as redes sociais e appspodem ser uma fonte de desconfiança

6
E 44 As redes sociais e apps podem ser uma fonte de desconfiança, conflito e traição entre um casal. Há cada vez mais divórcios motivados pelos flirts online TEXTO BERNARDO MENDONÇA FOTOGRAFIAS LUÍS BARRA O amor é f #? @ %* na rede

Upload: trankiet

Post on 14-Feb-2017

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: As redes sociais e appspodem ser uma fonte de desconfiança

Tiragem: 101375

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Lazer

Pág: 44

Cores: Cor

Área: 23,50 x 29,70 cm²

Corte: 1 de 8ID: 60115103 11-07-2015 | Revista E

E 44

As redes sociais e apps podem ser uma fonte de desconfiança, conflito e traição entre um casal. Há cada vez mais divórcios motivados pelos flirts onlineTEXTO BERNARDO MENDONÇA FOTOGRAFIAS LUÍS BARRA

O amor é f#?@%* na rede

Page 2: As redes sociais e appspodem ser uma fonte de desconfiança

Tiragem: 101375

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Lazer

Pág: 45

Cores: Cor

Área: 23,50 x 29,70 cm²

Corte: 2 de 8ID: 60115103 11-07-2015 | Revista E

E 45

Page 3: As redes sociais e appspodem ser uma fonte de desconfiança

Tiragem: 101375

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Lazer

Pág: 46

Cores: Cor

Área: 23,50 x 29,70 cm²

Corte: 3 de 8ID: 60115103 11-07-2015 | Revista E

Foi ao jantar, regado a bom vinho tinto, num requin-tado restaurante de sushi, que ele fixou os olhos de Victoria e lhe disse que a vida sem ela não fazia qualquer sentido. Que ela lhe fazia falta. Muita fal-ta. Que a sentia como família, que era com ela que queria casar — quanto antes — e passar o resto dos seus dias. Victoria hesitou, mas acabou por baixar as defesas. Emocionou-se. Afinal de contas, ele era o seu companheiro há oito anos e achou que valia a pena dar-lhe uma segunda oportunidade após uma breve separação. Não seria uma briga comezinha por causa de partilhas domésticas e gestão de tem-po em conjunto que iria ditar o fim de um grande amor. Às vezes uma relação precisa de cedências. Luta. Victoria estava disposta a fazê-lo. Ainda nes-sa mesma noite Victoria Ciubara — uma moldava de 33 anos, a viver há 13 anos em Portugal — indagou o seu companheiro sobre a identidade de uma certa loura. Alguém que, nos últimos meses, começara a colocar likes (gostos) a torto e a direito em todas as fotos publicadas na página de Facebook do compa-nheiro. E que, inclusive, aparecia sorridente ao seu lado num retrato de grupo. “Quem é essa rapariga?” — perguntou-lhe. Ele alterou de imediato a expres-são e respondeu com ar contrariado: “Não comeces. É apenas uma amiga!”

Victoria decidiu dar-lhe o benefício da dúvi-da. Apesar de se ter apercebido, por diversas vezes, de que ele fechava abruptamente a janela do Face-book no computador sempre que ela se aproxima-va. Como se ocultasse algo. Mas Victoria achou que era uma suspeita infundada. “Afinal de contas, to-dos temos o direito de ter amigos só nossos, à parte dos amigos do casal, e quis acreditar nele. Entre duas pessoas que gostam uma da outra não deve haver mentiras”, comenta com os olhos baixos esta este-ticista, quase sem sotaque. Poucos dias depois, pre-cisamente no último dia do ano passado, a poucas horas dos brindes com champanhe, caiu uma bom-ba na caixa de mensagens do Facebook de Victoria. Quem lhe escrevia era a dita rapariga loura que an-dava a colocar “gostos” em todas as fotos do perfil do namorado. Não eram amigas das redes, nem nunca se tinham cruzado ao vivo. Ainda assim, ousara es-crever-lhe: “Olá, Victoria. Tu não me conheces, mas

já me deves ter topado. Estive envolvida com o teu namorado nestes últimos meses após o teres pos-to fora de casa. Ele agora está com a conversa que vai voltar para ti. Só quero que saibas que no dia em que jantaram juntos, ele foi ter comigo e dormimos juntos. Assim ficas a saber que ele te andou a trair.” Depois das lágrimas, veio a decisão. Victoria ligou ao companheiro dizendo-lhe que nunca mais o queria ver. Ele implorou-lhe perdão, chorou à porta de sua casa, admitiu que fizera um disparate. Mas era tarde. Victoria fechou-lhe a porta de casa para o deixar fora da sua vida. A seguir, desamigou-o de todas as redes sociais. “Dei-lhe oportunidade para ele ser honesto, estávamos emocionalmente envolvidos, alegada-mente eu estava noiva dele e ele enganou-me desta maneira? Acabou-se.”

Histórias passionais como esta, com mais ou me-nos enganos, traições e deceções são vividas, des-cobertas e reveladas todos os dias em todo o mundo nas redes sociais provocando crises e separações. Boa parte destes episódios tem como palco o Face-book. Com mais de cinco milhões de utilizadores ativos em Portugal e cerca de 1,4 mil milhões em todo o mundo, a rede de Mark Zuckerberg foi cria-da para juntar pessoas — que provavelmente nun-ca se dariam ou encontrariam na vida real —, mas a verdade é que também pode afastá-las, ao levantar pistas de infidelidade. E não é preciso muito. À dis-tância de um clique redescobrem-se colegas de es-cola, reencontram-se antigas paixões, abordam-se conhecidos e desconhecidos com um simples like e, por vezes, a tentação acontece. De acordo com um estudo do site britânico “Divorce Online”, o núme-ro de divórcios causados pelo Facebook ultrapassa os 28 milhões. A investigação deste site de advogados revela que a rede social é apontada em quase todas as causas de separação. Nos EUA, a associação de advogados matrimoniais indica também que 80% dos divórcios citam o Facebook como evidência de traição. Em Portugal não há ainda estatísticas sobre o divórcio e as redes sociais.

Uma coisa é certa, no mundo das redes e da co-municação global o amor e as paixões nunca mais serão as mesmas. São os novos tempos das relações 2.0. E os casais estão a aprender a viver nas comu-nidades online. Para João Canavilhas, professor da Universidade da Beira Interior e especialista em comunicação e novas tecnologias, podem existir inúmeras razões para os divórcios, mas não são ne-cessariamente provocadas pelo uso da maior rede social do mundo. “O Facebook é aquilo que qui-sermos fazer dele. Tanto pode servir para promo-ver a infidelidade como para reforçar a fidelidade. É um amplificador de atitudes e comportamentos.

Se forem positivos, a amplificação funciona a favor do utilizador, se forem negativos jogam contra.” O que este investigador quer dizer é que o que faz a diferença não é a tecnologia, mas a forma como as pessoas se comportam. “Encontrar uma antiga namorada no Facebook ou num jantar de antigos colegas pode ter exatamente o mesmo resultado se for essa a intenção das pessoas em causa. A dife-rença é que a rede social online esbate as fronteiras do espaço e do tempo, facilitando e acelerando as aproximações.” Canavilhas vai mais longe, apon-tando o facto de a maioria das pessoas viver aquilo a que chama o “efeito anestesiador” da navegação da Web, perdendo a noção de que uma rede social é um espaço público à escala global. “Publicam coi-sas que não diriam em público ou que não conta-riam ao parceiro. Esquecem-se de que essa infor-mação pode ser vista por eles ou replicada por um amigo, saindo do seu controlo.” Por outras pala-vras, a tecnologia simplesmente amplifica e torna mais visível ou acelera problemas que já existem.

A sexóloga e investigadora Ana Carvalheira acres-centa que a possibilidade de infidelidade no Facebo-ok é maior do que na vida offline, pela enorme rede de contactos e pelo modo rápido e imediato como os processos de sedução acontecem. “E o online dá ou-tras coisas. A possibilidade de fantasiar e idealizar com o outro, a sensação de controlo e de proteção e abre caminhos ambíguos que disparam em mui-tas direções. Um simples like pode ser iniciador de algo. Alguém faz um like numa publicação de uma amiga, ela fica agradada, sente que ele está atento ao que ela faz e decide responder-lhe com um simpáti-co “Olá”. E, em poucas frases, a conversa por escrito pode passar rapidamente a um registo mais sedutor, mais erotizado entre ambos. O problema que se co-loca é quando as pessoas são comprometidas e não têm cuidado e bom senso e colocam as suas relações em risco, como aconteceria numa conversa sedutora iniciada num bar”, esclarece a investigadora do ISPA.

A investigadora Maria Guilhermina Castro, auto-ra do estudo “Fidelidade e infidelidade nas relações amorosas”, da Universidade do Porto, junta à discus-são outra perspetiva curiosa. A comunidade das re-des sociais pode ser muito cruel para os enganados. “O Facebook tem especificidades na vigilância e na descoberta da infidelidade. Há toda uma dimensão pública pertinente, toda a gente tem acesso a possí-veis indicadores da dita, através dos posts, dos likes. E se todos os amigos souberem que dada pessoa é tra-ída, essa pessoa não só perde o respeito do compa-nheiro como de todos aqueles que assistiram através do Facebook, sendo rebaixada de modo visível na sua rede de contactos. Perde poder. É o banana.”

“Costumo dizer aos casais com problemas de confiança que a descoberta da verdade é uma história sem fim” — José Gameiro

Page 4: As redes sociais e appspodem ser uma fonte de desconfiança

Tiragem: 101375

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Lazer

Pág: 47

Cores: Cor

Área: 23,50 x 29,70 cm²

Corte: 4 de 8ID: 60115103 11-07-2015 | Revista E

E 47

TRAIÇÃO Victoria Ciubara foi contactada pela amante do ex-noivo através de uma mensagem no Facebook, onde ficou a saber do relacionamento escondido que ela vivera com ele

Page 5: As redes sociais e appspodem ser uma fonte de desconfiança

Tiragem: 101375

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Lazer

Pág: 48

Cores: Cor

Área: 23,50 x 29,70 cm²

Corte: 5 de 8ID: 60115103 11-07-2015 | Revista E

quando acedeu ao computador dele para fazer a re-visão dos e-mails e redes sociais, abriu o Facebook e entrou diretamente na página dele. O namorado es-quecera-se de encerrar a sessão. Joana ainda hesitou, mas a vontade de tirar a teima foi mais forte: o perfil dele estava à mão de semear e ela foi de imediato às mensagens privadas. “Não encontrei nada suspeito. Na altura, senti-me mal com a minha atitude e de-cidi guardar aquele momento para mim.” O segredo não durou muito. Tempos mais tarde, numa conversa séria sobre a vontade de Joana em assumir a relação com maior compromisso, veio à baila o episódio da espreitadela. “Nem sei porquê, mas decidi contar--lhe que tinha visto as mensagens dele. Passou-se. Disse que não podia admitir tal invasão e que nun-ca mais voltaria a confiar em mim.” Joana diz que aprendeu com o passado e tem agora um olhar mais crítico em relação às redes. “Ainda há dias conheci um rapaz numa saída à noite. Como ele não tinha o meu número de telefone adicionou-me no Facebook, estivemos à conversa um bocado no chat, mas rapi-damente lhe disse que era melhor combinarmos um copo de vinho ao vivo e acabarmos com a conversa online. Ele aceitou e passámos a uma relação offline. E tem corrido muito bem até à data.”

A psicóloga e terapeuta de casais Cláudia Morais, autora do livro “O Amor e o Facebook”, afirma que todas as semanas lhe chegam ao consultório casais com pedidos de ajuda para problemas gerados na-quela rede social. E que assegura há cada vez mais namoros e casamentos ameaçados por escolhas re-lacionadas com o Facebook, por ser a estrutura que mais rapidamente coloca adultos em ligação direta. “Uma boa parte dos meus clientes vem na sequência de uma traição revelada no Facebook. Outros chegam sem provas concretas, mas com a sensação de que os parceiros mantêm relações paralelas. O alarme pode surgir quando uma pessoa a meio da madrugada dá de caras com o parceiro em frente ao computador a

Foram os ciúmes e a desconfiança que minaram as últimas relações de Joana Diniz Matos. Esta mo-rena, de 29 anos, feições delicadas e exóticas, tem uma ideia feita sobre o comportamento dos homens nas redes sociais. “Grande parte deles alimenta con-versas com várias mulheres nas redes sociais e nas mensagens de WhatsApp por uma questão de ego. Era o caso de um dos meus últimos namorados que flirtava com várias miúdas ao mesmo tempo. Eu sei disso porque das poucas vezes que procurei alguma coisa no telefone dele encontrei mensagens de rapa-rigas no WhatsApp. Conversas triviais feitas pela tal questão de ego. Que não se concretizavam em nada, mas que criavam ciúmes.” A relação acabou por se esgotar entre discussões. “Não funcionava. Eu não confiava nele”, explica esta gestora de projetos a tra-balhar numa produtora de audiovisuais.

Joana transportou uma certa desconfiança para a relação seguinte. O novo namorado era muito dife-rente do anterior, pouco ativo nas redes e de perso-nalidade discreta, nunca lhe deu motivos para alar-me. “Nem amigos de Facebook éramos, e nem eu nem ele sentíamos necessidade disso. Talvez fosse no início uma forma de proteção em relação ao nosso bem-estar, privacidade e vida social. Para evitarmos ciúmes e confusões.” Mas um dia a ocasião esten-deu o tapete à curiosidade. Joana tirara férias e pas-sara uns dias em casa do namorado. Numa manhã,

MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA A DOIS

DIZER A VERDADEImplica não mentir/omitir nas escolhas feitas no Facebook ou outras redes sociais. Se se assumir como casado na rede deve ser honesto e não revelar que está solteiro para uns e casado para outros. A mesma coisa em relação à ocultação de likes ou comentários a fo-tos de terceiros com receio da reação do companheiro. Isso é tomar decisões arriscadas para a relação.

ESTABELECER REGRAS A DOISSe o Facebook provoca tensão no casal, é prudente que os dois criem as suas próprias regras. O que devem publicar, partilhar ou não o estado civil, evitar contacto com ex-namora-dos, conversas ambíguas com outras pessoas, entre outros. Não são as regras que vão proteger o casal. É a conversa à volta dessas regras.

PARTILHAR OS FANTASMASConversar com o parceiro sobre as in-seguranças que sente. Quando alguém está inseguro a propósito do compor-tamento do companheiro no Facebook deve expor o problema tentando não atacar. Porque se um deles atacar é normal que o outro se defenda e pareça estar a esconder algo (mesmo que não esteja).

EVITAR O FLIRT ONLINEEstar atento ao tempo gasto com ou-tros nas redes. Se está a discutir muito com a sua mulher ou com o seu marido sobre a troca de mensagens com a pessoa X ou Y deve questionar a razão de o fazer. Muitas vezes são ligações estabelecidas para sentir que o parcei-ro se importa pelo ciúme demonstrado.

PARTILHAR A PASSWORD NÃO É SOLUÇÃONão é a procura de indícios que resolve a desconfiança, nem passa por mostrar ou dar a password do perfil ao outro. A solução é ambos conversarem e inves-tirem na relação com confiança, afeto e verdade.

O PROBLEMA NÃO É O FACEBOOKO Facebook não é a origem do mal. Não é cortando com o Facebook que as difi-culdades do casal vão desaparecer. Se a relação estiver bem e equilibrada, não deverá ser o Facebook a mudá-la.

DESCONFIANÇA Joana Matos viveu duas relações perturbadas pelo uso das redes sociais. Apanhou um namorado a flirtar no WhatsApp e no Facebook. Outro zangou-se por ela lhe ter invadido o perfil de Facebook

Page 6: As redes sociais e appspodem ser uma fonte de desconfiança

Tiragem: 101375

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Lazer

Pág: 49

Cores: Cor

Área: 23,50 x 29,70 cm²

Corte: 6 de 8ID: 60115103 11-07-2015 | Revista E

teclar com alguém no Facebook. O que levanta o ci-úme, a suspeita de flirt e traição. Por vezes, é a queixa de que o outro está a investir demasiado tempo em conversas online com alguém.” Para a terapeuta não é a infidelidade que cresce com o Facebook, mas a oportunidade. “É uma plataforma para que possamos conhecer mais pessoas. Seja quando estamos solteiros ou num compromisso. E, nesse sentido, pode funcio-nar como uma plataforma para a infidelidade. A mai-or parte dos casais que recebo com problemas gera-dos nesta rede tem dificuldades ao nível da conexão. Quando um dos elementos começa a falar demora-damente com outra pessoa no Facebook está a ligar--se emocionalmente, está a reivindicar amparo, o que indica que a própria relação poderá não estar bem.” Cláudia conta que é frequente, na sequência de uma traição, que o cônjuge traído peça ao outro para eli-minar a conta de Facebook enquanto a ‘poeira’ não assentar, o que ajuda na recuperação da confiança. “O que já não acho legítimo é que um dos elementos do casal peça ao outro a password da conta de Face-book, porque isso não vai trazer segurança à relação nem será tranquilizador.”

A mesma opinião tem o psiquiatra José Gameiro, também terapeuta de casais, cada vez mais habitua-do a que estas questões sejam discutidas no seu con-sultório. “Mesmo quando alguém vasculha o perfil do companheiro e não encontra nada fica a dúvida se terá apagado ou ocultado algo. O que eu costumo dizer aos casais com problemas de confiança é que a descoberta da verdade é uma história sem fim. Nunca se consegue saber tudo. Não é a procura de indícios que resolve o problema. A melhor resposta é investir na relação. E se do outro lado houver uma resposta positiva em princípio estará tudo bem.” No entanto, o psiquiatra aconselha que cada casal defina as suas próprias regras de comportamento. “Se para um ele-mento do casal é perturbador que o outro faça certos comentários ou publicações no Facebook, sentidas

como sedução, é legítimo pedir ao outro para não o fazer. É como quando um homem está na rua a pas-sear com a parceira e começa a olhar fixamente para as outras mulheres. Ela pode sentir-se incomodada e pedir-lhe para não o fazer.”

Não são só os homens a provocar ciúme nas re-des. Na última relação que teve, Ana Caçapo, uma morena de 38 anos, sentiu-se constantemente vi-giada e censurada pelo namorado. Sempre que pu-blicava uma foto com amigos ouvia o comentário reprovador: “Ah, abraçada ao amigo...”, dizia ele. E bastava que escrevesse um comentário no mural de alguém do sexo masculino para gerar discussão. “Vê lá se também gostavas que começasse agora a comentar as fotografias das tuas amigas...” Ana não via problema nisso. “Ele era muito imaturo e esta-va a afirmar-se por ter uma mulher ao seu lado.” Como ele nunca mostrara vontade de conhecer os amigos dela, Ana assumiu que o que viviam ainda era segredo. Um dia, ele lembrou-se de deixar um piropo escrito numa foto que Ana acabara de publi-car no Facebook: “A mulher mais linda, que eu te-nho”. Ana não gostou da exposição sem aviso prévio e apagou o comentário. “Ele ficou ofendido, achou que eu não queria assumir o que tínhamos. Um dis-parate de miúdo, porque fora ele a manter-se como o senhor mistério. Esta relação foi sempre pautada pelas críticas ao meu comportamento nas redes e acabou pelas visões diferentes que temos da vida.”

O advogado João Tiago Machado, especialista em direito de família, já acompanhou inúmeros pedidos de divórcio na sequência de traições descobertas nas redes. Em 2008 foi alterado o regime jurídico do di-vórcio, deixou de haver a figura do ‘cônjuge culpa-do’ e o adultério já não é uma razão de culpa. Ainda assim, não lhe faltam histórias. Como a da mulher que insistia que nunca fora infiel. Até que um dia, o desconfiado marido convoca os advogados e a mu-lher para uma conversa. Logo no início da reunião,

lança um molho de folhas A4 para cima da mesa. Nelas estavam as mensagens comprometedoras que a mulher trocava com o amante. Coisas como “Foste excecional ontem à noite” ou “Agora percebo a ex-pressão subi pelas paredes”. O homem instalara um programa no computador da mulher que registava a atividade e confirmou tudo. “Ela ficou lívida, mas nenhuma das folhas serviu como meio de prova, por-que constituíam invasão de privacidade. Só é válido como prova em tribunal o que é visto ou publicado em espaço público”, refere o advogado.

Catarina Barra e Sérgio Salvador têm uma pági-na de Facebook em comum. Chama-se “Catarina E Sérgio”, assim mesmo para que não restem dúvidas sobre o facto de ser território de um casal. Foi passa-do um mês de namoro que Catarina, de 37 anos, ad-ministrativa de um hospital, decidiu fazer a surpresa ao namorado. Transformou a sua página pessoal na página de ambos, comunicando a mudança a todos os amigos na rede, Sérgio incluído. Ele não sabia de nada. “Reagi bem, achei piada. Como eu apenas tinha uma página profissional, aquela passou a ser direcio-nada para uma vertente social que fazia falta, e onde agora partilhamos com os nossos amigos os momen-tos a dois. Mas apesar de saber a password quase não mexo na página. Ela é que a gere, é a administradora interina”, graceja este gerente de uma imobiliária, de 39 anos. E acrescenta outra vantagem para este per-fil: “Bloqueia investidas de pessoas ou algum atrevi-mento indesejado para com algum de nós na página”. Catarina e Sérgio estão a poucas semanas de se casar. Trocarão alianças no dia 25 de julho, um ano depois de terem dado o primeiro beijo.

Catarina está a planear o conto de fadas com que sempre sonhou. Já se refez por completo do enorme desgosto amoroso que sofreu há um ano e meio. Vivia uma relação tranquila com o anterior companheiro. Parecia estar tudo bem. Um dia recebeu uma men-sagem privada no Facebook. Era dele. Tinha voltado para a ex-mulher e queria terminar a relação. Assim. Sem mais. “Não teve coragem de o fazer de outra maneira, é uma pessoa sem carácter”. Catarina diz que tem confiança no noivo, mas afirma ter também consciência “da infinita comunidade de mulheres” que estão online e do que são capazes. Por isso, ela joga à defesa. “De vez em quando, faço um ou outro comentário na página profissional do Sérgio. Para marcar posição”, admite, com um sorriso aberto. Não vá o diabo, ou o Facebook, tecê-las. b

[email protected]

VIGIADA Na última relação, Ana Caçapo era constantemente criticada pelo namorado por comentar posts de amigos ou por se mostrar divertida em fotografias junto de outros rapazes