imigrantes na era vargas- a lógica da desconfiança em ribeir

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CENTRO UNIVERSITRIO BARO DE MAU

TIAGO BARBAN ZUCOLOTO

IMIGRANTES NA ERA VARGAS: A LGICA DA DESCONFIANA EM RIBEIRO PRETO DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945)

Ribeiro Preto 2006

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TIAGO BARBAN ZUCOLOTO

IMIGRANTES NA ERA VARGAS: A LGICA DA DESCONFIANA EM RIBEIRO PRETO DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945)

Monografia apresentada como Trabalho de Concluso de Curso de Licenciatura Plena em Histria do Centro Universitrio Baro de Mau

Orientadora: Prof Ms. Llian Rodrigues de Oliveira Rosa

Ribeiro Preto 2006

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Zucoloto, Tiago Barban

Imigrantes na Era Vargas: a lgica da desconfiana em Ribeiro Preto durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

Monografia apresentada como Trabalho de Concluso de Curso de Licenciatura Plena em Histria do Centro Universitrio Baro de Mau

Aprovado em __/__/__. Licenciado em Histria Banca Examinadora: __________________ __________________ __________________ Assinatura

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Ficha Catalogrfica Zucoloto, Tiago Barban Z86r Imigrantes na Era Vargas: a lgica da desconfiana em Ribeiro Preto durante a Segunda Guerra Mundial (1939/1945) / Tiago Barban Zucoloto 2005. 82 f.; 30 cm. Trabalho de Concluso de Curso (Graduao em Histria) Centro Universitrio Baro de Mau, Ribeiro Preto. Orientadora: Prof Ms. Llian Rodrigues de Oliveira Rosa 1. Poltica 2. Era Vargas 3. Fascismo CDU 94

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A prof.

Mestra Llian de Oliveira Rosa dela sua dedicao e pacincia em auxiliar-me na elaborao deste trabalho e tambm genericamente a todos os professores do Centro Universitrio Baro de Mau por contriburem na minha formao de historiador.

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AGRADECIMENTOS O autor agradece a seus pais e familiares pelo apoio dispensado na elaborao desse trabalho. Reconhece tambm a dedicao e esmero dos funcionrios do Arquivo Pblico e Histrico de Ribeiro Preto e tambm do Arquivo Pblico do Estado de So Paulo sem os quais a elaborao desta tarefa no seria possvel.

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RESUMO O governo de Getlio Vargas estendeu-se por exatos quinze anos, sendo que o perodo relativo ao Estado-Novo durou de 1937 a 1945. No transcorrer desses oito anos, o Presidente foi responsvel por uma srie de medidas que visaram fortalecer o Estado Nacional brasileiro, entre elas a reestruturao da Delegacia de Ordem Poltica e Social, rgo estatal destinado a cumprir as determinaes provindas do Poder Executivo Nacional que ordenava, por diversas vezes espancamentos, prises e at assassinatos, tudo em nome da soberania da nao. Entre tantos perseguidos, em virtude de seu posicionamento ideolgico esto os italianos e seus descendentes que foram vtimas da represso policial constituda, na maioria das vezes, de processos ilegais. Este trabalho visa o levantamento da possvel documentao deixada referente a esses momentos, notadamente ocasio da Segunda Guerra Mundial, quando o movimento fascista deixava suas marcas em vrias partes do mundo entre elas o Brasil, marcando para sempre a histria nacional.

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ABSTRACT The government of Getlio Vargas lasted exactly fifteen years and the period of the New State was from 1937 to 1945. During those eight years the President was responsible for a series of actions aiming to strengthen the brazilian National State, among them the restructuring of the Political and Social Orders Office, states organ in charge of following the National Executive Powers determinations which demanded, several times, beatings, prisons and even murders, all in name of the nations dominion. Among so many chased people, due to their ideological position, were the italian and their descendants, who were victims of the polices repression, most of the time made of illegal lawsuits. This paper aims to show the left available documents refering to those moments, especially the time of World War II when the fascist movement left its marks in several parts of the world, Brazil among them, marking forever the national history. Key-word: persecution-policeman/Italian immigration/Word War II

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Lista de Tabelas Tabela 1 Estrangeiros em Ribeiro Preto (1920) Tabela 2 Populao da cidade de Ribeiro Preto em (1902) Tabela 3 Populao da cidade de Ribeiro Preto no ano de (1920) Tabela 4 Imigrantes no Estado de So Paulo por nacionalidade (1870-1952) Tabela 5 A populao do municpio de Ribeiro Preto Tabela 6 Estrangeiros em Ribeiro Preto (1920) Tabela 7 Atividades da populao de Ribeiro Preto Tabela 8 Italianos e atividades em Ribeiro Preto (1913) Tabela 9 Composio familiar dos italianos Tabela 10 Populao de Ribeiro Preto segundo a nacionalidade e o sexo (1902) Tabela 11 Profisses e ofcios de italianos em Ribeiro Preto (1890-1900) 44 46 46 47 48 51 52 53 68 68 69

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Lista de Abreviaturas

DEOPS DIP ANL DAM PRP PC PD AIB PCB

Departamento Estadual de Ordem Poltica e Social Departamento de Imprensa e Propaganda Aliana Nacional Libertadora Departamento de Assistncia aos municpios Partido Republicano Paulista Partido Constitucionalista Partido Democrtico Ao Integralista Brasileira Partido Comunista Brasileiro

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Lista de Grficos Grfico 1 Evoluo da populao de Ribeiro Preto (1874-1920) Grfico 2 Evoluo das atividades urbanas em Ribeiro Preto (1890-1914) 50 55

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SUMRIO Lista de Tabelas Lista de abreviaturas Lista de grficos Resumo Abstract 1. INTRODUO 2. CAPTULO 1 2. O regime totalitrio de Getlio Vargas 2.1. Era Vargas: a criao do Estado Nacional brasileiro 2.2. A Era Vargas em Ribeiro Preto 2.3. A poltica municipal durante o governo de Getlio Vargas 3. CAPTULO 2 3. Panorama geral do processo imigratrio Brasileiro 3.1. Os imigrantes e os motivos da imigrao 3.2. A economia cafeeira e o desenvolvimento de Ribeiro Preto 4. CAPTULO 3 4. O fascismo e os imigrantes italianos na Era Vargas em Ribeiro Preto 4.1. O historiador e sua fonte 4.2. O movimento fascista na capital 09 10 11 07 08 14 22 22 23 28 31 38 38 39 50 57 57 58 62

4.3. A retratao da perseguio poltica aos imigrantes italianos em Ribeiro Preto na imprensa local 64 4.4. A perseguio aos imigrantes italianos em Ribeiro Preto nos pronturios do DEOPS sob custdia do Arquivo Pblico do estado de So Paulo 71 4.5. A perseguio aos imigrantes italianos em Ribeiro Preto nos pronturios do - DEOPS sob custdia do Arquivo Pblico do Estado de So Paulo 76

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5. Concluso 6. Referncias bibliogrficas Anexo A Anexo B Anexo C

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1. Introduo

O assunto principal do qual trata este trabalho refere-se perseguio poltica sofrida pelos imigrantes de nacionalidade italiana, fascistas, em Ribeiro Preto durante a Segunda Guerra Mundial. Este processo ocorreu por meio de rgos da administrao pblica materializada no DEOPS - Departamento Estadual de Ordem Poltica e Social, este o nome dado a ento Polcia Poltica que atuou entre 1924-1983, sabe-se que este rgo j recebeu outras denominaes em virtude de sua reestruturao estatal para conter os perseguidos polticos e as informaes sobre os mesmos (Delegacia de Ordem Poltica e Social), mas por uma questo metodolgica, inclusive para evitar confuses no uso da terminologia aplicada opta-se por denominar DEOPS o Departamento de Ordem Poltica e Social (denominao esta utilizada largamente inclusive na imprensa de larga difuso at a extino do regime militar em 1985. 1 Perguntou-se ento se a busca por grupos fascistas ocorreu da mesma forma que na capital do Estado e, descobriu-se que tal no ocorreu, o que se demonstrar no decorrer da exposio do tema. O vasto perodo ditatorial do governo de Getlio Vargas, em que a sociedade brasileira passou por grandes transformaes, entre elas a industrializao, responsvel por modificaes em toda a classe trabalhadora. Com o desenvolvimento veio o xodo rural, que foi a sada em massa da populao rural em direo s cidades, sendo que estas, na maioria das vezes, no tinham condies de absorver tanta gente, gerando tumulto e transtorno social. O governo de Getlio Vargas foi um perodo extenso da histria do Brasil, mas no deve ser estudado s por esse motivo e sim porque se trata de um momento mpar do desenvolvimento brasileiro e de adaptaes s modificaes proporcionadas pelo capitalismo

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POMAR, P. E. R. A democracia intolerante: Dutra, Adhemar e a represso ao partido comunista (19461950). So Paulo: Arquivo do Estado, 2002.

deixando um modelo arcaico de produo de riquezas e investindo pesado na imigrao como forma alternativa de obteno de mo-de-obra. Tudo na histria significa opo, por mais que o historiador busque ser fiel a um dado posicionamento, o simples fato dele fazer a escolha do tema e das fontes j denota que no permanece neutro ao tratar de tal ou qual assunto. Isso fica mais explcito ainda quando, como quer Michel de Certeau, 2 o historiador escreve para um pblico direcionado e quer, muitas vezes, extrair dados direcionados de certo fato histrico. Desta forma, o ponto de partida para essa investigao histrica, que se pretende introdutria, foi o jornal Dirio da Manh da poca do conflito da Segunda Guerra Mundial, integrantes do acervo do Arquivo Pblico e Histrico de Ribeiro Preto, onde tambm foram pesquisadas as atas de Reunies da Sociedade Dante Alighieri. A preferncia por essas duas fontes relaciona-se ao recorte temporal, isso porque as reunies da Sociedade Dante Alighieri ocorreram durante todo o perodo da Segunda Guerra, assim como as notcias da guerra foram produzidas no Dirio da Manh durante todo o perodo, conforme os fatos iam se desenrolando. Existem outros fundos privados formados principalmente por documentos relacionados a italianos de Ribeiro Preto, mas seu perodo remonta a uma poca um pouco mais recuada na histria, compondo-se de documentos das dcadas de dez, vinte e incio da dcada de trinta que, por serem datas que no fazem parte do recorte histrico proposto, optou-se por no examin-las. Retornando ao raciocnio dos primeiros pargrafos, deve-se entender que a escolha da fonte histrica no um ato isento de qualquer valor e, desta forma, deve o historiador despirse da idia ingnua de que ele est em busca da verdade. Tal se d porque as fontes histricas

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CERTEAU, M. A operao histrica. In: LE GOFF, J.; NORA, P. Histria: novos problemas. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1988, p. 17-48.

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so permeadas por certo discurso, certa escolha, fazendo com que o historiador produza um conhecimento sobre uma dada realidade. Seguindo este pensamento, deve-se iniciar a anlise do contedo dos fatos histricos a partir dos artigos de jornal citados, tendo em mente que os dados levantados no so isentos de valor, mesmo porque o jornal apresenta o contedo tendo certa leitura do fato que determinada pelo editor do jornal e, mais que isso, os fatos so relatados atravs dos olhos de um reprter que tem certa postura diante dos fatos mencionados. Tal processo foi bem identificado pela historiadora Maria Helena Capelato, principalmente no que diz respeito ao perodo estudado quando o regime institudo poca, percebendo o poder que tem a mdia, criou um departamento especfico para monitor-la, qual seja o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). 3 O peridico analisado foi o Dirio da Manh, cujo diretor foi Costbile Romano (1933 a 1950) 4 , conhecido vereador e ex-prefeito de Ribeiro Preto, que, fazendo parte do governo, investiu na divulgao da imagem que o governo federal fazia dos regimes fascista e nazista. Freqentemente, verificava-se a divulgao de manchetes tratando exclusivamente de atos corriqueiros do governo federal fazendo uso de adjetivos ufanistas, sempre, claro, ovacionando os atos do ento Presidente da Repblica, Getlio Vargas. Assim, a sobredita autora clara: o jornal um documento sim, que espelha os fatos, mas esses fatos so contados de acordo com a forma que seja mais conveniente ao sistema, denegrindo-o ou elogiando-o segundo a ocasio em que o folhetim seja contrrio ao sistema, melhor dizendo, de oposio. Desta forma, deixa claro a autora:Nos Estados liberais, a Constituio garante a todos a liberdade de expressar sua opinio e de obter informaes. A imprensa o veculo apropriado para esses fins.3 4

CAPELATO, M. H. R. Imprensa de histria do Brasil. So Paulo: Contexto/EDUSP, 1988. CHIAVENATO, J. J. Os 100 anos de Costbile Romano (publicao produzida por ocasio de cem anos de seu nascimento).

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Todos so livres e iguais perante a lei, mas na prtica uns so mais livres e mais iguais. Ocorre ento que, neste mundo desigual a informao, direito de todos, transforma-se numa arma de poder manipulada pelos poderosos o segredo a sua outra face. 5

Neste sentido, o discurso desenvolvido em o Dirio da Manh muda conforme muda o discurso do governo federal em relao aos regimes nazista e fascista. Aqui fica claro o posicionamento baseado na lgica da desconfiana, expresso bastante feliz usada por Viviane Terezinha dos Santos ao referir-se forma de atuao da polcia brasileira em relao no s aos imigrantes italianos, mas tambm com relao aos imigrantes de nacionalidades alem e japonesa, demonstrado na coleo de livros 6 que tratam especificamente dos imigrantes do Eixo com pronturios no DEOPS. 7 Apresentando esse contexto, cabe justificar que o mais importante o fato dos italianos serem, aps os portugueses, a colnia de europeus mais importante para Ribeiro Preto e sua economia. Trazidos da Europa para substituir o trabalho escravo, esses imigrantes acreditavam na fora do trabalho e confiavam na construo de uma vida melhor aqui na Amrica. Os imigrantes, segundo a afirmao de muitos autores, serviram tambm para clarear a cor do nosso povo mestio. As atividades aqui desenvolvidas pelos imigrantes foram as mais diversas, mas a principal foi a agricultura, sendo que os ditos imigrantes destacaram-se tambm na indstria e no comrcio da regio. Cabe ressaltar tambm o impulso pessoal do autor, marcado pela experincia familiar de ser descendente de italianos e colaborando para o maior entusiasmo no desenvolvimento da pesquisa, pois o autor, provavelmente, est tratando de parte de sua prpria histria.

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CAPELATO,op.cit., p. 18. DEZEM, R. mdulo III, japoneses: Shind Renmei: terrorismo e represso. So Paulo: Arquivo do Estado, Imprensa Oficial, 2000. DIETRICH, A. M.; ALVES, E. B.; PERAZZO, P. F. Inventrios DEOPS: Alemanha, mdulo I; CARNEIRO, M. L. T. (Org.); STRAUSS, D. (Prefcio); ODALIA, N. (Introduo). So Paulo: Arquivo do Estado, 1997. 7 SANTOS, V. T. Os seguidores do Duce: os italianos fascistas no estado de So Paulo. So Paulo: Imprensa Oficial, 2001.

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Dois autores interessantes para estudar o governo do Estado-Novo e a centralizao de poder ocorrida durante o perodo so Boris Fausto 8 e Snia Regina Mendona. 9 Boris Fausto 10 defende o posicionamento de que as classes mdias, quando no representadas por um grupo no-burgus, tornam-se desarmadas e incapazes. Segundo o autor j citado, o extrato protetor da classe mdia seria o exrcito. Mais especificamente, a classe representativa do exrcito seria a dos tenentes. Assim segundo as palavras do prprio autor:O tenentismo desta fase pode ser definido, em linhas gerais, como um movimento poltico e ideologicamente difuso, de caractersticas predominantemente militares, onde as tendncias reformistas autoritrias aparecem em embrio 11 .

Ainda segundo Boris Fausto no havia uma articulao muita bem definida entre o movimento tenentista e a classe civil, de forma que o tenentismo significou uma reao da classe militar mediana contra a poltica implementada pelas oligarquias cafeeiras durante a primeira repblica. Sabe-se que o exrcito passou a ser, aps a Guerra do Paraguai, o centro promotor de uma srie de medidas que, segundo os prprios integrantes do exrcito, serviriam para limpar a sujeira oriunda da poltica oligrquica. De uma forma geral v-se uma falta de coeso no movimento causada pela discordncia entre os tenentes representantes da pequena burguesia (funcionrios pblicos assalariados, pequenos comerciantes) e a oligarquia cafeeira que governava at o momento. esse conflito entre a classe mdia e o exrcito que d origem Revoluo de 1930 e que coloca Getlio Vargas como detentor do regime institudo, mesmo que provisoriamente, at que a situao estivesse mais serena. Importante mencionar tambm que o movimento tenentista contava com amplo apoio das classes populares. Isso fica ntido quando o autor afirma:8

FAUSTO, B. Revoluo de 1930 e as classes mdias. In: ______. A Revoluo de 1930: Historiografia e Histria. So Paulo: Brasiliense, 1970, p. 51-84. 9 MENDONA, S. R. As bases do desenvolvimento capitalista dependente: da industrializao restringida internacionalizao. In: LINHARES, M. Y. (org.) Histria geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990. 10 FAUSTO, op. cit., p. 48. 11 FAUSTO, op. cit., p. 57.

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Ao exrcito cabe desempenhar uma misso regeneradora. Mas, a partir desta identificao de base, o que se pretende, de fato, regenerar? O tenentismo da primeira fase pode ser definido como um movimento voltado para o ataque jurdicopoltico s oligarquias, com um contedo centralizador, elitista, vagamente nacionalista. 12

Este trecho citado mostra claramente a crena que existia no povo de que o exrcito seria o responsvel pelo saneamento da poltica nacional. Este pensamento surge no iderio popular com o fim da Guerra do Paraguai e a vitria do exrcito brasileiro na mesma. O objetivo geral deste trabalho determinar se houve em Ribeiro Preto a formao de um ncleo fascista no interior do estado de So Paulo e o desenvolvimento de suas atividades entre aos imigrantes de nacionalidade italiana nos mesmos moldes do que ocorreu na capital do estado, ou se pelo menos o que ocorreu aqui no interior, se ocorreu, tinha caractersticas semelhantes, tal d-se porque analisando os artigos de jornal publicados poca no se registrou a priso de qualquer pessoa por motivos notadamente fascistas, ento se deve perguntar: esta atividade ocorreu no interior do estado? Especificamente trata-se do desenrolar do governo de Getlio Vargas e qual sua importncia para o tema estudado. Os dados levantados para o estudo do tema sero analisados no terceiro captulo, concluindo finalmente, se houve ou no tal processo de perseguio aos imigrantes italianos em Ribeiro Preto durante a Segunda Guerra Mundial, semelhana do ocorrido com os imigrantes italianos em So Paulo capital. Assim, qual deveria ser a importncia do governo nacional para o esclarecimento do tema para responder s questes propostas? Posteriormente, fala-se da grande imigrao anterior ao perodo pesquisado para obteno da mo-de-obra necessria para o trabalho nos cafezais, e, sendo o caf nosso principal produto de exportao e nossa principal riqueza, os imigrantes eram levados para as fazendas onde comeavam a desenvolver os primeiros contatos com a populao local, ocorrendo importante processo de

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FAUSTO, op. cit., 63.

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troca de experincias. Estudando a imigrao, primeiramente de uma forma geral, traando os pormenores, em um segundo momento, quando se fala especificamente do processo imigracional italiano, suas peculiaridades, a influncia dos italianos na cultura brasileira e quais os rastros deixados por esse povo em nossa cultura; deve-se deixar claro que a imigrao italiana anterior ao perodo pesquisado e sua presena sentida na formao da identidade cultural dos paulistas. Cabe ressaltar tambm que os italianos so a etnia que mais comps a estrutura do povo desse estado sendo superados apenas pelos portugueses, sua influncia sentida desde meados do sculo XIX intensificando-se sobremaneira no incio do sculo XX. J o terceiro captulo trata especificamente de como se desenvolveu o processo de perseguio aos imigrantes italianos durante o perodo da Segunda Guerra Mundial em Ribeiro Preto, sempre se tendo em mente a pergunta: os atos de perseguio poltica ocorreram no interior do estado? Inicialmente, fala-se de como a imprensa local, mais especificamente o Dirio da Manh tratou o assunto, ou seja, a Segunda Guerra Mundial, o fascismo e os fascistas e tambm da necessria ligao existente entre fascistas e nazistas e do relacionamento entre os pases integrantes do chamado Eixo, melhor dizendo, italianos, alemes e japoneses. Aproveitando a questo mencionada, cabe ressaltar que inicialmente este trabalho pretendia tratar do fascismo entre todos os imigrantes do Eixo, mas em virtude da extenso do assunto optou-se por fazer referncia apenas aos italianos pelos motivos j explicitados, devendo-se deixar claro que o assunto ser tratado, inicialmente de uma forma genrica ocorrida a todos os imigrantes vinculados a atividades fascistas, insistindo-se, em um segundo momento, ao encalo aos imigrantes italianos. Em um terceiro momento, empossado dos artigos do Dirio da Manh tratando de todos os assuntos referidos e buscando os nomes dos responsveis por um possvel movimento fascista ocorrido em Ribeiro, ou seja, as pessoas de nacionalidade italiana

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envolvidas com a polcia pretendia-se estabelecer as ligaes possveis dessas pessoas com a Departamento de Ordem Poltica e Social e a existncia de pronturios dessas pessoas naquele rgo, examinando seu contedo, buscando observar o motivo do fichamento e se este se tratava de fascismo. Por ltimo, esclarece-se a forma de tratamento dada ao assunto central em O Dirio da Manh e como, empossado dessas fontes documentais, deve-se avaliar os dados levantados. Terminando, apresenta-se as consideraes finais que devem ser expostas para a anlise do tema e quais as contribuies cientficas propostas pelo trabalho.

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Captulo I 2. O regime totalitrio de Getlio Vargas

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2.1. Era Vargas: a criao do Estado nacional brasileiro

Getlio Vargas fruto do movimento tenentista, mas em que consistia o movimento tenentista? Em um grupo oriundo da baixa hierarquia do exrcito que calcou sua origem na Guerra do Paraguai e que, acreditando que tinha a misso de higienizar a poltica nacional, eliminaria, gradativa, porm certamente, a corrupo do aparelho estatal, influenciaria o primeiro e segundo quartos do sculo XX. Entretanto, no se pode afirmar com tanta certeza que a classe militar estaria ilesa deste problema, porm pode-se dizer com firmeza que a corrupo, em virtude da disciplina militar, era menos freqente de acontecer. 13 Para falar do governo de Getlio Vargas tm que se mencionar tambm os movimentos ideolgicos que permearam a vida poltica do perodo, os mais importantes so: o Integralismo, a Legio Revolucionria de So Paulo e ANL ou Aliana Nacional Libertadora. O governo de Getlio foi marcado por atitudes de fora, se que se pode denominar assim; deve-se afirmar que as grandes potncias europias estavam sendo governadas por generais, ou ento passavam por governos ditatoriais; com o Brasil no foi diferente. A sociedade civil passou a envolver-se com agremiaes polticas. O integralismo arregimentava os indivduos de direita, com claras tendncias nazi-fascistas, cujos maiores modelos de conduta eram Mussolini e Hitler. Os integralistas saudavam-se moda nazista, com o chamado anau. A Legio Revolucionria de So Paulo era uma agremiao de centro-direita que praticamente colocou Getlio Vargas no poder, juntamente com a Aliana Nacional Libertadora dos jovens de esquerda.

FIGUEIREDO, E. L. (org.) Drummond, J. A. (trad.) Os militares e a revoluo de 30. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

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Em certo momento de radicalizao do regime, o governo perseguiu todas as mencionadas faces, mas a preferncia dos investigadores governamentais era pelos grupos de esquerda. 14 Segundo Rosa haveria inclusive uma ateno maior aos comunistas 15 , tal o nmero de inquritos e prises de pessoas sabidamente comunistas. 16 Pode-se dizer que o primeiro perodo em que Getlio Vargas esteve no poder (governo provisrio 1930 1934) e, sobretudo durante o Estado Novo foi uma fase de grande centralizao poltica. O que fundamental discutir sobre a ocasio a figura do presidente da nao, considerada muito importante. Sobre essa parcela da histria tem-se notcia por WALKER 17 de que no perodo pouco anterior dcada de trinta, um grupo de italianos quis fundar um partido fascista em Ribeiro Preto devendo este ter ligaes inclusive com o Fascio em Roma, mas suas iniciativas foram logo abafadas pelos polticos da cidade. At 1934 (governo provisrio) Getlio governou sob a promessa de que promoveria eleies o mais rpido possvel, entretanto o que se viu foi uma furtiva manobra poltica para Getlio manter-se no poder. Nesse momento todos os esforos estavam sendo despendidos no sentido de atrair poder o quanto possvel para a elite cafeeira e a cidade, que apesar da crise ainda detinha a maior parcela de poder local, para isso foi lanada uma reforma tributria que atraia mais dinheiro para a cidade. Durante o governo de Vargas o presidente era pea indispensvel e era ele quem estabelecia as polticas pblicas para o perodo. Aquele foi, sem dvida, o centro do sistema presidencialista. No so raras as descries de Getlio Vargas como astuto, esperto e que sabia lidar com as adversidades e contratempos como nenhum outro e, tambm, era magistral em colocar inimigos seus uns

ROSA, Llian Rodrigues de Oliveira. Comunistas em Ribeiro Preto, 1922-1947. Franca: UNESP, 1999. ROSA, op. cit., p. 18-19. 16 CAPELATO, M. H. O movimento de 1932: a causa paulista. So Paulo: Brasiliense, [s. d.], p. 63. 17 WALKER, T.; BARBOSA, A. S. Dos coronis metrpole: fios e tramas da sociedade e da poltica em Ribeiro Preto no sculo XX. Ribeiro Preto SP: Palavra Mgica, 2000, p. 81.15

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contra os outros, e sair ileso das mais diversas situaes. 18 Getlio com a revoluo de 1932 buscou atrair para si ainda mais poder, tanto que ficou conhecido pelos seus ardis. O chefe da nao brasileira era, sem dvida, a verso sul-americana dos modelos governamentais em voga na Alemanha e Itlia, a quem afirme inclusive que o presidente nutria grande simpatia pelo governo desenvolvido pelo III Reich. 19 Getlio Vargas teve papel fundamental na centralizao do poder em suas mos, conseguiu como nenhum outro trazer o poder para perto de si. Tambm foi responsvel pela valorizao de muitos mitos e tambm pela valorizao de nossos heris nacionais. Em grande parte responsvel pelo estado atual em que se encontra o nosso patriotismo hoje. Cabe notar que os homens que se acercavam de Getlio, membros do segundo escalo fizeram suas opes polticas, fizeram escolhas, e no poderiam jamais atribuir sua responsabilidade ao povo, a opinio pblica um posicionamento pessoal. O clima de guerra e o mundo dividido em blocos ideolgicos diversos causaram, de certa forma uma histeria coletiva onde a populao brasileira foi incitada a desconfiar dos imigrantes dos pases europeus que se envolveram na guerra. 20 Como retrata Robert Levine, pela primeira vez na histria brasileira foram deixados de lado os regionalismos que sempre estiveram presentes na poltica do Estado brasileiro: buscando equacionar os interesses locais sem deixar de lado seu governo centralizado; posteriormente, no perodo da Repblica Velha, com a poltica do caf como leite alternando a entrega do poder central ora para So Paulo, ora para Minas Gerais, sobretudo privilegiando estes dois estados.

Ibid., p. 51. GAMBINI, R. O duplo jogo de Getlio Vargas: influncia americana e alem no Estado Novo. So Paulo: Smbolo, 1977. 20 BECKER, J. J. A opinio pblica. In: RMOND, R. Por uma histria poltica. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003, p. 188.19

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Os governos dos estados passavam tambm pelo crivo do Poder Executivo Federal, j que os interventores eram designados por esse de forma direta, ou seja, indicados pelo Presidente da Repblica. Utilizando as palavras de Figueiredo: Os comandos regionais do Exrcito absorveram todas as foras pblicas estaduais 21 . Esta poltica de centralizao e valorizao nacional ocorreu em um perodo em que tal acontecia em todo o resto do mundo, a no ser nos Estados Unidos que vendiam a imagem de eterno defensor da democracia. As grandes potncias imperialistas da poca como a Espanha, a Alemanha e a Itlia passavam por regimes totalitrios. A centralizao do poder nas mos do Poder Executivo Federal , portanto um pr-requisito necessrio que pode significar mais adiante a tomada de medidas arbitrrias pelo governo j que no h o importante equilbrio entre os trs poderes formadores de nossa soberania. A identificao das oligarquias com o Poder Executivo fez com que o modelo estatal institudo pelos tenentes privilegiasse uma ainda maior centralizao poltica, mas no nas mos do Executivo e sim do Judicirio, que seria democratizado com a constante renovao de seus quadros. Isso com certeza tira o Poder Executivo do centro das atenes e, sob certo aspecto democratiza a distribuio do poder, o que, por bvio no era querido por Getlio Vargas. O movimento tenentista caracteriza-se tambm por um elitismo, pois s classes militares arrogavam a si prprias o dever de moralizao da poltica, entretanto, mantinha as classes populares longe do poder. desta poca a frase faamos a revoluo antes que o povo a faa (grifo nosso) 22 . Fica claro ento que o movimento tenentista opta pela negao s classes populares e sua conseqente marginalizao. Se as massas so atrasadas, se

21 22

FIGUEIREDO, op. cit. 46. FAUSTO, op. cit., 65.

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votam mal preciso cortar-lhes esse direito para que a ordem possa reinar (grifo nosso) 23 . O cerne do movimento localizava-se na pequena-burguesia; assim, o tenentismo despontou como movimento contrrio fora da oligarquia paulista cafeeira. deste movimento cujo representante maior Getlio Vargas que se originou uma alternativa ao modelo de Estado oligrquico dirigido pela elite agrria dirigente do pas at ento. O que se denota com a estruturao do Estado de 1930 a 1945 a sua constituio enquanto Estado Nacional capitalista. Agora, diferentemente do que se notou anteriormente, com a ditadura estado-novista centraliza-se o poder nas mos do Executivo Federal neutralizando os regionalismos polticos e alterando as prticas de concesso de benefcios. O aparelho econmico do Estado que favorecia o modelo agroexportador, voltou suas atenes para o mercado interno. Getlio Vargas conhecido por sua postura favorvel ao trabalhismo e pelo fomento e controle da atividade sindical. lembrado tambm pela criao do salrio mnimo que, se para alguns representou ganho salarial, para a grande maioria representou perda, pois o salrio foi nivelado por baixo, representando expressiva diminuio nos gastos patronais com a folha de pagamento. A demonstrao da dependncia brasileira em relao ao capital externo clara e indiscutvel. O Brasil localizou-se entre os pases economicamente dependentes das principais economias capitalistas e figurou como ainda figura entre um dos principais pases agroexportadores, conforme a diviso internacional do trabalho. Isso continuar assim se o governo no investir naquilo que um pas tem de mais precioso, que seu povo. Atravs de polticas concretas, e acima de tudo vontade poltica, somente assim o Brasil deixar de ser o segundo pior pas em distribuio de renda e passar a ser um pas do qual os brasileiros se23TP

Ibid., 66.

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orgulharo de pertencer. A relao entre o governo de Vargas e o movimento fascista no pode ser caracterizada como evidente, mas era uma relao necessria, o liberalismo em termos mundiais estava sofrendo uma grave crise, a democracia era o sustentculo maior do mesmo e seu principal representante eram os Estados Unidos da Amrica. O fortalecimento das ditaduras na Europa, por exemplo, com a reestruturao do fascismo na Itlia e a ascenso do nazismo na Alemanha, sem falar do pnico ocidental da expanso do comunismo o pano de fundo que deu base para a formao de um governo autoritrio no Brasil, transformando Getlio Vargas em um adversrio praticamente indestrutvel. 24

2.2. A Era Vargas em Ribeiro Preto

No se pode tratar do perodo referente Era Vargas sem mencionar, mesmo que brevemente, os momentos histricos anteriores a este espao temporal. Deve-se reportar ento ao tempo da Primeira Repblica, sendo esta a ocasio que mais influenciou a era de Getlio. Desta forma, no se pode deixar de mencionar a importncia poltica e econmica de duas personalidades que marcaram de forma contundente a histria do municpio de Ribeiro Preto. So os dois coronis do caf, o Senhor Quinzinho Junqueira e o Senhor Francisco Schmidt. Ambos estiveram frente da poltica local muitas vezes alternando-se no poder; o principal cargo ocupado era o de presidente da Cmara de Vereadores, naquela poca, o mais importante posto legislativo da cidade. Deve-se ressaltar que o alemo Francisco Schmidt enfrentava todas as vezes que se dispunha a participar da eleio para Presidente da Cmara certa desvantagem, pelo o fato de no ser brasileiro nato e sim naturalizado. Seu nascimento em terras alems, por vezes, causou-lhe desgosto, visto que a populao no via com bons

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KONDER, L. Introduo ao fascismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Edies Graal, 1977. LENHARO, A. Nazismo: o triunfo da vontade. 6. ed. So Paulo: Editora tica, 2001.

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olhos um estrangeiro ocupando um cargo to importante na poltica municipal. O comportamento antigermnico ficou muito bem caracterizado no livro de Viviane Terezinha dos Santos, no qual este sentimento da populao brasileira ficou bem caracterizado. 25 Schmidt defendia-se destas colocaes dizendo que deveria ser considerado brasileiro, pois seus filhos eram brasileiros 26 e, este era o pas onde ele tinha decidido fixar-se. Caso clssico ocorreu com o senhor Paschoal Innechi que, para demonstrar que no necessitava da aceitao da populao, construiu ao lado da sede social do clube da Recreativa um imenso palacete 27 , sendo este ainda maior que a sede social do referido clube. 28 . Como bem observa Walker no h mais esta demonstrao pura e simples de preconceito tnico; entretanto, existe aquele preconceito velado em que no se diz claramente o que se est pensando, mas, na verdade, deixa a entender por gestos e atitudes que aquela dada pessoa no bem quista naquele meio. J Quinzinho Junqueira, neste pormenor, apresentava-se em vantagem, porque era o chefe de um grande cl de ricos fazendeiros produtores de caf e de origem portuguesa, no enfrentando grandes percalos como os vividos por Schmidt, gozando da simpatia da populao, mesmo porque os descendentes de portugueses eram considerados pela populao brasileira como nossos patrcios. O que prejudicava Schmidt tambm era sua paixo pela guerra, o que lhe proporcionou grandes dissabores. Qualquer posicionamento a favor de uma ou outra potncia econmica, ou mesmo contra a atividade poltica das partes envolvidas, despertava na populao novamente seu sentimento antigermnico, antiestrangeiro, fazendo com que, por

SANTOS, Viviane Terezinha dos. Os seguidores do Duce: os italianos fascistas no estado de So Paulo. So Paulo: Imprensa Oficial, 2001. 26 WALKER, op. cit., p. 47. 27 Hoje onde existia o palacete Innechi est construda uma agncia do banco Ita no centro da cidade. 28 WALKER, op. cit., p. 49.

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vezes, Schmidt permanecesse engessado. 29 O fato dele ter-se naturalizado brasileiro, ter vivido praticamente toda a sua vida no Brasil e ter tido seus filhos aqui no lhe tirava a origem alem e, em virtude disso, a desconfiana do povo brasileiro ficava cada vez mais aguada. Esta xenofobia um comportamento que vai se intensificar conforme a Segunda Grande Guerra vai se delineando e o Brasil alinhava-se com os Aliados contra as potncias do Eixo. Tal postura fica bem clara na coleo sobre os inventrios do DEOPS.30

Estabeleceu-se,

portanto, um posicionamento antigermnico, antiitlico e antinipnico, a averso contra as pessoas oriundas dessas regies foi geral, segundo a lgica da desconfiana 31 , todos os italianos, alemes e japoneses eram julgados de uma maneira preconcebida e considerados, indistintamente, fascistas. Neste sentido concorda Walker em sua obra quando assinala que naquele ms de outubro de 1917 a antipatia contra os alemes vinha aumentando, mesmo que o Brasil no tivesse declarado guerra a qualquer das potncias do Eixo. 32 Quando a Alemanha, em abril de 1917, afundou um navio brasileiro Schmidt posicionou-se favoravelmente ao Brasil dizendo que seus filhos por serem brasileiros deveriam lutar por seu pas e incluiu-se entre os brasileiros quando, em virtude dos conflitos, a Cmara de Vereadores quis que estes assinassem uma moo colocando suas foras a disposio do exrcito brasileiro. Mencionou apenas a assertiva de que a moo devia ser redigida de uma forma que no lhe seria prejudicial assin-la. Quando na ocasio da assinatura do mencionado documento Schmidt reiterou a afirmao de considerar-se brasileiro e quis ser o primeiro a assinar o documento que, posteriormente, foi assinado por todos os demais vereadores.

Ibid., p. 50. DEZEM, R. mdulo III, japoneses: Shind Renmei: terrorismo e represso. So Paulo: Arquivo do Estado, Imprensa Oficial, 2000; DIETRICH, A. M.; ALVES, E. B.; PERAZZO, P. F. Inventrios DEOPS: Alemanha, mdulo I; CARNEIRO, M. L. T. (Org.); STRAUSS, D. (Prefcio); ODALIA, N. (Introduo). So Paulo: Arquivo do Estado, 1997. 31 Expresso usada nos livros da coleo: Inventrios DEOPS. 32 WALKER, op. cit., p. 68.30

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Quanto ao posicionamento do Brasil em relao a Alemanha na Primeira Guerra Mundial Schmidt declara: 33Olha, respondeu ele ao ser informado sobre o que os outros pensavam: Nesse momento eu estava para dizer a meus filhos que eles so brasileiros e que devem defender o seu pas. Quanto a mim se no sou brasileiro, o que sou? Redijam a moo de forma que no me seja prejudicial assina-la.

Walker, ao mencionar o crescimento do sentimento antigermnico em Ribeiro Preto, expe o seguinte acontecimento:Dr. Gustavo Cordeiro Galvo, chefe regional de polcia, sendo informado de que o alemo Ernesto Kuhn, estabelecido em uma loja de fotografias Rua General Osrio, estava envolvido em espionagem contra o pas, realizou uma busca rigorosa em sua residncia, encontrando diversas fotografias do Rio [de Janeiro] e vrias correspondncias em lngua estrangeira. 34

Quer-se aqui esclarecer que o sentimento antigermnico que originou estes acontecimentos do mesmo talante dos que moldaram os acontecimentos antifascistas que nutriram o iderio brasileiro no perodo da Segunda Guerra Mundial, mesmo porque a Alemanha e a Itlia lutaram do mesmo lado na guerra e o sentimento contrrio aos alemes o mesmo relacionado aos italianos. Entretanto, sabe-se que aps este posicionamento prAlemanha, a Itlia rendeu-se s foras aliadas tendo, posteriormente, lutado ao lado dos aliados, liderados pelo Marechal Badglio 35 . Isso apenas prova que a populao e o exrcito italianos estavam divididos, sendo que uma parte da populao apoiava Badglio e a outra apoiava Mussolini, esta ltima era de ordem menor que a primeira.

2. 3. A poltica municipal durante o governo de Getlio Vargas

Os municpios durante o governo de Getlio Vargas no tiveram grande autonomia, foram governados de 1930 a 1945 por interventores federais. Somente em 1936 houve pleito

33 34

Ibid., p. 46. WALKER, op. cit., p.69-70. 35 Dirio da Manh de 09 de setembro de 1943.

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para o governo municipal, chamado na poca de governador do municpio, mas que, na verdade, correspondia ao cargo de prefeito. Durante todo o perodo constitucional (1934 a 1937) foram feitas vrias tentativas de dar mais autonomia para os municpios, mas o sucesso dessas iniciativas foi limitado. A administrao financeira dos municpios era feita pelo DAM (Departamento de Assistncia aos Municpios), portanto, o sistema era centralizado. Mesmo sendo o governador do municpio uma pessoa indicada pelo governo federal e, portanto sem qualquer iniciativa poltica, ainda assim havia um rgo federal responsvel pela poltica aplicada pelo mesmo aos municpios, tal era a necessidade de controle que a administrao de Getlio Vargas requeria. 36 Ao se perguntar de onde provinha o dinheiro para custear toda essa despesa no trato da administrao pblica, os novos meios de sustentao financeira do municpio vieram atravs da Constituio Federal de 1934. Os tributos que mais contriburam para a receita municipal eram o da indstria e profisses e o da construo, onde os dois somados respondiam a 35% (trinta e cinco por cento) da receita. 37 Os novos impostos criados pela Constituio de 1934 (diverso pblica, propriedade rural e territorial urbana e licenas) correspondiam a apenas 18% (dezoito por cento) da receita. A cafeicultura ainda era um importante setor a ser considerado, entretanto havia deixado de ser o principal, os grficos apresentados adiante deixaro claro que o setor de servios e a atividade de profissionais liberais atingiram propores expressivas. O caf perde importncia como produto de exportao no mercado internacional e com essa reduo seus produtores tambm sentem diminuir sua expresso poltica. Os lderes polticos locais gozavam de pouco poder de barganha com as esferas imediatamente

36 37

WALKER, op. cit., p. 81. WALKER, op. cit., p. 82.

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superiores e isso se justifica pela pouca autonomia poltica dada ao municpio, e tambm pelo fim do antigo esquema eleitoral do caf com leite. Em 1933 e 1934 a populao de Ribeiro Preto participou das eleies para as constituintes federal e estadual e em 1936 para vereadores e juiz de paz. Isso representou, mesmo que de forma tmida, uma pequena abertura na rigidez ditatorial getulista. O fato que o sufrgio tinha sido estendido a todos os maiores de dezoito anos, inclusive s mulheres, alm do fato do voto ser secreto, o que evitava a prtica to conhecida do voto de cabresto. Desta forma, os coronis no detinham mais o controle poltico do processo eleitoral, coibindo, portanto, as fraudes eleitorais. A menor participao dos coronis na poltica municipal pode ser atribuda a diversos fatores: a) Os papis polticos no eram mais definidos de forma tradicional; b) A competio entre os partidos polticos era visivelmente maior; c) A economia do municpio se diversificou, o que inviabilizou a atuao dos coronis. A participao pblica no processo poltico da cidade foi menos expressiva no perodo de 1930 a 1934 governo provisrio. Neste perodo a participao do Partido Democrtico foi muito importante. Entretanto, em dezembro de 1930 a poltica intervencionista federal foi arrochada e o interventor federal passou a indicar uma pessoa para a conduo dos destinos polticos da cidade. Assim, o processo decisrio, em termos municipais, ficou prejudicado e na verdade passou a vincular-se diretamente a esfera de poder federal. 38 A forma mais rpida de se chegar aos ouvidos do prefeito era por meio do Conselho Consultivo que tinha como funo formal aconselhar o prefeito. Esse conselho era composto por profissionais liberais, comerciantes e empresrios. Entretanto, a real participao deste rgo na cena poltica foi pequena, o que leva a concluir que a participao popular na poltica municipal era altamente elitizada.

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A atuao poltica dos partidos durante esse perodo floresceu, eram conhecidos o PRP (Partido Republicano Paulista); o PC (Partido Constitucionalista), o PD (Partido Democrtico) e a AIB (Ao Integralista Brasileira). 39 Cabe ressaltar que a performance popular no processo poltico foi mais importante durante a eleio de 1936 quando os eleitores puderam eleger seu prprio prefeito, vereadores e juzes de paz, at um curto espao de tempo em 1937 quando foi declarado o Estado Novo e o governo federal reafirma o poder ditatorial, sendo abolida qualquer tipo de participao popular. 40 Anteriormente declarao do Estado Novo as atribuies do prefeito eram diversas das atuais; era um cargo vinculado a Cmara Municipal, pois eleito indiretamente, atravs do voto dos vereadores, mas o prefeito eleito no precisava fazer parte dos quadros da Cmara, se fizesse, automaticamente perdia a cadeira e sua governabilidade estava adstrita existncia de uma maioria entre os vereadores que lhe fosse favorvel. Com o advento do Estado Novo, em 1937, as instituies partidrias desapareceram e os prefeitos passaram a lotar os cargos de acordo com o que o interventor estadual determinava. O governo provisrio foi um perodo em que a seara municipal, no que diz respeito poltica, esteve nas mos do poder estadual e principalmente federal. A elite cafeeira demonstrava-se gravemente insatisfeita com a poltica atribuda ao caf. A postura dos cafeicultores da regio dava-se no sentido de resolver a questo apenas emergencialmente com a compra e queima das sacas de caf e no estruturalmente como o problema requeria. Voltando ao cenrio poltico importante mencionar que as alas moderadas que dominavam as opinies durante o perodo. Em termos de poltica extremista, os dois partidos que se destacaram foram a AIB Ao Integralista Brasileira representando a ala direita e,38 39

WALKER, op. cit., p. 85. WALKER, op. cit., p. 85-86. 40 WALKER, op. cit., p. 86

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representando a ala esquerda, o PCB Partido Comunista Brasileiro. Ao que tudo indica a represso policial ocorria de forma mais intensa em relao ao Partido Comunista, pois este, por volta de 1935, teve todo seu material panfletrio, atravs do qual eles imaginavam sensibilizar a classe operria, confiscado pela polcia, enquanto que os Integralistas conseguiram alugar o teatro Carlos Gomes para fazer dele a sua sede, alm de organizar passeatas onde os integrantes do movimento desfilavam pelas ruas da cidade com suas camisas verdes. Isso se dava tambm pelo fato de que o Partido Comunista agia ilegalmente, no se podendo, por exemplo, assumir obrigaes em seu nome. Com as eleies municipais de maro de 1935 o Partido Constitucionalista demonstrava ter um flego maior que o Partido Republicano Paulista, mas em virtude de disputas internas no partido, perderam terreno para os republicanos sendo que o resultado no pleito foi o seguinte: o Partido Republicano Paulista obteve 51,52% (cinqenta e um vrgula cinqenta e dois por cento) contra 38,76% (trinta e oito vrgula setenta e seis por cento) do eleitorado que votou no Partido Constitucionalista e apenas 9,71% (nove vrgula setenta e um por cento) para os Integralistas. O que ocorreu foi que os republicanos no souberam aproveitar esta vantagem frente ao eleitorado e, em virtude de disputas internas do partido, perderam o vigor poltico. Com o advento do Estado Novo a discusso poltica desapareceu, a atividade partidria e a cobertura jornalstica dos fatos polticos passaram a ser rigorosamente censurada e o municpio passou a ser governado por um interventor. Este seria Fbio Barreto que praticamente governou o municpio durante todo o governo de Getlio Vargas. Sua administrao foi considerada uma das mais promissoras para Ribeiro Preto. Fbio Barreto

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conhecido como um prefeito que se preocupou com o embelezamento da cidade, remodelando praas, alm de ser conhecido como o prefeito que estruturou o sistema de esgoto local. 41 Ao final do Estado Novo a poltica de Vargas e consequentemente a do prefeito Fbio Barreto foram duramente criticadas, e ao final o presidente acenou com a vontade de retornar democracia no pas e isto trouxe alvio populao de Ribeiro Preto, os partidos polticos e suas instituies voltaram a atuar politicamente e a vida pblica municipal voltou ao normal. Com a reestruturao do sistema eleitoral, o multipartidarismo voltou a funcionar e a poltica municipal, assim como em todo o resto do pas, reiniciou o populismo inaugurado por Vargas. A poltica municipal voltou a ser considerada a mais importante e o municpio pareceu retornar ao seu antigo sistema de sustentao, este passou a ter mais autonomia e maior importncia no campo tributrio com a criao de tributos estritamente municipais. A Constituio Federal de 1946 ao mesmo tempo privilegiou o municpio com a permisso de repasse de uma srie de tributos estaduais e federais. Muitos dos governos estaduais no cumpriam o estabelecido por esta constituio, entretanto no caso de So Paulo deve-se abrir uma exceo, o rico estado privilegiou de forma marcante o municpio de Ribeiro Preto que foi vastamente beneficiado. Outro fator que ajudou a melhorar a solvncia financeira do municpio foi a eliminao dos gastos com pagamento de dvidas, simplesmente pelo fato destas terem desaparecido da forma mais normal possvel, que o pagamento das mesmas. O que mais preocupava a administrao de ento era o personalismo, os vereadores daquela poca estavam muito mais interessados em salvaguardar os interesses de seus tutelados do que cuidar da administrao pblica. Gastos com o pagamento de benefcios previdencirios tambm cresceram muito. Ribeiro Preto voltou a ter uma estrita ligao com

41

WALKER, op. cit., p. 87.

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as esferas de poder estaduais e federais, pois alm de deputados estaduais em 1958, a cidade elegeu tambm dois deputados federais. 42 As eleies passaram a ser cada vez mais seguras com a tomada de providncias no sentido de coibir a fraude eleitoral, apesar de o perodo poder ser considerado limpo quanto a fraudes eleitorais. Interessante notar que ainda uma pequena parte dos eleitores participava do pleito, em 1969 a participao foi de aproximadamente 30% (trinta por cento). Para um perodo um pouco mais recuado na histria, aproximadamente 1951, houve uma mudana significativa no que se pode dizer o sistema representativo da poltica local. O cargo de prefeito desvencilhou-se da Cmara Municipal, no sendo mais o prefeito um representante do poder dos vereadores. O prefeito passou a ser eleito diretamente pelo povo assim como juizes de paz e vereadores. Tal bipartio proporcionou uma disputa entre os poderes e o prefeito passou a fazer uso freqente do veto executivo que s poderia ser refutado por uma maioria qualificada na Cmara de Vereadores (dois teros dos votos da Cmara).

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Deputados Federais por Ribeiro Preto em 1958: Geraldo Corra de Carvalho e Waldemar B. Pessoa.

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Captulo II 3. Panorama geral do processo imigratrio brasileiro

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3.1. Os imigrantes e os motivos da imigrao

O principal motivo para que os cafeicultores da regio sudeste do Brasil investissem na substituio da mo-de-obra escrava pela assalariada europia que a ltima j no correspondia a seus interesses de produo, a necessidade de substituir os escravos indolentes e inconformados com sua situao era freqente. No incio de 1888 a possibilidade da promulgao de uma lei contrria aos interesses dos produtores de caf era mais que evidente e aquele que se adequasse ao novo modelo imposto pelas potncias capitalistas ocidentais teria maiores condies de reagir frente s adversidades. nesse sentido que no incio da dcada de trinta o governo promulga uma lei regulamentando o trfego de pessoas entre o Brasil e os demais pases que faziam parte de seu grupo de relacionamentos. Desta forma, estabeleceu-se atravs da chamada Lei de Cotas que o limite anual de chegada de uma dada etnia em portos brasileiros deveria equivaler a 2% (dois por cento) do total daquela etnia que teria aportado nos ltimos cinqenta anos. Estes parmetros no eram aplicveis ao setor primrio, ou seja, no que se refere aos agricultores e extrativistas a entrada de pessoas no Brasil era liberada no sendo necessrio utilizao de dois teros da mo-de-obra nacional. A questo do preconceito quanto cor e raa fica evidente em alguns pontos da legislao de forma que aparece de forma flagrante a discriminao com relao aos africanos que eram tidos como mo-de-obra desqualificada e imprpria para ser utilizada nos campos brasileiros. Com relao mo-de-obra asitica o ndice a ser aplicado era de 5 % (cinco por cento) do permitido para outras etnias, como a europia, que era bem quista entre ns por estar mais habituada ao trabalho assalariado. Uma outra justificativa para o preconceito evidente que a populao brasileira necessitava ser clareada 43 e, portanto, os italianos e43

SCHWARCZ, L. M. Uma histria de diferenas e desigualdades: As doutrinas raciais do sculo XIX. In: ______. O espetculo das raas: cientistas, instituies e questo racial no Brasil (1870-1930). So Paulo: Cia.das Letras, 1997.

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demais representantes de outras raas europias eram desejadas por todos. Havia tambm certo receio da imigrao japonesa, em virtude disso a raa japonesa tinha sua circulao mais limitada que outras etnias. Outra restrio que havia em relao etnia italiana que a menor presena em uma dada regio do nmero estimado de italianos no justificaria a substituio por outras. 44 Sabe-se que j foi muito aventado o governo de Getlio Vargas neste trabalho, mas, entende-se ser necessrio chamar a ateno dos leitores para alguns fatos que so de suma importncia para o entendimento do assunto que est sendo aqui tratado. Para a correta compreenso de como se desenvolveu o cerceamento liberdade e ao posicionamento poltico dos italianos em Ribeiro Preto. Recuando um pouco mais na histria do Brasil observa-se que em um parmetro nacional o pas constitua-se de uma monarquia que lutava arduamente para defender os interesses de uma elite agrria dominante e que, em hiptese alguma abdicaria de seus interesses tomando suas decises visando proteg-los, sempre. Cabe lembrar que um pouco mais adiante essa mesma elite agrria ser o piv de uma crise poltica que ir convulsionar o governo em virtude de sua postura frente questo da escravatura e, por via de conseqncia, o problema de mo-de-obra da gerado. O fato que D. Pedro II j no tinha mais o controle da situao 45 e buscava, na verdade, envolver-se o menos possvel com as questes que verdadeiramente faziam parte de seu governo, tal a crise poltica que havia nele se instalado. Assim, dada falta de representatividade do governo, considerando seus articuladores que lhe davam sustentao, o mesmo ruiu pelos motivos j mencionados. 46

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GERALDO, E. A ameaa vem do Oriente: imigrao na Constituinte de 1933/34. Campinas: IFHCUNICAMP, 2005. Acesso: 15/12/2005. 45 COSTA, E. V. Da monarquia Repblica: momentos decisivos. So Paulo: UNESP, 1999. 46 OLIVEIRA. C. H. S. A independncia e a construo do Imprio 1750-1824. So Paulo: Atual, 1995.

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Com a entrada em vigor da Lei urea, o governo deu o ltimo golpe que restava para desestruturar completamente as bases que possua, derrubou o ltimo pilar que o sustentava no poder, visto que, com esta deciso, a elite agrria deixou de apoi-lo. Deve-se deixar claro que esta no foi a nica razo que afligia a monarquia na poca, houve outras, mas, a nica que interessa para o desenvolvimento do tema esta. Com o problema da falta de mo-de-obra para movimentar a cafeicultura, a classe produtora do caf, principal produto de exportao brasileiro, no teve alternativa ao trabalho escravo 47 que no fosse a de contratar o trabalho de imigrantes europeus para substituir a mo-de-obra escrava. A situao para os ex-escravos ficou muito difcil, isso porque pouco antes da abolio as revoltas eram muito freqentes, de forma que os donos de terras passaram a temer a contratao de antigos escravos, com medo de novas revoltas. Com isso, para poder sobreviver os ex-escravos vendiam sua fora de trabalho por qualquer preo, por dois motivos: o primeiro o fato j mencionado e o segundo porque o exrcito de reserva crescia a cada ano. 48 Dados demogrficos expressivos mostram que no ano de 1874 Ribeiro Preto tinha, aproximadamente, 5.552 habitantes, sendo que desses 11,9% eram escravos; em 1887, um ano antes da abolio, essa porcentagem havia se alterado para 13,2 %. Percebe-se ento que a regio de Ribeiro Preto contrariava o que ocorria em todas as outras regies do estado, nelas o nmero da populao escrava diminua enquanto que em Ribeiro esta populao aumentava. A propaganda feita na Europa pelas companhias de navegao da suposta melhor condio de vida dos imigrantes no Brasil, nutrindo a iluso de muitos que, aps concluir seu contrato de trabalho com as empresas agrcolas contratantes, acreditavam na chance de

COSTA, E. V. Da escravido ao trabalho livre. In: ______. Da monarquia Repblica: momentos decisivos. So Paulo: UNESP, 1999. 48 PINTO, L. S. G. Evoluo das atividades urbanas no municpio de Ribeiro Preto. In: Ribeiro Preto: a dinmica da economia cafeeira de 1870 a 1930. Dissertao de mestrado. Araraquara: UNESP, 2000.

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adquirir, com suas prprias economias, uma poro de terra suficiente para dar sustento a sua famlia. 49 Muitos italianos, vendo melhores condies de vida e paz na Amrica, migraram para o Brasil, fugindo das lutas fratricidas que assolaram a Itlia durante seu processo de unificao. Aps o perodo referido soma-se o momento de guerra em que mergulhou toda a Europa, de 1914 a 1918, dificultando ainda mais as condies no campo. A expanso da cafeicultura requeria milhares de braos para os cafezais brasileiros, dando os cafeicultores preferncia mo-de-obra familiar, preterindo a fora negra de trabalho recentemente dispensada das lavouras. Alm de se preferir a mo-de-obra imigrante e familiar, preferiam-se os braos italianos porque eles migravam em grupos familiares numerosos, quanto maior o nmero de pessoas em uma famlia melhor, porque a lavoura, dividida em alqueires, era entregue a uma famlia que ficava responsvel por ela. Afora essas questes um outro motivo pode ser relacionado entre aqueles que diziam respeito ao crescimento abrupto da populao no s de Ribeiro Preto, mas tambm em toda a regio a chegada naquela dcada de um brao da companhia ferroviria da Mogiana que interligava todas as cidades do nordeste paulista e tambm a Campinas e Santos. A imigrao subvencionada tambm era outro motivo para a imigrao, sobretudo a italiana, onde os pobres agricultores tinham suas despesas pagas, primeiramente, pelo governo federal brasileiro, posteriormente, pelo governo do Estado de So Paulo; e, por ltimo, as despesas eram pagas pelo cafeicultor que receberia estes italianos no Brasil. Sem essa alternativa a maioria dos imigrantes no teria condies sequer de custear sua viagem. 50 Muitos, devido a este incentivo, deixavam a relativa comodidade de suas terras para ento decidir imigrar para o Brasil, sempre sonhando com dias melhores. A subveno

49 50

SEYFERTH apud TUON, p. 31. HAHNER, J. E. Pobreza e poltica 1870-1920. Braslia: Universidade Federal de Braslia, 1993.

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oferecida pelo governo do Brasil e, algumas vezes, pelo prprio cafeicultor, apesar de ser esta ltima menos freqente, era de crucial importncia para os imigrantes porque, como j se disse alhures, muito dos imigrantes no tinham dinheiro at mesmo para a passagem, quanto mais para os custos normais de uma viagem intercontinental; por esse motivo, os imigrantes, sobretudo os italianos, desembarcavam no Brasil, eram transferidos para uma hospedaria na cidade de Santos e, de l, eram redirecionados para as cidades onde passariam a viver. O estmulo proporcionado pelo governo brasileiro tambm foi importante para que houvesse uma atrao ainda maior de imigrantes, visto que poca alguns destinos eram mais interessantes que o Brasil em termos de panorama econmico, como aos Estados Unidos e a Argentina, 51 entretanto, isso, a imigrao subvencionada que pode ser chamada de regalia foi praticada aps o corte das verbas do governo apenas por algum tempo pelos cafeicultores, dado o vulto dos gastos com o transporte e manuteno desses imigrantes. Algum tempo depois a imigrao para o Brasil reduziu-se de forma bastante pronunciada, no chegando mais ao que se dava anteriormente. Em parmetros nacionais o grupo mais importante foi o portugus, seguido do italiano, sendo que para o caso de Ribeiro Preto este ltimo mais importante que o primeiro. Para ilustrar trazem-se os seguintes dados extrados do texto de Marcondes: 52Em 1886, o censo apontou a existncia de 761 estrangeiros em Ribeiro Preto. Eram italianos, portugueses, alemes, austracos, espanhis e africanos. Conforme o grfico 2, vemos que os austracos (352) eram maioria, seguidos pelos italianos (158) e portugueses (140). Em menor nmero encontravam-se alemes (45), africanos (34), franceses (10), espanhis (8), ingleses (6), alm de alguns indivduos de outras nacionalidades (8).

Como se pode verificar a colnia italiana no era, inicialmente, a mais importante; os estrangeiros mais numerosos eram os austracos, seguidos, posteriormente, pelos italianos e a

CINTRA, R. A. Italianos em Ribeiro Preto: vinda e vida de imigrante (1890-1900). Dissertao de mestrado, Franca: UNESP, 2001. 52 LOPES, L. S. A formao do municpio de Ribeiro Preto e o surgimento do comrcio e da indstria. In: MARCONDES, R. L. et al. Um espelho de cem anos (1904-2004). Ribeiro Preto, SP: Grfica So Francisco, 2004. p. 167-177.

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colnia portuguesa que no restante do pas era a maior, em Ribeiro Preto era a terceira mais importante. com o avanar do processo imigratrio que a populao italiana foi se tornando a mais importante, pois esta chegava ao Brasil em maior nmero que outras nacionalidades. 53 BASSANEZI, citado por LOPES, 54 traz uma tabela que exprime inclusive a porcentagem de estrangeiros existentes em Ribeiro Preto: Tabela 1 Estrangeiros em Ribeiro Preto (1920) Pases de origem Nmero de imigrantes Porcentagem Itlia 10.907 50,15 Espanha 5.407 24,96 Portugal 2.706 12,44 Japo 1.232 5,66 ustria 464 2,13 Argentina 296 1,36 Alemanha 261 1,20 Turquia Asitica 234 1,08 Outros pases europeus 84 0,39 Frana 61 0,28 Estados Unidos 27 0,12 Pases diversos ou indeterminados 19 0,09 Rssia 16 0,07 Outros pases americanos 16 0,07 Inglaterra 9 0,04 Polnia 9 0,04 Total 21.748 100,00 Fonte: BASSANEZI, M. S. C. (Org.) So Paulo do passado. Campinas: NEPO-UNICAMP, 1998.

A expanso da lavoura de caf no Estado de So Paulo que levou o mesmo a se tornar a principal rea industrial da Amrica Latina, a riqueza disponibilizada pela cafeicultura logrou financiar o desenvolvimento de uma dinmica burguesia industrial. Com certeza foi a expanso das lavouras de caf que levou rica mistura tnica existente nas terras de Ribeiro Preto, deve-se lembrar tambm que devido imigrao familiar levada a efeito

GARCIA, M. A. M. Trabalho e resistncia: os trabalhadores rurais na regio de Ribeiro Preto. 1993. 174 f. Dissertao de Mestrado em Histria, Franca: UNESP, 1993. 54 BASSANEZI apud LOPES, p. 170.

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pelos italianos onde a famlia inteira imigrava para a Amrica, esta particularidade era estimulada pelos cafeicultores que entregavam a manuteno de certo nmero de ps de caf para cada famlia, logo quanto maior o nmero de pessoas que constitussem a famlia mais mos para cuidar da lavoura e, portanto o rendimento era maior. Os espanhis eram a segunda colnia mais importante e eram preteridos em relao aos italianos porque costumavam imigrar individualmente e por isso tornavam-se desinteressantes aos agricultores locais. Estatsticas que se referem populao ribeiro-pretana revelam que no ano de 1890 a cidade tinha 12.033 habitantes, sendo que este nmero ao fim do sculo chegou a 59.195 habitantes, ou seja, quintuplicou. Assim, Ribeiro Preto tornava-se uma das maiores cidades do nordeste paulista. No ano de 1920 a cidade contava com aproximadamente setenta mil pessoas, a recesso da economia naquela dcada fez com que o crescimento populacional casse abruptamente, sendo que ao final de dez anos o nmero de pessoas fosse apenas 29% (vinte e nove por cento) maior que o registrado no ano de 1902. A populao da cidade de Ribeiro Preto em 1902 tambm foi tema abordado por Maria Anglica Momenso Gracia: 55 Tabela 2 Populao da cidade de Ribeiro Preto em 1902: Nacionais 19.711 Imigrantes 33.199 Total 52.910

Como se pode verificar, naquele ano a populao total de Ribeiro Preto era de 52.910 (cinqenta e duas mil novecentos e dez pessoas), deste montante 33.199 (trinta e trs mil cento e noventa e nove pessoas) eram imigrantes e ainda desta porcentagem 27.765 (vinte e sete mil setecentos e senta e cinco pessoas) eram italianas, portanto a maioria esmagadora da populao.

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Tabela 3 Populao da cidade de Ribeiro Preto no ano de 1920: Nacionais Homens 23.641 Mulheres 23.447 Imigrantes Homens 11.833 Mulheres 9.915 68.836 Total

Na data de 1890, em virtude da chegada intensa de imigrantes no Estado de So Paulo a populao quase veio a dobrar, passando de 1.351.459 para 2.279.608. Portanto, durante este perodo vieram para o estado, aproximadamente, 690.000 imigrantes de acordo com os dados apresentados por Cintra. 56 As informaes apresentadas por Lopes 57 e Garcia 58 praticamente coincidem sendo que a primeira fornece para a populao de Ribeiro Preto um total de 68.838 (sessenta e oito mil oitocentos e trinta e oito pessoas) e a segunda uma populao total de 68.836 (sessenta e oito mil oitocentos e trinta e seis pessoas) divergindo assim em apenas duas pessoas. A imigrao italiana em Ribeiro Preto foi a mais importante, podendo-se dizer inclusive que no incio do sculo passado falava-se em Ribeiro Preto, alm do portugus o italiano tambm. As duas tabelas seguintes, extradas de Walker 59 evidenciam de forma clara a participao dos estrangeiros na economia da cidade. Tabela 4 Imigrantes no Estado de So Paulo por Nacionalidade, 1870 1952 Perodo 1870 1879 1880 188955 56

Total 11.330 100 183.505

Italianos 3.411 30,11 144.654

Espanhis 300 2,65 5.538

GARCIA, M. A. M, op. cit., 143. CINTRA, op. cit., p. 40. 57 LOPES, op. cit., p. 168. 58 GARCIA, op. cit., 143. 59 WALKER, op. cit., p. 24 e 46.

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1890 1899 1900 1909 1910 1919 1920 1929 1930 1939 1940 1949 1950 1952 Total

100 734.985 100 364.834 100 446.582 100 487.253 100 198.122 100 53.992 100 113.049 100 2.593.652 100,00

78,83 430.243 58,54 174.634 47,87 105.834 23,70 74.778 15,35 12.429 6,27 9.519 17,63 28.535 25,24 984.037 37,94

3,02 86.994 11,84 88.524 24,26 135.326 30,30 63.814 13,10 6.584 3,32 1.317 2,44 18.051 15,87 406.448 15,67

O que se pode verificar que a participao dos italianos no processo de imigrao foi, com exceo do intervalo entre 1910 e 1919, maior que das outras etnias, apenas nesse intervalo os espanhis ultrapassam o nmero de italianos. A maior participao dos espanhis no processo de imigrao brasileira foi de 30,30% (trinta vrgula trinta por cento), justamente no sobredito intervalo; aps este momento a maior participao dos espanhis na composio imigracional brasileira foi de 15,87% (quinze vrgula oitenta e sete por cento), no perodo de 1950-1952, a etnia espanhola , em termos de Brasil a terceira mais importante perdendo apenas para a portuguesa e a italiana. 60 Tabela 5 A Populao do Municpio de Ribeiro Preto por NacionalidadeTotal Brasileiros Natos Estrangeiros Natos Estrangeiros Natos, por pais de origemItlia Espanha Portugal Japo Oriente Mdio Outras Loc.alidades

1912 58.220 33.862 100,00 58,16

24.358 41,83 (100,00)

14.561 2.558 4.913 25,01 4,39 8,43 (59,77) (10,50) (20,16)

481 0,82 (1,97)

1.845 3,16 (7,57)

60

REIS, M. A. A construo do eldorado: a presena espanhola em Ribeiro Preto In: O eldorado dos imigrantes. 2002. 125 f. Dissertao de mestrado em histria, So Paulo: UNESP, 2002.

34

1920 68.838 47.089 100,00 68,40 1940 79.783 70.681 100,00 88,63 1950 92.160 86.035 100,00 93,35

21.748 31,59 (100,00) 9.066 11,36 (100,00) 6.125 6,64 100,00

10.907 15,84 (50,15) 4.408 5,52 (48,62)Dados no

5.407 7,85 (24,86) 1.574 1,97 (17,36)Dados no

2.706 3,93 (12,44) 1.440 1,80 (15,88)Dados no

1.232 1,78 (5,66) 442 0,55 (4,87)Dados no

234 0,33 (1,07)

1.262 1,83 (5,80) 1.202 1,50 (13,25)Dados no

Dados no

disponveis disponveis disponveis disponveis disponveis disponveis

A tabela de n. 5 apresenta dados bastante interessantes, ela esclarece que at o perodo de 1912 a participao italiana na composio tnica de Ribeiro Preto, era de longe a mais importante, correspondendo a 25,01% (vinte e cinco vrgula um por cento) do total da populao da cidade e 59,77% (cinqenta e nove vrgula setenta e sete por cento) da populao estrangeira, at 1920 a participao italiana na formao da populao da cidade ainda alta atingindo o percentual de 15,84% (quinze vrgula oitenta e quatro por cento da populao) j a participao espanhola em relao populao estrangeira era de aproximadamente dez por cento, chegando em 1920 a 7,85% (sete vrgula oitenta e cinco por cento). Os dados referentes imigrao japonesa s surgem em 1920 e representam quase seis por cento da populao total, enquanto que a participao de etnias vindas do oriente mdio soma pouco mais de 1% (um por cento). O estado de So Paulo desenvolveu-se juntamente com os imigrantes de uma maneira diferente, ao contrrio do que ocorreu com a imigrao no sul, onde as colnias estrangeiras estruturaram-se de forma homogenia, as nacionalidades imigrantes eram mltiplas 61 . Foi quando D. Joo VI permitiu a entrada de imigrantes no Brasil, possibilitando a eles a conquista de um pedao de terra, que as colnias de imigrantes comearam a crescer 62 . A possibilidade de conseguir trabalhar a terra que seria sua foi o grande diferencial da imigrao

61 62

SEYFERTH apud TUON, op. cit., 27. PINTO, op. cit., p. 169-193.

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brasileira. Os imigrantes sonhavam em trabalhar no campo durante algum tempo e, quando possvel, adquirir uma gleba de terra para poder sustentar a famlia. Os imigrantes que se direcionaram para So Paulo vinham de toda parte da Itlia. poca da imigrao para o Brasil no havia ainda entre os italianos um sentimento de patriotismo, eles se identificavam muito mais com a regio da Itlia a qual pertenciam do que propriamente com a Itlia. Somente com o tempo que eles foram se identificando com a nacionalidade italiana. 63 As condies econmicas que eles encontraram aqui no foram das melhores, muitas vezes as casas que eles ocupavam eram piores do que as que eles habitavam na Europa e isso lhes causava grande indignao. Eles dominavam a tcnica da alvenaria e, muitas vezes, no podiam utiliz-la para a construo de suas habitaes porque lhes eram proporcionados apenas casas de madeira. 64 A realidade que muitos dos imigrantes vinham para o Brasil iludidos com os sonhos de poder conquistar uma pequena gleba de terras e tambm, com isso, dar vida digna aos seus familiares. Muitos deles acabaram percebendo que sua situao era extremamente desfavorvel e que a grande maioria, salvo algumas raras excees, teria que continuar trabalhando nas terras de outrem, as promessas das companhias de navegao jamais se concretizariam. Na dissertao de Tuon 65 fica claramente expressa a situao de completa imobilidade social a que a maioria dos italianos estava submetida. Em So Paulo as pequenas propriedades foram se formando, crescendo juntamente com os latifndios.

3.2. A economia cafeeira e o desenvolvimento de Ribeiro Preto63 64

ALVIM apud TUON, L. op. cit. cap. 1, p. 23-46. ALVIM apud TUON, L. op. cit. cap. 1, p.39.

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atravs da economia cafeeira que Ribeiro Preto, anteriormente queda da bolsa de Nova Iorque, atinge seu perodo de maior pujana econmica. A tabela de n. 6 apresenta dados bem esclarecedores, o mais interessante que pode ser observado atravs desta tabela que nos anos 20 metade da populao estrangeira de Ribeiro Preto era de italianos, nesta poca a populao espanhola, que em geral representa a terceira colocao, neste momento apresenta-se em segundo lugar. O grfico apresentado por Lopes 66 mostra o peculiar desenvolvimento populacional da cidade de Ribeiro Preto. Do ano de 1874 a 1886, portanto em um intervalo de apenas doze

Evoluo da Populao de Ribeiro Preto (1874-1920)68838 80000 59125 53464 60000 40000 20000 5552 10420 12033 0 1874 1886 1890 1900 1902 1920

Populao de Ribeiro Preto

anos a populao da cidade praticamente dobrou, manteve-se relativamente estvel at 1890, com um crescimento basicamente vegetativo, desse ltimo momento at os dez anos seguintes que a populao ribeiro-pretana explode de 12.033 (doze mil e trinta e trs) habitantes para 59.195 (cinqenta e nove mil cento e noventa e cinco) em 1900. Tal exploso deu-se logicamente em virtude do processo imigratrio europeu para a Amrica quando aportaram no Brasil milhares de europeus de diversas nacionalidades, mas principalmente italianos. Curiosamente de 1900 a 1902 houve uma pequena regresso populacional, sendo que a populao de Ribeiro Preto caiu de 59.195 (cinqenta e nove mil cento e noventa e65

TUON, L. I. Caf e Ferrovia, fazendeiros e imigrantes In: ______ O cotidiano cultural em Ribeiro Preto (1880-1920). Franca: UNESP, 1997.cap. 1, p. 23-46.

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cinco) pessoas para 53.464 (cinqenta e trs mil quatrocentos e sessenta e quatro) pessoas, no se sabe ao certo qual foi o motivo dessa diminuio populacional, uma hiptese que se pode imaginar das pessoas dirigirem-se para outras cidades da regio. Tabela 6 Estrangeiros em Ribeiro Preto (1920) Pases de origem: Nmero de imigrantes: Itlia 10.907 Espanha 5.407 Portugal 2.706 Japo 1.232 ustria 464 Argentina 296 Alemanha 261 Turquia Asitica 234 Outros pases europeus 84 Frana 61 Estados Unidos 27 Pases diversos ou indeterminados 19 Rssia 16 Outros pases americanos 16 Inglaterra 9 Polnia 9 Total 21.748 BASSANEZI apud LOPES, 2004.

Porcentagem: 50,15 24,96 12,44 5,66 2,13 1,36 1,20 1,08 0,39 0,28 0,12 0,09 0,07 0,07 0,04 0,04 100,00

Por meio da monocultura do caf, a cidade criou estrutura para receber uma srie de pessoas que, conforme suas especializaes, poderiam atuar nas mais diversas reas da economia na regio. De acordo com Reis 67 a cafeicultura foi o motivo primordial para o desenvolvimento do capitalismo no chamado Novo Oeste Paulista. A economia de Ribeiro Preto diversificou-se, sendo inmeras as atividades praticadas pelos imigrantes no comrcio, servios e indstria. bem verdade que a maioria dos imigrantes que se fixaram na cidade, sendo agricultores, desenvolveu suas aptides nesta regio, ou ento, por dificuldade de encontrar uma ocupao na rea em que laboravam,

Fonte: Para os anos de 1874, 1886, 1890, 1920: BASSANEZI, 1998. Para o ano de 1900: CAMARGO, 1981, vol. 2, p. 21. Para o ano de 1902: RELATRIO, 1902 apud LOPES, 2004. 67 REIS, op. cit., p. 19.

66

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acabaram direcionando-se para a agricultura. Mas os imigrantes foram importantes para estabelecer outras atividades em Ribeiro Preto. Tabela 7 Atividades da populao de Ribeiro Preto Especificaes da atividade

Profissionais Liberais

Religiosos Parteiros Professores e homens de letras Artistas Profissionais Industriais Manufatureiros e fabricantes e comerciais Comerciantes, guarda-livros caixeiros Costureiras 176 Profisses em metais 4 Manufatureiras em madeiras 17 Ou mecnicas Operrios em tecidos 11 Profisses agrcolas/Lavradores Em edificaes 2.627 Pessoas assalariadas/Criados e jornaleiros 98 Capitalistas e proprietrios 9 Servios domsticos 350 Sem profisso 2.165 Total 5.552 Fonte: BASSANEZI apud LOPES

Nmero de Pessoas empreg adas 1 1 3 29 26 e 20

A tabela apresenta uma concentrao incomum de artistas para a poca que na ocasio era de 29 (vinte e nove) pessoas, o que quer dizer que havia mercado para o entretenimento na cidade, no mesmo perodo havia apenas um religioso e um parteiro. Outro dado interessante que o nmero de comerciantes e de industriais era bem semelhante, sendo de 26 fabricantes 20 comerciantes. A participao de costureiras no campo das manufaturas era de relativa importncia. Os agricultores eram a maioria absoluta, demonstrando que ainda a economia ribeiro-pretana era basicamente agrcola. O trabalho domstico era a segunda ocupao mais importante. J naquela poca o nmero de pessoas sem qualificao profissional era elevado. A existncia de trabalhadores assalariados era relativamente pequena, demonstrando que por

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certo a remunerao do trabalho era feita de outra forma qualquer, a concentrao de renda j se demonstra elevada, pois o nmero de proprietrios era de apenas 9 (nove). Os dados trazidos por Cintra, na tabela de nmero 8, tambm so elucidativos, referem-se s atividades desenvolvidas pelos imigrantes italianos em Ribeiro Preto: 68 Tabela n. 8 Italianos e atividades Ribeiro Preto - 1913 Atividade Nomes de proprietrios Em nome de italianos Aougues 6 3 Armazns de secos e molhados 65 46 Botequins 14 9 Casas de bicicletas 2 2 Casas de mveis 1 1 Restaurantes 10 4 Padarias 9 6 Confeitarias 6 4 Chapelarias 1 1 Casas de brinquedos 1 1 Farmcias 12 2 Refinaes de acar 4 3 Tipografias 9 1 Fabricas de massas 3 3 Fbricas de carroas 3 2 Fbricas de sabo 3 3 Fbricas de cadeiras 2 2 Total 151 93 Fonte: CINTRA apud Almanach Ilustrado de Ribeiro Preto. Ribeiro Preto: S, Manaia e Cia, 1913. p. 41-47. p. 177.

Atravs dessa tabela infere-se que imigrantes italianos acomodaram-se rapidamente em algum tipo de atividade comercial, ou mesmo manufatureiras, geralmente as funes por eles desenvolvidas na Itlia eram desempenhadas aqui tambm no Brasil, alguns postos os imigrantes italianos chegam a dominar como os de proprietrios de armazns de secos e molhados, botequins, casas de bicicletas e de mveis. Atravs desta tabela d para se concluir que os imigrantes italianos se dedicavam aos mais diversos afazeres.

68

CINTRA, op. cit., p. 177.

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A legislao brasileira que tratava da imigrao e inclusive permitia a compra de propriedades no Brasil por estrangeiros, notadamente no sul do pas, pode ser encontrada na dissertao de mestrado de CINTRA. 69 A obra de BASSANEZI 70 tambm traz dados importantes sobre a composio da populao estrangeira de Ribeiro Preto. A tabela de n. 9 mostra o volume do movimento imigratrio em fins do sculo XIX, at o ano de promulgao da Lei urea o nmero de imigrantes que chegaram aos portos brasileiros era de 166.541 (cento e sessenta e seis mil quinhentos e quarenta e uma pessoas). Esta quantidade bastante expressiva d a real dimenso do poder econmico que a elite proprietria paulista atingiu, investindo pesado na defesa de seus interesses.

Evoluo das atividades urbanas em Ribeiro Preto 1890-191480 60 40 20 0 1890 1904 191454,71 37,35 7,94 59,48 47,14 45,23 34,39 6,13 7,63

Comrcio Indstria Prof. Lib. e prest. de servios

O grfico apresentado por PINTO 71 bastante elucidativo para caracterizar um dado que peculiar da cidade de Ribeiro Preto, sua aptido para o comrcio, mais do que para a indstria. O grfico demonstra claramente a aptido do municpio, j em princpios do sculo passado para o desenvolvimento de um comrcio forte e uma tendncia crescente para o setor de prestao de servios e profissionais liberais, sinalizando j para aquela poca que Ribeiro Preto surgia como centro de um plo regional em plena expanso para as reas citadas. O69 70

CINTRA, op. cit., p. 34. SCOTT, C. et al. Associao Comercial e Industrial de Ribeiro Preto: Um espelho de 100 anos (19042004). Ribeiro Preto, SP: Grfica So Francisco, 2004.

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grfico est expresso em porcentagem de forma que em 1890 54,71% (cinqenta e quatro vrgula setenta e um por cento) dos estabelecimentos existentes na cidade eram classificados como comerciais, exatos 186 (cento e oitenta e seis estabelecimentos); 127 (cento e vinte e sete) eram profissionais liberais ou prestadores de servios e apenas 27 (vinte e sete) eram indstrias o que denota a reduzida importncia desse ramo para a economia municipal. Em 1904 de um total de 538 (quinhentos e trinta e oito) instalaes 59,48% (cinqenta e nove vrgula quarenta e oito por cento) eram casas comerciais, portanto 320 (trezentos e vinte) estabelecimentos; 34,39% (trinta e quatro vrgula trinta e nove por cento) eram profissionais liberais ou prestadores de servios, ou seja, 185 (cento e oitenta e cinco) instalaes; a indstria que em 1890 participava com 7,94% (sete vrgula noventa e quatro por cento) das atividades, em 1904 sofre ligeira regresso quanto ao panorama geral passando a representar apenas 6,13% (seis vrgula treze por cento) compondo assim 33 (trinta e trs) instalaes industriais. Em 1914 a participao do comrcio no resultado final diminui um pouco, esta faixa do mercado passa a responder por 47, 14% (quarenta e sete vrgula quatorze por cento) do montante final, os profissionais liberais e os prestadores de servios ficam com 45,23% (quarenta e cinco vrgula vinte e trs por cento) do total e finalmente, o setor industrial com apenas 7,63% (sete vrgula sessenta e trs por cento) Uma constatao importante que se ver de maneira mais minudente no captulo trs que, at agora, o elemento italiano representante de sua cultura e politicamente organizado no aparece influindo politicamente na sociedade daquela poca, tem-se notcia apenas de sua participao espordica em alguns movimentos grevistas nas fazendas da regio, mas so movimentos que apenas reivindicam melhores condies de trabalho e salrios. O que se pretende deixar claro que o homem italiano no aparece politicamente organizado e adstrito71TP

PINTO, op. cit., p.162 e 165.

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a uma dada faco segregada no Brasil; os imigrantes misturaram-se ao elemento nacional e s diversas etnias que fizeram parte do processo migratrio do pas e as demais partes do hemisfrio sul. O que ocorre que ao contrrio dos imigrantes italianos sediados na capital que se uniram no s em associaes tipicamente culturais que visavam fomentar as tradies italianas e acabavam agregando-se e organizando os italianos no Brasil em torno do fascio de So Paulo, os imigrantes que vieram para o interior, quando unidos, apresentavam-se em associaes tipicamente culturais onde o objetivo dos associados era basicamente cultuar o saudosismo da to querida Itlia sem qualquer inteno poltica, diversamente da pretenso de seus patrcios da capital que por trs do fascio fomentavam ideais de expansionismo do expansionismo italiano. Por meio deste captulo visou-se apresentar um panorama geral da economia e sociedade ribeiro-pretana, mostrando a importncia do movimento migratrio para formar o amalgama que caracterizou a cidade e qual o papel dos imigrantes italianos no processo de formao da cidade. Os aspectos culturais e polticos a que poderiam estar ligados os italianos so apenas e to somente uma face de um prisma que na verdade multifacetado. O objetivo do captulo III demonstrar o registro nos artigos de jornais da poca da passagem destas pessoas pela vida ribeiro-pretana e tambm paulista. Quer-se tambm apresentar o racismo e a xenofobia existente na poca quando, na Europa, a guerra devastava a maior parte do continente e aqui muitos italianos que nunca tiveram qualquer envolvimento com o movimento fascista italiano tiveram de assumir posturas contrrias a sua ndole, mesmo porque no valeria a pena discutir a questo com os brasileiros, pois estes no se convenceriam nunca que aquelas pessoas jamais teriam tido qualquer tipo de envolvimento com tais posturas ideolgicas. A todos os italianos eram dados os rtulos de fascistas e usurpadores da paz.

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Captulo III 4. O fascismo e aos imigrantes italianos na Era Vargas em Ribeiro Preto

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4.1. O historiador e sua fonte Este captulo tratar especificamente do movimento fascista e da populao imigrante italiana em Ribeiro Preto durante a Segunda Guerra Mundial, devendo-se ter em mente sempre a seguinte pergunta: teria os imigrantes italianos sofrido algum tipo de discriminao tnica em Ribeiro Preto da forma como os mesmos sofreram na capital do estado? Se a resposta a essa pergunta for afirmativa, deve-se perguntar ainda: que tipo de restrio teria ocorrido a esses italianos? Era tal procedimento praticado de forma institucional como o fora na capital? no decorrer do captulo que se ir respondendo gradualmente a essas perguntas. Muitas pessoas acreditam que as atividades repressivas do Estado brasileiro ganharam fora com a ditadura militar em 1964, entretanto, os rgos de represso poltica foram criados bem anteriormente. O DEOPS (Departamento de Ordem Poltica e Social) foi criado mais precisamente em 1945, com o Decreto-lei n. 14.854, vinculado Quinta Diviso Policial e constitudo de cinco delegacias, a saber: Delegacia de Ordem Poltica, Delegacia de Ordem Social, Delegacia de Ordem Econmica, Delegacia de Estrangeiros e Explosivos e finalmente, Delegacia de Armas e Munies. A chamada redemocratizao no afetou o DEOPS, no sentido de impor restries sua forma de atuar. A polcia poltica entrou nessa nova fase da vida nacional, o Estado-Novo, com os seus poderes reforados e mais organizada. no perodo de 1964 a 1985 que o rgo intensificou suas atividades repressivas. 72 Deve-se deixar claro tambm que no foi somente o elemento estrangeiro que foi reprimido pelo regime, mas toda repartio pblica estatal ou entidade civil que se contrapusesse ao sistema era passvel de sofrer represlias, compondo as mais diversas formas

POMAR, P. E. R. A democracia intolerante: Dutra, Adhemar e a represso ao partido comunista (19461950). So Paulo: Arquivo do Estado, 2002. p. 41.

72

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de coao. Assim foi o que ocorreu com os comunistas durante o governo de Getlio Vargas, registrados que foram essas circunstncias na obra de ROSA. 73 As lutas defraudadas pelos representantes do partido comunista poca eram lutas extremamente legtimas, s quais foram, em muitos casos, incorporados os atuais direitos da grande massa trabalhadora como frias remuneradas e jornada de trabalho de oito horas. Os representantes comunistas continuaram sua luta, durante o vasto perodo em que o PCB permaneceu na ilegalidade, filiando-se a diversos outros partidos aos quais afinavam seus perfis s buscas partidrias. Nestas ocasies estes indivduos sofriam perseguio do aparelho estatal, o mesmo que defendia os interesses dos latifundirios e industriais da poca que estavam sempre em conflito com os interesses da classe trabalhadora. O DEOPS tornouse o rgo por excelncia onde esses indivduos sofriam perseguies muitas vezes arbitrrias sem qualquer supedneo legal. A opinio pblica em tempos de Segunda Guerra Mundial foi literalmente tolhida. O Dirio da Manh de uma forma geral tentava atrair a ateno das pessoas atravs de uma srie de expedientes. Conforme bem escreve Capelato 74 em uma de suas obras, os jornais assim procediam:A caricatura, que tem um poder de comunicao direta, portanto de fcil compreenso e penetrao nas massas, foi revalorizada, anos mais tarde pela ltima Hora. Criado por Samuel Wainer com o objetivo especfico de ampliar as bases de apoio ao do presidente Vargas, esse jornal valeu-se de expedientes de seduo do pblico j conhecido (caricatura, folhetim, etc.) mas inovou na apresentao da mensagem. Introduziu, em todo o jornal, uma diagramao moderna que valorizava a notcia atravs de jogos de espaos e fotos. 75

BECKER refere-se no seguinte sentido em relao aos jornais:(...) Isto no resolve, claro, o problema do papel dos jornais, de reflexo ou guia, e seria tolice ignorar que eles no so apenas o meio de expresso de espritos independentes, mas tambm, e com muito mais freqncia, de grupos de presso diversos, polticos ou financeiros. 76

73 74

ROSA, L. R. O. Comunistas em Ribeiro Preto, 1922-1947. Franca: UNESP, 1999. CAPELATO, M. H. R. Imprensa de histria do Brasil. So Paulo: Contexto/EDUSP, 1988. 75 Ibid., p. 16. 76 BECKER, op. cit., p.196.

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O liberalismo 77 era, decididamente, um modelo colocado a prova de forma to contundente que sua resposta s situaes de crise, muitas vezes, no satisfaziam s necessidades do momento. Como se sabe, em histria no h vazio de poder, de forma que a crise do sistema liberal foi geradora de governos ditatoriais no s aqui no Brasil, mas tambm em outras partes do mundo; entretanto, aqui o radicalismo no chegou a pontos extremos como o que ocorreu na Alemanha e na Itlia, onde os governos fascista e nazista arrebanharam para suas hostes milhares de pessoas. 78 Nos Estados ditos liberais as pessoas tm garantido os direitos de obterem informaes e expressar livremente suas opinies, tais direitos so reafirmados constitucionalmente. Para o caso do Brasil, o direito informao pode ser obtido de duas formas; a mais simples e genrica pela imprensa: atravs dos jornais, da televiso, do rdio ou, atualmente, da internet. Por meio desses instrumentos consegue-se a informao geral, ou seja, aquela que no diga respeito a um assunto especfico. Para o caso de assuntos sigilosos que estejam guarda do Estado, os cidados tendo necessidade de saber quais os dados que este dispe em relao suas pessoas, tm acesso via processual denominada de habeas data atravs da qual o indivduo tem acesso a todos os dados a seu respeito, seja qual for a informao, sigilosa ou no. Segundo o que acredita a autora, apesar da hipottica igualdade perante a lei, muitas pessoas so privilegiadas em relao s outras de forma que essa igualdade jurdica ocorre apenas no papel, no ocorrendo, na verdade, de fato. Assim, os responsveis pela exposio das informaes tm em suas mos o monoplio da divulgao das mesmas, sendo-lhes, portanto, atribudo um poder que os demais no tm. Ainda de acordo com o pensamento da autora, o jornal no um transmissor imparcial e neutro dos fatos, isso porque uma fonte

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KONDER, op. cit., 63. LENHARO, op. cit., p. 19.

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permeada de subjetividade, de forma que as informaes divulgadas so aquelas que os diretores dos jornais ou donos de emissoras de televiso quiseram que a populao tivesse acesso. Assim, a imprensa passa a se constituir num instrumento de manipulao no s de informaes, mas tambm interveno na vida das pessoas. O positivismo cientfico influenciou de forma bastante clara a imprensa e os meios de comunicao no incio do sculo. Os jornalistas acreditavam que deveriam transmitir a informao da maneira mais objetiva possvel, desta forma, a informao no deveria em hiptese alguma estar contaminada com a viso que o jornalista teria sobre o fato, assim, conforme esse pensamento, o jornalista seria o transmissor da verdade. O pensamento historiogrfico do incio do sculo tambm esteve permeado desses preceitos, o historiador seria o transmissor do fato-verdade, atravs da objetividade absoluta o