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1 CAMINHANDO COM A FEDERAÇÃO: UM ESTUDO INSTITUCIONAL, ESPACIAL E PARTIDÁRIO SOBRE OS GASTOS MUNICIPAIS NA SAÚDE PÚBLICA Thiago Caliari 1 Philipe Scherrer Mendes 2 Resumo O SUS estabeleceu o município como o ente federativo mais importante na aplicação dos recursos da saúde, e ainda após 2000 a promulgação da Emenda Constitucional 29 (EC-29) estabeleceu um piso mínimo de recursos próprios aplicados pela prefeitura nessa rubrica, definindo um padrão estável de financiamento da mesma. Através de um modelo de dados em painel espacial procuramos encontrar a relevância dessa emenda, bem como os possíveis direcionamentos partidários presentes nos partidos políticos. Controlando para variáveis relevantes dentre elas a dependência espacial, encontramos grande relevância da EC-29 e alguma relevância partidária que mostra menores gastos para o PT. Porém, acreditamos que essa diferença partidária é de certa forma existente pelo fato do PT ter a sua alocação inicial mais adequada à política federal de pressão institucional. Ainda na dependência espacial encontramos uma concentração de cluster de baixo nível de gastos no Nordeste e Norte e uma concentração de cluster de alto nível de gastos no Sudeste. Palavras-chave: Economia da saúde, governo municipal, EC-29 Abstract The SUS established the cities like the most important federal entities in the application of resources in health, and after the promulgation of the Constitutional Amendment 29 (EC-29), at 2000, it established yet a minimum level of own resources applied in health by the cities, which defined a stable funding for the health. Through a model of spatial data panel we tried to find the relevance of that amendment and the possible direction present in political parties. We control the model for relevant variables - among them the spatial dependence, and we find a high importance from EC-29 and some relevant party, that shows lower costs for PT. However, we believe that this partisan difference exist because the PT have a initial allocation in health most appropriate for the federal policy of institutional pressure. Still we find a spatial concentration of cluster of low costs in the Northeast and Northern and a spatial concentration of cluster of high-level of spending in the Southeast. Key-words: Health Economics, municipal government, EC-29 1. Introdução A perspectiva governamental de gastos com saúde mudou profundamente desde a Constituição de 1988, a chamada Constituição Cidadã. Nela, e através da Lei Orgânica da Saúde, de 1990, o governo federal passou a delegar aos entes federativos estaduais e municipais funções antes desempenhadas pelo próprio no direcionamento da assistência pública à saúde. Da lei, surge o Sistema Único de Saúde (SUS), que seria a partir de então o responsável pela definição desses gastos. 1 Doutorando em economia pelo Cedeplar. 2 Mestrando em economia aplicada pela FEA/UFJF.

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1

CAMINHANDO COM A FEDERAÇÃO: UM ESTUDO INSTITUCIONAL, ESPACIAL E

PARTIDÁRIO SOBRE OS GASTOS MUNICIPAIS NA SAÚDE PÚBLICA

Thiago Caliari1

Philipe Scherrer Mendes 2

Resumo

O SUS estabeleceu o município como o ente federativo mais importante na aplicação dos recursos da

saúde, e ainda após 2000 a promulgação da Emenda Constitucional 29 (EC-29) estabeleceu um piso

mínimo de recursos próprios aplicados pela prefeitura nessa rubrica, definindo um padrão estável de

financiamento da mesma. Através de um modelo de dados em painel espacial procuramos encontrar a

relevância dessa emenda, bem como os possíveis direcionamentos partidários presentes nos partidos

políticos. Controlando para variáveis relevantes – dentre elas a dependência espacial, encontramos

grande relevância da EC-29 e alguma relevância partidária que mostra menores gastos para o PT.

Porém, acreditamos que essa diferença partidária é de certa forma existente pelo fato do PT ter a sua

alocação inicial mais adequada à política federal de pressão institucional. Ainda na dependência

espacial encontramos uma concentração de cluster de baixo nível de gastos no Nordeste e Norte e uma

concentração de cluster de alto nível de gastos no Sudeste.

Palavras-chave: Economia da saúde, governo municipal, EC-29

Abstract

The SUS established the cities like the most important federal entities in the application of resources in

health, and after the promulgation of the Constitutional Amendment 29 (EC-29), at 2000, it established

yet a minimum level of own resources applied in health by the cities, which defined a stable funding

for the health. Through a model of spatial data panel we tried to find the relevance of that amendment

and the possible direction present in political parties. We control the model for relevant variables -

among them the spatial dependence, and we find a high importance from EC-29 and some relevant

party, that shows lower costs for PT. However, we believe that this partisan difference exist because

the PT have a initial allocation in health most appropriate for the federal policy of institutional

pressure. Still we find a spatial concentration of cluster of low costs in the Northeast and Northern and

a spatial concentration of cluster of high-level of spending in the Southeast.

Key-words: Health Economics, municipal government, EC-29

1. Introdução

A perspectiva governamental de gastos com saúde mudou profundamente desde a Constituição

de 1988, a chamada Constituição Cidadã. Nela, e através da Lei Orgânica da Saúde, de 1990, o governo

federal passou a delegar aos entes federativos estaduais e municipais funções antes desempenhadas

pelo próprio no direcionamento da assistência pública à saúde. Da lei, surge o Sistema Único de Saúde

(SUS), que seria a partir de então o responsável pela definição desses gastos.

1 Doutorando em economia pelo Cedeplar.

2 Mestrando em economia aplicada pela FEA/UFJF.

2

Nesse contexto de descentralização, os municípios passaram a ser o único ente federativo ao

qual foi atribuída a prestação de serviços à saúde, cabendo à União e Estados a provisão técnica e

financeira para o exercício das funções (Costa, 2001). No contexto financeiro, os municípios recebem

repasses via SUS dos Estados e União para manutenção dos serviços, mas devido à problemática da

estabilidade dos recursos a pressão federal cristalizou-se em 2000, com a Emenda Constitucional 29

(EC-29). O objetivo principal da mesma era garantir um fundo garantidor de certa forma mais estável

para as ações da saúde.

O intuito do artigo então é avaliar essa importância da EC-29 nos municípios, bem como

verificar a relevância de variáveis políticas para o direcionamento dos gastos das prefeituras.

Controlando um modelo de dados em painel para variáveis relevantes – dentre elas a dependência

espacial –, encontramos forte significância dos recursos próprios municipais e também diferenciação

partidária, mas esta sendo de certa forma existente pelo fato do PT ter a sua alocação inicial mais

adequada à política federal de pressão institucional. Ao partido foi menos necessário, portanto, crescer

seus gastos como forma de se adequar à EC-29.

Cabe destacar ainda no controle da dependência espacial uma concentração de cluster de baixo

nível de gastos no Nordeste e Norte e uma concentração de cluster de alto nível de gastos no Sudeste.

O trabalho foi dividido em 8 seções, a contar desta introdução. A seção 2 analisa o perfil dos

municípios quanto aos gastos com saúde, mostrando a evolução dos mesmos como alocador de

recursos da saúde. A seção 3 discute os possíveis determinantes desses gastos, inclusive os supostos

vieses constitucional e político. A seção 4 apresenta a metodologia utilizada no trabalho, a saber:

econometria de dados em painel espacial. Os resultados encontrados são discutidos na seção 5 e

concluídos na seção 6. Nas seções 7 e 8 apresentamos, respectivamente, a bibliografia e o anexo.

2. O Município como Alocador de Recursos na Saúde

Com a Constituição de 1988 e mais especificamente com a criação do SUS em 1990, o

centralismo das políticas de saúde existentes no Brasil desde a década de 1930 foi substituído por um

sistema com maior interação entre as esferas gestoras do governo, sendo delegados a Estados e

Municípios responsabilidades que antes eram exclusivas do Governo Federal (Arretche & Marques,

2002).

Como ressalta Noronha et al (2005), um dos principais desafios da criação do SUS foi a

resolução de problemas estruturais e históricos da assistência à saúde brasileira, compatibilizando a

oferta universal de serviços com soluções locais, que atendessem a especificidades intrínsecas de cada

região. Nesse cenário político administrativo, a literatura relevante sobre o tema permite diversos

enfoques sobre o marco teórico e conceitual adotado (Machado, 1999). Porém, há consenso em todos

esses trabalhos sobre a efetividade da política pública no tocante à descentralização dos serviços.

Essa descentralização passou por vários processos, mas é irrefutável o processo de

aprofundamento das relações durante a década de 90. Segundo Piola e Biasoto (2001), o percentual de

recursos totais do MS para a gestão de Estados e municípios subiu de 7,1% em 1993 para 27,3% em

1998.

Ademais, segundo Costa (2001), a tendência descentralizante definiu o município como o único

ente federativo ao qual foi atribuída a prestação de serviço à saúde, cabendo à União e Estados a

provisão técnica e financeira para o exercício das funções. Já em 1992, segundo dados levantados pelo

autor, aproximadamente 69% dos estabelecimentos públicos eram municipais, cabendo à União e

Estados a fatia de 5% e 26% respectivamente.

Como forma de garantir a representatividade de cada esfera, o ambiente de tomada de decisões

foi definido através do estabelecimento de novas instâncias de decisões e controle social. Foram, então,

3

introduzidos na arena de discussão das políticas públicas de saúde a representação paritária de

segmentos diferenciados da sociedade (representantes do governo, profissionais de saúde, prestadores

de serviço e usuários), com o estabelecimento de fóruns e conselhos de âmbitos Federal, Estadual e

Municipal (Cornélio, 1999).

Foi com a Lei 8.142 que, no âmbito de interlocução dos municípios, foram criados o Conselho

Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) e o Conselho Nacional de Secretários de

Saúde (CONASS) (Brasil, 2003a). Nesse contexto, e procurando operacionalizar os preceitos da Lei

8.142 no tocante à transferência de recursos e responsabilidade dos órgãos gestores, é criada a Norma

Operacional Básica 91 (NOB-91).

Os municípios e Estados eram habilitados através de estímulos financeiros àqueles que se

enquadrassem às exigências estabelecidas. Segundo Cornélio (1999), a adesão à Norma não foi

imediata, visto que mesmo os não habilitados poderiam continuar recebendo os recursos das

transferências do SUS. Não havia muito incentivo para migrar à NOB-91, e somente após dois anos de

vigência chegou-se a um número razoável de municípios habilitados, que se constituíram na base do

conceito de gestão que se formou a partir de 1993, ano em que entrou em operacionalização outra

norma do SUS, a NOB 93.

Tal norma buscou maior execução da descentralização, estabelecendo para o gerenciamento do

processo de descentralização do SUS alguns foros de negociação e decisão estruturados e articulados,

conforme a tabela 1.

TABELA 1: Principais Instâncias Decisórias da NOB 93

Níveis de Governo Instâncias de Decisão

Comissão Intergestores Tripartite - formada paritariamente por

representantes do Ministério da Saúde e dos órgãos de representação

do conjunto de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) e o

Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS),

Conselho Nacional de Saúde - é o órgão deliberativo na formulação

de estratégias e controle da política nacional de saúde.

Comissão Intergestores Bipartite - formada por dirigentes da

Secretaria Estadual de Saúde e o órgão de representação dos

Secretários Municipais de Saúde do Estado, COSEMS, sendo que, o

secretário de saúde do município da capital é membro nato desta

comiss

Conselho Estadual de Saúde - é permanente e deliberativo, atuando

na formulação de estratégias e controle da execução da política

estadual de saúde.

Âmbito Municipal

Conselho Municipal de Saúde - é permanente e deliberativo, atuando

na formulação de estratégias e controle da da execução da política

municipal de saúde.

Fonte dos dados básicos: Cornélio (1999).

Âmbito Nacional

Âmbito Estadual

As comissões tornaram-se as responsáveis pelo gerenciamento do SUS, apreciando, entre outros

assuntos, os pactos e programações entre gestores, buscando a integração entre as três esferas de

governo. Nesse contexto descentralizador que cada vez mais aumenta a participação municipal na

assistência à saúde. Arretche & Marques (2002) ressaltam que essa organização e as normas por elas

4

administradas ampliaram as funções desempenhadas pelos municípios, repassando aos mesmos a

função de aprimorar e criar condições para o processo de municipalização.

Em 5 de novembro de 1996, pela portaria 2.203 é instituída a NOB 1/96, mantendo as

definições dos papéis públicos no direcionamento dos recursos, mas redefinindo os modelos de gestão

dos municípios buscando a plena responsabilidade do poder público municipal. O trabalho de

descentralização até então vinha surtindo efeito. Segundo dados do Ministério da Saúde (MS)

disponíveis no trabalho de Malik (2002), ao final de 1999 97% dos municípios recebiam os recursos do

Programa de Atenção Básica (PAB)3, percentual que chega a 99% em junho de 2001. Nestas

localidades viviam mais de 165 milhões habitantes ou 99% da população brasileira.

Por fim, em 15 de dezembro de 2000, instituí-se a Norma Operacional da Assistência à Saúde

(NOAS-SUS 01/2001) que definiu como objetivo principal:

“...ampliar as responsabilidades dos municípios na Atenção Básica; definir o processo de

regionalização da assistência; criar mecanismos para o fortalecimento da capacidade de

gestão do Sistema Único de Saúde e procede à atualização dos critérios de habilitação de

estados e municípios.”4

A NOAS é a norma em vigência para os modelos de gestão e de repasse de recursos para os

municípios pelo SUS. Ela permite a habilitação dos municípios em duas condições: Gestão Plena da

Atenção Básica Ampliada e Gestão Plena do Sistema Municipal, sendo que todos os municípios que

vierem a ser habilitados em Gestão Plena do Sistema Municipal estarão também habilitados em Gestão

Plena da Atenção Básica Ampliada. Basicamente, uma das principais diferenças entre as modalidades é

o modo de recebimento das transferências5:

1) Gestão plena da atenção básica ampliada: o município se habilita a receber um montante definido em

base per capita para o financiamento das ações de atenção básica;

2) Gestão plena do sistema municipal: nesse caso, o município recebe o total de recursos federais

programados para o custeio da assistência em seu território.

O financiamento das ações de saúde é dividido em três grandes grupos: atenção básica – o PAB,

média complexidade e alta complexidade/alto custo. O primeiro, de menor complexidade, é financiado

primordialmente pelos municípios e é composto de uma parte fixa destinada à assistência básica e de

uma parte variável relativa a incentivos para o desenvolvimento de ações no campo específico da

atenção básica (Brasil, 2003d). O segundo grupo, que não pode ou não deve ter uma oferta universal,

passa a ter a possibilidade de uma solução regional, financiada segundo a população. Segundo a

NOAS:

“A Atenção de Média Complexidade compreende um conjunto de ações e serviços

ambulatoriais e hospitalares que visam atender os principais problemas de saúde da

3 O PAB foi criado na portaria GM/MS n 1.882, de 18/12/97 com o intuito de acabar com a concorrência por recursos da

atenção básica com outros tipos de procedimentos e ações, fornecendo um montante específico para a mesma (Brasil,

2003d). 4 Artigo 1º da Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS-SUS 01/2001 (Brasil, 2003f).

5 Para informações completas sobre responsabilidades, requisitos e prerrogativas a serem cumpridas pelos municípios em

cada tipo de habilitação, consultar o texto integral da NOAS.

5

população, cuja prática clínica demande a disponibilidade de profissionais especializados e a

utilização de recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e terapêutico, que não justifique a sua

oferta em todos os municípios do país.”

Assim, a ação de tais medidas não é oferecida em todos os municípios, sendo definidas pelo

gestor estadual por critérios regionais de necessidade. Já o terceiro grupo, dada sua complexidade, tem

sua oferta naturalmente muito restringida. Nesse caso o financiamento está a cargo dos governos

estaduais e federal. Ou seja, a garantia de acesso aos procedimentos de alta complexidade é de

responsabilidade solidária entre o Ministério da Saúde e as Secretarias de Estado da Saúde e do Distrito

Federal (Brasil, 2003f).

Mostramos para efeito de análise da importância desse repasse federal uma tabela com a

porcentagem de repasse do SUS nos recursos aplicados na saúde pelos municípios para os anos

selecionados de 2002 e 2006.

TABELA 2: Porcentagem das Transferências do SUS sobre o

Recurso Total Aplicado em Saúde pelos Municípios Unidade da Federação 2002 (%) 2006 (%)

Centro-Oeste

Goiás 57.24 52.41

Mato Grosso 45.17 46.06

Mato Grosso do Sul 50.59 50.43

Nordeste

Alagoas 64.34 58.81

Bahia 47.27 52.18

Ceará 58.21 54.39

Maranhão 65.92 60.21

Paraíba 60.42 59.08

Pernambuco 54.18 49.73

Piauí 64.00 63.04

Rio Grande do Norte 52.58 48.84

Sergipe 54.64 55.73

Norte

Acre 55.82 -

Amapá 51.96 50.45

Amazonas 36.43 33.28

Pará 64.76 56.83

Rondônia 52.34 40.12

Roraima 52.38 65.80

Tocantins 43.81 44.05

Sudeste

Espírito Santo 36.43 32.53

Minas Gerais 50.92 47.54

Rio de Janeiro 50.76 38.40

São Paulo 26.39 31.23

Sul

Paraná 46.44 42.88

Rio Grande do Sul 47.12 39.10

Santa Catarina 42.64 41.31

Total 44.85 43.27

Fonte dos dados básicos: DATASUS.

Na média, praticamente a metade dos recursos aplicados em saúde nas prefeituras municipais

em todo o Brasil são provenientes de repasses do SUS. Porém, em uma análise regional, pode-se notar

que os municípios das Regiões Norte e Nordeste são muito mais dependentes do SUS que os

municípios das demais regiões, com ênfase à Região Nordeste. Ou seja, os municípios têm certa

autonomia nos seus gastos, mas há influência da região de análise. Municípios localizados em regiões

6

com menor renda per capita – o caso das regiões Norte e Nordeste – dependem muito mais de repasses

federais para manter o aparato público.

Assim, quer seja por meio do financiamento federal, quer seja pelos gastos diretos realizados

pelos governos municipais, o encargo principal do município, no que tange a financiamento, parece ser

justamente o de suprir a população com as necessidades mais básicas de saúde, sendo um alocador

relativamente autônomo nos recursos para a saúde.

3. Regionalização da Oferta, Viés Partidário e a Emenda Constitucional 29 (EC-29)

Sendo o ente federal que oferta os serviços em saúde, os municípios são o objeto de análise do

trabalho. Dessa maneira, torna-se importante estudar quais os principais determinantes que influenciam

o direcionamento desses gastos. No âmbito do financiamento, o SUS participa com a maior parcela dos

gastos realizados na esfera municipal, por meio de transferências, conforme vimos no tópico anterior.

Portanto há uma importante restrição de gastos imposta pelo lado da oferta. Cada município

depende em grande monta do que a União repassa através do SUS. Esse repasse depende em grande

parte do nível de complexidade dos serviços prestados pela prefeitura. Como bem explicitado no

capítulo anterior, a habilitação municipal pode ser feita pela gestão básica ou gestão plena do sistema

municipal.

Esta última oferece serviços mais complexos, caracterizados por menor demanda e maiores

custos, o que viabiliza e dá suporte para a definição de uma oferta micro ou macro regional, como

forma de obter ganhos de escala, sendo realizada, portanto, somente em alguns centros (Oliveira et al,

2008). Como expressa Levcovitz et al (2001), há uma tendência de os municípios de maior porte e com

maior capacidade de oferta assumirem a condição de gestão pública de saúde municipal (GPSM),

fazendo com que essa oferta regionalizada crie fluxos de demanda para esses grandes centros,

estabelecendo demandas diferenciadas entre os municípios, o que é suprido pelo SUS com

financiamentos diferenciados.

Estudando os repasses do SUS, percebemos que os 520 maiores municípios brasileiros – com

mais de 50 mil habitantes – recebiam em 2001, em média, R$67,33 per capita do SUS. Esse valor

diminui para R$46,74 em 2006, uma queda de aproximadamente 31%. No mesmo período, o repasse

do SUS para municípios com menos de 50 mil habitantes continuou praticamente a mesma, na casa de

R$36,00 per capita.

Em contrapartida, os gastos totais com saúde dos grandes municípios aumentaram cerca de

40%, o que demanda novas formas de financiamento para os mesmos, visto a diminuição de repasses

da União.

Assim, a sustentabilidade do sistema é um problema para a oferta dos serviços de saúde. Dain

(2007) e Faveret (2003) corroboram nossos resultados, ressaltando ainda que a garantia de estabilidade

dos recursos por parte do SUS é complicada desde os anos 90. Segundo Dain (2007), a despeito da

alternância das fontes de financiamento na década de 90, os gastos do SUS não ampliaram participação

no PIB ou na receita tributária como um todo.

Porém, qual o motivo de uma crescente diminuição de receitas advindas do SUS pós 2000?

Estaria a mesma sendo compensada por outra forma de financiamento? A resposta talvez seja a pressão

constitucional exercida pela União através da Emenda Constitucional n.29 (EC-29), de 2000.

Em seu texto, estabelece-se um piso mínimo de gastos para Estados e municípios advindos de

sua própria receita. Para o caso dos municípios ficou reservada a destinação de pelo menos 7% das

receitas de impostos para a saúde em 2000, sendo que este percentual deveria ser aumentado

anualmente até atingir, em 2004, 15% (Brasil, 2003e). Essa “alocação forçada” pode ser uma influência

decisiva nas diretrizes de políticas da saúde estabelecidas nos municípios desde então. O patamar

7

mínimo para a aplicação dos recursos pode definir as ações municipais na rubrica, diminuindo de certa

forma a distância e a variabilidade dos gastos. Ainda, Faveret (2003) ressalta que desde o início a EC-

29 surgiu como uma tentativa de estabilizar o financiamento do sistema.

O intuito do artigo é justamente verificar qual o grau de importância da EC-29 nesses gastos

municipais. Queremos averiguar se essa coordenação institucional é mais importante que influências

regionais ou políticas, ou ainda se continua a ser relevante mesmo com os altos repasses do SUS, sendo

a mesma a rubrica mais importante de financiamento.

O argumento de influência regional recai sobre a possível dependência espacial existente nos

gastos entre prefeituras próximas. Averiguaremos a existência desses padrões e, no caso de existir,

apresentaremos os mesmos e os corrigiremos para o modelo econométrico.

No argumento político, queremos verificar se prefeituras governadas pelo mesmo partido

gastam montantes parecidos, talvez por visões ideológicas distintas. Estudo de Arretche & Marques

(2002) avalia os gastos com saúde em cinco Estados Brasileiros (Bahia, Ceará, Goiás, Rio Grande do

Sul e São Paulo) e constata que o viés partidário parece ter um efeito apenas moderado sobre os

serviços básicos de saúde. Segundo o estudo, cidades que elegeram prefeitos com “tendência

direitista”6 em 1996 tendem a produzir menor volume de atendimentos ambulatoriais, mas não sendo

verdade também que nas cidades que elegeram partidos com viés esquerdista esse número seja

significativamente superior.

Assim, segue-se a metodologia empregada para controlar por regionalidades e influências

partidárias e os resultados encontrados, tentando mostrar a importância da EC-29 no direcionamento

municipal de gastos com saúde.

4. Metodologia

4.1. Dados em painel, efeitos fixos e dependência espacial

Uma vez que o objeto de estudo é espacialmente localizado, não se pode deixar de levar em

consideração, na determinação do modelo, fatores que consigam captar a dependência a que todos os

processos espaciais estão sujeitos, conforme supõe uma lei geográfica conhecida como Lei de Tobler,

ou também, Primeira Lei Geográfica – “tudo depende de todo o restante, porém o que está mais

próximo depende mais do que aquilo que está mais distante” (Tobler, 1979). Assim, a presença de

dependência espacial não levada em consideração na especificação do modelo viola muitos dos

pressupostos que são assumidos pelo modelo clássico de regressão linear, podendo acarretar não apenas

ineficiência nos estimadores, mas dependendo da forma como a dependência se manifesta acarretando

também em seu enviesamento, mesmo trabalhando-se com grandes amostras.

A opção de trabalhar com um painel de dados, em detrimento de uma cross-section, é

largamente justificada pela teoria econométrica, por gerar uma série de vantagens, dentre elas: fornecer

um maior número de observações, uma vez que trabalha-se com a dimensão cross-section e sua

evolução no tempo; contém mais variação e menos colinearidade entre as variáveis; dentre outras

vantagens, conforme destaca Marques (2000):

“Uma das vantagens da estimação com dados em painel é a relevância da heterogeneidade

individual. Assim, os dados em painel sugerem a existência de características diferenciadoras

6 Arretche & Marques consideraram os partidos de acordo com três visões ideológicas: direita (PTB, PPB, PFL), centro

(PMDB, PSDB) e esquerda (PT, PC do B, PV, PSB, PPS, PCB).

8

dos indivíduos, entendidos como “unidade estatística de base”. Essas características podem ou

não ser constantes ao longo do tempo, de tal forma que estudos temporais ou seccionais que

não tenham em conta tal heterogeneidade produzirão, quase sempre, resultados fortemente

enviesados. (Wooldridge, 2006).”

Os dois principais problemas encontrados ao se trabalhar com dados espaciais se referem à

dependência que uma região pode exercer sobre outra e à heterogeneidade espacial, uma vez que

fenômenos que ocorrem no espaço não costumam apresentar estabilidade estrutural nas suas relações

comportamentais. A opção por trabalhar com um painel de dados acomoda bem um destes problemas

(heterogeneidade).

Feita a “acomodação” da heterogeneidade, um outro elemento a ser incorporado na análise é a

dependência espacial, e essa dependência pode se manifestar de diversas formas. Existem testes gerais

que ajudam a detectar a existência de autocorrelação espacial, estes testes recebem esse nome por

indicarem a presença de autocorrelação, mas por não serem capazes de detectar qual é seu tipo. O mais

conhecido deles é o teste I de Moran, que é um teste simples sobre a autocorrelação espacial dos

resíduos da regressão. Formalmente, a estatística I de Moran pode ser expressa por:

ntee

Wee

S

nI

tt

tt

o

t ,...1'

'

(1)

em que ^

ttt xye , sendo ^

o estimador de efeitos fixos para . W é a matriz de pesos espaciais

em que os elementos wij indicam a forma como a região i está espacialmente conectada com a região j.

oS é um escalar igual à soma de todos os elementos de W.

Como será visto na análise dos resultados, o teste do I de Moran para cada período “t” indicou a

existência de dependência espacial. Na formalização do modelo, será testada se essa presença é

observada na defasagem espacial da variável dependente (Wy), na defasagem das variáveis explicativas

(Wx) ou na defasagem do termo de erro (We).

A análise dos resultados do teste de Breusch-Pagan indicou a presença de efeitos não

observados, justificando a relevância em se trabalhar com o painel. Outro teste feito foi o de Hausman,

que indicou que o modelo de efeitos fixos seria mais apropriado do que o modelo de efeitos aleatórios.

Formalizando um modelo geral de Efeitos Fixos, com a inclusão da variável dependente

espacialmente defasada, das variáveis explicativas espacialmente defasadas e também da defasagem

espacial do termo de erro, temos:

ititititit XWXyWy 11 , sendo ititit uW2 (2)

em que )',...,( 1 Nttit yyy é o vetor da variável dependente; )',...,( 1 N é o vetor que capta os

efeitos fixos de cada unidade espacial; )',...,( 1 k é um vetor de coeficientes a ser estimado;

)'',...,'( Ntktit XXX é uma matriz de observações das variáveis explicativas; )',...,( 1 k é um vetor

de coeficientes das externalidades da regressão; )'',...,'( 111 Ntktit XWXWXW é a matriz de defasagem

espacial das variáveis explicativas; é importante ressaltar que 1W e 2W são matrizes de pesos espaciais

diferentes; )',...,( 1 Nttit é o termo de erro auto-correlacionado; )',...,( 1 Nttit uuu é um vetor de erros

i.i.d com variância 2 ; )',...,( 1111 Nttit yWyWyW é o vetor da variável dependente defasada e é o

parâmetro da defasagem auto-regressiva da variável dependente (-1< <1); e )',...,( 2122 Nttit WWW

9

é o vetor de defasagem do termo de erro , onde representa o parâmetro auto-regressivo espacial do

erro (-1< <1).

Para que o modelo de efeitos fixos seja identificado, são necessárias algumas condições,

conforme destaca Wooldridge (2002):

* EF1: 0),/( iiit xuE

Isso indica que o termo não observado, relevante na estimação do modelo, e que neste caso

responde a características especificas de cada região, não pode ser incorporado no termo de erro, pois

.0)/( ii xE

Transformação de EF:

iiiitiitiit uuxxyy___

)(

ititit uxÿ

em que: iy_

média da variável dependente; ix_

média das variáveis explicativas; iu_

média do termo

de erro i.i.d. com variância constante; itÿ desvio de cada componente do vetor y em relação à média;

itx desvio de cada componente da matriz x em relação à média; itu desvio de cada componente do

termo de erro u em relação à média.

O operador de diferença elimina o termo não observado, uma vez que é assumido pelo modelo

que este termo é constante no tempo. Disso, tem-se uma nova condição de ortogonalidade:

0)'( ii uxE , que garante a consistência do estimador.

* EF2: kxxE ii )'( , conhecida como condição de posto. Essa condição é fundamental para a

operacionalização dos estimadores.

Como a literatura acerca do tema não sugere a inclusão de variáveis explicativas defasadas

espacialmente ( – transbordamento), não serão testados os modelos com essas variáveis. Para a

especificação, deve-se estimar os seguintes modelos de efeitos fixos:

modelo de defasagem espacial ( =0, =0 e 0 );

modelo com erro espacial ( =0, =0 e 0 );

modelo com defasagem e erro espaciais ( =0, 0 e 0 );

Uma vez estimados estes modelos, existem dois critérios para a escolha daquele que apresentar

a melhor especificação, ordenados em importância:

1) Os resíduos do modelo final, após a incorporação das variáveis espaciais, não podem mais

apresentar autocorrelação espacial;

2) Uma vez eliminada a autocorrelação espacial, a escolha deve ser feita pelo modelo que

apresentar o menor valor do critério de informação.

10

4.2. Variáveis utilizadas e exogeneidade

Discutidos os pormenores metodológicos, apresentamos agora as variáveis utilizadas no

modelo, bem como o processo de escolha das mesmas. Inicialmente, a escolha de variáveis sócio-

econômicas e do setor saúde foi feita através de métodos de análise fatorial7. Pela aplicação desse

método para trinta e duas (32) variáveis de saúde e sócio-econômicas analisadas, encontramos que sete

(7) variáveis possuíam grande similaridade com a variável dependente, fazendo parte de um mesmo

fator comum.

É importante testar as variáveis para uma potencial endogeneidade dos regressores. Precisamos

validar o modelo comprovando a exogeneidade estrita de todas as variáveis inclusas, e faremos isso

através da estatística “C”, que permite analisar sub-série de instrumentos, testando essa sub-série a

partir da série original de condições ortogonais (Baum et al, 2003)8. O teste “C” de exogeneidade foi

utilizado estabelecendo como instrumento o valor da mesma variável defasado de um período9. Ele

mostrou que a única variável endógena era a de recursos próprios aplicados em saúde, sendo

substituída na análise por seu respectivo instrumento (drecprop)10

.

O resultado econométrico encontrado para esses testes de exogeneidade é interessante e

condizente com a realidade da dinâmica do SUS. O atendimento no Sistema é realizado de forma que a

demanda define a oferta. Ou seja, o paciente realiza a procura no serviço e a partir daí a oferta é gerada.

O sentido de causalidade se dá então do atendimento para o gasto. Isso vale para todas as variáveis do

setor saúde, exceto a de recursos próprios.

Porém mesmo com esse sentido causal, o SUS não disponibiliza orçamento infinito para as

prefeituras. Ou seja, existe um teto de recursos que se alcançado, invalida o sentido de causalidade

demanda-oferta. Mesmo assim, porém, na portaria GM/MS Nº 1.882, de 1997, em seu artigo 5º, se

expressa que a parte destinada pelo Programa de Atenção Básica é variável, ou seja, é repassada aos

municípios conforme a demanda do mesmo. Vale, portanto, o sentido causal de demanda gerando

oferta. Já para o caso da variável de recursos próprios a endogeneidade também é clara, visto que é

difícil dizer qual o sentido de causalidade entre ela e o gasto com saúde.

A tabela final das variáveis é apresentada abaixo, bem como as dummies espaciais e políticas

utilizadas. As variáveis monetárias foram deflacionadas pelo Índice Nacional de Preços ao consumidor

(INPC), disponível no site IPEADATA, para valores de 2002.

7 O objetivo do mesmo é descrever a variabilidade original de um vetor aleatório X, em termos de um número menor de m

variáveis aleatórias, denominadas fatores comuns e relacionadas com o vetor original através de um modelo linear (Mingoti,

2005). Assim, a análise fatorial procura agrupar subconjunto de variáveis que possuam uma alta correlação entre si. 8 Basicamente, a estatística de Sargan é

nuu

uZZZZuanS

/ˆ'ˆ

'ˆ'1)'('ˆarg

em que u é o erro predito pela regressão e Z é a série de instrumentos a utilizar no modelo. A estatística “C” é

computada como a diferença entre duas estatísticas de Sargan: uma para a regressão que usa a totalidade dos instrumentos

propostos versus uma para a regressão que utiliza a sub-série de instrumentos aos quais se deseja testar. O teste “C” segua

uma χ2 com graus de liberdade igual ao número de restrições, ou o número de instrumentos a serem testados, sob a hipótese

nula de que as variáveis testadas com provável endogeneidade são exógenas (Baum, 2006). 9 Imaginamos, dessa forma, que essas defasagens são bastante correlacionadas com a variável potencialmente endógena,

mas não correlacionada com o termo de erro da equação naquele referido ano. 10

Os testes “C” para todas as variáveis da saúde testadas no modelo foram realizados no software STATA e estão na tabela

A.1 no anexo do artigo.

11

Dos 5561 municípios existentes no Brasil, de acordo com o IBGE (número referente ao ano de

2001), 751 tiveram que ser retirados por falta de dados. Tais dados ou não existiam para nenhum dos

seis anos ou não existiam para alguns deles, e por conta do balanceamento do painel tais municípios

tiveram que ser extraídos da base. Por fim, a base ficou composta por 4810 municípios, que possuíam

todos os dados que foram utilizados na análise econométrica para todos os seis anos de estudo.

TABELA 3: Variáveis utilizadas nos modelos

Abreviação DescriçãoUnidade de

medidaAno estudo Fonte dos dados básicos

GastopcDespesa total com Saúde per capita sob a

responsabilidade do MunicípioR$/hab 2002 e 2006 SIOPS/DATASUS - MS

pibpc Produto Interno Bruto per capita do município R$/hab 2001 a 2006 IPEADATA

govpcarrecadação de impostos per capita no

municípiomil R$/hab 2001 a 2006 IPEADATA

consConsultas médicas per capita nas

especialidades básicasun./hab 2001 a 2006 DATASUS - MS

partsusParticipação do SUS nos gastos municipais

em Saúde% 2001 a 2006 DATASUS - MS

pambqpcQuantidade de produção ambulatorial per

capitaun./hab 2001 a 2006 DATASUS - MS

assmedpc Assistência médida per capita no município un./hab 2001 a 2006 DATASUS - MS

drecprop

Participação da receita própria aplicada em

Saúde conforme a EC 29/2000 defasada de

um período

% 2001 a 2006 SIOPS/DATASUS - MS

drec-ano Dummy para recursos próprios por ano. % 2001 a 2006 Elaboração própria

dgmDummy com valor unitário se o município

possui mais de 300.000 hab.binária 2001 a 2006 Elaboração própria

dpmDummy com valor unitário se o município

possui menos de 30.000 hab.binária 2001 a 2006 Elaboração própria

w_errodefaságem espacial do erro utilizando a

matriz de ponderação espacial "rainha"R$/hab 2001 a 2006 Elaboração própria

w_gasto_est

defasagem espacial da variável dependente

(estimada), utilizando a matriz de

ponderação espacial k2-vizinhos

R$/hab 2001 a 2006 Elaboração própria

dgovDummy com valor unitário se o partido do

prefeito é o mesmo partido do governadorbinária 2000 e 2004

Tribunal Superior Eleitoral -

TSE

dPMDBDummy com valor unitário se a prefeitura é

governada pelo PMDBbinária 2000 e 2004

Tribunal Superior Eleitoral -

TSE

dPSDBDummy com valor unitário se a prefeitura é

governada pelo PSDBbinária 2000 e 2004

Tribunal Superior Eleitoral -

TSE

dDEMDummy com valor unitário se a prefeitura é

governada pelo DEMbinária 2000 e 2004

Tribunal Superior Eleitoral -

TSE

dPRDummy com valor unitário se a prefeitura é

governada pelo PRbinária 2000 e 2004

Tribunal Superior Eleitoral -

TSE

dPPDummy com valor unitário se a prefeitura é

governada pelo PPbinária 2000 e 2004

Tribunal Superior Eleitoral -

TSE

doutros

Dummy com valor unitário se a prefeitura é

governada por algum partido que não os

citados acima

binária 2000 e 2004Tribunal Superior Eleitoral -

TSE

Fonte: Elaboração Própria.

espacias

Variável dependente

sócio-econômicas

políticas

Variáveis independentes

setor saúde

12

As variáveis sócio-econômicas e de saúde são auto-explicativas e servirão como controle, sendo

interessante a nosso ver o coeficiente de drecprop, os coeficientes partidários e regionais. Isso porque a

magnitude desses valores nos anos da análise irá nos indicar significativas mudanças de importância

dessas variáveis no direcionamento dos gastos da saúde. Para a primeira – drecprop – mediremos a

importância da EC-29. A segunda – política – mostra direcionamentos partidários distintos. Já a

terceira mostra a importância regional e será analisada pela dependência espacial.

Para a análise política, utilizamos os seis maiores partidos em representatividade na câmara

nacional, a saber: PMDB, PT, PSDB, DEM, PR e PP (em ordem decrescente de representatividade).

Ocultamos a variável dummy que representa o PT e inserimos a variável doutros, que representa todos

os outros partidos políticos que não os especificados acima. Uma breve estatística descritiva das

variáveis quantitativas do modelo é mostrada na tabela abaixo.

TABELA 4: Estatística descritiva das variáveis quantitativas

média dp média dp média dp média dp média dp média dp

gastopc 93.46 49.90 102.39 52.15 104.41 54.98 118.94 63.42 134.07 66.11 154.14 75.39

pibpc 5269.06 6648.12 5634.76 6381.38 6861.63 8103.44 7609.92 9561.26 7983.65 10573.49 8976.59 13180.26

govpc 0.83 0.26 0.95 0.29 1.06 0.31 1.14 0.34 1.31 0.38 1.48 0.44

cons 1.97 1.48 2.09 1.23 2.01 1.31 1.97 1.27 2.00 1.35 2.02 1.37

partsus 0.49 0.29 0.49 0.29 0.49 0.29 0.50 0.28 0.50 0.28 0.49 0.28

pambqpc 10.97 6.36 11.84 5.99 11.81 5.91 11.54 6.15 11.78 6.58 12.28 7.27

assmedpc 0.05 0.08 0.05 0.07 0.05 0.08 0.05 0.08 0.05 0.08 0.05 0.09

drecprop 0.1339 0.07 0.1463 0.06 0.1626 0.06 0.1759 0.05 0.1826 0.05 0.1891 0.04

num. obs.

Fonte dos dados básicos: Atlas do Desenvolvimento Humano, DATASUS, IPEADATA e TSE.

Variáveis /

Anos

2001 2002 2003 2004 2005 2006

4810 4810 4810 4810 4810 4810

Constata-se pela análise da tabela crescimento monótono apenas das variáveis gastopc, pibpc,

govpc e drecprop. Para as demais, a evolução não segue uma dinâmica definida. É interessante que

houve um grande aumento da participação dos recursos próprios e uma certa constância nos repasses

do SUS, mantendo sempre uma mesma média e desvio-padrão durante o período. Esse crescimento

conjunto dos gastos e dos recursos próprios mostra um primeiro indício da importância da legislação

federal no setor.

Para continuação da análise, segue abaixo os resultados encontrados.

5. Resultados e Discussões

5.1. Análise Exploratória dos Dados Espaciais (AEDE)

“a AEDE é a coleção de técnicas para descrever e visualizar distribuições espaciais,

identificar localidades atípicas, descobrir padrões de associação espacial e sugerir diferentes

regimes espaciais e outras formas de instabilidade espacial ou não-estacionariedade espacial”

(Anselin, 1999, p. 258).

A estatística I de Moran demonstra a existência de dependência espacial em todos os anos

analisados. Na análise dos resíduos foi utilizada a matriz de ponderação espacial “rainha” e na análise

de dependência da variável dependente foi utilizada a matriz de k2-vizinhos mais próximos. O

procedimento de escolha das matrizes de ponderação espacial foi feito de acordo com o critério de

Baumont (2004), e os resultados encontrados são os seguintes:

13

TABELA 5: Estatística I de Moran 2001 2002 2003 2004 2005 2006

gastopc 0,3167* 0,3392* 0,3700* 0,3573* 0,3340* 0,3360*

erro 0,1775* 0,1022* 0,0884* 0,1358* 0,1209* 0,1735*

Fonte: Elaboração Própria.

* significativo a 1%

Os resultados11

observados acima confirmam a existência da correlação espacial dos dados.

Neste caso é observado um padrão positivo de correlação, que justifica a utilização de variáveis

defasadas espacialmente como variáveis explicativas do modelo. O mapa de Dispersão de Moran

permite uma melhor observação dos resultados descritos anteriormente, apresentando seu padrão

espacial. Abaixo observamos estes mapas apenas para os anos de 2001 e 2006, visto que os demais

anos da análise seguem o mesmo padrão.

FIGURA 1: Diagramas de Dispersão de Moran (2001 e 2006)

Fonte: Elaboração Própria.

Contudo, o mapa de dispersão de Moran tem o problema de possibilidade de esconder padrões

locais de autocorrelação espacial. Estes podem ser observados pelo uso dos indicadores locais de

associação espacial (LISA), que é importante por proporcionar a cada observação uma indicação da

existência de clusters espaciais, de valores similares, em torno de sua vizinhança. Nesta analise é usado

o I de Moran a um nível de significância de 5%, como se observa a seguir:

11 Todos os resultados apresentados na análise exploratória dos dados espaciais foram obtidos pelos softwares SpaceStat,

Geoda e ArcView.

14

FIGURA 2: Mapas de Clusters LISA (2001 e 2006)

Fonte: Elaboração Própria.

Pela análise do mapa de cluster (LISA) observamos, na comparação dos dois anos extremos do

estudo, uma concentração de cluster Low-Low em boa parte da Região Nordeste (especificamente no

Sertão Nordestino) e uma área da Região Norte, enquanto a Região Sudeste (mais especificamente São

Paulo, Rio de Janeiro e sul de Minas) apresenta uma concentração de cluster High-High. Apresentados

os padrões espaciais, discutiremos a partir de agora o modelo econométrico de dados em painel

corrigido para essas correlações.

5.2. Modelo Econométrico de dados em painel espacial

Apresentamos na tabela abaixo os quatro modelos de estimação, sendo o primeiro o modelo de

FE sem a inclusão das variáveis de dependência espacial, e os outros três com a diferença do tipo de

correlação espacial admitida. O modelo 2 (modelo de lag) tem a inclusão da variável dependente

defasada, o modelo 3 tem a inclusão da defasagem do erro (modelo de erro espacial) e o modelo 4 (lag

com erro) tem a inclusão dessas duas variáveis. Como sugerido na metodologia, o modelo preferido

deve ser aquele que apresentar o menor valor do critério de informação, depois de observada a

eliminação da dependência espacial do erro.

Dos modelos analisados, o que mais se ajustou foi o modelo 4, que ajusta o problema da

autocorrelação espacial pela inclusão das variáveis w_erro – dependência espacial manifesta nos erros

– e w_gasto – dependência espacial manifesta na variável dependente. Vale destacar que o modelo 2,

apesar da inclusão da variável w_gasto, não conseguiu eliminar o problema da dependência espacial.

Dos dois modelos que conseguiram eliminá-la (3 e 4), o modelo 4 apresentou o melhor critério de

informação R2-within, e as análises feitas abaixo serão com base nele.

15

TABELA 6: Modelos de Dados em Painel Espacial – corrigidos por dependência da variável

dependente, dos erros, por nenhuma ou de ambos. Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4

constante 17.21367 14.09497* 14.82207 9.088712 *

pibpc 0.0001863*** 0.0001854*** 0.0001508*** 0.000149***

govpc 70.95197* 69.0329* 75.11486* 71.61431*

cons 0.4571104 0.4641047 .4971198*** 0.5101457***

partsus -0.4070667 -0.4045383 -0.612784 -0.6091414

pambqpc 0.3156063* 0.3139992* 0.2970519* 0.2940137*

assmedpc 30.22527* 28.95307* 26.14231** 23.78847**

drecprop 19.97856* 21.19641* 24.80707* 27.06481*

drec02 -5.723543 -6.740044*** -10.51485* -12.40299*

drec03 -38.60471* -39.00602* -44.0197* -44.78223*

drec04 7.62765* 4.541398 -0.1037519 -5.803436

drec05 16.95372* 12.03996** 5.641236 -3.428653

drec06 57.98302* 49.83029* 45.52139* 30.5035*

dgm -14.3171* -14.51059* -7.579784*** -7.90214***

dpm 8.961671* 9.038851* 6.790881* 6.92197*

dgov 0.489606 0.4652527 0.5740041 0.5297327

ddem -0.1838422 -0.1308759 0.2009248 0.2999635

dpr 1.815465 1.785403 2.107906*** 2.05417***

dpmdb 1.835494*** 1.878435*** 2.51283* 2.594892*

dpp 1.035943 1.087045 2.02094*** 2.119465***

dpsdb 2.274636** 2.317426** 2.51719* 2.596875*

doutros 1.753842*** 1.7758*** 2.101452** 2.143494**

W_GASTO_EST 0.0466068 0.0855081*

W_ERRO .523666* 0.5262017*

F 795.65 797.96 836.03 854.49

R2 within 0.5507 0.5508 0.5849 0.5853

num. observ.

Fonte: Elaboração Própria a partir de dados do DATASUS-MS, TSE e Ipeadata.

28860

Significante a (*)1%, (**)5%, (***)10%.

Mesmo sendo escolhido o modelo 4, pode-se notar que na comparação de todos os modelos há

uma estabilidade no coeficiente das variáveis explicativas, mostrando estabilidade e confiança na nossa

análise. A inclusão da dependência espacial além da correção do viés trouxe maior robustez aos

resultados.

Importante notar também que a variável w_gasto, incluída no modelo, é determinada

simultaneamente com a variável dependente gastopc. A estimação do modelo sem levar em conta esse

problema leva ao enviesamento dos estimadores, pois esta variável funciona como uma variável

endogenamente determinada. A solução adotada aqui foi utilizar a proposta de Keleijian e Robinson

(apud Anselin, 1992), instrumentalizando o w_gasto, com a utilização das variáveis explicativas

defasadas espacialmente (w_x). Assim, estimou-se a variável w_gasto_est, e esta variável foi utilizada

como um instrumento para a variável w_gasto. Tal procedimento é semelhante ao utilizado no primeiro

estágio da estimação por MQ2E.

A equação 4, nosso principal objeto a partir de agora, é adequada e validada pelo valor de seu

teste F. Obtivemos um total de 28.860 observações no painel englobando, portanto, 4810 municípios na

análise (86,45% do total nacional). Os demais municípios tiveram que ser extraídos da análise ou por

falta de dados, ou pelo balanceamento do painel. As variáveis escolhidas pelo método de análise

fatorial se mostraram relevantes para o entendimento dos gastos com saúde. Com exceção da variável

que apresenta a participação do SUS – partsus –, todas as demais sócio-econômicas e da saúde foram

relevantes no modelo.

PIB per capita foi importante, mostrando que municípios que tem maior produto também são os

que gastam mais na rubrica. Além disso, a inserção municipal na economia também é relevante, visto o

sinal positivo e significante da variável govpc. Como explicado na metodologia, ela mede a quantidade

16

monetária de impostos arrecadados por habitante. Assim, aumento de arrecadação gera mais

disponibilidade de gastos, influenciando em um aumento dos recursos para a saúde.

Para as variáveis da saúde os resultados também são bastante intuitivos. Como esperado, o

aumento do número de consultas realizadas no município – variável cons – aumenta os gastos das

prefeituras, bem como o aumento de produção ambulatorial – pambqpc. Os resultados da participação

do SUS (partsus), do número de assistência médica (assmedpc) e dos recursos próprios aplicados na

saúde (drecprop) são mais interessantes e merecem melhor explicação.

No caso da assistência médica, o resultado nos mostra que há correlação positiva entre o

aumento de habitantes com planos privados de saúde e o aumento da assistência municipal. Há uma

relação importante e significativa entre o aumento da participação privada e pública na saúde. Isso

mostra que ao invés da relação intuitiva imediata de concorrência entre esses serviços, pode haver antes

disso uma relação de simultaneidade e complementaridade na atuação pública e privada.

Essa discussão pode ainda ser justificada pela participação privada no SUS. Como expresso na

própria criação do Sistema, a atuação privada de hospitais e clínicas no sistema funciona como um

complemento à atuação do serviço público, ofertando serviços pelo SUS onde os estabelecimentos

públicos não estejam ou onde eles não tem competência para fazê-lo. Dessa forma, o aumento de

assistência médica privada fortifica o sistema privado e em conseguinte aumenta a necessidade de

gastos públicos municipais na rubrica.

Para partsus, o resultado foi não significativo, expressando que a relevância do SUS é baixa

para a explicação dos gastos municipais. Isso corrobora a diminuição da participação dos repasses

federais apresentadas no referencial teórico do artigo. Porém, para o caso da rubrica drecprop o

resultado é bastante significativo e o coeficiente é alto. Ou seja, para a definição dos gastos com saúde

no município o montante aplicado pelas prefeituras através de seus próprios recursos parece ser muito

mais importante do que a quantidade de recursos que as mesmas irão receber do governo federal ou

estadual.

Esse resultado nos diz que o objetivo do MS ao estabelecer a EC-29 parece estar sendo

cumprido, qual seja, o de contribuir para a diminuição da dificuldade do financiamento da saúde, visto

que as prefeituras mostram-se dependentes de seu próprio financiamento.

As dummies de recursos próprios, no entanto, mostram que a importância da EC-29 não é a

mesma ao longo dos anos. Em 2002 e 2003 há queda vis a vis 2001, com estabilidade para 2004 e 2005

e aumento para 2006. Essas significâncias mostram, em parte, que a importância dos recursos próprios

sofreu uma queda nos anos iniciais, mas aumentado no último ano da análise, o que ainda corrobora a

importância da política.

As dummies de grandes municípios (dgm) e pequenos municípios (dpm) é importante como

fator de controle de escala e apresentou resultados próximos ao sugerido na literatura da área. Estudos

nacionais mostram que a descentralização provocada pelo SUS pode afetar negativamente a oferta dos

serviços públicos da saúde, visto que diminui a economia de escala das prefeituras no provimento das

ações (Souza e Mendes, 2006; Mattos et al, 2008).

O intuito dessas dummies foi controlar para essa situação, estabelecendo como grandes

municípios os com população maior que 300.000 habitantes e como pequenos os com população menor

que 30.000 habitantes. O modelo sem essas dummies, portanto, capta os gastos para municípios com

população entre 30.000 e 300.000 habitantes. O resultado corrobora os estudos, mostrando que

municípios grandes gastam comparativamente menos, e municípios menores gastam mais.

Passamos agora para a análise política começando a análise da variável dgov, que procura

captar a influência entre prefeituras do mesmo partido do governador. Ela não se mostrou significante,

mostrando que não há direcionamento favorecido por pressões partidárias de esferas municipal e

estadual.

17

Para as dummies políticas por partido de governo municipal, os resultados são em sua maioria

significantes, mostrando menor gastos do PT vis a vis os demais. Todos os partidos, com exceção dos

Democratas, mostram maiores gastos que o PT no período analisado. Porém, a simples explicação

desse resultado poderia viesar nosso entendimento, calculando que o PT gastaria menos que os demais

partidos na saúde. Para mostrar porque esse resultado não deve ser exatamente esse mostramos a tabela

5, com os gastos totais per capita com saúde e a parcela de recursos próprios aplicados separados por

partido e por ano.

TABELA 7: Médias das variáveis Gasto Total per capita e recursos próprios aplicados em saúde

por partido e ano Partido

Ano 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2001 2002 2003 2004 2005 2006

n

gastopc 103.37 112.57 114.30 133.07 126.60 145.53 87.47 96.26 97.07 110.48 129.13 150.26

drecprop 0.140 0.156 0.170 0.179 0.180 0.186 0.135 0.147 0.167 0.180 0.186 0.190

Partido

Ano 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2001 2002 2003 2004 2005 2006

n

gastopc 92.12 103.14 105.51 122.15 140.65 160.93 96.43 103.44 105.06 118.83 133.03 152.93

drecprop 0.127 0.134 0.157 0.167 0.182 0.185 0.135 0.149 0.161 0.175 0.181 0.189

Partido

Ano 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2001 2002 2003 2004 2005 2006

n

gastopc 96.47 104.39 107.11 121.39 143.31 163.96 90.28 101.34 102.37 116.80 129.20 149.03

drecprop 0.136 0.149 0.163 0.176 0.184 0.190 0.132 0.143 0.161 0.177 0.181 0.187

Fonte: Elaboração Própria a partir de dados do DATASUS-MS, TSE e Ipeadata.

882 666

PP

DEM

PR

PMDB

865 789

PSDB

202 326

PT

177 369

9131065

525 471

Pode-se constatar que o nível de gastos do PT no ano de 2001 era muito superior ao dos demais

partidos. Ou seja, para 2001 o PT em média dispendia muito mais com saúde. Para os anos seguintes, o

crescimento dos demais partidos nos gastos foi muito maior que o do PT, fazendo com que no ano de

2006 o partido vigorasse como o último na média de gastos.

Porém, se considerarmos além desses resultados a porcentagem de recursos próprios em saúde

por partidos, podemos retirar algumas constatações que nos expliquem esse menor aumento do PT. Até

2003 o PT foi o partido que mais aplicou recursos próprios, e por esse motivo talvez ele seja o que

menos precisou aumentar seus gastos para se adequar à legislação. Isso mostra que o partido já estava

ajustado aos valores que a EC-29 exigia para 2004 até mesmo antes desse ano, praticando assim já uma

alocação de renda adequada. Pouco esforço foi necessário então para melhorar.

Por essa observação fica claro entender porque os demais partidos foram notadamente os que

mais buscaram melhorar suas posições no gasto com saúde, fazendo com que em 2006 eles gastassem

mais que o PT.

Nas variáveis de controle da dependência espacial, encontramos que tanto w_gasto_est como

w_erro são significativas no modelo, e neste caso servem apenas como variáveis de controle. Sua

omissão geraria o viés de variável relevante omitida, o que acarretaria problemas já mencionados na

metodologia. O coeficiente da variável w_gasto_est indica o padrão positivo de dependência dos

gastos, com municípios que gastam mais ficando próximos de municípios que gastam mais e

municípios que gastam menos próximos de municípios que gastam menos, conforme já foi

demonstrado na AEDE.

18

6. Conclusões

O processo de descentralização do SUS trouxe maiores responsabilidades aos entes federativos

estaduais e municipais, delegando a tais tarefas que antes eram exclusivamente ofertadas pela União.

Nesse âmbito, ficou a cargo dos municípios o direcionamento dos investimentos finais em saúde, sendo

o ente que aplica na prática as políticas públicas. Torna-se relevante, portanto, a análise da evolução de

seus gastos, bem como os seus determinantes, como forma de avaliar a execução dos serviços e

entender como está se desenvolvendo a atuação pública.

Através de um modelo de dados em painel controlado para dependência espacial, procuramos

encontrar evidências que mostrem a importância da EC-29 nos gastos públicos, bem como alguma

relevância política no direcionamento das prefeituras. Inicialmente, no controle espacial, encontramos

uma concentração de cluster de baixo nível de gastos no Nordeste e Norte e uma concentração de

cluster de alto nível de gastos no Sudeste, revelando padrões de gastos em saúde próximos a padrões de

PIB dessas localidades.

Já no modelo de dados em painel espacial, encontramos nenhuma significância da participação

do SUS na definição dos gastos, mas um coeficiente e significância bastante elevados para a variável

que trata dos recursos próprios aplicados na saúde. Ou seja, em vista da dificuldade de financiamento

encontrada pelo SUS durante toda a década de 90 do século passado, a promulgação da EC-29 parece

ter surtido efeito, visto que foi uma das principais variáveis relevantes no modelo econométrico

apresentado.

Ainda, para um controle político, constatamos um maior crescimento dos demais partidos vis a

vis os gastos do Partido dos Trabalhadores (PT) no período da análise. Porém, como indicado nos

resultados, esse maior crescimento pode ser visto muito mais como uma maior necessidade de

adequação desses partidos à EC-29 do que necessidades ideológicas partidárias, visto que em 2001 o

PT era o partido que mais gastava e também o que mais estava adequado à pressão federal.

Assim, no sentido da necessidade de adequação do financiamento aos gastos, a EC-29 foi

primordial. A emenda foi responsável por, de certa maneira, equalizar os esforços municipais no que

tange à rubrica saúde e, pelo menos nessa área e no âmbito municipal, diminuir as distâncias entre

partidos e invalidar os discursos inflamados de seus representantes.

7. Bibliografia

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8. Anexo

TABELA A.1: Teste “C” para Exogeneidade

gastopc 12.342

recprop 23.820

pibpc 10.478

partsus 2.347

govpc 1.342

pambqpc 1.034

cons 15.762

assmedpc 7.502

Fonte dos dados básicos: Atlas do Des.

Humano, DATASUS, IPEADATA e TSE.

teste "C"

Valores críticos teste qui-quadrado (10 g.l.):

0.001 = 29.59 / 0.01 = 23.21 / 0.05 = 18.31

Número de observações: 1725

Variáveis