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Jorge Luís VivanNietta Lindemberg MonteRenato Antonio Gavazzi

Comissão Pró-Índio do Acre

Programa Piloto paraProteção das Florestas

Tropicais do Brasil - PPG7

Nº 3Agosto de 2002

Implantação de tecnologias deImplantação de tecnologias deImplantação de tecnologias deImplantação de tecnologias deImplantação de tecnologias demanejo agroflorestal em terrasmanejo agroflorestal em terrasmanejo agroflorestal em terrasmanejo agroflorestal em terrasmanejo agroflorestal em terrasindígenas do Acreindígenas do Acreindígenas do Acreindígenas do Acreindígenas do Acre

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Implantação de tecnologiasde manejo agroflorestal em

terras indígenas do Acre

Brasília, agosto de 2002

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Ministério do Meio Ambiente – MMA

Ministro: José Carlos Carvalho

Secretaria de Coordenação da Amazônia - SCA

Secretária: Mary Helena Allegretti

Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil – PPG7

Coordenador: Márcio Santilli

Subprograma Projetos Demonstrativos – PDA

Secretário Técnico: Jorg Zimmermann

Secretário Técnico Adjunto: Wigold Schäffer

Equipe Técnica: Célia Chaves, Demóstenes Moraes, Mara Vanessa Fonseca Dutra, Ricardo Russo e RicardoVerdum

Equipe Financeira: Cláudia Alves, Nilson Nogueira e Sérgio Maranhão

Equipe Administrativa: Bruno Mello, Eduardo Ganzer, Francisca Kalidaza, Geórgia Basto Alô e LúciaAmaral

Perito da GTZ: Thomas Fatheuer

Cooperação Financeira: República Federal da Alemanha – KfW, União Européia – CEC, Rain Forest TrustFund – RFT, Fundo Francês para o Meio Ambiente Mundial - FFEM

Cooperação Técnica: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, Projeto BRA/93/044 – Projetos Demonstrativos – PDA

Agência alemã de cooperação técnica, Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit (GTZ) GmbH

Agente Financeiro: Banco do Brasil

Esta publicação integra a “Série Experiência PDA” e foi editada com apoio financeiro da agência alemã decooperação técnica (GTZ)

Organização, texto e edição: Jorge Luiz Vivan, Nietta Lindemberg Monte e Renato Antônio Gavazzi

Copy desk: Tereza Moreira

Projeto Gráfico: Luiz Daré, Marcos Roberto e Renato Antônio Gavazzi

Equipe Responsável/PDA: Célia Chaves, Jorg Zimmermann, Mara Vanessa Fonseca Dutra, RicardoVerdum e Thomas Fatheuer

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Apresentação

Este trabalho é resultado de um processo histórico vivenciado pelos povos indígenas daAmazônia, particularmente pelos povos indígenas do Acre. Representa um novo tempo deexperiência concreta de retomada da autonomia perdida há 502 anos.

A experiência dos agentes agroflorestais indígenas do Acre só está sendo possível graças anovos instrumentos de luta, dos quais os índios, há algum tempo, vêm se apropriando, paradefesa e garantia de seus direitos de cidadania: parcerias, alianças e diálogo político.

É neste contexto que este trabalho merece todo o reconhecimento. Os avanços estão sendopossíveis graças ao compromisso das partes envolvidas, tendo como base a vontade dascomunidades indígenas de assumirem para si a responsabilidade de seus projetos de futuro.Mas, diante da realidade atual, isso não basta. São fundamentais a contribuição e o compro-misso efetivos dos parceiros e aliados.

A participação da Comissão Pró-Índio do Acre – CPI/AC, foi decisiva no suporte técnico doprojeto, além de ter mostrado o quanto é possível prestar assessoria adequada e de qualida-de. O apoio técnico e financeiro do PDA foi fundamental para alavancar a iniciativa e alimen-tar a confiança de que é possível dar crédito às comunidades locais na formulação eimplementação de ações concretas capazes de influenciar políticas públicas sérias.

Particularmente, impressiona-me o tratamento abrangente e adequado dado pelo projeto àsdiversas dimensões da vida cotidiana indígena das comunidades, tendo como base de refe-rência os recursos naturais locais, os saberes e valores próprios daqueles povos. Dá-me acerteza de que, de fato, o novo tempo de autonomia é uma oportunidade real que está sendoconstruída.

Ao divulgar a experiência promissora e inovadora dos agentes agroflorestais indígenas doAcre, esta publicação convida todos os leitores, índios e não-índios, para um compromissode buscas de novas iniciativas concretas que venham melhorar as condições de vida dessespovos e garantir um futuro digno para todos os habitantes da floresta.

Gersem José dos Santos LucianoGerente Técnico do PDPI

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Sumário

Os agentes agroflorestais indígenas ..............................................................................................7A floresta, os tempos e os deuses do mercado ..............................................................................8 Contatos e memórias ..................................................................................................................8 Corre o sangue branco da floresta ............................................................................................10 Biopirataria e a queda do império da borracha ......................................................................... 11Da resistência à organização.......................................................................................................12 Novos tempos ...........................................................................................................................12 Poderes e saberes....................................................................................................................13Projeto de manejo agrofloresta: desafios e resultados .................................................................15 Gestão ambiental das terras indígenas......................................................................................17Escrita e línguas indígenas ...........................................................................................................21 Materiais elaborados e editados pelos AAFIs, com apoio do projeto ........................................24 Novas palavras, ferramentas e saberes .....................................................................................24 Vigilância e diálogo ...................................................................................................................26 Marcos vivos e autodemarcação ...............................................................................................29Manejos .......................................................................................................................................32 Lei ambiental e saber ecológico................................................................................................32 Fauna ........................................................................................................................................33 Flora: a casa .............................................................................................................................36 Regeneração ............................................................................................................................38 Alimento para todos os seras da floresta ...................................................................................42 Floresta .....................................................................................................................................43 Roçados ...................................................................................................................................44 Quintais .....................................................................................................................................49 Viveiros e hortas .......................................................................................................................51 Agrofloresta como sistema........................................................................................................54A formação dos agentes agroflorestais indígenas ........................................................................56 Estratégias e ações ..................................................................................................................56 Proposta pedagógica ...............................................................................................................58 Cursos intencivos no Centro de Formação dos Povos da Floresta ............................................59 Oficinas itinerantes ....................................................................................................................61 Assessoria ................................................................................................................................62 Redes e intercâmbio .................................................................................................................64Os conteúdos da formação ..........................................................................................................65 Fundamentos políticos da função do AAFI .................................................................................65 Ecologia indígena......................................................................................................................66 Princípios de agrofloresta ou manejo de ecossistemas .............................................................67 Artes e Ofícios ...........................................................................................................................68 Formação básica ......................................................................................................................70Perspectivas ................................................................................................................................72 Políticas públicas ......................................................................................................................72 Disseminação ...........................................................................................................................73Um olha crítico para o futuro .........................................................................................................74

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Os AgentesAgroflorestaisIndígenas“Nós, os Agentes AgroflorestaisIndígenas do Acre, estamos trazendoalgumas informações dos nossostrabalhos em nossas Terras Indígenas,o que estamos aprendendo nesteprojeto.

Somos as pessoas que estamosdiscutindo junto da comunidade anecessidade do manejo dos recursosnaturais em nossas terras e estamosrecebendo formação para aprendermosos novos conhecimentos e ter maisidéias para saber usar, como sempreusamos, os nossos recursos naturaissem prejudicar a natureza e a nósmesmos no futuro. Este estudo é muitoimportante para nós defendermos o meioambiente, nossa terra, o lugar onde nósvivemos e fiscalizarmos nossosterritórios (...) Precisamos de ajuda,compromisso e compreensão para quereconheçam a nossa profissão tambémcomo agente fiscalizador. Somos osguardas das nossas terras e de nossasflorestas.

Estamos começando a reflorestar asTerras Indígenas de fartura e alegriapara todos os seres viventes.”

Agentes AgroflorestaisIndígenas do Acre, 2001

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Para entendermos como e porque, há menos deuma década, surgiram os Agentes AgroflorestaisIndígenas (AAFIs) no Acre, abriremos algumas ja-nelas históricas e atuais. E, através delas, obser-varemos como se entrelaçaram economia, políti-ca e ecossistemas.

A história da Amazônia é uma imensa teia dinâmi-ca, com pontos de amarração em muitos conti-nentes e povos. O que existe e acontece nessaregião, desde os sistemas políticos e econômicosaté a rotina diária dos habitantes de uma aldeia, éfruto de muitas e diferentes interações, atuais epassadas. Não se trata, portanto, da história de mu-danças ambientais e culturais pacíficas e equilibra-das, principalmente nos últimos 200 anos. Uma re-presentação artística deste período estaria maisbem reproduzida pela “Guernica” de Picasso doque pelos traços suaves com que Debret retratouo Brasil colonial.

A “Guernica Amazônica” é retratada pela contínuadestruição da floresta, pelos rios que correm naforma de mercúrio e sedimentos contaminados,pelas pastagens calcinadas e abandonadas, pelacoberta de miséria formada à volta dos garimpos edas cidades-serraria. Apesar dos esforços de se-tores da sociedade e do Estado brasileiro no planolegal, das multas aplicadas e da pressão internaci-onal, uma interminável procissão de caminhões detoras, bois, soja e fumaça carrega a maior florestado planeta, substituindo seus povos e riquezas porlavouras, pastagens e capoeiras degradadas.

A mudança de paisagem não é fruto de um destinoinexorável e planetário. Resulta de uma forma demanejo e exploração dos recursos naturais “con-trária” à floresta e aos povos tradicionais que lá vi-vem. Os parcos lucros dessa destruição, maioresna medida do tamanho do dano que provocam, es-tão sediados fora da Amazônia e remontam já háalguns séculos.

Contatos e memóriasNa memória indígena do Acre, existe um tempo queremonta à própria noção de início dos tempos in-terrompida de forma abrupta em diferentes momen-tos da história do Brasil nos últimos 500 anos. En-

A floresta, ostempos e osdeuses domercado

ACRE - INVASÃO

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(Hevea brasiliensis) passou deum produto florestal de uso lo-cal e indígena para uma maté-ria-prima do capitalismo indus-trial emergente. A produçãopassou de 27 toneladas em1827 para 20 mil toneladas naúltima década daquele século,entrando definitivamente comoelemento básico da “pré-histó-ria” da indústria automobilísti-ca. Pode-se dizer que o veícu-lo movido por um motor decombustão interna não seviabilizaria sem pneumáticosde borracha. E enquanto o ca-pitalismo mundial lançava co-nexões com a maior florestatropical úmida do planeta, seushabitantes passaram aexperienciar o céu e o inferno.Para os povos indígenas doAcre, a época das primeirasfrentes de expansão econômi-ca, protagonizadas por perua-nos e brasileiros, ficou na me-mória como “O Tempo dasCorrerias”.

O segundo povoamento do Acre foi feito pelos homensbrancos que chegaram há cem anos. Foi quandocaucheiros peruanos e seringalistas brasileiroscomeçaram a invadir as terras onde as naçõesindígenas moravam desde antigamente. Vieram paraexplorar recursos e riquezas da mata, principalmentea seringa e o caucho. (...) Com esta invasão, os índiosdeixaram de viver sossegados. Começaram a correrde um lado para outro escapando das correrias. Algunspovos se acabaram. Outros foram expulsos de suasterras. Chegaram muitas doenças que nemconhecíamos. Neste tempo, a borracha era muitovalorizada no mundo todo.

Benjamim Shere Katukina e Valdir Tui Kaxinawáin idem, 1996, pág 35

tre os professores indígenas do Acre, a denomina-ção encontrada é “Tempo das Malocas”.

O Tempo das Malocas é tempo antigo dos índios doAcre e Sul do Amazonas. Um tempo muito longo quevem desde o começo do mundo.É o tempo das histórias de antigamente, dos nossosmitos.Tempo do nascimento do nosso povo indígena.Tempo de praticar nossa cultura tradicional.Esse tempo serve hoje para contar a vida de cada povoantes dos “cariu” chegarem na nossa região para abriros seringais.Noberto Sales Tene, in Iglesias e Ochoa (org), 1996,

pág 29

Em 1839, com a descoberta do processo devulcanização da borracha, a seiva da seringueira

DOS TERRITÓRIOS INDÍGENAS

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Se a borracha era a condenação dos povos indíge-nas que habitavam as áreas onde se formavam osseringais, também afetava a outros excluídos do“paraíso do látex”. Chegaram à Amazônia, entre1877 e 1880, em torno de 200 mil nordestinos, atra-ídos pela febre da borracha e fugidos da seca quematou, nesse mesmo período, quase a mesmaquantidade de pessoas.

Nesse tempo, grandes embarcações começaram asubir o rio Purus e Juruá e entrando devagar pelosseus principais afluentes. Os brasileiros chegaram devários estados do Brasil: Ceará, Paraíba, Maranhão eRio Grande do Norte. Daí para frente, nós índios nãotínhamos mais nenhum canto para escapar ou correr.

Benjamim Katukina e Valdir Kaxinawá, in idem,pág 35

Para os povos indígenas, foi um período de fugir oumorrer. A perda da conexão com o território, a tran-sitoriedade dos assentamentos, a mobilidade comoestratégia que definia a vida ou a morte são ante-cedentes históricos fundamentais das conquistasterritoriais e ambientais atuais.

Corre o sangue brancoda florestaNa onda de sua demanda mundial, a borracha tor-nou-se o “ouro branco da floresta”, objeto da cobi-ça das elites que passaram a controlar sua extra-ção e exportação. Até 1900, o Brasil foi o único for-necedor mundial de látex. E as “capitais da borra-cha” brotaram na floresta, com seus teatros, ópe-ras de grandes companhias e festas regadas porprodutos europeus, trazidos nos “vapores” que cru-zavam o Atlântico. Barcos subiam o rio Amazonase seus afluentes, chegando até Manaus. De lá pelorio Purus (e depois pelo rio Acre) até o que é hoje acidade de Rio Branco. Assim viveu a “elite da bor-racha”, em seu enclave econômico particular nomeio da floresta.O período, denominado “Tempo do Cativeiro” pe-los professores indígenas do Acre, marca um novoconjunto de relações sociais com o seringal:

No Tempo do Cativeiro, os índios trabalharam muitopara os patrões dos seringais. Alguns comoseringueiros, outros na diária, fazendo vários serviços.Transportar borracha e mercadorias, varejar balsas deborracha, reabrir ramais, varadouros e estradas deseringa, colocar roçado para o patrão, caçar e pescarpara abastecer o barracão... Na sua colocação, o índiovivia com muito cuidado para não ser expulso. Eraobrigado a pagar renda pelas estradas de seringa. Sevendesse borracha para fora do barracão, o patrãodesintigelava as estradas e mandava o freguêsdesocupar a colocação (...) No barracão, o patrãovendia as mercadorias muito mais caras do que nacidade. E pagava menos pelo quilo da borracha. E aindaenganava no peso da balança (...) Por causa destesdébitos, não podiam deixar o seringal para procurarum outro patrão.

Edson Ixã Kaxinawá e Isaias Ibã Kaxinawá, in idem,pág 39.

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Biopirataria e a queda doimpério da borrachaEm 1876, Sir Robert Wickham contrabandeou da Ama-zônia sementes da Hevea para os Kew Gardens, naInglaterra. Este ato de biopirataria se provaria desas-troso para o sistema econômico montado na Amazô-nia em função do látex. Afetaria profundamente as eli-tes brasileiras da borracha. Por volta de 1913, serin-gais imensos controlados por ingleses e holandesesjá entravam em produção, primeiramente na Malásia,depois na Indonésia e em Bornéu, onde a seringueirafoi incorporada aos Sistemas Agroflorestais – SAFs,tradicionais. Finalmente o Cambodja, Vietnã, Tailândia,Mianmar e outros países da antiga Indochina, sob do-minação francesa, entraram no mercado mundial delátex, além das mais de 200 empresas que operavamna Selva Lacandona, no México. Esse novo fluxo dematéria-prima barata fez despencar o universo dos “ba-rões da borracha” e refreou o ímpeto das frentes deexpansão. Amaldiçoados pelos deuses do mercado,muitos dos patrões seringalistas abandonaram serin-gais e seringueiros à própria sorte: que a floresta ostragasse e sobrevivesse quem fosse capaz.

Venda de borracha pela Cooperativa da Terra Indígina Kaxinawá do Rio Jordão - Foz do Rio Jordão, 1982

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Durante a II Guerra Mundial, o fornecimento de látex daÁsia ficou comprometido pelo controle que os japone-ses passaram a exercer nas águas do Pacífico. Esseevento deu um alento momentâneo ao látex brasileiro.No caso da II Guerra Mundial, ambos os lados busca-vam, entre outras matérias-primas, látex a preços bai-xos. Assim, restabelecido o fluxo asiático, novamentecaíram os preços no mercado mundial. Outros ciclosmenores de altas e baixas se repetiriam até os anos1970, considerados pelos economistas como “oscila-ções de mercado” e, no caso da borracha, determina-dos pela conjuntura política internacional e pelastecnologias de substituição do látex por produtos sin-téticos. Nunca mais se repetiria a “bolha econômica”do látex de seringueira que se verificou na Amazôniaentre 1827 e 1913.Essa é parte da história de uma matéria-prima, da suaobtenção e dos lucros que proporcionou. Nela, ciclose ajustes são relacionados ao desenvolvimentotecnológico, às oportunidades sócio-políticas existen-tes e às diferentes margens de lucro possíveis face aotodo, numa lógica de oferta e procura.

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Novos temposÉ da perspectiva histórica da resistência dos po-vos da floresta, da sua capacidade de reagir e res-ponder às novas situações, que podemos enten-der o processo atual de formação dos agentesagroflorestais indígenas do Acre, como parte de umnovo tempo histórico “de direitos” e “de governopróprio”.

Na década de 1970-1980, alguns setores da soci-edade civil brasileira puderam construir novos ti-pos de relações com os povos indígenas nas regi-ões onde atuavam. O empenho na criação de umarede de Ongs de assessoria política a esses po-vos, assim como a crescente organização local enacional dos movimentos indígenas, resultaram emtransformações que o memorial indígena denomi-nou de “Tempo dos Direitos”. Tal construção deu-se na tarefa primordial de reconhecer e demarcarTerras Indígenas e apoiar novas estratégias produ-tivas e comerciais visando enfrentar o avanço dasfrentes garimpeiras, agrícolas e madeireiras. Nes-sa história estão inseridos os fundadores e muitosdos atuais componentes da Comissão Pró-Índiodo Acre – CPI/AC, entre tantas outras instituiçõesque estiveram engajadas na mesma luta.

Ao ser criada em fevereiro de 1979, a CPI/AC foiassentada sobre valores que iam sendoconstruídos no lastro da democracia emergente nopaís: participação, diálogo, comprometimento coma questão indígena e a perspectiva de uma socie-dade brasileira multicultural e pluralista. Da trajetó-ria de seus integrantes e das demandas que fo-ram-se criando por parte dos povos indígenas como“direitos”, é que surgiram as primeiras lutas pelasterras e pelas cooperativas.

Convivendo com os Kaxinawá, índios-seringueiros,aprendi logo que quem mandava de fato na terra eraquem dominava a esfera da comercialização.(...) Quemtinha a mercadoria, também dominava território, terras,seringais. Quando surgiu a Comissão Pró-Índio em1979, também foi em cima de projetos já específicosde cooperativas.

Terri Aquino, in Monte e Olinda (org), 2001,pág 39

Da resistência àorganização

Professores - Tene e Siã Kaxinawá da Terra Indígena do Rio Jordão e Baixo

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No começo da nossa luta pelos direitos, a genteconseguiu organizar a nossa cooperativa. Assimtiramos os “cariú” das nossas terras. Para podertrabalhar na nossa cooperativa, tínhamos que tirar acontabilidade do movimento de mercadorias e deborracha. Por isso, precisávamos ter escolas nasaldeias. Foi a partir daí que começaram os primeiroscursos para professores e agentes de saúde Kaxinawáe outros povos do Acre.

Pancho, Francisco Kaxinawá, in idem, 2001, pág 30

Poderes esaberesNa consolidação dos No-vos Tempos, criam-se tam-bém as idéias e os ideaisde uma nova escola indí-gena por meio dos primei-ros professores bilíngüesdo Acre. Essas idéiassubstituem gradualmenteas antigas práticas domi-nantes na escola dos pa-trões dos seringais e dasmissões religiosas. A de-manda vinha de algumasimportantes lideranças in-dígenas: capacitar seus jo-vens para “administrar, porconta própria”, as nascen-tes cooperativas nas suasterras nos novos temposde direitos, sem o patrão eo barracão.

O primeiro de uma série decursos de formação deprofessores foi realizadopela CPI/AC em 1983,atendendo a 25 jovens dosvários povos do Acre. Aproposta pedagógica foidenominada “Uma Experi-ência de Autoria”. Por meiodela os futuros professo-

res criariam suas próprias idéias e ferramentasde educação escolar.

O trabalho mais importante desses cursos foi contribuirpara que os professores reconhecessem seus valoresculturais, produzindo seus próprios materiais escritosnas línguas, estimulando suas pesquisas, ampliandoo conhecimento tradicional de seu povo.

Isaac Pinhanta Asheninka, 2001, in idem, pág 30

Rio Jordão - 2000

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O processo foi de re-conexão individual e coletiva comsua memória histórica e suas identidades étnicas, apartir de saberes imemoriais postos em relação desentido com os novos saberes apropriados. Os re-sultados foram tanto o revigoramento de línguas, tra-dições e conhecimentos, como a leitura atualizada econtextualizada dos novos desafios a serem enfren-tados.

Nos cursos de professores, a proposta de currículo járelacionava a questão produtiva, alimentar, a saúde, omeio ambiente com a ocupação territorial, o manejo dosrecursos naturais e o desenvolvimento sustentável. E foijustamente a partir do interesse pelo trabalho de plantaçãode árvores frutíferas iniciadas no Centro de Formaçãodos Povos da Floresta, e das ações de saúde relacionadasà diversificação alimentar, que teve início o programa deformação dos Agentes Agroflorestais Indígenas.

Renato Antônio Gavazzi, in (org) - pág 64

Na esteira dos novos desafios e demandas, passa-ram a ser formados também os Agentes de SaúdeIndígenas (Ais), com os cursos oferecidos entre 1986e 2000. Estes aliaram o atendimento das doençasrelacionadas às novas condições de vida, com o queé uma conexão óbvia para os povos da floresta e ou-tros povos: saúde é a roça farta, frutas e caça abun-dantes, água de qualidade. Enfim, dos recursos na-turais bem manejados também depende a qualidadeda saúde. Assim, além de trabalharem o tratamentode algumas doenças que lhes chegaram nos últimosanos pelo contato, os agentes de saúde passaram aatuar na reflexão e no cuidado intensificado com aagricultura e o meio ambiente.

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O tempo presente dos índios do Acre é formado porvárias situações conquistadas pelas comunidades aolongo dos últimos 20 anos. Com muita luta e dificuldade,estamos tentando mostrar quem somos.

Joaquim Mana Kaxinawá, in Iglesias e Ochoa (org),1996, pág 55

Em 1996, teve início o Projeto de Implantação deTecnologias de Manejo Agroflorestal em Terras In-dígenas do Acre, visando à formação dos AgentesAgroflorestais Indígenas, continuidade da trajetóriados professores e dos agentes de saúde indíge-

nas. Este projeto recebeu recursos do ProgramaPiloto para Proteção das Florestas Tropicais doBrasil – PPG7, por meio do Subprograma ProjetosDemonstrativos – PDA.

O objetivo da formação dos agentes AgroflorestaisIndígenas é possibilitar que um número crescente depovos indígenas da Amazônia, por meio de processosparticipativos e educacionais culturalmente fundados,faça a identificação, a sistematização, a valorização eo uso de alguns dos conhecimentos e tecnologiasrelativos ao meio ambiente para a gestão de seusterritórios.

CPI/AC, 2000

Projeto de manejo agroflorestal:desafios e resultados

II Oficina Itinerante - Terra Indígena Mamoadate - Aldeia Jatobá - 2001

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O foco principal do projeto foi desde então a ges-tão ambiental das Terras Indígenas, especialmen-te as formas de manejo de alguns dos recursosnaturais existentes em seu ecossistema. Essesrecursos naturais, parte da biodiversidadeameaçada da floresta tropical brasileira, estão es-casseados devido à pressão demográfica sobreos territórios ou ao seu uso incorreto.

E tem alguns pontos do município que, com a falta deassistência, de acompanhamento, de orientação, édifícil que as pessoas consigam ver a questãoambiental da maneira que nós estamos vendo (...). Agente vem acompanhando cada dia, cada ano quepassa, as pessoas cada vez se afundando mais dentrodas necessidades, porque não conseguem resolver osseus problemas.Nós estamos conseguindo pelo menos nos manterequilibrados e saudáveis, mais ricos. E para nós, ariqueza é viver numa área que tenha o que a genteprecisa. Ela dá nosso alimento, dá a nossa casa, dá anossa alegria, dá a nossa liberdade.

Francisco Pianko Asheninka, in Monte e Olinda(org), 2001, pág 68

Marcando os novos tempos de conquistas dos po-vos indígenas, “Tempos do Nosso Governo”, as ta-refas que se colocam são de dimensões amazôni-cas. Elas vão da vigilância de territórios e de seusrecursos naturais, até a educação ambiental de cri-anças e adultos. Passa também pelo fortalecimen-to de ritos de fertilidade, recuperação e conserva-ção de material genético, monitoramento egerenciamento de recursos naturais, estudo e re-cuperação de saberes e matérias-primas para aprodução da cultura material, bem como de habili-dades em artes e ofícios para executá-las. Semisentar o Estado brasileiro de suas obrigações,mas apontando para suas lacunas e para a possí-vel forma de preenchê-las, este é basicamente otrabalho e o desafio desses novos atores sociaisda floresta ocidental amazônica.

O grande desafio que está sendo colocado hoje emdia é o que fazer com os territórios conquistados. Quaisatividades econômicas serão desenvolvidas agora nasTerras Indígenas e reservas extrativistas? (...) Se nãotiver uma política pública mais ampla onde a terraindígena esteja inserida, dificilmente haverásustentabilidade.”

Terri Aquino, in Monte e Olinda (org), 2001, pág 41

A perspectiva, no plano nacional e regional, é osurgimento de demandas crescentes por recursoshumanos e materiais para programas e projetosdessa natureza.

Eu quero plantar as frutas que não têm na nossa terra,quero muito ajuda para arranjar sementes de frutíferas,mudas de frutas, ferramentas e uma política quedesenvolva o nosso trabalho.

Mansueto Sales Yasã Kaxinawá, in Gavazzi, 2000

Mais uma vez, uma lacuna histórica do Estado bra-sileiro para com os povos indígenas pode ser pre-enchida por uma política pública construída nas prá-ticas locais e nacionais, por esforços conjuntos en-tre populações indígenas, órgãos de governo e so-ciedade civil organizada, com a progressiva ampli-ação dos recursos atualmente disponíveis.

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Gestão ambiental das terrasindígenasAlguns anos após sua ocupação oficial pelos euro-peus, esta região imensa da América do Sul pas-sou a se chamar, por força do consenso dos mer-cadores da época, “Brasil”. O nome relacionavaum território ainda desconhecido ao lucrativo pro-duto florestal rapidamente esgotado pelo que hojechamamos de “demandas dos mercados interna-cionais de produtos florestais madeiráveis”.

Entretanto, havia muito mais do que matérias-pri-mas no “Brasil”. É difícil descrever a dimensão dadiversidade de povos e línguas que aqui existiam eainda atualmente resistem. Tomando-se a regiãoque se denomina hoje como Estado do Acre, sãotrês famílias lingüísticas (Pano, Aruak e Arawá) e12 povos diferentes, que conquistaram 29 TerrasIndígenas, 92 escolas, 138 professores indígenascom 2.906 alunos, 130 agentes de saúde e, maisrecentemente, 85 agentes agroflorestais.

Já faz mais de 500 anos da invasão das terras quenossos parentes habitavam na costa do que hoje éBrasil. E hoje estamos conseguindo recuperar nossopatrimônio territorial como primeiros habitantes destafloresta. (...)Tivemos a idéia de começar a fundar o movimentoindígena, as associações e as nossas própriasorganizações locais. Elas vêm procurando abrir novasalternativas econômicas para o desenvolvimento decomunidades.Temos mostrado para os povos indígenas do Acre, doBrasil e do mundo como podemos nos livrar da violênciacontra nossas comunidades e continuarmosconquistando nossos desejos, principalmente desermos povos indígenas sem discriminação.

Joaquim Mana Kaxinawá, in Iglesias e Ochoa (org),1996, pág 55

Terra Indígena Alto Tarauacá

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Terra Indígena do Rio BreuReserva Extrativista do Alto Juruá

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Terras Indígenas Kaxinawá do Rio Jordão, Baixo Rio Jordão, e Seringal Independência e seu entorno.

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O estado do Acre tem 15.314.990 hectares. As Ter-ras Indígenas representam 14,6% da extensão to-tal do estado. Desse universo, o projeto “Manejodos Recursos Agroflorestais Indígenas do Estadodo Acre”, financiado pelo PDA no período 1996-1999, apoiou diretamente a formação de 15 AAFIsde três povos, em três Terras Indígenas. A iniciati-va foi depois renovada e ampliada para o período2000-2003, para 18 AAFIs em 11 Terras Indígenas.Sua característica de trabalho-semente, aliada àdemanda e ao entusiasmo pela função que se ve-rificou entre os povos indígenas da região, tem de-sencadeado apoio de outras comunidades e orga-nizações indígenas e de instituições públicas e pri-vadas brasileiras e internacionais. Mais quatro po-vos ingressaram no programa somando oito po-vos atendidos: Asheninka, Manchineri, Jaminawá,Kaxinawá, Katukina, Shawadawá (Arara), Apurinãe Yawanawá, distribuídos em 15 Terras Indígenas.Estes interagem com a população indígena e não-indígena de oito municípios do Estado do Acre esudoeste do Amazonas.

Hoje, estão em formação 66 AAFIs, atuando nasaldeias com seus “suplentes” (denominação dadapor eles aos seus ajudantes), com apoio do Setorde Meio Ambiente da CPI/AC, além de mais 19 no-vos agentes que passaram a ser formados peloGoverno do Acre por meio da Secretária de Exten-são e Assistência Técnica Rural –Seater, desde oano de 2001.Os dados mostram a ampliação e repercussãoconseguida pelos 18 AAFIs que foram apoiadoscom os recursos do PDA: esses primeiros agen-tes tiveram a capacidade de mobilização e infor-mação de outros parentes, socializando idéias eampliando atividades de sua função, a partir doscursos vividos em Rio Branco, das oficinasitinerantes nas aldeias e das assessorias recebi-das.Nos arquivos do Setor de Meio Ambiente, estãodocumentados números significativos: 134 indígenasjá receberam cursos de agricultura e meio ambienteao longo dos seis anos de desenvolvimento do proje-to, participando dessa formação, além dos AAFIs, ou-tros membros das comunidades interessados.

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Situação das Terras Indígenas no Acre

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adnilOavoNáwanixaK áwanixaK 051 335.72 99 adartsigeR

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Escrita e línguasindígenas

Muitos de nós que não sabíamos cantar, não sabíamosler uma história, poderemos fazer, agora através daescrita. E eu sinto que, com esse trabalho, fica maisdifícil a língua morrer. Se só a oralidade não foisuficiente, a educação em nossas comunidadeschegou para fortalecer isso. A competição deaprendermos duas coisas ao mesmo tempo, não éproblema; se você quer aprender a língua portuguesa,aprenda, contanto que você também aprenda na suacultura.

Joaquim Mana Kaxinawá, in Monte, (org), 2001

Grande parte dos AAFIs foi alfabetizada por pro-fessores indígenas, sendo bilíngües nas suas ca-pacidades orais e escritas. Eles participam da es-cola indígena como colaboradores dos professo-res e alguns dão aulas sobre o manejo dos recur-sos naturais em língua indígena e em português.

O dia amanheceu chovendo, passou o dia chovendo.Nesse dia, eu não trabalhei, porque estava chovendo.Fui pesquisar junto ao professor dando aula. Quandocheguei na escola, estava dando aula em línguaindígena e me pediu para ler e também cantar músicaindígena do cipó (ayawasca). Eu cantei duas músicaspara chamar força. Também me perguntou quantos tiposde cipó tinha. Ensinei e escreví. Esse dia passouchovendo.

Francisco Macário, 2000

O processo e os resultados de suas atividades vêmsendo anotados em diários de trabalho,freqüentemente de forma bilíngüe, assim comoescrevem e desenham materiais para as escolasindígenas e não-indígenas. Estas obras járepresentam, junto a outras produzidas porprofessores e alunos de escolas indígenas, umimportante acervo dos saberes culturais e ecológicosde membros de povos indígenas nos últimos anos.Uma centena de publicações de autoria indígena foisaindo do forno editorial da CPI/AC desde 1983.

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Diário de Trabalho do AAFI Raimundo Ixã Kaxinawá

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A orientação do trabalhopedagógico dos cursos deformação dos AAFIs parte da“autoria”, marca registrada dosprocessos educativosdesenvolvidos pela CPI/AC há 20anos. Através deste princípio,traduzido numa metodologia, osagentes são chamados a pensar,produzir e aplicar os conteúdos doprograma curricular relativo àquestão socioambiental, de formaa pôr em relação de sentido seuspróprios conhecimentos, com ossaberes das demais culturas,indígenas e não-indígenas.

Monte, Nietta (org), 2000, pág 6.

Cartaz informativo referente aos cuidados com o lixo em lingua kaxinawá

II Oficina Itinerante na Terra Indígena Mamoadate - 2001

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A aula de hoje foi ciência, o assunto, meio ambiente eecologia. Num primeiro momento pedi que escrevessemum texto sobre o que entendessem da palavra meioambiente. Em seguida passamos a trabalhar na cartilhaCaderno de Pesquisa feita pelos agentes agroflorestais.Trabalhamos no levantamento dos legumes, onde cadaum dos alunos ficou de fazer novos levantamentos doque é ainda plantado em sua comunidade.

Joaquim Mana Kaxinawá, 2001

Novas palavras, ferramentas esaberesO processo de aquisição e desenvolvimento da lín-gua indígena e portuguesa escrita, e de outras lin-guagens — o desenho figurativo sobre o papel, ma-pas, esculturas, vídeos — é um exercício criativopara os autores-estudantes pesquisarem temas deseu interesse. Estes estudos são referenciados nocotidiano e nos saberes tradicionais e atuais, alémde apresentarem o desafio da criação de palavrase conceitos para os novos saberes, fortalecendosua língua materna.

Materiais elaborados e editados pelosAAFIs, com apoio do projetoPlantas, animais, legumes e os índios – Ecologiada Floresta – ano 1996.Chegou o Tempo de Plantar as Frutas – ano 1997 -reeditado pelo Imac – 2000.Caderno de Pesquisa – ano 1999 –reeditado peloImac – 2000.Vamos Criar Peixes – ano 1999.Cartaz de manejo de palha em lingual Kaxinawá,Hãtxa Kui – ano 1999.Cartaz de manejo de palha em lín-gua Kaxinawá, Hãtxa Kui – ano 2000.Cartaz de manejo de implantaçãoe manejo de SAFs em língua HãtxaKui – ano 2001.Cartaz de Manejo de Frutíferas emLíngua Manchineri, 2001.Cartaz de Cultura Material em lín-gua Kaxinawá, Hãtxa Kui, 2000.Calendário Floresta e Manejo - ano2002, com apoio da Secretaria deCoordenação da Amazônia, Progra-ma de Apoio ao Agroextrativismo doMMA.

Tais materiais constituem uma ati-vidade educacional que vem refor-çando as relações entre o trabalhodos AAFIs e a escola indígena, numaperspectiva de fortalecimento da lín-gua e de saberes ecológicos e cul-turais, com referência direta no co-tidiano e no meio ambiente.

II Oficina Itinerante Terra Indígena Mamoadate Aldeia Jatobá - 2001

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Hoje a gente trabalhou com os alunos sobre sistemaagroflorestal. Cada aluno falou do trabalho realizadocom o agente agroflorestal: fizeram coroamento,cobertura morta, fizeram as covas e plantaramdiretamente. Então, depois da aula prática, nósdiscutimos sobre as palavras que na língua Manchinerinão tem. Para nós é diferente dizer sistema agroflorestale precisamos discutir para pôr uma palavra com estesignificado. Depois, estávamos falando das vantagensde ter um sistema agroflorestal. Essa palavra“vantagens” também na língua Manchineri não tem, efoi discutida também para os alunos conseguiramentender seu significado.

Jaime Llullu Manchineri in Salsamendi, 2001

A produção cotidiana dos “diários de trabalho” é acontinuidade do esforço dos professores indígenasdo Acre, que, desde 1990, incentivados pelo proje-to de formação, escrevem e valorizam esse tipode documento, reconhecendo-lhe um valor peda-gógico e linguístico-cultural. São uma importanteferramenta de registro, planejamento e avaliaçãodo trabalho dos professores e dos AAFIs para elesmesmos e para seus assessores. Nesses textos,expressam e documentam vivências relativas àvida social, assim como suas crenças e reflexões

a respeito do que fazem. Tais textos são produzi-dos como parte da sua aquisição da escrita dasegunda língua, o português, sendo destinados àleitura de outros AAFIs e de assessores, do quedecorre sua importante função comunicativa emcontextos de cursos de formação.

A importância do diário é deixar escrito o trabalho de cadadia que a gente faz, por exemplo, no roçado, derrubando eplantando. Quantos roçados têm na aldeia, o que foiplantado, que dia foi queimado, quantas espécies foramplantadas. O que você cria, se é pato, galinha, boi, ouporco. Que trabalho você fez mais durante o ano, se fezcoleta de semente e em que data, quantas vezes você foicaçar, quantas viagens você fez, se você caça muito deflecha ou de espingarda e o que você mata. Que data émelhor para caçar, que data é melhor para mariscar, queépoca gostamos de viajar no rio, quantas pessoas têm naaldeia, quantas aldeias têm na comunidade, quantosprofessores têm, quantos pajés têm, que época o pajénão pode curar, quantas reuniões foram feitas na aldeia, aépoca de ovos de tracajá...Isso é o diário que nós fazemos para ficar no arquivo comoum documento sobre o trabalho feito no dia-a-dia da aldeia.É importante para nós não esquecermos de ver o que foifeito, o que nós iniciamos, o que foi mudado durante otrabalho.

Benki Asheninka, in Freschi, 2001

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Diário de trabalho do AAFI Raimundo Ixã Kaxinawá

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Vigilância e diálogoNo trabalho de manejo de recursos naturais emTerras Indígenas, uma das tarefas mais comple-xas é a vigilância e a defesa territorial. Embora estaseja uma tarefa constitucionalmente delegada àFundação Nacional do Índio – Funai, ao InstitutoBrasileiro de Meio Ambiente – Ibama, e no planoestadual, ao Instituto de Meio Ambiente do Acre –Imac, ela é hoje bastante difícil de se concretizarpor meio da ação desses órgãos. Algumas TerrasIndígenas contam com grandes perímetros e é fá-cil imaginar o grau de dificuldade para, nas condi-ções atuais, evitar invasões que visam o roubo derecursos, como madeiras nobres, caça e pescaentre outros. Mesmo o relativo isolamento não éuma garantia de proteção, já que nas áreas próxi-mas à fronteira com o Peru, ocorrem as invasõespara roubo de mogno (Swietenia macrophylla), fatojá denunciado pelo povo Asheninka.Já em outras áreas, como as Terras Indígenas pró-ximas aos aglomerados urbanos, o problema é ainvasão facilitada pela estrada. A maior de todasas preocupações é a conclusão e o asfaltamentoda BR-364, que atravessa o estado do Acre e os32.624 hectares da Terra Indígena Katukina do Cam-pinas, além de outras terras que receberão impac-tos diretos ou indiretos com a conclusão das es-tradas.

A gente discutiu a influência da estrada na TIMamoadate, as vantagens e as desvantagens.Colocamos no quadro e discutimos entre todos osparticipantes as vantagens da estrada, primeiramente.Segundo eles, a vantagem é levar nossos produtos ecomercializar na cidade, o acesso à cidade paraparticipar de reuniões. E também à saúde, quando

falham as equipes de vacinação, por exemplo. Tambémtemos muitos aposentados, velhos que têmdificuldades de caminhar por dois ou três dias parachegar ao município. Para eles também vai ser umaajuda.As desvantagens seriam as pessoas estranhas queestarão chegando aqui, fazendeiros, caçadores,pescadores, madeireiros, que vão estar nos perturbandosobre nossa Terra Indígena, ou querendo vir conhecer,procurando algum conhecimento. Também aqueles quetêm alguma verba de salário ou de um produto, adesvantagem é a bebida alcoólica. Muitos parentesgostam de beber e quando a estrada estiver aberta vaiter esta desvantagem que hoje estamos discutindo.Outra coisa também é a doença; as pessoas podemchegar trazendo novos tipos de vírus. No últimocolocamos a prostituição que pode facilitar as meninase os meninos chegarem na cidade e querer ficar alimesmo. Quando a estrada estiver aberta, de repentealguns podem querer ir para cidade e a comunidadevai ficar sem pessoas. Vai facilitar procurar um trabalhoe abandonar a Terra Indígena.

Jaime Llullu Manchineri, in Salsamendi, 2001

Qual será o papel dos agentes frente a esses desa-fios?No plano local, enfrentam, junto a seus parentes,os conflitos com os que caçam, pescam e extra-em madeira. Nestes casos, usando mecanismosde registro e articulação política, os AAFIs têm feitopúblicas as suas denúncias. Buscam aliados emnovos espaços, na mídia e junto a instituições di-versas de porte federal, estadual e municipal, juntoa atores políticos civis, diante de fatos e forças queeles sozinhos não podem enfrentar.Por outro lado, os AAFIs devem poder resolver, pormeio de negociação e diálogo, problemas não sóexternos como internos em relação à caça, à pes-ca, ao uso dos recursos naturais, quando fora dosprincípios da sustentabilidade. O seu trabalho navigilância territorial é um exercício constante deação política e educacional, envolvendo tanto a suaprópria formação e informação sobre as leisambientais do país, como a orientação e informa-ção de outros.

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Como ação política-educacional propositiva, osAAFIs vêm contribuindo para a prática de fiscaliza-ção e vigilância dentro e também no entorno desuas Terras. No ano de 2001, durante o VII Cursode Formação, a equipe do projeto se articulou como Ibama, que ofereceu um módulo para prepara-ção de Fiscais Colaboradores no Centro de For-mação dos Povos da Floresta. A partir deste cursoe com sua continuidade, os AAFIs se tornam defato e de direito aptos a exercer suas tarefas defiscalização.Entretanto, é importante reforçar que a vigilância éuma atividade para a qual se faz necessário ummelhor aparelhamento, com rádios, barcos e com-bustível, que facilitem o contato dos agentes comIbama, Funai, Polícia Federal ou Imac. Por outrolado, existe uma função que cabe ao Estado brasi-leiro e que deve ser cumprida.

A profissão do agente agroflorestal não é só plantarfrutíferas, palmeiras e outras árvores na aldeia, mas étambém orientar a comunidade no cuidado do meioambiente, na conservação e manejo dos nossosrecursos naturais. Somos educadores ambientaisindígenas. Estamos trabalhando junto de nossaslideranças, professores, agentes de saúde, presidentesde associações e com o pessoal da nossa comunidadeno manejo dos recursos naturais, elaborando ediscutindo o plano de uso dos recursos naturais dasnossas florestas. Fazemos reuniões, discutimos coma comunidade, ensinamos e orientamos nossosparentes na gestão ambiental.Para trabalharmos na gestão, estamos nosconscientizando dos problemas ambientais. Estamospreocupados com a destruição de todo o planeta.

Agentes Agroflorestais Indígenas, in Monte e Olinda(org), 2001 pág 67

Terras Indígenas Kaxinawá Seringal Independência, Baixo Rio Jordão, Rio Jordão e seu entorno.

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Através deste documento solicitamos a fiscalização doIbama para conter as invasões que há muito tempo vêmocorrendo em nosso território por parte dos moradoresda margem do rio Muru.Quando realizamos as caçadas em nossa terra,encontramos piques, acampamentos e outros vestígiosdeixados por caçadores de fora da TI, que além deestarem usando os nossos recursos naturais, estãocomercializando carne de caça no município de Tarauacá.Os jabutis são vendidos durante a noite nos portos deTarauacá. Uma das formas encontradas pelos caçadorespara despistar a fiscalização dos órgãos competentes éatravés do uso dos telefones que foram instalados àsmargens dos rios, certificando-se que não há fiscalização.São utilizados cachorros paulistas para as caçadas.Na certeza de contarmos com o Ibama para nos ajudara cuidar de nosso território, agradecemosantecipadamente. Estamos prontos a colaborar no quefor necessário e falamos em nome da nossa associação.ASPIRH – Associação dos Povos Indígenas Kaxinawáda Terra Indígena do Rio Humaitá.

ASPIRH e Agroflorestais, in Dias, 2001

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Marcos vivos e autodemarcação

Hoje foi dada continuidade ao plantio das mudas decastanha. Foram plantadas na estrada de seringa quevai até a colocação Rosa Branca 114 mudas, numaextensão de quatro quilômetros. Eu filmei desde o inícioa atividade de trabalho. Na parte da tarde, fiz entrevistacom alguns agentes agroflorestais sobre a atividadeque estavam realizando com o marco verde.

Adalberto Maru Kaxinawá, 2001

Durante o mês de novembro de 2001, os Kaxinawádas Terras Indígenas do Rio Jordão, Baixo RioJordão, Seringal Independência e Rio Breu inicia-ram uma ação política e agroflorestal até então iné-dita na história da Amazônia Ocidental brasileira:24 agentes agroflorestais Kaxinawá, acompanha-dos pelos assessores do projeto, abriram picadasdemarcatórias estreitas ao longo do perímetro desuas terras, buscando o mínimo de impacto peladerrubada de árvores. O trabalho ocorreu durantea IV Oficina Itinerante, com recursos do Imac e daAssociação Kaxinawá do Rio Jordão – ASKARJ,com apoio técnico da equipe da CPI/AC, por meiodo PDA, e de uma emenda parlamentar – ProjetoGestão Ambiental em Terras Indígenas do Acre.

Nessas picadas e em cla-reiras já existentes, pró-ximas ao limite demarca-do, plantou-se castanha(Bertholettia excelsa) eaçaí-touceira (Euterpeoleraceae), usando-semarcas de identificaçãoespeciais: padrões geo-métricos pintados nas ár-vores de ciclo longo situ-adas no perímetro da Ter-ra Indígena.

A estrada temaproximadamente cincoquilômetros de extensão.Participaram 29 pessoas notrabalho e nesse dia forampintadas 17 árvores com o

símbolo kaxinawá (kene) de três tipos: Mae Musha -“espinho de esperai”, Txeheberu- “olho de curica” e Kapehina - “rabo de jacaré”

Adalberto Maru Kaxinawá, 2001

Esta é uma prática que, uma vez consolidada e di-fundida para outras Terras Indígenas, terá um caráterde enriquecimento florestal de grandes dimensões.

As aberturas das picadas, sem a derrubada das árvores,foi uma ação inovadora: nas picadas abertas nas açõesoficiais de demarcação de Terras Indígenas no Brasil,são derrubadas todas as árvores, numa extensão de seismetros de largura.Os AAFIs fizeram a picada como uma longa estrada deseringa, um túnel aberto dentro da floresta bruta e osmarcos vivos foram plantados na clareira, dando um totalde 197 mudas de castanha da Amazônia e de açaítouceira, numa extensão de aproximadamente novequilômetros. Também na atividade de enriquecimento defloresta, no plantio de castanhas nas clareiras, os AAFIsplantaram 146 mudas nos varadouros, estrada de seringae estradas de caça, o que totalizou 343 mudas em 15quilômetros de plantio nas picadas e estradas.

Gavazzi, Renato Antonio, 2001

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Para se ter idéia, o simples enriqueci-mento com espécies florestais de inte-resse no perímetro demarcado de cadaárea indígena existente hoje no Acre, re-alizada em uma faixa de seis metros,equivaleria a 2.732 hectares de reflores-tamento. As sementes deste projeto es-tão lançadas, como as mudas de casta-nha e de açaí touceira plantadas.

No sexto dia do curso ocorreram práticas demanejo em três distintas áreas do Sítio CristoRedentor:Zona 1: Área do Morro, onde existe um SAFiniciado no ano de 1998, com algumasespécies em início de produção. Nesta área

ocorreu o plantio de quatromudas de castanha, 17 debacaba, plantio direto de 185 sementesde bacaba (no SAF e na trilha), e podasde formação em 61 árvores;Zona 2: Roçado Novo do AAFIJosimar, que está sendo implantadopróximo da sua casa e deverá ser onovo local de residência do agente. Nolocal foi realizado o plantio de oitomudas de castanha, seis de açaí-touceira, com estaqueamento e

cobertura morta em todos os plantios.Zona 3: Bananal Antigo, com cerca de três anos deimplantação e localizado do outro lado do rio Tarauacá.Este grupo executou o plantio de 57 mudas de açaí-touceira, oriundas de uma sementeira do Josimar. Todas

as mudas foram estaqueadas e as estacas pintadasde vermelho para facilitar a identificação. O uso datinta vermelha pretendeu destacar as plantas do modelodemonstrativo aproveitando galões de tintasremanescente da autodemarcação.Os grupos empregaram cavadeiras e terçados para oplantio, realizando as práticas de coroamento, coberturamorta com folhas e troncos em decomposição. Orendimento da atividade também foi associado àpresença de clareiras, locais escolhidos para o plantio.Em alguns casos, os AAFIs anelaram algumas árvoresde pequeno porte para proporcionar maior luminosidadepara as mudas.

Alcântara, Roberto, 2001

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AAFI utilizando marcas de identificação especiais “Kene” nas árvores de ciclo longo situadas napicada da autodemarcação da TI Kaxinawá Seringal Independência

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Por outro lado, conciliar o trabalho da IV OficinaItinerante com uma ação de autodemarcaçãoterritorial foi um processo de grande significado po-lítico para a formação dos AAFIs e seu desenvolvi-mento profissional, exemplificando na prática a fun-ção social de seu trabalho para o atual momentohistórico dos povos indígenas.

O curso ocorreu num momento importante para omovimento dos AAFIs kaxinawá do município do Jordão,que ganharam maior credibilidade junto aos seusparentes e à comunidade regional, com sua fortepresença em todo o processo da autodemarcação. Elesse organizaram para receber as três mil mudas decastanhas (Bertholettia excelsa) e 50 quilos desementes de pupunha (Bactris gasipaes) vindas de aviãode Rio Branco, transportaram do município ao sítio doAAFI Josimar, fizeram a repicagem das mudas,construíram os viveiros, cuidaram das mudas até aépoca do plantio definitivo nas picadas.O movimento dos AAFIs, uma moçada sempre commuita animação, foi também responsável pela

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organização de grande parte do evento daautodemarcação entre os meses de junho/novembro.Eles participaram ativamente nas brincadeiras de mariri,nas reuniões, nas aberturas das picadas, no plantiodos marcos vivos, na fixação das placas deidentificação, na distribuição das mudas de castanhaspara as comunidades das quatro Terras Indígenas edocumentaram em seus diários de trabalho.

Gavazzi, Renato Antonio, 2001

AAFIs levando mudas de açaí touceira e castanha da amazônia para plantar como marco verde na picada da autodemarcação

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ManejosNós não matamos tamanduá-bandeira porque ele édono de caça. Se você mata, caça vai embora.Nós usamos remédio para caça ficar mansa...Também nós não matamos jibóia porque ela atrai caça.Também quando jibóia está nesse lugar, a caça nãosai desse lugar.E também quando pessoa é muito panema, precisausar kãpu (veneno do sapo) para tirar panema dele.Quando essa pessoa pega queimadura do kãpu, caçafica bem macia.E também a gente usa remédio da mata. Esse remédiosó usa no olho, para tirar panema.

Pedro Tene Kaxinawá, in Idiazabal, 1998

Lei ambiental e saber ecológicoGrande parte dos povos tem sua história da do-mesticação de plantas e do aprendizado de seuuso, bem como do papel que entidades, encanta-dos, seres reais e imaginários desempenham noprocesso. Nesta cosmogonia, extinguir uma espé-cie ou perder sementes é uma perda na diversida-de biológica e cultural de irreparáveis conseqüên-cias.A floresta, com seus vários ambientes, rios,igarapés, lagoas é um só organismo. Ela produz ereproduz uma infinidade de espécies, muitas de-las utilizadas pelos povos indígenas. Esse uso sedá dentro de códigos que foram sendo erodidosjunto com a perda de territórios, a pressão das for-mas de ocupação e as mudanças ocorridas a par-tir das relações entre as sociedades indígenas e asociedade ocidental.Existe, por exemplo, um grande apelo à derrubadada floresta para a criação de gado, uma das ma-neiras de se obter a proteína animal necessária aosagrupamentos urbanos regionais. Mas, esta é umaatividade infinitamente menos sustentável do quea produtividade da fauna do próprio ecossistema,assim como exclui deste a própria floresta, de mododefinitivo.

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Eu vinha pesquisando dentro da toyota na estradatodos os desmatamentos. Só tinha cupim, porco egado. Tudo destruído, a floresta acabada com osrecursos naturais. Os solos estavam todos degradados.Também, vinha vendo que tinha muita máquina queestava fazendo a estrada, fazendo erosão no solo,estava acabando com os recursos naturais todosdestruídos nas estradas. Tinha muita poeira.

Macário, Francisco Kaxinawá, 2001

O papel dos AAFIs é ajudar a refletir sobre os códi-gos ordenadores de sua relação com o meio am-biente no passado e no presente, para dar-lhesnovo sentido diante dos desafios atuais e futuros.A tarefa não é fácil, tendo em vista a pressão domercado regional por peixe e carne de caça, ma-deira etc.

FaunaOutro problema delicado são algumas práticas in-dígenas atuais de caça e pesca incompatíveis comas taxas atuais de reposição da fauna em suasterras demarcadas, cercadas por alguns entornosjá bastante impactados. Dois exemplos rotineirossão o uso do tingui (arbusto venenoso) em certoscontextos como lagoas, eliminando espécies e fai-xas de idade naquele corpo d’água, e a caça comcachorro.

Reunião com todas as pessoas para discutir osassuntos mais importantes da aldeia. Um dos assuntosfoi do AAFI. Caçada com cachorro na aldeia. Se nóscontinuarmos a caçar com cachorro na aldeia, as caçasvão para bem longe. Se não caçarmos sem cachorro,as caças vêm para perto. Isso também é manejo dosrecursos naturais da floresta.

Erivaldo Biná Kaxinawá, in Miranda, 2001

Como as práticas de caça e pesca são parte dosmodos de vida e muitas vezes conectadas às fes-tas tradicionais, a discussão da sua sustentabili-dade é uma tarefa difícil e diplomática por parte doAAFI, uma vez que ele deve ouvir lideranças e ido-sos e outros membros das comunidades.

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Não chegamos para proibir o que a gente mesmo e acomunidade mais usa. O que a gente vem trabalhando,e é obrigação nossa, é fazer o plano de uso, para pensare usar nossa TI com sabedoria, sem destruir e semprejudicar a natureza. Porque muitas coisas queusamos da natureza estão correndo o risco de serextintas.O professor Aldenor me fez uma pergunta: — Como éque nós podemos fazer com a pessoa da comunidadeque causar dano ambiental, sabendo que está causandoo dano?Respondi que é por isso que nós estamos trabalhandona conscientização das pessoas, mas se a pessoanão quiser trabalhar com a gente, não quiser união, agente dá o exemplo.Por exemplo, se a gente tiver lago na aldeia, todospescarão na regra de pescar nesse lago. Se só umapessoa não quiser pescar na regra, pescar commateriais proibidos, não cumprir a lei, a gente dá outrolago para ele, e a gente fica manejando o outro. Com otempo a gente faz a comparação com que a genteestá manejando.Não adianta aquela pessoa sair da TI, mudar de aldeia,só porque a gente está trabalhando no manejo dosrecursos naturais. Vai ser pior, porque todas as TI doAcre estão com esse mesmo tipo de trabalho.

José de Lima Yube Kaxinawá, in Miranda, 2002.

A resposta dos agentes a essa questão tem sido aexecução de diagnósticos e levantamentos das es-pécies existentes em suas terras, bem como dosconhecimentos de uso de cada espécie e de suasinter-relações com os seres encantados, a culiná-ria, a fauna, a flora, estações e ciclos climáticos.Estes levantamentos estão sendo registrados nosdiários de trabalho e em publicações didáticas,como nos livros Ecologia da Floresta, 1996; Che-gou o Tempo de Plantar as Frutas, 1997; Cader-nos de Pesquisa, 1999 e Vamos Criar Peixes,1999.Por sua vez, o “banco de dados” que está sendocriado por esse trabalho coletivo sistemático e aatitude séria e investigativa dos AAFIs, suportam eencorajam decisões para planos de manejo, comoo de tracajá (Podocnemes unifilis), abelhas semferrão (Meliponideae), peixe etc.

A gente fez esse manejo de tracajá foi por uma preo-cupação que teve com o tracajá, que tava acabando.Tinha praia aqui que não subia nenhum tracajá. Hoje,pelo cálculo que eu fiz (...), tem uma faixa de 200 co-vas onde os ovos foram colhidos, fora as que o pesso-al deixou. Às vezes, acha um ninho de tracajá, tirametade e deixa metade, essa é maneira que a gentevem fazendo.(...). Hoje eu tô vendo aqui que temtracajazinho novo por tudo quanto é canto, tudo perto,no lago você vê um monte de tracajazinho...(...)A nossa preocupação é de trazer as colméias paradentro do Sistema Agroflorestal e depois fazer a divisãodelas. De 52, fazer 104 colméias. E essas colméias,nós vamos pegar elas daqui e vamos colocar de voltade onde nós tiramos elas. Então, a gente vai deixarelas em cada ponto desse lugar, e elas vão ter odesenvolvimento delas lá onde ela era antiga, que épra aquele lugar ficar com as mesmas abelhas. Elaveio de lá e vai ser devolvida pro mesmo canto. (...) Omaracujá, na época que eu plantei aqui, dava muitopouco fruto. Hoje, carrega demais, que a polinização édireto. Que a abelha uruçú-boi é muito grande, entãoela passa a polinização, pega muito pólen”.

Benki Piyãko Asheninka, in Freschi, 2001

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Todos esses planos de manejo estão baseados noconhecimento tradicional daquela sociedade pos-to em diálogo, por meio da reflexão feita pelo agen-te agroflorestal, com os saberes apropriados nassuas vivências em contextos regionais, e no seucontato mais sistemático com outros povos indí-genas, os assessores e docentes, sobretudo du-rante as ações de formação realizadas.

Agora que nós estamos formando e pensando maispara frente na Gestão Ambiental. Na minha terra, nãotem invasão, mas tem que prevenir, não deixar entrarninguém na área de proteção ambiental indígena. Sónós mesmos estamos usando madeira de lei, mognoe cedro, para fazer casas, barco de viagem e outrosmateriais. Mas ainda é muito pouco. Também osnossos recursos naturais são bastante, a caça, o rio,o peixe. Só o jacaré e tracajá, que tem mais pouquinho.Antes, no passado, tinha muito, mas quase acabaramcom tudo por não pensarem ainda em manejo dosrecursos naturais, como estamos fazendo agora.

Arlindo Maia Kaxinawá e Josias Pereira ManaKaxinawá in Freschi, 2001

Toda a complexidade do manejo indígena dos ecos-sistemas locais pode estar se traduzindo, nos pró-ximos anos, em códigos de ética e manejoambiental, registrados e divulgados a outros mem-bros de povos e comunidades indígenas. O que seespera desse processo são conceitos e códigosque contemplem a diversidade e as especificidadesda relação de cada povo com seu meio ambiente.

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Flora: a CasaVou contar uma história importante denossa preocupação com o futuro. Ondenós moramos, não temos o costumede fazer o manejo de palha paracobertura de casas. O pessoal derrubaas palheiras para tirar as palhas e cadavez estão ficando mais longe da aldeia.Demora uns 30 minutos, dá muitotrabalho e a gente fica enfadado decarregar as palhas. Agora o pessoal deminha aldeia está começando a fazeros manejos da palha.

José Sales Kaxinawá in Gavazzi,Renato (org), 1998

Se o contato com os seringueirosinfluenciou na arquitetura atual dassociedades indígenas da região, osmateriais e a estética da floresta reinam supremosquando o assunto é construir uma habitação. Cada

caibro, linha, barrote, ripa, assoalho e esteio usa-dos numa casa é, geralmente, madeira de qualida-de de uma árvore preferida para um uso específicona construção.Para discutir sobre os recursos naturais que suacomunidade utiliza na construção das casas, osAAFIs, em sua formação, sistematizam os conhe-cimentos que têm referentes aos recursos em sualíngua materna e em português, o que revela usos epreferências distintas e comuns entre os diversos po-vos presentes.Levantamentos dos recursos naturais usados naconstrução das casas em cada contexto são fei-tos de forma detalhada por cada um dos presen-tes, visando pensar o plano de uso:

A preferência por uma ou outra espécie pode vari-ar devido às especificidades dos saberes ecológi-cos de diferentes povos, aos seus valores estéti-cos e aos recursos vegetais disponíveis nos diver-sos ecossistemas.Na construção, o teto é obtido pelo uso de folhasde palmeiras como a jarina (Phytelephasmacrocarpa), uricuri (Atallea phalerata), jaci (Atalleabutyracea).A obtenção de palha equivale, no mínimo, a umdesfolhamento parcial ou, numa hipótese menos

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Manejo de palha para cobertura de casa - TI Kaxinawá SeringalIndependência

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Shovõ have mitxi hewi voro nea tii hiwi no shovo meskiLevantamento e diagnóstico da abundância dos recursos naturais para construção de casa

Espécies utilizadas (pelo nome regional) na construção de casas

Outros levantamentos feitos em contextos multiétnicos dos cursos de formação propiciam quadros comparativos

oN anikutaKmeemoN sêugutroPmeemoN asaCadetraP ITanoãçautiS

1 õixT agnariparuM oietsE otiummeT

2 akeseT arieopacuaP otnemirpmocahniL ocuopmeT

3 onaK arieopacuaP obiaC otiummeT

4 iwihakeV milegnA ohlaossa/pahniL ariedamatiuM

5 itetsemakeV milegnA ahnilararuges/petorraB ariedamatiuM

6 iwiheneK arieopacuaP ederap/pahniL uapotiuM

7 oterovohS arieopacuaP etopaC uapotiuM

8 itikhcokeT orietaluM adacsE ariedamatiuM

9 akeviwiH ordeC ohlaossA ariedamatiuM

01 enekiwiH ordeC ederaP ariedamatiuM

21 itopeK orietaluM alenaJ ariedamatiuM

31 atãasiapiaM abuixaP oãgoF ocuopmeT

41 iepõvehS icajedahlaP arutreboC odnajenamsomatse,ocuopmeT

51 iepepeH aniraJ arutreboC ocuopmeT

suruPotlAITáwanixaK etadaomaMIT/áwanimaJ etadaomaMIT/irenihcnaM

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arieopaC arieopaC arieopaC

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aniraJ aniraJ aniraJ

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abudnarassaM abudnarassaM abudnarassaM

orietaluM

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abúixaP abúixaP abúixaP

oãbuixaP oãbuixaP

arietiuqireP arietiuqireP

avaçaiP

arauqirauQ

iobedeugnaS

óbmiT

irucirU irucirU irucirU

Marcelino Rosa Metsa Katukina, TI Rio Kampinas in Freschi, 2000

In Gavazzi, Renato (Org), 1996

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sustentável, à derrubada da palmeira. Assim, alémde identificar e recuperar saberes tradicionais so-bre materiais usados na construção, o trabalho dosAAFIs é pensar que recursos florestais possam es-tar disponíveis hoje, amanhã e sempre.Com a constatação do crescimento demográficodos povos indígenas no país, novas formas demanejo devem ser desenvolvidas para que essesrecursos se mantenham também próximos e aces-síveis. Assim, o manejo das “palheiras”, como sãochamadas as palmeiras que fornecem material paraos tetos, é um trabalho bastante importante e exem-plar da ação dos AAFIs .

RegeneraçãoO manejo, conforme explicitado pelos agentes emseus diários, prevê o plantio e a regeneração depalmeiras em áreas de roça e quintaisagroflorestais, uma intensificação e uma adapta-ção do manejo tradicional ao contexto atual. Se jáexiste na área de coleta de palhas uma populaçãojovem em regeneração, e se as matrizes estãoidentificadas e serão preservadas, o manejo incluitambém a eventual derrubada de palmeiras velhase muito altas. Estas já são bem mais difíceis demanejar (pela própria altura) e, ao serem derruba-das, abrirão luz e espaço para a regeneração.

O grupo discutiu o significado e asdiferenças entre os tipos de extraçãodo recurso (...) e algunsacrescentaram ainda que nas áreasjá exploradas existem mudas depalheiras em regeneração. Paraessas mudas foi recomendada aprática de manejo com limpeza aoredor e evitar a presença de fogo.Foi reforçada a necessidade de sedeixar algumas árvores comomatrizes produtoras de sementespara garantia do processo deregeneração, inclusive nas áreasdistantes de onde atualmente acomunidade está retirando aspalhas. A comunidade tambémcitou dificuldades em realizar omanejo das palheiras de jaci, devido

à sua elevada altura, impossibilitando a subida nasárvores. (...).Em relação ao tema madeira, recurso que também estáse escasseando na área da aldeia, recomendou-se amanutenção e o manejo das espécies florestaismadeireiras nascediças do roçado, que poderiam serexploradas posteriormente. Nesse aspecto reforçou-se a utilidade de um viveiro para produção de mudasde interesse e também das espécies escassas, quepoderiam ser coletadas diretamente da floresta etransplantadas para o viveiro. Outras espécies tambémcitadas como escassas foram açaí, bacaba e buriti,todas de grande importância alimentar para a aldeia.

Roberto A. Tavares e Dias, 2000

A segurança é um ponto, uma vez que as copasde palmeiras são o hábitat preferencial de animaispeçonhentos, como cobras, aranhas e escorpiões.Devido à sua importância estratégica, o manejo depalheiras é tema de cartazes didáticos escritos nalíngua indígena.No geral, o trabalho com as palheiras demonstraque os planos de uso não são “cartas de inten-ção”, mas sistematizam e disseminam práticas es-timuladas pelos docentes dos cursos de formaçãoe pelos AAFIs na sua comunidade.

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18 de janeiro de 2001. Neste dia fui fazer uma pesquisana minha aldeia para ver como que acontece o meutrabalho. Primeiro eu fui a todos os roçados novos vendoo que estava acontecendo. Olhando os roçados, vi queo dono do roçado estava manejando as palheiras dejarina, madeira de lei, estava tudo nascendo no roçadodele e estava bem. Estava manejando todas asespécies de palmeira e madeira de lei. Agora nãopodemos ficar em dúvida do trabalho dele, fiquei muitosatisfeito com a comunidade da minha aldeia.

Manoel da Costa Silva Kaxinawá In Alcântara, 2001

Algumas dessas práticas de manejo, como a dapalha entre o povo Manchineri, foramintercambiadas entre os AAFIs nas situaçõesinterculturais propiciadas pelos cursos de forma-ção: os que dominam certo tipo de técnica de inte-resse para o manejo são incentivados a difundi-laentre aqueles que não a dominam.

Este ano demos continuidade às discussões iniciadasno ano passado sobre o manejo de palha para a

cobertura das casas. Nos primeiros dias de aulatambém participaram os 15 agentes de saúde nasdiscussões sobre a situação atual do uso inadequadodas palheiras em suas aldeias, pensando asimplicações dessa prática não sustentável na vida daspessoas. A contribuição dos Manchineri que vivem norio Iaco ajudou muito em tais discussões e na difusãoda nova prática. Este intercâmbio interno é umaimportante ferramenta para fortalecer a dimensãointercultural do trabalho pedagógico.Depois do relato de todos os participantes sobre asituação ambiental do uso das palhas em suacomunidade, iniciamos as atividades práticas demanejo. Começamos pela construção da escada edepois pela retirada das palhas de uricuri localizadasno Centro de Formação dos Povos da Floresta – CFPF.

Gavazzi, Renato Antonio, 1997

Os relatos sistematizados das práticas anuais demanejo de cada um dos AAFIs podem indicar onúmero de palmeiras manejadas, palhas (folhas)retiradas e o tempo que o serviço levou.

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Aqui na aldeia Lago Novo, construímos quatro casaseste ano. Teve uma casa que pegou 140 palhas, masnenhuma palheira foi derrubada. Outra casa pegou 300palhas e a outra mais 300. Mas nenhuma palheira foiderrubada. A gente constrói uma escada para poderpegar as palhas. Aqui é muito difícil para nós derrubaras palheiras de nossa floresta.

Zezinho Manchineri, in Gavazzi, 1997

A anotação da distância do ponto de colheita, dashoras investidas na tarefa e a destinação da palha,entre outros dados, também é sugerida pelos asses-sores, quando de suas visitas às aldeias, parte daestratégia de formação entendida como pesquisa.O manejo de palha deu subsídio para discutirtecnologias tradicionais de outros manejos pratica-dos pelos povos do Acre em relação aos recursosnão-madeireiros, como o das frutíferas:

Hati Bimi Nimeranua SheatiDiagnóstico do manejo e nível de abundância das frutíferas nativas na Terra Indígena

Josias Pereira Mana Kaxinawá, in Freschi, 2001

oN áwanixaKmeemoN sêugutroPmeemoN agepomoC ITanoãçautiS

1 ãsiireP abacaB rageparapodnaperT etnatsabmeT

2 ãsI áotaP rageparapodnaperT etnatsabmeT

3 ubehS irucirU oãhconageP etnatsabmeT

4 epeH aniraJ oãhconageP etnatsabmeT

5 iniX ájaraM aravmocageP etnatsabmeT

6 upeB uibA oãhconageP etnatsabmeT

7 aseP abmotiP oãhconageP sonemmeT

8 ibixtxI atópaS oãhconageP etnatsabmeT

9 ãnehS ágnI agepeohlagmocaperT etnatsabmeT

01 aneN ahnupuP ohcacoageP etnatsabmeT

11 uhsehS ájaC oãhconageP etnatsabmeT

21 enaN opapineJ oãhconageP etnatsabmeT

31 ãmuK orrefeduramuC oãhconageP etnatsabmeT

41 apaY iciruM oãhconageP etnatsabmeT

51 akuyãnaM açarA oãhconageP etnatsabmeT

61 ibuapãseN itubajeduacaC ocnortonageP etnatsabmeT

71 ibuN iuacaC ocnortonageP etnatsabmeT

81 hsuiB ohnipapineJ oãhconageP etnatsabmeT

91 itapuiP abuirauG oãhconageP etnatsabmeT

02 ãturuB ájucaraM ópiconageP etnatsabmeT

12 eaY anaroiB oãhconageP etnatsabmeT

22 xekeX irucaB rageparapodnaperT etnatsabmeT

32 ãhseduhsaxT uacaC rageparapodnaperT etnatsabmeT

42 ibiN ahnatsaC oãhconageP etnatsabmeT

52 amaP amaP rageparapaburreD etnatsabmeT

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Hati bimi nimeranua sheatiDiagnóstico do manejo e nível de abundância das frutíferas nativas na Terra Indígena

Francisco Macário Ibã Kaxinawá, in Freschi, 2001

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Manejo de frutífera nativa - Aldeia Nova Empresa TI Kaxinawá Bai-xo Rio Jordão

oN áwanixaKmeemoN sêugutroPmeemoN agepomoC ITanoãçautiS

1 aseP abmotiP épodatnujaaburreD ocuopmeT

2 ãramaP amaP épodatnujaaburreD ocuopmeT

3 hsuiB ohnipapineJ eboS ocuopmeT

4 ibixtxI atopaS épodatnujaaburreD ocuopmeT

5 anehS ágnI eboS ocuopmeT

6 ãsiãnaP íaçA eboS ocuopmeT

7 ãsI áotaP eboS ocuopmeT

8 ãmukiH ábotaJ épodatnujA ocuopmeT

9 eaY anaroiB épodatnujA ocuopmeT

01 ibuN iuacaC eboS ocuopmeT

11 uhsehS ájaC épodatnujA ocuopmeT

21 ibuapãseN itubajeduacaC épodariT ocuopmeT

31 epeH aniraJ épodariT ocuopmeT

41 ãsiireP abacaB eboS ocuopmeT

51 ãhseduhsaxT uacaC eboS ocuopmeT

61 iniX ájaraM oteridiaC ocuopmeT

71 xekeX irucaB époneboseaburreD ocuopmeT

81 ubehS irucirU uajodatnujA ocuopmeT

91 inaP urumruM eboS ocuopmeT

02 utuxtuN iataJ épodariT ocuopmeT

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Alimento para todos os seresda florestaEntre os vários cultivos que têm seu centro de ori-gem na América Tropical, a mandioca está para aagricultura indígena da Amazônia assim como oarroz está para a da Ásia. Lá e aqui, as espéciesforam domesticadas, aperfeiçoaram-se variedadese desenvolveram-se sistemas de plantio, colheita,processamento e estocagem.Embora a mandioca e outros tubérculos, juntamen-te com o milho, sejam fundamentais na culináriade grande parte dos povos indígenas, são igual-mente necessários outros componentes na dietaalimentar possibilitados pelo saber ecológico decada sociedade. Esta complementaridade, junto aoentendimento de que todos os seres da floresta cum-prem seu papel, é reforçada pelo manejo das roças

melhoradas, quintais, hortas, recursos florestais, caçae pesca.

Nós plantamos nossa macaxeira, banana, cará e nossabatata. É a parte que está nas nossas mãos. Estamosapoiando o plantio de frutíferas e achamos importanteeste trabalho. Precisamos plantar para aproveitar e levarpara frente e inteirar a nossa plantação, inteirar a nossacultura, nossa mesma e do branco. Acho importanteque mais para frente vai se criar uma mistura de sabor(...).

Francisco Pancho Kaxinawá, in Gavazzi, (org), 1998pág 18

A referida complementaridade, além do respeito aleis e critérios ecológicos e culturais para plantio emanejo, acabam por se estruturar em uma espé-cie de gradiente de ambientes:

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• as divisas da TI e a florestaprimária (ou áreas que já fo-ram cultivadas há mais de 50anos);• os roçados de diferentes ida-des, onde se pratica o enrique-cimento da sucessão com es-pécies de interesse;• os quintais agroflorestais, noentorno das habitações e dasaldeias, onde se encontramtambém os viveiros e as hor-tas.É, portanto, nos diferentes am-bientes de atuação dos AAFIsque são praticados, recupera-dos e gerados os saberes eco-lógicos.

FlorestaOs principais manejos praticados e incentivadospelos AAFIs consistem em substituir práticas não-sustentáveis, como a derrubada de árvores frutífe-ras prontas para a colheita, por sua identificação,proteção, coleta de sementes, produção de mu-das. Na publicação “Chegou o Tempo de Plantaras Frutas”, 1998 (págs. 24, 25 e 26), os levanta-mentos das frutas comestíveis da floresta produzi-ram na TI Kaxinawá Alto Purus uma relação de 64frutíferas utilizadas, seu hábitat e época de

frutificação, descritas pelo nome popular e pelo nomeindígena.

Além disso, desenvolvem-se os princípios de ma-nejo para espécies como o murmuru, de modo amanter a floresta sempre produtiva para todo o con-junto da vida que a forma.

O antigo proprietário não plantava muita fruta, o queele plantava mesmo era café. Agora estou pensandoem plantar tudo e, com o tempo, substituir essasombra por café com outras fruteiras. (...) Eu estoupensando em cultivar apenas 300 pés de murmuru. Euacho que cada pé de murmuru vai dar uns 15 a 20kgde côco. (...) Do jeito que está essa mata aberta, sevocê for deixar todos os que estão nascendo, cultivando,limpando, é como ele gosta e daqui a uns dois ou trêsanos ele está soltando murmuru (...).

Moisés Pianko Asheninka, In Freschi, 2001

Esse conhecimento também ajuda a embasar ou-tros planos de manejo de extrativismo de ProdutosFlorestais Não-Madeiráveis – PFNM, como é o casodo interesse crescente por sementes de mogno(Swietenia macrophyla) e outras árvores, por vivei-ros florestais e por empreendimentos de reflores-tamento.Outra prática na “zona de manejo” da floresta é ajá mencionada adoção dos marcos-verdes nas di-visas da TI. A prática, além dos aspectos políticos

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da demarcação territorialindígena, promove o enri-quecimento de clareiraspela introdução de espéci-es nativas da região ama-zônica que não são espon-tâneas em algumas dasTerras Indígenas do Acre,como é o caso da casta-nha-do-brasil (Bertholettiaexcelsa) e do açaí-touceira(Euterpe olearecea).Todas essas informaçõessistematizadas formam abase do manejo das espé-cies, tanto no próprio am-biente da floresta, como nasua introdução ouadensamento em roças equintais das Terras Indíge-nas.

RoçadosÉ a primeira vez que nós estamos plantando açaí nonosso roçado, daqui a seis anos o açaí vai dar muito, ébom alimento para nós. Até o tucano gosta de açaí, ojacú também gosta muito do açaí. Daqui a seis anosquando o tucano encontra o açaí ele vai ficar admirado,porque não tinha visto o açaí, ele vai ficar olhandovirando o bico dele. Até os nossos filhos nunca tinhamvisto o jeito do açaí maduro, mais adiante as bocasdas crianças irão ficar roxas de tomar o suco de açaí.

Josimar Pinheiro Kaxinawá, in Gavazzi, 1999

Com base nos dados coletados durante a assessoria,pode-se afirmar que o SAF do AAFI Josimar apresentauma densidade média de 2.142 plantas/ha e diversidadede 27 espécies/ha. Essas médias são expressivasquando se considera que há recomendações paraimplantação de SAFs com 800 indivíduos/Ha dediversidade de 12 espécies/ha. Este sistema estáimplantado em dois locais diferenciados em relação àtopografia, uma parte em cima de uma elevação e outraparte mais próxima da margem do rio. Mas, observandoa seqüência da área, percebe-se que da casa até omorro encontram-se áreas de manejo agroflorestal, a

exemplo da existência de sementeiras próximas de umanascente e cacimba (envolta pela vegetação natural),no sopé do sistema. Segundo Diário do AAFI, o mesmoiniciou o manejo da área no ano de 1996 por iniciativaprópria quando se mudou para o local. Inicialmente oAAFI vinha realizando somente o manejo florestal,preservando espécies de interesse madeireiro(mulateiro, freijó e mogno). Mas, após contato com oAAFI José Bane, da aldeia vizinha, obteve sementese iniciou o plantio de frutíferas. O AAFI já utilizamadeiras deste sistema, principalmente a espéciemulateiro para construção de telhados e outras obras.

Alcântara Roberto, 2001

O enriquecimento das roças é um contínuo do queé feito na floresta, porém com maior intensidadede intervenção. Nesse sentido, alguns pontos sãocentrais para analisar a importância e complexida-de do trabalho para os AAFIs. Primeiramente, estáa valorização, respeito e incentivo às relações des-ses povos com seu meio ambiente.

A agricultura indígena está, desde a sua criação,relacionada com os mitos de origem de cada povo. Aorigem dos legumes do roçado Kaxinawá está contadapela morte de um velho que queria ser útil a seus filhos

AAFI Josimar Txuã realizando plantiu direto de açaí touceira em roçado novo - TI Kaxinawá Seringal Independência

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e netos, que só comiam barro torrado e viviamreclamando de fome. Nesse caso, a morte do velhoestá relacionada com a vida, a fartura e o fim dafome.

Gavazzi, Renato Antonio, 1997

Muitos conhecimentos relacionados à origem desementes e de roçados foram objeto de levanta-mentos e de discussões nos cursos de formação.Trechos desses relatos foram reunidos nos livrospublicados pelo projeto:

O caçador rastejando viu na merda da anta um pé demilho já com espiga. Ele começou a olhar e pensou:– Rapaz acho que isto aqui é o tal de milho!Neste mesmo tempo, a anta deu um peido e falou queaquilo era milho.

Paulo Emidio Manchineri, 1996

Também é necessário o entendimento de que afertilidade das áreas de roça tem para esses po-vos forte significado cultural. Essa fertilidade deveser conservada na medida do possível durante operíodo de cultivos anuais e recuperada, comple-mentarmente, enquanto se instalam e começam a

produzir os cultivos perenes.Em suma, valorizar saberes tra-dicionais para conservar e recu-perar a fertilidade da área de in-tervenção (a roça), no ato daimplantação e ao longo do tem-po, é uma das chaves para queo sistema agroflorestal resultan-te seja produtivo.

Vou escrever contando a tradiçãoda sociedade Manchineri: de comose pede a força para o espírito dofogo, de como se chama o ventopara chegar com força até onde apessoa está chamando.O vento vem alegre como todoespírito. As pessoas são bemouvidas na hora de chamar anatureza. Ela não demora. Só que

a pessoa tem que ter fé, porque é a energia da naturezaque dá a boa plantação para quem pede. Por isso, nósManchineri, fazemos a imitação da natureza.No dia em que nós vamos queimar o roçado, essa forçajá está no roçado, local onde ela já foi chamada, e ficaaté as plantas ficarem maduras. Essa força é boa paranós. Até as plantas ficam alegres e com mais força.Por ter tanta força, as plantas têm cheiro de alegria.Reparem bem que o roçado novo tem cheiro denatureza, que ela foi chamada para ficar nos roçadosdas pessoas.Se não chamar a força do fogo e do vento, o roçadonão queima bem que preste. Também a plantação nãovai dar uma boa safra.Para não acontecer esses problemas, os Manchineri,desde o início da broca do roçado, tem sempre quetocar a música do roçado com uma flauta de taboca,para ir chamando de pouco a pouco essa qualidade deenergia. A gente toca a flauta assim: potlalalo, potlalalo,potlalalo...Essa música tocamos no início do roçado. É nessemomento que começamos a chamar a força danatureza.

Paulo Emidio Manchineri in Gavazzi, (org) 1998,pág 15

Outro ponto importante é a garantia tanto de recur-sos genéticos (mudas, sementes, estacas e ou-

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tras formas de material propagativo) quanto de umacúmulo de saber ecológico por parte dos AAFIs esuas comunidades para definir:

• a seqüência de espécies que serão introduzidas;• as que serão selecionadas ou estimuladas quandoregenerarem de maneira espontânea;• as que serão mantidas como fertilizadoras e posteri-ormente eliminadas;• as que serão eliminadas e em que fase do ciclovegetativo.Estes aspectos são pensados e trabalhados pelosAAFIs, apoiados pelas orientações do projeto, na me-dida em que se facilita a distribuição de mudas e se-mentes e a promoção do intercâmbio entre os diver-sos agentes em suas aldeias.Por exemplo, o AAFI Francisco Macário (Xipi) realizouduas viagens para fora do estado onde teve aoportunidade de conhecer povos de etnias diferentes,Terena no Mato Grosso do Sul e o Parque Indígena doXingu – MT. Conseguiu trazer sementes de algumasespécies. Uma das sementes foi semente do amendoimdo Xingu, que dividiu entre ele e a liderança. Hoje cada

um tem 100m2 de amendoim já quase no ponto de sercolhido.

Dias, Adriano, 2001

Assim, a introdução de espécies desejáveis, a for-mação dos consórcios e o direcionamento da rege-neração feitos de maneira a favorecer espécies inte-ressantes, são pontos importantes na sua formação.Além do saber ecológico que já acumulam, relacio-nados aos critérios e códigos culturais que organi-zam suas práticas, as informações e os recursosdos cursos e intercâmbios colaboram para o suces-so deste item.Um exemplo desse tipo de enriquecimento é a intro-dução de pupunha (Bactris gasipaes) em roças anti-gas. No passado, a espécie era plantada não apenascomo alimento, mas como reserva estratégica dematrerail para arcos. Hoje, ela é um auxiliar funda-mental na composição da dieta humana e animal,retornando à paisagem das aldeias e de seu entorno.

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Um outro aspecto desse trabalho é a complexa ta-refa de conservar a fertilidade durante o períodode cultivos anuais, permitindo uma regeneração dediversidade e fertilidade do solo das áreas derru-badas. Em áreas de florestas bem conservadas,com bastante matrizes e sementes, essa tarefa érelativamente fácil, bastando o manejo das espé-cies nativas. Em áreas mais degradadas, entre-tanto, a tarefa exige um esforço maior, como a in-trodução e o manejo de diferentes espécies comfinalidades específicas de fertilização e recupera-ção do solo nas diferentes fases da sucessão.O sucesso da tarefa de conservar e recuperar afertilidade das áreas de roça depende então de vá-rios fatores:

a) Quando a derrubada é pequena e está cir-cundada de floresta com abundante diversi-dade e oferta de sementes, a introdução deespécies com o fim específico de fertilizar,

como as leguminosas introduzidas, é poucoeficiente e, na verdade, desnecessária. Nes-se contexto, cipós, ervas, rebrotes de toco ea própria regeneração natural é muito efici-ente e rápida em cobrir o solo, uma vez quenão haja um esgotamento do banco de se-mentes na área da roça por uma capina total,que elimine toda a regeneração de modo per-sistente.

b) Quando se trata de roças instaladas a partirde capoeiras empobrecidas, a oferta em ter-mos de nutrientes e umidade está, muitas ve-zes, abaixo das necessidades dasleguminosas usadas para recuperação desolo em outras regiões do país. O que acon-tece em geral é que espécies mais rústicas,como gramíneas e outras ervas nativas, co-lonizam a área e impedem ou atrasam o de-senvolvimento das coberturas verdes insta-ladas. Isso ocorre porque a maioria das es-

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TI Mamoadate - Manchinere da comunidade da aldeia Peri, realizando o manejo comunitário no SAF.

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pécies utilizadas para adubação verde é es-tritamente heliófita, ou seja, necessita 100%de luminosidade. O que ocorre na maior par-te dos casos é que as leguminosas herbáce-as, trepadoras ou arbustivas anuais, bianuais,ou de ciclo curto, introduzidas para recupe-rar o solo, não sobrevivem à competição comas ervas nativas, muito mais adaptadas àscondições existentes. Mais adiante ainda te-rão sua possibilidade de produção debiomassa reduzida quando a regeneração deárvores e arbustos aumentar a sombra.

Essas constatações podem reforçar a noção do-minante entre os povos agricultores que baseiamseus sistemas em pousio de que é duvidoso plan-tar aquilo que a própria natureza providenciou pormilênios. Se este é um desafio para os AAFIs, qualtem sido sua resposta?

Eu perguntei ao prefeito de Thaumaturgo o que eletinha dentro do campo e ele me disse que só tinhacapim.Eu falei que estava faltando planta no meio do capim.Ele me perguntou:— Benki, o que é preciso ser feito dentro de meucampo?Eu falei: — Você precisa comprar mogno, copaíba,cedro, cumaru, e todo o tipo de madeira prá dar sombraao gado, e essa sombra precisa ser de madeiras de leipara que daqui há 10 anos você tenha aproveitamentodessas madeiras (...)No final do mês chegou um empregado da prefeituracom um recado para eu levar 300 mudas para aprefeitura comprar (...) Eu tinha aqui cinco mil mudasque eu mesmo fiz.

Benki Asheninka, in Freschi, 2001

Entre as respostas a este problema, os AAFIs têmrealizado a sistematização de espécies nativasrecuperadoras de solo. Superando muitas vezesas limitações das leguminosas “exóticas” e, even-tualmente, possibilitando outros usos, essas espé-cies nativas oferecem um campo aberto à investi-gação participativa. Como exemplo, valoriza-se a

identificação das árvores nativas de crescimentorápido e grande produtoras de biomassa, resisten-tes à poda, e que tenham outros usos, seja comoalimento ou material de construção. Um sucessomaior neste campo evitaria o plantio de espéciesexóticas que não tenham um aproveitamento dire-to, o que aumentaria sua popularidade. Muito pro-vavelmente, as melhores respostas a essas per-guntas estão na própria flora amazônica.Esse é mais um exemplo de como o trabalho dosAAFIs pode avançar longe da transferência de pa-cotes tecnológicos, mesmo os agroflorestais. Quan-do se opta por uma postura crítica quanto a qual-quer tipo de “pacote”, a riqueza da diversidade eco-lógica, cultural e econômica, bem como os sabe-res ecológicos locais, afloram e podem direcionare enriquecer em muito o trabalho. O ganho maioré a possibilidade de soluções inovadoras dadaspelos próprios povos indígenas por meio do pro-

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cesso de identificação de problemas e estratégiaspara o seu enfrentamento.QuintaisNos quintais de praticamente todas as sociedadesagrícolas do planeta se praticou a arte milenar dadomesticação de plantas nativas, além da adapta-ção de plantas exóticas ao novo ambiente. No en-tanto, nas regiões tropicais, a domesticação nãofoi apenas de algumas espécies, mas de toda uma“lógica” da floresta. Ou seja, em parte, se “domes-ticou” a floresta como um todo, e não apenas es-pécies isoladamente. Como isto se verifica na prá-tica dos AAFIs?Os quintais amazônicos, entre eles aqueles implan-tados por índios e seringueiros, foram sendo ma-nejados ao longo do tempo de modo a recomporuma versão “miniaturizada” da floresta. O resultadoé uma imitação da arquitetura, dos processos e demuitas das relações ecológicas que ocorrem na flo-resta.O trabalho dos AAFIs é também orientado para,intencionalmente, recriar, no espaço do quintal, al-

guns dos processos, consórcios e dinâmicas dasucessão de plantas, de forma a imitar o ambientenatural.A analogia com a floresta implica também acelerarou retardar processos. Quando necessário, poda-se para possibilitar maior entrada de luz, introdu-zem-se espécies e elimina-se um cipó ou erva queimpede o crescimento de uma muda. Ou, ainda fa-vorece-se, com adubação, determinadas plantasque interessam também aos seres humanos.

Acho muito bom plantar fruteiras para deixar herançapara meus filhos e netos. Se eu morrer não temproblema, todo mundo vai morrer, eu nasci paramorrer. Nós somos vida material. Os outros que ficamvão segurar a terra e não vamos sair daqui. Então aterra nossa é aqui e é aqui que precisamos plantar,porque o índio gosta de pupunha e de cupuaçu.Quando o índio vai à cidade, acha bom tomar suco decupuaçu, é muito bom! Agora já chegou até aqui. Anossa parte é produzir.

Francisco Pancho Kaxinawá, in Gavazzi, (org), 1998

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Além das espécies nativas locais, nos quintais tam-bém são introduzidas espécies nativas de outraspartes da Amazônia que não existem na região,bem como as “exóticas”. Neste espaço também éque as chamadas “trocas pós-colombianas são im-portantes, como é o caso dos cítricos (Citrus spp.),do tamarindo (Tamarindus indica), do coco (Cocosnucifera), do cajá-manga ou cajarana (Spondiasdulcis) e da jaca (Arthocarpus heterophyllus), en-tre outras espécies oriundas da Ásia tropical e dasilhas do Pacífico.Este é mais um elemento para a avaliação críticado agente, uma vez que uma espécie exótica podeocupar o nicho de espécies nativas com conseqü-ências desconhecidas para a fauna.

Relação das espécies do plantio do AAFI Francisco Macário (Xipi)

Freschi, Julieta, 2001

oN eicépsE odnategeV odnizudorP

1 )anaciremaaesreP(etacabA 3

2 )aecareloepretuE(ariecuotíaçA 06

3 )arginsubuR(aromA 2

4 )alyhporcamaioruD(íurupA 2 1

5 anotiezA 51

6 )abacabsupraconeO(abacaB 6

7 )singisniainotalP(irucaB 1

8 )asocumainilloR(ábiriB 9 5

9 )oacacamorboehT(uacaC 5

01 )elatnediccomuidracanA(újaC 92 91

11 )alobmaracaohrrevA(alobmaraC 81 1

21 )aslecxeaitellohtreB(lsarb-od-ahnatsaC 1

31 )areficunsocoC(aihab-ad-ocôC 21

41 )murolfidnargamorboehT(uçaupuC 54

51 )silitlasupracohtrA(oãp-aturF 9 8

61 )avajaugmuidisP(abaioG 65 65

71 )atacirumanonnA(aloivarG 16 93

81 ).ppsagnI(adulep-ágnI 2 2

91 )siludeagnI(ortem-ed-ágnI 83 63

02 ).ppsaiubebaT(êpI 23

12 )ailofirgetnisupracohtrA(acaJ 2

22 )sisneccalamaineguE(obmaJ 21

32 )ailofitnaruasurtiC(amiL 4 1

42 )ailofitnaruasurtiC(oãmiL 6

52 )acidniarefignaM(agnaM 31 1

62 )siludearolfissaP(ájucaraM 3 3

72 áotariM 1

82 )seapisagsirtcaB(ahnupuP 6

92 )silibonsurtiC(aniregnaT 1

03 )analleroaxiB(mucurU

latoT 454 271

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Viveiro de produção de mudas do AAFI Jaime Kaxinawá - TI Kaxinawá Baixo Rio Jordão

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Embora a introdução de es-pécies exóticas na agricul-tura e na culinária indígenaseja muito antiga em algu-mas regiões, não se deveperder o eixo principal dotrabalho dos AAFIs: a sus-tentabilidade. Nesse senti-do, além de manejarem se-mentes e mudas de plantasque antes não eram cultiva-das em hortas ou quintais,os AAFIs estimulam a recu-peração de plantas e comi-das tradicionais.Esse tipo de conexão cultu-ra-agricultura é uma cons-tante na formação e no tra-balho dos agentes, diferen-ciando-os da limitada idéiade serem responsáveis pela implantação de técni-cas agroflorestais em suas comunidades.

Viveiros e hortasFui visitar o AAFI Manoel da Costa, na Aldeia SãoJoaquim, mas quando cheguei na casa dele não tinhaninguém. Ele tinha ido trabalhar no viveiro. Então fuipara o viveiro e ele estava com o irmão regando asmudas. No viveiro tinha 62 mudas de açaí emsaquinhos, que estavam começando a germinar. Tinhatambém 32 sementes de caju semeadas nossaquinhos, mas ainda não estavam germinando. Faziapouco tempo que haviam sido plantadas. Outrasplantas que tinham no viveiro dele eram: cinco mudasde graviola, quatro de carambola e 17 de tamarindo.O plantio dele não estava organizado porque ele deixouo ajudante para tomar conta, quando ele foi para ocurso em Rio Branco, e o ajudante não fez o trabalhodireito. Também tinha muita praga no plantio que eramas formigas de roça e estavam estragando o plantiona sementeira, principalmente o açaí, a acerola e atangerina.

Francisco Macário Ibã Kaxinawá,in Alcântara, 2000

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Agentes agroflorestais mirim Asheninka brincando no composto

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Finalmente, viveiros e hortas constituem uma uni-dade referencial para a comunidade como um todo,complementando-se o trabalho do agroflorestalcom a participação das mulheres e crianças.Entre os Asheninka do Rio Amônea, por iniciativado AAFI Benki Pianko Asheninka, formaram-se os“Agentes Agroflorestais Mirins” envolvendo-se maisdiretamente os alunos da escola nas práticas deplantio de hortaliças e na construção e manuten-ção de viveiros.É nas práticas com viveiros e hortas, e na sua liga-ção com os quintais, que se discutem questões desaneamento ambiental e manejo, como:

• a qualidade e as exigências ecológicas dasespécies nativas e introduzidas;

• o controle de insetos e doenças;• os sistemas de plantio (roteiros técnicos);• os consórcios de espécies;• as técnicas de enviveiramento.

Para se implantar uma horta orgânica, primeiramenteobserva o lugar para preparar o terreno, que é sempreem lugar perto do lago ou perto do igarapé para quese possa regar, e que seja um terreno mais ou menosplano.Depois de escolher o terreno e limpar, a gente começaa preparar o canteiro para plantar mudas de cebolinha,que é de um metro de largura por 20 centímetro dealtura e o comprimento depende do tanto de mudasque for plantar. O mesmo tamanho é o canteiro parasemeio de coentro, rúcula, salsinha e outras hortaliçasde folhagem. A alface primeiro você faz a sementeiraenquanto se prepara o canteiro e quando as mudinhasestão com 10 centímetros de tamanho já podem sertransplantadas no espaçamento de 20 centímetros deum para o outro, fazendo isso sempre no fim da tardepara que as mudinhas não sofram muito.A couve é do mesmo jeito e pode ser transplantadano canteiro ou em covas ou berços bem adubados,sempre regando na parte da manhã ou no final datarde. Da mesma forma é também o tomate, faz osemeio indireto que é na sementeira. Outras espéciesque podem ser semeadas direto é o quiabo, a abóbora,o feijão e o pepino, com um metro de distância deuma cova para outra.

Raimundo Ferreira Kaxinawá in Dias, 2000 Horta orgânica - aldeia Jatobá - AAFI Ivanildo Manchineri - TI Mamoadate

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Aula prática - horta orgânica - IV Curso de formação dos AAFIs

Horta orgânica - AAFI Jaime Maia Kaxinawá - aldeia Nova Empresa - TI KaxinawáBaixo Rio Jordão

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É também no entorno da horta e do viveiro que sãogeradas, pelos diferentes agentes, juntamente comseus assessores, tecnologias apropriadas que vi-sam, entre outras coisas:1) Contornar problemas com formigas, animais do-mésticos (principalmente galinha, ovelha, gado eporco);

Os povos indígenas da Amazônia sempre conviveramcom o problema da formiga saúva no ataque de seusroçados, pois essa formiga está presente em todo oterritório brasileiro. Já dizia Mário de Andrade: “o maldo Brasil é ter pouca saúde e muita saúva”. Atravésde entrevista com os AAFIs, vimos que esses gruposacumularam através dos anos conhecimentos dealgumas técnicas tradicionais no manejo do controleda formiga saúva.

Gavazzi, Renato Antonio, 1999

Tingui de raiz os índios utiliza a raiz para fazer remédiopara as formigas de roça. Quando tem muita raiz detingui, nós arrancamos e pisamos no pilão depoismisturamos com fato (tripa) de tatu. Cavamos o buracoda formiga de roça e enterramos o tingui misturadocom o fato. Com o tempo, as formigas desaparecem.José Francisco Shane Kaxinawá, in Gavazzi, 1999O remédio natural para espantar a formiga de roça agente usa tripa de capelão, ou de tatu, ou de macacopreto. A gente coloca a cinza no buraco da formiga,tampa bem tapadinho que a formiga vai embora (...).Quando era criança, lembro do meu pai fazendo dessejeito. Eu, como sou agente agroflorestal, acho muitoimportante usar a nossa tradição para espantar asformigas de nossa plantação.

Francisco Ibã Macário in Gavazzi (org), 1999

O gergelim faz parte da cultura Kaxinawá e é utilizadoem alguns pratos típicos. Em conversas com pessoasmais velhas da TI, perguntei se nos roçados ondeplantavam o gergelim existia a formiga saúva. Algumaspessoas disseram que a formiga gosta muito decarregar as folhas do gergelim e depois desaparecem.

Dias, Adriano, 2002

2) Aumentar a germinação e a sobrevivência demudas;

As sementes de coco-da-bahia foram encanteiradasembaixo do jirau da casa do AAFI José Nilson, numlocal de umidade permanente. Essa técnica vemsendo usada na Terra Indígena Rio Jordão, epossibilitou às sementes um bom índice degerminação. Também colocamos uma cerca demadeira roliça protegendo as sementes quanto àinvasão de suínos.

Dias, Adriano, 2002

3) Melhorar a polinização;

Por que nós tivemos a preocupação com a fauna, comas plantas para sempre deixarmos um, dois, três ouquatro cachos de murmuru, para que os besourinhosnasçam de novo, para podermos ter a polinização,porque são eles que fazem a polinização.

Benki Asheninka, in Freschi, 2001

4) Identificar plantas, materiais e sistemas de adu-bação orgânica;5) Identificar plantas para podar e cobrir o solo;6) Desenvolver formas de plantio e poda de plan-tas (árvores e trepadoras, como o maracujá) pararegular o sombreamento.

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Assim, toda a atividade realizada nas hortas e vi-veiros, além de contribuir para a educação ambi-ental, alimentação e saúde, é um aprendizado empequena escala do que será feito em maior escalanos quintais, roças e no manejo da floresta comoum todo.

Eu, juntamente com cinco alunos, e o assessorAdriano, tivemos observando a horta construída pormim. Observamos que a horta não está melhor, porquepara o pepino estava faltando tutoramento, o tomatedeveria ter sido plantado em covas, a berinjela, acenoura e a alface estavam com espaçamento muitojunto, e também a alface passou da época de sercolhida. Também acho que faltou manejo por partedo AAFI e da minha comunidade.Também foi a primeira vez que plantei algumassementes como berinjela e tomate. E tambémaconteceu isso não foi por falta de meu interesse: foipor eu estar cuidando de outros trabalhos comolimpeza do roçado e outros.

José Nilson, in Dias, 2002

Agrofloresta como sistemaSe a ciência ecológica atual entende a floresta e opróprio planeta como uma teia de organismos inter-relacionados que respondem como um “macro-or-ganismo” ou um grande bioma, existe uma clarezajá tradicional dos povos indígenas sobre a cone-xão profunda entre flora, fauna, seres humanos eentidades e seres da floresta.

As discussões ambientais desenvolvidas com os AAFIssobre os recursos naturais têm o ponto focal nos mitosque essas sociedades elaboraram, ao longo de suahistória, relacionados com a preservação e aconservação do meio ambiente. Por exemplo, as regrasde controle da caça estão no mito do caboclinho da mata.O caboclinho da mata controla e defende as caças nafloresta, e o caçador que mata mais do que necessárioé penalizado pelo caboclinho da mata.As mensagens dos mitos relacionadas à preservação econservação são trazidas para os dias atuais ediscutimos tais “lições” para os homens e mulheresresponsáveis pela conservação e preservação doplaneta para as futuras gerações.

Gavazzi, Renato Antonio, 1997

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Manejo comunitário de SAF dos Manchineri da aldeia Peri - TI Mamoadate

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Sabe-se também que matas ciliares conservadase ricas em frutas significam rios, igarapés e lagoasplenas de peixes, tartarugas e seus predadores.Enfim, o eixo para o manejo de caça e da pesca é,além de uma ética em termos de quantidades, ta-manho/idade, épocas e locais, propiciar alimento paratodos os seres da floresta.

A gente pesca muito, mas só leva os peixes graúdos.A gente não bota tingui no rio e nem no igarapé, porquetem a mãe d’água, é ela que não deixa matar muitopeixe. Se a gente pega muito, ela fica com muita raiva.Por isso que a gente não pega muito peixe, por issoque nós não pescamos muito. Porque mãe d’águanão deixa matar os peixes.

Benjamim Txashu Manchineri, in Dias, 2001

Reconhecidas as diferenças de saber eco-lógico e agrícola de cada povo e de cadaregião, é necessário compreender que exis-te hoje um novo contexto em relação aos recursosalimentares, implicando em intensificação de usoda terra e dos recursos. Também, do mesmo modoque palhas e madeiras são crescentemente deman-

dadas e manejadas, todas as espécies utilizadasneste gradiente que vai da floresta à horta, tam-bém seguirão em aumento de demanda. Assim,outra grande tarefa que cabe aos agentes e aosseus processos de formação, é buscar identificarnas práticas agroflorestais onde está o ponto deequilíbrio entre o aumento da demanda e a capa-cidade de obtenção do recurso desejado, de modosustentável, dentro e fora dos limites das TerrasIndígenas.Atualmente, o foco principal do trabalho são as prá-ticas agrícolas e florestais que visem garantir a sa-tisfação de necessidades familiares, em níveis deabundância que permitam algum excedente, ren-da e, conseqüentemente, a possibilidade de satis-fazer também a demanda por alguns produtossemi-industriais apropriados. Um fracasso em equi-librar a demanda por produtos externos, a capaci-dade de auto-abastecimento e de geração de ren-da inclinaria a balança para o modelo do gado e dapastagem. Tal opção acabaria por enfraquecer eminar a base ecológica e a própria sobrevivênciacultural desses povos.

Realmente, é uma coisa pequena, mas vale muitomais do que um saco de farinha. Um saco de farinhacusta R$ 10,00 (dez reais), e um saco de murmurucusta R$ 12,00 (doze reais). O que é melhor? Vocêderribar a mata para plantar macaxeira, ou vocêplantar só para a sobrevivência e depois coletar ali, oque tem de coco para você vender?

Benki Asheninka, in Freschi, 2001

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Neste sentido, são muito im-portantes as experiências deextrativismo sustentávelcomo a da Associação doPovo Asheninka do RioAmônea – APIWTXA, no seutrabalho com o murmuru(Astrocaryum murumuru),com a subseqüente extraçãode seu óleo e a agregaçãode valor na forma de sabo-netes e outros produtos. Ex-periências como esta naAmazônia indígena estão cri-ando as bases de umextrativismo novo e diferen-te do sistema do seringalistavigente até então, no qual adesconexão do coletor com oecossistema e com seus pares é pressuposto dolucro e da acumulação.

Passou um ano, dois, três anos até que conseguimosvender o murmuru, entramos com 500 toneladas demurmuru dentro da Empresa Tawaya. Não foi só nossacomunidade, mas a Reserva Extrativista do Juruá,RESEX, e vários municípios como: Cruzeiro do Sul,Rodrigues Alves, Porto Valter, Thaumaturgo, todosestes municípios trabalharam na coleta de coco demurmuru, e tudo foi iniciado aqui.

Benki Asheninka in Freschi, 2001

Ao contrário, o extrativismo sustentável procura es-tar assentado em atividades comunitárias, ser auto-gestionado, ter sua base no diálogo entre saberestradicionais e os novos saberes reinterpretados, in-corporando a educação ambiental como ferramen-ta. Talvez resida neste caminho a possibilidade decriação de um presente possível, tanto para os po-vos indígenas como para os demais habitantes daregião.Os desafios são muitos e acompanham as oportu-nidades. Várias iniciativas de incentivo à implanta-ção de Sistemas Agroflorestais têm falhado na fase

do diagnóstico de espécies e sistemas, em funçãode uma leitura compartimentalizada, que privilegiaapenas aspectos ecológicos ou econômicos ou cul-turais. A falta de uma visão mais abrangente e in-tegrada cria falsas expectativas de lucros fáceis,colheitas que não podem ser comercializadas ouprocessadas por falta de infra-estrutura, ou umademanda de mão-de-obra não disponível, geran-do conflitos nos sistemas tradicionais.

O ponto positivo é que os AAFIs têm como meta aparticipação ativa de suas comunidades em suastarefas diárias, e sua leitura dos Sistemas Agroflo-restais deve comportar todas as dimensões cita-das. Assim, a composição dos SAFs não parte deum pacote elaborado para uma difusão ampla, noclássico esquema de “transferência detecnologias”, mas sim de sua passagem por umfiltro cultural, ecológico, econômico e social. Semdúvida, o componente “autoria”, que marcou o iní-cio do trabalho com professores indígenas é es-sencial para definir o perfil da formação dos AAFIse sua própria atuação nas aldeias, bem como osresultados futuros de seu trabalho.

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A formação dosAgentesAgroflorestaisIndígenas

Estratégias e AçõesNão é simples a tarefa de desenvolver um tipo deformação profissional que contribua para que mem-bros dos povos indígenas (entre eles, liderançasjovens e velhas, agentes agroflorestais, professo-res, agentes de saúde, mulheres, crianças etc.)possam enfrentar as tarefas e os desafios aqui dis-cutidos. As estratégias escolhidas pelas socieda-

des indígenas envolvidas no projeto, seus aliadose assessores, entre outras, são:

• formação de jovens e adultos indígenas emdiversas frentes, como a saúde, educação,agricultura e meio ambiente, que devem serarticuladas entre si, mas também específi-cas a seus campos de estudo;

• articulação e busca de apoio nas próprias co-munidades e nas demais sociedades indíge-nas para as ações desenvolvidas;

• articulação e busca de apoio nos setores go-vernamentais e não-governamentais cujosprincípios e objetivos coincidam com os queorientam as comunidades indígenas.

• As ações que viabilizam todo esse processodemandam um conjunto de condições de tra-balho que podem ser resumidas em:

• estruturação pedagógica adequada e sem-

VI Curso de Formação dos AAFIs - Centro de Formação dos Povos da Floresta

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pre renovada para a formação dos AAFIs;• reunião de recursos humanos indígenas e

não-indígenas comprometidos com os prin-cípios e objetivos políticos, éticos-culturais for-mulados e praticados no processo;

• viabilização de infra-estrutura para a forma-ção, assessoria e concretização de ações pe-los agentes;

• criação de estrutura de sistematização, ava-liação e intercâmbio de informação;

• disposição de estrutura administrativa elogística que possa apoiar e executar asações necessárias.

Cada um destes pontos é uma história de luta ecooperação e muita construção coletiva.

Proposta pedagógicaA proposta pedagógica da formação dos AgentesAgroflorestais Indígenas teve o caminho pavimen-tado pelo princípio da educação intercultural for-mulada e desenvolvida no país nos últimos anosem contextos indígenas.

A pesquisa e a sistematização dos conhecimentostradicionais das populações indígenas são feitas nodiálogo crítico com saberes de outras culturas, quetenham relevância e sentido cultural, ambiental esócio-econômico nos contextos em que serãopensados e aplicados.

Monte, Nietta Lindenberg, (org), 2000

Para tornar possível pôr em prática este princípio,foram desenvolvidas quatro modalidades inter-re-lacionadas de ação pedagógica para a formaçãode AAFIs, integrando atividades no Centro de For-mação dos Povos da Floresta àquelas realizadasnas aldeias. As modalidades são cursos, assesso-rias técnicas, oficinas itinerantes e intercâmbios.Os cursos de formação ocorrem em um espaçoformal, o Centro de Formação dos Povos da Flo-resta. Têm natureza essencialmente intercultural,pois neles os diversos agentes interagem, confron-tam e articulam, com a mediação dos docentes,saberes oriundos de suas práticas em contextossócio-culturais diversos. Já as modalidades da for-

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mação – assessorias, oficinas itinerantes e inter-câmbios – ocorrem nas Terras Indígenas, no coti-diano da vida produtiva, social, no contexto da cul-tura familiar e comunitária. Ali, enquanto desenvol-vem a profissão, pensam o seu fazer a partir deseu saber cultural e o de outros, geralmente suacomunidade, e, extraordinariamente, assessoresou visitantes. Em seguida, os agentes trazem paraas situações de formação os registros do saberacumulado na experiência de seu cotidiano, de for-ma a articular prática e teoria, conhecimento pes-soal e conhecimento coletivo, saber cultural e sa-ber intercultural. Estes são mais uma vez modifi-cados e ampliados ao serem comunicados aos ou-tros, docentes, assessores e outros agentes de va-riadas aldeias e etnias.Detalhamos a seguir algumas características des-ses tipos de ação pedagógica constituintes da for-mação dos AAFIs.

Cursos Intensivos no Centro deFormação dos Povos daFlorestaDesde o início da proposta, oito cursos dessa na-tureza já foram oferecidos, um a cada 12 meses,sendo esta a ação que deu início cronologicamen-te às demais ações do projeto.Os cursos ocorrem no Centro de Formação dosPovos da Floresta, área rural de posse da CPI/AC,nos arredores de Rio Branco, com duração de cer-ca de sete semanas, 300 horas. Neles, os agen-tes agroflorestais de povos e regiões distintas reú-nem-se para estudar e discutir problemáticas liga-das à sua área de atuação e ao seu contexto his-tórico com outros agentes, docentes convidados ecom a equipe da CPI/AC.

Cada curso conta com a participação aproximadade 20 a 40 pessoas, normalmente aqueles que re-alizaram os cursos anteriores ou as oficinas

itinerantes, e que foram apontados pela comunida-de para assumir tais tarefas.Os cursos têm ênfase em aulas práticas de ondese vão extraindo relações e inferências, idéias datradição cultural dos presentes posta em contatocom outras idéias, em atividades diversas como omanejo de modelos demonstrativos implantadosno Centro, as oficinas dedicadas às artes e aosofícios, o conhecimento e a produção detecnologias alternativas, as pesquisas e os levan-tamentos de recursos naturais utilizados pelas so-ciedades indígenas presentes.

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IV Curso de Formação de AAFI - Aula prática enriquecimento de SAF

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V Curso de Formação de AAFI - Aula prática - horta orgânica - Compostagem

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Oficinas itinerantesTambém são importantes modalidades de forma-ção as denominadas “oficinas itinerantes”, realiza-das pelo projeto de forma sistemática ao longo doano como forma particular do trabalho de campo.Nesta ocasião, membros da equipe do Setor deMeio Ambiente, em ações planejadas, oferecemcursos por três a quatro semanas no próprio con-texto de trabalho dos AAFIs, com cerca de 120 ho-ras. Essas oficinas ocorrem em algumas das Ter-ras Indígenas e atendem a um grupo específicodos AAFIs, de um mesmo povo. Beneficia normal-mente também a outros membros da comunidadeque se juntam ao grupo, como por exemplo profes-sores, agentes de saúde, alunos das escolas indíge-nas e outros da comunidade.Oferecem a possibilidade de tematizar o contextosocioambiental onde são realizadas a oficina e asatividades dos agentes ao longo do ano, usando-as como cenário e parte do currículo:

A aulas foram dadas em um bonito kupixawa,construído próximo a uma capoeira que foi enriquecidanesse curso com várias espécies de árvores epalmeiras.Discutimos a necessidade de uma família Kaxinawámorar na boca do igarapé Arara como estratégia paraconter as invasões na Terra Indígena SeringalIndependência.O curso também possibilitou reflexão e discussãosobre a nova categoria do agente agroflorestal, seusdeveres e sua função junto à comunidade.

No período em que estivemos durante o curso noseringal Independência todas essas atividades foramacompanhadas de muitas manifestações eexpressões culturais dos Kaxinawá, os agentesagroflorestais realizaram quatro festas de mariri.

Gavazzi, Renato Antonio, 1999

Grande parte dessas oficinas tem como conteúdoos problemas enfrentados pelos AAFIs no traba-lho com Sistemas Agroflorestais, as ações de vigi-lância, a organização política da categoria, assimcomo as práticas de discussão juntos aos profes-sores, agentes de saúde, alunos, parentes em ge-ral nos contextos de aldeia.São importantes momentos de co-gestão entre oprojeto e a comunidade, que entra com alguma im-portante contrapartida, demonstrando aqui seu altopoder de participação e mobilização.

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Aula de cartografia - Diagnóstico sócioambiental da TI Mamoadate

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A IV Oficina Itinerante foi realizada no sítio do AAFIJosimar Txuã, pessoa responsável em receber e cuidardos participantes da oficina. Sua casa fica dentro de umbonito Sistema Agroflorestal implantado no ano de 1996e vem sendo manejado e ampliado por ele e sua família.A escola que foi construída por Josimar dentro de seuSAF para receber os participantes da oficina, recebeu onome de “Escola Ambiental Castanhal” devido ao grandenúmero de castanhas plantadas por ele.Josimar mostrou muito trabalho e esforço para poderreceber e realizar a oficina em sua casa: além de construira escola, trabalhou na construção de três privadas, fixoualgumas lixeiras ao redor de sua casa e escola.Com toda a dificuldade de deslocamento devido àsgrandes distâncias de uma comunidade à outra, àprecariedade na comunicação e no transporte, a OficinaItinerante foi um sucesso de público: conseguiu reuniros 24 AAFIs no sítio Cristo Redentor, mostrando a forçadesse movimento. Os AAFIs se organizaram para sairde suas comunidades, alguns trouxeram suas famíliase chegaram no local da oficina através de longascaminhadas, viagem de balsa, varejando em pequenoscascos e barco a motor.

Gavazzi, Renato Antonio, 2001

AssessoriaAs visitas dos assessores aos AAFIs são momen-tos essenciais da formação, tanto para incrementara continuidade dos trabalhos práticos e dos levan-tamentos, estudos e pesquisas que estão sendofeitos, como para o acompanhamento das açõesimplementadas na Terra Indígena. Elas são um mo-mento especial dentro do processo de formaçãoem que as formas próprias de agir e pensar decada comunidade e seu AAFI, em cada contextoespecífico, são melhores conhecidas pelos asses-sores e pelo projeto, e buscam garantir o apoionecessário à continuidade de sua ação nas aldei-as.

O assessor vê o ponto de vista da comunidade e acomunidade vê o ponto de vista do assessor. Entãotem esse trabalho de parceria, para não deixar corrermuito solto.

Manuel Sabóia Kaxinawá, in Dias, 2002

Todos os AAFIs que estudam nos cursos do Cen-tro de Formação recebem uma assessoria anualpelos membros da equipe da CPI/AC. Durante essavisita é estimulada a participação de outros mem-bros da comunidade.

No trabalho com AAFI e o assessor Adriano, fizemoso enriquecimento do SAF. Na segunda parte da áreade capoeira levamos algumas mudas para fazer osplantios em lugar definitivo como: açaí-touceira, buriti,patoá, acerola, amora e cupuaçu.Para fazer esse plantio, roçamos 14 estradas juntocom comunidade, 12 pessoas junto com o AAFI e oassessor na aldeia São Vicente.

Manoel Saboia Kaxinawá, Dias, 2002

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Alunos Katukina participando da assessoria - TI Campinas

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Cada viagem de assessoria envolve uma articula-ção considerável de pessoas, entidades e planeja-mento cuidadoso. AAFIs, lideranças indígenas enão-indígenas são contatadas; recursos para des-locamento são alocados. Geralmente as viagensde campo são feitas por barco e em períodos demais de 30 dias com grande esforço e capacidadede mobilização de todos.Materiais e ferramentas, mudas, sementes, mate-rial didático, combustível e um sem-número de ou-tras essencialidades que escapariam aos olhosdesavisados, compõem a lista final que levará oassessor até as aldeias. Nas assessorias, varia-dos aspectos do trabalho dos AAFIs são acompa-nhados pelo técnico ou pela técnica encarregadosda continuidade da formação.

Eu recebi a assessoria da Julieta, ela foi lá para passardez dias pra me ajudar a fazer o levantamento dosmeus plantios, lá das minhas fruteiras, levou algumassementes também. Não deu pra fazer tudo, mas foimuito bom eu ficar sabendo pelo menos de quantasqualidades, quantas espécies de coisas que eu tinhaplantado, até mesmo ao redor de minha casa, muitascoisas que tinha ali.Fizemos algumas mudas, trabalhamos com ascrianças durante dois dias, participamos daassembléia da nossa comunidade, e depois fomoscoletar sementes lá dentro da aldeia, também, frutas,um outro plantio de SAFs em cima de onde a gentemorava na primeira aldeia e depois ela retornou paraa TI Kaxinawá do Humaitá.

Benki Asheninka, in Freschi, 2001.

Os assessores ajudam a pensar estratégias como AAFI e demais lideranças para resolver situa-ções relacionadas ao trabalho, sistematizar as ano-tações dos “diários”, orientar continuidades e mo-dificações necessárias em atividades que estãosendo realizadas. Ao mesmo tempo, mantém-se oprincípio básico do diálogo, da participação e dainterculturalidade, de modo a não induzir o proces-so, o que tornaria a assessoria uma espécie demedicina que cria dependência, ao invés de darpoder (empoderar).

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Plantiu de semente da castanha da amazônia no jirau - aldeia Mucuripe - TI KaxinawáPraia do Carapanã

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AAFI Xipi orientando alunos da aldeia Nova Fronteira a encher saquinhos - TI Alto RioPurus

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AAFI trabalhando com os alunos da escola katukina - Atividade prática de canteiro

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Redes e intercâmbiosFinalmente, a formação é complementada por vi-sitas de intercâmbios entre os agentes e outrospovos indígenas e/ou projetos afins incentivadoscomo parte da formação, integrando-se à propos-ta curricular como uma espécie de “Conhecimentoem Rede”.Alguns destes intercâmbios são iniciativas dos pró-prios agentes:

Essa idéia foi em cima de uma necessidade dopessoal. Porque aqui toca muito songari (a flauta) e ototama (bambu que faz a flauta).(...) E eu fiqueiperguntando onde que existia esse bambu (...) era nacabeceira do Juruá, sete dias de viagem de motor atéo Peru, comunidade Victoria tem uns 170 Asheninka.Cheguei lá e fiquei parado (...) Eu pensei “meu Deusdo Céu” (...) Todo tipo de bambu, e não tem espinho.(...), mas com esse projeto do PDA, eu estou pensandoem levar a turma de mirins (Agentes AgroflorestaisMirins) e irmos até a última comunidade Asheninkado Juruá para coletarmos as três espécies dosmelhores bambus para fazermos as flautas eplantarmos aqui na nossa comunidade. E essa flecha,que não existe aqui na nossa região só existe ondetem guerreiros Asheninka. Isso no rio Ucaiali, lá aindaexiste esse tipo de flecha.

Benki Pianko Asheninka, in Freschi, 2001.

Outras visitas são intercâmbiosplanejados e subvencionadoscomo parte do apoio dado pelaRede Latino-Americana de Coo-peração, apoiados pelaRainforest Foundation, da Noru-ega, em que se visitam experi-ências similares de Organiza-ções Não-Governamentrais noBrasil e na América Latina. Es-sas viagens são sistematica-mente registradas em relatórioscom observações aguçadas,

numa perspectiva de identificar as analogias e di-ferenças por meio das comparações entre sua pró-pria realidade e aquela visitada:

Na minha viagem à Bolívia, fui na beira do lago ver aquestão do lixo. Vi uma fossa de lixo, mas mesmoassim tem muito lixo na beira do lago, vi até pilha naágua do lago.

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AAFI Francisco Macário e professor Ibã visitando o viveiro de produção de mudas do agente demanejo do Parque Indígena do Xingu - PI Diauarum - MT

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AAFI Xipi participando do Seminário Experiêcias e Trabalhos comPovos Indígenas no Manejo Florestal - Iquitos - Peru

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A água que eles bebem é uma água que vem damontanha. A floresta tem mais ou menos uns 50 pésde pinheiro na subida da montanha, em frente à aldeia.Perguntei para saber se é plantado ou nativo, ele falouque era nativa.Na agricultura, não vi ninguém trabalhando hoje, porqueé domingo, mas vi muitos terrenos preparados paraplantio. É em um local muito pequeno que eles plantam.Tem que pegar terra de outro lugar, porque só é pedra.Os tipos de legumes plantados pelos índios, eu não vios legumes, mas me falaram que plantam alfafa,batata, milho, quinua etc. Os animais silvestres queeu vi foi o paturi, socó e mais ou menos cinco espéciesde pássaros. Os animais domésticos que eu vi foramgalinha, ovelha, gado, lhama e burrico.A situação da agricultura é um pouco difícil, porquetem mais pedras que a terra que a gente planta nela.Eles plantam na beira do lago e fazem degraus nasmontanhas que eles chamam de terraça. Eles pegamum pedaço de terra e tem que pegar terra de outrolugar. Desmancham os torrões de terra que pegamcom o boi ou com a mão mesmo. Fazendo assim, jávai virando terra fofa para plantar (como a gente fazcanteiro)...

José Lima Kaxinawá, 2001

Outros intercâmbios são proporcionados pela par-ticipação dos AAFIs em fóruns latinos de discus-são sobre Manejo da Floresta Amazônica:

Eu fui num seminário em Iquitos, noPeru, com apoio do ProgramaRegional de Apoyo a los PueblosIndígenas de la Cuenca delAmazonas – PRAIA, sobre manejode recursos naturais, com váriospovos indígenas do Peru e de outrospaíses. Achei muito importante todosos povos indígenas organizando seutrabalho, com preocupação do seuterritório, de sua terra e de sua cultura,para trazer a cultura mais forte comsua energia tradicional dacomunidade.

Francisco Macário Kaxinawá, 2001

Os conteúdos daformaçãoAs seguintes unidades vêm constituindo os cur-sos de formação numa perspectiva de construçãopermanente da proposta, entendida de forma ex-perimental e piloto:

1. Fundamentos políticos dafunção do AAFI:

• organização e representação política dosAAFIs;

• princípios e diretrizes profissionais;• vigilância e fiscalização;• crimes ambientais e legislação ambiental.

Além dos aspectos da formação relacionados à vi-gilância e à gestão territorial, já comentada em ca-pítulos anteriores, considera-se importante a orga-nização dos agentes como categoria profissionalespecífica, formando entre eles um sentido de co-letividade e movimento político, ao mesmo tempoem que se estimula uma maior integração com acomunidade de que são parte.Sobre os princípios e diretrizes profissionais, sãointeressantes as discussões feitas pelos AAFIssobre sua função e qualidades culturais, políticase éticas que devem estar envolvidas na profissão:

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Produção de mudas - Aldeia Jatobá - TI Mamoadate

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É ser escolhido pela comunidade.É ser uma pessoa com ideal.É ser uma pessoa com conhecimento na política dasleis ambientais e outras leis.É ser uma pessoa responsável pelo seu papel.É ser uma pessoa que tem interesse de ajudar a suacomunidade.É ser uma pessoa educada.É ser alfabetizado.Andar trocando idéias com os outros.Sempre ser uma pessoa que participa das reuniõesda sua comunidade.A pessoa tem que aprender organização de cadacomunidade.Tem que ser uma pessoa capacitada.

José Nilson Sabóia Tuwe Kaxinawá, in Gavazzi, 2000.

2. Ecologia indígenaEsta área tem se centrado na pesquisa em línguasindígenas e no português dos recursos naturais dasTerras Indígenas e na valorização e incentivo dos

modos de registro, representação e explicação darelação existente entre os povos da floresta e seumeio ambiente. Um dos cursos dedicados a essetipo de enfoque é o de Rito, Mito e Meio Ambiente.

O objetivo do curso “Rito e Agricultura” é discutir comos alunos a dimensão cultural de suas relações com anatureza, tendo o centro das discussões na agriculturaindígena. Visamos refletir com os AAFIs osconhecimentos sobre as práticas agrícolas construídospela suas sociedades:O rito do katxanawa dos Kaxinawá está intimamenterelacionado à força da fertilidade, à fartura para aaldeia. Através dos ritos os Kaxinawá chamam a forçados legumes para a boa produção de seus roçados.Os Manchineri chamam o espírito do vento e do fogopara coivarar os seus roçados. As mulheres Jaminawávão cantando na hora de fazer a colheita do milho,para ter boa produção na próxima safra.

Gavazzi, Renato Antonio, 1998

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Vários outros exemplos dessa perspectiva de pes-quisa e reflexão feitas pelos AAFIs nas situaçõesde formação foram já mencionados anteriormentenessa revista.

3. Princípios de agrofloresta oumanejo de ecossistemasBusca-se nessa unidade pensar com os agentesos princípios que devem orientar a tomada de de-cisões nos diversos contextos onde atuam. Visaapoiar a discussão dos AAFIs sobre as possíveisintervenções nos contextos ambientais de forma asolucionar problemas enfrentados nas suas terras:

Como atividade prática de manejo foi proposto umdiagnóstico e a recuperação de um sistemaagroflorestal (0,5Ha), do tipo capoeira melhorada, dedois anos de idade. Este sistema de espécies frutíferase madeireiras plantadas em linhas dentro de umacapoeira rala sobre solo extremamente degradado,

apresentava desenvolvimento e produtividadeinsatisfatórios.Os alunos desenvolveram o seguinte processo:medições em altura, verificação do estado nutricionale condições de luminosidade das espécies plantadas;levantamento das espécies de leguminosas arbóreasocorrentes na área;confecção de mapas reunindo as informações acimadescritas;algumas intervenções foram discutidas e aplicadaspelos alunos no Sistema Agroflorestal;acesso à maior luminosidade para as espécies emcondição de sombreamento através de poda deárvores, prioritariamente leguminosas;adubação com biomassa proveniente das leguminosaspodadas;para o sombreamento de espécies em condição deextrema insolação, os alunos sugeriram o plantio deoutras árvores madeireiras, frutíferas e leguminosas;a lenha proveniente das podas foi retirada da área,usada e a cinza após ser pesada foi retornada aosistema.

Meneses, Luis, 1998

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4. Artes e OfíciosNa unidade do currículo denominada de “artes eofícios”, a proposta é reciclar, reutilizar e agregarvalor a madeiras desperdiçadas como subprodutodas atividades agrícolas de roçados, transforma-das pelos AAFIs em objetos de arte e mobiliário,com designs étnicos, inspiradas nos seus mitos deorigem. Estes objetos, com status de arte para al-guns circuitos especializados, têm sidocomercializados em Rio Branco e em outras cida-des do país, demonstrando potencial como alter-nativa econômica de valor ecológico e cultural.O trabalho é executado principalmente no Centrode Formação dos Povos da Floresta durante oscursos de formação, em Rio Branco, e cada vezmais freqüentemente, na própria aldeia quandoretornam dos cursos.

O conceito e a prática da reciclagem da madeira vêmsendo experimentados nas aulas de artes e ofício, com

a confecção de banco esculpidos com formas deanimais e encantados usando técnicas de encaixe,sem pregos.As peças de madeiras para confecção dos bancos sãorestos de tábuas pegas nas serrarias de Rio Branco, ouencontrados no próprio CFPF e nas aldeias.

Gavazzi, Renato Antonio, 1998

Essas atividades são precedidas de planejamen-to, acompanhadas por projetos gráficos e artísti-cos e por reflexões prévias e póstumas sobre otrabalho, que expressa os mitos relacionados àpreservação:

Eu fiz essa escultura com o sentimento que ela é amãe da Ayawasca, que ela morreu e dela nasceu ocipó. E também ela estava grávida e nasceu a Roroa,e nasceram mais outras plantas, encima da sepulturadela. E quando nasceram essas plantas, de dentrodo espírito foi falado para o esposo dela que dali ia sairalguns remédios medicinais para ela poder curar as

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pessoas que estavam doentes. Então, essa esculturafoi feita nesse sentido. Ela é a mãe da Ayawasca. Paraque a gente tenha esse sentido, cada qual faz umaescultura, para gente ficar vendo de que maneira agente tem esse sentimento (...).A sensação minha é que eu fico muito concentradodentro da minha imaginação e do que eu vou fazer.Porque primeiro você tem que ter um pensamento parapoder você fazer uma escultura. Se fizer de qualquerjeito, nunca vai fazer um trabalho bem feito. Estãovocê pensa encima da sua imaginação e faz aqueletrabalho encima do seu sentimento.

Benki Pianko Ashenika in Gavazzi, 2000

Trabalhos na reutilização de madeira - TI Campinas

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Reutilização de madeira - Artes e ofícios

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Participação dos AAFIs na amostra Negócios para Amazônia Sustentá-vel - Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 2001

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5. Formação BásicaPara dar continuidade à formação básica dos AAFIse incentivar seu domínio da escrita e leitura emportuguês e nas línguas indígenas, na matemáti-ca, nos seus conhecimentos sobre o mundo natu-ral e social, alguns estudos são desenvolvidos deforma a complementar a escolaridade feita na al-deia com os professores indígenas.Estes estudos são focados a partir da reflexão so-bre o meio ambiente, entendido de forma abran-gente e transversal no trabalho de formação bási-ca, conforme exemplos a seguir:Geografia, Cartografia e Meio AmbienteA proposta educacional relacionada à geografia e aomeio ambiente foi feita com base na avaliação re-cente dos impactos ambientais decorrentes do con-tato e de invasões nas Terras Indígenas. Por meiode conceitos e instrumentos da cartografia, por exem-plo, são desenvolvidas atividades para que os pro-fessores reflitam sobre os problemas vividos, na es-fera local, nacional e mundial, discutindo a importân-cia de sua cultura no manejo dos recursos naturais.

Cada participante produziu dois mapas: o da aldeiafoi feito individualmente e o da Terra Indígena e entornofeito em grupo, como diagnóstico ambiental da área.Esses mapas foram apresentados pelos grupos com

comentários e discussões. Destaca-sea apresentação do Mapa DiagnósticoAmbiental da Terra Indígena Kampa doRio Amônia e seu entorno feita pelaliderança Francisco Pianko:A Terra Indígena Asheninka, eu faleiantes sobre ela, é essa parte aqui, essacor meio diferente das outras. A áreade retirada de madeira com máquinaspela empresa Marmude Cameli, o anofoi 81 e 82. Essa área foi a primeirainvasão que eles fizeram. Aqui tem umigarapé que chama Amoninha, e orevoltoso. Eles vieram de Cruzeiro doSul, com as máquinas deles, direto aqui.Entrou e ficou o ano todinho aqui. Enessa época ainda não tinha essa áreademarcada. Nós morávamos por aqui,

inclusive presenciamos toda essa invasão. Eles tiraramo tanto que quiseram e foram embora. Ainda lembrocomo se fosse agora quando a gente via as balsas demadeira. A gente corria por cima e ficava contandoquem era que resistia chegar de uma ponta a outra damadeira, de tão comprida a fila de madeira”.

Gavazzi, Renato Antonio, 1999

Os Modelos Demonstrativos como meto-dologiaGrande parte das unidades curriculares sãoreferenciadas nos Modelos Demonstrativos que es-tão sendo implantados no Centro de Formação dosPovos da Floresta, e ao longo do ano pelos AAFIsnas aldeias. Estes modelos estão constituídos ba-sicamente por:

• sistemas agroflorestais;• viveiro de produção de mudas;• horta orgânica e compostagem;• manejo e uso da palha;• piscicultura;• meliponicultura.

Nessas unidades se concentram diversas apren-dizagens, algumas práticas são vividas e trazidasem relatos para a reflexão coletiva, com apoio deassessores e de outros agroflorestais.

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AGENTE AGROFLORESTAL INDÍGENA

O NOVO FUNCIONÁRIO DA FLORESTA71

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PerspectivasPolíticas públicasO trabalho desenvolvido pelos agentes agroflores-tais indígenas do Acre, ao juntarem forças comseus aliados e outros membros de suas comuni-dades, tem desencadeado novos e ampliados es-forços entre um conjunto de pessoas e instituiçõespúblicas e privadas.Uma visão de futuro que envolve a esperança éque estes agentes possam progressivamente qua-lificar-se e a seu trabalho de forma também a influ-enciar e formar outros - povos indígenas e algunsvizinhos e aliados - nas áreas do entorno de suasterras. O sonho também é contribuir para ampliare consolidar uma rede de trabalhos institucionais epessoais nessa direção, que incidam mais decisi-vamente nas políticas públicas locais e nacionais:

Penso como Asheninka, escolhido como Secretáriode Meio Ambiente de meu município, em nãoconcentrar nosso trabalho só lá: atuar nas áreasvizinhas, em toda a região. Agora temos condiçõesde fazer este trabalho com um tempo menor.(...),podemos fazer muito melhor agora, podemos agorafazer com os agroflorestais e os professoresindígenas, que é o forte deste programa. Estes recursoshumanos são o ponto-chave.A gente tem de usar o que tem para contemplar estesoutros espaços que estão aí sem nenhuma proposta.A gente somar estes momentos e preencher estesvazios.Francisco Pianko Asheninka, 2001 in CPI/AC, 2001

Essas vivências e discussões são sistematizadase intercambiadas nas situações de cursos intensi-vos, além de serem também reinterpretadas e apli-cadas nas próprias aldeias nos temas de estudocomo os SAFs, as hortas orgânicas, a piscicultura.A estruturação de aulas como atividades práticaspermite que o agente tenha uma diversidade dedesafios e dispositivos didáticos diários que afas-tam qualquer risco de transformar o período do cur-so em um “exílio” cultural. Por exemplo, o dia podecomeçar ao nascer do sol com trabalho na horta,ou Artes e Ofícios, seguir com práticas de um temaespecífico (agroflorestas, por exemplo) pela ma-nhã, à tarde, um animado jogo de futebol, e vídeopela noite, normalmente de autoria de alguns dosvideastas indígenas do Acre e de outras partes dopaís.A reflexão teórica é sempre uma formulação oralou escrita ou por desenho e pesquisa referenciadano prático, no experimentado nos contextos de vidade cada um dos AAFIs. Busca-se que as reflexõespropiciem um resultado sistematizado pelos agen-tes com apoio dos assessores como por exemplo:

• levantamentos bilíngües ilustrados de faunae de flora;

• implantação, manejo ou sistematização dehortas, quintais ou SAF;

• execução de mapas, projetos de esculturasou bancos.

O material produzido pelos AAFIs nos cursos e le-vantado pelos assessores em suas visitas vai paraa sede da CPI/AC em Rio Branco. Lá, é cataloga-do e arquivado, para consulta e elaboração dosmateriais didáticos, bem como para as atividadesde avaliação promovidas para o aperfeiçoamentoda formação dos AAFIs.

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DisseminaçãoO trabalho de formação de agroflorestais tem tam-bém inspirado outros povos e regiões na busca deformação de agentes com funções semelhantes(Kaiabi e Yudjá no Xingú; Timbira, Yanomame,Krenak).

Novo grupo está sendo formado complementar-mente pelo governo do Acre por meio da Secreta-ria de Extensão Rural – SEATER, nas terras dire-tamente atingidas pelas estradas, somando mais19 agroflorestais aos 66 atualmente formados.

No primeiro semestre de 2002, obtiveram uma “bol-sa-auxílio” de valor mais simbólico, como apoio doestado a seu trabalho, um passo importante, em-bora ainda insuficiente na luta já antiga por partedo movimento dos AAFIs por seu reconhecimentoprofissional.

O governo do Acre assinou em 2001 o compro-misso de assegurar recursos orçamentários paraa formação dos agentes agroflorestais nas TerrasIndígenas do Estado e buscar mecanismos parasua remuneração pelos serviços prestados na co-munidade.

Nesse processo, os AAFIs enviaram os documen-tos, cobraram e participaram, demonstrando a for-ça da sua organização e união junto ao GovernoEstadual. O pagamento da bolsa é um primeiro pas-so para o reconhecimento oficial de uma nova pro-fissão que está surgindo entre populações indíge-nas da Amazônia, entendido como um importanteator na Gestão Ambiental das Terras Indígenas.Por outro lado, esses agentes vêm recebendo tam-bém o reconhecimento em contextos fora da Ama-zônia. Em junho de 2001, no evento Negócios paraAmazônia Sustentável, realizado no Jardim Botâ-nico do Rio de Janeiro, várias esculturas foram ex-postas e vendidas durante um leilão, executado porum dos maiores leiloeiros de arte do país e atingi-ram valores entre dois mil e quatro mil reais.

Estiveram expostas em São Paulo, no Parque doIbirapuera, durante a Bienal do Descobrimento, noMuseu de Arte Moderna do Rio de Janeiro MAM ena Exposição “Das Artes dos Índios: “Identidade ediversidade” no Centro Dragão do Mar em Fortale-za. Na cidade de Rio Branco foram organizadaspelo próprio projeto duas exposições completasdo trabalho - Arte, Mito e Meio Ambiente - com asesculturas gigantes em madeira, e os documentose registros dos processos de sua criação. A mos-tra ficou com grande sucesso aberta ao públicoem geral e à visitação de escolas públicas e priva-das, por uma semana, no Espaço Kaxinawá e noMira Shopping no centro da cidade de Rio Branco.

Num planeta em que a globalização mercantilistaimpõe bugigangas em série e reproduz a uniformi-dade sem história, ética ou futuro, a arte indígenaé uma ponte que nos mantém conectados com arealidade, e é um aspecto fundamental no currícu-lo da formação dos AAFIs.

O reconhecimento da categoria tem-se intensifi-cado em âmbito nacional com conquistas como aimportante Menção Honrosa recebida pelo PrêmioItaú Unicef, 2001, “O Direito de Aprender”, seleci-onado e premiado entre 700 projetos enviados detodo o país.

O Ministério do Meio Ambiente tem demonstradoseu apoio e entusiasmo homenageando a catego-ria com a edição e divulgação institucional de doismil exemplares do Calendário 2002 - Floresta eManejo, com apoio da Secretaria da de Coorde-nação da Amazônia – SCA, e do Programa deApoio ao Agroextrativismo da Amazônia.

Está prevista para o ano 2002 a edição, tambémapoiada pela SCA, de um documentário sobre otrabalho de Formação dos AAFIs, de forma a re-gistrar e divulgar o projeto para um maior númerode pessoas e iniciativas similares no país.

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Um olhar críticopara o futuroDe modo geral, o trabalho com a Formação dos Agen-tes Agroflorestais Indígenas é a expressão e o resul-tado de parte dos sonhos dos que acreditam num fu-turo para a humanidade e para o planeta.No entanto, devemos entender que essa é uma corri-da contra o tempo. De um lado, está a defesa de inte-resses imediatistas instalados na floresta, mas opera-dos desde uma lógica externa a ela. Do outro, estãoos que defendem um desenvolvimento econômico, so-cial e ecologicamente orientado. Para este último se-tor, a promoção de uma verdadeira segurança alimen-tar e do desenvolvimento sustentável passa pela in-tensificação de quintais agroflorestais, pela recupera-ção de áreas degradadas com cultivos agroflorestais

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e sistemas silvopastoris, pelo agroextrativismo basea-do na participação, na auto-gestão e no manejo sus-tentável dos recursos naturais. Significa, enfim, perce-ber a floresta e todos os seus habitantes como alia-dos, e não inimigos a serem abatidos.Em termos políticos e econômicos, a batalha é desi-gual. Mas, o apoio governamental, por meio de pro-gramas como o que abriga hoje o PDA e os ProjetosDemonstrativos dos Povos Indígenas – PDPI , sãofundamentais para criar oportunidades aos que lutampelo desenvolvimento sustentável da Amazônia.A presente publicação é o produto desse espírito e detodas essas interações. Como um produto coletivo,espera-se que divulgue e ajude a aprimorar o trabalhoque realizam hoje os AAFIs do Estado do Acre. Final-mente, fatos alentadores, como a ação destes e osesforços dos que estão envolvidos em sua formação,é que podem permitir que sigamos passageiros privi-legiados do planeta Terra, um pequeno oásis azul devida em um universo infindável.

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1 Mas não é a guerra uma doença recorrente de todos os modos de produção que buscaram o controle regional/global do acesso atecnologias e recursos naturais, produtos e mercados? Como sempre, a guerra é alimentada e suportada por discursos nacionalistase religiosos. Outrossim, é invariavelmente bancada por um lobby de interesses comerciais privados (na atualidade) e/ou, como emeras passadas, pelos interesses de poder ligados à reinos, impérios, feudos ou Estados.

2 Pau-brasil (Caesalpinia echinata), espécie da qual se extraía essência corante de cor vermelha, daí o nome “brasil”, de “brasa”.

3 É importante ressaltar que algumas árvores frutíferas nativas da Amazônia podem chegar a mais de 30m de altura, e que muitasdelas tem uso múltiplo (madeira/fruta), como é o caso da andiroba (Carapa guianensis) ou do jenipapo (Genipa americana).

4 Um exemplo clássico são os quintais agroflorestais indígenas da América Central, onde os cítricos são conduzidos para seremárvores de porte médio. Do mesmo modo, muitas sapotáceas, o abacate, a jaca, o jenipapo, a castanha e a pupunha, além de outrasfrutíferas, não perderam suas características florestais, e seguem tendo potencial como madeira ou árvores de sombreamento. Paraaprofundar, leia:Michon, G. and H. De Foresta (1997). “Agroforests: pre-domestication of forest trees or true domestication of forest ecossistems?”Netherlands Journal of Agricultural Science 45: 451-462.

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