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    IMPÉRIOS NA HISTÓRIA

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    Francisco Carlos Teixeira Da Silva Ricardo Pereira Cabral

    Sidnei J. Munhoz

    Coordenadores

    IMPÉRIOS NA HISTÓRIA Ciro Flamarion Cardoso

    Regina Maria da Cunha BustamanteNorma Musco Mendes

    Antônio Celso Alves PereiraFabiano Fernandes

    Murilo Sebe Bon Meihy

    Sergio F. Alois SchermannAndréia Cristina Lopes Frazão da Silva

    Marcio ScalercioRafael Pinheiro de Araújo

    José Henrique Rollo GonçalvesBárbara Lima

    João Gilberto S. CarvalhoElena Zhebit

    Francisco José Calazans FalconEstevão C. de Rezende Martins

    Maria Yedda LinharesJoão Fábio Bertonha

    Carlos Leonardo Bahiense da SilvaFrancisco Carlos Palomanes Martinho

    Alexander ZhebitPaulo G. Fagundes VisentiniCristina Soreanu Pecequilo

    Shu ChangshengMaurício ParadaBernardo Kocher

    Sabrina Evangelista MedeirosKeyse Caldeira

    Francisco Eduardo Alves de AlmeidaOliveira Neto

    Eduardo Hentz

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    CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte.Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

    S578 Silva, Francisco Carlos Teixeira da, 1954-Impérios na história / Francisco Carlos Teixeira da Silva, Ricardo

    Cabral, Sidnei Munhoz. — Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

    Inclui bibliografiaISBN 978-85-352-2776-5

    1. História moderna — Séc. XX. I. Cabral, Ricardo. II. Munhoz,Sidnei. III. Título.

    09-0254CDD: 909.825CDU: 94(100)”19”

    © 2009, Elsevier Editora Ltda.

    Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/98.Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora,poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados:eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

    Copidesque

    Ivone Teixeira

    Editoração EletrônicaDTPhoenix Editorial

    Revisão GráficaMarco Antônio Corrêa

    Projeto GráficoEditora Campus/Elsevier

    A Qualidade da InformaçãoRua Sete de Setembro, 111 — 16 o andar20050-006 — Rio de Janeiro — RJ — BrasilTelefone: (21) 3970-9300 Fax (21) 2507-1991E-mail: [email protected]ório São PauloRua Quintana, 753 — 8º andar04569-011 — Brooklin — São Paulo — SPTelefone: (11) 5105-8555

    ISBN 978-85-352-2776-5

    Nota: Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros dedigitação, impressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação à nossaCentral de Relacionamento, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão.

    Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoasou bens, originados do uso desta publicação.

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    site: www.elsevier.com.br

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    Em memória deGilberto Agostino,

    amigo de todos nós.

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    I N T R O D U Ç Ã O

    Por que Discutir os Impérios?

    Francisco Carlos Teixeira Da Silva

    Pro essor titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade do Brasil/UFRJ, pro essor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército/Eceme/Eb

    e pro essor do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais/UFRJ

    O presente livro surgiu no bojo do amplo debate travado entre historiadores, cientistas políticos, jornalistae políticos no imediato pós-Guerra Fria. Desde 1991, quando o então presidente George Bush (sêniodeclarou — noday afer da vitória na primeira Guerra do Gol o (1990-1991) — a emergência de umnova ordem mundial , colocou-se a questão da natureza deste mundo surgido de mais uma vitória. Não se tratavmais de um mundo construído nos bastidores do ratado de Versalhes (1919) e, nem tampouco, aquele mundo quemergiu das Con erências de Yalta e de Potsdam, em 1945.

    ratava-se, em verdade, de um mundo novo, no qual se depositavam inúmeras, e talvez em demasia, esperaças. Anova ordem mundial— expressão-chavão que se tornaria autoexplicativa e, por isso mesmo, extremamentcon usa — surgia da implosão da URSS e de seu imenso império, tendo como imagem-símbolo a derrubadaMuro de Berlim em 1989.

    As mazelas da Guerra Fria (1947-1991) eram por demais evidentes. Em primeiro lugar, o risco de aniquilatermonuclear total, expressa na condição MAD/Mútua Destruição Assegurada, era o equilíbrio do terror. Na pri eria do sistema de poder mantido pelas então superpotências — Estados Unidos e URSS — explodiam gue violentas e cruéis, como na Coréia, nos anos 50; no Vietnã, nos anos 60 e em Angola nos anos 70. O corolário“bipolaridade” era o tremendo antagonismo entre os dois sistemas que se queriam válidos universalmente, capilismo e comunismo.

    O m da Guerra Fria, um processo disruptivo extremamente rápido das relações internacionais entre 19851991, permitiu a generosa, e ingênua, esperança de um mundo de paz e de cooperação entre as nações.

    Nada seria tão enganoso quanto tais expectativas.Os Estados Unidos emergiam do con ito com a URSS como o único poder “global” — palavra que, saída de

    comercial de cartão de crédito veiculado em mídia mundial, se tornaria a denominação genérica da nova ordemundial. Na esteira da campanha contra o Iraque de Saddan Hussein, de 1991, com apoio da maioria dos países planeta (e com certeza dos países do Conselho de Segurança da ONU), os Estados Unidos eram, naquele momennão só a única potência global, como se constituíam num poder incontrastável, uma “hiperpotência” solitária, qu

    vinha substituir a própria natureza bipolar da velha ordem superada. Entre 1945, ou 1947, e 1991, as duas gran

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    Impérios na Históriaxii

    potências exerceram um verdadeiro condomínio sobre o mundo. Nem sempre paci camente, com sérios atritos erisco permanente de “escalada” em direção a uma guerra nuclear total.1 Em alguns momentos, clímax do en ren-tamento, como na Coréia em 1950, em Cuba em 1962 ou no Vietnã em 1971, o mundo esteve, verdadeiramente,à beira de uma catástro e atômica.

    Como e onde terminou a Guerra Fria, suas razões e principais eventos, é parte undamental da discussão destelivro.2

    Naquela ocasião, a maior parte da mídia, e também vários acadêmicos, apressa-se em declarar os Estados Unidoso último “império” do planeta. Não no sentido da última ocorrência na história, mas signi cando a própria realizaçãoda história. Nada haveria depois da hegemonia total, ou global, da América. É neste sentido que a noção de m dahistória de Francis Fukuyama — exagerada pelo autor, mas muito mais pelos comentaristas — é concebida como amarca registrada dessa época. A vitória nal dos Estados Unidos seria a vitória dos regimes liberais representativos(apenas moderadamente democráticos) e da economia de mercado. As ideias “velhas” — e graças ao megassucessode Stevie Spielberg, denominado desde logo de “jurássico” — sobre a regulação econômica, a respeito do Estado dbem-social e de controles da sociedade sobre os agentes econômicos, oram consideradas simplesmente insupor-táveis. Poucas vezes, depois do advento do capitalismo como regime econômico dominante, a sociedade humanaesteve tão embevecida pelos méritos do mercado auto-regulável. A destruição de barreiras e entraves ao livre uxode capitais e a demolição sistemática dos anteparos sociais que deveriam proteger grupos e minorias menos dotadaseram as únicas metas possíveis de qualquer política econômica. Somente nos anos imediatos aoboom de 1870, ouos “anos loucos” da década de 1920, podem ser comparados com a apologia aos méritos da “mão invisível” comogerente-geral do capitalismo.

    Logo após as eleições de Margareth Tatcher e de Ronald Reagan (1979/1980), pareceria ao observador cuidadosoque os diversos matizes do socialismo e, mesmo, do keynesianismo regulador estavam de nitivamente condenadosà lata de lixo da história. A “Escola da Regulação”, que permitira a existência dos chamados “trinta anos gloriososlogo depois da Segunda Guerra Mundial (e ortemente ancorada na ideia do “tripé mágico”: grande Estado, grandecapital e grande trabalho, ou seja, o trabalho ordista organizado em sindicatos), era reduzida a um penoso silêncio.3 A esclerose econômica, social e (pior de tudo!) ideológica do socialismo soviético, regido por uma gerontocraciaautoritária e incompetente, só vinha comprovar as teses arrogantemente neoliberais do thatcherismo.

    Ao mesmo tempo, embora poucos se dessem conta disso naquele momento, o próprio pensamento econômicoe social no Ocidente entrava em decadência. Os grandes debates econômicos oram substituídos pela mágica damicroeconomia, com os operadores do mercado substituindo os pensadores. Por toda a parte, mas especialmentena mídia globalizada, surgiam “intérpretes” do chamado “mercado”. Este era trans ormado em uma entidade an-tropomór ca, dotado de sentimentos e, mesmo, de uma psicologia própria. Assim, con orme as grandes redes detelevisão, o “mercado” variava de “otimista” para “pessimista”, ou mesmo “nervoso”. Num exemplar enômeno dtrans erência na mesma proporção em que os indivíduos eram incorporados na nova ordem como “coisa”, mera

    mercadoria, o mercado assumia as prerrogativas típicas da pessoa humana. Os livros de auto-ajuda, uma espécie deevangelho sacrílego do sucesso pessoal, ensinavam e impunham a idéia de um indivíduo padrão, sempre positivo,em eterna prontidão, inteiramente despido de qualquer nuança de subjetividade. O “mercado”, bem ao contrário,tornava-se cada vez mais sensível, subjetivo, idiossincrático.

    Pessoas desumanizadas e entidades antasmáticas antropomor zadas — este oi, e ainda é, o clima mental regressivo da globalização proposta no alvorecer do novo milênio.

    A hegemonia do pensamento neoliberal — ou, simplesmente, liberal, posto que seus supostos teóricos sejamos mesmos daqueles em vigência nos anos 20 — oi acompanhada por um orte desmonte dos Estados-gerenteintervencionista e empresarial, em especial no Leste europeu, em boa parte do Sul e Sudeste da Ásia, na Á rica na América Latina. Muito da incompetência, da arrogância e da corrupção dos altos uncionários da burocracia

    empresarial-estatal, em especial na Á rica e na América Latina, duramente atingida pelo neoliberalismo, explica

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    xiiiFrancisco Carlos Teixeira Da Silva Por que Discutir os Impérios?

    popularidade dos processos de privatização nos países peri éricos. O desmonte desta burocracia pode ser, naqumomento, popular, em virtude do seu papel espoliador das próprias massas populares, que deveria promover assistir. Contudo, tal consenso em torno de um Estado dito “mínimo” acabou por revelar, com rapidez, sua aperversa. Junto às grandes empresas estatais — ine cientes e oligárquicas —, também eram desmontados sistemde educação, de saúde, de transporte ou de construção de moradias. Em alguns países radicalmente pobres, atágua era privatizada, como no caso da Bolívia. Na maioria das vezes, os serviços, sempre caros, não correspondminimamente às necessidades da maioria da população.

    Ao mesmo tempo que a “velha” ordem ruía, em alguns países, em especial na América do Sul, surgiam nomovimentos sociais altamente reivindicatórios, muitos radicalizados, revelando que o m da história havia sianunciado prematuramente. Grupos sociais secularmente marginalizados, espoliados em seus direitos, tratadocom arrogância e crueldade, aproveitaram-se da ordem liberal e criaram no seu interior tensões que ela mesmnão estava preparada e não podia resolver. Arranjos oligárquicos de décadas, como na Venezuela, Bolívia, Equdor, ruíam deixando para trás uma elite pervertida e atônita. Regimes cruéis como oapartheid na Á rica do Sulou a ditadura de Pinochet no Chile oram substituídos por novos arranjos, onde os grupos subalternos passaraa desempenhar um papel central.

    A nova ordem mundial proclamada nadébàcle do socialismo soviético não se enquadrava nos moldes do con-senso ditado em Washington. Surgiam sinais inquietantes de contestação ao império global dos Estados Unidos

    Da mesma orma, no interior das sociedades avançadas, na Europa e nos Estados Unidos (e por toda parte npaíses onde uma orescente classe média urbana impunha-se no novo cenário social) surgia uma ativa crítica excessivo materialismo e mercantilismo da chamada nova ordem mundial. Isso se dava através da emergência novas igrejas; de cultos milenaristas e salvacionistas de caráter regressivo; e de diversos undamentalismos.

    Grandes vagas de movimentos sociais de protesto contra a destruição da natureza, da vida selvagem; de proteçàs crianças ou outras minorias não atendidas também atraíam a atenção e moldavam-se como alternativas à ordeque emergira do m da Guerra Fria.4

    O megamovimento organizado em tono do chamado Fórum Social Mundial (inicialmente na cidade de PortAlegre, depois em várias capitais mundiais) erguia seu lema (“Outro Mundo é Possível”) como um ímã aglutinaddo que seria chamado dealtermundialismo, no nal dos anos 90 e começo do novo milênio. Embora díspare emseus objetivos e alvos de interesse, algumas vezes até mesmo caótico, o altermundialismo conseguiu clarameimpor uma agenda (ainda que precária) a governos, instituições multinacionais e grandes empresas. As noções “desenvolvimento sustentável”, as chamadas “metas do milênio”, o Protocolo de Kyoto, os tratados de banimento minas terrestres, do mercenariato de crianças, a criação de vários santuários naturais e a adoção pela ONU de umagenda de combate ao racismo, ao sexismo machista e de debate da homo obia são resultantes, em grande parteagitação do movimento altermundialista.

    Em alguns momentos, em Seatlle (1999) ou Genova (2001), as reuniões cimeiras do chamado G-7 (depois, G

    oram alvo de mani estações gigantescas de protesto dos movimentos alternativos em busca de “um outro munazendo com que a chamada “opinião pública mundial” passasse a ser, também ela, um ator global.

    Ordem mundial e alienação

    O próprio nascimento da nova ordem mundial oi marcado por sinais evidentes de ampla recusa aos conctos básicos que deveriam, depois de 1991, balizar a sociedade humana num rígido esquema regido por leis di“naturais” e emanadas da prática econômica. Uma ampla maré de exigências em torno de conceitos nitidamenprodutivistas, altamente mercantilizados, tais como “e cácia”, “ oco” (ou ocar), “rentabilidade” etc., parinvadir, como nunca antes, todas as dimensões do agir humano. Empresas, instituições — mesmo religiosas, a

    tísticas ou acadêmicas! — e, claro, pessoas deveriam ser “e cazes” e “rentáveis”, deveriam possuir “ oco”, ev

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    xvFrancisco Carlos Teixeira Da Silva Por que Discutir os Impérios?

    Assim, a ormação de pares, hetero ou homossexuais, a constituição de unidades de comprometimento envolvenprojetos coletivos de uturo é duramente a etada. Em seu lugar surgem comportamentos polares marcados, de lado, por uma intensa e crescente solidão (digital) e, de outro lado, por grupos de caráter tribal sem compromementos na constituição de parcerias de gozo comum do uturo.

    Multidões portam hoje — seja em Nova York, Paris, Mumbai ou São Paulo — tele ones celulares, no mais vezes conectados a redes digitais. Esta notável conectividade em massa não representou, paradoxalmente, qualqmelhoria na intercomunicação das pessoas. Na maioria das vezes, apenas evidenciou a grosseria e a alta de respàs regras básicas de civilidade, introduzindo ruídos nos ambientes de convivência coletiva e impondo ao “outruma vez de orma paradoxal, uma intimidade não solicitada. Mas, undamentalmente, revelou a imensa incapdade da maioria das pessoas, em nosso tempo, em permanecer algum tempo — não muito tempo! — voltadas pasi mesmas num processo de autorre exão, auto-análise ou autoconhecimento. As pessoas, de orma compulsibuscam diálogos rápidos e sucessivos, marcados por uma incrível banalidade, em qualquer situação em que encontrem sozinhos: nos transportes coletivos, nas salas de espera, nas caminhadas, durante os exercícios ísicoaté mesmo, durante seu próprio entretenimento. Há uma solidão compulsiva e contagiante na nova ordem mundia

    cujo antídoto é buscado em mais e mais mercadoria de alta tecnologia. Em vez de buscar parcerias de convivênccriar grupos de interesse e voltar-se para a reconstrução da comunicação amiliar, a maioria encontra uma pretenresposta na aquisição de um novo aparelho de tecnologia (e preço) superior. Aí, e exclusivamente aí, reside todoes orço de comunicação com o “outro”. Na maioria das vezes, mais da metade dos serviços o erecidos por estas ntecnologias jamais será utilizada, seja por sua complexidade, seja por sua total inutilidade. Mas, de qualquer ora o erta de uma tecnologia “superior”, ouup the date, implica troca imediata da máquina/instrumento anterior,permitindo um imediato e passageiro sentimento de superioridade e de conexão com o mundo. al sentimentoevidentemente, será muito rapidamente superado. No instante em que o indivíduo “portador-da-máquina” sentique o outro próximo possui uma tecnologia anunciada como superior, o encanto será des eito, obrigando-o a ao mercado comprar outro modelo. Claro, o mercado agradece a compulsiva busca de identidade do indivídu

    através da mercadoria.Os grandes bene ciados desta generalização de uma ordem mundial digital, banalizada e alienada oram

    megaempresas ornecedoras dos principais itens que compõem os uxos globais. A globalização acentuouatravés destes grandes uxos mundiais de capital (centrados em cinco grandes grupos de interesses: armas, engia, ármacos; esporte/lazer e drogas), bem como de mercadorias. Estas, produzidas em locais tão distantesseu consumo que não mais envolviam (no ato de consumo) qualquer emoção por embutir no seu valor trabalhescravo, trabalho in antil ou simplesmente a mais pavorosa exploração. A distância estabelecida, na globalizaentre produção e consumo aproxima-se daquela existente ao tempo da hegemonia do capital mercantil (ou comecial) no auge das Grandes Navegações nos séculos XVI e XVII. ambém naquela época, as condições e os matravés dos quais as chamadas “especiarias” eram produzidas e trazidas para o Ocidente, permaneciam envoltem ocultamento. Nos dias de hoje, sejam mercadorias de alta tecnologia, seja uma cornucópia de bugigangas baixo valor e altamente consumidoras de energia óssil e de di cílimo descarte, todas são produzidas nos nopólos industriais da Ásia Oriental e na Insulíndia. O consumo compulsivo de itens de rápido descarte, em especnos Estados Unidos e nas novas economias latino-americanas, implica desconhecimento da extrema exploraçdo trabalho. Prisioneiros, políticos ou não, mulheres e crianças são as principais vítimas de um capitalismo Estado selvagem e pantagruélico. O meio ambiente é, por sua vez, agredido de orma constante e intensa, com uextensivo de combustíveis ósseis, incluindo aí o carvão, e com o descuidado manejo de resíduos industriais. Mmo que a Europa politicamente correta — e mais alguns áreas metropolitanas dos Estados Unidos e das Améric— restrinja e controle a agressão ambiental, continua consumindo a destruição do planeta através do consumo d

    mercadorias oriundas da “Ásia que brilha”.

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    Neste mundo, retribalizado, dividiram-se as pessoas em “tribos” de direitos variados. A de esa eroz do empreg“nacional”, e depois do 11 de setembro de 2001, a “luta contra o terrorismo”, impôs restrições e humilhações paraaqueles que buscam uma vida melhor ora de seu país de origem. Alguns indivíduos, poucos, de posse de passaportes prestigiosos, podem circular livremente por todo o planeta — na maioria das vezes executivos e turistas de altopoder aquisitivo. Outros, terão direitos mitigados, ora valendo mais, ora valendo menos. udo em dependência desuas habilitações pro ssionais, origem nacional, aspecto racial ou crença religiosa.

    Os terríveis atentados de 11 de setembro de 2001, e o clima de perseguição, medo e insegurança daí decorren-te, só vieram a acelerar tal processo. Em alguns casos, como nas prisões existentes nas ímbrias do mundo (comoGuantánamo, Abu Graib, Mansar-i-Sahri ), tais direitos desaparecerão por completo, dando lugar a prisões semacusação, sem de esa, sem comparecimento perante juízo... Em suma, a desaparição ísica e civil de indivíduos totamente desprovidos de direitos. Em alguns outros casos, com a maciça mercenarização da guerra através de empresasprivadas, centenas de indivíduos caram sem saber sob qual legislação estão lançados em pro undo limbo.

    udo isso se dará, e avança, sob o manto da coisi cação, rei cação das relações interpessoais. A moda, as exigências de uma cidadania substituta baseada na posse de itens altamente identi cáveis de consumo caro (ipods,iPhones, palms; blueberries; mp3 etc.) acentuaram a ase áurea do consumismo capitalista, onde antes o automóveldeveria ser o símbolo máximo do sucesso na vida cotidiana. O processo denominado, por Bauman, decommo-tidização dos indivíduos trans ormou-se, nos anos de sucesso da globalização, na ace evidente da imposição domercado auto-regulável.5

    A nova “grande recusa”

    O enômeno da globalização, ou mundialização, acelerada recobria com uma nova realidade tecnológica, cul-tural e instrumental a proclamação da nova ordem mundial depois de 1991. Evidentemente, a globalização, comonêmeses do novo mundo, não poderia ser pensada exclusivamente como aumento e generalização do comércioe dos uxos nanceiros, como se deu pela primeira vez com a viagem de Vasco da Gama em 1498. Na verdadeseguindo os passos de Jürgen Habermas e Manuel Castells, o entendimento da globalização se deve dar no âmbitoda recon guração do planeta em redes, comprimindo, encolhendo o espaço e sobrepondo tempos constantes econcomitantes. A realidade digital da globalização implica banalização do espaço, posto que este só se de na emtermos de capacidade, de gigas ein ohighways. O conjunto das novas tecnologias digitais, organizadas em redesplanetárias, colonizou o cotidiano humano, de nindo e demarcando todas as dimensões do agir social, no mais das vezes enquanto busca da e cácia e “commoditização” do indivíduo. Do entretenimento até a pesquisa cientí ca deponta, passando por segmentos tão diversos como a indústria e o comércio armamentista; a produção e circulaçãode ármacos; a exploração e comercialização de todas as ormas de energia; os uxos mundiais de drogas e de todas ormas de crime trans ronteiriço, todos eles são domínios colonizados pelas tecnologias digitais característicada nova ordem mundial. Ou seja, não apontamos uma nova ordem mundial somente pela emergência de um novoequilíbrio de poder entre Estados. Na verdade, de 1991 até a eclosão da crise mundial de 2008, vivemos sob uma“não ordem” mundial. Vemos a emergência de uma nova (des)ordem mundial na imposição de uma realidadetecnológica impositiva e colonizadora,a ortiori, das diversas dimensões do agir humano em quaisquer dos seuscampos de ação. Neste sentido, os velhos conceitos por demais centrados nas relações entre Estados para de nirordem mundial precisam ser revistos. A ordem mundial vigente deriva da imposição das novas tecnologias e dacomoditização geral da vida e do agir humano. As relações entre os Estados, incluindo aí a hegemonia de um impériocomo os Estados Unidos, é uma variável ugidia e sujeita a impactos como nunca antes ocorreram.

    Não se trata aqui de apontar a nova tecnologia digital como sendo a essência do mal. Isso seria, em verdade,uma reedição, muito tardia, do ludismo da época inicial da Revolução Industrial inglesa. A tecnologia, per si, não é

    boa, nem é, também, má. rata-se da sua imposição como resposta única à busca pela igualdade e pela justiça social

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    xviiFrancisco Carlos Teixeira Da Silva Por que Discutir os Impérios?

    A chamada “inclusão digital” como um objetivo em si mesmo, sem atentar para as possibilidades bastante reaisque a tecnologia num ambiente de injustiça social só potencializa a exploração e a desigualdade, é um exemplotrans erência para a máquina da necessidade de tomada de decisão política.

    Assim, emergindo de uma ordem mundial baseada na bipolaridade, nas díades opostas de socialismo/capitalmo; dirigismo/livre mercado; ditadura proletária/democracia representativa entraria num mundo polarizado entra inclusão e a exclusão digital. Esta divisão undante da nova ordem mundial implicaria aceitação por governpovos e instituições em todo o mundo das regras da globalização e do mercado auto-regulável. Assim, boa parteplaneta, incluindo aí países emergentes do socialismo real, estaria conectada através de uxos globais organizaem redes. Seriam, ainda, parte de acordos e blocos de cooperação mundial centrados em marcos regulatórios ditadpelo mercado, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) ou blocos regionais de cooperação. Contudesta uni cação mundial, superando a ampla ratura da Guerra Fria, não se realizaria sem traumas, ou mesmo cainacabada, até a evidência de seu racasso no bojo da grande crise mundial de outubro de 2008.

    Mesmo antes de 2008, porém, países e povos recusaram a idéia- orça de um mundo único e uni cado pelo ptenso “ m da história”. Por motivos di erentes, países como o Irã ou Cuba se recusam a aceitar um mundo uni csob os conceitos de economia de mercado, regime liberal-representativo e livre circulação de idéias. Outros, coBolívia, Venezuela, Equador ou Nicarágua, insistem em inventar ormas mais justas e cooperativas das relaçinternacionais, enquanto pretendem internamente pensar um “socialismo do século XXI” (mesmo em ace de umpoderosa oposição), na contramão da, então, tendência dominante.

    Assim, desde seus primeiros dias, a nova ordem mundial/globalização gerou críticas e recusas, de matizecaráter di erenciados, no seu próprio interior, substituindo claramente a cesura entre Ocidente/Oriente, e mesmNorte/Sul, por uma nova cesura: conectados e não-conectados na ordem global.

    Neste contexto, a pretensão de um dos Estados da nova ordem, o mais poderoso de todos, em se constituir e“hegemon” — eu emismo para a nova orma de dominação imperial — e simultaneamente em modelo incontornde elicidade para todos os povos (exportando a “democracia” e a organização econômica da América), provo violentas reações. A guerra, que se pensava banida das relações internacionais pós-Guerra Fria, retornou com todas suas mazelas. Para alguns autores, por paradoxo, exatamente o m da Guerra Fria, e, portanto, do risco de escalnuclear tornou a guerra convencional, a guerra de guerrilhas, a guerra urbana, muito mais provável.

    ais condições ensejaram um amplo debate sobre a existência de um “império” (moderno, pós-moderno) ntempo presente e na sua (im)possibilidade de se constituir, no seu próprio âmbito, em uma “pax” mundial. Embora o poderio militar, econômico e a capacidade de inovação dos Estados Unidos possam lhe con erir, con oseu agir político, um papel imperial, não há condições de con ormar uma “pax”. No interior mesmo de sua esde dominação, são tantas e tamanhas as resistências ao seu papel de modelo a ser emulado, que a capacidade Washington hegemonizar as áreas dominadas decresce a cada dia.

    Assim, o debate daí derivado envolveu os trabalhos de ony Negri e Michael Hardt, com sua proposição inovad

    e, de certa orma, otimista, de um império in ormal exercido através de um diretório de instituições internacionsem uma pertença “nacional” única. O Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comércio, Banco Mundial e um conjunto de grandes empresas supranacionais seriam a verdadeira ace desta “governamundial”. Algumas instituições e acordos políticos como o Conselho de Segurança da ONU, o G-7 (e depoisbem como diversos tratados aceitos planetariamente, como o Protocolo de Kyoto e o ribunal Penal Internacioncompletariam o enquadramento desta nova sociedade das nações num ordenamento jurídico mundial. Claro que oindivíduos cariam reduzidos a uma massa amor a, cujos direitos seriam regrados por tais corporações mundiDaí Negri&Hardt buscarem, em Merleau-Ponty, o conceito de “carne”, a condição bruta do ser humano, para denir a cidadania de milhões de pessoas nos nossos tempos. Contudo, insistimos: mesmo, esta noção de um impérin ormal, sem necessidades territoriais (ocupação, conquista, bases militares), assim radicalmente di erenciado

    velhos impérios coloniais (romano, português, britânico...), não parece se sustentar. As análises de Negri&Har

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    talvez as mais originais depois do m da Guerra Fria, parecem pro undamente contaminadas pelo otimismo da eraClinton, da sua ação em prol da construção de um ordenamento jurídico internacional capaz de dar sustentaçãoao hegemonismo americano. O 11 de setembro e as ações da administração Bush, recorrendo constantemente aouso da orça, dotada de orte arrogância imperial, e buscando bases territoriais em pontos distantes do planeta paraseu exercício de poder, desmentiram, na prática, o modelo de um império in ormal muito mais poderoso que asestruturas imperiais anteriormente existentes na História.

    Alguns políticos e intelectuais conservadores (ouneocon, como passaram a ser chamados), como TomasDonnelly e Donald Rums eld (secretário de de esa na primeira gestão de G.W. Bush), de enderam abertamente, nâmbito do “Project or the New American Century”, a assunção pelos Estados Unidos de um papel imperial dirigentedo planeta, emulando a época da rainha Vitória e da pax britannica. Os Estados Unidos deveriam assumir, de veze corajosamente, o papel de um “globalcop”, abandonando o papel (sic) de “xeri e relutante” do mundo. Assim, nopós-Guerra Fria caótico, com novas ameaças jamais vistas, todas de tipo global (terrorismo, narcotrá co, armas dedestruição em massa, Estados-párias etc.) caberia à América o papel de policial mundial. Para isso, o uso da orçaa necessidade de decisões rápidas (para além dos diversos ora internacionais) e a ação preemptiva (um ataque ul-

    minante ante um perigo imediato) deveriam ser a doutrina básica do poder americano na nova ordem mundial.O brilhante historiador britânico Niall Ferguson, de ensor do caráter ben azejo da “pax” imperial, tomandocomo exemplo a Grã-Bretanha (mas, sempre pensando nos Estados Unidos), inspirou inúmeros comentaristas edebatedores, como nas páginas da prestigiosa revistaForeign Affairs,a de ender, ante um mundo hostil, o papelimperial dos Estados Unidos.6 O modelo seria, necessariamente, o império britânico. Reavaliando a ação inglesa nosséculos XVIII e XIX, acreditar-se-ia, segundo eles, que o império oi positivo no conjunto da sua obra. Somente clima altamente ideologizado da época da descolonização, em especial nos anos 60, obscureceu o século de açõeconstrutivas anteriores. A obra de Ferguson dialoga basicamente com os trabalhos de Eric Hobsbawm, um clássicoda análise marxista dos impérios coloniais, e ainda com Paul Kennedy, um teórico da crise dos impérios. Mesmoquando não se apro unda, ou cita estes autores — como o notável silêncio sobre a obra de Hobsbawm — Ferguson

    traduz nitidamente uma antástica nostalgia pelo império. Sua dedicação aos Estados Unidos — e a plata orma conservadora nas eleições presidenciais de 2008 — explicita uma tese de endida em silêncio por políticos, trabalhistae conservadores, britânicos desde Churchill no sentido de promover uma simbiose entre a América (em ascensão,mas desprovida daexpertise imperial) e a Grã-Bretanha (em crepúsculo, mas capaz de gerir um império). Assim, anova hegemonia americana não seria exclusivamente “americana”, mas produto da cultura anglo-saxã, uma ediçãode um “segundo” império, ao qual se uniriam Canadá, Austrália, Nova Zelândia e algumas outras pérolas perdidasdo antigo império (como Á rica do Sul, Uganda e Quênia).

    Nem todos os teóricos oram tão otimistas quanto Negri&Hardt ou Ferguson, malgrado suas pro undas di erenças. Joseph Nye Jr., por exemplo, sempre duvidou ortemente da capacidade de os Estados Unidos manterem,através do uso da violência, um império que tivesse verdadeiramente a con ormação de uma “pax universalis”Mesmo Ferguson acredita que os elementos não-militares da hegemonia imperial são tão ou mais importantes queo poder militar explícito (e aqui surgem di erenças no interior do grupo conservador).

    Emergiu, a partir de então, um amplo debate sobre as bases, ou a natureza, do poder de um império. Para grandeparte dos autores, o império britânico nunca oi um poder militar incontrastável, mesmo no vigor da política de poderbaseada na supremacia da marinha britânica (a regra de superioridade sobre as duas outras maiores esquadras). Naprática, a Inglaterra sempre precisou de alianças de ocasião com um orte poder terrestre para exercer seu domínio.Assim, em situações di erentes, desde as Guerras Napoleônicas, passando pela Guerra da Criméia, até a Segunda GuerrMundial, os britânicos tiveram que combinar seu poder naval (e, aeronaval) com um aliado exercendo o poder terrestre.A xação dos políticos e escritores neoconservadores na panóplia militar americana seria desmesurada, implicaria orte

    ilusões de poder, derivando para o unilateralismo e a arrogância. No limite, e após a experiência da administração Bush,

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    xixFrancisco Carlos Teixeira Da Silva Por que Discutir os Impérios?

    seria incapaz para de ender os interesses americanos (como no Iraque, A eganistão ou na luta contra o terrorismacabaria, por seu peso, por criar as condições para uma crise nanceira de proporções planetárias.

    Para Joseph Nye Jr. o poder americano se exerceria (bem mais e melhor) através da clássica imagem do tableiro de xadrez tridimensional onde estaria combinado o poder militar, o poder econômico (relativamente race o poder de persuasão (ousof power ). A idéia de uma “decadência” dos Estados Unidos estaria centrada, errada-mente, na análise única dotop do xadrez tridimensional ou, no mais das vezes, no nível intermediário, a economiados Estados Unidos. A combinação dos diversos níveis de poder, de persuasão e in uência, manteria os EstadUnidos notop das grandes potências por bastante tempo. Somente a xação de críticos e, também, dos de ensoda América, num nível único de análise, apontaria para a decadência.

    Evidentemente, outros autores clássicos oram chamados de volta ao palco de discussões, demonstrando qsuas teses continuam dotadas de ampla capacidade explicativa ou ao menos de poder contribuir na construçãde novas abordagens da questão imperial.7 Foi assim principalmente com dois clássicos: Eric Hobsbawm e Jean-Baptiste Duroselle, dois grandes especialistas (que por sua vez debatiam com Lênin e Hobson), além de autoprestigiosos como Raymond Aron — por sinal, o primeiro a identi car as características imperiais da Repúblnorte-americana. Particularmente interessante é a proposição de Duroselle, sob impacto dadébàcle soviética, deuma modelização da crise dos impérios. Ao propor uma chave de análise centrada sobre as possibilidades de “o império destruído pela violência (externa)”; (b) “a desagregação pelo nacionalismo (dos povos componentes(c) “desagregação interna”, por atores políticos e econômicos, Duroselle abre um amplo debate sobre as estrutuinternas dos impérios, escapando da dicotomia redundante entre “causas econômicas” e “causas militares” padesaparição dos impérios clássicos na história.

    O papel dos Estados Unidos na nova ordem mundial e o correto diagnóstico da natureza do seu poder deveriaconcentrar as diversas variáveis do atual debate, evitando análises economicistas e ampliando as chaves de intpretação. Da mesma orma, a grande di culdade reside claramente em distinguir o que é meramente conjunturpassageiro, do que são tendências permanentes e con guradoras do uturo no atual momento. Este é um típidilema das mídias em busca de grandes manchetes.

    Discutindo os impérios na história

    Logo após assumir a Presidência dos Estados Unidos, George W. Bush desmontou uma já longa e trabalhosa tdas relações internacionais dos Estados Unidos. A relativa coesão da política externa norte-americana, várias veapontada em seus objetivos maiores como bipartidária (quer dizer, mantida em seu recorte maior nas administrações republicana e democrata, ato retomado pelas primeiras indicações políticas da administração Barack Obam

    oi, então, abandonada. Um movimento transversal acabou reunindo expoentes do wilsonianismo universalisdo conservadorismo republicano e undamentalistas cristãos e liberais. Esta nova coalizão oi denominada (mu vezes se autodenominou) de neoconservadores.

    Da mesma orma (e coerentemente), oi imposta uma cartilha econômica, ou nanceira, direcionada parsuicídio regulatório da economia. Corte dos impostos, abandona da regulação e do acompanhamento normativdos negócios, além de uma imbricação promíscua entre grandes empresas (petróleo, ornecedores militares, bangestores) e a ormulação da política externa e de de esa.

    A guerra tornou-se, mais do que nunca, um negócio. Em m, desde 2007, deu-se o esperado: a crise arrastaos gigantes da economia americana para a alência, trazendo como corolário o desemprego, a perda da poupançamilhões de pessoas e a depressão econômica. Já em 2008, o império vergava em um dos seus tabuleiros, a econom

    Se, de um lado, a ascensão de Bush e da sua equipe de neoconservadores trazia para o proscênio o debate aceda ascensão dos impérios, de sua natureza e características, a crise de 2007 e 2008 trazia para a ribalta o deb

    sobre a decadência dos impérios.

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    Impérios na Históriaxx

    Desde a eclosão da crise denominada de “especulação das hipotecas desubprime”, ao nal de 2007, uma sériede analistas apressaram-se a localizar, com certo viés economicista, a crise no bojo da “decadência” dos EstadosUnidos, seja ela inevitável ou não.8 Os sinais — ou tendências, como querem alguns — seriam ácies de detectar,somando-se elementos de natureza bastante diversa. Entre os elementos centrais da pretendidadecadência ameri-cana, deveria destacar:

    i. a perda de dinamismo da demogra a dita “WASP” (preocupação central na obra de Samuel Huntington,por exemplo);

    ii. o continuado dé cit duplo do país (orçamentário/ scal e comercial, centro da argumentação de vários eco-nomistas, entre os quais Paul Krugman);

    iii. a perda continuada do valor do dólar e desprestígio como moeda mundial de reserva;iv. a desindustrialização do país e sua perda de competitividade; v. a alência da política externa e de de esa, em especial no Iraque e A eganistão; incapacidade de deter a A

    Qaeda; vi. a crise com os aliados tradicionais na Europa, Ásia e América Latina, que passam a assumir uma postura

    mais independente; vii. a emergência de competidores estratégicos, de natureza diversa, e capazes de limitar a ação dos Estados

    Unidos, tais como a nova Rússia e a China Popular.

    Outros atores poderiam ser somados a esta lista, dependendo, é claro, de posições políticas e orientações ideo-lógicas dos analistas.9 De qualquer orma, os elementos acima revelam uma mescla diversi cada de tendências,conjunturas e eventos que não deveriam ser vistos de orma cumulativa ou única. Ou mesmo, de per si, capazes deconter um signi cado claramente portador de uturo, em especial sem somarem-se aí os atores positivos da economia e da sociedade norte-americana, por exemplo, em inovação e tecnologia. Em suma, deveríamos ter sempreem mente o caráter múltiplo do poder americano, ou como diria Nye Jr., suas três dimensões complementares.

    Para uma análise correta deve-se operar aqui com o tempo histórico, em especial a chamada “longa duração”,abandonando o tempo presenti cado — imóvel, sempre igual. Os Estados Unidos eram, e etivamente, a metadeda riqueza mundial, em 1945, quando o mundo (note bene! ) estava destruído por seis anos intermitentes da maisbrutal guerra havida na história. Na Ásia, a guerra, que começou antes, durou quase dez anos. A destruição doparque industrial e da capacidade nanceira do Japão, Alemanha e Itália representou uma tremenda punção deriqueza mundial, com a destruição ísica de ativos e estruturas produtivas. Mas não era só isso: os grandes paíseindustriais — da Primeira Revolução Industrial — como a Grã-Bretanha, França, Holanda e Bélgica estavam, tam-bém, em ruínas. Anos seguidos de bombardeios e de combates terrestres (nos países continentais) havia, de ato,destruído a capacidade industrial destes países, impedido investimentos e endividado tais economias, exatamente,

    com os Estados Unidos. Da mesma orma, a então URSS tinha sido arrasada e a China — em guerra desde 193— mergulhava numa brutal guerra civil que duraria até 1949.10 Da mesma orma, em virtude da Segunda GuerraMundial — ou aproveitando-se das oportunidades aí surgidas —, vários países iniciaram um vigoroso processo deindustrialização por substituição de importações, como oi o caso do Brasil e México.

    Assim, os Estados Unidos representarem uma percentagem tão elevada da riqueza mundial, durante um largoperíodo, não era um dado natural (uma base de contagem ou “Índice 100”) e, isso sim, uma situação absolutamen-te excepcional. A situação anormal nas relações internacionais era, em verdade, o peso exageradamente grandedos Estados Unidos no conjunto da ordem mundial. A recuperação e a restauração das economias a etadas pelaSegunda Guerra Mundial deveriam ser esperadas como um processo histórico normal, bem como o rompimentodo condomínio soviético-americano de 1945-1991. O que existe depois de 2005, e em especial a partir de 2008,

    o retorno, normal e ben azejo, de uma ordem mundial mais plural e diversi cada.

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    A Europa não só trabalhou nesta direção, como ainda assumiu um projeto próprio de retorno ao cenáriomundial como uma unidade econômica, cultural e institucional. ratava-se de construir uma orma substitutcompensatória, da relativa perda de poder militar (mas, não esqueçamos a capacidade européia de ainda azeguerra, como na Crise de Suez em 1956 ou na Guerra das Malvinas, em 1982) e diminuição do seu caráter de pomundial em virtude da perda dos impérios coloniais. Mesmo sua aparente raqueza militar e política pode viservir de modelo — num sentido de poder político cooperativista — a zonas estratégicas altamente convulsionadcomo no Oriente Médio e Á rica.11

    O m do colonialismo europeu permitiu, em m, a ascensão dos chamados “países novos” ou emergentes, tcomo a Indonésia, Malásia, Índia, Irã (uma semicolônia), Á rica do Sul (um domínio rebelde), Nigéria, ArgéEgito. Estes, depois de uma ase “neocolonial”, acabaram por ensejar a ascensão de uma nova elite desenvolvimtista, capaz de inverter os eixos do poder econômico mundial, tornando — tal qual ocorreu até o século XV— a Ásia em novo centro do poder econômico global. Enquanto isso, outros países avançaram em seus procesde industrialização, como o México, a Argentina e o Brasil. odos estes se tornariam países relevantes no cenámundial, muitos assumindo como tare a a construção de grandes plata ormas industriais substitutas de importaçenquanto suportes indispensáveis de seus projetos nacionais autônomos.

    Mesmo a China reencontra, entre 1978 e 1989, seu ritmo de crescimento histórico. A surpresa, ou mesmoperplexidade, de alguns economistas e politólogos com o “ enômeno” chinês implica, tão-somente, desconhecimto histórico. Desde a antiguidade, a China apresentou um antástico vigor econômico, organizando e construinduma vasta rede econômica e política em toda a Ásia centro-oriental. Ao longo dos últimos três mil anos, a Chipolarizou, em rede, um vasto espaço geopolítico que se estendeu do Mar Amarelo e da Coréia até o Vale de Fergana Quirguisia contemporânea; da Manchúria e Mongólia até o Vietnã, controlando o ibet e o urquemenistã(Xinjiang). Cada um destes pontos geográ cos representava elos em uma larga rede de trocas polarizada sobregrandes centros manu atureiros chineses. A orça do poderio chinês sempre oi a mesma: dinamismo demogco; capacidade organizativa; inovações tecnológicas esof power cultural. A China sempre aceitou como “chinês”quem vivia como “chinês”, centrando sua identidade nacional na cultura e não em características raciais ou podmilitar. Na verdade, a civilização chinesa “conquistou” seus conquistadores, tanto mongóis quanto mandchus. Etes mecanismos civilizatórios — superado o eclipse provocado pelos imperialismos ocidentais entre 1849 e 1— permanecem como apanágio da civilização chinesa.12

    Mesmo a Índia, muito mais uma noção cultural do que política antes de 1947, era um poderoso centro manutureiro no século XVIII e XIX, tendo sua “ruralização” sido um subproduto, danoso e cruel, do domínio britânico país.13 Foi a Grã-Bretanha que buscou a desindustrialização dos grandes centros manu atureiros indianos (visandà imposição dos tecidos ingleses) e substitui grandes plantações de alimentos pela monocultura do chá, ensejana ome e o empobrecimento da velha civilização indiana.

    Assim, superados os traumas do pós-1945, o natural — com a reconstrução do pós-guerra e o m do colon

    lismo — seria, evidentemente, umareequilibragem econômica do planeta, com a maior redistribuição da riquezaentre as grandes nações. Desta orma, o que se vê hoje não é, de orma alguma, algo inusitado ou umadecadência da Europa e dos Estados Unidos (a segunda etapa do “Declínio do Ocidente”), mas a busca de umnovo equilíbriomultipolar muito mais de acordo com o curso da história. Nesta linha de trabalho, a hipótese central para o séculXXI é a emergência de um mundo cada vez mais multipolar, com grandes centros alternativos de poder. Evidenmente não serão, todos eles, comparáveis e intercambiáveis. Assim oi com os reinos concorrentes da era helenístentre 332 e 146 a. C. ambém oi assim na Europa durante aPentarquia(Grã-Bretanha, França, Rússia czarista,império austro-húngaro e a Alemanha Imperial) — entre 1815 e1914 — quando vários centros de poder, desigue concorrentes, buscavam manter-se como centros decisórios con antes em qualidades altamente di erenciada

    A hegemonia dos Estados Unidos, o unilateralismo e a avassaladora concentração de riqueza nesse país — en

    1945 e 1989 — seriam, isto sim, o enômeno inusitado e desequilibrador da história das relações internacion

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    Havia a expectativa de sua elite, ou ao menos de parte da elite política, de converter-se em um império democrá-tico e universal, agindo de orma unilateral e sem concorrentes depois do m da Guerra Fria (1991). Entretanto, oimpasse na Guerra do Iraque (2003) e o imenso es orço econômico eito sem grandes resultados — culminando ncrise de 2008 — mostraram, em m, que este era um sonho inalcançável.

    O destino dos impérios

    O já citado autor britânico Niall Ferguson propôs alguns critérios para a análise dos impérios ao longo da his-tória.14 Para Ferguson dever-se-ia ter em mente sempre uma série de estruturas de longa duração que garantiram,para além do poder militar, a hegemonia britânica. Procuramos, a seguir, adaptar sua proposição para os nossosdias, introduzindo novos elementos a saber:

    1. Forma e exercício do poder político e sua institucionalidade. 2. Formas e doutrinas das organizações militares e seu peso sobre o conjunto das instituições.

    3. A dinâmica da demogra a. 4. As estruturas econômicas e de nanciamento do projeto de poder.5. As tensões entre centro e peri eria e as noções de interior e exterior.6. O papel e de nição das ronteiras, sua expansão e de esa. 7. O papel da inovação e da tecnologia na manutenção e/ou crise dos impérios.8. Pensamento político, ideologia e/ou religião imperial capaz de assegurar coesão interna e sedução externa.9. O papel da administração pública e do corpo de uncionários, sua e cácia e peso sobre o conjunto das in

    tuições.10. As ormas de crise, decadência ou colapso que levaram os impérios ao desaparecimento, estagnação ou

    gressão.

    Ora, em cada um destes elementos, encontramos hoje, para o caso dos Estados Unidos, elementos de otimismo.Mesmo que haja uma crise nanceira que se desdobre em crise econômica, ainda não temos elementos para con-siderá-la, no momento, como uma crise “de nitiva” da economia americana, e da qual esta não teria mecanismos— incluindo aí ampla capacidade de inovação — de soerguimento.15 De qualquer orma, a história está repleta deimpérios e êmeros.

    A hegemonia da Europa sobre o planeta — a chamada “Era dos Impérios”, con orme Eric Hobsbawm — oum enômeno, em verdade, bastante curto em termos históricos. Entre a arrancada imperialista, por volta de 1880(talvez marcada pelo Congresso de Berlim, de 1878), e o apogeu do processo de descolonização na década de 1960decorrem-se menos de cem anos. Assim, apenas con rmava-se uma avaliação histórica de pro unda sabedoria:toute empire perirá! 16 Esta oi a duração máxima, para além de algumas relíquias imperiais, da grandeza imperialeuropéia. Em ace da duração de impérios civilizatórios anteriores (como o império romano, o império árabe, oimpério bizantino, o império chinês), a glória européia oi bastante breve.

    A Europa, livre da ameaça do Exército Vermelho e do duelo dos mísseis Pershing e SS-20, pôde erguer uma vasta estrutura institucional que culminaria no euro e no ratado de Lisboa de 2008. Fortalecida e identi candointeresses próprios, oi capaz, em 2003, de ormar um orte eixo com ex-inimigo russo (Paris+Berlim+Moscoudesa ando os Estados Unidos sobre o Iraque (e mesmo em torno da Questão Nuclear Iraniana e do tratamentoda Questão Palestina). Em termos de riqueza, capacidade de inovação e em população, rivaliza-se com os EstadosUnidos e apresenta um projeto próprio de inserção mundial. Mesmo os aliados mais exíveis, como Angela Merkel

    e Nicolas Sarkozy, não hesitaram em dizer não aos Estados Unidos na reunião de cúpula da Otan em Bucareste

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    (2/4 de abril de 2008), quando se propôs a inclusão da Ucrânia e Geórgia ao sistema de de esa atlântico, criantensões desnecessárias com a Rússia.17

    Até a América Latina mudou. A tradicional dependência com relação aos Estados Unidos, expressa na tentatide renovar a vigência da Doutrina Monroe (Projeto da Alca, 1994), oi ortemente abalada. Depois da GuerraMalvinas, em 1982, até o impensado e rude apoio (e na pior versão, na arquitetura americana) da ação preemptie agressiva da Colômbia contra as Farcs no Equador, em 2008, só avançou o descrédito dos Estados Unidos. A pendência tradicional oi institucionaliza somente no âmbito do Nafa, uma aliança por demais precoce, da qualMéxico já deu vários sinais de arrependimento e cansaço. Enquanto isso, a parte sul do continente (ou o continensul-americano) assumiu claramente uma postura autônoma e crítica, inédita nos últimos 200 anos da história comum das repúblicas americanas. A crise colombiana acelerou dois enômenos inteiramente novos no hemis éde um lado, o conselho da OEA mostrou-se, pela primeira vez, autônomo em ace das pressões norte-americanrecusando-se a aceitar a tese norte-americana acusando a Venezuela de “estado patrocinador do terrorismo”.18 Namesma ocasião, o presidente Lula, rejeitando a pressão norte-americana, declarou que “... as crises diplomátisul-americanas devem ser negociadas na própria região”. O alcance de tal a rmação — imediatamente acata

    pela Venezuela, Argentina, Equador e Bolívia — é de grande proporção. rata-se, claramente, de uma exclusãa priori dos Estados Unidos do cenário regional. Na prática, Lula da Silva, sem os e eitos pirotécnicos próprioscomandante Chavez, revogou a Doutrina Monroe, velha de quase dois séculos. Ao mesmo tempo, visando dinstitucionalidade ao seu projeto de autonomia e integração regional (já explícito na ampliação do Mercosul e Unasul/União das Nações Sul-americanas, Con erência Regional de Brasília, em 23/24 de maio de 2008), encarro ministro da De esa de negociar um conselho regional de de esa e segurança, sem a presença norte-america19 Emerge da crise prolongada entre a Venezuela e os Estados Unidos “... uma nova relação de orças na região, um Brasil determinante das relações de orças na região”.20

    O importante neste momento, para evitarmos o etnocentrismo típico de análises como de Samuel Huntingtonseria recolocar a Europa e os Estados Unidos no seu verdadeiro lugar na história. Os estudiosos do chamado “Sub

    tern Studies Group” desenvolveram um grande es orço para tornar claro que a Europa é apenas uma das “províncda história. É certo que esta pequena, rica e in uente península da Eurásia desempenhou, nos últimos 150 anospapel de ator principal da história, mas não o único ou eterno ator deste drama. O mesmo aplicar-se-ia aos EstadUnidos: uma rica e poderosa ilha/continente, que por 50 anos desempenhou, ao lado da URSS, um papel central história, inclusive como sucessor e herdeiro da Europa. Contudo, após os necessários ajustes — em curso sob nosolhos, desde 1991/2001 —, deverá assumir o seu papel natural de grande potência no conjunto do planeta: um dpólos da riqueza e do dinamismo mundial. Poderoso, porém, não único. Neste sentido, é absolutamente natural quos Estados Unidos reconheçam sua natureza de potência entre potências, assumindo a necessidade de en rentar unovo “mercado geopolítico”, onde terá que disputar um papel de liderança com outros centros de poder.21

    Essa será uma dura, e di ícil, tare a para a administração Obama. Em termos de estratégia nacional, pouadministrações tiveram este papel de correção de rumo no século XX. alvez F.D. Roosevelt em ace da GraDepressão de 1929, inventando o capitalismo regulado doNew Deal ; L. B. Johnson em ace da imperiosidadede salvar o país da guerra civil e impondo um amplo programa de Direitos Civis de negros e mestiços e JimmCarter ao descobrir a capacidade de condução moral dos Estados Unidos em ace de um mundo hostil sejammelhores exemplos. Barack Obama terá esta missão: recolocar os Estados Unidos num rumo de crescimensegurança e relançando a sua liderança mundial. No entanto, isto não poderá mais ser eito nos termos da GueFria — sempre uma tentação presente das lideranças americanas, posto que seja di ícil abandonar uma idéia qdeu certo — ou do imediato pós-Guerra Fria. As condições são di erentes, outras. Os Estados Unidos, embpossam muito no mundo, não podem adequar o mundo aos seus interesses. Cabe em verdade adequar-se a um

    mundo cada vez mais mutante.22

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    A presidência Obama, muito bem in ormada por especialistas norte-americanos e bem mais capaz de recu-perar o prestígio perdido dos Estados Unidos, já trabalha, em verdade, com a inserção dos Estados Unidos comoum grande ator global. Não mais o único, cuja vontade “imperial” seria lei mundial. Para um destes novos arautosdo poder norte-americano, Parag Khana, esta nova situação estratégica pode ser expressa numa imagem bastanterica sobre o compartilhamento do poder na nova ordem mundial e para quem “... na rede, ou teia, da globalizaçãoexistem hoje três aranhas”.23

    As três grandes aranhas da globalização, capazes de estender suas teias através do mundo, são os Estados Unidosa Europa comunitária e a China Popular. Cada um destes centros de poder possui capacidade hoje — e somenteeles, nenhum outro centro poder — para organizar em termos globais redes de uxos econômicos, nanceiros,tecnológicos e, naturalmente, de poder. Além disso, estes seriam os únicos centros de poder capazes de desenvolverum modelo próprio de organização do uturo. Estes modelos de uturo seriam altamente competitivos entre si eserviriam de modelagem para os países que ormariam, ao redor destes três centros, o chamado “Segundo Mundo”Este seria composto de importantes países, de relevante e decisivo papel na Ordem Mundial, tais como a Rússia,Brasil, Índia, Indonésia, Nigéria, Á rica do Sul, Vietnã e Malásia (e mais alguns poucos, muito poucos).24 Os modelospropostos (adaptados a partir da proposição de Khana) seriam bastante di erenciados:

    i. A “aranha” 1: Os Estados Unidos. Centro de elaboração do capitalismo liberal, altamente gerencial, baseadolargamente na inovação e nos novos métodos de organização da empresa e do trabalho. Manter-se-iam comomodelo da democracia partidária, de executivo orte e partidarismo controlado. Exerceriam imenso poderde captura sobre a Grã-Bretanha e o Japão — estrategicamente desprotegidos —, organizando as vastasáreas econômicas do Nafa, Caribe e América Central. Disputariam espaço na Á rica. Oriente Médio e ÁsiaOriental com os demais centros de poder.

    ii. A “aranha” 2: A Europa comunitária. Espaço econômico rico e inovador, modelo de capitalismo administrado,com ên ase em altos padrões de bem-estar social. Seu modelo político, tanto em nível nacional quanto emnível comunitário, seria o parlamentarismo multipartidário, centrado numa noção de Estado cooperativistae negociador. Não busca um executivo orte e sua atratividade para o “Segundo Mundo” reside aí mesmo.Exerceria orte in uência sobre as regiões em que o Estado oi onte de crises e distúrbios, com a presença

    orte diversidade étnica e cultural, como o Oriente Médio, Mediterrâneo e a Á rica Negra (onde converterãoa herança colonial num sistema de cooperação internacional). Exercerão um papel mediador nas relaçõescom os dois demais centros de poder, os Estados Unidos e a China Popular. Ao mesmo tempo, manterãorelações intensas e simbióticas com o “Segundo Mundo”, em especial a Rússia e seu espaço estratégico e a

    utura América do Sul integrada.iii. A “aranha” 3: A China Popular. Servira de modelo alternativo à Europa e aos Estados Unidos para os países

    em rápido crescimento, acentuando as possibilidades de liberalismo econômico e autoritarismo político,

    comprovando que o modelo liberal norte-americano ou cooperativista europeu não são únicos. Organizaráa Ásia Oriental, mediante a trans ormação daEast Asian Community numa área de livre comércio, trans-ormando o “ riângulo do Pací co” (China/Japão/Australásia) no mais rico eixo econômico do mundo.

    Associar-se-á com o Paquistão e de posse de Gwandar, porto do Mar da Arábia, disputará com os demaispoderes a primazia no Oriente Médio e Á rica.

    Os demais países emergentes, mesmo no interior do BRIC, não terão chance, nos próximos 25 anos, de seincorporar nas redes globais enquantoaranhas. Ainda não é chegado o momento. udo dependerá das próximasduas décadas. Contudo, Rússia, Brasil, Índia, Indonésia e os demais componentes do “Segundo Mundo” serão ospaíses-chave do equilíbrio mundial. As alianças, ou mediações, que exercerem entre os três grandes centros de poder

    acabarão por de nir a hegemonia mundial. As oportunidades de mudança de patamar geopolítico são enormes para

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    xxvFrancisco Carlos Teixeira Da Silva Por que Discutir os Impérios?

    estas grandes nações, dependendo do equilíbrio institucional interno ( orte no Brasil e Índia; em construção Rússia; raco, na Indonésia); do desenvolvimento tecnológico e da capacidade de inovação ( orte na Rússia e Íem construção, no Brasil; raco, na Indonésia) e dosof power , capaz de evitar o isolamento político e estratégico( orte no Brasil e Índia; em construção na Indonésia; raco, na Rússia). Assim, Brasil, Rússia e Índia, por seueconômico, demográ co e pelo desenvolvimento de tecnologias especí cas — incluindo aí tecnologias verdesterão um papel central no novo alinhamento multipolar do mundo.

    Os demais países do planeta, tanto na Á rica quanto na Ásia, não terão chances maiores de autonomia estratégou de emancipar-se do sistema de redes desenhado pelas três grandes potências da nova era, constituindo-se nunovo e triste “ erceiro Mundo”. Somente os países pobres colocados no interior de sistemas de redes alternativcomo aNova América do Sul Integrada, poderão gozar de capacidade de desenvolvimento de suas populações de

    orma relativamente autônoma e justa. A incapacidade dos jovens países a ricanos em organizar sistemas autônode entrada na rede global — mesmo sob a liderança dos novos poderes emergentes como a Á rica do Sul, Ane Nigéria — acarretará a inclusão dos mesmos em algum dos sistemas centrais, trans ormando a Á rica em pcentral das disputas de poder na primeira metade do século XXI. Aí, a Europa, Estados Unidos e China Populexercerão múltiplas ormas de pressão visando trazer para sua área de in uência os recursos existentes no contineAlgumas lideranças de visão, inspiradas no sistema autônomo sul-americano, tentarão buscar ormas de integraçe cooperação, que serão sabotadas pelas grandes “aranhas” e pelas rivalidades entre Pretória, Lagos e Luanda.

    A rivalidade intensa entre os três grandes poderá, contudo, resultar no aumento do poder de barganha e dautonomia dos centros capacitados. Assim, o Brasil, a Rússia e a Índia deverão desenvolver, ao máximo, orcomplementares e cooperativas com os três grandes centros de poder e, principalmente, entre si mesmo.

    Somente a percepção destas novas condições, com tranqüilidade e alguma sabedoria, evitarão que os EstadUnidos se envolvam em sucessivas guerras imperiais para a manutenção de uma hegemonia global incapaz de racionalmente sustentada. A percepção desta nova arquitetura mundial é a chave para a manutenção da Américcomo uma grande potência global. Ao lado das demaisaranhas.

    Notas1. Para a discussão das diversas estratégias político-militares da Guerra Fria, ver EIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos (Org.).Dicionário

    de Guerras e Revoluções do Século XX . Rio de Janeiro: Elsevier, 2001, em especial a Introdução.2. Os historiadores Paulo Vizentini, Cristina Pecequilo, Alexander Zhebit, Sidnei Munhoz e João Fábio Bertonha arão o debate da natu

    da Guerra Fria na penúltima parte deste trabalho.3. Para uma discussão da Escola da Regulação, ver CORIA , Benjamin.L’atelier et Le cronometre. Paris: Découverte, 2001.4. Para uma discussão do conceito de “ordem mundial”, ver: ZHEBI , Alexander (Org.).Ordens e Pacis. Rio de Janeiro: Mauad, 2008.5. Ver BAUMAN, Zygmunt.Vida para Consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.6. FERGUSON, Neill.Empire. Te rise and desmise o the British World Order and the lessons or Global Power. Londres: Allen Lan

    Books, 2002.7. DUROSELLE, Jean-Baptiste.out Empire Périra. Paris: Armand Colin, 1992, em especial o capítulo 16.

    8. O primeiro chamado em torno da “decadência” americana oi eito em: ODD, Emmanuel. Après l´empire. Paris: Gallimard, 2002. Parauma visão global da tese da decadência, ver ROGOFF, Kenneth.La estrella del dólar se apaga. In: EL PAIS, 04/05/2008, p. 21.9. Ver MÜNCHAU, Wol gang.Le dollar bientôt délaisse. Financial imes (edição rancesa), Londres, 16/04/2008.

    10. Ver sobre a situação da Europa: JUD , ony.Pós-Guerra: uma história da Europa desde 1945. São Paulo: Objetiva, 2008.11. HI CHCOCK, William.Te Struggle or Europe. Londres: Doubleday, 2003.12. HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. Petrópolis: Paz e erra, 1998.13. Para um debate sobre o papel do colonialismo na Índia, ver PANIKKAR, K.M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro: Saga,

    1965.14. Niall Ferguson é britânico, nascido em 1964, pro essor da Universidade de Harvard. Autor de vários trabalhos relevantes em Hist

    Contemporânea e assíduo colaborador da revistaForeign Affairs. Foi conselheiro da campanha do senador John MaCain.15. FERGUSON, Niall.Empire. Londres: Basic Books, 2002.16. DUROSSELLE, J.-B.oute Empire Perirá. Paris: PUF, 1982.17. IVANOV, Dragomir.L’Europe divise. DNEVNIK, So a (edição rancesa), 17/04/2008, p. 6.

    18. MEDELLÍN ORRES, Pedro.L’America Latina se emancipa. Cambio, Bogotá, 10/04/2008.

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    19. É importante distinguir a Unasul do Conselho de De esa Sul-Americano. No primeiro caso, a Unasul, a resistência ao projeto brasileiro dintegração advém do Equador, vocalizando muito claramente os governos da Bolívia e da Venezuela, que gostariam de uma união maisativista e política, e não só econômica. No caso do Conselho de De esa Sul-americano, a resistência parte do Chile e da Colômbia, paíscom cenários possíveis de guerra e altamente dependentes da aliança norte-americana. OLIVEIRA, Luísa et alii.União En raquecida. OGlobo, 24/05/2008, p. 3.

    20. Idem, op. cit., p. 37.

    21. VON LOHAUSEN, Jordis. Mut zur Macht . Denken in Kotinenten. Berg am See: Kurt Vowinckel, 1981.22. SERFA Y, Simon.La entation Impériale. Paris: O. Jacob, 2004.23. KHANNA, Parag.Te Second World . Empires and in uence in the New Global Order. Nova York: Randon House, 2008.24. A ascensão de alguns desses países a uma posição de relevo nos próximos 25/30 anos dependerá largamente de sua capacidade de resoluçã

    de crises institucionais, encerrando a busca de modelos políticos de convivência e de tolerância, con orme assinalamos na adaptação domodelo proposto por Niall Ferguson. Este é o caso, por exemplo, da Nigéria e da Á rica do Sul. Ambas as nações são ricas em recursonaturais, possuem ampla e engenhosa população e uma clara vocação em tornarem-se potências regionais (a Á rica do Sul, na Á ricAustral, e a Nigéria, na Á rica Centro-Ocidental). Outros países, como a Indonésia, são grandes re erências no seu entorno geoestratégicopadecendo, entretanto, do mesmo mal de insegurança e instabilidade institucional.

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    O império egípcio na Núbia (séculos XVI-XI a.C.)

    A Núbia é o vale do rio Nilo ao sul do Egito. Historicamente, considerava-se que o território do reino egípcuni cado, ormado por volta de 3100 a.C., compreendia ao norte o delta do Nilo e ao sul o vale do mesrio até Ele antina, cidade egípcia situada junto à primeira catarata — na verdade, uma série de corredei

    — daquele curso uvial. Embora o termo Núbia seja de origem medieval, é costumeiro usá-lo também para re ese aos territórios — situados, em termos dos Estados atuais, no extremo sul do Egito e nas porções setentrionacentral do Sudão (só em parte) — que os antigos egípcios denominavam Uauat (da primeira até a terceira catarado Nilo) e Kush (entre a terceira e a quarta catarata do mesmo rio).

    Os egípcios, desde o terceiro milênio antes de Cristo, trataram de expandir-se imperialmente em direção asul, portanto, em território núbio, onde viviam povos diversos cujas línguas e culturas eram di erentes das Egito. Entretanto, aqui nos ocuparemos unicamente da expansão egípcia que ocorreu durante o chamado períodimperial do Egito araônico, ou Reino Novo (séculos XVI a XI a.C.), muito mais ampla do que as mais antigasmesma época, os egípcios estabeleceram igualmente um império asiático, de extensão variável, na Síria-Palest

    onde numerosos príncipes asiáticos, mantidos no trono, aceitavam a supremacia do rei do Egito, ao qual pagavatributo, sendo os herdeiros desses principados educados na corte egípcia.Até poucas décadas atrás, as interpretações correntes sobre o império egípcio a rmavam haver di erenças p

    undas, de natureza, entre as relações dos egípcios com o seu império na Síria-Palestina, que se baseava num domindireto e tomava a orma de um protetorado, e na Núbia, onde sempre se sublinhara, no passado, o domínio diree a extração unilateral de tributos. Implicitamente, tal contraste continha uma suposição, com conotações racistarelativa ao “atraso” da Núbia e seus principados negros (por muito tempo, na verdade, o vale do Nilo, ao sul do Eg

    oi visto como região de dispersão tribal, quando comparado com o Egito ou com a Ásia Ocidental). Na atualidse percebe, pelo contrário, uma similaridade em linhas gerais na orma de relacionarem-se os egípcios com as sáreas de expansão tanto asiáticas quanto a ricanas, o que supõe um papel muito mais ativo (e diversi cado) para

    núbios incorporados ao domínio egípcio do que sua simples submissão. É absolutamente seguro que verdadeir

    C A P Í T U L O

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    Comparação de Dois Impérios Nilóticos:o Egito na Núbia e a Núbia no Egito (séculos XVI-VII a.C

    Ciro Flamarion Cardoso

    Professor titular de História Antiga (CEIA/UFF)

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    Estados (e não simplesmente che aturas ou con ederações tribais) existiram desde bastante cedo em terras núbiase, em diversas conjunturas, tornaram actível a imposição de um domínio egípcio somente com muito es orço eao termo de guerras prolongadas. No caso do período que aqui nos interessa, o do Reino Novo egípcio, mais deum século de árduas campanhas militares, entre o reinado do araó Kamés e aquele de utmés III, oi gasto na incorporação da Núbia (Uauat, Kush) da primeira catarata do Nilo até a quarta, o que signi cou a expansão egípciasobre uma região muito mais extensa do que no Reino Antigo e no Reino Médio, ou seja, no terceiro milênio antesde Cristo e na primeira metade do segundo milênio antes de Cristo. Foi especialmente di ícil vencer e destruir oreino núbio de Kerma, poderoso e so sticado, dotado de importante metalurgia do bronze: a denominação dessereino vem do nome atual do lugar onde cava a sua capital, logo ao sul da terceira catarata do Nilo, já que o nomeantigo é desconhecido.

    Passadas as campanhas mais importantes da expansão egípcia ao sul da primeira catarata, a que se seguiu umperíodo relativamente pací co na região, que durou mais de um século, uma re orma na administração da Núbiaocorreu, seja no reinado de Amenotep II (1425-1398 a.C.), seja no de utmés IV (1398-1390 a.C.), portanto, no nado século XV ou no princípio do século XIV a.C. Sob a autoridade maior do uncionário que os egiptólogos chamamde “vice-rei da Núbia” (“ lho real de Kush” para os egípcios antigos) — o cargo oi criado já em meados do sécuXVI a.C., sob o araó Kamés, e, no nal do século XIV a.C., o vice-rei tinha autoridade sobre amplo território qucomeçava no extremo sul do próprio Egito, a partir de Nekhen (Hieracômpolis) e se estendia até a quarta catarata doNilo, onde, na cidade ronteiriça de Napata, terminava a área sob controle egípcio —, organizaram-se duas provínciasUauat (Baixa Núbia) e Kush (Alta Núbia), cada uma sob a autoridade de um alto uncionário cuja relação com o vice-rei era semelhante à dos vizires egípcios do norte e do sul, che es da administração e da justiça, com o araó.

    A Baixa Núbia — de que dependiam importantes atividades de extração de ouro e cujo limite meridional era aterceira catarata do Nilo — estava sob administração direta dos egípcios. Os grupos dominantes locais se egipciani-zaram rapidamente, pelo menos quanto aos objetos achados em suas tumbas, e participaram predominantemente(havia poucos uncionários egípcios na região) do governo de Uauat, região dividida em três principados núbios.Kush, isto é, a Alta Núbia, entre a terceira e a quarta cataratas do Nilo, cujo núcleo era a região de Dongola, odeixada sob o controle de governantes núbios que reconheciam a supremacia do araó: esses governantes, taiscomo apareciam nas imagens produzidas pelos egípcios (em especial nas cenas que representavam a apresentaçãode tributos ao soberano do Egito), eram seis, o que parece indicar serem os principados locais mais numerosos doque os três de Uauat. Kush dispunha de explorações aurí eras de rendimento muito menos copioso do que as deUauat, mas as elites dos principados locais exerciam controle sobre as rotas que se estendiam para o sul. No interiorda grande curva que descreve o Nilo na região da quinta e da sexta cataratas do Nilo estava o deserto de Bayuda,atravessado por um caminho importante como rota para as trocas com o sul, vinculando a parte da Núbia sobcontrole egípcio (direto ao norte, indireto ao sul) aos principados totalmente independentes situados na “ilha deMéroe” e em terras ainda mais meriodionais, de onde vinham mar m, ébano, peles de animais, incenso, animais

    vivos como macacos e gira as, plumas e ovos de avestruz. A correspondência diplomática achada na localidadegípcia de Amarna, que no século XIV a.C. abrigou uma e êmera residência araônica, mostra a importância douro, mas também desses outros produtos a ricanos, nas relações de trocas (dons e contradons) entre os araósegípcios e os grandes reis do Mediterrâneo oriental e da Ásia Ocidental. O controle da Núbia era, portanto, degrande relevância no quadro das relações internacionais do Egito da Época ardia do Bronze (no essencial, asegunda metade do segundo milênio antes de Cristo.).

    O modelo tripartite da Núbia — região setentrional contendo três principados sob controle direto dos egípcios;região entre a terceira e a quarta catarata, contendo talvez seis principados kushitas sobre os quais o controle egípcioseria indireto; e, mais ao sul, principados totalmente independentes (o que não exclui possíveis in uências egípcias)mas que entravam em relações de trocas com o norte — baseia-se na reinterpretação do material arqueológico

    (constata-se uma densidade maior ou menor dos assentamentos e dos objetos de tipo egípcio por regiões, em geral

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    5Ciro Flamarion Cardoso Comparação de Dois Impérios Nilóticos: o Egito na Núbia e a Núbia no Egito (séculos XVI-VII a.C.)

    menor mais para o sul), dos textos escritos disponíveis, da lógica implícita nos cargos e títulos da elite núbia sdomínio egípcio e, também, do vocabulário relativo ao tributo pago pelos núbios ao araó: oi possível demonsquanto a este último ponto, que presentes e contrapresentes eram trocados entre o rei egípcio ou seus representante os aristocratas núbios, além de existir, sem dúvida, um tributo propriamente dito.

    Para e etuar uma releitura dos achados de estudos recentes sobre a dominação egípcia na Núbia à luz de udas teorias aplicáveis à disposição lógica e espacial dos impérios antigos — a que considera as relações entre núcleo, uma semiperi eria e uma peri eria —, levei em conta três pontos centrais: 1) atores logísticos derivda geogra a e dos recursos disponíveis no território egípcio e naquele que os egípcios tratavam de dominar sul de seu país; 2) nos impérios antigos, sempre se procurava des rutar das vantagens de ganhar um império,mesmo tempo delegando a outros, tanto quanto possível, os custos associados a isso; 3) muitas das característido uncionamento dos impérios antigos se explicam pela inserção das regiões conquistadas num sistema mamplo de reprodução social, com a nalidade de obter matérias-primas e outros bens, consumidos no territórcentral do conjunto imperial ou trans ormados em meios de troca deste último com áreas situadas além d

    ronteiras imperiais.A geogra a dos países nilóticos é peculiar: eles se apresentam como uma estreita aixa de território cultiv

    associada à cheia do Nilo, apertada entre desertos e, às vezes, mais ao sul, entre savanas dedicadas à pecuáriapróprio Egito, quanto à distribuição das densidades demográ cas, tinha sua população — que, na época aqui cosiderada, talvez tenha aumentado de mais de dois milhões para cerca de três milhões de habitantes — distribuíem quatro grandes zonas ecológicas: as maiores concentrações de população cavam na parte sul do país, onas condições naturais eram as melhores para a agricultura irrigada; o Médio Egito era uma região de povoamenmenos denso, devido à presença de bacias naturais muito extensas, di cilmente manejáveis para a tecnologia irrigação disponível; outra mancha populacional considerável caracterizava a região de Mên s (imediatamente sul do delta), do Fayum, onde desembocava num lago um braço secundário do Nilo, e do delta meridional; por a maior parte do delta do Nilo, a mais setentrional — onde tendeu crescentemente a situar-se a sede do poder d

    araós, devido às ên ases dadas à política externa e, no nal do Reino Novo, a tentativas maciças de invasão (l“povos do mar”) so ridas pelo norte do Egito —, era a zona de maior concentração de terra arável, mas cuja popção, embora se tornasse, no nal do período imperial egípcio, tão numerosa quanto a do vale em termos absolutapós mais de um milênio de colonização dirigida se caracterizava por uma densidade demográ ca menor.

    A Núbia, entendida como a parte do país nilótico ao sul do Egito em relação à qual se exerceu a expansão egcia, no período que consideramos talvez tivesse cerca de meio milhão de habitantes. Entretanto, a ecologia regioera bastante di erente da egípcia: as cheias do rio garantiam muito menos terra cultivável, circunscrevendo a pasedentária e agrícola da população às manchas descontínuas de solo irrigado (basicamente, três manchas correpondentes aos três principados de Uauat, e outra bem mais ao sul, na região de Dongola), enquanto uma proporçãbem maior da população que no Egito se dedicava ao pastoreio nômade, em zonas subdesérticas ou de savana, p

    exemplo, os Medjau, desde o terceiro milênio, com requência provia de policiais e soldados o país dos araósNo relativo às regiões agrícolas mais densamente povoadas, situadas junto ao rio, nas condições da Era Bronze, os transportes que as vinculavam entre si dependiam quase exclusivamente da navegação no Nilo. Asssendo, as cataratas do rio — em especial a segunda e a terceira, de travessia especialmente árdua — di cultavconsideravelmente as comunicações e provocavam nau rágios. Um dos principais araós conquistadores do ReNovo, utmés III, restabeleceu no século XV a.C. um antigo canal que permitia contornar a primeira catarata do rtomando medidas para que osse drenado regularmente. Seja como or, a navegação era lenta: para ir, navegaNilo abaixo, de Napata (o mais meridional dos estabelecimentos egípcios na Núbia da época imperial) até a cidamais importante do Alto Egito, ebas, levava-se pelo menos cinco semanas. Outrossim, entre as regiões agrícosetentrionais de Uauat e aquela, meridional, de Dongola, além da necessidade de rebocar os barcos na segund

    na terceira cataratas, puxando-os das margens mediante cordas, atravessava-se uma zona relativamente extensa

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    Impérios na História6

    vazio demográ co, ao longo do Nilo, ligada a atores ecológicos (ausência de terras ertilizadas pelo rio), o que decausar problemas de abastecimento a serem levados em conta no caso de expedições militares enviadas ao sul quecomportassem numerosos soldados.

    No nal do Segundo Período Intermediário, isto é, em meados do século XVI a.C., a decisão de expulsar os hicsosasiáticos que haviam estabelecido um domínio direto no delta do Nilo e um domínio indireto e tributário mais para osul, levou à constituição, pela primeira vez, na história então já longa do Egito antigo, de um exército e uma rota deguerra permanentes, pro ssionais. A remuneração dos militares mais graduados se azia, em muitos casos, median-te a concessão de pequenas ou médias propriedades rurais e de pelo menos uma parte da mão-de-obra necessáriapara o seu cultivo (na orma de um “presente”, eito pelo rei, de cativos de guerra); os soldados e marinheiros rasocom requência obtinham terras pertencentes aos templos em arrendamento, em condições avoráveis. Pensava-se, no passado, que, antes de Ramsés III (1184-1152 a.C.), a marinha servisse basicamente para o transporte dastropas, sem que ela mesma combatesse: hoje em dia sabe-se ser esta uma opinião errônea, havendo representaçõesiconográ cas anteriores de combate naval. O período dos hicsos no Egito, intensi cando o contato com a ÁsiaOcidental, havia propiciado a atualização das técnicas egípcias, até então muito in eriores às asiáticas, em especiano terreno dos armamentos. Nessa época, os egípcios adquiriram, em primeiro lugar, a plena metalurgia do bronzee conheceram uma nova era de trans ormações técnicas que, no entanto, não destruiu o seu sistema técnico tradi-cional, cujo núcleo era e continuou sendo a agricultura irrigada em tanques ou bacias, com instrumentos agrícolasde pedra, madeira e corda. Mesmo assim, o novo surto trouxe grandes mudanças na tecnologia militar — uso docarro de guerra puxado por cavalos, do arco composto, de echas com ponta metálica, de espadas de bronze, dearmaduras e elmos com partes de metal —, a introdução do tear vertical, do gado zebu, do torno rápido com pedalpara abricação de cerâmica. O poderio militar egípcio nunca havia sido tão grande quanto na época de sua maiorexpansão na Núbia. Entretanto, deve ser recordado que os recursos disponíveis para operações de conquista, ou derepressão de revoltas dos povos dominados, tinham de repartir-se entre as operações na Ásia Ocidental (Síria-Pa-lestina) e ao sul de Ele antina, em terras núbias. Outrossim, as ameaças de migrações ou invasões maciças dirigidaao próprio delta do Nilo, a partir do século XIII a.C., limitaram ainda mais as disponibilidades de recursos para apolítica expansionista a ricana.

    Os egípcios, em sua expansão na Á rica — cujo estudo, como acabamos de ver, deve levar em conta um conjuntbem maior, que inclui a lógica dos recursos disponíveis no próprio Egito e as relações deste também com os líbios(um povo residente a oeste do delta do Nilo), o Mediterrâneo oriental e a Ásia Ocidental —, sobretudo uma vezpassada a etapa da conquista militar, precisaram decidir como organizar as áreas conquistadas segundo uma lógicade minimização dos custos e maximização das vantagens para os conquistadores, inclusive quanto à obtenção decertos produtos considerados importantes. A organização, decidida quando das re ormas administrativas relativasao império a ricano do Egito, implantadas seja no nal do século XV, seja no início do século XIV a.C., consistiuem primeiro lugar, em controlar diretamente a região mais rica em ouro.

    A incorporação também do extremo sul do Egito, que continha explorações rendosas de ouro no Deserto Arábicoou oriental, aos domínios do vice-rei da Núbia parece ter a ver com a decisão de uni car o controle do uxo principalde ouro para a corte egípcia, de enorme importância para as trocas com a Ásia e o Mediterrâneo oriental. Na partesetentrional das terras núbias integrantes do território governado pelo vice-rei, para garantia de outras exploraçõesaurí eras muito ricas, o governo egípcio assumiu os custos consideráveis implicados na construção de cidades de tipoegípcio na região núbia setentrional, até a terceira catarata, cada uma dotada de pelo menos um templo, como centrosdo controle egípcio sobre Uauat e de di usão da cultura egípcia, bem como na reconstrução e guarnição das grandes

    ortalezas arruinadas que haviam sido construídas na região durante a primeira metade do segundo milênio antesde Cristo. (Reino Médio egípcio); mas tratou também de interessar em tal controle os grupos dominantes locais, queobtiveram vantagens materiais consideráveis de sua participação amplamente majoritária na administração da Baixa

    Núbia, diretamente integrada aos domínios egípcios: tal orma de domínio implicava menos custos do que os que

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    seriam preciso assumir, caso se quisesse instalar uma burocracia totalmente exercida por egípcios natos na regiãbem como estacionar tropas su cientes para submeter a população local pela orça bruta da repressão.

    Entre a terceira e a quarta cataratas, na Alta Núbia ou Kush, se optou, porém, por um controle indireto —que diminuía os custos —, baseado em ampla autonomia concedida aos principados locais, desde que aceitassemsupremacia egípcia e o araó como seu soberano. É possível que a incorporação direta dessa região meridional, ade problemas logísticos maiores devidos à distância muito grande do Egito, osse indesejável também por uma onização econômico-social, presente nos principados locais, pouco adequada à extração de excedentes importantseja mediante tributação direta, seja no quadro de um sistema de “presentes” ritualizados. Os grupos dominantlocais, autônomos mas sob domínio egípcio indireto (e, como ocorria em circunstâncias asiáticas análogas, sob risde intervenção egípcia armada em caso de revolta), assumiam a responsabilidade de garantir explorações menrendosas de ouro e, sobretudo, o controle dos uxos de trocas com principados situados mais ao sul, estes totamente independentes do Egito. ais uxos desembocavam em Napata, ponto mais meridional do império do Egina Núbia, sendo a presença de egípcios (administradores, tropas) provavelmente considerável nessa aglomeraç

    ronteiriça próxima à qu