impactos da aids na terceira idade: sentimentos, percepções e ... da aids... · monografia como...
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FACULDADE CEARENSE
Impactos da AIDS na terceira idade: Sentimentos, percepções
e perspectivas de mulheres vivendo com HIV/AIDS.
Luna Pinheiro Celedônio
Fortaleza-Ceará
Dezembro, 2012
FACULDADE CEARENSE
Impactos da AIDS na terceira idade: Sentimentos, percepções e
perspectivas de mulheres vivendo com HIV/AIDS.
Luna Pinheiro Celedônio
Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social outorgado pela Faculdade Cearense, sob orientação do Ms. Laurinete Sales de Andrade. Data da aprovação:_____/____/____
Fortaleza - Ceará
Dezembro, 2012
FACULDADE CEARENSE
Impactos da AIDS na terceira idade: Sentimentos, percepções e
perspectivas de mulheres vivendo com HIV/AIDS.
Luna Pinheiro Celedônio
Data da Apresentação: ____/_____/______
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Ms. Laurinete Sales Andrade – Orientador (a)
___________________________________________
Prof.ª Ms. Flaubênia Girão – 1ª Examinadora
_________________________________________
Prof.ª Ms. Mariana Aderaldo – 2ª Examinadora
Dedico não só essa conquista, mas também
todas as outras que virão aos meus pais Marcos
e Ana, e ao meu irmão Kaliel, pelo carinho e
pelo apoio incondicional, e por não medirem
esforços para que eu chegasse até essa etapa da
minha vida.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus que em nenhum momento me permitiu
fraquejar e duvidar do meu destino.
Aos meus pais e irmão pelo amor e apoio incondicional.
Ao meu noivo Felipe por todo amor, carinho, incentivo, força e paciência que
me tem dedicado. Estando ao meu lado em todas as minhas conquistas.
À minha querida orientadora Laurinete Andrade por ter aceitado tão
prontamente o meu convite, confiando na minha capacidade. Pelo carinho, pela
sua orientação, pela preciosa contribuição acadêmica e pelo incentivo de todas
as horas.
Às minhas amigas de longa data Isabela e Raisa, que me apoiaram e me
tornaram mais forte, estando ao meu lado nos meus momentos de angústias e
incertezas, ajudando-me a permanecer nesse caminho.
Às minhas queridas amigas que conquistei nessa trajetória, em especial,
Amanda Santos, Rafaela Viudez e Andrea Barreto, por terem compartilhado
comigo desde o primeiro dia de aula todos os momentos importantes da nossa
vida acadêmica e agora estarem compartilhando esse sentimento de vitória.
Aos meus familiares que mesmo distantes, torceram pelo meu sucesso.
À minha supervisora de campo Fátima Sales e a Assistente Social Silvia
Tavares, por terem contribuído para minha formação profissional durante todo
o meu percurso como estagiária do Hospital São José.
A todos os professores que dedicaram seu tempo e seus conhecimentos,
contribuindo para minha formação profissional e pessoal.
À minha Banca Examinadora que tão prontamente aceitou meu convite, a Profª
Ms. Flaubênia Girão e a Profª Ms. Mariana Aderaldo.
E em especial, às usuárias do Hospital São José fica a minha gratidão e
carinho por terem aceitado participar da minha pesquisa, contribuindo para que
meu percurso metodológico fosse enriquecedor com os seus depoimentos.
“Desistir... eu já pensei seriamente nisso, mas nunca me levei realmente a sério; é que tem mais chão nos meus olhos do que cansaço nas minhas pernas, mais esperança nos meus passos, do que tristeza nos meus ombros, mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça”. Cora Coralina.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AIDS – Acquired Immunodeficiency Syndrome
ARV – Antirretroviral
CDC – Centro de Controle de Doença
CF – Constituição Federal
DST – Doença Sexualmente Transmissível
HIV- Vírus da Imunodeficiência Humana
HSH – Homens que fazem Sexo com Homens
HSJ- Hospital São José
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
LOS- Lei Orgânica da Saúde
MS – Ministério da Saúde
MS – Ministério da Saúde
OMS- Organização Mundial de Saúde
PN-DST/AIDS – Programa Nacional de DST/AIDS
RSB- Reforma Sanitária Brasileira
SIDA – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
SUS- Sistema Único de Saúde
UDI- Usuários de Drogas Injetáveis
RESUMO
A AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é, atualmente, uma doença
de extrema complexidade, que vem trazendo inúmeros desafios para a
sociedade como um todo. Apesar da epidemia do HIV/AIDS estar inserida em
todas as camadas sociais, observa-se que o número de casos de pessoas
vivendo com HIV/AIDS, na terceira idade, é crescente. O presente trabalho tem
como principal objetivo pesquisar e compreender as percepções, sentimentos,
perspectivas e a vulnerabilidade de mulheres com faixa etária acima de 60
anos de idade, portadoras do vírus HIV em fase de tratamento no Hospital São
José. As principais categorias estruturantes da pesquisa foram: terceira idade,
sexualidade e HIV/AIDS, utilizadas para refletir as singularidades e expressões
do diagnóstico no cotidiano dos sujeitos e a diversidade de sentidos atribuídos
à doença. Para isso, usou-se a abordagem qualitativa com entrevistas
semiestruturadas e a técnica de análise de conteúdo. Foram entrevistadas seis
mulheres idosas em tratamento no referido hospital. Os resultados revelaram
que, nessa faixa etária, o impacto do diagnóstico apresenta visões ainda mais
estigmatizadas e, muitas vezes, equivocadas e repletas de preconceitos. Em
decorrência de não ser considerado um público integrante do “grupo de risco”,
a população idosa, por muito tempo, encontrou-se suscetível e vulnerável à
contaminação e, concomitantemente, a esse fato, a cultura de não usar
preservativo nas relações sexuais agravou os índices de portadores do vírus na
terceira idade, principalmente em mulheres idosas. Outro fator importante foi a
carência de informações sobre a doença, já que as campanhas voltadas para
esse fim, por vezes, direcionam suas informações para os jovens e adultos,
não sendo levado em consideração a sexualidade ativa nessa faixa etária.
Portanto, faz-se necessário problematizar e compreender essa realidade
específica, pois é importante que existam ações de promoção de saúde para
esse grupo etário, como também de suporte adequado para as pessoas que já
vivem com HIV/AIDS.
Palavras-chave: Terceira Idade. HIV/AIDS. Sexualidade. Subjetividade.
RESUMEN
SIDA (síndrome de inmunodeficiencia adquirida) es realmente una enfermedad
de extrema complejidad, que han traído muchos desafíos para la sociedad en
su conjunto. A pesar de la epidemia del VIH / SIDA está incluido en todos los
estratos sociales, se observa que el número de casos de personas que viven
con el VIH / SIDA en las personas mayores es cada vez mayor. Este trabajo
tiene como objetivo principal la investigación y comprender las percepciones,
los sentimientos y la vulnerabilidad de las mujeres mayores de 60 años de
edad que vivían con el VIH en tratamiento en St. Joseph Hospital Categorías
principales que estructuran la investigación fueron: tercer edad, la sexualidad y
el VIH / SIDA para reflejar la singularidad de diagnóstico y las expresiones en
temas cotidianos y de la diversidad de significados que se atribuyen a la
enfermedad. Para ello, se utilizó el método de investigación cualitativo con
entrevistas semiestructuradas y la técnica de análisis de contenido.
Entrevistamos a seis mujeres de edad avanzada en tratamiento en el hospital.
Los resultados revelaron que este grupo de edad el impacto del diagnóstico
presenta visiones aún más estigmatizadas ya menudo engañosa y llena de
prejuicios. Debido a no ser considerado un miembro del público del "grupo de
riesgo", los ancianos largo se vio susceptible y vulnerable a la contaminación y
concomitante a este hecho, la cultura del no uso de preservativos en las
relaciones sexuales empeorado los índices de portadores virus en las mujeres
de edad avanzada, especialmente de edad avanzada. Otro factor importante
fue la falta de información sobre la enfermedad, como las campañas dirigidas a
este fin a menudo por dirigir su información a los jóvenes y adultos, y no está
tomando en cuenta la sexualidad activa a esta edad. Por lo tanto, es necesario
examinar y comprender la situación específica, es importante que existan
actividades de promoción de la salud de este grupo de edad, así como el apoyo
adecuado para las personas que ya viven con el VIH / SIDA.
Palabras clave: Ancianos. el VIH / SIDA. la sexualidad. Subjetividad.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................12
CAPÍTULO I – A TRAJETÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL E O
PERCURSO DO HIV/AIDS DESDE A SUA GÊNESE ATÉ OS DIAS ATUAIS.
1.1 A trajetória da saúde pública do Brasil.......................................................17
1.2 Uma abordagem histórica sobre a AIDS no Brasil e o seu enfrentamento no
Estado do Ceará................................................................................................25
CAPÍTULO II – A TERCEIRA IDADE NO CONTEXTO DA SEXUALIDADE E
DA AIDS.
2.1 A terceira idade............................................................................................37
2.2 A sexualidade na terceira idade..................................................................43
2.3 A AIDS na terceira idade.............................................................................47
2.4 HIV/AIDS e a mulher na terceira idade.......................................................49
CAPÍTULO III- O CAMINHO METODOLÓGICO E OS SIGNIFICADOS DA
AIDS PARA MULHERES NA TERCEIRA IDADE
3.1 Percurso metodológico...............................................................................53
3.2 Análises dos Resultados............................................................................58
3.2.1 Perfil dos sujeitos da pesquisa.....................................................58
3.2.2 Análise das entrevistas ................................................................59
3.2.2.1 Chegada da AIDS: A vulnerabilidade feminina...............59
3.2.2.2 Representações sobre o HIV..........................................65
3.2.2.3 Mudança de vida com a descoberta do diagnóstico......69
3.2.2.4 As perspectivas com a presença da doença...................71
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................75
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................79
APÊNDICES......................................................................................................86
ANEXOS............................................................................................................88
12
INTRODUÇÃO
O objetivo principal desta pesquisa é compreender as percepções e os
sentimentos de mulheres que se encontram na terceira idade com o vírus
HIV/AIDS, desvelando suas percepções e seus sentimentos em relação ao seu
diagnóstico, investigando como o reconhecimento da doença afetou seu
cotidiano e suas relações sociais, como também, são as suas concepções de
sexualidade pós–infecção e de preconceito e de estigma em relação ao
HIV/AIDS.
A Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS) surgiu no início da
década de oitenta no Brasil, em um momento, em que, no imaginário popular,
as epidemias pareciam estar eliminadas. Ela apareceu como um problema
grave e complexo, com ampla repercussão cultural e com inúmeras
implicações no contexto das relações sociais.
O primeiro caso notificado no Brasil aconteceu na cidade de São Paulo
em 1980, seguido de outros casos, que, praticamente, se restringiam às
grandes cidades brasileiras como Rio de Janeiro e São Paulo. (SALDANHA,
2003).
A epidemia do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), o agente
causador da AIDS, surgiu com a ideia de que a doença está diretamente
associada com a morte e a promiscuidade. Durante muito tempo, construiu-se
a ideia de que para se adquirir o HIV era necessário fazer parte do “grupo de
risco” que incluíam homossexuais ou homens que fazem sexo com homens
(HSH); usuários de drogas injetáveis (UDI) ou profissionais do sexo e
hemofílicos. Foi então que, a partir dessa época, a infecção por HIV
disseminou-se rapidamente pela população brasileira, e em pouco tempo,
acometeu também a homens com práticas heterossexuais, o que
consequentemente, atingia mulheres e crianças (por transmissão materno-
infantil).
O HIV foi quebrando as barreiras uma a uma, atingindo primeiro a
comunidade homossexual, depois os usuários de drogas injetáveis e
finalmente, atingindo os heterossexuais. Com os índices de infectados
aumentando cada vez mais, essa construção estereotipada foi se dissipando e
13
comprovando que adquirir a doença independia de raça, orientação sexual,
gênero ou idade. (PARKER, 1991 apud CARVALHAES, 2010).
Dados do Boletim Epidemiológico, com o ano base de 2011 do Ministério
da Saúde, apontam que, desde a década de 80 a Junho de 2011, acumulam-se
608.230 casos de AIDS no país, sendo 65,4% no sexo masculino e 34,6% no
sexo feminino. A taxa de incidência para o ano de 1998 era de 25,0/100.000
habitantes em homens e de 12,6/100.000 nas mulheres, enquanto no último
ano, em 2010, a taxa de homens é de 22,9/100.000 habitantes e de
13,2/100.00 nas mulheres. Estimavam cerca de 40 homens para cada mulher
com AIDS no ano de 1983 e chegou a 1,7 homens a cada mulher no ano de
2011.
A análise desses dados permite inferir que a epidemia do HIV revela
múltiplas dimensões e que desde a sua descoberta sofre significativas
transformações em seu perfil epidemiológico. Atualmente, além de elevados
índices de diagnóstico entre a população heterossexual, podem-se citar as
tendências da feminização, interiorização e envelhecimento.
No início da epidemia, as pessoas mais atingidas pelo vírus
encontravam-se na faixa etária entre 20 e 40 anos, em plena fase produtiva e
reprodutiva. Assim, as campanhas de prevenção do Brasil eram voltadas para
esses grupos específicos que eram considerados mais vulneráveis à infecção
(SALDANHA, 2003).
O envelhecimento da população é uma realidade da sociedade
brasileira. O envelhecimento global causou um aumento nas demandas sociais
e econômicas no mundo todo. O crescimento da população idosa no Brasil e
no mundo é algo relevante nas pesquisas, e segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta-se que até o ano de 2025,
o Brasil será o sexto país no mundo com o maior número de idosos,
correspondendo a 15% da população brasileira. Um número que representa um
crescimento três vezes maior que a idade adulta (BRASIL, 2006).
14
Apesar do crescimento demográfico da população idosa, a sexualidade
na terceira idade ainda é pouco abordada, enfatizando a necessidade de
discutir a temática sobre a sexualidade do idoso (BRIGEIRO, 2002).
O aumento nos índices das pesquisas vem confirmando o vírus como
uma ameaça à saúde pública e a tendência sugere que, em pouco tempo, o
número de idosos contaminados pelo HIV será ampliado significativamente,
principalmente, devido à vulnerabilidade física e psicológica, pouco acesso a
serviços de saúde, além da invisibilidade com que é tratada sua exposição ao
risco, seja por via sexual ou uso de drogas ilícitas. Além disso, a falta de
campanhas destinadas aos idosos faz com que esta população esteja,
geralmente, menos informada sobre o HIV e menos consciente de como se
proteger (ARAÚJO; SALDANHA, 2006).
Vale ressaltar que a ampliação dos números de idosos infectados com
HIV pode estar relacionada a uma falha em relação às tentativas de prevenção
para este grupo de idade, posto que muitas vezes as campanhas de prevenção
concentrem sua atenção na população mais jovem. Outro fator que acaba
contribuindo para esse grande índice é a sexualidade estereotipada que é
produzida culturalmente na sociedade. Os estereótipos de que as pessoas
idosas não têm interesse por sexo ou que são incapazes de sentir algum
estímulo sexual, ainda é amplamente difundido. E, concomitante a isso, a
prática sexual sem proteção contribui para que esse diagnóstico em pessoas
idosas aumente cada vez mais. A possibilidade de uma pessoa idosa ser
infectada pelo HIV parece ser invisível aos olhos da sociedade e dos próprios
idosos, visto que a sexualidade, nesta faixa etária, ainda é tratada como tabu
tanto pelos idosos quanto pela sociedade em geral (FONTES; SILVA, 2004).
Diante do exposto, durante experiência de estágio da pesquisadora no
Hospital São José (HSJ), percebeu-se o elevado índice de pessoas idosas
diagnosticadas com o vírus, o que despertou o interesse em pesquisar e
elaborar um trabalho científico acerca dessa temática.
O que incitou essa pesquisa foi o objetivo de tentar conhecer as
percepções e sentimentos de mulheres que foram diagnosticadas com o vírus
HIV na terceira idade, compreendendo as relações sociais que permeiam essa
15
problemática, a feminização da doença e as formas que as mesmas enfrentam
e lidam com o diagnóstico. Ou seja, pesquisar esse universo que é construído
através de desafios encontrados por essas usuárias em conviver com o
diagnóstico em um período, teoricamente, tardio para se adquirir uma doença
sexualmente transmissível e como a mesma compreende essa realidade.
Então, para essa pesquisa, que busca desvendar significados e
sentimentos, tentando compreender reconstruções e comportamentos a partir
de momentos em que é repleto de significações, utilizou-se uma abordagem
qualitativa, por ser a mais apropriada.
O estudo foi realizado no Hospital São José, referência em tratamento
para doenças infecciosas, situado na cidade de Fortaleza do Estado do Ceará.
Este serviço foi selecionado para a condução do estudo em decorrência de ser
um serviço de referência estadual para doenças infecciosas e,
consequentemente, por abrigar o maior contingente de atendimento de
pessoas soropositivas para HIV/AIDS do Estado do Ceará.
Desta pesquisa, participaram seis idosas portadoras do HIV/AIDS, que
se encontravam em tratamento e/ou internamento no referido hospital, tendo
como critério de escolha desses sujeitos a faixa etária a partir de 60 anos de
idade, que apresentassem condições físicas e mentais para participarem do
estudo.
Foi utilizada uma entrevista semiestruturada, que continha apenas
quatro perguntas norteadoras, que proporcionava às entrevistadas um discurso
livre, já que só respondiam as perguntas que sentiam vontade. Todas as
entrevistas foram gravadas para que depois fossem transcritas pela
pesquisadora para análise.
A análise de conteúdo foi utilizada como técnica, por possibilitar ao
pesquisador conhecimentos relativos ao sujeito entrevistado, permitindo ir além
dos significados e da leitura simples da realidade. Portanto, houve a
possibilidade de conhecer a realidade dos sujeitos entrevistados na pesquisa,
adaptando a abordagem sempre que necessário. Foi a partir da transcrição dos
16
depoimentos, que foi possível a aproximação da realidade de cada sujeito e a
interpretação dos resultados das mesmas.
As categorias estruturantes, utilizadas nessa dissertação, foram:
HIV/AIDS; Saúde Pública; Terceira Idade; Sexualidade e Gênero. Para isso,
utilizou-se uma pesquisa de caráter bibliográfico através de autores relevantes
sobre o tema, tais como Beauvoir (1990); Debert (1999); Saldanha (2003);
Parker (2000); Galvão (2000); dentre outros.
A distribuição do tema da pesquisa limitou-se a três capítulos principais.
No primeiro capítulo, procurou-se fazer um resgate do contexto histórico da
saúde pública do Brasil, possibilitando aprofundar o conhecimento acerca da
evolução e das conquistas que aconteceram nesse âmbito, para conseguir
traçar um paralelo entre a sua gênese e os dias atuais com a implantação do
Sistema Único de Saúde e das políticas públicas como a Lei Orgânica da
Saúde, Política Nacional do Idoso e Política Nacional de Humanização de
Atenção e Gestão do SUS. E dentro desse contexto, é discutido o surgimento
do HIV/AIDS no Brasil e no mundo, para compreender como foi o início da
epidemia e como é disseminada a doença atualmente.
No segundo, procurou-se debater as categorias de análise, com os
principais referenciais teóricos, como a terceira idade, sexualidade do idoso e a
relação da mulher idosa com o HIV, trazendo a discussão acerca do que se
compreende por terceira idade na sociedade brasileira, a sexualidade do idoso
e o aumento dos índices de portadores do vírus nessa faixa etária nas
estatísticas.
Já no terceiro, traçou-se o percurso metodológico e as análises dos
resultados obtidos com a pesquisa de campo, onde vários tópicos foram
desenvolvidos para enriquecer o debate, tornando a pesquisa relevante para o
fenômeno da feminização do HIV/AIDS na terceira idade.
Por fim, nas considerações finais, procurou-se analisar as principais
ideias discutidas no decorrer do estudo, dando ênfase nos aspectos mais
importantes que surgiram na construção da pesquisa.
17
CAPÍTULO I – A TRAJETÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL E O
PERCURSO DO HIV/AIDS DESDE A SUA GÊNESE ATÉ OS DIAS ATUAIS.
1.1 A trajetória da Saúde Pública do Brasil
Por tratar-se de uma pesquisa que busca compreender as percepções
de mulheres na terceira idade portadoras do vírus HIV/AIDS e as implicações
desse diagnóstico no seu cotidiano, o objetivo desse capítulo é contextualizar a
trajetória da saúde pública no país, permitindo traçar um paralelo importante
para a análise da atual conjuntura da saúde no Brasil e as dificuldades
enfrentadas para instaurar o Sistema Único de Saúde, como também discutir a
emergência da AIDS dentro desse contexto.
Diante disso, far-se-á um breve histórico no que se refere à saúde
pública no Brasil, discorrendo sobre as mudanças e conquistas que ocorreram
dentro desse contexto, para auxiliar a compreensão do que é o Sistema Único
de Saúde (SUS) e a representação desse sistema enquanto conquista da
sociedade civil. Como assinala Paim (2009:25) “Esse conhecimento deve
contribuir para reproduzirmos o passado e para que sejamos capazes de
avaliar, a cada momento, o que conseguimos de avanço, bem como ainda
existentes ameaças de retrocesso.” Portanto, é necessário conhecer a história
da organização sanitária no Brasil para compreender a importância do SUS
para a sociedade brasileira e como a política de atenção à AIDS se processa
dentro desse contexto.
Reportando-se para quando o Brasil era uma colônia de Portugal, sua
organização sanitária era um reflexo da metrópole. No que se refere aos
serviços de saúde, as tropas militares da época eram subordinadas ao
cirurgião-mor dos exércitos de Portugal e quem respondia pelo saneamento,
profilaxia de doenças epidêmicas e as questões referentes aos trabalhos
médicos eram os chamados físicos-mor ou os seus delegados nas capitanias.
Já os problemas de higiene da população eram de responsabilidade das
autoridades locais, que deixavam evidente o descaso com os moradores das
18
cidades. A assistência à população pobre ficava a cargo da caridade cristã,
que abrigavam os doentes, viajantes e indigentes. (PAIM, 2009, p.26)
A organização Portuguesa, pelo menos até metade do século XVIII, não
se caracterizou em combater as causas das doenças que assolavam a
sociedade, a atuação dos médicos e do Estado tinha como principal objetivo
evitar o óbito. (CONASS, 2011)
É importante ressaltar que os agentes da medicina metropolitana,
embora amparados pela legislação portuguesa, não possuíam suas práticas
profissionais protegidas por autoridades locais e a terapia popular ministrada
por índios e mestiços possuía um amplo domínio na prática curativa. Os
recursos utilizados eram provenientes do cultivo em terras e, constantemente,
feiticeiras e curandeiros eram solicitados para tratar do que a saúde pública
não dava conta. Em contrapartida, as ordens religiosas tornaram-se aliadas da
medicina oficial contra esse tipo de prática, pois as denunciavam como práticas
curativas demoníacas (EDLER, 2010).
A transferência da família real para o Brasil fez com que houvesse uma
estrutura sanitária para dar suporte à corte no Rio de Janeiro. A postura
centralizadora do governo, referente à organização sanitária brasileira, era
incapaz de suprir as grandes demandas das epidemias existentes na época e
de assegurar a assistência de toda a população, sem discriminação social. As
pessoas que dispunham de recursos financeiros contratavam médicos
particulares, enquanto a grande parcela de indigentes era atendida pela
caridade e filantropia (PAIM, 2009, p.27). Logo, fez-se necessário a criação de
dois centros de ensino superior na colônia, fundadas no estado do Rio de
Janeiro e da Bahia, para a formação de médicos–cirurgiões, que,
posteriormente, transformaram-se nas primeiras escolas de medicina do país
(CONASS, 2011).
Por volta de 1829, foi criada a Junta de Higiene Pública, no qual não
demonstrou nenhuma eficácia em alcançar o objetivo principal de cuidar da
saúde da população. Em 1851, transforma-se em Junta Central de Higiene
Pública, e seu objetivo é inspecionar vacinas e todos os lugares de onde possa
19
provir o dano à saúde pública, controlar o exercício da medicina e da polícia
sanitária da terra. Até 1850, as atividades de saúde limitavam-se à delegação
das atribuições sanitárias, às juntas municipais e o controle de navios e portos.
Percebe-se que o primordial limitava-se ao controle sanitário mínimo da capital
do império, não resolvendo os problemas reais de saúde pública. Embora não
retratasse a solução, a Junta marcou uma etapa importante na organização da
higiene pública no Brasil (MACHADO apud CONASS, 2011).
Com a proclamação da República em 1889, as ações de saúde
passaram a ser responsabilidade dos Estados. Foi um período marcado pela
necessidade de atualização econômica e social, e assim, a capacitação física e
intelectual dos camponeses foi tratada como um grande passo no caminho
para a evolução capitalista. Logo, a medicina passa a ser assumida pelo
Estado para assuntos sanitários no que tange a garantia na melhoria da saúde
individual e coletiva, contribuindo assim, para a defesa da modernização do
país (BERTOLLI FILHO apud CONASS, 2011).
Na transição do século XIX para o XX, com o início da industrialização
do país, a saúde era encarada como uma questão social, um problema que já
não era restrito ao âmbito individual e que exigia respostas concretas do poder
público e da sociedade. Pode-se perceber que muito antes da existência do
SUS, já havia, como menciona Paim (2009), um “não sistema de saúde”
caracterizado pela omissão do poder público nesse setor, pois na concepção
liberal do Estado só cabia intervenção em situações em que o indivíduo ou a
iniciativa privada não davam conta.
Os três eixos mais característicos utilizados para definir o sistema
público de saúde no Brasil, no início do século XX, foram a saúde pública,
medicina previdenciária e medicina do trabalho, em que cada uma tinha uma
finalidade específica e centralizada. No caso da saúde pública, a ênfase maior
era voltada para as campanhas sanitaristas, sendo denominadas por alguns
autores da época como sanitarismo campanhista. A medicina previdenciária foi
introduzida nos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP’s), caracterizados
como um benefício contributivo, através das caixas de aposentadorias e
20
pensões, que somente as pessoas, que tivessem vínculos com o trabalho
formal, tinham acesso à assistência médica da previdência social. E por fim, a
medicina do tralhado vincula-se à saúde do trabalhador. Assim,
[...] a organização dos serviços de saúde pública no Brasil antes do
SUS vivia em mundos separados: de um lado, as ações voltadas para
a prevenção, o ambiente e a coletividade, conhecidas como saúde
pública; de outro, a saúde do trabalhador, inserida no Ministério do
Trabalho; e, ainda as ações curativas e individuais, integrando a
medicina previdenciária e as modalidades de assistência média
liberal, filantrópica e, progressivamente, empresarial. (PAIM, 2009, p.
31)
Outro ponto que é importante salientar é a maneira como a saúde é
encarada pelo Estado, pois não era uma prioridade. Como assinala Paim
(2009), os recursos oriundos da contribuição previdenciária dos trabalhadores
assalariados eram desviados para investimentos na economia. Com ele, por
exemplo, foram construídos a Siderúrgica Nacional (Era Vargas); a ponte Rio-
Niterói e no pagamento da dívida externa (governos FHC e, atualmente, com o
governo Lula).
Com o desenvolvimento da medicina empresarial e com a privatização,
aumentavam as opções de comprar serviços médicos do setor privado para os
assegurados da previdência ao invés de investir em serviços próprios, o que
possibilitaria a ampliação da infraestrutura pública. Afora isso, a privatização
possibilitou um cenário corrupto, em que os serviços pagos pela previdência
eram induzidos pelos médicos (como as inúmeras cesarianas, internações de
mendigos em hospitais psiquiátricos particulares e etc.). Essa situação
possibilitou um desenvolvimento maior do sistema de saúde privado, em que a
medicina liberal era caracterizada pela ampla autonomia que o profissional
possuía, pois ele era quem determinava preço da consulta, horários e etc.
Nesse sentindo, em ambas as situações, a lógica do mercado prevalecia, pois
poucos teriam poder aquisitivo para ter acesso ao atendimento privado. (PAIM,
2009).
21
É dentro desse contexto social que, na década de oitenta, emerge no
país a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Tratando-se de mais
uma doença que se instalava no Brasil de forma desconhecida e que em pouco
tempo tornou-se uma doença epidêmica, com número de óbitos devastador.
Foi uma fase historicamente conhecida pela omissão e negação da maioria das
esferas estatais frente a mais uma epidemia, em que mais uma vez os
representantes populares das comunidades mais afetadas se mobilizaram e
iniciaram uma luta pelos seus direitos junto ao Estado. (PARKER, 1997)
Para o enfrentamento dos problemas e com o objetivo de democratizar a
saúde no Brasil, foi organizado um movimento social composto por populares,
estudantes, pesquisadores e profissionais da saúde, propondo a Reforma
Sanitária Brasileira (RSB) e a implantação do SUS. Assim, tanto a RSB quanto
o SUS surgiram das exigências dos movimentos sociais.
A RSB não se restringiu apenas a uma reforma no setor da saúde. O
SUS pauta-se em um conjunto de princípios e diretrizes fundamentais para a
democratização da saúde, da sociedade, da cultura e do poder público. O
movimento da reforma sanitária, nos anos de 1976 e 1986, pode ser atribuído à
participação social nessa conquista política, pois uma ampla organização social
e política colocou-se à frente de entidades de saúde, negociando o acesso à
saúde como direito. No ano de 1986, a VIII Conferência Nacional de Saúde
marcou esse processo de formulação de um novo modelo de saúde pública
universal, tendo como objetivo principal romper com a estrutura vigente entre
saúde pública e medicina curativa individual e com a intensa privatização do
setor. (FALLEIROS; LIMA, 2010) Logo,
A ampla frente de forças políticas organizadas em torno da Plenária Nacional de Entidades de Saúde e o trabalho dos líderes dos partidos progressistas durante as negociações garantiram, de acordo com Rodriguez Neto (2003), os resultados positivos para a saúde na nova Constituição Federal, aprovada em outubro de 1988. Embora o texto constitucional não fosse idêntico ao que os sanitaristas haviam levado à Assembleia, o essencial foi mantido: era dever do Estado a criação de um sistema universal de saúde, gratuito e de qualidade para todos os brasileiros, bem como a ordenação da formação dos trabalhadores para esse sistema. (FALLEIROS; LIMA, 2010: 245)
22
A principal proposta instituída pelo SUS está vinculada à ideia de que
toda a sociedade tem direito a ter acesso à saúde, sendo ligado à condição de
cidadania da população. Baseado na concepção de seguridade social1 e com a
Constituição Federal da República de 1988 (CF), a saúde passou a ser um
direito social inerente à condição de cidadão e sendo obrigação do poder do
Estado garanti-lo. O artigo 196 da CF destaca que é dever do Estado garantir,
mediante políticas econômicas e sociais, a redução dos riscos de doenças e
outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para
a promoção, a proteção e a recuperação da sociedade como um todo.
No que se referem às políticas econômicas, as mesmas estão ligadas às
questões de produção e de distribuição da riqueza e da renda; emprego,
salário e acesso à terra para cultivo e moradia etc. Já as políticas sociais
tratam da educação, da cultura, do esporte, do lazer, da segurança pública, da
previdência e da assistência.
Compreendendo o acesso universal e igualitário, no que diz respeito ao
alcance de todos os cidadãos brasileiros, a qualquer serviço de saúde sem
nenhuma barreira de acessibilidade, sem qualquer discriminação ou
preconceito. Entretanto, a CF estabeleceu também que na assistência à saúde
é livre a prática da iniciativa privada e cabe ao poder público regulamentá-la,
fiscalizá-la e controlá-la. Dentro dessa lógica, serviços públicos compostos no
SUS poderiam ser contemplados mediante contrato com serviços privados que
funcionam como se fossem serviços públicos, e assim o SUS seria organizado
a partir de uma rede regionalizada e hierarquizada de serviços de saúde.
Os princípios e diretrizes que regem o SUS dizem respeito aos aspectos
morais e éticos, e orientações gerais que auxiliam diferentes partes compostas
pelo sistema de saúde a seguirem na mesma direção. Trata-se dos princípios:
a universalidade, a integralidade e a equidade; em que o primeiro refere-se ao
acesso de todas as pessoas a todas as ações e serviços em todos os níveis do
sistema de saúde, não se restringindo apenas à atenção básica; o segundo faz
1 A seguridade social compreende um conjunto de ações dos poderes públicos e da sociedade,
destinadas a assegurar o direito à saúde, à previdência social e à assistência social.
23
menção ao acesso à saúde em todos os níveis de assistência; e por fim, um
princípio importante que leva em consideração o respeito às diversas
necessidades sociais impostas, tratando as particularidades de cada realidade.
No que diz respeito às diretrizes principais, constam a descentralização,
a regionalização, a hierarquização e a participação comunitária.
A primeira refere-se à distribuição do poder político e de recursos para
o Estado e Município que
Em cada esfera de governo há uma direção do SUS: na União, o Ministério da Saúde; nos estados e Distrito Federal, as secretarias estaduais de saúde ou órgão equivalente; e nos municípios, as secretarias municipais de saúde. A legislação do SUS e suas Normas Operacionais (NOB-SUS) definem as atribuições comuns da União, Distrito Federal, estados e municípios, bem como o papel e as responsabilidades de cada esfera do governo na organização e operacionalização do SUS. A lei n. 8.080, de 1990, descreve as atribuições e competências dessas instâncias de forma genérica e abrangente, muitas vezes tornando difícil reconhecer as especificidades de cada uma. (MATTA, 2010:251)
Já a segunda, diz respeito à regionalização e à hierarquização da rede
de serviços, propondo uma organização territorial, em que se determinam
perfis populacionais, indicadores epidemiológicos, condições de vida e suporte
social, que servirá para nortear as ações e serviços de saúde de cada região.
Assim,
A lógica proposta é: quanto mais perto o sistema estiver, maior será sua capacidade de identificar as necessidades da população e melhor será a forma de gestão do acesso e dos serviços de saúde a ela destinados. A regionalização deve ser norteada pela hierarquização dos níveis de complexidade requeridos pelas necessidades de saúde das pessoas. A rede de ações e serviços de saúde, orientada pelo princípio da integralidade, deve se organizar para incluir desde ações de promoção e prevenção até aquelas de maior complexidade, como recursos diagnósticos, internação e cirurgias. (MATTA, 2010:254)
E, para finalizar, propõe um espaço maior para a participação da
comunidade, no que diz respeito à formulação e à execução de políticas de
saúde, que foi aprovada através da Lei n.º 8.142 – lei resultante da luta pela
democratização dos serviços de saúde com a participação social, que instituiu
conselhos e conferências de saúde como instâncias de participação popular do
SUS nas três esferas governamentais (MATTA, 2010).
24
O SUS é formado por três documentos legais que expressam os
principais elementos da sua organização. O primeiro trata-se da Constituição
Federal de 1988, como dito anteriormente, que estrutura a saúde ao lado da
previdência social e assistência – formando o tripé da seguridade social; o
segundo trata-se da Lei nº. 8080 de 19 de Setembro de 1990, conhecida como
Lei Orgânica da Saúde (LOS) e por fim, um complemento da LOS na Lei nº.
8142 do mesmo ano.
A LOS surgiu da necessidade de propor uma lei na qual houvesse ações
específicas para ampliar as orientações gerais na realidade brasileira.
Regulando as ações e serviços de saúde, em caráter permanente ou eventual;
por pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado. Não se limita ao
SUS nem ao setor privado (Paim, 2009, p. 52). Dispõe, principalmente, sobre a
organização e a regulação das ações e serviços de saúde em todo território
nacional (BRASIL, 1990a). Já a 8.142/90 surgiu para complementar a Lei
8.080/90, estabelecendo o formato da participação popular no SUS e dispõe
sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da
saúde (BRASIL, 1990b).
É importante ressaltar que a LOS foi conquistada pelos movimentos
sociais no governo do presidente Collor, que teve como principal característica
de um governo privatista, que adotou medidas econômicas drásticas para a
estabilização da economia.
Em 2003, surge a Política Nacional de Humanização de Atenção e
Gestão do SUS (HumanizaSUS). Essa política “assenta-se nos valores de
autonomia e protagonismo dos sujeitos envolvidos, na corresponsabilização
entre eles, na solidariedade dos vínculos estabelecidos, no respeito aos direitos
dos usuários e na participação coletiva no processo de gestão” (Paim, 2009,
p.91) A política tem o objetivo de mudar a realidade atual de descaso e
desrespeito com a saúde dos usuários, reduzindo filas de espera e ampliando o
acesso a um atendimento acolhedor e resolutivo; informar os usuários sobre
quem são os profissionais e os serviços responsáveis por sua referência
25
territorial; garantir educação permanente aos trabalhadores e usuários em uma
gestão participativa. Assim,
A humanização, como um conjunto de estratégias para alcançar a
qualificação da atenção e gestão em saúde no SUS, estabelece-se,
portanto, como a construção/ativação de atitudes ético-estético-
políticas em sintonia com um projeto de co-responsabilidade e
qualificação dos vínculos interprofissionais e entre os usuários na
produção de saúde. (HumanizaSUS, 2004)
Portanto, sua principal finalidade é tornar mais humanizadas as
atuações dos profissionais junto aos usuários dos setores de saúde, aliadas à
política proposta pelo SUS.
Não se pode considerar que as evoluções ao longo de mais vinte anos
tenham sido pequenas. Apesar das conjunturas e de alguns governos
adversos, avançou-se tanto no ponto de vista legal e normativo quanto também
no que tange as políticas de descentralização e democratização da saúde.
Como menciona Paim (2009), o SUS já representa um patrimônio nacional,
apesar de suas dificuldades. Mas ainda há muito que evoluir para alcançar uma
universalização real, sem desigualdades e maus tratos, com qualidade e de
forma efetiva.
E é dentro desse contexto que também emerge o vírus do HIV/AIDS no
Brasil.
1.2 Uma abordagem histórica sobre a AIDS no Brasil e no mundo.
Há mais de três décadas, o Brasil e diversos outros países do mundo
convivem com a epidemia da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS).
No início da década de oitenta, a eclosão de uma nova doença (que
posteriormente foi identificada como AIDS) surge como um problema grave e
complexo, com ampla repercussão cultural e com inúmeras implicações no
contexto das relações sociais, em um momento em que, no imaginário popular,
as epidemias pareciam estar eliminadas.
26
O Vírus de Imunodeficiência Humana (HIV), agente causador da AIDS,
ataca o sistema imunológico do corpo, fazendo com que as células de defesa
do organismo sejam destruídas. Quando essas células são destruídas, o
sistema imunológico não consegue defender-se por muito tempo contra as
doenças, então, o indivíduo portador do vírus adquire as chamadas doenças
oportunistas.
O primeiro boletim epidemiológico que reporta o primeiro caso de AIDS
no Brasil (com óbito de um paciente masculino e com a transmissão por via
sexual) foi publicado em 19802. Porém, os primeiros sinais do surgimento da
AIDS se deram por volta do ano de 1978, nos países como Estados Unidos,
Haiti e África Central, quando alguns homossexuais começaram a apresentar
os sintomas do vírus, até então desconhecido. (GALVÃO, 2002) Logo, surge
com a ideia de que a doença está diretamente associada com a morte e
promiscuidade, pois durante muito tempo se construiu a ideia de que para se
adquirir o HIV era necessário fazer parte do “grupo de risco” (homossexuais;
usuários de drogas ou profissionais do sexo). Em meados de junho de 1981, o
Centro de Controle de Doenças (CDC) de Atlanta (sul dos Estados Unidos -
EUA) revela, em seu boletim semanal, o diagnóstico em cinco homossexuais
de uma forma rara de pneumonia que normalmente afeta pacientes
imunodeprimidos.
Primeiros casos de Pneumonia por Pneumocytis Carini e Sarcoma de
Kaposi, um câncer raro na Califórnia, o CDC publica notícia sobre esses dois
casos sendo então denominada: GRID – Gay Related Infection Disease, logo
chamada de “Câncer Gay” pela imprensa. (GUÉRCIO, 2005) No mesmo ano,
no Brasil, sai uma publicação que reporta a uma investigação nos EUA sobre o
“câncer em homossexuais” (Galvão, 2000). Reforçando o estigma de que
apenas os homossexuais podem adquirir o vírus e ser portador da doença.
Como aponta Galvão (2000), as notícias sobre a AIDS chegaram ao
Brasil antes mesmo que os primeiros casos fossem aqui identificados, o que
2 De acordo com Galvão (2002), o Boletim Epidemiológico começou a circular em meados de 1987. Os
primeiros casos no Brasil, no total de seis, foram identificados no ano de 1982, porém, depois de
revisados e alterados, o primeiro caso com óbito ocorreu em 1980.
27
fez classificar a AIDS brasileira como “mal de folhetim”. No período entre 1981-
1982, a mídia da época tinha como principal fonte de informação as agências
norte-americanas de notícias, influenciando o “imaginário social” ao tratar o
vírus como doenças de homossexuais, de comportamento promíscuo ou de
grupos de risco. A mídia foi a principal fonte de reprodução dos primeiros
casos da doença, bem como a principal disseminadora de um discurso
preconceituoso e “moralista”. Descrita como uma doença desconhecida e
estrangeira, a nova doença ainda não incomodava a sociedade brasileira.
Porém, em 1983, a situação começou a mudar. “A Síndrome de
Imunodeficiência Adquirida (AIDS), mundialmente conhecida como o câncer
gay, chegou mesmo ao Brasil (...)” (Souza apud Galvão, 2000:35).
No ano de 1983, o Boletim Epidemiológico reporta quarenta e um casos
de AIDS no Brasil, quarenta masculinos e um feminino. No ano seguinte,
reportou cento e quarenta novos casos de soropositivos no país, sendo sete
casos em mulheres. Desses cento e quarenta, cento e cinco foram a óbito (MS,
2001). Nesse momento, a mídia ainda é utilizada como parâmetro para
considerar a forma de reação e articulação da sociedade civil brasileira,
destacando os grupos gays do Estado de São Paulo. Como menciona Terto Jr.
(1995), os grupos gays paulistas, como “Outra Coisa” e “Somos”, são
responsáveis pelas primeiras iniciativas de organização da sociedade civil em
articular respostas frente à epidemia.
No mesmo ano, é criado em São Paulo, no âmbito da Secretaria de
Saúde, o primeiro programa de AIDS no Brasil. (GALVÃO, 2002) Nesse
momento, a sociedade atenta para a grande epidemia que se alastrava pelo
mundo. O vírus do HIV foi quebrando as barreiras uma a uma, atingindo
primeiro a comunidade homossexual, depois os usuários de drogas injetáveis e
finalmente, atingindo os heterossexuais. Com os índices de infectados
aumentando cada vez mais, essa construção estereotipada foi-se dissipando e
comprovando que adquirir a doença independia de raça, orientação sexual,
gênero ou idade. (PARKER apud CARVALHAES, 2010). Como assinala
Teixeira (1997):
28
Em 1983, um grupo de militantes do movimento pelos direitos dos
homossexuais do Estado de São Paulo procurou a Secretaria de
Estado de Saúde (SES) para cobrar uma posição diante a um
problema novo e inquietante, detectado em nosso meio e já então
bastante veiculado pelos meios de comunicação: a ocorrência de casos
de AIDS. A resposta da Secretaria veio através da constituição de um
grupo de trabalho composto por técnicos de diversas áreas da
instituição.
Dentre as propostas sugeridas pelo grupo de trabalho, acatadas pela
Secretaria de Estado de Saúde (SES), é possível destacar a notificação
compulsória – tanto os serviços públicos de saúde quanto os médicos
particulares devem informar os casos de pessoas com AIDS às secretarias de
saúde local; a criação de um serviço de informação por telefone e a
participação da comunidade.
Em uma reportagem para o telejornal “Fantástico”, exibida em 27 de
março de 1983, o repórter Hélio Costa retrata a realidade da epidemia. Foram
registrados mais de 1000 novos casos nos Estados Unidos entre os anos de
1982-1983 e mais da metade foram a óbito. Nesse momento, começou a ser
considerada pelos médicos da época como a epidemia mais violenta do século.
A falta de conhecimento científico a respeito do tratamento da AIDS
impossibilitava aos portadores do vírus uma estimativa de vida considerável.
Os usuários soropositivos travavam uma verdadeira luta contra o tempo para
prolongar suas chances de viver. Iniciava-se uma busca incessante para o
tratamento do vírus.
As primeiras Organizações Não Governamentais (ONGs) de serviços
relacionados à AIDS surgiram entre 1985 – 1991, motivadas pela grande onda
de preconceito e discriminação como também pelos números de casos de
soropositivos oficialmente reconhecidos no país. Depois da criação do Grupo
de Apoio à Prevenção à AIDS (GAPA), várias outras iniciativas surgiram em
diversas regiões, destacando a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS
(ABIA) e o grupo Pela VIDDA (Valorização, Integração e Dignidade do Doente
de AIDS), ambos do Rio de Janeiro. Atividades foram desenvolvidas também
na Bahia com o Grupo Gay da Bahia (GGB) e o Dialogay em Sergipe. Tais
29
grupos de mobilização civil, principalmente, “O Somos” e “Outra Coisa” foram
de extrema relevância para chamar a atenção do poder público para as
demandas da doença. Suas atividades eram baseadas em prevenção dirigidas
à população homossexual com uma variada gama de atividades, como oficina
de sexo seguro, distribuição de preservativos e denúncias de violência e
violação de direitos.
Esse período foi caracterizado também pela negação e omissão
generalizada por parte da maioria das autoridades governamentais. Mas é
importante destacar que no período de 1964-1984, classificado como “estado
militarista” (Luz apud Galvão, 2000), foi profundamente nefasto para as
políticas públicas, principalmente no que diz respeito à saúde. As respostas à
epidemia tendem a surgir “de baixo para cima”, dos representantes das
comunidades mais afetadas com o vírus, como o emergente movimento
homossexual e de alguns setores dentro dos serviços estaduais e municipais
de saúde aliados dessas comunidades como os citados acima. (PARKER,
1997). A mobilização comunitária crescente, juntamente com as organizações
não governamentais de AIDS e a pressão de programas estaduais e municipais
de AIDS desenvolveram, posteriormente, algumas respostas a nível federal
como as que resultaram na criação de um programa Nacional de AIDS.
(TEXEIRA; GALVÃO, 1997)
Dessa forma, no momento em que o vírus passa a ser caracterizado
como uma grande ameaça à sociedade, gera-se uma demanda ao Estado. E
foi ao setor de saúde que foi dirigida a primeira demanda, e é dele que se
espera a primeira política pública relativa à AIDS no Brasil. De acordo com
TEIXEIRA (1997):
Estas decisões, indiscutivelmente, constituem o primeiro marco
político adotado pelo Estado brasileiro que viria influenciar,
decisivamente, a maioria das posições públicas assumidas pelo país,
nos anos subsequentes. Na verdade, naquele momento, se
construíram os referenciais éticos e políticos predominantes que
viriam a caracterizar o discurso oficial brasileiro.
Portanto, foi desde então, que as políticas públicas relacionadas à AIDS
no Brasil foram provenientes do setor público de saúde. A grande epidemia foi
30
encarada pelo poder público como único e exclusivamente problema destinado
ao Ministério da Saúde (MS).
Por volta de 1985, com a criação do Programa Nacional de AIDS,
percebe-se uma resposta do Estado a nível federal, e segundo Teixeira (1997),
foram estabelecidos mais programas em pelo menos mais dez estados:
Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Santa Catarina,
Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro. Mas é somente, em
1988, que é consolidado em âmbito nacional. Porém, ao mesmo tempo em
que as iniciativas começaram a surgir nas esferas governamentais, várias
iniciativas por parte da sociedade civil começaram a superar, em parte, a
negação estatal que havia caracterizado o período do surgimento da epidemia.
Um número cada vez maior de ONG’s surgiu em todo o país, chamando a
atenção da mídia para a epidemia, pressionando os órgãos governamentais
para uma resposta mais rápida e agressiva. Gradualmente, empresas públicas
e privadas e diversas ordens religiosas começaram a desenvolver serviços
destinados a preencher o vazio de ações voluntárias e o mais importante, as
pessoas vivendo com HIV/AIDS começaram a se organizar e lutar por seus
direitos legais e humanos, desmistificando que a epidemia não é só um desafio
a cargo do campo da saúde, mas como também uma questão política que
envolve a sociedade brasileira.
Levando em consideração o contexto político instalado na época, o início
da década de noventa começou com uma sensação de otimismo após a
primeira eleição direta para Presidente da República em mais de vinte anos.
Havia uma esperança por parte da sociedade civil, especialmente dos
portadores do HIV, em uma mudança positiva por parte do Estado no
enfretamento da doença, porém demonstrou-se uma fragilidade do governo
federal nas decisões políticas relacionadas com a AIDS.
Praticamente, todos os elementos-chave do Programa Nacional de
AIDS foram suspensos durante períodos significativos no governo
Collor, e um antagonismo crescente entre o programa e virtualmente
todos os outros setores envolvidos com a resposta à epidemia
impediu quase que por completo a possibilidade de colaboração ou
cooperação entre os setores que buscavam desenvolver políticas
31
mais eficientes em relação à AIDS. (...) a completa falta de diálogo
entre a sociedade civil e o governo federal, junto com a relativa falta
de cooperação entre o Programa Nacional de AIDS e os programas
estaduais e municipais de AIDS, tornaram extremamente clara a
dificuldade de sustentar uma resposta a longo prazo à epidemia,
chamando a atenção para a necessidade urgente de repensar as
bases de uma ação efetiva contra a epidemia, não só em termos
técnicos mas também em termos políticos. (PARKER, et al., 1997)
O período de 1990-1992 ocupa uma espécie de “tempo fora do tempo”,
em que a sociedade civil e, principalmente, a comunidade relacionada à AIDS
esperava que chegasse logo o fim. Com o estabelecimento de um novo
governo após a renúncia de Collor, assinalou uma nova era de
redemocratização da sociedade brasileira. Surgia um sentimento de que a
sociedade civil junto com o Estado buscavam novas soluções para os
problemas sociais e econômicos que afrontavam no Brasil. As particularidades
políticas e históricas do país, como uma grande dívida junto ao Fundo
Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial herdada pelos governos
anteriores, impuseram aos países devedores uma série de condicionalidades
para o pagamento da dívida, incluindo o aumento da exportação e a redução
das despesas do governo em vários setores sociais, além da assistência
médica e da educação preventiva.
As campanhas elaboradas até 1990 tinham uma intenção não-
estigmatizante e era solidária para com os afetados. Os equívocos construídos,
como a ideia de “grupos de risco”, passaram a ser mais conceituais do que
ideológicos na medida em que a evolução científica se tornou coerente com o
diagnóstico da doença. Porém, desde aquela época, existiam dificuldades para
a veiculação dessas campanhas. Como assinala Teixeira (1997):
Embora, supostamente o governo conte com dez minutos diários para
a veiculação de matéria institucional, sempre foi difícil ocupar esse
espaço. As dificuldades encontravam-se tanto nos veículos de
comunicação como nos próprios órgãos do governo central
responsáveis pela matéria.
Até a metade dos anos noventa, o preconceito contra a AIDS e o alto
custo do tratamento tornava a vida dos portadores muito mais difícil. O acesso
32
aos medicamentos, no início da epidemia, era de apenas uma pequena parcela
das vítimas do vírus, por se tratar de um tratamento muito caro. Considerando
o período de incubação no organismo, muitos pacientes chegavam a óbito em
um curto espaço de tempo. A situação só começou a ter outra perspectiva
quando os portadores do vírus decidiram se organizar e exigir do Estado
acesso aos medicamentos gratuitamente. Então, foi no ano de 1996, quando
uma portadora do vírus foi a uma Conferência da AIDS no Canadá
(Conferência Internacional de AIDS) e descobriu que existiam medicamentos
que controlavam a doença e proporcionavam uma estimativa de vida maior
para os portadores, que, com a primeira liminar contra o Estado, ela exigia que
esses medicamentos fossem fornecidos pelo sistema de saúde público e em
uma decisão inédita no país, foi concedido o acesso aos antirretrovirais (ARV)
Logo, no dia 13 de novembro desse mesmo ano, com a Lei nº 9.313, o sistema
público de saúde do Brasil garante o fornecimento de todos os medicamentos
para pessoas com HIV/AIDS e o início da implementação nacional da
distribuição gratuita e universal dos ARV’s na rede pública de saúde (GALVÃO,
2002).
A decisão do Programa Nacional de AIDS de garantir às pessoas com
HIV/AIDS o acesso ao “coquetel” (nome dado popularmente para a
combinação de medicamentos para o HIV) trouxe mudanças significativas no
cenário nacional da epidemia. Em quase três anos, o MS forneceu
medicamentos para cerca de 73.000 pessoas. O desdobramento sobre o
acesso ao medicamento revelou a importância deste decreto para as questões
de saúde pública. Em contrapartida a esses dados, o boletim epidemiológico do
mesmo ano reporta 20.009 casos de AIDS no país, em um crescente ainda
maior no número de mulheres portadoras do vírus (totalizando 6.763) e com o
índice de óbitos considerável de 5.362 (MS, 2001).
Com o decorrer do tempo, os padrões complexos de infecção do HIV
tornam-se cada vez mais diversos e variados, deixando de afetar apenas os
“grupos de risco” e com uma crescente no número de casos em heterossexuais
masculinos e femininos. A análise dessas informações permite inferir que a
epidemia do HIV revela múltiplas dimensões e que desde a sua descoberta
33
sofre significativas transformações em seu perfil epidemiológico. Atualmente,
além de elevados índices de diagnóstico entre a população heterossexual,
podem-se citar as tendências da feminização, interiorização e envelhecimento.
Entre as mais importantes evoluções, merecem destaque a feminização e a
pauperização da doença. De acordo com Galvão (2000), a epidemia está
prosperando, mas seu enfoque tem mudado de espaço social, afetando os
setores mais marginalizados da sociedade que vivem em situações
caracterizadas pelas diversas formas de violência estrutural – pobreza,
racismo, desigualdade de gênero, opressão sexual e a exclusão social de
modo geral.
Em concordância com essa afirmação, Parker (1994) considera que:
Embora o HIV pareça ser um vírus especialmente democrático,
sempre se aproveita as desigualdades sociais e opressões que
existem nos diferentes cenários sociais, afetando primeiro e
sobretudo os setores da sociedade cujas as circunstâncias sociais os
coloca em situações de acentuada vulnerabilidade.
Dados do Boletim Epidemiológico com o ano base de 2011 do Ministério
da Saúde apontam que desde a década de 80 a Junho de 2011, acumulam-se
608.230 casos de AIDS no país, sendo 65,4% no sexo masculino e 34,6% no
sexo feminino. A taxa de incidência para o ano de 1998 era de 25,0/100.000
habitantes em homens e de 12,6/100.000 nas mulheres, enquanto no último
ano, em 2010, a taxa de homens é de 22,9/100.000 habitantes e de
13,2/100.00 nas mulheres. Estimavam-se cerca de 40 homens para cada
mulher com AIDS no ano de 1983 e chega a 1,7 homens a cada mulher no ano
de 2010.
Portanto, ainda vive-se em alerta com a epidemia da AIDS. Faz-se
necessário uma ênfase maior no que diz respeito à campanha de prevenção,
pois o acesso às informações e a um diagnóstico precoce, caso haja infecção,
contribuem para a redução da mortalidade pelo vírus.
O Ceará está em terceiro lugar, em números absolutos, entre os Estados
do Nordeste com maior notificação de casos da doença. Ao todo, o Estado
34
contabilizou 1.473 casos de 1980 até 2010, perdendo apenas para Bahia, com
1.967 registros, e Pernambuco, com 1.947. A pesquisa mostra que o número
de jovens infectados não reduziu nos últimos três anos, apenas se manteve.
Em 2008, foram 124 notificações; em 2009, 120 casos e em 2010, 128 jovens
foram infectados no Estado. Até o primeiro semestre de 2011, o Ministério da
Saúde registrou no Ceará, 49 novos casos.
Segundo dados do Ministério da Saúde, em 1985, foram computados 31
casos de HIV/AIDS no Nordeste, a grande maioria deles no estado de
Pernambuco (10 notificações). Em contrapartida, no Sudeste, no mesmo ano, o
número de notificações era bastante superior, atingindo a cifra de 508 casos,
número que representava cerca de 90% do total de casos no Brasil,
corroborando a ideia de que, quando dos primeiros casos notificados de AIDS
no Brasil, a região Sudeste do País concentrou a maioria dos casos.
Os dados relativos à região Nordeste mostram que a incidência de
novos casos de HIV/AIDS apresenta uma evolução distinta daquela ocorrida na
região Sudeste. Tanto no âmbito da região Nordeste como na maioria dos
estados, pelo menos nos estados mais populosos, não se observa um
decréscimo nas taxas de incidência de casos de HIV/AIDS, diferentemente do
observado na curva de incidência referente à região Sudeste. Destaca-se que
as taxas vigentes no Sudeste estão bem acima daquelas encontradas para a
região Nordeste. (BARBOSA, 2002)
No Estado do Ceará, o primeiro caso registrado de AIDS ocorreu em
1983, de um paciente oriundo do sudeste do país. Desde então, foram
notificados 11.759 novos casos de HIV/AIDS até outubro de 2012, no Sistema
de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Destes casos notificados,
70,0% foram do sexo masculino e 30,0% do sexo feminino. No ano de 2012,
com dados ainda bastante preliminares, foram confirmados 429 casos, sendo
230 (60%) residentes no município de Fortaleza. Destaca-se que o número de
casos notificados pode não expressar a totalidade de casos pela possibilidade
de subnotificação, ainda por problemas relacionados ao estigma trazido pela
doença, além de problemas operacionais da vigilância e assistência.
Recentemente, a subordinação vem sendo atenuada pela existência de outros
35
sistemas de informação, de resultados laboratoriais e tratamento que
possibilitam uma maior capitação de casos suspeitos. (SESA, 2012).
Em 1987, a proporção de pessoas infectadas com o vírus da AIDS no
Ceará era de 11 homens para uma mulher. Atualmente, a cada dois homens
uma mulher é infectada. O dado divulgado pela SESA revela um aumento
significativo no número de mulheres portadoras de HIV. O Ministério da Saúde
chama esta mudança de "feminização" da doença. O número de novos casos
cresceu 2.118% entre homens, comparando os anos de 1987 e 2010. Já entre
as mulheres, as novas vítimas do HIV, em 2010, superaram em 9.500% a
quantidade registrada em 1987. (MS, 2010) No ranking nacional, o Ceará
ocupa o nono lugar considerando todos os perfis e faixa etária. Em relação aos
estados do nordeste, ocupa o terceiro lugar com o maior número de casos.
Apesar das pesquisas apontarem para baixos percentuais de mulheres
infectadas pelo HIV em relação ao total de casos notificados, a quota do sexo
feminino para o total de análise da distribuição de casos de AIDS por sexo
permite inferir que a AIDS rapidamente deixa de ser uma doença masculina,
pois, em anos recentes, as mulheres estão sendo contaminadas em
proporções maiores que os homens. A constatação do aumento da
importância do papel da transmissão heterossexual na dinâmica da epidemia
parece contribuir para o aumento de casos de AIDS entre as mulheres. Dessa
forma, pode-se evidenciar um amplo processo de “feminização” da doença em
várias regiões, da mesma forma como teria ocorrido para o Brasil como um
todo.
A distribuição espacial dos casos de AIDS no Brasil é heterogênea, e
mesmo com a interiorização, a grande maioria das ocorrências encontra-se na
capital. No estado do Ceará, o maior número de casos registrados é na capital
Fortaleza.
Sobre a interiorização da AIDS no Ceará, apenas nove municípios
registravam casos até o final da década de 80, passando para mais de 60%
dos municípios a partir de 1988. Hoje, 96% dos municípios têm pelo menos um
caso diagnosticado e apenas 4% dos municípios não aparecem nas
36
estatísticas em decorrência da subnotificação, demonstrando que é necessária
a implementação da vigilância epidemiológica municipal (SESA, 2012).
Atualmente, dezenove unidades de atendimento compõem a rede de
Serviço de Atendimento Especializado (SAE) em AIDS no Estado. Na capital,
têm-se nove serviços. A fundação do Hospital São José, ocorreu em 31 de
julho de 1970 através da lei Nº 9.387, porém a unidade já funcionava desde 31
de março do mesmo ano. A sua criação é fruto da necessidade de se
construir, no estado, um hospital que referenciasse o tratamento de doenças
transmissíveis, ou seja, um hospital de isolamento. Inicialmente (nos seus
primeiros dez anos) a unidade se ocupa do tratamento de doenças prevalentes
na época, porém com o advento das campanhas de vacinação, muitas destas
enfermidades foram até erradicadas.
Apesar de o hospital ser referência no tratamento de diversas doenças
infecciosas, sua grande característica veio a ser a assistência aos portadores
do vírus HIV. A unidade se preparou para receber estes usuários na década de
oitenta, período onde a doença ligava-se à morte implacável e ao preconceito.
Assim, o Hospital São José se configura por muito tempo como única unidade
a receber pessoas vivendo com HIV/AIDS, mas, com o aumento dos casos, foi
necessário suporte de outras instituições e serviços para atender a população
do Estado.
37
CAPÍTULO II- A TERCEIRA IDADE NO CONTEXTO DA
SEXUALIDADE E DA AIDS.
2.1 A TERCEIRA IDADE
O envelhecimento da população constitui-se em um fenômeno mundial
na atualidade, uma vez que as estatísticas revelam o seu crescente aumento
em relação às demais faixas etárias.
A representação social da pessoa envelhecida conheceu uma série de
modificações ao longo do tempo. A abordagem dessa temática necessita de
uma análise no que diz respeito aos aspectos culturais, políticos e econômicos,
como também os preconceitos e os sistemas simbólicos que permeiam a
sociedade.
A primeira ideia que vem à cabeça quando se refere a uma pessoa
como idosa, é a de um indivíduo frágil, doente ou incapaz. Não é incomum
perceber o preconceito que aflora acerca dessa faixa etária, quando se deixa
de lembrar alguma coisa ou até mesmo quando as características do
envelhecimento começam a surgir, como cansaço ou cabelos brancos. Nessa
situação, certamente, ouve-se a afirmação: “você está ficando velho!”
(PINHEIRO JÚNIOR, 2004), afirmação essa que possui um tom pejorativo, pois
culturalmente, existe uma construção social de que ser “velho” é algo ruim ou
que não serve mais.
Historicamente, existem várias terminologias para designar essa faixa
etária. No século XIX, na França, o termo “velho” é fortemente associado à
decadência e confundido com a incapacidade para o trabalho. Ser “velho é
pertencer à categorização emblemática dos indivíduos idosos e pobres”
(PEIXOTO, 1998, p. 72). Nesse contexto, as pessoas que chegavam aos seus
sessenta anos de idade eram descartadas do mercado de trabalho como
incapazes de exercer qualquer atividade laboral, logo, não teriam condições de
suprir suas necessidades financeiras, validando essa associação de “velho” e
pobre.
38
Da mesma maneira, Beauvoir evidencia que “[...] toda uma tradição
carregou essa palavra [velho] de um sentido pejorativo – ela soa como um
insulto. Assim, quando ouvimos nos chamarem de velhos, muitas vezes
reagimos com cólera [...]” (1990, p. 353). A construção da existência de um
modelo social do indivíduo “velho”, que permeia o imaginário popular, se
contrapõe à identidade de jovem. As qualidades relativas à atividade, à
produtividade, à beleza, à memória, à força e à independência são
características ligadas aos indivíduos jovens, enquanto as qualidades opostas
são diretamente associadas aos “velhos”.
A partir da década de 60 do século XX, inicia-se uma mudança na
estrutura social e, com a elevação dos valores da aposentadoria, o prestígio
dos aposentados aumenta, observando-se uma transformação nos termos de
tratamento. Introduz-se uma noção menos estereotipada como o termo “idoso”
- que serve para caracterizar as pessoas envelhecidas de um modo geral -
contribuindo para uma designação mais respeitada. (PEIXOTO, 1998)
Logo, ser aposentado contribuiu para que os termos de cunho pejorativo
fossem menos utilizados. Outro fator que remete à aposentadoria - sendo ela
por contribuição ou tempo de serviço – é que colabora para que essa geração
torne-se inativa e ociosa no mercado de trabalho, possibilitando a construção
de novos hábitos e novos traços comportamentais, contrariando as
designações anteriores. São os jovens aposentados que disponibilizam de
tempo para realizar várias atividades e novos projetos. Nesse sentido, surge
um novo vocábulo para designar essa nova representação de jovens
aposentados, a “terceira idade”. Para Peixoto (1998),
[...] Sinônimo de envelhecimento ativo e independe, a terceira idade
converte-se em uma nova etapa da vida, em que a ociosidade
simboliza a prática de novas atividades sob o signo do dinamismo.
Entretanto, a invenção da terceira idade – nova fase do ciclo de vida
entre aposentadoria e velhice – é simplesmente produto da
universalização dos sistemas de aposentadoria e do consequente
surgimento de instituições e agente especializados no tratamento da
velhice.
39
A expressão “terceira idade” foi criada na França e se popularizou no
Brasil com a terminologia mais apropriada para referenciar a velhice. Depara-
se com um movimento que tenta positivar o envelhecimento como um tempo
positivo da vida, superando os estigmas da discriminação. Lidar com o tema
envelhecimento ou terceira idade, como assinala Debert (2004), é transitar por
dois modelos antagônicos de pensar o envelhecimento: o primeiro trata-se da
situação de abandono e pauperização a que o velho é relegado, alimentando
os estereótipos da velhice como um período em face da doença e da pobreza,
legitimando as políticas públicas; no segundo, apresenta os idosos como
capazes de dar respostas aos desafios do cotidiano, redefinindo sua
experiência, contrapondo-se aos estereótipos ligados à velhice.
Uma definição mais exaustiva de velhice, portanto, deve levar em conta
todos os aspectos evolutivos e cronológicos integrados com aqueles dados que
consideram, além da idade, também aspectos psicológicos, biológicos,
emocionais e cognitivos da interação indivíduo-ambiente (CAPODIECI, 2000).
Para Neri (1991), a classificação de uma pessoa como sendo velha
começa com a questão cronológica, a partir do seu nascimento, visto que “[...]
idades funcionam como ‘relógios sociais’, estabelecendo agendas para o
tempo e o ritmo esperados”. A autora também aponta a velhice como um
“estado de espírito”, condicionada a fatores diversos, como personalidade, por
exemplo. (NERI apud PINHEIRO JÚNIOR, 2004). Percebe-se que existe uma
tendência em definir e estabelecer padrões que determinam quando se inicia a
terceira idade, mas, atualmente, já se consegue reconhecer que existem
pessoas que possuem mais de sessenta anos de idade e que são saudáveis,
que têm interesse em viver a vida e que continuam exercendo suas funções
laborais. Como se pode perceber também, pessoas que nem estão perto dos
sessenta anos, mas já se sentem esgotadas e doentes.
Na concepção de Beauvoir (1990), é necessário compreender a velhice
em uma totalidade complexa, pois é impossível ter uma compreensão da
mesma, a partir de uma análise superficial dos seus diversos aspectos.
Portanto, o envelhecimento não é caracterizado como um processo
homogêneo e sim, como uma experiência diversificada e suscetível a
40
influências de diferentes contextos sociais, históricos e culturais. Pode-se
perceber que existe uma tendência em rotular a velhice e restringir seu
significado, reforçando o seu caráter estereotipado e preconceituoso.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a população idosa como
aquela a partir dos 60 anos de idade, porém, faz uma distinção quanto ao local
de residência dos mesmos. Esse limite de idade é válido para a população de
países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil; e em países
desenvolvidos, a faixa etária é considerada a partir dos 65 anos de idade. O
caráter instrumental e social de tal classificação na medida em que é utilizada
para a definição de políticas públicas, é também para distinguir e situar o
indivíduo nas várias instituições da sociedade. (RODRIGUES; SOARES, 2006).
No Brasil, o processo acelerado do envelhecimento populacional
demonstra a necessidade de formulação de políticas públicas para garantir
uma infraestrutura capaz de suprir as necessidades dos mesmos. A terceira
idade é concebida como sinônimo de gastos e complicações, principalmente do
âmbito da previdência social e da saúde, pois são os segmentos mais
utilizados por essa faixa etária e que exige um aumento nos gastos públicos
para atender às suas demandas.
Como assinala Debert (1996), a modernização da economia com o
capitalismo avançado veio acompanhada com um declínio das famílias na
sociedade em que o Estado (como o brasileiro) é incapaz de suprir as
necessidades básicas da maioria da população, deixando os idosos em
situação de extrema vulnerabilidade. A realidade dessa população é
preocupante, pois apesar da criação de algumas leis, pouco se tem feito para
viabilizar o exercício dos direitos assegurados. (MENDES apud SÁ et al., 2007)
Diante disso, em janeiro de 1994, foi concretizada a Política Nacional do
Idoso (Lei nº 8.842), que assegura os direitos sociais à pessoa idosa, criando
possibilidades de promover e garantir sua autonomia, integração e participação
efetiva na sociedade. No que diz respeito à saúde, uma readequação da rede
de serviços, reafirmando o acesso em diversos níveis do SUS, além de sugerir
o desenvolvimento do turismo e lazer, assistência social integrada ao idoso e
outras medidas (BRASIL, 1996).
41
Em 2002, é proposta a execução de Redes Estaduais de Assistência à
Saúde do Idoso (Portaria nº 702), tendo como base as condições de gestão e
divisão de responsabilidades definidas pela Norma Operacional de Assistência
à Saúde (NOAS) e como parte da operacionalização das redes, são criadas as
normas para cadastramento de Centros de Referência em Atenção à Saúde do
Idoso (Portaria nº 249/SAS/MS, de 2002).
E em outubro de 2003, surge o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741), o qual
regula os direitos assegurados às pessoas com 60 anos ou mais e que
responsabiliza a família, o Estado e a sociedade civil assegurarem o acesso da
pessoa idosa aos seus direitos efetivados pelo mesmo.
A contagem da população, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE, 2009) demonstra que o número de brasileiros cresceu uma
média anual de 1,21% nos últimos sete anos. Especificamente, em relação à
população idosa, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD, 2009)
do IBGE demonstra que o número de pessoas, com 60 anos ou mais, chegou a
21 milhões de brasileiros. Tais dados são significativos, pois demonstram uma
mudança no perfil etário da população, que até pouco tempo era considerada
extremamente jovem.
O crescimento relativo do segmento da velhice, se comparado a outros
grupos de idade, mostra-se expressivo durante o período que vai de 1998 a
2008. Estima-se que a população idosa em 2008 alcançava cerca de três
milhões de pessoas. Tais dados demonstram como o processo da longevidade
já é uma realidade no mundo e na sociedade brasileira e o quanto apontam
para a emergência de formulação de políticas públicas efetivas a fim de
garantir uma infraestrutura de atendimento, em todas as dimensões, a esses
velhos. (PNAD, 2009). No ano de 2005, Giddens já mencionava que o
crescimento da população idosa seria uma realidade na sociedade:
[...] Atualmente, uma em cada sete pessoas no mundo desenvolvido
tem mais de 65 anos. Em 30 anos, irá subir para uma em quatro [...].
O número de “muitos velhos” (acima de 85 anos) está se expandindo
mais rapidamente do que o de “jovens velhos”. Daqui a meio século,
o número de pessoas acima de 85 anos terá crescido seis vezes
42
mais. Esse processo é algumas vezes chamado de “envelhecimento
dos idosos”. (GIDDENS, 2005, p. 145).
O fato de o envelhecimento populacional ser um dado crescente nos
índices das pesquisas brasileiras se deve à queda na taxa de mortalidade e à
redução de fecundidade. E, além disso, o avanço da medicina torna possível o
desenvolvimento de uma qualidade de vida que favorece as pessoas,
tornando-as assim, mais prolongadas (GOMES, 2012). Assim, o
envelhecimento, na sociedade atual, é um fato que não pode ser contestado. É
um fato relevante que os idosos correspondem a uma parcela populacional
cada vez mais representativa do ponto de vista numérico, ganhando
legitimidade no campo das questões sociais.
Portanto, tornou-se uma realidade na sociedade brasileira. O
envelhecimento global causou um aumento nas demandas sociais e
econômicas no mundo todo. O crescimento da população idosa no Brasil e no
mundo é algo relevante nas pesquisas e, segundo dados do IBGE, aponta-se,
que até o ano de 2025, o Brasil será o sexto país no mundo com o maior
número de idosos, correspondendo a 15% da população brasileira. Um número
que representa um crescimento três vezes maior que a idade adulta (BRASIL,
2006).
Já o Ministério da Previdência Social menciona que esse aumento da
expectativa de vida preocupa a arrecadação previdenciária. Uma pesquisa feita
pelo IBGE aponta uma progressão de que, em 2050, serão 172 idosos para
100 jovens, ou seja, existirão mais beneficiários do que contribuintes. E é
diante dessa realidade que serão previstas mudanças no sistema
previdenciário brasileiro que deverá resultar em um aumento no tempo de
contribuição dos trabalhadores brasileiros e um incentivo à previdência privada,
caso contrário, a tendência é um “blecaute” previdenciário (BRASIL, 2012).
É dentro desse contexto, que a velhice e o envelhecimento adquirem
maior visibilidade; que a questão da sexualidade do idoso torna-se um tema de
extrema importância para análise.
43
2.2 A SEXUALIDADE NA TERCEIRA IDADE
Tratar da sexualidade na terceira idade é tratar de um tema polêmico.
Historicamente os idosos sofrem preconceitos e estigmas, e ao tratar de
sexualidade não poderia ser diferente. A sociedade designa aos idosos uma
incapacidade para exercerem a sua sexualidade, mesmo que o desejo sexual
ainda se mantenha presente em todas as fases da vida humana.
Considerando o aumento da expectativa de vida, muitos investimentos
têm sido feitos para melhorar a qualidade de vida desse grupo etário,
contribuindo para que esses idosos, de certa forma, alterem seu estilo de vida
e aumentem o ciclo de relações sociais. Há alguns anos, a sociedade participa
de um processo de revisão da “cultura da selenidade” que envolve também a
sexualidade do idoso. Como menciona Capodieci:
No que diz respeito à sexualidade veio a colocar-se - numa
coexistência contraditória-, ao lado da velha instância que
equacionava a sexualidade com a procriação e que
considerava a pessoa idosa como assexuada, numa nova
instância, que decorre da ideologia pseudoliberalizante, que
propõe mitos e estereótipos sexuais que enfatizam o
desempenho e a eficiência. (CAPODIECI, 2000, p. 38)
Considerar a sexualidade em idosos como algo saudável e natural está
longe de ser compreendida e aceita pela sociedade. A falta de informação,
aliada ao preconceito, reforça o estereótipo da velhice assexuada,
exacerbando a vulnerabilidade dos idosos para DST’s e, entre elas, a AIDS.
Muitas vezes, por conta da pressão cultural e do desconhecimento, as pessoas
da terceira idade, que possuem desejos sexuais, experimentam sentimento de
culpa e vergonha, podendo levar a uma inibição da sua expressão sexual
(BALLONE, 2001).
Desse modo, de acordo com Capodieci (2000), são impostas ao idoso,
duas possibilidades: ou uma exclusão, baseada na ineficiência, onde o mesmo
acha-se incapaz de satisfazer sua companheira; ou uma aceitação, vinculada à
capacidade de saber identificar-se com as outras gerações. É como se, nesses
dois extremos, não coubesse uma imagem sexual em que os componentes
44
físicos, psicológicos e sociais de cada indivíduo pertencente à terceira idade
pudessem associar-se e formar uma modalidade sexual específica.
Na faixa etária que antecede a terceira idade, chamada de “meia-idade”
(45-60 anos), é frequente existir um isolamento geracional. As pessoas que se
encaixam nesse período da vida, por um lado, sentem-se distantes dos jovens,
vendo-os envolvidos em projetos de vida e compromissos que já foram
superados por eles ou, por outro lado, distanciam-se das pessoas que já
passaram dos sessenta anos, que são vistos como o seu futuro. “Um aspecto
particular dessa fase da vida consiste num mecanismo de relativização, pelo
que o indivíduo, referindo-se aos seus coetâneos, chama-os de ‘rapazes’, e
enxerga os sexagenários como pessoas ‘ainda jovens’“. (CAPODIECI, 2000,
p.38)
Quando o autor remete-se ao tema referente à sexualidade do idoso, o
mesmo percebe que essa temática evoca diversas atitudes e modalidades de
reação. Para ele, existem pelo menos três atitudes identificadas quando se
refere à sexualidade na terceira idade. A primeira é o silêncio, os idosos podem
ter vantagens e desvantagens quando reagem decidindo não falar sobre o
assunto, conseguindo sua privacidade e prevenindo perguntas indiscretas.
Entretanto, o aspecto negativo dessa atitude é que sentindo vergonha ou
querendo manter segredo, as pessoas idosas sentem incompreensão pela
impossibilidade de buscar informações sobre o assunto, aumentando a
probabilidade de adquirir doenças sexualmente transmissíveis por falta de
conhecimento.
A segunda modalidade consiste na aversão, pois para alguns idosos
tratar sobre sexualidade é desagradável e inconveniente. Outra forma de reagir
é como o autor chama de piada de gozação, é quando não existe a crença em
mitos relacionados à sexualidade das pessoas idosas e a abordagem com
humor cria uma imagem positiva acerca do assunto. A última atitude
identificada por Capodieci é a visão “a túnel”, que é conceber a sexualidade
apenas em termos de genitalidade e as relações tão somente heterossexuais.
“A sexualidade tanto nos idosos, como também nos jovens, abrange muito
45
mais que isso. Na verdade, a importância do contato físico é demasiado grande
para ser reduzida apenas à esfera da genitalidade”. (CAPODIECI, 2000, p. 39).
Vale ressaltar que as pessoas idosas são atingidas pelos estereótipos a
respeito da sexualidade, muito mais do que os jovens, por isso, é muito mais
fácil para os jovens decidirem ignorar aquilo que os outros pensam ao seu
respeito. Porém, não são todos os indivíduos idosos que se permitem inibir os
complexos que a sociedade possui acerca de existir a sexualidade na terceira
idade.
Outro fator relevante que o autor leva em consideração é que nessa
faixa etária, muitos indivíduos são obrigados, por vários motivos, a perderem a
sua privacidade, indo viver com algum familiar, numa casa de repouso ou em
uma enfermaria do hospital, contribuindo para que a pressão social do “bom
comportamento” impeça as pessoas de poder viver como desejam os vários
aspectos da sexualidade.
O ato de envelhecer não é para ser diretamente associado à fraqueza, à
fragilidade ou de tornar-se um indivíduo assexuado. Porém, a cultura brasileira
atribui diversos mitos e atitudes sociais à pessoa idosa, principalmente no que
diz respeito à sua sexualidade, dificultando as manifestações acerca dessa
temática em suas vidas.
Não tem como referir sexualidade sem se reportar ao estudo de gênero.
De acordo com a definição no Dicionário da Língua Portuguesa, gênero é
“agrupamento de indivíduos, objetos, etc. que tenham características comuns”
ou “a forma como se manifesta social e culturalmente, a identidade sexual dos
indivíduos” (FERREIRA, 2001:380).
A discriminação e a desigualdade de gênero permeiam vários debates
na sociedade contemporânea. Os dois gêneros são tratados desigualmente em
termos culturais, socioeconômicos e políticos. A hierarquia de gênero contribui
para que aumente a dificuldade das mulheres perceberem sua vulnerabilidade
(principalmente as que já estão com mais de 60 anos), tendo em vista que lhe
foi imposto culturalmente à submissão do seu cônjuge.
46
No gênero masculino, pode-se destacar que ocorrem algumas
mudanças na função sexual, onde as atividades sexuais não acontecerão com
a mesma facilidade e rapidez como na juventude. Porém, os impactos do
preconceito velado, que a sociedade insiste em reproduzir, quando se remete à
sexualidade na terceira idade, são mínimos em relação ao gênero feminino,
eles limitam-se apenas ao fato do homem ter ou não ter que usar algum tipo de
medicamento para exercer sua virilidade, tendo em vista que a evolução
medicinal colabora para que o homem não sinta tanto os impactos da idade na
sua vida sexual.
Já as mulheres idosas, além da mudança de idade, experimentam
também a redução do hormônio sexual, passando por períodos de extremo
desconforto. Então afora as mudanças biológicas, tratar a sexualidade no
gênero feminino é um tema mais delicado do que em relação ao masculino,
como dito anteriormente, pois culturalmente, as mulheres que se encontram,
atualmente, na terceira idade tiveram hábitos e costumes reproduzidos por uma
sociedade que encarava a sexualidade como um ato de procriação, onde os
casamentos eram acordos familiares e o sexo existia como um ato individual,
pois o prazer limitava-se apenas ao homem e à mulher cabia apenas a função
de procriar. E concomitante a isso, falar sobre sexo era um tema
completamente proibido. Ainda há outras questões culturais que permanecem.
[...] como a infidelidade e a multiplicidade de parceiras aceitas
socialmente na trajetória da vida dos homens que hoje têm mais de
60 anos, e que não praticam sexo seguro porque isso nunca fez parte
da vida deles e que expõem suas esposas, resultantes da construção
social de gênero. (SALDANHA, 2003:15)
Portanto, ao se referir a gênero, enfatiza-se que os homens são menos
limitados na concepção de sua sexualidade do que as mulheres (BRIGEIRO,
2000). Eles concentram os seus interesses na região genital e dadas as
mudanças na “função erétil” com o avançar da idade, redescobrem outras
partes “sexualizadas” do corpo na velhice. São mais interessados por sexo em
relação às mulheres. Elas já apresentam maior dificuldade em relação à vida
sexual na velhice, pois tiveram uma socialização marcada com maior controle
47
no que diz respeito à sua sexualidade, fazendo com que exista uma dificuldade
de expressão da mesma na velhice.
Concomitante com o aumento dos índices de pessoas na terceira idade
no Brasil houve um aumento significativo no diagnóstico de HIV/AIDS em
pessoas idosas. O diagnóstico do vírus HIV em idosos, frequentemente, é
tardio, pois certos sintomas que não são específicos da doença surgem e
acabam sendo associados a infecções que são frequentes na terceira idade,
tais como o cansaço e a perda de peso (SOUSA et al, 2007).
2.3 A AIDS NA TERCEIRA IDADE
A AIDS é uma doença que se manifesta após a infecção do organismo
pelo HIV. Diferente do contexto do seu surgimento, atualmente, a AIDS
compromete indivíduos de todas as faixas etárias. No Brasil, dos 371.827
casos notificados de 1980 até junho de 2005, o número de pessoas entre 50 e
59 anos representou 6,2%, e os indivíduos de 60 anos ou mais foram 2,1%
dessa totalidade, entre ambos os sexos. O primeiro caso de AIDS em pessoas
com 50 anos ou mais foi notificado em 1982. Desde então, até junho de 2008
foram identificados 47.437, o que representa 9% do total de casos, sendo
15.966 (43%) entre mulheres e 31.469 (66%) entre homens (ANDRADE et al,
2010).
O aumento nos índices das pesquisas da OMS vem confirmando o HIV
como uma ameaça à saúde pública e a tendência sugere que, em pouco
tempo, o número de idosos infectados pelo vírus será ampliado
significativamente, principalmente devido à vulnerabilidade física e psicológica,
pouco acesso a serviços de saúde, além da invisibilidade com que é tratada
sua exposição ao risco, seja por via sexual ou uso de drogas ilícitas. Além
disso, a falta de campanhas destinadas aos idosos faz com que esta população
esteja geralmente menos informada sobre o HIV e menos consciente de como
se proteger (ARAÚJO; SALDANHA, 2006).
Vale ressaltar que a ampliação dos números de idosos infectados com
HIV pode estar relacionada a uma falha em relação às tentativas de prevenção
48
para este grupo de idade, posto que, muitas vezes, as campanhas de
prevenção concentrem sua atenção na população mais jovem. Outro fator que
acaba contribuindo para esse grande índice é a sexualidade estereotipada, que
é produzida culturalmente na sociedade. Os estereótipos de que as pessoas
idosas não têm interesse por sexo ou que são incapazes de sentir algum
estímulo sexual, ainda, são amplamente difundidos. E concomitante a isso, a
prática sexual sem proteção contribui para que esse diagnóstico em pessoas
idosas aumente cada vez mais. A possibilidade de uma pessoa idosa ser
infectada pelo HIV parece ser invisível aos olhos da sociedade e dos próprios
idosos, visto que a sexualidade, nesta faixa etária, ainda é tratada como tabu
tanto pelos idosos quanto pela sociedade em geral (FONTES; SILVA, 2004).
O preconceito e o estigma aliado à falta de informação determinam
algumas atitudes e propensões comportamentais que reforçam a
vulnerabilidade do idoso para as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST),
dentre elas, a AIDS. Os avanços tecnológicos na área da medicina
colaboraram para estender a longevidade, acarretando um aumento na
expectativa de vida da população (LINSK apud FIGUEIREDO et al.2000)
porém, a possibilidade de uma pessoa idosa ser infectada pelo HIV parece ser
remota aos olhos da sociedade. Segundo Leiberman (2000), as atitudes sociais
sobre AIDS na velhice refletem concepções errôneas sobre o comportamento
do idoso, pois o idoso é visto como um indivíduo que não possui nem desperta
interesses sexuais; que faz sexo apenas dentro do casamento e que não usa
drogas (LEIBERMAN apud FIGUEIREDO et al. 2000).
Em suma, percebe-se que existe uma evolução no que diz respeito ao
diagnóstico e tratamento do HIV/AIDS, porém, ainda existe uma imagem de
que a população idosa está isenta de adquirir o vírus, por não ser
compreendida dentro de um contexto de vulnerabilidade.
Vale salientar também a importância de debater a respeito da
“feminização” da AIDS, que não se restringe apenas às mulheres jovens, mas
abrange também mulheres na terceira idade. Atualmente, existe um aumento
de casos de diagnóstico em mulheres com 50 anos ou mais. De acordo com o
Núcleo de Prevenção da AIDS da Secretaria de Saúde, a feminização não é
49
apenas uma realidade local, em todo o Brasil, existem índices semelhantes. E
é dentro dessa realidade, que se contextualizará o debate da AIDS e a mulher
na terceira idade.
2.4 HIV/AIDS E A MULHER NA TERCEIRA IDADE
A epidemia da AIDS, em termos globais, se constituiu uma realidade
para as mulheres desde o seu surgimento. O primeiro caso de infecção pelo
HIV em mulheres foi datado no ano de 1981, nos Estados Unidos. Porém, a
existência desses casos era compreendida como restritas às mulheres
parceiras de usuários de drogas, de homens bissexuais, de hemofílicos ou de
mulheres envolvidas na prática da prostituição. Foi somente na década de 90
que surgiram as primeiras intervenções voltadas para esse segmento (BRASIL,
2007).
De acordo com o Plano Integrado de Enfrentamento da Feminização da
Epidemia de AIDS e outras DST’s (2007), houve um aumento de 82% no
número de casos de AIDS registrados na população feminina entre 1995 (com
7.280 casos) e 2005 (13.279 casos).
O Plano Integrado representa a consolidação de uma política para
enfrentamento da epidemia da AIDS e a prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis entre as mulheres. É uma resposta para a redução da
vulnerabilidade que deixa as mulheres mais suscetíveis à infecção pelo vírus
HIV e outras DST’s, atuando no campo dos direitos das mulheres, da
promoção da saúde e da prevenção (BRASIL, 2007).
No Brasil, a população de pessoas acima de 60 anos, como já foi citado,
está em crescimento. Associando-se a esse fenômeno, os avanços da
medicina e da tecnologia favorecem o envelhecimento de forma saudável e
com qualidade, inclusive prolongando suas atividades sexuais. Salientando que
com o surgimento do HIV, associava-se o diagnóstico apenas a grupos
específicos, como homossexuais, prostitutas ou usuários de drogas. Nesse
contexto, o idoso não era considerado público-alvo da doença, contribuindo
para que os índices de HIV/AIDS na terceira idade tenham tido um aumento
50
significativo nas estatísticas. Na faixa etária de 50-59 anos, a taxa de incidência
entre os homens passou de 18,2% para 29,8%; entre as mulheres, cresceu de
6,0% para 17,3%. Nesse mesmo período, houve um aumento da taxa entre os
indivíduos com mais de 60 anos, sendo que nos homens passou de 5,9% para
8,8% e nas mulheres de 1,7% para 4,6%. Traçando um paralelo, no ano de
1998, o índice de mulheres com mais de 60 anos portadoras do HIV era de
2,8/100.000 habitantes para 5,1/100.000 habitantes em 2010 (BRASIL, 2010).
O aumento da transmissão do vírus HIV entre os heterossexuais
ocasionou uma mudança no quadro da epidemia, deixando de lado a ideia de
que apenas determinados perfis sociais eram propensos a contrair a doença. O
grande número de casos de heterossexuais infectados pelo vírus fez com que
deslanchasse a dinâmica da epidemia, proporcionando que novos casos em
mulheres infectadas aumentassem, praticamente, na mesma proporção.
Tendo em vista essa realidade, podem-se analisar algumas variáveis no
que diz respeito à “feminização” do HIV. Levando em consideração esse
quadro de disseminação do vírus entre as mulheres, pode-se destacar que há
uma desigualdade de gênero aparente, quando se refere ao percurso histórico
de desigualdades sociais, políticos e culturais, como também no que diz
respeito às estratégias de prevenção e tratamento das mulheres infectadas
(BRASIL, 2000).
No ponto de vista social, as mulheres ainda hoje carregam um tom de
moralidade no que diz respeito aos seus comportamentos. Historicamente, há
diferenças entre os papéis desempenhados por homem e mulheres, no seu
acesso aos recursos produtivos e na sua autonomia para tomar decisões.
Durante séculos, a cultura disseminada na sociedade é a de que a mulher tem
que viver dentro dos padrões pré-estabelecidos, que ditam as regras dos seus
comportamentos dentro e fora das suas relações sociais, tornando-a
dependente do seu marido/companheiro em vários aspectos, principalmente
em relação ao seu comportamento sexual. O acesso a bens materiais e
simbólicos favorecem aos homens, principalmente no que diz respeito aos
métodos de prevenção. O controle exercido pela mulher no uso do preservativo
masculino é mínimo, fazendo com que as mesmas dependam de acordos
51
estabelecidos entre os seus parceiros, e tendo em vista que, na maioria dos
casos de contaminação de mulheres pelo o HIV, o disseminador do vírus é seu
companheiro, a mesma encontra-se, mais uma vez, vulnerável e exposta ao
vírus (SALDANHA et. al., 2008).
Colaborando com esse raciocínio, Saldanha (2003) ainda menciona que
as desigualdades de gênero exacerbam-se ainda mais nas mulheres das
camadas mais pobres, pois, além das disparidades citadas acima, a estrutura
social aparece como um fator determinante na constituição e na perpetuação
de políticas de prevenção para essas classes. Pois, além do fenômeno da
feminização do vírus, tem-se também a pauperização do mesmo, onde é
crescente o número de portadores de ambos os sexos nas classes menos
favorecidas.
Nessa perspectiva, os papéis relacionados ao exercício da
masculinidade na sociedade, onde noções de que os homens devem iniciar
sua vida sexual mais cedo, de terem várias parceiras sexuais, de “controlarem”
suas parceiras e de que as práticas sexuais sem o uso do preservativo são
mais prazerosas, contribuem para a vulnerabilidade da mulher no que diz
respeito à sua prevenção quanto às infecções pelo HIV/AIDS e por outras
DST’s (BRASIL, 2007). Logo, essa reprodução dos papéis tradicionais de
gênero interfere na capacidade de negociação das mulheres em ter o sexo
mais seguro com os seus parceiros.
Grande parte do número de mulheres que contraem o vírus encontra-se
em plena atividade reprodutiva. No entanto, observa-se também um aumento
nos casos em mulheres com mais de 50 anos. Portanto, torna-se relevante
compreender que a feminização da AIDS em idosos está presente, assim como
a epidemia do vírus. Envelhecer sendo soropositivo, ou contrair o vírus na
velhice representa um desafio duplo para quem enfrenta essa situação
(Saldanha apud Araújo e Felix, 2006). Pois, além de toda a carga moral que as
pessoas soropositivas enfrentam em qualquer faixa etária, na terceira idade, as
construções sociais contribuem para o aumento dos estigmas e preconceitos
enfrentados pelos portadores do vírus.
52
Quando se analisa a ideia de gênero relacionado ao envelhecimento,
remete-se às intervenções de medicamentos utilizados pelos homens idosos
para exercer sua virilidade e às mulheres idosas, o papel de negar a sua
sexualidade, pois já não se encontra em sua idade reprodutiva (SILVA et al.,
2010). Logo, os homens começam a se relacionar com mulheres mais jovens,
fora do casamento, e não possuem o hábito de usar preservativos nem nas
suas relações extraconjugais nem nas relações com suas esposas, tornando-
as vulneráveis e expostas ao vírus.
Acredita-se que o casamento tem destaque para as mulheres como fator
de proteção à doença. O matrimônio representa um pressuposto de que
homens e mulheres estariam protegidos do risco de infecção. (SILVA et. al.,
2010). Tal percepção colabora com o hábito dos casais em abandonar a
utilização de preservativos tanto para as mulheres jovens, quanto para as
mulheres na terceira idade que já possuem uma relação duradoura com seus
companheiros, e além desse fato, os idosos acreditam que o HIV/AIDS é algo
presente entre as pessoas mais jovens.
Portanto, independente de faixa etária, raça ou profissão, as mulheres
estão diretamente vulneráveis ao HIV, dentro desse contexto em que as
relações de gênero e poder as tornam mais vulneráveis. E as mulheres na
terceira idade merecem destaque, dada as circunstâncias acima citadas, pois
demonstram uma percepção de risco baixa, não encarando a si mesmas como
pessoa vulneráveis.
53
CAPÍTULO III- O CAMINHO METODOLÓGICO E OS SIGNIFICADOS DA
AIDS PARA MULHERES NA TERCEIRA IDADE.
3.1. Percurso metodológico
Desde os primórdios até os dias atuais, o homem procura conhecer e
compreender a sua natureza humana e o mundo à sua volta. Nesta busca de
conhecimento, tem-se utilizado da filosofia, da religião, das artes e das
ciências; instrumentos fundamentais para a explicação dos significados de sua
existência individual e coletiva. O conhecimento científico é uma busca de
articulação entre uma teoria e uma realidade empírica, e o método conduz a
formulação dessa articulação (ADERALDO, 2003). Neste capítulo, pretende-se
explicitar a base teórico-metodológica que dará suporte à pesquisa.
As categorias estruturantes, utilizadas nessa dissertação, foram:
HIV/AIDS; Saúde Pública; Terceira Idade; Sexualidade e Gênero. Para isso,
utilizou-se uma pesquisa de caráter bibliográfico através de autores relevantes
sobre o tema, tais como Beauvoir (1990); Debert (1999); Saldanha (2003);
Parker (2000); Galvão (2000); dentre outros.
Segundo MINAYO (1994), a pesquisa é a atividade básica das ciências,
sendo uma tentativa de aproximação da realidade, que é dinâmica e nunca se
esgota. Existem dois principais métodos de pesquisa: o quantitativo e o
qualitativo. Na abordagem qualitativa, a via de contato entre o pesquisador e o
sujeito, é a fala. O diálogo é o que norteia toda a comunicação entre o
investigador e o investigado. Já a abordagem quantitativa permite ao
pesquisador dados ordinais que possibilitam adquirir dados estatísticos,
produzindo material que possa ser utilizado para relacionar o modelo teórico
proposto e os dados observados na realidade. Mesmo com tal distinção, as
duas abordagens se complementam.
Então, para essa pesquisa, a escolha pela abordagem qualitativa foi a
mais adequada, pois a finalidade da pesquisa é revelar significados e
representações, tentando compreender reconstruções e comportamentos a
partir de momentos vividos pelos sujeitos. Possibilitando uma compreensão
54
dos processos subjetivos, através dos seus discursos, costumes etc. Minayo
(1994) esclarece: “A abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos
significados, das ações e das relações humanas, um lado não perceptível e
não captável em equações, médias e estatísticas [...]”. (MINAYO apud
JÚNIOR, 2004)
Pesquisar as mulheres portadoras do HIV/AIDS na terceira idade requer
uma abordagem interpretativa. Fez-se necessário compreendê-las, entender
cada realidade, cada concepção e cada história particularmente. Nesse
sentindo, procurou-se resgatar seus sentimentos e suas expectativas no
sentido de conviver com o vírus da AIDS nessa faixa etária.
A pesquisa bibliográfica também foi primordial para a construção desse
trabalho. Uma vez que fez necessário buscar um resgate histórico da gênese
da saúde pública no Brasil, como também da descoberta do vírus HIV.
Portanto, possibilitou um amplo alcance de informações, além de permitir a
utilização de dados dispersos em inúmeras publicações, auxiliando na
construção ou na melhor definição do quadro conceitual que envolve o objeto
de estudo proposto (GIL apud MIOTO, 2007).
Dentre as preocupações científicas dos pesquisadores, deve estar a
forma de selecionar tanto os fatos a serem coletados como o modo de recolhê-
los (MINAYO, 1994). Os instrumentos de uma investigação têm um caráter
interativo, onde há a possibilidade de idas e voltas em todas as etapas da
pesquisa.
Serão utilizados como instrumentos de pesquisa aqueles que facilitam
as expressões do sujeito. A técnica utilizada para o desenvolvimento dessa
pesquisa foi a entrevista semiestruturada. Para Minayo (1994), o que torna a
entrevista um instrumento privilegiado de coleta de informações para as
ciências sociais é a possibilidade da fala ser reveladora, de condições
estruturais, de sistema de valores, normas e símbolos.
Da mesma maneira, Quivy (2005) e Campenhoud (2005) assinalam que
a entrevista semiestruturada é a técnica mais utilizada em investigações
sociais. Não é totalmente aberta nem encaminhada por um grande número de
55
perguntas precisas. O pesquisador dispõe de perguntas norteadoras com o
propósito de receber a informação. Nesse sentido, ao investigar sobre as
percepções e sentimentos de idosas com o vírus HIV/AIDS, nada mais
coerente do que tentar compreender suas histórias de vida, motivações e
implicações do diagnóstico na sua vida e nas suas relações sociais.
Assim, os depoimentos, em situação de entrevistas, foram a principal
fonte de pesquisa, pois permitiu uma aproximação com o sujeito e uma
aquisição de dados subjetivos.
O estudo foi elaborado dentro de algumas etapas. Primeiro, a escolha
dos sujeitos da pesquisa foi norteada, segundo um perfil já pré-estabelecido.
Posteriormente, foi organizada uma ficha de identificação dos sujeitos,
juntamente com as perguntas que nortearam as entrevistas (Apêndice A). O
roteiro norteador da entrevista serviu de ponto de partida para que os sujeitos
falassem livremente, sem preocupações e quando fosse necessário, ia-se
aprofundando os pontos relevantes para a pesquisa. Serviu como um campo
de expressão para os sujeitos participantes, estimulando a aparição de
emoções e de reflexões sobre várias esferas diferentes.
As entrevistas tiveram a duração em torno de 20-30 minutos, todas
foram gravadas e transcritas pela pesquisadora, juntamente com algumas
anotações consideradas relevantes. Foram expostos os objetivos e finalidades
do estudo e prestados todos os esclarecimentos.
Foi elaborado, inclusive, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(Anexo A), assegurando o sigilo e o anonimato das participantes. As
entrevistas foram feitas em um lugar reservado, resguardando o sigilo.
O projeto foi submetido à avaliação e aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa do Hospital São José de acordo com a resolução nº 196/1996 (sob
nº. 033/2004). Contemplando o direito de sigilo dos sujeitos da pesquisa, pois
serão utilizados pseudônimos.
As entrevistas ocorreram de acordo com a disponibilidade dos sujeitos,
respeitando seus ritmos e prioridades. Assim, procurou-se ter o máximo de
56
cuidado para não induzir e/ou não interferir nos depoimentos, bem como retirar
o máximo de concepções pré-estabelecidas sobre o tema.
Para o tratamento dos dados foi utilizada a técnica de análise de
conteúdos, que de acordo com Bardin (1977) consiste em:
Um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.
Portanto, a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas que
possibilita ao pesquisador conhecimento relativo do sujeito entrevistado,
possibilitando ir além dos significados e da leitura simples da realidade. Então
se teve a possibilidade de conhecer a realidade dos sujeitos entrevistados na
pesquisa, adaptando a abordagem sempre que houvesse necessidade e
aproximando-se dos dados obtidos. Foi a partir das transcrições dos
depoimentos que se pôde aproximar da realidade de cada sujeito e interpretar
os resultados das mesmas.
O método compõe-se por três fases: pré-análise, exploração de dados e
interpretação de resultados.
Na primeira fase, realizou-se uma leitura flutuante e superficial dos
depoimentos, onde se teve possibilidade de estabelecer os primeiros
elementos para iniciar a sistematização de ideias. Após essa leitura, houve
uma aproximação dos dados obtidos, dando início à segunda fase, a
exploração de dados, fase que foi realizada a exploração do material de forma
detalhada, e que possibilitou o surgimento de categorias que também serão
analisadas. Essa categorização foi feita agrupando-se as falas que
apresentaram alguma semelhança. Ao fim de cada categoria analisada e de
cada etapa concluída interpretar-se-á os resultados obtidos.
Diante disso, a pesquisadora procurou estar atenta, no sentido de captar
o conteúdo emocional das falas dos sujeitos com objetividade na escrita de tais
percepções, pois se torna até indispensável captar tais elementos – como
gestos, olhares e até silêncio – que são ricos em detalhes e que devem ser
explorados.
57
O estudo foi realizado no Hospital São José, referência em tratamento
para doenças infecciosas, situado na cidade de Fortaleza do Estado do Ceará.
Esse hospital recebe usuários de todo o Estado. Foi criado no dia 31 de março
de 1970, pela lei nº 9.387, de 31 de julho do mesmo ano. É um órgão vinculado
à Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, com capacidade de internamento
de 115 leitos e com mais de 700 servidores.
A referida unidade hospitalar surgiu a partir da necessidade de construir
um hospital que agregasse internamento de usuários portadores de doenças
infecciosas ou que requeriam regime de isolamento. A partir de 1985, iniciou-se
o atendimento aos portadores de HIV/AIDS, com internamento. Em 1989,
começou a assistência ambulatorial para os mesmos. No ano de 1994, passou
a ser o Serviço Ambulatorial Especializado (SAE) em HIV/AIDS e, em 1997,
essa assistência foi ampliada, com atendimento em regime de hospital-dia.
Essa instituição hospitalar tem como missão atuar no diagnóstico,
tratamento, ensino e pesquisa para doenças infecciosas, como hospital
referência para pacientes, estudantes, profissionais e pesquisadores de todo o
mundo, assegurando um atendimento humanitário e de qualidade,
acompanhando os avanços tecnológicos com profissionais capacitados, em
parceria com outros hospitais, instituições de ensino, pesquisa e organizações
atuantes no setor. (HSJDI, 2000).
O referido hospital foi escolhido como campo de estudo pelos motivos
acima citados e por ter sido a instituição na qual a pesquisadora exerceu três
disciplinas de estágio obrigatório. Logo, foi a partir das experiências vividas
dentro dos plantões de estágio que surgiu o interesse da mesma em
aprofundar seus conhecimentos acerca da doença mais estigmatizada tratada
no hospital, que é o HIV/AIDS.
Concomitante a isso, a pesquisadora buscou fazer um recorte geracional
e de gênero, buscando desvelar os impactos do diagnóstico de um vírus
estigmatizado e carregado de preconceitos, em mulheres que se encontram na
terceira idade.
58
3.2 Análises dos resultados
3.2.1 Perfil dos sujeitos da pesquisa
Na busca de compreender os significados, sentimentos e percepções
que o diagnóstico do HIV ocasiona em seus portadores, os sujeitos escolhidos
para pesquisa foram mulheres, com idade a partir dos 60 anos, usuárias do
Hospital São José.
Tal recorte geracional e de gênero foi escolhido para esta pesquisa na
tentativa de desvelar os seguintes aspectos: ser mulher, idosa e com
diagnóstico de um vírus transmitido, na maioria dos casos, sexualmente.
Levando-se em consideração que os estudos apontam que o sexo feminino
torna-se mais vulnerável na contaminação pelo vírus - atestando o fenômeno
da feminização do HIV em todas as faixas etárias, sobretudo em mulheres
acima de 60 anos de idade, por tratar-se de um período de vida que carrega
um tom de descaso e preconceito, inclusive ao mencionar uma doença
sexualmente transmissível. Dentro desse contexto, buscou-se compreender as
diversas representações que tal diagnóstico acarreta na vida dessas mulheres.
. Abordar esse diagnóstico entre as mulheres não foi fácil, pois ao discutir
o assunto foram levantadas algumas questões referentes ao matrimônio,
sexualidade, vínculos familiares, perspectivas futuras e outros aspectos de sua
intimidade que estão diretamente ligados à doença.
Foram entrevistadas seis mulheres diagnosticadas com o vírus, em
internamento e tratamento ambulatorial no Hospital São José. Com idades
entre 60 e 65 anos e com períodos do diagnóstico, variando entre 1 a 13 anos
de convívio com a doença. Todas são aposentadas ou recebem Benefício de
Prestação Continuada (BPC) e hoje são donas de casa, com o nível de
escolaridade, que varia entre Ensino Fundamental e Médio. Das seis, apenas
uma é casada, duas são solteiras e três viúvas.
A maioria se descobriu com o vírus do HIV através do diagnóstico do
marido/parceiro, exceto uma que referiu ter contraído o vírus através de uma
transfusão sanguínea.
59
Foram abordadas as usuárias que já tinham o seu diagnóstico
confirmado e que se enquadravam no perfil da pesquisa. Não houve nenhuma
objeção incisiva para participar da pesquisa, apenas uma usuária teve um
pouco de receio para aceitar, porém, depois de fornecer as devidas
informações a respeito da pesquisa, a mesma concedeu seu depoimento.
3.2.2 Análise das entrevistas
A transformação dos dados coletados em resultados de pesquisa
envolve a utilização de determinados procedimentos para sistematizar,
categorizar e viabilizar a análise por parte do pesquisador. Dentre os
mecanismos utilizados, a análise de conteúdo insere-se como uma proposta
teórico-metodológica que colabora para essa transformação (CAPPELLE et al.,
2003)
Para compreender, analisar e organizar os depoimentos, os dados
obtidos foram distribuídos em categorias de análise a partir dos depoimentos
das usuárias. Durante esse processo, despontaram quatro categorias: A
chegada da AIDS e a vulnerabilidade feminina, as representações do
HIV/AIDS, as mudanças de vida após a descoberta do diagnóstico e as
perspectivas com a presença da doença.
As perguntas utilizadas na entrevista para nortear os depoimentos das
usuárias foram formuladas com a finalidade de desvelar algumas percepções a
respeito do HIV. Portanto, foram utilizadas quatro perguntas buscando
compreender os sentimentos que perpassam ao falar sobre o diagnóstico; a
maneira como o HIV chegou a suas vidas; as mudanças de vida em
decorrência do diagnóstico e as suas perspectivas de vida.
3.2.2.1 Chegada da AIDS: A vulnerabilidade feminina
A infecção através do parceiro ou companheiro
Desde a sua gênese até os dias atuais a infecção pelo vírus do
HIV/AIDS é caracterizada, principalmente, pelo contato sexual. A forma
60
escolhida para abordar o assunto buscou compreender o contexto cultural de
contaminação de mulheres pelo vírus, abordando aspectos como: o
transmissor do vírus ser o marido/companheiro; a relação com eles depois do
diagnóstico; a compreensão do diagnóstico e se em algum momento,
imaginaram a possibilidade de contrair essa infecção.
Eu peguei a doença pelo meu marido. Eu sabia que ele tinha um
tratamento, mas era tudo escondido, eu não sabia de nada... Era tudo
no maior sigilo, tudo escondido. Eu só descobri o que ele tinha depois
dele ter morrido. [...] quando ele ficou doente mesmo... Eu o
acompanhei, aí foi quando eu descobri onde ele se tratava. Lá foi que
eu vi que aquele lugar era só pra aquele tipo de gente e mesmo
assim ele ainda negava. Aí eu comecei a conversar com as pessoas
de lá e me disseram que lá só tratava desse diagnóstico. (Suj. 1,
viúva, 60 anos.)
“Eu me envolvi com ele por pouco tempo. Eles não querem saber de
usar camisinha não, e eu também não soube me impor, né? Então eu
acabei me expondo a isso...” (Suj.3, Solteira, 62 anos).
O impacto do diagnóstico da infecção pelo HIV repercute
significativamente nas suas relações e no seu cotidiano. Adquirir uma doença
através das suas relações dentro de um matrimônio ou de uma relação com o
seu atual companheiro, causou-lhes um desconsolo. Três entrevistadas
souberam da existência da doença após o óbito dos seus maridos, que as
expuseram a uma doença grave, tornando-as muito mais vulneráveis à
contaminação.
Dentre os depoimentos das usuárias que descobriram o diagnóstico
após a morte do seu companheiro, duas relataram que só descobriram a
infecção depois de surgir alguns sintomas da doença no seu organismo.
Ah, foi horrível. Eu estava sentindo febre e calafrio. Quando uma
amiga do trabalho disse que eu poderia estar com virose, aí eu disse,
é não mulher, já tomei tudo quanto foi de remédio e não passa... Foi
quando perto de terminar o expediente ela me chamou para ir à igreja
lá no centro. Eu cai lá! O pessoal me socorreram porque me
reconheceram, porque quase todo dia eu tava na Igreja. Aí, minha
irmã, meu marido... meu ex-marido, pai dos meus filhos, pegou o HIV
dessas piriguete no meio de rua, saindo com uma e com outra, então,
61
ele já vivia doente. [...] ele escondeu a doença de mim, dos meus
filhos, da família... Aí eu cai doente e vim bater aqui.. Não sabia nem
onde eu estava... (Suj. 4, Viúva, 62 anos).
Eu passei três ou quatro anos sentindo muita coisa, escondendo
muita coisa dos meus filhos e da minha família, mas eu não sabia
jamais o que era. Quando foi um belo dia, por uma endoscopia que
eu fui fazer, porque eu estava emagrecendo demais, o médico me
disse que eu estava com HIV. Aí ele disse para eu não me preocupar
e me cuidar, não me deixar abater porque eu não era a primeira e
não ia ser a última e assim eu fiz... Comecei o tratamento e a me
cuidar, mas eu não acreditava, porque depois de quatro anos
separada do meu companheiro eu fui me envolver com essa outra
pessoa e quando eu descobri, ele sumiu. (Suj. 2, Solteira, 65 anos).
Nesse sentido, Saldanha e Araújo (2006) enfatizam que não é uma
rotina dos profissionais de saúde solicitarem um teste anti-HIV. Além disso,
nessa faixa etária, existe uma dificuldade maior em associar alguns sintomas
do HIV, pois é tendencioso confundi-los com as doenças próprias da idade,
resultando em um diagnóstico tardio e aumentando as probabilidades de óbito.
A maioria dos depoimentos demonstra que a infecção foi transmitida
através de relações sexuais com seus maridos/companheiros, e percebe-se,
nas falas das entrevistadas, que esse era um diagnóstico que jamais foi
cogitado pelas mesmas. Então, as depoentes chegaram ao diagnóstico ou por
solicitação médica decorrente das manifestações de infecções oportunistas ou
a partir do diagnóstico do marido/companheiro.
As dificuldades enfrentadas ao confirmarem a infecção são várias, os
relatos das depoentes enfatizam o fato de que a mulher, em uma relação
estável, torna-se vulnerável à contração do vírus tanto quanto qualquer pessoa.
Rompe-se o mito de que essa estabilidade conjugal significava um
distanciamento do risco de transmissão.
É importante salientar também que ainda permanece a ideia da
existência dos “grupos de risco” para a infecção do HIV. Pelos depoimentos,
consegue-se perceber que o fato de estarem com parceiros fixos fazia as
depoentes acreditarem que a possibilidade de uma possível transmissão de
uma doença sexualmente transmissível era remota. Apontando que a
62
compreensão inicial da doença - que é uma infecção restrita a homossexuais
ou profissionais do sexo, ainda se apresenta atualmente no imaginário popular,
dificultando as estratégias em prevenção.
Eu não era mulher de balada, eu não era mulher de sair... Eu era
mulher da minha casa, do meu trabalho, do meu marido... E
acontecer um negócio desses? Ele tinha uma mulher em casa! Não
precisava ele ficar procurando essas mulheres no meio da rua.
Porque o homem que procura mulher no meio da rua, traz a doença
para dentro de casa. E isso eu aprendi depois de pegar o vírus dele...
Agora eu tô aqui... na luta! (Suj.4, Viúva, 62 anos)
Pode-se reconhecer dentre outras dificuldade enfrentadas: a falta de
negociação com o marido/companheiro quanto ao uso do preservativo; a
existência da crença na fidelidade; a confiança no matrimônio; a falta de
diálogo que questione alguns comportamentos do marido/companheiro; que
existe um tabu em falar sobre sexo. Enfim, a construção cultural das questões
de gênero e a maneira de tratar o HIV como a doença do “outro” corroboram
para que o gênero feminino tenha um grau de vulnerabilidade maior à infecção
do que o gênero masculino. Trata-se de romper com o imaginário popular de
enfrentar o HIV como uma doença que assola apenas as pessoas que estão
fora de uma relação estável, que usam drogas ou que possuem uma vida
promíscua.
Nesse caso, um aspecto fundamental para ser considerado nessa
análise quando se refere à vulnerabilidade são as relações desiguais de gênero
e as relações de poder existentes entre homens e mulheres.
Historicamente, essas diferenças se expressam de forma
desfavorável às mulheres, transformando-se em desigualdades que
as prejudicam fortemente, por exemplo, no acesso ao emprego, à
educação, à moradia e à renda. Essas desigualdades também
delineiam diferentes formas e níveis de discriminação quanto ao
exercício da sexualidade feminina. (SAÚDE, 2007:8)
Tais depoimentos permitem a formação de dois perfis: um, em que os
maridos contaminam suas esposas e o outro, em que as mulheres são viúvas
que redescobriram o sexo e se expõe ao risco de infecção. E isso permite
perceber outro fator importante de análise, que é o discurso em que o uso do
63
preservativo só foi inserido nas suas relações sexuais após a contração do
vírus, pois elas relatam que a negociação com os maridos/companheiros ao
uso do preservativo era praticamente inexistente e por se encontrarem na
idade que a capacidade de engravidar é mínima, elas acabam deixando de
exigir dos seus parceiros.
A infecção através da transfusão sanguínea
Um caso isolado entre as usuárias entrevistadas foi o modo da infecção
do vírus ter sido através de uma transfusão sanguínea. Em seu depoimento, a
mesma relata que descobriu o diagnóstico há dez anos, quando ela tinha 52
anos de idade.
Fiz uma transfusão de sangue para o meu trabalho... sentia muita
gastura, aí desmaiei no meu trabalho. Andei por vários médicos, mas
nenhum sabia o que eu tinha até chegar aqui no hospital e descobri.
[...] não fiquei com medo, mas me revolto muito quando eu lembro.
Processei o hospital na época... (Suj.5, Casada, 62 anos)
Considerando que o impacto da epidemia do HIV no Brasil foi por volta
de 1982, em 2002 já fazia exatos 20 anos da descoberta da doença, mas
mesmo assim, os riscos de contrair a doença por transfusão ainda eram
relevantes. De acordo com uma publicação do jornal O Estado de S. Paulo, nos
anos de 2007 e 2008, uma pesquisa feita por estimativa em três grandes
hemocentros da capital paulista apontou como resultado que o risco de contrair
o HIV através de transfusão de sangue no Brasil é 20 vezes maior em relação
ao risco nos Estados Unidos. Atualmente, as possibilidades são estimadas em
torno de 30 a 60 pessoas, enquanto em 2007, eram de 50 a 100. Porém, hoje
existe um criterioso banco de análise nos hemocentros contribuindo para que
essas estimativas diminuam cada vez mais.
A presença de sexualidade após diagnóstico
O ato de envelhecer não significa e nem deve ser associado à
característica de um indivíduo assexuado. Apesar de ainda se ter uma
construção social e cultural de que quando o indivíduo chega nesse
determinado momento da vida, ele não exerce mais a prática sexual. Tal mito
precisa ser desvelado para que esse público também seja encarado como
64
indivíduos vulneráveis a adquirir qualquer infecção sexualmente transmissível
quanto qualquer outra pessoa com idade inferior.
Alguns depoimentos permitiram perceber que as depoentes exerciam sua
sexualidade como em qualquer outro momento de sua vida, sendo elas
solteiras, divorciadas/separadas ou viúvas. O fato de estarem dentro da
terceira idade não excluiu a prática sexual das mesmas, e isso pode ser
considerado como o principal fator para que os índices de infecção pelo HIV
em pessoas idosas cresçam a cada dia.
A gente se envolve com esses homens, quem disse que eles querem
usar camisinha com a gente?! Querem não!! Diz que é muito ruim...
Aí né... a gente acaba tendo uma relação desprotegida porque jamais
imagina que a pessoa seja doente. Mas hoje me preservo e preservo
o meu companheiro também. (Suj. 6, Solteira, 62 anos)
Contudo, em alguns discursos, pode-se perceber que a sexualidade na
vida dessas mulheres deixou de existir depois do diagnóstico confirmado.
Eu tô normal, sexo era normal. Só que hoje eu não saio mais como
antes. Hoje eu me preservo. Porque nem todos querem usar
camisinha, então, eu tenho medo de me envolver com alguém e
pegar outras doenças... E passar também o HIV né?! Daí explicar o
porquê eu tenho que usar camisinha para quem não quiser usar é
complicado. Então, eu prefiro não me envolver com mais ninguém.
Saio, brinco, danço... Mas quando querem mais do que isso eu saio
fora! (Suj.2, Solteira, 65 anos)
Esse depoimento demonstra que o diagnóstico impede a vivência da sua
sexualidade. Pois negociar preservativo nas relações sexuais com seus
parceiros é uma dificuldade enfrentada por muitas mulheres, seja qual for a
faixa etária. Em um dos depoimentos, ela relata que sempre gostou de ser uma
mulher arrumada para sair para dançar, mas que restringe suas relações
apenas em “beijos e abraços”, pois hoje já não tem mais nenhum interesse em
ter relações sexuais por medo de se expor e contrair outras doenças.·.
Eu sei que meu marido sente minha falta... Mas é muito difícil pra mim
retomar nossa vida como era antes. Eu já tenho nossos filhos e tenho
medo de passar pro meu marido. (Suj. 5, Casada, 62 anos)
65
Enfatizando o discurso anterior, a depoente assume que gostaria de
poder ter uma vida sexual normal com seu marido, porém, não sente
segurança nos métodos contraceptivos de prevenção, pois tem muito medo de
acontecer alguma coisa de errado e seu marido contrair o vírus – ela menciona
o fato do preservativo furar ou algo do tipo.
Nos últimos anos, aconteceram algumas mudanças na concepção e na
prática da sexualidade na terceira idade. Ribeiro (2007) aponta alguns fatores
que contribuíram para esse processo, como: as relações sexuais deixaram de
ser apenas para procriar e tornaram-se fonte de satisfação e realização para
todas as pessoas, de todas as faixas etárias; a progressão de pessoas que
chegam a essa faixa etária sem querer abrir mão da sua vida sexual; e com o
surgimento da AIDS, de certa forma, houve uma obrigação em repensar a
sexualidade, reforçando a necessidade de informação e de quebrar o tabu ao
mencionar sua sexualidade (CASTRO, 2007).
3.2.2.2 Representações sobre o HIV/AIDS
Os sentimentos e as percepções que deram significado ao diagnóstico
Ser infectada pelo HIV/AIDS se tornou um acontecimento doloroso nas
vidas das entrevistadas. A constatação do diagnóstico de uma doença
associada à discriminação, ao preconceito e repleta de estigmas permite gerar
novos comportamentos e sentimentos frente ao seu modo de viver, pois existe
uma relação direta com a sua intimidade, com seus relacionamentos e com a
morte. O HIV/AIDS quando adquirido assola o seu portador de dúvidas e
incertezas. Não se sabe ao certo se irá desenvolvê-lo ou não ou como será o
progresso do vírus.
Hoje eu não tenho sentimento nenhum. Acho isso normal. Desde
1996 faço tratamento regularmente, mas nunca desenvolvi a doença.
Mas quando eu recebi o exame positivo para o vírus eu fiquei muito
triste e chateada. Aí eu não pensava mais em nada, porque eu já ia
morrer logo [...] Eu senti muita revolta porque ele não me contou,
porque eu poderia ter me cuidado [...] Só quem sabe o que eu tenho
são as minhas irmãs e meus filhos, meus irmãos não sabem, onde eu
66
moro ninguém sabe, porque a gente fica constrangida né... (Suj.1,
Viúva, 60 anos)
Eu entrei em pânico. Eu não acreditava! Vivia para meu marido, para
minha casa... mas pedi a Deus forças para enfrentar. Mas eu nunca
tive problema com isso. Mesmo doente todo mundo me trata bem e
ainda recebo telefonema das minhas amigas. Minha vida não mudou
em nada. Nunca abri mão de nada... continuo trabalhando, ainda não
quero me aposentar e me apego a Deus e à minha família para seguir
em frente. (Suj.4, Viúva, 62 anos)
Eu acho normal, não tive medo da doença. Tenho apoio da minha
família. Seja o que Deus quiser... meu marido e minha filha cuidam de
mim, se preocupam comigo. [...] meus vizinhos tem muita curiosidade
e eu tenho medo do preconceito, onde a gente senta eles não
querem sentar, ás vezes, a gente acha que a pessoa é nossa amiga,
mas faz é traumatizar a gente. (Suj.5, Casada, 62 anos).
Quando se começa a fazer um resgate de como foram as reações ao
saber do diagnóstico, muitas vezes, percebe-se uma descoberta traumática.
Sente-se revolta, angústia, medo, dor, tristeza e traição. Depara-se com uma
mistura de sentimentos ruins, principalmente, no medo da exposição e a
aceitação de alguns familiares e amigos.
Assim... Eu sinto um sentimento ruim... A gente nunca quer que
aconteça com a gente né?! E de repente, acontece. Não é porque eu
não gosto, porque eu sei que a gente tem que enfrentar, eu não
queria que acontecesse, mas já que aconteceu, o que que eu posso
fazer? Posso dizer que eu tenho muita fé em Deus para viver até o
dia que Deus quiser. Mas eu fiquei com muito medo... Eu passei uns
quatro anos sentindo muita coisa, escondendo muita coisa. [...] nem
todo mundo sabe, só alguns irmãos e meus filhos. Eu não conto pra
ninguém (choro). Meus filhos me aceitaram e para mim foi a melhor
felicidade do mundo [...] não comento com ninguém porque eu tenho
medo de não ser aceita. O preconceito melhorou, mas ainda não tá
bom! Por isso eu prefiro ficar sigilosa. (Suj. 2, Solteira, 65 anos)
Só quem sabe até agora sou eu e uma irmã minha, como eu moro só
eu ainda não comentei com mais ninguém da família. Tenho medo
que eles não entendam e me tratem como uma doente terminal e não
queiram mais conviver comigo.” (Suj.6, Solteira, 62 anos)
67
O diagnóstico Oculto: A presença do medo e do preconceito
A AIDS, desde o seu surgimento, é vinculada a grupos socialmente
marginalizados, o chamado “grupo de risco”. Tal concepção, como dito
anteriormente, restringe o diagnóstico aos homossexuais, usuário de drogas
injetáveis e profissionais do sexo. O fato de ser diagnosticado com o vírus
estigmatizado e carregado de preconceito traz ao seu portador a sensação de
desvio de conduta e o medo da exclusão social.
Parker (2002) destaca que o estigma e a discriminação no campo da
AIDS se dão a favor da desigualdade social, estabelecendo dominação entre
as pessoas e relação de poder (CASTRO, 2007).
Após a descoberta da infecção do vírus HIV, a priori, o usuário mantém o
diagnóstico em sigilo, principalmente entre alguns membros da sua família. “O
fato de não divulgar a sua condição de soro positividade aos demais membros
da família como irmãos, cunhados e comunidade, evidencia a intenção de
manter afastadas possíveis condutas discriminatórias e preconceituosas”
(FIGUEIREDO; PROVINCIALI apud SÁ, 2007:273). Salientando que apesar de
estar com mais de 30 anos de convívio com o HIV, quem possui a doença
ainda tem medo de sofrer com o preconceito e o estigma das outras pessoas.
Goffman (1998) define o estigma como um significativo descrédito
atribuído a uma pessoa com uma diferença indesejável e que é um poderoso
signo de controle social utilizado para marginalizar e desumanizar indivíduos
que apresentam traços desvalorizados. Portanto, o sentimento de medo e de
recusa, no que tange publicitar o diagnóstico, torna-se comum entre os
portadores do HIV/AIDS, pois esses traços de posturas preconceituosas ainda
são eminentes na sociedade. A postura de tomar a decisão de tornar público
ou não é vivida junto com o medo de sofrer discriminação e preconceito.
A presença do estigma e do preconceito é uma realidade comum no
cotidiano das pessoas que possuem doenças infecciosas e, particularmente,
quando se trata do HIV/AIDS essa situação é intensificada. Mesmo depois de
três décadas, associa-se o HIV/AIDS com a morte iminente e a
comportamentos imorais. Os estereótipos criados para denominar quem é
68
portador do vírus contribuem para que as pessoas não reconheçam o que de
fato as expõem à infecção para não se identificarem com os conceitos
desvalorizados e vergonhosos que estão atrelados aos portadores do vírus
(GARRIDO et al., 2007).
Torna-se importante o contato desses usuários com uma rede estruturada
de apoio, para que sirva também como suporte a esses indivíduos.
Eu procuro sempre força nos amigos que eu tenho na rede de apoio.
E é isso que me faz sair da tristeza e da depressão, porque eu não
sou vista como uma coitada. Eu participo das reuniões, das
conferências e dos movimentos que envolvem o HIV, e desse
convívio, eu consegui fazer grandes amizades que me compreendem.
(Suj. 2)
As casas de apoio são grandes aliadas do Estado na responsabilidade
social de garantir, a quem vive com HIV/AIDS, o seu direito à informação, à
saúde e à reintegração na comunidade. Desenvolvem um trabalho de
complementação dos serviços públicos de referência, proporcionando, além da
melhoria psicossocial, um resgate da sua cidadania (SÁ, 2007).
Corroborando com a construção preconceituosa acerca das doenças
infecciosas e, principalmente, a respeito do HIV, até o fato dos usuários
precisarem frequentar o Hospital São José ou qualquer outro local que atenda
essa demanda específica torna-se constrangedor. Faz-se necessário tecer um
diagnóstico inexistente, de qualquer doença que seja tratada no hospital ou na
rede de atendimento para não haver associação com o verdadeiro diagnóstico
do HIV/AIDS. Torna-se muito mais fácil relatar que o tratamento é para uma
Hepatite, uma Meningite ou qualquer outra doença, do que mencionar a
verdade.
Mesmo depois de trinta anos do seu surgimento, ainda faz-se necessário
disseminar informações a respeito do HIV, pois o preconceito existe quando
não há conhecimento a respeito, ou seja, a falta de conhecimento a respeito do
HIV faz com que pessoas sintam medo de contrair o vírus falando com um
portador, sentando na mesma cadeira ou até dividindo alguns pertences.
69
3.2.2.3 Mudança de vida com a descoberta do diagnóstico
O diagnóstico e o convívio familiar
Esse momento da pesquisa buscou desvendar as mudanças que
surgiram nas relações sociais, no cotidiano e no convívio familiar das
depoentes, tentando compreender como a descoberta do diagnóstico
interferiu/interfere nessas relações.
O contato com a minha família aumentou, meu marido e minha filha
agora me dão mais atenção e se preocupam comigo... Meu marido
não me deixa faltar nada. Eu sou feliz! Agora me apego a Deus e sei
que vai ter muita gente que vai morrer antes de mim. (Suj.5, casada,
62 anos)
Meus filhos me incentivaram a voltar a estudar e fui retomando a
minha vida aos poucos. Antes eu era mais estressada, mais nervosa.
Hoje eu procuro ser mais amável e carinhosa com eles. (Suj.2,
Solteira, 65 anos).
Eu continuo fazendo tudo do mesmo jeito. Para mim, é como se eu
não tivesse nada. Tive mais medo quando eu descobri que tinha
câncer de mama (Suj.1, Viúva, 60 anos).
Nos relatos, observa-se que os laços familiares se estreitaram por causa
da doença. Houve incentivos por parte da família de refazer planos e retomar
algumas situações que foram interrompidas no decorrer da vida, como no
relato da depoente 2, que não tinha conseguido encerrar sua vida acadêmica
em decorrência das duas gestações e assim, os filhos passaram a incentivá-la
a voltar a estudar, o que no relato a mesma descreve como sendo sua maior
felicidade na vida.
Outro fator que apareceu em um depoimento foi a recusa inicial da
família. Do mesmo jeito que o medo e a revolta do diagnóstico assolam o seu
portador, esse sentimento também é compartilhado por sua família. Como foi o
caso da depoente 4, que no ato da descoberta do diagnóstico não teve o apoio
familiar.
Eu nunca abri mão de nada. Não deixei que nada mudasse na minha
vida. No começo, os meus filhos eram muito novinhos e eles se
revoltaram, mas aquilo ali, eu não liguei... Entreguei na mão do
70
Senhor [...] Minha relação com a minha família hoje e com as minhas
amigas está normal, porque no começo sempre tem um choque. Mas
eu sei fazer amizade... Sei entrar e sei sair. (Suj. 4, Viúva, 62 anos)
Segundo Ribeiro (1996), esse fator familiar é de extrema importância, pois
quando se refere a indivíduos da terceira idade, os filhos negam a sexualidade
dos seus pais com frequência, interpretando, muitas vezes, de um modo
depreciativo (CASTRO, 2007).
Resignificando a soropositividade
A maioria dos depoimentos demonstra um novo redirecionamento quando
se trata da problemática de conviver com HIV/AIDS. É inegável que a
descoberta do diagnóstico seja traumática e composta por sentimentos ruins,
contudo, pode-se perceber que apesar do medo, da rejeição e do preconceito,
o convívio com o vírus acontece pacificamente.
O enfrentamento adequado de uma doença significa adaptação à
nova situação. Nos estudos relacionados ao HIV/AIDS, geralmente os
pacientes têm dificuldades de adaptação à nova situação de portador
do vírus. O tipo de reação da pessoa ao HIV indica sua (in)
capacidade de luta contra o mesmo, sendo visivelmente mais forte
aquele que consegue exercer suas atividades rotineiras, apesar da
existência do vírus no seu organismo, e inevitavelmente mais fraco e
passivo aquele se deixa levar pela progressão inexorável da doença.
(CARVALHO et al., 2008:94)
Em contrapartida, a depoente nº 6 expõe uma reação carregada de
vergonha, tristeza, recusa e falta de esperança. Isso demonstra a dificuldade e
a problemática que muitas pessoas enfrentam em conviver com o HIV/AIDS.
Nunca imaginei que um dia podia ter essa doença. Eu soube já faz
um ano e meio e eu não aceito e não consigo acreditar que isso
aconteceu comigo... Sinto vergonha, medo, raiva... Não conto pra
ninguém porque sei que vão me tratar diferente [...] Aos poucos eu tô
retomando minha rotina, mas ainda mal saio de casa, porque quem
olha pra mim, eu acho que sabe da doença. (Suj. 6, Solteira, 62
anos).
A família e a religião como suporte de sobrevivência
71
Em todos os depoimentos, foi possível perceber que a família e a
religião foram os dois principais pontos de apoio para as usuárias conseguirem
conviver com o diagnóstico.
A depoente 5 enfatizou que a confirmação do diagnóstico para seus
filhos facilitou o convívio familiar. A sua atual preocupação é continuar
cuidando deles e viver muito tempo para cuidar dos netos.
Conviver com o HIV/AIDS após o diagnóstico é uma situação
desconfortante, pois seus portadores precisam reestruturar e manter sua vida.
Dessa maneira, desenvolvem estratégias de enfrentamento para melhorar sua
qualidade de vida e sua saúde, estando, entre elas, a religião (SOUZA;
SALDANHA; ARAÚJO, 2006).
Nos discursos desta pesquisa, a religião assume uma grande
importância no enfrentamento da doença, assumindo um papel de refúgio e é
utilizada como um recurso para o convívio com o vírus.
Eu agradeço a Deus a vida. Porque isso é um problema muito sério.
È tanto que quando eu penso nisso, eu peço a Ele pra tirar da minha
cabeça... Eu tenho muita fé em Deus, eu tenho meus filhos pra criar
até o dia que Deus quiser me levar. Então eu aceito sim, porque fui
eu quem contraí, foi eu que peguei... Então só tenho a agradecer a
vida a Deus e viver... (Suj. 2, Solteira, 65 anos)
Hoje eu sou feliz! Me apego a Deus, vou para a minha Igreja...
Entrego minha vida nas mãos Dele. Seja o que Deus quiser. (Suj. 5,
Casada, 60 anos)
Em todos os depoimentos existiu uma menção a Deus e a intensificação da fé.
Nesse contexto, consegue-se observar que existe uma busca na religião para a
cura ou a aceitação da doença.
Com base em estudos diversos, observa-se que pessoas atribuem a
Deus o aparecimento ou a resolução dos problemas de saúde que as
acometem e recorrem muitas vezes a Ele como recurso cognitivo,
emocional ou comportamental para enfrentá-los (PARGAMENT apud
FARIA et al., 2006:1).
3.2.2.4 As perspectivas com a presença da doença
72
A presença da ideia de morte
Na proporção que a epidemia do vírus HIV/AIDS vai tornando-se uma
doença que entra na sua terceira década, o sentimento de morte que antes era
tão imediato, atualmente, parece estar menos emergente. Porém, na década
da sua eclosão, quando a infecção era totalmente desconhecida e não existia
nenhuma forma de tratamento, os portadores do vírus não conseguiam resistir
à doença.
Embora, atualmente, a associação HIV/AIDS x Morte tenha diminuído -
pois os tratamentos desenvolvidos são capazes de tornar a doença uma
infecção controlável, as pessoas que se encontram na terceira idade hoje ainda
têm na memória a imagem do HIV/AIDS como sendo uma doença devastadora
como na sua gênese.
As pessoas que puderam presenciar o surgimento da epidemia e
testemunhar as inúmeras notícias que a mídia da época transmitia a respeito
do vírus, construíram essa característica que foi a mais associada na época:
morte. Então, ao mencionar um resultado positivo para HIV/AIDS a esses
usuários, tal notícia pode ser interpretada como um anúncio de morte devido a
essa associação e o óbito acaba sendo ainda uma representação social da
doença. (SEFFNER apud FONTES, 2007).
Em alguns depoimentos, consegue-se perceber que a notícia de imediato
resgatou esse sentimento. Houve relatos de que ao receber o resultado
positivo para o vírus, imediatamente o sentimento de morte foi associado.
Eu não pensava em mais nada, porque eu já ia morrer. Pedi para
minhas irmãs cuidarem da minha filha porque eu achava que não
tinha muito tempo de vida e como ele já tinha ido, eu fiquei esperando
a minha vez. [...] eu chorava muito, porque eu gostava muito dele. No
primeiro momento, eu queria desistir de viver, mas em outro momento
eu tinha que reagir por causa da minha filha. (Suj. 1, Viúva, 60 anos)
A primeira coisa que eu pensei: minha vida acabou! Vou morrer e
tudo vai acabar! Entrei em depressão, não queria sair de casa e fazer
mais nada na minha vida... (choro) é uma notícia muito difícil de
entender... (Suj. 6, Solteira, 62 anos)
73
A superação do diagnóstico: A AIDS em sua vida.
Outra característica visível, nos depoimentos, é que essa sensação de
morbidade desaparece no decorrer do tempo. Das seis entrevistadas apenas
duas possuem um diagnóstico recente, as outras quatro já convivem com o
vírus há mais de uma década, o que possibilita interpretar que o impacto do
diagnóstico é comum para todas e que as perspectivas de vida de todas elas
mudaram desde então.
Hoje eu quero uma vida cada vez melhor, com muita saúde e
conquistas! Quero viver para ver meu filho conseguindo a casa dele...
(Suj. 2, Solteira, 65 anos)
Eu sou feliz, vou para praia... Faço tudo! Eu posso viver bem muito e
tem gente que morreu primeiro que eu! Se eu me cuidar eu vivo muito
tempo. (Suj. 5, Casada, 60 anos)
No começo foi difícil. Mas o médico me explicou que eu não
precisava me preocupar que se eu me tratasse direitinho eu não ia
morrer disso. Poderia morrer de qualquer outra coisa. (Suj. 6,
Solteira, 62 anos)
Eu pretendo esperar a cura e eu sei que ainda vai chegar e que para
mim, eu não tenho nada... É só o preconceito do povo. Eu tive mais
medo de morrer pelo câncer... (Suj. 1, Viúva, 60 anos)
Nota-se que o sentimento de medo e revolta é comum no início do
tratamento. Todas mencionaram o medo absurdo de morrer ao descobrirem a
infecção pelo vírus, porém, conhecer o diagnóstico e o tratamento adequado
contribuiu para que, de certa forma, o medo imediato de morrer fosse
superado, contribuindo para a formação de estratégias que facilitassem o
convívio com o diagnóstico.
A construção cultural de que o HIV/AIDS deve ser diretamente ligado à
morte vai se dissipando e abrindo espaço para que os portadores
compreendam que, atualmente, o acesso universal aos medicamentos
gratuitos garantidos pelo Estado aos usuários propicia uma redução
significativa da mortalidade causada pela doença.
74
Portanto, há de se considerar relevante o aumento da sobrevida de quem
convive com o HIV/AIDS, possibilitando que a parcela de idosos portadores do
vírus progrida gradualmente.
75
IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo do reconhecimento de que o envolvimento da população idosa
na epidemia brasileira da AIDS tornou-se um objeto de pesquisa relevante na
atualidade, o desenvolvimento desta pesquisa contribuiu para ampliar os
conhecimentos a respeito de viver com HIV/AIDS na perspectiva de mulheres
na terceira idade. Por tratar-se de um tema emergente, a literatura publicada a
respeito dessa temática ainda é limitada, pois foi a partir das transformações no
contexto histórico do vírus e o evidente fenômeno de feminização da infecção
que estimulou alguns pesquisadores a estudarem o tema.
Nesta pesquisa, buscou-se compreender as percepções das mulheres
que se encontram na terceira idade e que vivem com essa infecção e o impacto
desse diagnóstico na sua vida. A terceira idade, o HIV/AIDS, a sexualidade e o
debate de gênero foram os principais referencias teóricos que nortearam o
percurso da pesquisa, e dentro do caminho percorrido, surgiram várias
implicações que foram discutidas entre os capítulos, enriquecendo o debate
acerca do tema.
Diante disso, serão analisadas algumas implicações que emergiram no
decorrer das discussões propostas neste estudo.
A terceira idade ocupa uma parcela importante no perfil epidemiológico
da infecção do HIV/AIDS no Brasil, pois houve um aumento significativo de
idosos portadores do vírus e um aumento ainda mais relevante no que se
refere à feminização do diagnóstico. Pode-se perceber que o aumento desses
índices foi em decorrência de alguns fatores importantes como: a
vulnerabilidade feminina à infecção; a dificuldade de negociar o uso do
preservativo nas relações; a carência de campanhas para essa faixa etária e a
ideia de imunidade por viver um relacionamento estável corroboraram para
acentuar a exposição dessas mulheres à infecção do HIV.
A repercussão a respeito da sexualidade na terceira idade ainda é
repleta de preconceito. Percebe-se que ainda existe uma determinação social
em relação à atividade sexual, como se a mesma se extinguisse com o
decorrer dos anos, levando em consideração a idade cronológica do indivíduo.
76
A sexualidade estereotipada, que é produzida culturalmente na sociedade,
contribui para que o número de idosos infectados pelo vírus cresça cada dia
mais. Os estereótipos de que as pessoas idosas não têm interesse por sexo ou
que são incapazes de sentir algum estímulo sexual, ainda é amplamente
difundido. E concomitante a isso, a prática sexual sem proteção contribui para
que esse diagnóstico em pessoas idosas aumente cada vez mais. A
possibilidade de uma pessoa idosa ser infectada pelo HIV parece ser invisível
aos olhos da sociedade e dos próprios idosos, visto que a sexualidade, nesta
faixa etária, ainda é tratada como tabu tanto pelos idosos quanto pela
sociedade em geral (FONTES; SILVA, 2004).
As análises das entrevistas comprovaram que a sexualidade na terceira
idade deve ser um fator ponderado em algumas instâncias, pois três
entrevistadas adquiriram a doença através de relações sexuais com seus
maridos e outras duas retomaram suas relações afetivas e tornaram-se
suscetíveis ao risco de contaminação. Isso evidencia uma questão importante
para se pensar em meios de prevenção específicos à terceira idade. Portanto,
essa faixa etária deve ser considerada vulnerável ao risco de infecção do vírus,
onde o controle e a prevenção devem estar articulados com as campanhas
informativas e com a rede de atendimento, promovendo ações que informem,
previnam e promovam a saúde na terceira idade e impulsionem um
aprimoramento dos profissionais que demonstram despreparo ao lidar com o
diagnóstico nessa faixa etária.
Concomitante aos aspectos discutidos anteriormente, o debate de
gênero nessa pesquisa mostrou-se extremamente relevante, pois é marcante a
submissão feminina nas relações. Principalmente quando se faz um recorte de
mulheres que se encontram na terceira idade, em que as mesmas possuem
uma imagem social feminina que foi traçada historicamente em que a mulher
ocupa um espaço na sociedade com um papel a ser cumprido, em que as
decisões familiares estão em volta da imagem masculina e não existem meios
de manifestação, opiniões ou queixas, tornando mais difícil a mulher ter acesso
a informações adequadas para modificar seus comportamentos e se proteger.
77
Durante a construção da pesquisa, vários tópicos foram desenvolvidos
no decorrer das análises dos discursos ressaltando as diferentes concepções a
respeito da doença e as diversas formas de enfrentamento da mesma. Os
significados e os sentidos da infecção do HIV/AIDS em mulheres na terceira
idade são inúmeros. Cada depoimento, ao mesmo tempo, que demonstrou a
singularidade de cada uma, colocou-as também dentro de um perfil pré-
estabelecido. Essa contradição quer dizer que cada usuária teve sua maneira
particular em conceber e enfrentar o seu diagnóstico, ou seja, cada uma teve a
sua percepção e o seu sentimento único a respeito disso, porém, todas as seis
entrevistadas compactuaram de vários sentimentos que já fazem parte das
estatísticas.
Um sentimento, praticamente unânime, entre as depoentes foi o medo
de ter chegado ao fim da vida e de sofrer qualquer tipo de preconceito. A
associação do diagnóstico ao óbito perpassou por todos os relatos, dando
ênfase à gênese da doença, quando não havia chances de tratamento para os
portadores por tratar-se de uma doença desconhecida cientificamente. O medo
de sofrer qualquer tipo de preconceito também foi percebido na maioria dos
depoimentos, tanto que só alguns familiares conhecem o diagnóstico.
O estigma e o preconceito ainda são reações comuns contra pessoas
portadoras de um diagnóstico de doença infecciosa, principalmente ao tratar-se
do HIV/AIDS, já que atualmente ainda existe uma associação com
comportamentos desvalorizáveis e imorais. Portanto, os seus portadores ainda
sentem a necessidade de manter o seu diagnóstico em sigilo por medo de
discriminação, julgamentos e isolamento social. Nos relatos da pesquisa, as
pessoas que conheciam o diagnóstico das entrevistadas se restringiam aos
filhos e alguns parentes, reforçando esse raciocínio.
A pesquisa evidenciou que o diagnóstico é sempre traumatizante para
qualquer pessoa. Acarreta um desgaste físico, emocional e social. A forma
como cada usuária reagiu às mudanças geradas em decorrência da doença
dependeu de diversos fatores, como o contexto familiar que o indivíduo está
inserido, por exemplo. A família pode ser um elemento importante para o
78
confronto da doença e, nos relatos das usuárias, percebe-se que, apesar do
choque inicial que alguns familiares tiveram na descoberta do diagnóstico,
todas tiveram a família como um apoio emocional para a doença.
Outro reforço utilizado, além da família, para o confronto do diagnóstico
foi a religião. Sendo outro meio utilizado para buscar dar sentido às suas vidas
e conviver com a doença.
Portanto a pesquisa serviu para evidenciar que alguns aspectos que
surgiram junto com a HIV/AIDS, na década de oitenta, ainda prevalecem nos
dias atuais. O estigma, o preconceito, a recusa, o medo, a discriminação social,
o despreparo dos profissionais ao lidar com o diagnóstico na terceira idade e a
escassez de políticas públicas, ainda estão presentes na vida dessas
entrevistadas e de tantas outras pessoas que são portadoras do vírus.
Faz-se necessário que haja mudanças nesses diversos aspectos citados
acima, pois se trata de cidadãs e cidadãos de direitos, assim, as mulheres de
terceira idade, formam um grupo vulnerável que exige políticas públicas
específicas tanto em nível de prevenção à AIDS como de suporte na adesão ao
tratamento e à vida.
79
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85
APÊNDICES
86
APÊNDICE A
ROTEIRO PARA ENTREVISTA
1. Dados de identificação; Entrevista nº: ______
Codinome: ________________________
Idade:____________________________
Período de diagnóstico:______________
Estado Civil: ______________________
Naturalidade:______________________
Escolaridade:______________________
Profissão/Ocupação:________________
2. Questões norteadoras:
a) O que você sente quando se fala sobre AIDS?
b) Como a AIDS chegou à sua vida?
c) O que mudou com a descoberta do diagnóstico?
d) Quais os seus planos para o futuro, perspectivas de vida?
87
ANEXOS
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ANEXO A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Meu nome é Luna Pinheiro Celedônio, sou aluna do Curso de Serviço
Social da Faculdade Cearense, e estou desenvolvendo uma pesquisa sobre as
percepções de mulheres portadoras do HIV na terceira idade. O objetivo é
investigar os significados, sentimentos e conhecimentos de mulheres
soropositivas em relação ao diagnóstico e ao tratamento.
Convido você para participar desta pesquisa, respondendo uma entrevista
que terá o tempo aproximado de 30 minutos e será realizada em uma das salas
que estejam disponíveis no ambulatório, e caso esteja internada, será em uma
das salas internas,sendo garantida a sua privacidade. Se você concordar em
participar, utilizarei o gravador para registrar suas respostas. As fitas ficarão
sob minha responsabilidade e as informações coletadas na entrevista serão
confidenciais, ou seja, você não será identificada em nenhum momento. Os
resultados serão utilizados exclusivamente para fins científicos e em caso de
publicação, não haverá identificação.
Sua participação na pesquisa será voluntária, se você decidir não
participar ou quiser desistir de continuar em qualquer momento, tem absoluta
liberdade de fazê-lo. Seja qual for a sua decisão, o seu tratamento não ficará
prejudicado em nenhum momento. Deixo claro que não haverá nenhuma
contribuição financeira para a sua participação.
É de extrema importância sua participação, pois, contribuirá para um
melhor entendimento da situação referente às mulheres portadoras do HIV na
terceira idade. Quaisquer dúvidas poderão ser esclarecidas através dos meus
contatos: Endereço: Dom Carloto Távora, 27 Apt. 05; CEP: 60421-070 / Fone:
30551328. Contatos da orientadora/ Laurinete Sales de Andrade-
34830254/88670093 ou pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital São José:
31017880
Data: _____/_____/_____ _____________________
89
Luna Pinheiro Celedônio
Consentimento livre e esclarecido
Após ter sido esclarecido sobre a pesquisa, aceito participar voluntariamente
deste estudo. Concordo em participar e assino abaixo em duas vias, sendo que
ficarei com uma delas.
Data ____/___/____.
________________________________ .
Nome do participante
_______________________