mercado aéreo: lance alto gera desconfiança

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28 Quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012 ECONOMIA Jornal de Brasília MERCADO AEREO Lance elevado FOTOS: GEYZON LENIN l Especialistas temem que vencedor da concessão do terminal brasiliense não tenha caixa para poder investir gera desconfiança Sheila Oliveira [email protected] O mercado reagiu com desconfiança ao valor anunciado na privatização do Aeroporto Internacional de Bra- sília, de R$ 4,5 bilhões. Para economistas, o montante é considerado “impagável” e não corresponde ao valor real do terminal bra- siliense. “A receita anual do aeroporto não conseguirá pagar nada além da outorga – o preço pela concessão de uso. O consórcio não terá lucro. Qual é a lógica de investir em algo que não dará retorno?”, questiona Adyr da Silva, ex-presidente da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) e especialista em Transporte Aé- reo da Universidade de Brasília (UnB). O ganhador do leilão, o consórcio In- framerica Aeroportos, formado pela em- presa argentina Corporación America e a brasileira Infravix, pagará cerca de R$ 180 milhões por ano, durante o período de 25 anos da concessão. Segundo a Infraero, a receita bruta do Aeroporto Juscelino Ku- bitschek, em 2010, não ultrapassou R$ 200 milhões. “Não podemos esquecer que o valor da outorga a ser paga será corrigido todo o ano pela inflação, sem contar a incidência dos impostos”, observa Silva. EXPERIENTES “É no mínimo curioso que as empresas com experiência na área de aviação que concorreram no leilão não tenham ganho”, opina Mauro Rochlin, professor de Eco- nomia do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec). De acordo com ele, o consórcio não poderá economizar nem mesmo no efetivo, já que o aeroporto brasiliense é um dos que possuem o menor número de funcionários da Infraero. “Essa privatização corre o risco de ser o maior ‘mico’ do governo. A mesma em- presa que adquiriu o aeroporto de Brasília também obteve, no ano passado, a con- cessão do terminal de São Gonçalo do Amarante (RN). Porém, até hoje o consórcio não iniciou qualquer obra de infraestru- tura”, revela o ex-presidente da Infraero. Em entrevista ao jornal Tribuna do Norte, o diretor executivo da Infravix, José An- tunes Sobrinho, justifica o elevado ágio no leilão com “opções de receitas que podem ser geradas com o terminal de Brasília”, conhecido pelo tráfego e transferência de passageiros. Ele assegurou que o “ime- diatismo” necessário à elaboração e exe- cução do projeto em Brasília não implicará em atraso nas obras do terminal de São Gonçalo, já que as obras serão tocadas simultaneamente para suprir a necessidade de acelerar investimentos. O especialista em mercado financeiro Obras podem ser vistas no terminal de Brasília, que já opera acima da sua capacidade Verônica Bernadino está convicta de que os preços de produtos e serviços vão subir César Bergo concorda que o valor da pri- vatização foi muito alto, mas ressalta o retorno que o consórcio pode ter com o aumento da demanda de usuários. “As empresas fizeram um cálculo dinâmico, ou seja, que leva em conta a receita bruta futura do aeroporto. É algo arriscado, mas as chances de lucro são reais”, avalia. “A perspectiva de crescimento é real- mente muito grande. A taxa de crescimento de novos usuários é maior do que o cres- cimento vegetativo da população”, com- pleta Rochlin. De acordo com levantamento da Associação Internacional de Transporte Aéreo, a aviação doméstica brasileira cres- ceu 19% no primeiro semestre de 2011, superando China (7,8%), Índia (7,7%) e Estados Unidos (2,5%). A média mundial, no mesmo período, foi de 4%. SEM CAIXA Segundo Adyr da Silva, o consórcio vencedor da concessão do aeroporto bra- siliense não possui garantia de caixa para iniciar investimentos. “Eles não têm di- nheiro reserva e será difícil conseguir cré- dito para financiar a modernização”, diz. Uma das possibilidades para o con- sórcio será recorrer ao financiamento do Banco Nacional do Desenvolvimento Eco- nômico e Social (BNDES), que se propôs a financiar 60% das obras civis que visam melhoria para a Copa do Mundo e até 80% da aquisição de equipamentos. Rochlin destaca que outra aposta po- derá ser o comércio no aeroporto. “A ex- pectativa de todos é de que, com a pri- vatização, aumente a concorrência das re- des de lojas que atuam no aeroporto”, diz. Bergo lembra ainda que a nova ad- ministração do aeroporto poderá também utilizar espaços ociosos. “A vantagem da privatização é de que a empresa fica livre das amarras da burocracia estatal. Assim um espaço pode ser alugado com maior agilidade, sem necessidade de fiscalização de um Tribunal de Contas, por exemplo”, explica o economista. A facilidade de abrir um negócio no aeroporto, no entanto, pode levar o valor do metro quadrado do terminal às alturas. “É natural que os espaços passem a valer mais, assim como o valor dos serviços que deve ser pago pelos usuários”, destaca. “Não tem jeito, o consumidor vai pagar mais caro”, afirma o economista Rochlin. A estudante Verônica Bernadino, 17 anos, que frequenta o aeroporto a cada dois meses, está convicta de que os preços vão aumentar. “É quase óbvio os preços das tarifas de embarque e de produtos dis- poníveis aumentarem. Mas se os serviços melhorarem na mesma proporção, acho que ainda vale a pena”, opina.

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Page 1: Mercado aéreo: Lance alto gera desconfiança

28 Quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012ECONOMIA Jornal de Brasília

MERCADO AEREO

Lance elevado

FOTOS: GEYZON LENIN

l Especialistas temem que vencedorda concessão do terminal brasiliensenão tenha caixa para poder investir

gera desconfiança� Sheila Oliveiras h e i l a . o l i ve i ra @ j o r n a l d e b ra s i l i a . c o m . b r

O mercado reagiu com desconfiançaao valor anunciado na privatizaçãodo Aeroporto Internacional de Bra-

sília, de R$ 4,5 bilhões. Para economistas, omontante é considerado “impagável” e nãocorresponde ao valor real do terminal bra-siliense. “A receita anual do aeroporto nãoconseguirá pagar nada além da outorga – opreço pela concessão de uso. O consórcionão terá lucro. Qual é a lógica de investir emalgo que não dará retorno?”, questionaAdyr da Silva, ex-presidente da EmpresaBrasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária(Infraero) e especialista em Transporte Aé-reo da Universidade de Brasília (UnB).

O ganhador do leilão, o consórcio In-framerica Aeroportos, formado pela em-presa argentina Corporación America e abrasileira Infravix, pagará cerca de R$ 180milhões por ano, durante o período de 25anos da concessão. Segundo a Infraero, areceita bruta do Aeroporto Juscelino Ku-bitschek, em 2010, não ultrapassou R$ 200milhões. “Não podemos esquecer que ovalor da outorga a ser paga será corrigidotodo o ano pela inflação, sem contar aincidência dos impostos”, observa Silva.

EXPERIENTES“É no mínimo curioso que as empresas

com experiência na área de aviação queconcorreram no leilão não tenham ganho”,opina Mauro Rochlin, professor de Eco-nomia do Instituto Brasileiro de Mercado deCapitais (Ibmec). De acordo com ele, oconsórcio não poderá economizar nemmesmo no efetivo, já que o aeroportobrasiliense é um dos que possuem o menornúmero de funcionários da Infraero.

“Essa privatização corre o risco de ser omaior ‘mico’ do governo. A mesma em-presa que adquiriu o aeroporto de Brasíliatambém obteve, no ano passado, a con-cessão do terminal de São Gonçalo doAmarante (RN). Porém, até hoje o consórcionão iniciou qualquer obra de infraestru-tura”, revela o ex-presidente da Infraero.

Em entrevista ao jornal Tribuna do Norte,o diretor executivo da Infravix, José An-tunes Sobrinho, justifica o elevado ágio noleilão com “opções de receitas que podemser geradas com o terminal de Brasília”,conhecido pelo tráfego e transferência depassageiros. Ele assegurou que o “ime -diatismo” necessário à elaboração e exe-cução do projeto em Brasília não implicaráem atraso nas obras do terminal de SãoGonçalo, já que as obras serão tocadassimultaneamente para suprir a necessidadede acelerar investimentos.

O especialista em mercado financeiro

Obras podem ser vistas no terminal de Brasília, que já opera acima da sua capacidade

Verônica Bernadino está convicta de que os preços de produtos e serviços vão subir

César Bergo concorda que o valor da pri-vatização foi muito alto, mas ressalta oretorno que o consórcio pode ter com oaumento da demanda de usuários. “Asempresas fizeram um cálculo dinâmico, ouseja, que leva em conta a receita bruta futurado aeroporto. É algo arriscado, mas aschances de lucro são reais”, avalia.

“A perspectiva de crescimento é real-mente muito grande. A taxa de crescimentode novos usuários é maior do que o cres-cimento vegetativo da população”, com-pleta Rochlin. De acordo com levantamentoda Associação Internacional de TransporteAéreo, a aviação doméstica brasileira cres-ceu 19% no primeiro semestre de 2011,superando China (7,8%), Índia (7,7%) eEstados Unidos (2,5%). A média mundial,no mesmo período, foi de 4%.

SEM CAIXASegundo Adyr da Silva, o consórcio

vencedor da concessão do aeroporto bra-siliense não possui garantia de caixa parainiciar investimentos. “Eles não têm di-nheiro reserva e será difícil conseguir cré-dito para financiar a modernização”, diz.

Uma das possibilidades para o con-sórcio será recorrer ao financiamento doBanco Nacional do Desenvolvimento Eco-nômico e Social (BNDES), que se propôs afinanciar 60% das obras civis que visammelhoria para a Copa do Mundo e até 80%da aquisição de equipamentos.

Rochlin destaca que outra aposta po-derá ser o comércio no aeroporto. “A ex-pectativa de todos é de que, com a pri-vatização, aumente a concorrência das re-des de lojas que atuam no aeroporto”, diz.

Bergo lembra ainda que a nova ad-ministração do aeroporto poderá tambémutilizar espaços ociosos. “A vantagem daprivatização é de que a empresa fica livredas amarras da burocracia estatal. Assimum espaço pode ser alugado com maioragilidade, sem necessidade de fiscalizaçãode um Tribunal de Contas, por exemplo”,explica o economista.

A facilidade de abrir um negócio noaeroporto, no entanto, pode levar o valor dometro quadrado do terminal às alturas. “Énatural que os espaços passem a valer mais,assim como o valor dos serviços que deveser pago pelos usuários”, destaca. “Não temjeito, o consumidor vai pagar mais caro”,afirma o economista Rochlin.

A estudante Verônica Bernadino, 17anos, que frequenta o aeroporto a cada doismeses, está convicta de que os preços vãoaumentar. “É quase óbvio os preços dastarifas de embarque e de produtos dis-poníveis aumentarem. Mas se os serviçosmelhorarem na mesma proporção, achoque ainda vale a pena”, opina.