impacto da dieta cetogÊnica

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    Pediatria (So Paulo) 2004;26(4):230-9

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    Dieta cetognica na epilepsiaRamos AMF

    Impacto nutricional da dieta cetognica em crianas com

    epilepsia de difcil controle*

    Nutritional impact of the ketogenic diet in children with difficult-to-control epilepsyImpacto nutricional de la dieta cetognica en nios con epilepsia de difcil control

    Ana Maria Figueiredo Ramos 1, Alberto Alain Gabbai2, Isa de Pdua Cintra3

    Departamento deNeurologia e Neurocirurgia - Setor de Neuropediatria da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federalde So Paulo (UNIFESP)

    Resumo

    Objetivo: avaliar o impacto nutricional da dieta cetognica em um grupo de crianas com epilepsia refratria ao controlemedicamentoso. Mtodos: foi realizado um estudo prospectivo que avaliou 12 pacientes, com idade entre 4 e 17 anos,submetidos dieta cetognica durante um perodo mnimo de 6 e mximo de 12 meses. Os critrios seletivos foram:apresentar ao menos uma convulso diria, em uso de topiramato, lamotrigina e hidantona. Foram critrios de excluso:calculose renal e hepatopatia. Os pacientes foram colocados em jejum hospitalar para induo de cetose, tendo posteriorseguimento ambulatorial, em que foi feita suplementao de vitaminas e minerais. Foram determinados a estatura e opeso, iniciais e evolutivos, assim como os parmetros hematimtricos - colesterol e fraes, triglicrides, sdio, potssio,clcio, cloro, glicemia, hemoglobina. Foram realizados exames de ultrasonografia renal inicial e evolutivos. Resultados: ospacientes permaneceram no canal de crescimento do peso e da altura durante o estudo. No ocorreram alteraeshematimtricas, exceto por um paciente que teve hipercloremia, sem repercusso clnica. Em mdia, as convulsesreduziram-se em 56% no 6 ms de dieta, e em 80% nos que permaneceram por 12 meses. Concluses: a dieta cetognicaobteve um melhor controle em pacientes com convulses refratrias aos medicamentos, sem prejudicar o crescimento oucausar efeitos colaterais relevantes.

    Descritores: Epilepsia. Gorduras na dieta. Antropometria. Criana.

    Abstract

    Objective: to evaluate the nutritional impact of the ketogenic diet in a group of children with epilepsy difficult to control

    with drugs. Methods: a prospective study was performed on 12 patients, ages 4 to 17 years, submitted to ketogenic diet for

    a minimum period of 6 and maximum of 12 months. The selection criteria were: at least one convulsion per day, use of

    topiramate, lamotrigine and hydantoinate. The exclusion criteria were: renal calculosis and hepatopathy. The patients were

    fasted in the hospital to induce ketosis, with subsequent ambulatory follow-up, during which vitamin and mineral

    supplementation was provided. Baseline stature and weight were determined then during the course, together with hemometry

    - cholesterol and triglycerides, sodium, potassium, calcium, chlorine, glycemia and hemoglobin fractions. Renal

    1Mestre em Cincias da Sade. Nutricionista do Departamento deNeurologia e Neurocirurgia - Setor de Neuropediatria da Escola Paulista deMedicina, UNIFESP

    2Doutor em Neurologia. Coordenador do Departamento deNeurologia e Neurocirurgia - Setor de Neuropediatria da Escola Paulista de Medici-na, UNIFESP

    3Doutora em Nutrio. Professora Adjunta do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente do Departamento de Pediatria da UNIFESP

    * Baseado em Dissertao de Mestrado apresentada Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de So Paulo, em 2004

    Artigo Original Original Article Artculo Original

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    Introduo

    A epilepsia compreende uma ampla categoria desinais e sintomas complexos, que tem como elocomum a presena de distrbios paroxsticos dafuno cerebral, decorrente de descargas neuronaisexcessivas, sbitas e temporais1-2. No uma doenaespecfica, ou mesmo uma sndrome nica, e podeser secundria a diversos processos fisiopatolgicos.

    O tratamento medicamentoso geralmente obtm ocontrole das crises, porm, quando isto no ocorre, otratamento dietoterpico a dieta cetognica (DC) uma opo, especialmente para as crianas eadolescentes, em quem mais eficaz. Quanto aocontrole das crises, Freeman et al.3relatam que a dietapromove 75% de reduo no nmero de convulses,proporcionando ao paciente o retorno ao ritmo normalde vida dentro de dois a trs anos. A dieta deve,simultaneamente, atender os requerimentos nu-tricionais de cada paciente para um adequadocrescimento e desenvolvimento, com as modificaes

    necessrias ao controle das convulses4,5.

    Existem vrias teorias para explicar o mecanismode ao da dieta cetognica, destacando-se apresena de corpos cetnicos e a acidose que aacompanha, alm das alteraes secundrias nobalano de eletrlitos, de fludos, e na concentrao

    de lipdios cerebrais. Estas adaptaes metablicascerebrais so induzidas pela dieta6. Em condiesnormais o sistema nervoso fortemente dependentede glicose como fonte de energia, sendo que emsituao de privao, o crebro torna-se capaz deutilizar os corpos cetnicos, que tm origem a partirda oxidao de cidos graxos. Esse redirecionamentometablico cerebral interfere com a excitabilidadeneuronal, atenuando a atividade eltrica anormal.

    Em 1978, De Vivo6 observou os caminhosmetablicos da dieta cetognica durante o primeiro

    ultrasonography exams were also done initially and during the course. Results: the patients continued within the growth

    channel for weight and height during the study. There were no alterations in the hemometry, except for one patient that

    presented hyperchloremia, without clinical repercussion. On average, there was a 56% decrease in seizures 6 months after

    starting the diet, and 80% decrease among those that still remained on the diet after 12 months. Conclusions: the ketogenic

    diet achieved better control among patients with seizures refractory to medication, without detriment to growth or causing

    relevant adverse effects.

    Keywords: Epilepsy. Dietary Fats. Anthropometry. Child.

    Resumen

    Objetivo: evaluar el impacto nutricional de la dieta cetogenica en un grupo de nios con epilepsia refractaria al control

    medicamentoso. Mtodos: fue realizado un estudio prospectivo que evalu 12 pacientes, con edad entre 4 y 17 aos,

    sometidos a dieta cetogenica durante un perodo mnimo de 6 y mximo de 12 meses. Los criterios selectivos fueron

    presentar al menos una convulsin diaria, en uso de topiramato, lamitrisina y hidantoina. Fueron criterios de exclusin:

    calculose renal y hepatopatia. Los pacientes fueron colocados en ayuno hospitalar para induccin de cetosis, tentando

    posterior seguimiento ambulatorial, donde fue dada suplementacin de vitaminas y minerales. Fueron determinados laestatura y el peso, iniciales y evolutivos, as como parmetros hematimtricos - colesterol y fracciones, triglicridos, sodio,

    potasio, calcio, cloro, glucose y hemoglobina. Fueron realizados examenes de ultrasonografia renal iniciales y evolutivos.

    Resultados: los pacientes permanecieron en el canal de crecimiento de peso y de estatura durante el estudio. No ocurrieron

    alteraciones hematimtricas, excepto por un paciente que tubo hipercloremia, sin repercusin clnica. En media, las convul-

    siones se redujeron en 56% en el 6 mes de dieta, y en 80% de los que permanecieron por 12 meses. Conclusiones: la

    dieta cetogenica obtuvo un control mejor en pacientes con convulsiones refractarias a los medicamentos, sin perjudicar el

    crecimiento o causar efectos colaterales relevantes.

    Palabras - clave: Epilepsia. Grasas en la dieta. Antropometra. Nio.

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    dia de jejum. O baixo nvel sanguneo de glicdios levaa uma secreo diminuda de insulina e aumentadade glucagon. Os processos metablicos dominantesso a mobilizao de triacilgliceris do tecido adiposoe a gliconeognese pelo fgado7. As fontes energticasda maior parte das clulas corpreas passam a ser os

    cidos graxos7.

    George Cahill8 em 1966 observou que, aps trsdias de inanio, cerca de um tero das necessidadesenergticas do crebro obtida dos corpos cetnicos.Essa mudana acompanha a elevao no nvel decorpos cetnicos no plasma9. Quando h deficinciano transporte da glicose e da piruvato desidrogenase,por falha no metabolismo cerebral9, a dieta cetognicateria uma atuao benfica, aumentando a reserva deenergia cerebral.

    Existem, porm, efeitos colaterais da DC, sendo ahipoglicemia o mais importante. Mesmo no pacienteassintomtico, esta possibilidade obriga monitoraoda taxa glicmica, sem contraindicar a DC10. O pacientepode apresentar nusea, fraqueza, sudorese, vertigeme letargia, tratveis com 15ml a 30ml de suco delaranja. A curto prazo, outros possveis efeitoscolaterais so a obstipao intestinal, sonolncia,desidratao, vmitos e diarria. A longo prazo podemocorrer: anorexia com desnutrio, infecesrecorrentes, hiperuricemia, hipocalcemia, acidose

    metablica, hipercolesterolemia, irritabilidade, letargia,e litase renal3. Por estes motivos, durante o perodode utilizao da DC h necessidade de controlemdico, e, se possvel, de nutricionista, que devemorientar a famlia quanto dieta e aos possveis efeitosadversos.

    Diante da limitada experincia nacional com a DCem crianas e adolescentes com quadros convulsivosno controlados com medicao, foi desenvolvido umestudo para avaliar a eficcia no controle das crises

    epilpticas, e o impacto sobre o estado nutricional, emespecial quanto ao perfil lipdico.

    Casustica e mtodos

    Foi programado um estudo longitudinal, paraacompanhamento de uma coorte de crianas eadolescentes com convulso durante um ano, noAmbulatrio de Epilepsia do Hospital So Paulo, Setorde Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista deMedicina, Universidade Federal de So Paulo. O

    protocolo de pesquisa foi aprovado pela Comisso detica do Conselho de Ps-Graduao e Pesquisa daEscola Paulista de Medicina/Universidade Federal deSo Paulo.

    Pacientes com epilepsia do tipo Lennox Gastaut11,

    e com idade entre 3 e 18 anos, foram selecionadosem dezembro de 2001. Constituiu critrio seletivo afalta de controle medicamentoso das convulses(epilepsia refratria), caracterizada pela ocorrncia decrises epilpticas parciais, generalizadas ou mistascom frequncia maior do que uma vez ao dia, sobpoliterapia - topiramato, lamotrigina e hidantona.Foram considerados critrios de excluso osantecedentes de hepatopatia e de litase renal.

    Doze pacientes foram selecionados, e tiveram

    acompanhamento por um mesmo neuropediatra (SR),no perodo de janeiro a dezembro de 2002. As idadessituaram-se entre 4 e 17 anos (idade mdia de 8,9 3,5 anos); cinco casos eram do sexo masculino e 7 dofeminino. No incio do estudo tinham, em mdia, 120episdios convulsivos ao dia.

    Durante os dois primeiros meses de estudo, ospacientes passaram por controle ambulatorial semanal,a seguir mensal, e, no segundo semestre, bimensal.Nestas avaliaes foram anotados os dadosantropomtricos de peso e estatura, segundo critrio

    de Lohman12. O estado nutricional foi avaliado por meiodas curvas de crescimento do Centers for DiseaseControl and Prevention13.

    As dosagens sricas de colesterol total e fraes,triacilglicerol, hemoglobina, clcio, sdio, potssio,cloro, glicemia, TGO e TGP, foram realizadas antesdo incio e a cada trs meses de protocolo. Aultrasonografia renal foi realizada nas mesmasocasies. Foram adotados como referncia para operfil lipdico os valores do Consenso Brasileiro de

    Dislipidemia14

    , constante da tabela 1. As dosagensforam realizadas pelo Laboratrio Central daUniversidade Federal de So Paulo (UNIFESP).

    A dieta

    A DC de cada paciente foi calculada de acordo comas necessidades individuais.Foi feita suplementaodiria com complexo vitamnico e de sais mineraismanipulado, conforme recomendao para a idade4,apresentado na tabela 2.

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    A DC foi calculada por nutricionista, de acordo com

    a idade e o peso do paciente, fracionada em 4refeies ao dia, com contedo calrico de, apenas,75% das necessidades energticas dirias. Aquantidade de protena foi calculada em 1g/kg/pesoideal, preservando o crescimento e a incorporaode massa muscular. Em relao aos lipdios, osnutrientes predominantes na dieta, a quantidade foideterminada para completar as calorias dirias. Aquantidade de lquidos a ser ingerida diariamente foicalculada em 65 ml/kg/peso ideal, no ultrapassando2 litros3.

    A cetose foi monitorada diariamente, durante o estudo,

    pelas mes, por meio de Glicofita Plus

    , Keto-diastix

    ouDiastix, no perodo da manh e da noite. O objetivo eramanter uma cetonria de +++ou ++++. Quando isto noocorria, a me entrava em contato, via fone, diut-urnamente, com a autora principal. Eram identificadasdoenas agudas e alteraes na dieta. As doenas eramatendidas no Pronto Socorro, dentro de protocolopreestabelecido de medicaes sem carboidrato. Durantetodo o perodo do estudo, a dieta era adaptada frente ocorrncia de diminuio da cetose e/ou aumento nafrequncia das crises convulsivas. Era, ento, reduzido

    Lpides Idade (anos) Desejvel Limtrofe Aumentado

    CT

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    o teor de carboidrato da dieta e, se necessrio, o pacienteera colocado em jejum novamente, para que atingisse oestado cettico adequado (+++).

    Quanto aos parmetros avaliados no estudo para aeficcia da dieta cetognica, foi comparada a frequncia

    de convulses no perodo anterior e posterior introduo da DC, em cada caso. O desenvolvimentoponderal e estatural de cada paciente foi avaliado pelaevoluo nas curvas de crescimento. Os efeitoscolaterais foram avaliados pela incidncia no grupo emDC. Os dados foram avaliados com o auxlio doprograma Statistical Package for the Social Sciences15

    (SPSS), por meio de testes no paramtricos, tendosido considerado significante o valor de p

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    dieta no ocasionou comprometimento no desenvol-vimento fsico dos pacientes.

    Os valores mdios das dosagens de lpides sricosno incio, 3 e 6 ms de dieta esto contidos na tabela 7.

    Os valores mdios no diferiram significantementepara os pacientes do sexo masculino e feminino.Houve uma elevao dos valores de HDL-colesteroldurante a dieta cetognica, em ambos os sexos,porm, sem diferena significante.

    Tabela 5 - Evoluoda estatura das crianas do sexo masculino durante o perodo de dieta cetognica. So Pau-lo, SP, 2002.

    Paciente Idade inicial Incio 2 m 4 m 6 m 8 m 10 m 12 m

    1 9a11m 117,00 117,00 117,50 118,00 119,00 119,50 120,002 17 162,00 162,50 163,00 163,50 163,50 164,50 165,003 6 118,00 118,00 118,50 118,50 119,00 119,00 119,504 13a6m 129,00 129,50 130,00 130,505 9a9m 110,00 111,00 111,00 111,50

    Estatura (cm)

    m - ms a- ano

    Tabela 6 Evoluoda estatura das crianas do sexo feminino durante o perodo de dieta cetognica. So Paulo,SP, 2002.

    Paciente Idade inicial Incio 1 m 2 m 4 m 6 m 8 m 10 m

    1 6a 108,00 108,50 108,50 109,00 110,00 110,50 111,002 8a6m 138,00 139,00 139,00 140,00 140,50 141,00 141,003 8a2m 127,00 128,00 128,50 129,00 129,50 130,00 130,004 14a3m 158,00 158,50 159,00 159,50 160,00 160,00 161,005 4a10m 104,00 104,50 105,00 105,00 106,00 107,00 109,006 8a6m 117,00 117,00 117,50 117,507 8a3m 136,00 136,00 136,00 136,50

    Estatura (cm)

    m - ms a- ano

    Sexo Colesterol total HDL - Col LDL - Col VLDL - Col TriglicridesM +/- DP M +/- DP M +/- D M +/- DP M +/- DP

    F Inicial 153,57 +17,03 57,86 +6,52 134,43 +87,90 17,57 +6,00 81,43 +23,52

    Final 153,71 +12,42 67,43 +12,70 83,86 +26,04 16,29 +2,75 79,29 +13,43

    M Inicial 189,80 +93,23 64,20 +18,94 110,20 +85,67 19,40 + 5,37 90,20 +29,78

    Final 152,40 +21,76 69,20 +10,38 81,00 +41,21 15,80 +4,49 70,00 +25,49

    Tabela 7 Nveis mdios& dos lpides no sangue dos pacientes, no incio e ao final de seis meses de dieta cetognica,de acordo com o sexo.

    M - mdia Col - colesterol Fem feminino M masculino P probabilidade & - em mg/dl

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    Cada paciente teve o nvel de colesterol total nosangue classificado quanto adequao para faixaetria e sexo16, antes do incio, e no 3 e 6 ms dadieta. No 3 ms aps a introduo da dieta cetognicahouve pequeno aumento no percentual de casos cominadequao (elevao) do colesterol total; porm, no

    6 ms nenhum paciente apresentava nvel elevado,

    como se observa Figura 1. A frao LDL do colesteroltambm foi avaliada nos mesmos meses, e osresultados podem ser observados na figura 2. Verificou-se a manuteno do percentual de casos com valoresacima do recomendvel, sendo que no 6 ms de dietahouve uma reduo dos casos com valores mais

    elevados, que passaram para a faixa intermediria.

    Figura 1 Resultados iniciais do colesterol srico total,durante a dieta cetognica em ambos os sexos.

    Figura 2 Resultados iniciais e finais, dos valores m-dios de LDL-colesterol em ambos os sexos.

    No foram encontradas diferenas significantes doincio ao final do protocolo das enzimas hepticas,glicemia de jejum e hemoglobina, do clcio, potssioe sdio; apresentando valores dentro do padro denormalidade. Houve um episdio de hipoglicemia.Quanto ao cloro, em uma paciente do sexo feminino

    houve elevao do nvel srico. No foram detectadosclculos renais iniciais ou durante o protocolo.

    A freqncia inicial das convulses era, em mdia,de 120 episdios/dia, aps trs meses teve reduo(mdia) de 56%, e no 6 ms, reduo de 63%. Paraos casos que permaneceram 12 meses, houvereduo mdia de 80%.

    Discusso

    A dieta cetognica foi til no controle dasconvulses refratrias ao esquema de drogas. Todosos casos beneficiaram-se com a DC, com reduoprogressiva nas crises. O resultado foi semelhante aoverificado em outros estudos, como o de Campos MTet al.17que relatam uma reduo das crises prximade 50%. Tambm Villares et al.18observaram, seismeses aps o incio da dieta, que metade das crianastinha conseguido uma reduo das crises superior a50%, e um tero no apresentava nenhuma ou afrequncia tinha diminudo em mais de 90%. Os

    estudos so muito poucos no Brasil.

    Uma preocupao com a utilizao da DC porlongos perodos, at de trs anos em algumas sries, a ocorrncia de distrbios do crescimento e,possivelmente, do desenvolvimento. Avaliou-se no

    presente estudo o crescimento, mas em perodorelativamente curto. Os pacientes, na maior parte,apresentavam uma altura inferior mdia entradano protocolo, uma vez que tinham uma doena crnicamal controlada. Durante o perodo em DC ocrescimento ocorreu dentro do canal de crescimentode cada caso (curvas disponveis). Os pacientesapresentaram uma curva ascendente, isto , houveganho de peso e estatura durante o perodo deutilizao da dieta, A anlise grupal no pode serrealizada, uma vez que as crianas tinham idades entre

    4 e 17 anos e estavam em fases de crescimentodiversas. A manuteno do crescimento ponderal eestatural durante a DC j havia sido observadapreviamente por Campos et al.17.

    Em relao possvel influncia da dieta nocrescimento dos pacientes segundo o gnero, asmeninas e os meninos apresentaram uma curvaascendente, com ganho de peso e estatura. Porm,durante o perodo de utilizao da DC, os meninostiveram melhores resultados, o que no atribumos aosexo, mas idade reduzida destes pacientes. Os

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    meninos, com uma idade inferior, tiveram umtratamento mais precoce, em relao ao incio doquadro convulsivo, que teria proporcionado umamelhor evoluo do desenvolvimento fsico destascrianas. Este dado semelhante ao observado frente melhora e/ou controle de qualquer doena crnica.

    A partir destes dados sugere-se que a introduo dadieta cetognica deva ser precoce para tentar,tambm, melhorar o comprometimento do crescimentoponderal e estatural.

    Outros estudos que avaliaram o crescimento dascrianas em DC mostraram que, durante o primeiroano da dieta, o crescimento ocorre dentro dosparmetros da normalidade, inclusive o ganho depeso19. Ao final do perodo de um ano, o crescimentolinear foi semelhante ao referencial de crescimento20.

    No presente estudo as crianas acompanhadasapresentaram valores de crescimento ascendentes,embora inferiores mdia, desde o incio doprotocolo16.

    Possveis efeitos colaterais da DC foram avaliados,sendo pouco observados20. Foi constatada apenasuma elevao do nvel de cloro em um paciente dosexo feminino, e um caso de hipoglicemia.

    Alteraes, por vezes intensas, nas taxasglicmicas e de lpides sangneos, so referidas na

    literatura, em pacientes sob DC21. Ballaban-Gil et al.22relataram o caso de uma criana que desenvolveulipemia, com hipertrigliceridemia, elevao dequilomicrons, e de VLDL - colesterol. Kang et al.23 fezum estudo com 129 casos em DC e descreveu que 26pacientes desistiram da dieta por apresentaremhipertrigliceridemia, hiperuricemia e hipercoles-terolemia. No foi o que observamos. Apesar da dietagordurosa oferecida aos pacientes, nenhum caso teveelevao dos nveis sricos de TG e colesterol duranteo estudo; os valores finais do colesterol total foram

    menores do que no incio, principalmente no sexomasculino. Na literatura h resultados semelhantes,sem prejuzo do metabolismo lipdico, enquanto outrosrelatam casos de pacientes que tiveram os nveis deTG aumentados24. Quanto ao colesterol total, Pnicoet al.25verificou um aumento do nvel srico em 72,2%das crianas. No Brasil, Villares et al.18 verificouelevao transitria dos nveis plasmticos docolesterol em 4 crianas.

    No presente estudo, apesar do tempo da utilizaoda dieta cetognica ter atingido at 12 meses, no foi

    observada alterao do perfil lipdico. Pode-se inferirque deva ter ocorrido uma adaptao metablica noperodo avaliado. Porm, o nmero de casos foipequeno e o perodo de utilizao da dieta no foisuficientemente longo, para concluses definitivas.

    Dos 12 pacientes do estudo somente umapresentou hipoglicemia, induzida pela DC. Omonitoramento dos nveis glicmicos necessrio,como reconhecido pelos diferentes autores Kang etal.23. Por este motivo, o fornecimento de suco de laranja habitualmente recomendado aos pais, frente aalteraes comportamentais, empiricamente.

    Quanto ao clcio srico, no foi encontradadiferena significante, quando se compararam osvalores iniciais e finais do estudo. Os responsveis

    foram orientados para que evitassem fornecer leite ederivados junto com as principais refeies (almoo ejantar), pela possvel interferncia na absoro doclcio. Franois et al.26 relataram um caso dehipocalemia, com complicao cardaca. Ao longo deseu estudo no encontraram outro caso comhipocalemia entre os 29 pacientes em DC. Noobservamos alteraes no potssio srico durante aDC; no foi observada diferena nos nveis mdiosentre o incio e o final do estudo. Da mesma forma, osnveis sricos de sdio tambm no sofreramalteraes entre o perodo inicial e final do estudo. No

    foram encontradas referncias relacionando sdio eDC. Quanto ao cloro, no presente estudo apenas umapaciente apresentou uma elevao do nvel srico. Istono teve repercusses aparentes no paciente22-24.

    Os nveis de hemoglobina no sofreram decrscimodurante a DC, inclusive as mdias. Alguns autores relatama ocorrncia de anemia por deficincia de ferro23.

    As enzimas hepticas foram monitoradas devidoao uso contnuo de drogas antiepilpticas, que podem

    ter como efeito adverso o comprometimento da funoheptica. Alteraes nestas enzimas tambmpoderiam ter ocorrido por dislipidemia, no grupoavaliado, porm, os nveis sricos de TGO e TGPmantiveram-se normais. Ballaban-Gil22 encontraramdois pacientes, entre 52, que tiveram aumentosacentuados de enzimas hepticas, uma no incio dadieta, e outra 13 meses depois.

    Outros efeitos adversos da DC foram relatados,alguns graves. Best et al.27 sugeriram que a dietacetognica poderia causar disritmia ventricular, com

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    Referncias

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    morte em algumas crianas. Porm, no ficouestabelecida a causalidade da dieta. A urolitasetambm um problema para pacientes submetidos dieta cetognica14,15,28, pois a mesma favorece aformao de clculos renais. Estes ocorrem poralterao no pH urinrio, aumento na excreo de

    clcio, cido rico e citrato, fornecidos pela dieta4. Emestudo realizado por Furth23, tambm foi observadoque entre 124 crianas, 18 (34,5%) tinham clculosrenais. No observamos este efeito colateral,possivelmente pelo limitado tempo de seguimentomdio dos casos.

    Deve ser destacado que a indicao de DCsomente pode ser feita para pacientes com convulsorefratria ao uso de duas a trs drogas, que estejamem nvel teraputico no sangue29. So situaes que

    impedem a utilizao da DC - doena renal, heptica,metablica, e encefalopatia progressiva. Tambm preciso avaliar o potencial de colaborao da famlia,e mesmo do paciente.

    Concluso

    A epilepsia de difcil controle medicamentoso queocorre em crianas e adolescentes pode ser tratada,adicionalmente, com dieta cetognica. A maioria dascrianas com epilepsia refratria pode ser beneficiada

    com a introduo da dieta, com reduo progressivado nmero de crises dirias, como relatadopreviamente5. O presente estudo dos poucosrealizados prospectivamente na avaliao de efeitos daDC, e alcanou resultados favorveis, que hoje parecemconsensuais30. Efeitos metablicos adversos noocorreram no perodo, exceto por uma hipoglicemia euma hipercloremia. Vale ressaltar que o tratamentodietoterpico exige superviso especializada, prximae frequente, que pode dificultar a utilizao empopulao carente e famlias no cooperativas.

    Agradecimento

    Dra. Suelli Rizzuti o agradecimento por terrealizado o acompanhamento neurolgico cuidadosode todos os pacientes.

  • 7/23/2019 IMPACTO DA DIETA CETOGNICA

    10/10

    Pediatria (So Paulo) 2004;26(4):230-9

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    Dieta cetognica na epilepsiaRamos AMF

    Endereo para correspondncia:Sra. Ana Maria Figueiredo RamosDepartamento deNeurologia e Neurocirurgia Setor de Neuropediatria da Escola Paulista de Medicina,Universidade Federal de So Paulo (UNIFESP)Rua Botucatu 740, Subsolo.CEP: 04023-900 - So Paulo SP Brasil

    Tel.: 0XX (11) 5575-5240; Fax. (0xx11) 5581-5005E-mail: [email protected].

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