhantes em torno de uma

observação. A soma da estatística LISA para todas as observações é proporcional ao indicador

global de associação espacial. Mais formalmente a estatística LISA é sumarizada pela seguinte

função:

(5)

A estatística para uma variável y, observada no elemento geográfico i é uma função do valor da

variável estudada na localidade i em relação ao valor dos seus vizinhos j

(6)

A estatística LISA permite que se identifique espacialmente os clusters e outliers espaciais. No

caso estamos interessados nos municípios de maior vulnerabilidade econômica fiscal, que seriam o

clusters ALTO/ALTO e os outliers ALTO/BAIXO. O cluster ALTO/ALTO inclui os municípios

com um alto índice de vulnerabilidade fiscal municipal próximos a municípios com alto índice de

vulnerabilidade. Os outliers ALTO/BAIXO, por sua vez, consistem em municípios que apresar de

estarem localizados em regiões de baixa vulnerabilidade apresentaram elevado índice de

vulnerabilidade fiscal.

Podemos observar claramente a presença do cluster alto/alto, se estendendo a partir do Norte de

Minas Gerais, por toda a região Nordeste, além de outro agrupamento no Noroeste do Amazonas,

Norte do Pará e Sul do Amapá. Entre os agrupamentos de municípios de menor vulnerabilidade de

maior destaque encontram-se praticamente todos os municípios dos estados de Mato Grosso e São

Paulo

),( jii yyfL

j

jiji zwzLISA

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Mapa 4

Clusters e Outliers espaciais - Índice de Vulnerabilidade Fiscal Municipal - 2005

Elaboração própria

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de descentralização fiscal no Brasil a partir de 1988 resultou em municípios com

alta dependência econômica dos repasses do FPM. Essa situação combinada aos recentes

desdobramentos da crise financeira internacional de Setembro de 2008, resultou na queda da

arrecadação federal de IPI e Imposto de Renda, que impostos federais formadores do Fundo de

Participação dos Municípios. Essa queda na arrecadação federal implicará numa redução

proporcional nos repasses federais do FPM. O trabalho propõe um índice representativo da

vulnerabilidade econômico-fiscal municipal em relação aos repasses federais para identificação dos

municípios mais vulneráveis a queda nos repasses do FPM.

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