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Artigos
A Proteção Ambiental, a Propriedade Privada e um Novo ParadigmaA Proteção Ambiental, a Propriedade Privada e um Novo ParadigmaA Proteção Ambiental, a Propriedade Privada e um Novo ParadigmaA Proteção Ambiental, a Propriedade Privada e um Novo ParadigmaA Proteção Ambiental, a Propriedade Privada e um Novo ParadigmaJosé Blanes Sala ...................................................................................................................................................... 5
Mídia e DireitoMídia e DireitoMídia e DireitoMídia e DireitoMídia e DireitoEstela Cristina Bonjardim ..................................................................................................................................... 12
A Universidade, o Estudo do Direito e a Nova RealidadeA Universidade, o Estudo do Direito e a Nova RealidadeA Universidade, o Estudo do Direito e a Nova RealidadeA Universidade, o Estudo do Direito e a Nova RealidadeA Universidade, o Estudo do Direito e a Nova RealidadeCarlos João Eduardo Senger .................................................................................................................................. 39
A Incômoda Solução Chamada Ação AfirmativaA Incômoda Solução Chamada Ação AfirmativaA Incômoda Solução Chamada Ação AfirmativaA Incômoda Solução Chamada Ação AfirmativaA Incômoda Solução Chamada Ação AfirmativaSandro César Sell ................................................................................................................................................... 53
Atos de Concentração no Segmento de Autopeças: Casos Cofap-Magnetti-Mareli-MahleAtos de Concentração no Segmento de Autopeças: Casos Cofap-Magnetti-Mareli-MahleAtos de Concentração no Segmento de Autopeças: Casos Cofap-Magnetti-Mareli-MahleAtos de Concentração no Segmento de Autopeças: Casos Cofap-Magnetti-Mareli-MahleAtos de Concentração no Segmento de Autopeças: Casos Cofap-Magnetti-Mareli-Mahlee Dana-Echline Dana-Echline Dana-Echline Dana-Echline Dana-EchlinAntonio Celso Baeta Minhoto ................................................................................................................................ 65
Papel do Ensino Jurídico no Futuro da AdvocaciaPapel do Ensino Jurídico no Futuro da AdvocaciaPapel do Ensino Jurídico no Futuro da AdvocaciaPapel do Ensino Jurídico no Futuro da AdvocaciaPapel do Ensino Jurídico no Futuro da AdvocaciaLuiz Flávio Borges D’Urso ...................................................................................................................................... 82
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D ireito
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D ireito E x p e d i e n t eRevista IMES Direito – Uma publicação do Centro Universitário Municipal de São Caetano do Sul
Ano Ano Ano Ano Ano IIIIIIIIIIIIIII – n. 6 – n. 6 – n. 6 – n. 6 – n. 6
janeiro/junho 2003janeiro/junho 2003janeiro/junho 2003janeiro/junho 2003janeiro/junho 2003
Fechamento desta edição:
Maio/2004
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A PROTEÇÃO AMBIENTAL, A PROPRIEDADEPRIVADA E UM NOVO PARADIGMA
José Blanes SalaMestre e Doutor em Direito Internacional pela USP.
Professor de Direito Internacional no Imes e na Universidade São Judas Tadeu.
1 UM NOVO PATAMAR
DE COMPLEXIDADE
“A pesquisa científica sobre as inter-rela-
ções entre sociedade e meio ambiente encontra-se
em rápida evolução em todo o mundo” – é assim
que Freire Vieira1 inaugura o seu estudo sobre
as ciências sociais no Brasil e a problemática
ambiental durante a década de 1980. “A in-
terdependência dos diversos fatores envolvidos
cria um novo patamar de complexidade, que
coloca em cheque as esferas de competência
tradicionalmente associadas a disciplinas
científicas isoladas”, diz ele. Efetivamente, esse
novo patamar de complexidade vai exigir da
ciência jurídica um esforço inusitado paraadequar-se à nova realidade ambiental, do qual
são testemunhas diversos autores que escrevemno final da década de 1990 propondo um novoparadigma para o mundo do Direito. Ao longodeste trabalho os iremos citando, junto com assuas abordagens novidosas e, às vezes, nãoisentas de polêmica.
Freire Vieira, em seu trabalho, apresenta-nosum apanhado das contribuições associadas ao
campo da sociologia, alertando para o desafio
1 FREIRE VIEIRA, Paulo et al. A problemática ambiental e as ciências sociais no Brasil. Dilemas sócio-ambientais edesenvolvimento sustentável, p. 103 e ss.
R E S U M O
O Direito Ambiental supõe uma reformulaçãoglobal e radical do sistema jurídico moderno e,conseqüentemente, também dos seus conceitoscentrais, sobretudo no que tange ao conceito depropriedade privada. Neste artigo, expõe-se deforma rápida e sintética a opinião de diversosautores que escreveram no final da década de 1990propondo um novo paradigma para o mundo doDireito. Alertam todos eles para a necessidade deuma redefinição da idéia de liberdade que contenhaum duplo limite: o social e o ambiental.
A B S T R A C T
The enviromental law assumes a global and radicalreformulization of a modern legal system and,consequently, also of its central concepts, over all,the way it refers to the concept of private property.In this article, the opinion of differents authors, whowrote about this theme at the end of the 90´s, isexposed of an agile and synthetic way, consideringa new paradigm for the world of the law. Theyalert for the necessity of a redefinition of the freedomidea that contains a double limit: the social and theenveroimental one.
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de que este tipo de pesquisa “... parece consistirna adoção de uma diretriz preventiva, capaz debalizar a concepção e a implementação deestratégias que compatibilizem os objetivos si-multaneamente socioeconômicos, culturais,político-institucionais e ambientais da dinâmicade evolução das sociedades modernas”. A res-posta para as mudanças na concepção jurídicanão tardaria em concretizar-se com a preconi-zação de um novo modelo teórico do Direito,mais acorde com a realidade ambiental e quefosse capaz de estruturar-se de forma mais or-gânica, adaptando-se ao caleidoscópio socioe-conômico, cultural e político. Trata-se de ummodelo, até certo ponto, de produções inespe-radas e de recentíssima gestação. Precisamentepor esse fato, ainda disforme e primigênio, querdizer, hesitante e um tanto contraditório.
Não é, pois, uma nova temática do Direito,como vinha sendo considerado de início, dada asua focalização exclusivamente técnica. Tambémnão se prende apenas ao fator econômico desen-volvimento, como se pretendeu mais recente-mente... Vai exigir a demolição de uma série deconceitos jurídicos anteriores que, na verdade,se apóiam em estruturas filosóficas e de visão demundo. Assim o querem demonstrar algunsautores recentes que passaremos a analisar aseguir, acompanhando os principais tópicos desuas afirmações.
2 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
E PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
“... em que medida é possível a conciliação entre o
desenvolvimento econômico e a proteção ao meio
ambiente, e mais: até que ponto prevalece o interesse
da proteção ambiental ou o interesse do
desenvolvimento econômico? A pergunta é
relevante, na medida em que as imensas legiões de
miseráveis do terceiro mundo dificilmente percebem
que as suas condições de vida são o produto e
conseqüência de uma determinada forma de
desenvolvimento econômico, que produz como
resultado previsível a pauperização e marginalização
da imensa maioria da população no mundo.”2
É assim que Bessa Antunes, um dos nossos
juristas mais conhecidos nesta área, introduz a
nova visão do desenvolvimento sustentável, con-
cepção que tem em vista a tentativa de conciliar
a preservação dos recursos ambientais e o de-
senvolvimento econômico. Pretende-se que,
sem o esgotamento desnecessário dos recursos
ambientais, haja a possibilidade de garantir uma
condição de vida mais digna e humana para mi-
lhões e milhões de pessoas, cujas atuais condi-
ções de vida são absolutamente inaceitáveis. Na
verdade, como ele próprio afirma, esta nova vi-
são procura colocar o Direito Ambiental no con-
texto do Direito Econômico. E a efetivação do
princípio de proteção ao meio ambiente como
princípio econômico implica, obrigatoriamen-
te, a mudança de todo o padrão de acumulação
de capital, a mudança do padrão e do conceito
de desenvolvimento econômico. O fator eco-
nômico deve ser encarado como desenvolvi-
mento e não como crescimento. O desenvol-
vimento se distingue do crescimento na medi-
da em que pressupõe uma harmonia entre os
diferentes elementos constitutivos. Já o cresci-
mento tem o significado da preponderância e
prioridade da acumulação de capital sobre os
demais componentes envolvidos no processo.
O reconhecimento da natureza econômica
das normas de Direito Ambiental vai trazer consi-
go uma inegável e rápida repercussão na con-
2 BESSA ANTUNES, Paulo. Direito ambiental, p. 15 e ss.
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ceituação do Direito de Propriedade. Os bens
ambientais – estejam submetidos ao domínio
público ou privado – são considerados de inte-
resse comum. Então a função social da proprie-
dade passa a ter como um de seus condicio-
nantes o respeito aos valores ambientais. Quer
dizer que a propriedade não utilizada de ma-
neira ambientalmente sadia não cumpre a sua
função social.
Neste sentido, cumpre citar a lição de Gomes
Canotilho, ao comentar a jurisprudência am-
biental portuguesa, e relacionar a proteção ao
meio ambiente e ao direito de propriedade:
“Neste final de milênio parece indiscutível que
as exigências de proteção ao ambiente natural
ou construído (proteção da natureza, prote-
ção ao patrimônio cultural), vêm colocar (ou
recolocar) dois problemas de particular im-
portância: (1) o das relações recíprocas entre a
garantia institucional da propriedade e do di-
reito fundamental da propriedade, por um la-
do, e o da proteção do ambiente, por outro;
(2) o da conformação jurídica destas relações
pelo legislador e pelos tribunais.
A primeira idéia a realçar é a do reforço da vin-
culação social da propriedade por motivos eco-
lógicos. Esta tendência desenha-se com nitidez a
partir dos finais dos anos sessenta. A intensificação
dos vínculos incidentes sobre a propriedade
obriga, porém, a novos esforços dogmáticos no
sentido de saber em que casos deve o proprietário
suportar ‘medidas autorizativas de compressão
ecológica’ sem qualquer direito a ‘compensações
patrimoniais’. É neste contexto que se situa a
recente fórmula da juspublicística alemã:
‘determinação do conteúdo da propriedade com
o correspondente dever de indenização’”.3
3 DA PROPRIEDADE PRIVADA
AO USUFRUTO ECOLÓGICO
Na verdade, hoje, com relação ao conceito
de propriedade e outros conceitos básicos do
Direito, como a liberdade ou a igualdade, o já
reconhecido Direito Ambiental coloca-se de
duas forma básicas: a primeira considera que
os problemas suscitados ao sistema jurídico
pelas demandas emergentes da crise ecológica
são de índole estritamente técnica. E estas de-
mandas são resolúveis mediante a extensão –
com alguns retoques – dos conceitos e instru-
mentos do sistema jurídico ao novo objeto: o
meio ambiente. Por este ponto de vista, ele ape-
nas conteria a novidade de um objeto de regu-
lamentação inédito. Na segunda forma, que
Garrido Peña desenvolve em interessante tra-
balho, o Direito Ambiental supõe uma refor-
mulação global e radical do sistema jurídico mo-
derno e, conseqüentemente, também dos seus
conceitos centrais. A novidade consistiria não
apenas no objeto, como também no sujeito e
nos instrumentos de intervenção jurídica.
O citado autor deixa claro, de início, que
para ele os principais valores que o sistema
jurídico oferece atualmente são a liberdade e a
propriedade.
“De esta caracterización inicial de la teoria
jurídica del valor moderno se desprenden dos
construcciones/representaciones de la libertad
que tienen una grave incidencia en la oposición
entre la ontología jurídica y el paradigma eco-
lógico: por un lado está la representación ili-
mitada e incondicionada de la libertad (infini-
ta y absoluta), y en segundo lugar, la represen-
tación subjetivista de la misma (la libertad
3 GOMES CANOTILHO, J. J. Proteção do ambiente e direito de propriedade: crítica de jurisprudência ambiental, p. 96.
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como obra del sujeto). Estas dos representa-
ciones e la libertad son congruentes con la absolu-
tización de la propiedad como la forma jurídi-
ca que hace posible la producción infinita del
sujeto ilimitadamente libre. Esta libertad ili-
mitada y subjetiva legitima la desigualdad ra-
dical que supone la propiedad privada. Los
efectos ambientales y sociales de sistemas legi-
timados sobre concepciones individualistas e
incondicionados de la libertad son ya del todo
conocidos.”4
Para Garrido Peña, então,
“la misma fuerza que realiza la explotación so-
cial es la que ejecuta el programa de expolio y
depredación del medio natural. Fuera del su-
jeto propietario solo hay materia inerte, lista
para ser dominada y mercantilizada.”
Portanto, citando Ferrajoli, lembra que
“cuando una libertad individual transgride el
consenso constituyente sobre esta regla de oro
de la igualdad de libertades usurpando la li-
bertad del otro, entonces no estamos ante un
ejercicio de libertad sino de poder.5 A este lí-
mite le llamaremos el límite social de la libertad
individual”.
Assim, esclarece que, do mesmo modo que
o sujeito individual não deve ser ilimitadamente
livre ou proprietário, o sujeito generacional
também não pode dispor de liberdades que
anulem as liberdades e a vida das gerações vin-
douras. “Por tanto, en unos casos el límite al
ejercicio de la libertad es social y en otros es
ambiental.” Daí a necessidade de uma redefi-
nição da liberdade, que contenha um duplo
limite: o social e o ambiental. Esta redefinição
nos acompanha até uma ética e uma ontologia
da finitude na qual a individualidade se repre-
senta como autonomia.
Para Garrido Peña,
“la propiedad privada es una institución que está
intimamente vinculada con el concepto del sujeto
moderno y la representación de la libertad como
ilimitada, característica también de la mo-
dernidad. Aquello que se tiene en propiedad se
puede gozar y usar sin límites, sin más límites que
la voluntad del propietario. Las libertades de los
otros y los recursos naturales se ven amenazados
por una institución que hace de cada propietario
un soberano y un déspota. Es necesario pues
limitar esta institución hasta la línea en que ponga
en peligro las libertades de los otros o las con-
diciones ecológicas de reproducción de la vida”.
Este autor considera que os recursos natu-
rais não devem, em uma perspectiva ecológica,
ser considerados coisas, mas entidades vivas com
as quais se interage. É preciso ir além dos direitos
reais a fim de procurar formas que reflitam essa
limitação e provisionalidade da relação susten-
tável de possessão dos recursos naturais.
Por isso, propõe,
“existen en nuestra tradición jurídica figuras e
institutos mas cercanos al modelo de libertad
(finita y ecológica) que el que representa la pro-
4 GARRIDO PEÑA, Francisco. De como la ecología política redefine conceptos centrales de la ontología jurídica tradicional:libertad y propiedad. O novo em direito ambiental, p. 213 e ss.
5 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal, p. 908.
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piedad privada. Una mezcla entre dos figuras
venerables: el usufructo y el fideicomiso. De
estas figuras surge un modelo de propiedad dis-
minuido y limitado. Se trataria de una especie
de usufructo fideicomisario”.
A proposta deste autor consistiria em umusufruto ecológico, realizando-se sobre umadupla limitação ambiental: a limitação física (afinitude dos recursos naturais) e a limitação ge-neracional. Do sucesso da limitação ética, po-lítica e jurídica (generacional) depende quepossa evitar-se o limite físico. Nesse sentido, ousufruto ecológico deve entender-se mais comouma função garantista dos direitos generacio-nais e da vida (biodireito) do sujeito difuso bios-fera (o qual supõe os direitos individuais detodos os membros em potência da espécie) doque como um instituto novo ou reformado dosjá existentes. Uma função intermediária entreos direitos reais modernos e os direitos difusos
e biocêntricos do futuro.
4 OS DIREITOS HUMANOS
DE TERCEIRA GERAÇÃO
As considerações sobre a propriedade nos
levam como que pela mão aos direitos difusos.A defesa dos interesses difusos, não estandobaseada em critérios de dominialidade, entre
sujeito ativo e objeto jurídico tutelado, dispensauma relação prévia de direito material.
Como explica com pertinência CardosoBorges,
“o direito ao meio ambiente traz dificuldades
para a teoria jurídica porque não é um direito
individual, como os tradicionais, nem um di-
reito social, correspondente à segunda geração
do direito. Essa evolução para a terceira gera-
ção dos direitos traz problemas para a estru-
tura da teoria jurídica. É um direito difuso,
difícil de limitar. Ao contrário dos direitos li-
berais, que são uma garantia do indivíduo
diante do poder do Estado, e ao contrário tam-
bém dos direitos sociais, que consistem basica-
mente em prestações que o Estado deve ao in-
divíduo, o direito difuso ao meio ambiente
consiste num direito-dever, na medida em que
a pessoa, ao mesmo tempo em que é titular do
direito ao meio ambiente ecologicamente equi-
librado, também tem a obrigação de defendê-lo
e preservá-lo (...) é um direito ‘erga omnes’ em
duas direções. Primeiro porque todos têm di-
reito ao meio ambiente ecologicamente equili-
brado, não existe um ‘status’ que atribua a ti-
tulariedade desse direito. Segundo porque as
obrigações que se referem àquela expectativa
são de todos; e aqui falamos todos no sentido
de que não é apenas ao Estado que cabe velar
pelo meio ambiente, mas todas as pessoas fí-
sicas e jurídicas, públicas e privadas, têm o de-
ver de preservar um meio ambiente adequado
para a sadia qualidade de vida das presentes e
futuras gerações”.6
5 A CRÍTICA AO ANTROPOCENTRISMO
E UM NOVO PARADIGMA
PARA A TEORIA JURÍDICA
A citada autora também afirma com Garrido
Peña que não basta que se crie um novo ramo
do Direito, autônomo, com princípios e instru-
mentos próprios, como é o Direito Ambiental,
porque a disciplina vai continuar imersa em um
6 CARDOSO BRASILEIRO BORGES, Roxana. Direito ambiental e teoria jurídica no final do século XX. O novo emdireito ambiental, p. 20 e ss.
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sistema jurídico inadequado para o novo mi-
lênio, pois sua estrutura e muitos dos seus insti-
tutos ainda lembram o século XIX. As circuns-
tâncias atuais requerem um Direito muito di-
ferente do Direito daquela época, principalmen-
te no que tange à economia, ou aos interesses
individuais, grande objeto de proteção no
passado. Como diz Benjamin: “se a dimensão
ambiental não for suficientemente incorporada
no sistema jurídico como um todo, o Direito
Ambiental e as normas ambientais dificilmente
serão aplicados”.7 Neste sentido é de se destacar
o esforço realizado com a recentíssima edição
do novo Código Civil brasileiro, o qual estabe-
lece que “o direito de propriedade deve ser exer-
cido em consonância com as suas finalidades
econômicas e sociais e de modo que sejam pre-
servados, de conformidade com o estabelecido
em lei especial, a flora, a fauna, as belezas na-
turais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio his-
tórico e artístico, bem como evitada a poluição
do ar e das águas”,8 bem como a criação do Es-
tatuto da Cidade em busca de regras municipais
de gerenciamento do território, tendo em vista
o desenvolvimento regular da urbe em atenção
ao meio ambiente artificial.9 No entanto, trata-se
de esforços isolados, inseridos de forma ainda
deficiente dentro do sistema jurídico.
O fato é que se tem um Direito que é am-
biental e todo um sistema jurídico não ambien-
tal. Então, a recepção dessa dimensão ambiental
pelo sistema jurídico pode representar o novo
paradigma para a teoria jurídica.
Assim o aponta Cardoso Borges:
“sem dúvida, a ciência moderna, principalmen-
te as naturais, sofre esta mudança paradigmá-
tica do pensamento positivista, cartesiano, me-
canicista, para um pensamento holista, orgâ-
nico. Também as ciências humanas, e aí o direi-
to, questionam a onipresença da ética antro-
pocêntrica, que tem o homem como centro de
todas as coisas, mas convergindo para uma
complexidade mais ampla, fruto da colabora-
ção de várias vertentes”.
E assim também o reconhece Bessa Antunes,alertando, contudo, para o perigo de eventuaisexageros:
“A questão que se coloca é a de não confundir a
superação do antropocentrismo com uma mo-
dalidade de irracionalismo, muito em voga
atualmente, que, colocando em pé de igualda-
de o Homem e os demais seres vivos, de fato,
rebaixa o valor da vida humana e transforma-a
em algo sem valor em si próprio, em perigoso
movimento de relativização de valores. O que
o Direito Ambiental busca é o reconhecimento
do Ser Humano como parte integrante da Na-
tureza. Reconhece também, como é evidente,
que a ação do Homem é, fundamentalmente,
modificadora da Natureza, culturizando-a. En-
tretanto, o Direito Ambiental afirma a negação
das concepções passadas, pelas quais, ao Ser
Humano, competia subjugar a Natureza. Não.
O Direito Ambiental estabelece a normati-
vidade da harmonização entre todos os com-
ponentes do mundo natural culturizado, no
qual, a todas luzes, o Ser Humano desempenha
o papel essencial”.
7 BENJAMIN, Antonio Herman V. A proteção do meio ambiente nos países menos desenvolvidos: o caso da AméricaLatina, p. 104.
8 Artigo 1.228, § 1º da Lei n. 10.406/02.9 Lei n. 10.257/01.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENJAMIN, Antonio Herman V. A proteção do meioambiente nos países menos desenvolvidos: o caso daAmérica Latina. Revista de Direito Ambiental. São Paulo:RT, 1995 – volume 0 – outubro a dezembro.
BESSA ANTUNES, Paulo. Direito ambiental. Rio deJaneiro: Lumen Juris, 1999.
CARDOSO BRASILEIRO BORGES, Roxana. Direitoambiental e teoria jurídica no final do século XX. Onovo em direito ambiental. Belo Horizonte: Del Rey,1998.
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismopenal. Barcelona: Trotta, 1995.
FREIRE VIEIRA, Paulo et al. A problemática ambiental e asciências sociais no Brasil. Dilemas sócio-ambientais edesenvolvimento sustentável. Campinas: Unicamp, 1993.
GARRIDO PEÑA, Francisco. De como la ecología políticaredefine conceptos centrales de la ontología jurídica tra-dicional: libertad y propiedad. O novo em direito am-biental. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.
GOMES CANOTILHO, J. J. Proteção do ambiente edireito de propriedade: crítica de jurisprudência ambiental.Coimbra: Coimbra Ed., 1995.
PEÑA FREIRE, Antonio. La garantía en el Estado consti-tucional de Derecho. Barcelona: Trotta, 1997.
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ATOS DE CONCENTRAÇÃONO SEGMENTO DE AUTOPEÇAS:
CASOS COFAP-MAGNETTI-MARELI-MAHLEE DANA-ECHLIN
Antonio Celso Baeta MinhotoMestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Professor do IMES de Teoria Geral do Direito Público.Advogado atuante em São Paulo.
Análise de dois casos de concentração mercadoló-gica, em que os supostos ganhos econômicos ad-vindos do ato de concentração foram relativizadospelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica –Cade, atraindo indagações sobre a condução da questão.
The two mercadological concentration casesanalise, on which the supposed economical gainsbrought by de concentration act were minimizedby the Cade, atracting real interrogations about thequality of the conduction’s case.
1 INTRODUÇÃO
O campo de estudo delineado pelo temacontempla ao menos alguns aspectos do cha-mado Direito da concorrência. Contudo, cum-pre notar, já de plano, que tivemos por preocu-pação primeira ou mesmo primordial a análisedo tema da forma mais didática e clara possível,por vezes correndo o risco de perder algumaprofundidade, em homenagem a um entendi-mento mais claro e simples de alguns elementos.
Por outro lado, o trabalho presente preten-de ser, muito embora de forma bastante dirigidae sem traço de pretensão exagerada, uma con-tribuição efetiva, prática, para todos aqueles queintencionam estudar o assunto em tela, nota-damente na esfera acadêmica, mais especifica-
mente em relação aos chamados atos concen-
tracionais e à defesa da concorrência.
Antes de adentramos ao estudo específico do
ato de concentração referido, alguns pontos do Di-
reito concorrencial, e de economia mesmo, devem ser
trazidos a lume aqui, sob pena de que eventual análise
singular do ato de concentração em si mostre-se por
demais divorciada de seu real contexto.
São itens fundamentais à presente exposição.
2 MERCADO E MERCADORELEVANTE: NOÇÕES ECARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS
A palavra mercado traz consigo, basicamen-
te, duas idéias: a primeira, relacionada a uma
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concepção física, material, do que seria mercado,
diz-nos que “mercado é lugar público, ao ar livre
ou em recinto fechado, onde se vendem e se com-
pram mercadorias” ou, ainda no mesmo sentido
mas de forma mais simples, “lugar onde se co-
merciam gêneros alimentícios e outras merca-
dorias”.1 A segunda concepção, e a que mais in-
teressa a esse trabalho, é de cunho subjetivo e dá
conta de que mercado seria “o conjunto de pessoas
e/ou empresas que, oferecendo ou procurando
bens e/ou serviços e/ou capitais, determinam o
surgimento e as condições dessa relação;”2 ou, de
uma forma mais singela, ensina-nos Maria Helena
Diniz ser o mercado “a esfera das relações
econômicas de compra e venda, das quais resulta
o preço, havendo ajuste”,3 e por fim, “conjunto
de operações sobre determinada mercadoria, ou
certos valores vendáveis”.4
O mercado, pois, mostra-se como o palco
em que se inter-relacionam os vários atores que
o compõem, segundo normas – fundamental-
mente de conduta – criadas por estes próprios
atores e também pelo Estado, que nessa relação,
em regra, pode sempre intervir.
Se a conceituação de mercado exibe-se de
forma bastante tranqüila, o mesmo já não se
pode dizer do próximo instituto a ser estudado,
sucedâneo jurídico do primeiro e rigorosamente
fundamental no estudo da concorrência, ou
seja, o mercado relevante.
Para efeitos de avaliação do exercício do po-
der econômico, é fundamental constatar se esseexercício de poder efetivamente é capaz de limi-tar, dificultar ou inviabilizar a concorrência. Talexercício, por sua vez, deve demonstrar relevân-cia, termo que, já de plano, mostra dificuldadesde aceitação entre alguns doutrinadores queapodam tal idéia como uma tradução imperfeitaou mesmo idiossincrática da palavra inglesarelevant, donde se originou o termo em português,sendo que, no idioma natal, o termo guarda maisproximidade com a idéia de pertinência e propósitodo que com nossa concepção de importância.
Tal distinção adquire especial relevo quandose verifica que, de fato, a idéia de mercado rele-vante traz consigo a noção de uma manifestação“na qual os produtos dele integrante (do mer-cado) são, em conjunto, objeto da concentraçãode ofertas e procuras que caracterizam a próprianoção econômica de mercado”.5
Se delimitar a parte axiológica ou semânticado que seria mercado relevante já se mostradifícil, mais tormentosa ainda é a tentativa detentar caracterizar de forma intrínseca o queseria mercado relevante. A concepção mais “po-pular”6 ou mais veiculada é igualmente contes-tada por vários doutrinadores, notadamente eco-nomistas, que nela vêem um tentativa de sim-plificação da temática que não consegue nemesgotar o tema nem aproximar-se de uma con-cepção mais científica.
1 Grande dicionário larousse cultural e Novo dicionário Aurélio, respectivamente.2 Novo dicionário Aurélio.3 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998, v. 3, p. 254.4 Enciclopédia saraiva do direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 52, p. 268.5 BRUNA, Sérgio Varella.O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício. São Paulo: Edusp, 1996, p. 71.6 Esta concepção é advinda do Direito americano e foi criada, ou melhor, sedimentada por iterativa jurisprudência,
estando ali disposto que “mercado relevante é composto de produtos que razoavelmente possam ser substituídos umpelo outro quando empregados nos fins para os quais são produzidos, sempre levando em conta o preço, a finalidadee a qualidade destes produtos” (citado por BARBIERI FILHO, Celso. Disciplina jurídica da concorrência: abuso dopoder econômico. São Paulo: Resenha Tributária, 1984, p. 113.)
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Ocorre que a concepção citada, oriunda dajurisprudência americana e, reconheça-se, am-plamente aceita por boa parte da doutrina (es-pecialmente os juristas), foi classificada poralguns economistas, de forma mais técnica, co-mo elasticidade cruzada da procura, que, porsua vez, nada mais é que o estabelecimento deum certo equilíbrio mercadológico em face de umdado produto, gerado pelo equilíbrio obtido navariação de procura.7
A adoção, sem maiores considerações, daconcepção expressa de elasticidade cruzada daprocura como fator determinante e baliza paradelimitação, avaliação e demais consideraçõestécnicas sobre o mercado relevante de um casoconcreto, levou, como já dito, alguns doutri-nadores a se insurgirem contra tal situação,chegando Hovencamp a afirmar que
“os juízes, muitas vezes, utilizam-se equivoca-
damente do conceito de elasticidade cruzada
da procura, porque não compreendem exata-
mente suas limitações”.8
O professor americano tem suas razões paraafirmar o mencionado, já que diz – e tem boaparcela de razão nisso – que o entendimentojurisprudencial não leva em conta itens funda-mentais, economicamente falando, para definiro mercado relevante do caso concreto, tais co-
mo o grau de semelhança dos produtos, lucros
monopolísticos e movimentações já ocorridas no
passado, envolvendo os produtos comparados.9
O primeiro item referido, por exemplo, traz
a essencialidade em traçar diferenciações
estruturais entre produtos que efetivamente
não comportam substituição entre si. Assim,
muito embora esponjas sintéticas e máquinas
de lavar louça sejam ambas utilizadas para a
lavagem de pratos, pouco ou nenhum grau de
substituição se verifica entre ambos os pro-
dutos, pelo que se pode concluir, ao menos com
razoável segurança, que eles não integram o
mesmo mercado relevante.10
Por outro lado, e muito embora não se possa
negar a fundamentalidade da análise econômica
no Direito concorrencial, é preciso notar que
tal postura não pode nem deve engessar a efetiva
prestação jurisdicional ou, ao menos, a efetiva
resposta às demandas relativas ao exercício do
poder econômico postas nas mãos do julgador,
seja ele juiz togado ou funcionário público à
frente de um procedimento administrativo.
Não se pode negar, igualmente, a relativa
dificuldade em se conceituar e mais ainda em
se definir mercado relevante em matéria de
Direito concorrencial, ainda que tal dificuldade,
como vimos com a declaração de Hovencamp,
não seja exclusiva do caso brasileiro.11
7 A expressão elasticidade cruzada da procura é mencionada por BRUNA, op. cit, p. 69.8 Cf. HOVENCAMP, Herbert. Federal antitrust policy: the law of competition and its practice, 1994, p. 99, apud Bruna,
op. cit., p. 76.9 HOVENCAMP, apud Bruna, op. cit., p. 77-78.10 O exemplo utilizado é de BRUNA, op. cit., p. 78.11 A dificuldade apontada é real. Um dos maiores doutrinadores da área do Direito comercial, BULGARELLI, Waldirio, em
sua obra Concentração de empresas e direito antitruste. São Paulo: Atlas, 1997, p. 126, diz, a respeito do mercado relevante,que “a noção de mercado relevante é ainda buscada pela doutrina nacional com afã (...) já no que concerne a mercadorelevante, pensa-se em ‘relevant market’, em mercado afetado, sendo de levar em conta a decisão da Suprema Cortedaquele país (EUA), referindo-se a ‘areas of effective competition’, portanto alcançando relações com bens, tempo, espaçoe, ainda, produtos, demanda, preço”. Nada obstante o notório brilhantismo do autor em apreço, o fato é que seuscomentários pouco ou nada respondem efetivamente quanto às características formais e intrínsecas de mercado relevante.
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D ireito A r t i g o
Feita a ressalva, o fato é que, para um tra-
balho direcionado e de fundo jurídico como o
presente, importa saber que mercado relevante
delimita um dado espaço geográfico e envolve
uma determinada gama de produtos, serviços e
agentes econômicos, sendo que todos esses ele-
mentos, relacionando-se entre si, irão deter-
minar uma função de equilíbrio tal que esta ser-
virá como norte para uma avaliação da existên-
cia ou não da chamada concorrência perfeita
(demanda inelástica) ou, por outro lado, de qual-
quer tipo de desequilíbrio decorrente do
exercício do poder econômico por um dos agen-
tes componentes desse mercado, capaz de afetar
esse mesmo mercado de forma significativa.
Para o caso brasileiro, vemos que a chamada
norma antitruste em vigência, Lei n. 8.884/94,
estipula em seu artigo 54, § 3º, a percentagem
de 30% do mercado relevante como norte para
avaliação do impacto do caso a ser examinado.
Ao mesmo tempo, e no mesmo trecho da norma
citada, há a fixação de outro critério para a
subsunção de quaisquer atos potencialmente li-
mitadores e/ou prejudiciais à concorrência,
desta feita o faturamento bruto anual, que será
tomado em face de qualquer dos partícipes
do ato sob exame, pelo limite mínimo de
R$ 100.000.000,00 (cem milhões) de Ufir.
Portanto, os critérios da lei são bastante cla-
ros e diretos: faturamento e parcelas ou fatia
do mercado relevante. Nesse último, será espe-
cialmente importante notar o âmbito geográfico
da percentagem declinada (30%) em face do
mercado destacado, ou seja, forçosamente se
deverá determinar de que mercado relevante se
estará falando, interno ou externo (nacional ou
internacional), o que representa sensível desta-
que na avaliação de qualquer ato de concen-
tração, uma vez que uma dada empresa pode
possuir 50% do mercado nacional em seu setor
econômico mas, internacionalmente, esta
participação pode representar 2 ou 3%.
Encerrando este tópico, podemos afirmar,
então, que havendo substitubilidade entre pro-
dutos razoavelmente similares – que, portanto e
obviamente, comportem substituição entre si – e,
por outro lado, delimitando-se geograficamente o
âmbito em que se dará o ato a ser analisado, ter-se-á
um mercado relevante pela frente.
3 CONCENTRAÇÃO HORIZONTAL
E CONCENTRAÇÃO VERTICAL
Pois bem, uma vez superada a análise e con-
ceituação de mercado relevante, importa nesse
momento adentrarmos ao exame do ato con-
centracional em si, sua natureza, características
e aspectos mais relevantes para nosso estudo.
Primeiramente, cumpre introduzir a seguin-
te pergunta: a concentração é uma figura/ins-
tituto jurídico ou econômico?
Como uma tendência quase natural quando
se trata de comentar elementos constituintes do
direito Concorrencial, a seara econômica toma
um espaço não só maior, mas também mais
preponderante em qualquer análise. Aqui não é
diferente. Aliás, os próprios juristas e doutri-
nadores da área jurídica reconhecem, mesmo fora
do Direito antitruste, que a análise em geral dequalquer instituto ou objeto, ainda que em umaabordagem jurídica, deve ser precedida pelo estudode sua natureza prática, ou não jurídica, chegandoum ilustre doutrinador italiano a afirmar que
“non si avventurino, mai ad alcuna tratazzione
giuridica se non conoscono a fondo la struttura
técnica e la funzione econômica dell´istituto che
è l´oggetto dei loro studi (...) é una slealtà
scientifica, è un difetto di probità parlare de
um istituto per fissarne la disciplina giuridica
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senza conoscerlo a fondo nella sua realtà (...)
lo studio pratico della sua natura deve precce-
dere quello del diritto”.12
Destarte, a concentração, de uma forma lata
ou genérica e para o aspecto aqui buscado, é
toda forma de ampliação de poder econômico
conseguido ou atingido pela empresa, através
do incremento de seu faturamento direto, ou
seja, a empresa aumenta seu faturamento pela
ampliação de sua parcela no mercado (aquisi-
ção, compra, associação etc, de outras empresas
de seu ramo de atuação) ou incorpora cadeias
produtivas constituintes da feitura de seus pro-
dutos (insumos) à sua própria linha de produção
original.
Nessa definição já temos os elementos da
diferenciação entre concentração vertical e con-
centração horizontal, o que nos torna aptos a
tentar estudar cada uma separadamente.
3.1 Concentração Horizontal
Nesta modalidade, verifica-se a concentra-ção pela junção, seja em que modalidade for,de uma empresa em face de outra ou outras,todas componentes de um mesmo nicho ou se-tor econômico. Assim, por exemplo, se um dadoprodutor de peças para lataria de automóveisque detenha 20% de participação em seumercado econômico unir-se (adquirir, associar-se,fundir-se etc.) a um seu concorrente que de-tenha 15% do mesmo mercado de produtos,teremos manifesto o fenômeno da concentra-
ção horizontal, em que ocorrerá um incremento
no faturamento de ambas as empresas – que
passarão a ser uma só – bem como um inevitável
aumento de participação no mercado daquele
produto específico, no caso peças para latarias
de automóveis, levando a nova empresa a deter
35% de tal mercado.
Muito embora a concentração horizontal não
apresente maiores dificuldades quando se busca
simplesmente entendê-la, é preciso cuidado para
não simplificá-la de forma rasteira ou superficial.
No exemplo dado, em que a somatória das
participações singulares das empresas que se
uniram tornou-as possuidoras de uma partici-
pação maior de mercado, da ordem de 35%, po-
deríamos ser levados a crer que o abuso do
poder econômico, que a limitação ou prejuízo
à concorrência13 estariam patentes, mas não é
bem assim.
Todas as normas jurídicas devem ser
interpretadas. Isso é ponto pacífico e dispensa
maiores digressões, já que tal assertiva é espécie
de princípio do Direito. A lei não existe em si,
mas na concretude de sua aplicação ao caso
materialmente posto à sua frente, reclamando
sua aplicação prática. A partir dos fatos se terá
como, em que medida, de que forma, com que
intensidade e modo se dará a aplicação das
previsões contidas na norma positivada.14
Pois bem, para a questão retro-referida,
desse modo, o que se verifica como eixo funda-
mental na avaliação do ato concentracional é,
em um primeiro ponto, para qual base geográ-
fica mercadológica se está aplicando a análise
do caso. Se, ao adotarmos o exemplo declinado,
12 VIVANTE, Cesare. Trattato di diritto commerciale. Milão: Giufrè, 1931, v. 1, p. 63.13 Cf. prevê o artigo 20, I, Lei n. 8.884/94.14 Cf. Superior Tribunal de Justiça: “A interpretação das leis é obra de raciocínio mas também de sabedoria e bom senso,
não podendo o julgador ater-se exclusivamente aos vocábulos mas, sim, aplicar os princípios que informam asnormas positivas” (STJ – REsp. n. 3.836, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 18.12.90).
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D ireito A r t i g o
aplicarmos a concentração operada para um
mercado geográfico extremamente restrito – a
cidade de São Paulo ou Rio de Janeiro, por
exemplo –, 35% de participação pode se mostrar
uma concentração excessiva, pode configurar
um abuso de poder econômico e dificultação
da concorrência (como vimos), especialmente
se os outros 65% estiverem pulverizados em
várias participações menores de outras
empresas. Resultado diametralmente oposto
será obtido se, para efeitos de análise do ato con-
centracional do exemplo, adotarmos o mercado
nacional como base geográfica mercadológica,
em que os 35% de concentração de um merca-
do local irão tornar-se ou poderão tornar-se algo
como 1,2 ou 5%, ficando, assim, em um pata-
mar e em uma caracterização que passarão
longe de uma concentração de mercado
excessiva e de um exercício abusivo do poder
econômico.
3.2 Concentração Vertical
Nessa modalidade de concentração, a em-presa aumenta seu tamanho e faturamento pelaaquisição (adquire, associa-se, funde-se etc.) deuma outra empresa, ou empresas que não sãode seu ramo de atuação de uma forma direta,mas empresas que produzem insumos e itenscomponentes de seu produto final. Adotando-seo exemplo citado da empresa de peças paralataria, poderíamos adaptar à concentraçãovertical da seguinte forma: imagine-se quereferida empresa somente operasse a parte demanuseio da chapa de aço, dobrando-a, furan-do-a, pintando, enfim, moldando-a e modi-ficando-a a fim de obter a peça final, valendo-se,portanto, da aquisição da chapa de aço já pron-
ta. Se esta mesma empresa adquirisse sua
fornecedora de chapas de aço, ou seja, a empresa
metalúrgica que lhe fornece as chapas de aço para
seu beneficiamento, estaria praticando um ato de
concentração vertical, vez que estaria agregando
um item de insumo de sua cadeia produtiva para
sua própria exploração e produção.
Aqui no caso da concentração vertical, além
das ressalvas geográficas já feitas com relação à
concentração horizontal – muito embora se
reconheça que na concentração horizontal a
definição geográfica do mercado relevante a ser
analisado seja mais importante do que na con-
centração vertical –, ainda se deve fazer as res-
salvas contidas no § 1º do artigo 54 da lei an-
titruste em vigência no país, ressalvas essas que
visam preservar atos concentracionais que,
muito embora possam ser vistos em um pri-
meiro momento como abusivos ou lesivos à con-
corrência, trazem consigo uma carga tal de
benefícios que a concentração toma uma espaço
menor e a melhora do mercado para aquele
produto, ou produtos, passa a ser mais vantajosa
e até desejável.
O raciocínio passa a ser o de se admitir a
concentração operada em prol de uma melhora
substancial do mercado em uma acepção ampla
(aumento da produtividade; melhora da
qualidade dos produtos/serviços que propiciem
eficiência e desenvolvimento tecnológico),
sendo que a avaliação destes benefícios está
sujeita ao mesmo órgão previsto na lei em foco,
inclusive com imposição de condições prévias
(compromisso de desempenho).15
4 CASO COFAP NO CADE
Como se vê, os conceitos declinados são
itens básicos e indispensáveis no trato do tema
15 Cf., respectivamente, artigo 54, § 1º, alíneas a, b e c, artigo 58, ambos da Lei n. 8.884/94.
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ou temas aqui expostos. Isto porque, sem a
compreensão do que seja mercado, impossível
seria esmiuçar o significado de abuso de poder
econômico, principalmente, sabendo-se que a
análise da repressão aos abusos do poder
econômico não comporta referência apenas a
um só mercado, senão a vários, que se rela-
cionam mutuamente, em maior ou menor grau.
Assim, ao mesmo tempo em que se pode
falar de um mercado de alimentos, pode-se
referir a um mercado de carnes, mas também
ao de carne bovina, ao de carne suína, ao de
aves, de frangos ou mesmo perus.16
Dessa forma, para que possamos apurar
qual o nível de concorrência e o volume de
poder econômico pelos agentes desfrutados,
interessante é saber se esse exercício de poder
é capaz de impor barreiras, limites ou entraves
ao concorrente.
Por sinal, esse é o propósito do presente
estudo, que leva em consideração a aquisição
do controle de 70,08% do capital votante e
28,38% do capital total da empresa Cofap –
Companhia de Peças Fabricadora de Peças, pela
Magnetti Marelli S.p.A. e sua real conseqüên-
cia para o mercado de autopeças, tendo em vista
que, em razão da constituição de Magnetti
Marelli Participações S/C Ltda., por Magnetti
Marelli S.p.A e Mahle GMH, garantiu-se à
sociedade constituída o controle (31%) sobre
todas as atividades de anéis da Cofap, segmentos
de produção e comercialização de amortece-
dores, centro de pesquisa e atividades comerciais
relativas ao mercado de reposição.
Levado o caso à apreciação do Cade (ato de
concentração n. 080.12.007154/97-38), justifi-
caram as requerentes se tratar de operação
absolutamente normal, exigência até do novo
modelo de mercado mundial, decorrente da glo-
balização e da abertura comercial, que impelem
à formação de estratégias de fusões, aquisições
e joint ventures, como forma de incrementar a
competitividade e a sobrevivência da indústria
automobilística nacional.
Mais à frente, no item posterior, analisare-
mos a situação da indústria de autopeças frente
a outra fusão, desta feita, entre as empresa Dana
e Echlin.
4.1 Desconcentração Vertical
No caso em destaque, um dos pontos con-
troversos era o da possível concentração vertical
na área de usinagem e fundição, uma vez que a
Cofap possuía uma unidade fabril nesse campo.
Contudo, informa o relatório do caso que
“as consulentes informaram que, em 01/07/98
foi firmado ‘Protocolo de Intenções para Rea-
lização de Negócio entre a Cofap e a Indústria
de Fundição Tupy, que tem como objetivo a
venda da unidade de fundição da primeira para
a última no prazo de trinta dias”.
Prosseguindo, diz a relatora do caso:
“A se confirmar a venda, remédios antitruste,
tais como a alienação deste negócio, não seriam
mais necessários”.
Como não bastasse, os requerentes, anco-
rados em estudos técnicos do setor em desta-
que, lembram que
16 BRUNA, op. cit., p. 45.
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D ireito A r t i g o
“(...) a fundição constitui-se em um mercado
maduro, de baixa rentabilidade, inibindo in-
vestimentos, sendo estes de alto valor. Por con-
seqüência, temos na Cofap a operação deste
segmento com tecnologia amplamente defasa-
da e altos custos de produção (em especial de
insumos e de mão de obra), o que impede a
mesma de concorrer com outros grandes
produtores mundiais”.
Portanto, é interessante observar que a es-
tratégia da Cofap em apresentar a venda de sua
unidade de usinagem – que talvez já lhe fosse
desinteressante de todo modo – serviu como uma
valiosa demonstração de boa vontade, como uma
exibição de que ela, Cofap, é uma empresa que
concorre de forma leal. Se esta imagem é ou seria
real, já é um outro ponto, mas o fato é que seus
objetivos foram alcançados.
4.2 Participação em GrupoConcorrente
Outro ponto de relevância repousa no fato
de que a Cofap, após a união com a Magnetti
Marelli, seria então controlada por uma
subsidiária do Grupo Fiat, o que poderia causar
problemas de fornecimentos de seus produtos
às montadoras concorrentes da Fiat no Brasil
e, como informa o relatório,
“ficariam (as montadoras), pois, na dependên-
cia de fornecimento de sua concorrente para a
obtenção dos produtos necessários ao seu pro-
cesso produtivo. Além dos produtos em análise,
preocupa, por exemplo, o caso dos amor-
tecedores, que, embora não façam parte do
mercado relevante, constituem o principal
produto da Cofap, que detém cerca de 70% da
participação total nos segmentos original e de
reposição. Assim, se as empresas envolvidas na
operação praticarem preços diferenciados ou
mesmo restringirem o volume de peças vendidas
ou não cumprirem prazos de entrega, estarão
causando sérios prejuízos aos seus concorrentes”.
Nada obstante o relatado, as montadoras
não se opuseram ao negócio pretendido pelas
partes. De acordo com a GM, a empresa não
produz amortecedores e tem como única for-
necedora a Cofap. Porém, afirma que o
“fornecimento de amortecedores, tanto no
âmbito nacional como internacional, poderia
ser realizado pelas empresas MONROE,
ARVIN, SACHS e DELPHI, que têm condições
de oferecer custo e qualidade e possuem
disponibilidade de oferta para atender as nossas
necessidades”.
Quanto aos efeitos da operação, acreditam
que a
“associação tende a aumentar a competitividade
entre as empresas, com melhorias dos níveis de
tecnologia e qualidade do produto”.
A Volkswagen informou que não tem pro-
dução cativa dessas peças e possui como forne-
cedores, além da Cofap (39% dos amortece-
dores), a MONROE (48%) e a SACHS (13%).
Esclareceu, ainda, que
“se um dos fornecedores aumentar os preços
ou interromper a produção existe viabilidade
de aquisição de amortecedores nas outras duas
fontes locais. Caso este problema ocorra com
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as três fontes, existem empresas no exterior que,
após um período de desenvolvimento da peça
e dependendo de negociações comerciais,
estariam aptas a fornecerem”.
Justamente pela declaração das própriasmontadoras, a relatora do ato de concentração
em questão disse, ao final, que
“a parcela da operação relativa ao segmento de
amortecedores não é razão de maiores preo-
cupações para as principais concorrentes da Fiat”.
Aqui tomam assento algumas influências
mais palpáveis do que hoje se usa denominar
globalização econômica. As compradoras
principais da Cofap – montadoras de veículos
– declaram taxativamente sua independência
em relação à eventual tentativa de manipu-
lação de preços ou fornecimento pela empresa
em tela, alegando facilidade em acessar os
mesmos produtos fornecidos pela Cofap em
qualquer outro ponto do globo. A frase
emitida pelos representante da Volkswagen é
paradigmática:
“se um dos fornecedores aumentar os preços ou
interromper a produção (...) existem empresas no
exterior que, após um período de desenvolvimento
da peça e dependendo de negociações comerciais,
estariam aptas a fornecerem”.
A título ilustrativo, vejamos alguns dados
técnicos sobre a empresa em análise:
Principais Clientes da Cofap no BrasilPrincipais Clientes da Cofap no BrasilPrincipais Clientes da Cofap no BrasilPrincipais Clientes da Cofap no BrasilPrincipais Clientes da Cofap no Brasil
EMPRESAS/GRUPO % SOBRE O FATURAMENTO
Fiat Automóveis S/A 17,01
General Motors do Brasil 11,44
Volkswagen 9,13
Grupo Roles 6,90
Grupo Sama 5,24
Grupo Real 4,03
D. Paschoal S/A 3,98
Mercedes Benz do Brasil 2,75
Grupo Natacci 2,65
Grupo Guatil 2,49
Fonte: Requerentes (Cofap-Magnetti-Mareli-Mahle)
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D ireito A r t i g o
4.3 Do Ganho em Produtividadee Tecnologia
Como sabemos, o artigo 54 da Lei n. 8.884/94
é uma espécie de receptáculo da idéia de
tolerância da perda de concorrência por qual-
quer meio, se verificado o ganho, para o mer-
cado, de aspectos relevantes como produtividade
ou o desenvolvimento tecnológico porventura
gerado pela aprovação do ato. Para o caso em
foco, apurou-se que tais vantagens eram as
seguintes:
Principais Clientes da Cofap No MundoPrincipais Clientes da Cofap No MundoPrincipais Clientes da Cofap No MundoPrincipais Clientes da Cofap No MundoPrincipais Clientes da Cofap No Mundo
EMPRESAS/GRUPO % SOBRE O FATURAMENTO
Chrysler (EUA) 18
Fiat (BR) 14
General Motors (BR + AR) 7
Grupo Roles (BR) 6
Volkswagen (BR, AR, MX) 5,8
Delphi (GM/BR) 5,5
Grupo Sama (BR) 4,6
D. Paschoal (BR) 4
SM (VW/BR) 2,2
Ford (BR/AR) 1,7
Fonte: Requerentes (Cofap-Magnetti-Mareli-Mahle)
1) Aporte de novas tecnologias
2) Aumento das exportações, através da inserção nos canais de comercialização do grupo
Marelli, permitindo que a Cofap/Marelli seja um fornecedor globalfornecedor globalfornecedor globalfornecedor globalfornecedor global
3) Aumento da qualidade em razão das novas tecnologias
4) Economias resultantes da maior racionalização dos investimentos e do melhor
aproveitamento dos recursos despendidos com P&D
5) Maior competitividade a partir da maior especialização e conseqüente possibilidade de a
Cofap/Marelli ser um co-designer em escala mundial
6) Maior nível de P&D na área de amortecedores e o incremento das exportações desse
produto, e
7) Maiores níveis de investimentos, produção, exportação e tecnologia de sistemas de
escapamentos e amortecedores
Fonte: Requerentes (Cofap-Magnetti-Mareli-Mahle)
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Portanto, trata-se aqui da aplicação, ao mo-
do brasileiro é certo, da regra da razão do Direito
concorrencial americano, admitindo e tolerando
atos concentracionais que, em um primeiro mo-
mento e em uma acepção puramente técnica –
jurídico-econômica –, se mostram como con-
denáveis e insuscetíveis de aprovação. Mas, da
análise de seus efeitos, se pode buscar benefí-
cios que compensem a perda de concorrência
mercadológica.
4.4 Mercado Nacional e MercadoInternacional
Como vimos, o próprio mercado consumi-
dor mais substancial dos produtos Cofap – mon-
tadoras de veículos – não se opôs ao ato de con-
centração em exame, alegando facilidade de
acesso às peças automotivas em apreço, mor-
mente no exterior.
Nesse sentido, o voto da relatora do Cade
apoiou-se francamente na internacionalização
dos mercados e especialmente na força do ca-
pital globalizado, invocando, estudo do BNDES
para concluir que a fusão – ou, em melhor con-
ceituação, a aquisição da Cofap pela Magnetti –
seria também recomendável pela chamada força
advinda da globalização econômica que estaria
forçando as empresas, especialmente aquelas
situadas nos chamados países em desenvolvi-
mento, a se unirem com parceiros comerciais mais
fortes, com atuação mais abrangente em escala
mundial e com recursos ou ao menos acesso a
recursos financeiros mais representativos.
De fato, como destaca o referido estudo do
BNDES:
“Apesar das expectativas de crescimento da in-
dústria automobilística, inclusive com a en-
trada de novas montadoras – os países em de-
senvolvimento são vistos como a área de maior
crescimento – muitas empresas estão amea-
çadas. As vultuosas exigências de capitalização
e de investimentos para a ocupação de espaços
nesta nova cadeia, o volume crescente de
importação e a concorrência com novos fabri-
cantes internacionais, trazidos pelas próprias
montadoras, são alguns dos aspectos que mais
afetam as empresas existentes no país. O re-
sultado desse contexto é a fragilização das
posições de mercado de tradicionais firmas de
capital nacional atuantes no setor.”
E a relatora arremata, declarando sobre o
ponto em destaque que
“a abertura da economia a partir dos anos no-
venta, se trouxe inegáveis benefícios à dinâmica
da concorrência no setor automotivo, também
exige que as empresas de autopeças se adaptem
às novas condições de mercado e às pressões
competitivas advindas de concorrentes inter-
nacionais. São condições essenciais à sobrevi-
vência destas empresas a necessidade de reduzir
custos, se integrando no esquema de global
source e folow source para a produção de carros
mundiais e produzir produtos de padrão de
qualidade internacional, o que exige aportes
tecnológicos e financeiros significativos”.
Todo o relatado nesse item adquire contor-
nos mais interessantes ainda quando se vislum-
bra que o Cade, através de sua relatora designada
para o caso, adotou o mercado nacional como
a área geográfica de atuação das requerentes,
dizendo:
“Quanto à dimensão geográfica, embora fosse
possível cogitar uma definição mais ampla que
as fronteiras nacionais, em razão dos fatores já
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D ireito A r t i g o
expostos sobre a tendência à concorrência global
e as facilidades às importações de autopeças, e
aprofundados no AC 84/96, defino, conserva-
doramente, o mercado geográfico como o
nacional”.
E em outro ponto:
“Não obstante as possibilidades de importações
sejam amplas, em particular devido às baixas
alíquotas efetivas de importação decorrentes
da política governamental para o setor, os
fluxos internacionais de comércio, como de-
monstram os dados de market-share presentes
no parecer da Seae, não são muito significati-
vos. Os dados sugerem que as montadoras
apenas instrumentalizam as facilidades à im-
portação atualmente vigentes na negociação
de preços e qualidade dos produtos obtidos de
seus fornecedores, em geral localizados próxi-
mos a elas.”
Esse aspecto parece, a toda evidência, terpesado na interpretação da fusão em questão,uma vez que o mercado relevante adotado, emtermos geográficos, foi nacional, mas a inserçãodesse mercado específico no mercado maisgenérico foi tratada como mundial, o que seapresenta quase que como um paradoxo,exibindo, por outro lado, as modificações senti-das nas relações econômicas mundiais e naforça adquirida pelo capital internacionalizado
Assim, foi reconhecido o impacto da cha-mada globalização, foi reconhecida a necessi-dade até de ocorrer a concentração pretendida,porém, e paradoxalmente, foi afastada a adoçãode mercado geográfico internacional, talvezporque o escopo seja justamente proteger omercado interno ou, em outra construção, for-talecer as empresas aqui atuantes e não muni-ciá-las para atuação mundial. Adota-se o mer-
cado mundial como parâmetro de defesa do
mercado nacional e não como arena de atuação
das empresas unidas pelo ato analisado.
4.5 C o n c l u s ã o
Algumas conclusões vem à tona no caso em
destaque:
1) Em vista das tendências recentes do se-
tor automobilístico (fornecimento global
e produção enxuta), somadas à necessi-
dade de conhecimentos tecnológicos
específicos e de uma série de custos irre-
cuperáveis (no caso de blocos e cabeço-
tes de ferro), tal opção seria a mais ine-
ficiente do ponto de vista privado, e, em
última análise, do ponto de vista dos con-
sumidores finais.
2) No segmento de escapamentos, não
gerou a operação concentração signi-
ficativa, não apenas em razão de deter a
Marelli ínfimos 3% do mercado, mas
também porque os custos de entrada são
relativamente baixos, gozando as mon-
tadoras de amplo acesso ao mercado in-
ternacional, o que limitaria o sucesso de
qualquer estratégia anticoncorrencial.
3) No segmento de amortecedores, tam-
bém não vislumbrou o Cade barreiras
significativas à entrada. Isto porque, as
necessidades de reduzir custos, integrar-se
no esquema de global source e follow sourcepara a produção de carros mundiais e
produzir produtos de padrão de quali-
dade internacional, o que exige aportes
tecnológicos e financeiros vultosos, são
condições essenciais à sobrevivência
destas empresas;
4) Por fim, vislumbram-se eficiências ca-
pazes de compensar os danos à concor-
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imesr e v i s t a
A r t i g o
rência causados pela operação nesse caso
específico. A uma, porque o negócio de
blocos e cabeçotes de ferro não integra
o core bussines da Marelli ou da Mahle;
a duas, porque a venda dos negócios de
fundição da Cofap para a fundição Tupy
representa fator positivo, pró-competi-
tivo, por diminuir os efeitos de concen-
tração na operação original.
Pelas motivações retrotranscritas, aprovou
o Cade a operação, o ato de concentração em
questão, sem restrições.
5 QUESTÃO DANA-ECHLIN:
BREVES COMENTÁRIOS
As empresas mencionadas também promo-veram um ato de concentração fundindo-se, atoesse aprovado pelo Cade sem restrições. Não éo escopo desse trabalho analisar a fundo esseoutro ato mas, a partir dos dados a seguir for-necidos, refletir sobre o mercado de autopeçascomo um todo e analisar, do mesmo modo, nãoapenas a concentração horizontal, a aquisiçãode concorrentes participantes de um mesmomercado relevante, mas a concentração no nú-mero de itens de peças existentes no mercadocomo um todo.
Portanto, faremos primeiramente um raio-x,um perfil das empresas em apreço, inclusivecom os atos concentracionais em que ambasestiveram envolvidas antes do ato em foco.Assim:
Dana Corporation: Empresa norte-ameri-cana, com sede em Toledo, Ohio, possui apro-ximadamente 50.000 empregados e apresentou,em 1997, um faturamento de U$ 8,3 bilhões no
mundo e R$ 576.800.000,00 no Brasil. É consi-
derada pela Seae como um dos maiores fabricantes
de peças para veículos do mundo. Estão sob o con-
trole do grupo, no Brasil, as seguintes empresas:
Dana-Albarus S.A. Indústria e Comércio (fabrica
colunas de direção, conjuntos e componentes de
juntas universais, anéis de pistão para motores,
sanfonas, mancais, coxins, dutos de ar e retentores
de borracha); Dana Indústrias Ltda (fabrica con-
juntos e componentes de eixos diferenciais tra-
seiros, juntas de motor e chassis rodantes); SM –
Sistemas Modulares Ltda (atua no fornecimento
de serviços de montagem dos sistemas de
suspensão); Albarus Sistemas Hidráulicos Ltda
(fabricante de bombas de engrenagem, válvulas,
cilindros e sistemas hidráulicos); ATH Albarus
Transmissões Homocinéticas Ltda (fabricante de
conjuntos e componentes de juntas homoci-
néticas); Nakata S.A. Indústria e Comércio (fa-
brica amortecedores e componentes de suspensão
e foi adquirida pelo grupo Dana em abril de 1998);
Albarus Comercial Exportadora (atua na
importação e exportação dos produtos do grupo).
Nos últimos 5 anos, a DANA participou das
seguintes operações: aquisição da divisão de
eixos diferenciais leves da Rockwell do Brasil
S.A.,17 aquisição de 60% de participação do
capital social da Simesc, em dezembro de 1994;
aquisição da empresa Indústrias Orlando
Stevaux Ltda; aquisição da Nakata S.A. Indústria
e Comércio.
Echlin Inc.: Empresa norte-americana,
com sede em Branford, Connecticut. No último
exercício apresentou um faturamento de US$ 3,6
bilhões e conta com 15.600 funcionários. Sua
única subsidiária no Brasil, a Echlin do Brasil
Indústria e Comércio Ltda, foi fundada em 1945
17 A Rockwell, por seu turno, adquiriu, em meados dos anos 80, o controle acionário da Fumagalli, indústria nacional deautopeças, sediada em Limeira, SP.
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D ireito A r t i g o
e possui 870 empregados. Em 1997, obteve um
faturamento de R$ 73,3 milhões. Nos últimos
5 anos, a Echlin participou das seguintes
operações: aquisição dos ativos de mercado da
Mecano em 1997 (aprovada pelo Cade);
aquisição dos ativos de mercado da Brosol, em
1998 (em análise no Cade).
Os produtos relevantes indicados pelas
requerentes são: bombas de água, bombas de
combustível, carburadores e injeção, kits para
reparo de carburadores, produtos elétricos,
tubos e mangueira para direção hidráulica e
freios do veículo. Vejamos sua participação
mercadológica:
Bombas de ÁguaBombas de ÁguaBombas de ÁguaBombas de ÁguaBombas de Água
EMPRESAS PARTICIPAÇÃO EM 1997 (%)
Echlin do Brasil 36,5
Columbia 20,0
Iochpe Maxion 9,2
Indisa 6,2
Schadek 1,4
TMR (*) 1,4
Vetori 0,8
VMG (*) 0,8
Montadoras 22,6
Outras 1,0
(*) Produto importado. Fonte: Requerentes (Dana-Echlin)
Bombas de CombustívelBombas de CombustívelBombas de CombustívelBombas de CombustívelBombas de Combustível
EMPRESAS PARTICIPAÇÃO EM 1997 (%)
Echlin do Brasil 95,3
Outros importadores independentes 4,7
Fonte: Requerentes (Dana-Echlin)
Carburadores e InjeçãoCarburadores e InjeçãoCarburadores e InjeçãoCarburadores e InjeçãoCarburadores e Injeção
EMPRESAS PARTICIPAÇÃO EM 1997 (%)
Echlin do Brasil 66,1
Magnetti Marelli 33,9
Fonte: Requerentes (Dana-Echlin)
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Kits para Reparo de CarburadoresKits para Reparo de CarburadoresKits para Reparo de CarburadoresKits para Reparo de CarburadoresKits para Reparo de Carburadores
EMPRESAS PARTICIPAÇÃO EM 1997 (%)
Echlin do Brasil 28,5
Magnetti Marelli 27,0
Vogel 20,0
Seaverte 10,3
Outras 14,2
Fonte: Requerentes (Dana-Echlin)
Tubos para Direção HidráulicaTubos para Direção HidráulicaTubos para Direção HidráulicaTubos para Direção HidráulicaTubos para Direção Hidráulica
EMPRESAS PARTICIPAÇÃO EM 1997 (%)
Paranoá 30,5
Dayco 17,9
Echlin do Brasil 16,8
Getoflex 13,7
Aeroequip 9,5
Outras 11,6
Fonte: Requerentes (Dana-Echlin)
Mangueiras para FreiosMangueiras para FreiosMangueiras para FreiosMangueiras para FreiosMangueiras para Freios
EMPRESAS PARTICIPAÇÃO EM 1997 (%)
Getoflex 29,8
Saad 25,1
FH 19,9
Vinke 14,2
Echlin do Brasil 2,8
Outras 8,3
Fonte: Requerentes (Dana-Echlin)
80j a n e i r o / j u n h o — 2 0 0 3
D ireito A r t i g o
Nada obstante o poderio exibido, a Seae
emitiu parecer favorável ao ato, chamando a
atenção para os seguintes pontos:
“(i) as autopeças fabricadas pela Echlin e pela
Dana se complementam no produto final
(automóvel); (ii) o grupo Dana terá na Echlin
um importante fornecedor de peças de
reposição e o pleno conhecimento dos canais
de distribuição para o mercado de reposição,
o que resultará em economias de escopo; e (iii)
que ao incorporar a Echlin, o grupo Dana
avança no sentido de tornar-se um fornecedor
de nível I, ou de elite, no atendimento às monta-
Produtos elétricosProdutos elétricosProdutos elétricosProdutos elétricosProdutos elétricos
EMPRESAS PARTICIPAÇÃO EM 1997 (%)
Bosch 22,8
Echlin do Brasil 13,1
NGK 7,5
ZM 7,4
3RHO 7,4
Dani 5,7
Top 5,7
Marília 5,4
Siemens 5,0
HL 4,3
Bergson 2,8
IKRO 2,4
Olimpic 2,1
Facobrás 1,8
Outras 6,6
Fonte: Requerentes (Dana-Echlin)
doras, cuja tendência é exigir a entrega de
estruturas montadas e não somente com-
ponentes isolados” (fls. 165).
Diante disso, conclui que a operação não
gera qualquer tipo de concentração e é passível
de aprovação.
A SDE, por seu turno, segue a mesma linha
e alinhava os seguintes pontos:
“(i) a operação não provoca alteração na
estrutura do mercado de autopeças como um
todo uma vez que não eleva o poder de mercado
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da adquirente, nem resulta em concentração de
mercado; (ii) não existem barreiras relevantes à
entrada de novos concorrentes, exceto as
exigências impostas pelas montadoras aos
fornecedores de autopeças”.
Em vista disso, sugere a aprovação sem res-trições da operação.
A operação em foco foi aprovada sem res-trições e nota-se que o Cade, calçado nos pare-ceres da Seae e da SDE, entendeu que a uniãodas requerentes traria ganhos ao mercado deuma forma geral, aplicando aí, não de formadeclarada, é certo, as previsões do artigo 54,§ 1º e seus incisos, da Lei n. 8.884/94. Vê-seque a concentração foi francamente tolerada,em prol de um ganho – efetivo ou não, real ounão – trazido pela mesma concentração.
6 COMENTÁRIO FINAL
Como já citamos no preâmbulo desse tópico,todas as operações citadas envolvendo as reque-
rentes foram aprovadas pelo Cade. Dana-Echlin,
juntas, terão, somente no Brasil, faturamento em
torno de R$ 650.000.000,00, 6.000 empregados,
porém, mais do que isso, as requerentes irão
causar sensível concentração no mercado de
autopeças, uma vez que juntas produzirão uma
gama vasta de componentes e com alta participa-
ção em cada mercado individual.
Esse é o ponto interessante aqui: a análise
ou pelo menos a admissão de que é possível
haver transferência de poder econômico dentro
do mesmo grupo de empresas, com francas
possibilidades de interferência em um dado
mercado, como é o presente caso (mercado de
autopeças). Ou seja, o ato de concentração em
questão, dado o aumento no poderio econômico,
no acesso à tecnologia e a recursos por vezes
até subsidiados, pode levar a uma perda de
concorrência no fabrico de um dado item em
que hoje as empresas envolvidas possuem
pequena participação, o que, pelos fatores exi-
bidos, possivelmente virá a desequilibrar esse
mercado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRUNA, Sérgio Varella. O poder econômico e a con-ceituação do abuso em seu exercício. São Paulo: Edusp,1996.
BULGARELLI, Waldirio. Concentração de empresas e di-reito antitruste. São Paulo: Atlas, 1997.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo:Saraiva, 1998, v. 3.
ENCICLOPÉDIA saraiva do direito. São Paulo: Saraiva,1977, v. 52.
VIVANTE, Cesare. Trattato di diritto commerciale. Milão:Giufrè, 1931, v. 1.
Site do Cade: www.cade.org.br
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A r t i g o
R E S U M O
A INCÔMODA SOLUÇÃOCHAMADA
AÇÃO AFIRMATIVA
Sandro César SellDoutorando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Mestre em Sociologia Política pela UFSC.Graduado em Direito e Ciências Sociais (UFSC). Advogado.
Professor de Introdução ao Direito e Sociologia Jurídica na Universidade do Vale do Itajaí.
Este artigo tem por objetivo mostrar que asdificuldades de implementar medidas de açãoafirmativa no Brasil não são jurídicas, mas culturais.
A B S T R A C T
This article has the objective to show that brasilianjuridical order accept the affirmative acion, but notthe brasilian culture.
1 INTRODUÇÃO
É possível que nenhuma engenharia social
contemporânea tenha trazido tanta polêmica
quanto aquela que, mediante expedientes como
cotas previamente definidas ou políticas de acesso
preferencial, promete a inclusão eqüitativa de
negros, deficientes, índios e mulheres nos es-
paços socialmente valorizados. São as chamadas
medidas de ação afirmativa, que representam a
tentativa de alguns Estados de matriz liberal de
corrigir a falácia da meritocracia, segundo a qual,
em um Estado em que a Constituição valoriza,
sobretudo, a liberdade, as desigualdades devem
ser atribuídas a diferentes graus de esforço e
talento individual.1 A pobreza e a riqueza, em
tais Estados, são atribuídas a opções (esforçar-se
mais ou menos), fatos genéticos (possuir maior
ou menor grau de inteligência) ou a eventos
aleatórios (sorte ou azar).
No entanto, quando as análises estatísticas
começaram a mostrar que a pobreza tinha cor
(de tonalidade escura) ou que o poder tinha se-
xo (masculino), a idéia de que o sucesso era
uma questão de competência individual ficou
seriamente questionada. E se não ficasse, o ques-
tionamento deveria dirigir-se ao consenso con-
temporâneo de que as diferenças de cor, raça ou
sexo não são relevantes para sustentar distinções
de capacidades mentais entre os diferentes gru-
pos humanos. Consenso que desde a Declaração
da Unesco sobre as Raças, de 1948, estava fir-
1 Dizemos Estados liberais porque, nos Estados socialistas, a máxima da meritocracia era substituída pela regra: “Decada um conforme suas possibilidades; a cada um conforme suas necessidades”. Máxima igualmente falaciosa – aomenos em sua operacionalidade.
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D ireito A r t i g o
memente estabelecido – e que os anos e a ciência
só têm feito reforçar.2
Por ironia, foram os EUA, o país do “sonho
americano” (a ideologia de que todos podem
tudo se estiverem dispostos a lutar por seus
ideais), que, no início da década de 1960, popu-
larizaram as políticas de ação afirmativa, como
uma incômoda forma de superar o déficit entre
as promessas de acesso universal às riquezas
pelo esforço e a vida real permeada por critérios
pré-modernos de ascensão social (cor, sexo,
raça, estirpe). Era incompatível com a ideologia
do “querer é poder” a distância social que se-
parava os negros dos brancos, as mulheres dos
homens. Se deixada às suas próprias regras com-
petitivas (que incluem, além da competência,
também a fraude, o preconceito e a discrimi-
nação), a sociedade não conseguiria sequer pro-
porcionar uma aparência de justiça capaz de
convencer os discriminados a continuar acre-
ditando no sistema social. Foi necessária a in-
tervenção estatal corretiva.
E eis aí o paradoxo representado pela ação
afirmativa: para combater a falta de eficácia da
doutrina meritocrática, precisou-se romper com
ela, garantindo o acesso privilegiado de indiví-
duos que, por algum motivo repugnado pelo
Estado (comumente o preconceito e a discri-
minação)3 não conseguiriam, por si só, fazerem-se
presentes nas posições sociais cobiçadas. Dessa
conjuntura, emerge a idéia das discriminações
positivas. O que, de certa forma, seguia na con-
tramão das transformações ético-políticas da
modernidade ocidental, cuja direção era a de
superar a política de privilégios de qualquer or-
dem em benefício de políticas de igualdade de
todos na lei e perante a lei. No âmbito consti-
tucional, a doutrina do colour blind, segundo a
qual a Constituição é cega para discriminações
de cor, exemplificava a positivação da tendência
à igualação formal.
Neste afã, quebrando uma linearidade his-
tórica, as vítimas dos preconceitos ancestrais (de
cor, sexo, raça) passaram a não mais clamar pelo
simples fim de qualquer forma de discrimina-
ção. Mas reivindicavam, elas próprias, diferen-
ciações que as beneficiassem e que servissem
de confirmação oficial de que políticas estatais
baseadas na neutralidade quanto a cor, raça ou
sexo representavam uma omissão criminosa
diante dos reflexos das discriminações passadas
sobre o presente. As discriminações desumanas
haviam deixado seqüelas que caberiam aos
Estados combater, caso contrário, manter-se-ia
funcionando o perverso círculo da exclusão pelo
preconceito.
Muitos questionaram se “privilégios corre-
tivos” eram menos odiosos do que os vetustos
privilégios de honra e sangue. Temiam que as
ações afirmativas se tornassem o patrocínio do
ócio e da mediocridade a expensas do esforço e
do talento. Afora o labor pessoal e o adequado
uso dos dons naturais, a sociedade ocidental ha-
via assentado que só o direito de herança, a sor-
2 No que se refere ao termo “raça”, ele hoje sequer dispõe de funcionalidade biológica (basta lembrar que as diferençasentre indivíduos da mesma “raça” podem ser maiores do que as existentes entre indivíduos de “raças” diferentes), alémdo que, a história depõe contra seu emprego (racismo, nazismo etc.). Não obstante, neste artigo, utilizaremos estetermo em respeito tanto ao seu uso popular quanto por ser utilizado em nossa Constituição.
3 É bom ter clara a diferença entre preconceito e discriminação. Preconceito consiste em um erro de julgamento quedistorce a realidade dos fatos. É um fenômeno cognitivo. Já a discriminação – no seu sentido sociológico – é o ato de,a partir de preconceitos, restringir os direitos de outrem. Assim, acreditar que as mulheres são más motoristas é umpreconceito; negar-lhes emprego de chofer por isso é discriminação. Já em Direito, como veremos, o termo discriminaçãoassume outros significados.
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te, a caridade ou as políticas públicas isonômicas
eram legítimas beneficiadoras de indivíduos em
amargas condições sociais: fossem negros,
índios ou brancos, homens ou mulheres. Criar
políticas públicas ou exigências legais orientadas
sexual ou racialmente era injusto e uma
subversão das regras do jogo democrático.
Para o pensamento tradicional, o problema
das discriminações calcadas no preconceito era
matéria que estaria suficientemente equacio-
nada pela sua proibição oficial. Não seria uma
questão de políticas públicas específicas, mas
de sanção penal. Sanção que, no Brasil, tornou-se
simbolicamente das mais enfáticas e praticamen-
te das mais inócuas. Das mais enfáticas porque
o crime de racismo, por exemplo, é caso excep-
cional de crime não apenas constitucionalmente
definido (art. 5o, XLII), mas também reforçado
pela anacrônica característica da imprescritibi-
lidade penal – a possibilidade ad eternum de o
Estado perseguir o réu. Já na prática, a dificul-
dade de diferenciar a ocorrência do crime de
racismo em face de outros tipos penais,4 aliada
ao caráter fluido da discriminação racial à bra-
sileira (travestida, muitas vezes, em piadas, brin-
cadeiras e condutas de interpretação duvidosa –
o chamado “racismo cordial”), tornou rarefeita
a eficácia do tão simbólico crime.
Não obstante a ineficácia da mera punição
ao crime de racismo como forma de combater
as práticas discriminatórias, ela ainda é preferida
– por legisladores, intérpretes e população em
geral – às medidas de ações afirmativas. E os
dois principais pontos de apoio a essa preferên-
cia são a valorização social dos sistemas merito-
cráticos e a idéia de que o princípio constitu-
cional da igualdade repudia qualquer sistema
de cotas.
No que segue, analisaremos como o pen-
samento jurídico contemporâneo tem lidado
com a questão das flexibilizações do princípio
da igualdade que o torna receptivo às medidas
afirmativas. Antes, no entanto, vamos analisar
mais detidamente o que é o mérito, principal
cânone justificador da ascensão legítima em
nossa sociedade.
2 MERITOCRACIA E JUSTIÇA
Na pré-modernidade ocidental, a “pureza
e qualidade do sangue” eram considerados cri-
térios suficientes para legitimar a ascensão e per-
manência de alguém no topo das posições de
poder e prestígio social.5 Com a substituição do
conceito de honra – a marca dos diferentes –
pelo de dignidade – a marca universal da igual-
dade (Taylor, 1994), operada na época das revo-
luções burguesas, tornava-se preciso justificar,
em termos de talento pessoal, a posse de uma
posição socialmente elevada. Montesquieu
(1987:102) escrevera: “para que um homem
esteja acima da humanidade, pela honra de
linhagem a ele atribuída, é preciso que os outros
paguem caro demais”. A honra de uns implicava
4 Veja-se sobre isso o julgamento no STF do HC n. 82.424-2, considerado pelo Ministro Marco Aurélio como um dosmais importantes da história da Suprema Corte pátria, e cuja questão versava sobre se o paciente, autor e editor delivros considerados como expressando prática de crime racial contra o povo judeu, pelo TJRG, de fato cometera talcrime (ficando, assim, sujeito à imprescritibilidade do art. 5o, inc. XLII) ou se cometera não o crime de racismo, mas ode discriminação – com supedâneo constitucional no inciso XLI do artigo 5o (que, então, já estaria prescrito). Por 8votos a 3, o STF denegou o HC.
5 Não sem razão nos restringimos ao Ocidente, porque a China já fazia uso de critérios meritocráticos para o recrutamentode funcionários públicos e certas posições de “honra” desde 206 a.C. (Cf. BARBOSA, Lívia. Igualdade e meritocracia.Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 23).
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o servilismo de muitos, e incentivava, também,
a indolência do honrado e o reprimir dos
talentos dos submetidos. A sociedade perdia
duplamente.
Nos Estados Unidos, o precoce desprestígio
do nobre rebuscado (que representava o colo-
nizador inglês)6 e a ascensão ovacionada dos selfmade men são a versão mais enfática dessa pas-
sagem da política da honra para a do mérito pes-
soal. Em nosso meio, recentemente, a decadên-
cia dos socialites de estirpe e o simultâneo culto
aos “emergentes” (que se fizeram, presumivel-
mente, à custa de trabalho, sorte, empreendi-
mentos ousados e um assumido desprezo pela
alta cultura) dão uma versão caricatural, mas
não menos contundente, dessa passagem.
É difícil negar que uma cultura que prefere
os mais realizadores, os mais talentosos e os mais
esforçados apresenta uma abertura à mobilidade
social maior do que aquelas em que as posições
são fixadas a partir do nascimento ou do casa-
mento. Privilegiar o talento e não a linhagem é
também um poderoso incentivo para que a so-
ciedade usufrua pessoas talentosas que, em busca
de recompensas individuais, podem vir a pro-
mover o bem coletivo. Em uma ética utilitarista,
em que as políticas públicas devem se organizar
segundo princípios que tragam o máximo de
benefícios ao maior número de pessoas, premiar
por méritos é não apenas uma aposta razoável,
como, talvez, a única justificável.
Nesse sentido, as políticas de ação afirma-
tiva seriam um prejuízo público, ao ajudarem a
ascensão de pessoas que, por si só, não ascen-
deriam, além de ser um “meio artificial” de ge-
renciar a sociedade. Mas o que é um prejuízo
público? Certamente isso só poderá ser respon-
dido se soubermos qual é o presumível ganho
social que se deixou de obter. Essa é a razão
pela qual Dworkin (2000:446) sustenta não
haver mérito em sentido abstrato, que o mérito
deve ser entendido como a posse de um meio
capaz de permitir à sociedade atingir algum de
seus fins. O talento atlético pode ser um mérito,
se for socialmente importante à obtenção de
vitórias em competições esportivas; a inteligên-
cia é ordinariamente um mérito, já que possi-
bilita, em tese, a resolução de problemas sociais.
E a cor negra poderia ser um mérito? Sim, desde
que pudesse ser vista como um meio capaz de
permitir o alcance de um fim socialmente
valorizado.
Há fortes indícios de ganhos sociais gerais
caso a sociedade privilegiasse as minorias socio-
lógicas, como os negros. No clássico artigo Theepidemic theory of ghuettos and neighborhoodeffects on dropping out and teenage childbea-ring (1991), Jonathan Crane, com grande apoioestatístico, sustenta que, quando em uma deter-minada população o número de modelos sociaiseconômicos (pessoas que sejam, pelo menos, declasse média) chega a uma proporção muito baixa(algo em torno de menos de 5% da populaçãototal), a violência, o consumo de drogas, o aban-dono escolar e a gravidez na adolescência crescemexplosivamente. Estudos qualitativos, como orealizado por Willis (1991) na Inglaterra, pare-
cem sugerir efeitos análogos quando os jovens
não encontram base concreta para acreditar que
6 Críticas que encontram ressonância tanto no sucesso que a doutrina do darwinismo social fez naquele país (no qual osmais bem-sucedidos nos negócios tornaram-se, por antonomásia, os “mais aptos”), como na crença, anterior, nafórmula de Benjamin Franklin de que é da frugalidade e da operosidade (duas características das quais os nobres eramdesprovidos) que se constrói uma sociedade de homens ricos e virtuosos. O impacto de idéias como a de Franklinforam magistralmente analisadas no clássico de WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. SãoPaulo: Pioneira, 1985.
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vale a pena lutar para ser alguém na vida. Assim,
privilegiar as minorias seria uma forma de se
obter benefícios gerais e públicos.
Mas, o segundo argumento, que diz que os
negros ascenderiam “por meios artificiais”, tal-
vez neutralizasse seu efeito de “modelo social”,
pois os negros, por exemplo, socialmente bem-
sucedidos, após a implantação de medidas de
ação afirmativa, seriam vistos como indivíduosajudados. Tal crítica padece, no entanto, do erro
de supor que o sucesso predominante dos bran-
cos é algo naturalmente conquistado. Se a ação
afirmativa restringe artificialmente a concor-
rência que os negros terão de enfrentar para
serem bem-sucedidos, a discriminação racial
historicamente também vem ajudando a reduzir
a concorrência ante as posições que os brancos
procuram alcançar. E, a não ser que se encare
a discriminação racial contra os negros como
algo natural (o que tem sido comum), por trás
da predominância dos brancos na sociedade há
uma política artificial que os favorece. A dife-
rença da ação afirmativa para essas políticas
igualmente artificiais (socialmente desenhadas)
está no fato de que aquela é explícita e tem,
pelo menos, uma razoável presunção de justiça,
enquanto essas são sub-reptícias e perpetuado-
ras de desigualdade.
Portanto, a não ser que se elabore um con-
ceito de mérito abstrato (que seria tão fluido a
ponto de não ter muita utilidade), e não de
mérito para determinado fim (que bem pode
ser o de combate à discriminação racial), a pro-
moção privilegiadora de determinadas pessoas
a partir de critérios como raça ou gênero pode
ser veículo de justiça, desde que esteja a serviço
do combate ao preconceito.
Ademais, mesmo se abandonarmos o concei-
to utilitarista de justiça e buscarmos o conceito
de justiça como igualdade, não há estranheza
no que é valorizado pela ação afirmativa, já que
ela simplesmente corrige – com eficácia
discutível, é verdade – as desigualdades pré-or-
denadas, ao ponderar, no critério de avaliação,
a maior dificuldade presumida que aquele in-
divíduo negro teve, por exemplo, de enfrentar
para chegar até o momento da inscrição no con-
curso. Conforme se extrai da leitura de Singer
(1984), uma nota média de um negro no vesti-
bular pode bem representar um potencial de
superação maior do que a nota máxima daque-
les cuja vida escolar não foi marcada por pre-
conceito, discriminação e exclusão social.
3 AS DISCRIMINAÇÕES E O DIREITO
Todos são iguais perante a lei, diz o princí-
pio da igualdade, consignado na grande maioria
das Constituições contemporâneas. Segundo al-
guns, estaria aí evidenciado o óbice principio-
lógico às políticas de ação afirmativa. Para outros,
o aludido princípio vedaria apenas e tão-so-
mente as discriminações atentatórias ao con-
ceito de igual dignidade humana, permitindo
que se discriminasse sempre, e apenas, quando
a resultante de tal processo fosse uma redução
das desigualdades sociais. Assim, a prisão es-
pecial (CPP, art. 295) seria uma discriminação
atentatória ao princípio isonômico – e como tal,
não recepcionada por nossa Constituição atual –,
já a prioridade na tramitação de processos em
que figure como parte ou interveniente alguém
idoso (Estatuto do Idoso, art. 71) estaria correta,
uma vez que tem por escopo permitir uma mais
imediata prestação jurisdicional àqueles que, na
média, dispõem de menos tempo para aguardá-la
ou usufruir seus resultados.
O fato é que discriminar, ou seja, dar trata-
mento jurídico diferenciado a casos aparente-
mente iguais, é uma das tarefas mais corriqueiras
no Direito, pois, como lembra Alexy (1997:384),
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D ireito A r t i g o
tratar a todos, e sob todos os aspectos, de forma
igualitária levaria à criação de normas injustas,
disparatadas e disfuncionais, uma vez que as
pessoas diferem em suas posições jurídicas (um
eleitor é diferente de um candidato), situações
de fato (homens são diferentes de mulheres) e
em suas ações (um criminoso é diferente de um
inocente). Diante disso, o problema das discri-
minações estabelecidas pela lei resume-se, na
lição de Bandeira de Mello (1997:13), em saber
quais os limites que adversam este exercício
normal, inerente à função legal de discriminar.
A busca de limites aceitáveis para as opera-
ções de discriminação jurídica tem levado à
construção de teorias sobre os critérios que dife-
renciam uma discriminação legítima de uma
discriminação legalmente vedada. Vejamos o
que dizem sobre isso alguns autores de inegável
influência no pensamento jurídico atual.
Para o jurista alemão Robert Alexy (1997),
o que a máxima da igualdade proíbe são os tra-
tamentos arbitrariamente desiguais. Valendo-se
dos critérios freqüentemente utilizados pelo Tri-
bunal Constitucional Alemão, diz que a arbitra-
riedade ocorre quando não há uma razão sufi-
ciente para justificar a desigualação operada.
Assim, toda distinção que não é razoável, ati-
nente à natureza das coisas ou concretamente
compreensível estaria vedada. Pode-se operar
discriminações, não se pode é operá-las a partir
de critérios bizarros ou irrazoáveis.
Essa é, para Alexy, a versão atenuada do
princípio da igualdade, porque permite a desi-
gualdade desde que haja razões suficientes para
promovê-la. Assim, poder-se-ia tratar negros e
brancos de forma diferenciada, desde que pre-
sente alguma razão suficiente para realizar tal
diferenciação. Mas Alexy vai além: sustenta um
dever do Estado em tratar desigualmente os ci-
dadãos quando há razão suficiente para isso.
Nesse sentido, os cidadãos têm um direito primafacie a serem tratados de forma juridicamentedesigual com vistas a seu benefício, desde que asrazões que apresentem para que se opere taldiferença a justifiquem. E tal justificativa deve sersuficientemente forte a ponto de permitir, para ocaso, a quebra da igualdade formal de todos.
Dessa forma, uma política de ação afirma-tiva (como a de cotas reservadas para negrosem universidades) seria não só aceitável comodevida, desde que as razões em favor dessa de-sigualdade pudessem desbancar o peso dos prin-cípios que exigem um igual tratamento de todos nalei e perante a lei. Em síntese, o Estado alexyanodeve tratar a todos de forma igualitária, repu-diando quaisquer diferenciações, a menos quesuficientes razões sejam apresentadas em favorde um tratamento desigualitário.
O norte-americano Ronald Dworkin, porsua vez, enfrentando a questão da ação afirma-tiva no seu país, cuja Constituição abrigou,durante a maior parte da história, concepçõesescravagistas e segregacionistas, pretende de-monstrar por que há inconstitucionalidade nadiscriminação racial baseada em preconceitos,mas não nas discriminações raciais quesustentam as medidas de ação afirmativa.
Pela 14a Emenda à Constituição dos EUA,está vedado que qualquer Estado negue a umapessoa sob sua jurisdição a igual proteção dasleis. Isso significa, para Dworkin (1999: 455),
que as leis e disposições políticas hão de de-monstrar igual interesse pelo destino de todos.
Tal emenda, embora não especifique o que deveser entendido por igualdade, exige que cadaórgão governamental possua uma concepçãoplausível desse princípio, capaz de garantir aigual proteção legal de todos diante de qualquerum ou de qualquer um diante de todos. É a idéia
do direito de igualdade como um trunfo indivi-
dual, oponível erga omnes.
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Sendo dever de cada órgão – legislativo, ad-
ministrativo ou judiciário – basear suas decisões
em uma certa concepção de igualdade, Dworkin
(2000:445) analisa as concepções ordinaria-
mente apresentadas:
1) Teoria das classificações suspeitasTeoria das classificações suspeitasTeoria das classificações suspeitasTeoria das classificações suspeitasTeoria das classificações suspeitas. É
aquela que nega qualquer direito especial
contra a discriminação, feita a partir de
qualquer critério, só vedando distinções
não-razoáveis. Como as classificações
raciais historicamente têm sido feitas
sem essa base de razoabilidade, elas são
tidas como suspeitas. Mas essa suspeita
é um impeditivo meramente relativo.
Bastaria mostrar que segregar os negros,
por exemplo, traria amplos benefícios
públicos para que tal segregação fosse
tida como razoável. Assim, em se pro-
vando que a separação dos freqüenta-
dores de casas noturnas por critérios ra-
ciais seria capaz de diminuir a violência
urbana, dir-se-ia haver razoabilidade
nesta distinção, autorizando-a. O critério
que inspira esta teoria é claramente
utilitarista: uma discriminação é razoável
em função do grau de benefícios públi-
cos por ela gerados.
2) Teoria das categorias banidasTeoria das categorias banidasTeoria das categorias banidasTeoria das categorias banidasTeoria das categorias banidas. Para essa
teoria, a Constituição negaria a utiliza-ção de certas categorias para fazer dis-
tinções, independentemente de seu re-sultado. Estaria banido das autorizações
constitucionais o emprego de termos co-mo cor e raça enquanto operadores de
diferenciação jurídica, independente-mente de seus objetivos ou resultados.
Aqui não haveria diferença entre medi-das de ação afirmativa e políticas segre-
gatórias baseadas em ideologias que pre-gam a inferioridade dos negros: ambas
as políticas estariam vedadas.
3) Teoria das fontes banidas.Teoria das fontes banidas.Teoria das fontes banidas.Teoria das fontes banidas.Teoria das fontes banidas. Para essa
teoria, não se analisaria nem o resultado
da política discriminatória, nem as
categorias que ela utiliza, mas sua relação
com direitos individuais e preconceitos.
Assim, mesmo políticas discriminatórias
que trouxessem um benefício máximo
à maioria das pessoas estariam vedadas
se fossem calcadas em preconceitos – já
que é um direito individual (oponível
contra toda a sociedade) não ter um ne-
gro, por exemplo, de se sacrificar para
promover o bem-estar coletivo, sob o
patrocínio de preconceitos. Mas se uma
política discriminatória não se baseasse
em preconceito, mas em seu combate,
não haveria sua vedação em tese. Com
efeito, tal política, em um regime demo-
crático, poderia ser traduzida como uma
restrição que os privilegiados fazem a si
próprios (diminuindo suas vagas nas
universidades, por exemplo) na busca de
resultados sociais mais justos (distribui-
ção mais eqüitativa de vagas entre os
diferentes grupos sociais).
Dworkin é partidário da teoria das fontes
banidas como a única que leva os direitos a
sério. Com efeito, a primeira teoria tem um ca-
ráter marcadamente utilitarista: se os benefí-
cios da segregação forem altos, seria dito haver
razoabilidade em manter políticas de separação
racial, e o direito dos prejudicados à igualdade
seria desconsiderado. A segunda teoria (das
categorias banidas) simplifica demais a questão,
impedindo que se separe uma medida desigua-
litária em sua execução, mas igualitária em seus
fins, de uma teoria marcadamente racista. Por
essa teoria, uma medida de ação afirmativa
equivaleria a uma medida de segregação racial
nos moldes históricos das sociedades de passado
escravocrata.
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D ireito A r t i g o
Já a teoria das fontes banidas, ao sustentar
que o que não pode prevalecer são as preferên-cias baseadas em preconceitos, deixa qualquerdistinção por categoria no âmbito das possibi-lidades, permitindo separar adequadamenteuma medida que quer fazer valer o direito dasminorias das medidas que querem prejudicá-las.
A exemplo de Dworkin, o jusfilósofo italia-no Luigi Ferrajoli (2001) também classifica osdiversos modelos de que dispõe o juiz paradecidir acerca das distinções que podem serconduzidas em um regime que tenha noprincípio da igualdade sua pedra angular. Taismodelos são expostos a seguir.
1) Indiferença jurídica das diferençasIndiferença jurídica das diferençasIndiferença jurídica das diferençasIndiferença jurídica das diferençasIndiferença jurídica das diferenças.Nesse modelo não se atribui qualquerrelevância jurídica às diferenças. Deve olegislador/juiz proceder como se elas nãoexistissem (color blind). Mas, ao nãotutelar preferencialmente as categoriasmais vulneráveis da sociedade (negros,mulheres, idosos etc.), o Direito, queradmita ou não, está tutelando os maisfortes, já que tudo de que estes neces-sitam é a própria ausência de direito(abstenções de Estado) para fazer valersua superioridade política. São os quevivem em situação socialmente precáriaque dependem, prioritariamente, de queo Direito lhes empreste à tutela, comoforma de resistirem à opressão dos
grupos socialmente poderosos e fortes.
2) Diferenciação jurídica das diferençasDiferenciação jurídica das diferençasDiferenciação jurídica das diferençasDiferenciação jurídica das diferençasDiferenciação jurídica das diferenças.
Nesse modelo há uma hierarquizaçãodas diferentes identidades, atribuindo a
algumas status jurídico privilegiado, e aoutras, sujeições discriminatórias. É oregime adotado pelos Estados que valo-rizam o homem mais do que a mulher, obranco mais do que o negro etc. Estadosmarcadamente discriminatórios e funda-
mentados em concepções arcaicas sobre
a natureza das diferenças entre os fenó-tipos humanos. Corresponderia, tal dou-trina, à tutela jurídica dos preconceitos.
3) Homogeneização jurídica das diferen-Homogeneização jurídica das diferen-Homogeneização jurídica das diferen-Homogeneização jurídica das diferen-Homogeneização jurídica das diferen-çasçasçasçasças. Aqui as diferenças são desconside-radas para que cedam lugar a uma iden-tidade normativa, única que o Estadoadmite como relevante. Assim, não exis-tem o branco ou o negro, mas apenas ocidadão universal. O problema é que esse“modelo universal” é construído à ima-gem e semelhança do modo de vida dosdominantes: homens brancos. À vitimi-zação pelo preconceito ou discriminaçãoé dada pouca ou nenhuma relevância. Épossível notar que, neste caso, há uma“universalidade de fachada”. A despeitode não dar relevância às diferenças,reduzindo-as a denominadores comuns,o Direito patrocina determinado modode vida que serviu de standard à forma-ção do modelo que passou a ser consi-derado universal, deixando de levar a sé-rio os problemas enfrentados pelas cate-gorias sociais oprimidas.
4) Igual valorização jurídica das diferen-Igual valorização jurídica das diferen-Igual valorização jurídica das diferen-Igual valorização jurídica das diferen-Igual valorização jurídica das diferen-
çasçasçasçasças. Nesse último modelo, o Estadotutela as diferenças de forma igualitária,
permitindo seu livre desenvolvimento.Para isso, empresta-lhes a força equili-
brante dos direitos fundamentais. Diz oautor (2001:76):
“A igualdade diante dos direitos fundamentais
resulta assim configurada como o igual direito
de todos à afirmação e à tutela da própria iden-
tidade, em virtude do igual valor associado a
todas as diferenças que fazem de cada pessoa
um indivíduo diverso dos demais e de cada in-
divíduo uma pessoa como todas as outras.”
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Trata-se do direito à igual dignidade; do re-conhecimento de que as diferenças existem eque são bases legítimas para reivindicar a tutelado Estado para continuarem a existir.
É esse último modelo o defendido por Fer-rajoli, que, especificamente no referente à açãoafirmativa, acredita que ela pode ser usada comoum corretivo à tese da homogeneização. Comojá dito, o Direito, ao pretender tratar todas as di-ferenças a partir de um único critério (sujeitoabstrato universal), acaba beneficiando as iden-tidades que foram tomadas como modelo para aconstituição desse sujeito (ao qual se atribui abs-tração e universalidade). Portanto, seria aceitá-vel, com fundamento no princípio da igualdade,a existência de normas que selecionem positivae transitoriamente (enquanto necessário) certasidentidades que, por se afastarem do modelopadronizado pelo Direito, amargam a desigual-dade de tratamento no mundo dos fatos.
Embora não esteja tratando diretamente daspolíticas de ação afirmativa, a análise que CelsoAntônio Bandeira de Mello (1997) faz do princípioda igualdade pode-nos esclarecer como taispolíticas dialogam com o ordenamento jurídicopátrio. Para esse autor, uma diferenciação detratamento jurídico é intolerável não só quandoresulta de uma norma que individualiza prévia eabsolutamente seu destinatário (concedendo aalguém um privilégio pessoal e único ouperseguindo-o de forma pessoal e individualizada),como quando não há correlação lógica entre a basematerial de diferenciação (sexo, raça, idade etc.)e o regime jurídico diferenciador correspondente.Diz Bandeira de Mello (1997:17):
“(...) que as discriminações são recebidas como
compatíveis com a cláusula da igualdade ape-
nas e tão-somente quando existe um vínculo
de correlação lógica entre a peculiaridade di-
ferencial acolhida, por residente no objeto, e a
desigualdade de tratamento em função dela
conferida, desde que tal correlação não seja
incompatível com interesses prestigiados na
Constituição.”
A análise da quebra ou não do princípio
igualizador seguiria, para Bandeira de Mello, as
seguintes etapas:
1) Determinar o fator de desigualação (sexo,
raça, altura...);
2) Analisar os regimes jurídicos diferenciados
por força daqueles fatores (“às mulheres é
vedado...”, “aos descendentes de escravos
será concedido...”, “não serão admitidos
candidatos com altura inferior a...”);
3) Analisar se há correlação lógica entre as
etapas I e II, entre a diferença consideradae o regime jurídico diferenciador (“àsmulheres é vedado ingressarem na Aca-demia de Polícia”; “Aos descendentes deescravos serão concedidas bolsas de estudopara compensar a situação social em quefreqüentemente se encontram hoje...”;“Para ingresso na Marinha, o candidatodeve ter altura mínima de 1,63 m...”);
4) Analisar se tal correlação lógica é compa-
tível com as prescrições constitucionais
(a igualdade constitucional entre homens
e mulheres não proibiria a vedação de
ingresso destas em academias de polícia?
A categoria “descendentes de escravos”
não seria uma discriminação pela cor
vedada pela Constituição, ainda que esta-
tisticamente se possa provar que a herança
do período escravocrata lhes traz emba-
raços econômicos presentes? A exigência
da altura mínima para ingresso na Mari-
nha seria aceitável em um regime consti-
tucional que diz que é dever do Estado
integrar até deficientes em seus quadros
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de pessoal, quanto mais pessoas levemen-
te abaixo da altura padrão?).
Em resumo, para se saber se uma norma
faz uma discriminação legítima ou arbitrária, é
preciso ver se ela não discrimina de forma abso-
luta seu destinatário e se há razoabilidade entre
a diferenciação feita e os objetivos pretendidos,
que devem, ainda, ser, pelo menos, não vedados
pela Constituição.
Dessa forma, há um amplo leque de possi-bilidades de criação de regimes jurídicos dife-renciados legítimos, permanecendo como invá-lidos aqueles que não sejam capazes de cumpriros requisitos supra descritos. Quanto às políti-cas de ação afirmativa (no seu modelo mais sim-ples, de cotas), não haveria vedação a priori, jáque não individualizam prévia e absolutamenteseus destinatários (ao contrário, estendem-se atoda uma classe de pessoas) e têm por escoporeduzir a desigualdade (o que corresponde a umprincípio basilar do Estado brasileiro).
Em conclusão a este tópico, parece claro
que os citados autores atestariam a justiça in-
terna, nos ordenamentos dos Estados democrá-
ticos de direito, da aplicação de medidas de ação
afirmativa, desde que tais políticas:
1) Não estivessem baseadas em preconceitos;
2) Operassem apenas em situações nas
quais a aplicação ortodoxa do princípio
da igualdade se mostrasse ineficaz veí-
culo de justiça;
3) Fossem realizadas como flexibilizações
razoáveis do princípio da igualdade;
4) Ponderassem valores fundamentais
concorrentes do ordenamento jurídico
em questão;
5) Garantissem a dignidade do ser diferente
mediante o combate à desigualdade de
oportunidades sociais.
4 APONTAMENTOS FINAIS
A despeito dos que defendem, no Brasil, a
doutrina do color blind, não há dúvida de que
quando a Constituição Brasileira, por exemplo,
veda distinções por cor, raça ou sexo, está
direcionada à proibição das distinções inferio-
rizantes e não daquelas cujo objetivo é a redução
das desigualdades. Para confirmar o sentido
dessa interpretação, basta proceder a um inven-
tário do porquê histórico de palavras como cor
e raça figurarem em nosso texto constitucional:
sem dúvida, para combater as distinções que
tomavam os diacríticos raça ou cor como fonte
de hierarquização social. E, como lembra
Coelho (1997:44):
“Refazer a pergunta sobre quais foram os pro-
blemas sociais que ensejaram determinada res-
posta normativa, é, portanto, um recurso her-
menêutico a mais, que não pode ser desprezado,
sobretudo quando se pretenda descobrir a ra-
zão subjacente a um enunciado normativo cujo
significado se nos apresente, de alguma forma,
problemático.”
Nossa Constituição não proíbe distinções
por origem, raça, cor, sexo ou idade, veda-as,
isto sim, quando baseadas em preconceitos (art. 3o,
IV). Veda-as quando constituem práticas aten-
tatórias aos direitos e liberdades fundamentais
ou quando constituem prática de racismo (art. 5o,
XLI e XLII). Veda-as, ainda, quando são usadas
para dificultar o acesso ou aviltar o salário dos
trabalhadores negros, mulheres e idosos (art. 7o,
XXX). Mas aceita-as quando são favoráveis aos
menos protegidos socialmente: proteção do
mercado de trabalho para a mulher (art. 6o, XX),
reserva de vagas aos portadores de deficiência
(art. 37, VIII) etc.
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Tanto o sentido da proibição das citadas
distinções, verificado em nossa Constituição, li-
mita-se ao seu uso preconceituoso que poucos
– se é que os houve – ousaram alegar que a
reserva de vagas para portadores de deficiência
física representava uma contradição no Texto-
Mor. E por que não representa? Porque seu obje-
tivo é uma maior isonomia final na sociedade e
não o de perpetuar distinções odiosas. Da mesma
forma, o recente Estatuto do Idoso é pródigo
em reservar vagas para pessoas com mais de 60
anos (3% nos programas habitacionais; 5% das
vagas nos estacionamentos; 10% dos assentos
nos coletivos urbanos etc.). Também neste caso
ninguém alegou inconstitucionalidade. A ver-
dade é que a reserva de vagas aceita em nosso
país vai da participação obrigatória de mulheres
em candidaturas a cargos políticos à reserva de
espaços privilegiados aos presos de “primeira
classe”, abrangidos pela mais que discutível ru-
brica da prisão especial.
Diante, então, de um país tão receptivo a
sistemas de cotas, como justificar que tal expe-
diente seja visto com tanta desconfiança quan-
do os beneficiários são os negros? É claro que
há problemas de operacionalidade adicional nas
cotas raciais. Afinal, quem é negro no Brasil?
Em um país de miscigenação como o nosso, o
número varia entre 5 e 45% da população!,
conforme sejam, ou não, somados os que se
auto-intitulam, junto ao IBGE, como pardos ou
descrições afins (mulatos, caboclos etc.). Quan-
to de “negritude” é preciso possuir para exercer
legitimamente o direito às cotas? Haveria perícia
para isso? Negros ricos também fazem jus ao
privilégio a expensas dos interesses de brancos
pobres?
Talvez sejam essas questões relativas à
operacionalidade o que tem impedido que o de-
bate sobre as ações afirmativas no Brasil saia da
fase embrionária, ou que não passe de mera exe-
gese da doutrina norte-americana sobre o
assunto. Expediente, este último, comumente
utilizado para nos fazer sentir em sintonia com
o debate universal dos grandes temas, sem que
precisemos lidar com os óbices apresentados em
suas concretizações. É mais um caso em que a
tão sonhada fantasia de pureza no Direito pro-
cura nos inocentar diante de nossa dificuldade
em lidar com a miscigenação da realidade.
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R E S U M O
A UNIVERSIDADE, O ESTUDODO DIREITO E A NOVA
REALIDADE
Carlos João Eduardo SengerCo-coordenador e Professor da disciplina de Introdução ao Estudo do Direito doCurso de Direito do Centro Universitário Municipal de São Caetano do Sul (SP).
Doutorando pela Universidade do Museo Social Argentino, Buenos Aires, Argentina.
Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público do Estado de São Paulo.
Consultor Jurídico e Advogado.
O tema abordado tem como idéia cerne trazer aodebate acadêmico uma preocupação com o realsentido e projeção da instituição denominadauniversidade ou do ensino universitário, focado emum prisma de modernidade, e de um mundo glo-balizado, como notável centro produtor e difusorde conhecimentos e cultura, principalmente de po-sicionar seus eixos estruturais fundamentais dentrodessa nova realidade global que vivemos, com asnaturais expectativas e que detém inequívoca in-fluência na ordem mundial. São contingênciasdetectadas nos dias atuais com implicações e sériosreflexos na ordem social, se consolidando numaseqüência de lições, nos impulsos e aos estímulosdas universidades mais antigas, responsáveis pelafloração e base desta contingência moderna, quantoas idéias produto do avanço cultural, e da veiculaçãodos seus ideais na construção de uma consciênciade cultura da humanidade, do individual para oglobal, no rumo da sonhada integração, voltada paraa prosperidade social mais humana, a repercutirnos vários segmentos sociais e, por conseqüência,de forma mais intensa no próprio estudo doDireito, por suas profundas raízes sociais.
A B S T R A C T
The boarded theme has as idea sifts bring to theacademic debate a preoccupation of the real senseand projection of the denominated institutionUniversity or of the academic, focused teaching ina modernity prism, and of a globalized world, asnotable producing and diffuser center of knowledgeand culture, mainly to locate its basic structural axlesinside of this new global reality that we live withthe natural expectations and that detains unequivocalinfluences the world order. They are limitationsdetected in the current days with implications andserious reflexes in the order social, consolidatingitself in a lessons sequence, in the pulses and to thestimulus of the older, responsible universities forthe florescence and base of this modern contin-gency, how much the product ideas of the culturaladvance, and of the propagation of its ideals in theconstruction of a culture conscience of the humanityof the individual for the global, in the direction ofthe dreamt integration, come back toward the socialfor prosperity more human being, to rebound inthe several social segments and for consequence ofmore intense form in the own study of the right,for their profound social roots.
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1 INTRODUÇÃO
Inicia-se o presente artigo com uma reco-
mendação da Comissão Internacional de Edu-
cação da Unesco sobre a Educação para o século
XXI, presidida por Jacques Delors, no sentido
de que:
“La utopía orientadora que debe guiar nuestros
pasos consiste en lograr que el mundo converja
hacia un mayor entendimiento mutuo, hacia
un mayor sentido de la responsabilidad y hacia
una mayor solidaridad, sobre la base de la
aceptación de nuestras diferencias espirituales
y culturales. Al permitir a todos el acceso al
conocimiento, la educación tiene un papel muy
concreto que desempeñar en la realización de
esta tarea universal: ayudar a comprender el
mundo y a comprender a los demás, para com-
prenderse mejor a sí mismo”.
Recorrendo à elucidação da história sobre
a matéria focalizada, importante é o pensa-
mento da lavra do emérito professor Waldemar
Martins Ferreira ao afirmar em seu livro que:
“Nenhum jurista pode dispensar o contingente
do passado a fim de bem compreender as insti-
tuições jurídicas dos dias atuais”.1
A universidade pode ser entendida como um
centro de cultura superior orientado por uma
liberdade acadêmica e de conseqüente autono-
mia. O vocábulo tem origem na palavra latina
universitas, e segundo F. J. Caldas Aulete em
seu notável léxico, tem o significado de: “a to-
talidade das pessoas e das coisas, universalidade
(qualidade do que é universal, geral), reunião
de escolas da ordem mais elevada...”,2 com o
detalhamento dado por Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira em seu novo dicionário: “uni-
versalidade. Instituição de ensino superior que
compreende um conjunto de faculdades ou es-
colas para a especialização profissional e cien-
tífica, e tem função precípua garantir a conser-
vação e o progresso nos diversos ramos do co-
nhecimento, pelo ensino e pela pesquisa”,3 e
extraído no léxico espanhol de Julio Casares em
seu Dicionário ideológico: “universidad. Instituto
publico donde se cursan ciertas facultades, y se
confieren los grados correspondientes. Instituto
publico de enseñanza donde se acian los estudios
mayores de ciencias y letras”,4 cumprindo assim
afirmar que o ensino, a ministração do saber e do
conhecimento, representam o principal objetivo
institucional da entidade denominada universi-
dade, abrangendo todos os ramos da instrução
superior no nível universitário, qualificando-se
como uma pessoa jurídica ficta integrada por umacomunhão de pessoas, a quem se outorgaraalhures também a denominação de corporação.
O propósito de enfocar-se o tema é justa-mente em razão da sua atualidade, e de opor-tunizar uma colocação mais avançada de parteda comunidade acadêmica interessada, paracarrear-se, ao campo amplo e fecundo das idéias,a instauração de reflexões e debates acerca dodesenvolvimento ideal das universidades naministração do ensino superior nos dias atuais,aspectos considerados áridos e polêmicos, plenosde preocupações ex vi deste aceno real de mo-
1 História do direito brasileiro, p. 11.2 Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, p. 1.389.3 Novo dicionário da língua portuguesa, p. 1.430.4 Diccionario ideológico de la lengua española, p. 1.072.
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dernidade globalizante que está a envolver todaa sociedade onde vivemos, a repercutir em todosos seus segmentos ativos, com indiscutível sortede influências, quer na área pública quer na áreaprivada, e muito mais na educação ideal a sertransmitida às novas gerações.
O sentido da empreitada é, de forma mo-desta, possibilitar uma visualização da impor-tância e magnitude que está a representar parao ensino superior em si, e o ensino do Direito,revolvendo um pouco da sua história, e atravésdas entidades é que se propõe realizá-lo, sobre-tudo nos grandes aglomerados educacionaiscompostos de universidades e de centros uni-versitários em nosso país. Busca-se fixar a suaevolução no decorrer dos tempos e das épocas,tendo em vista as suas metas, e principalmentecomo um centro produtor e difusor perene naconstrução de conhecimentos, na aplicaçãoconstante do saber, e com a responsabilidadede exercer uma verdadeira revolução na mani-pulação e desenvolvimento da alta tecnologia,tudo ao matiz do inelutável progresso social edos avanços no campo científico.
2 A UNIVERSIDADE EM SI
A universidade como uma instituição formal,ao que nos indicam os predicamentos da história,pode ser considerada como uma invenção doperíodo medieval, tendo como embrião os estudosgerais mais precisamente na baixa Idade Média(1150-1474), e que nos seus primórdios eraconsiderada uma comunidade integrada de pro-fessores e alunos para a busca do saber, bem comopara transmitir os resultados desta investigação econhecimento. Nasceu assim:
a) em seu momento inicial, como uma cor-poração de discípulos afeiçoados que se
organizaram para atrair professores e pes-soas mais dotadas de cultura às reuniões deestudos em comum, a fim de estabelecersuas cátedras (tribuna de conhecimentos)em suas respectivas cidades; e,
b) de uma reunião de professores, que seuniam para formar um foro acadêmico, napermutação e intercâmbio de idéias, e quese denominavam de reuniões acadêmicas.
Etmologicamente, a palavra cátedra vem dogrego kathedra, de onde deriva a expressão “ca-deira”, em um sentido de lugar, usada pelos bis-pos e autoridades clericais nas suas catedrais epelos professores nas universidades, e de ondenaturalmente falavam para a sua platéia.
Estas organizações tomaram a forma de as-sociações, que se tornaram comuns na baixaIdade Média (associações, corporações de ofí-cios), mais relacionadas com o sentido de “grê-mios”, isto é, de agremiações, e justamente nes-ta forma de associação e nesta mesma ordemde idéias é que nascem as universidades comopessoas fictas com a feição de uma corporação,composta de estudiosos (professores) mais ex-perientes, reunidos em uma cidade para trans-mitir seus conhecimentos, inclusive com es-tatutos de organização aprovados e com regrasestabelecidas, que eram de todo respeitadas pelacomunidade integrante: professores e alunos.
No dizer de Jacques Verger em seus estudosespecializados,
“A la época de creación de las universidades no
existia lo que hoy conocemos como enseñanza
primaria o ensenãnza secundaria, ni, por lo tanto,
la enseñanza superior. La enseñanza estaba aban-
donada a la iniciativa privada y local, com un
prestigio social y político limitado...”5
5 Gentes del saber en la Europa de finales de la Edad Media, p. 51.
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Assim, as universidades nasceram como
verdadeiros espaços de investigação e de estudos
que, em resumo, se caracterizaram:
a) pelo trabalho docente constante na bus-
ca do saber;
b) pela integração do conhecimento, e com
isso acabando por regulamentar o ofício
do intelectual; e
c) tendo a ciência como centro de toda in-
vestigação e pesquisa.
Outra peculiaridade marcante desde o seu
nascedouro, é a idéia fixa de liberdade acadêmica
e de autonomia universitária, componentes que
em sua estrutura representavam a ampla refle-
xão na possibilidade de definir seus fins e obje-
tivos, na elaboração de seus próprios planeja-
mentos e programas; máxime, no sentido de ga-
rantir o livre exercício da investigação, da atua-
ção dos docentes, e do acesso indispensável às
fontes de informação.
É certo que a universidade medieval apare-
ceu principalmente na preparação de formasmais racionalizadas, intimamente relacionadascom o exercício da autoridade da igreja Católica,do governo e da sociedade, dando oportunidadeao surgimento: das escolas monásticas, ligadasàs abadias e aos monastérios; das escolas epis-copais, capitulares ou catedralícias que se de-senvolviam nas cidades havidas como sedes dasdioceses religiosas, e que mantinham uma de-pendência direta para com os bispos clericais.
Impõe-se considerar que, neste período de-cantado como obscuro da alta Idade Média, aigreja Católica era um núcleo social dos maisorganizados ao seu mister sacerdotal, daí
advindo a relevância de sua atuação. Por sua
vez, com os monarcas, surgiram as escolas pala-
tinas, também chamadas palacianas, sendo a
primeira criada no ano de 777 pelo imperador
Carlos Magno – voltada para a educação inte-
lectual – que convocou para suas atividades re-
nomados pensadores e estudiosos de sua época,
constando dos seus registros e dos anais histó-
ricos que esta escola foi transferida para Paris
por Carlos Calvo, e que é considerada por alguns
pesquisadores como um antecedente remoto e
expressivo para a criação da tradicional Uni-
versidade de Paris.
Nestas escolas, e nas primeiras universida-
des, em seus currículos e nas matérias aplicadas
aos seus programas e estudos, já correspondiam
a evolução do trivium – estudos de gramática
(latim), retórica (artes) e lógica ou dialética (o
estudo do pensamento com base no filósofo
grego Aristóteles), que era considerado o cami-
nho triplo da busca da sabedoria; e do quadri-vium – que correspondia a aritmética, geome-
tria, astronomia e música, havido como o ca-
minho quádruplo para o desvendar do conhe-
cimento, classificadas como todas as sete artes
liberais (uma criação da alta Idade Média (711-
1150), como nos lembra o culto professor ar-
gentino Abelardo Levaggi: “Desde fines del pe-
ríodo, las ciudades, en processo de repoblación,
organizaran sus propias escuelas...”6 se incor-
porando às mesmas os estudos: da teologia, da
medicina e do direito, ressaltando-se como dado
de singular expressão que a música ocupou um
lugar de destaque em razão justamente dos cân-
ticos nos ofícios e no culto cristão que integrava,
e segundo o entender muito apropriado dos
pensadores gregos, como um meio para a per-feição do espírito.
Dessa forma, observa-se claramente que as
primeiras universidades se formaram a partir
6 Manual de historia del derecho argentino, p. 336.
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da própria experiência, com um predomínio
bem claro do conhecimento empírico, com suagradativa e lenta instituição como organização.
Com o natural domínio da igreja Católica àépoca, a sua cúpula, por meio do papado, emmeados do século XIII, no propósito de conver-ter as universidades em modelos de instituiçõescristãs formalizadas, unificou-as sob a forma deestudos gerais, protegidas e controladas pelasautoridades eclesiásticas, com a direção da Igrejaincentivando o seu desenvolvimento em novasuniversidades, tendo, como objetivos bemdefinidos, o sentido deliberado de dar qualificaçãoao seu pessoal religioso e consolidar um podercultural de parte da Igreja, para tanto lhes for-necendo proteção e segurança, buscando tam-bém alcançar uma projeção voltada para umaspecto mais internacionalizado.
Nas carreiras profissionais havia componen-tes laicos, com disciplinas de Direito Civil, Di-reito Canônico e estudos de medicina, e comoisso o papado tinha como preocupação e inten-ção criar um clima de harmonização entre ascrenças contraditórias das diversas ordens reli-giosas, na firme disposição de fortalecer o poderdo papado, e também no propósito de incorpo-rar pessoas mais eruditas e afinadas para assu-mir um status clerical.
Dado expressivo deve ser registrado: nessemesmo tempo, as universidades também con-taram com o apoio igual da autoridade civil, pormeio dos imperadores, dos reis e das autoridadesmunicipais, que tiveram praticamente a mesmaidéia da adotada pela Igreja, precipuamente naformação de pessoas súditas para serem os cola-boradores do poder, inclusive criando outrasuniversidades, as quais tiveram maior prolife-ração nos séculos XIV e XV, estimuladas porfinanciamentos, o que contribuiu para aumen-
tar ainda mais os núcleos de estudos e a própria
população estudantil.
3 AS PRIMEIRAS UNIVERSIDADES
As grandes universidades organizadas noperíodo medievo baixo e de maior expressi-vidade são: a de Paris, de Bologna, de Oxford ede Cracóvia na Polônia, apontadas como as maisantigas da Europa:
Universidade de Paris.Universidade de Paris.Universidade de Paris.Universidade de Paris.Universidade de Paris. Apareceu no séculoXII, formada a partir de professores e alunospertencentes à escola da famosa catedral deNotre Dame e de outras escolas de Paris. Porforça dos movimentos de enfrentamento entrealunos e autoridades civis, ficou marcada porum episódio bastante triste e com a morte demuitos alunos.
Esta universidade foi um centro de estudos,considerada a mais destacada da Idade Média,especialmente pelos estudos profundos de teo-logia e filosofia. Tinha um caráter acentua-damente eclesiástico (religioso), e um dado ex-pressivo é que Santo Tomas de Aquino per-tenceu a ela.
Universidade de Bologna. Universidade de Bologna. Universidade de Bologna. Universidade de Bologna. Universidade de Bologna. Surgiu tambémno século XII como escola episcopal especiali-zada em Direito Canônico, Municipal, e em Di-reito Civil. Formou-se a partir de uma associa-ção voluntária de estudantes que foram ouvirWerner Irnério, professor de Direito e mongereligioso, ministrar seus conhecimentos. Oregistro marcante dessa universidade é que foia primeira a ensinar o Direito, e servir de padrãoàs demais.
O prestígio de Bologna à época se deve aque era um ponto de confluência de rotas co-merciais e de peregrinos do norte até Roma.
A pesquisa aos anais nos informa que oimperador Felipe I tinha interesse na aplicação dasleis romanas para atender suas pretensões comoimperador, pois os estudantes de Bologna erampessoas adultas, que financiavam a universidadee a controlavam elegendo o seu reitor.
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Constituiu-se em um centro de interessede estudos do Direito, por ser a primeira a es-tudar o Direito Romano; e pela proteção queteve do imperador, Bologna se notabilizou, eteve o afluxo de pessoas estudantes que aliformaram uma comunidade, inclusive com pes-soas vindas de outros lugares, destacando-sepelos estudos de Direito Canônico, Direito Civil,assumindo a recuperação do Direito Romano,considerado o feito mais importante, atribuídoao monge e professor Werner Irnério e seusdiscípulos, que formaram o grupo denominadoglosadores.
A respeito, assinala o professor Levaggi:
“El hallazgo fortuito em Italia, a fines del siglo
XI, de un manuscrito del Digesto, la obra ig-
norada en los siglos anteriores, le permitió a
Irnerio y a sus discípulos acceder a la jurispru-
dencia clásica e inaugurar la ciencia jurídica
medieval...”7
Universidade de Oxford.Universidade de Oxford.Universidade de Oxford.Universidade de Oxford.Universidade de Oxford. Igualmente, sur-giu no século XII. A presença estudantil concorrianas escolas religiosas, conventos e monastérios.
Característica marcante dessa universidadeé que em 1209 registra um movimento estu-dantil com a morte de muitos alunos, e em con-seqüência, alunos e professores decidiram aban-donar a cidade, alguns se mudando para Paris eCambridge, e nesta cidade inglesa formaramuma nova universidade. Os que permaneceramem Oxford tiveram o reconhecimento eclesiás-tico para o ensino, com a proteção do bispado,acabando por se destacar no ensino da teologiae das ciências.
Oxford, como pequena cidade inglesa, ad-
quiriu prestígio por ser à ocasião a sede da ad-
ministração real e das cortes religiosas, o queanimou estudiosos e juristas a emigrarem paraesta cidade e ensinar o Direito. Em pouco tempo,a escola era conhecida como de leis, única na
Inglaterra a atrair estudantes da Europa.
4 OS MODELOS DE UNIVERSIDADES
E SEUS OBJETIVOS
A maioria dos sistemas de educação tiveramorigem a partir de grandes modelos universitá-rios classificados como históricos:
a) o sistema napoleônico da universidadeprofissional;
b) o sistema alemão da universidade cien-tífica/educativa;
c) o sistema britânico da universidadeeducativa; e
d) o sistema norte-americano da universi-dade/organização.
Em abordagem, sucinta cada um apresentasuas características:
Sistema Napoleônico.Sistema Napoleônico.Sistema Napoleônico.Sistema Napoleônico.Sistema Napoleônico. Ao já assinalado, éconsiderado o mais antigo. O Estado passou autilizar a universidade como ferramenta deprogresso e modernização da sociedade, comum sistema fortemente centralizado, e comreduzida autonomia, pois o objetivo do Estadofrancês na oportunidade, em face da carênciapós-revolucionária, era de formar profissionaispara o próprio Estado e para a sociedade.
Sistema Alemão. Sistema Alemão. Sistema Alemão. Sistema Alemão. Sistema Alemão. É um modelo científicoeducativo, tendo organizado a universidade co-mo uma instituição vocacionada para a inves-tigação e a formação científica dentro do idealhumanista, baseada no enciclopedismo e naliberdade do ensino e da expressão.
7 Idem, p. 68.
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Este sistema é dotado de autonomia fora
da intervenção do Estado, porém sua autono-
mia era garantida pelo Estado, com o dado in-
teressante de que os alunos deveriam trabalhar
em seminários, e o professor os aceitava como
preparados.
Sistema Britânico. Sistema Britânico. Sistema Britânico. Sistema Britânico. Sistema Britânico. Modelo educativo até o
final do século XVIII, na Grã-Bretanha existiam as
tradicionais universidades de Oxford e Cambridge.
Em Oxford surgem os colleges como aloja-
mentos para estudantes de menores recursos,
transformando-se em comunidades de profes-
sores e alunos, com ampla autonomia e com
recursos de rendas e doações. Impõe-se dizer
que, nos colleges do século XIX, a educação su-
perior pertencia a uma classe social considerada
privilegiada, mantendo as normas e estilo de
vida britânicos, e este modelo assume os
paradigmas da universidade educativa.
Oxford e Cambridge, pelos seus custos, pas-
sam a ser universidades de elite, em um sistema
tutorial: os pais confiam os filhos à universi-
dade, e cada professor assumia a formação mo-ral e científica de reduzido número de estu-dantes, tudo de acordo com as virtudes cívicase morais, e os princípios da igreja Anglicana.
Surgem outras universidades, mas o sistemainglês mantém a tradição como um sistema
universitário baseado na ampla autonomiainstitucional destinado ao desenvolvimento
intelectual e à realização pessoal de seus alunos,que deviam residir no campus universitário,
praticando também uma vida em convivência.Este sistema se modificou e democratizou-se
na segunda metade do século XX.
Sistema Norte-Americano.Sistema Norte-Americano.Sistema Norte-Americano.Sistema Norte-Americano.Sistema Norte-Americano. As primeiras
universidades seguiram o modelo britânico, pois
Harvard, a mais tradicional, foi criada em 1636
no mesmo modelo de Cambridge, com o mesmo
sistema tutorial.
No século XX, com a Segunda Guerra Mun-
dial, a universidade americana se transformou
em um centro de investigação mais ativo na
produção de novos conhecimentos, consti-
tuindo-se mais em uma empresa de serviços com
orientação prévia quanto à área de investigação,
modelo que corresponde a uma sociedade
concentrada para o desenvolvimento econômico
e, principalmente, de inovação tecnológica.
O detalhe importante, como organização,
é que trabalha com a lei de mercado em um
sistema de educação superior destinado às
massas, dando inteiro destaque às noções de
saber útil, concorrendo com um sentido
nitidamente pragmático.
5 O ENSINO DO DIREITO
Sem desconsiderar os estudos já realizados
no período romano, praticamente o embrião de
tudo, remontando a textos isolados, desde o
século XII, nas cidades de Bologna, Ravena, Mo-
dena e Piacenza, passou-se a estudar o Direito
Romano a partir dos velhos manuscritos justi-
nianeos descobertos.
À ocasião, o Direito Romano não estava vi-
gente na Europa, e seu estudo despertou inte-
resse de estudiosos, professores, juízes e gover-
nantes, quando Werner Irnério, conotado como
o “farol do direito”, veio de descobrir no museu
da cidade de Pisa um manuscrito do Digesto de
Justiniano, que classificou como uma grande
“revelação jurídica”, uma “lembrança de Deus”,
passando a estudá-lo com seus discípulos Acur-
sio e Azo. Irnério, como professor, separou o
ensino da jurisprudência clássica da retórica, e
passou a ensinar as leis romanas.
Irnério e seus discípulos realizaram as glo-
sas do texto descoberto partindo do seu teor,
do conhecimento da letra e das palavras, e se
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apoiando na autoridade da lei, preparando uma
reedição em cinco volumes do Corpus Juris Ci-
vilis de Justiniano, composto do Código, do Di-
gesto, das Institutas e das Novelas, sendo res-
ponsável pela formação da Escola dos Glosado-
res, onde Acursio foi o incumbido e responsável
pela compilação denominada “magna glosa” ou
“glosa ordinária”. E assim o Corpus Juris Civilis
foi incorporado em seus estudos, o que corres-
pondeu ao embrião da crítica reproduzida pelos
Comentaristas surgidos no século XIII com
Cyno de Pistoia, Bartolo de Sassoferrato, e que
se utilizaram do mos italicus, método italiano
de ensino e aprendizado do Direito, criando a
opinio comunis doctorum por meio da compi-
lação das opiniões de parte de Baldo de Ubaldi,
cujas regras comuníssimas passaram a formar
o Direito comum, adotadas como argumento
de autoridade e fonte de criação do Direito dos
juristas, que se espargiu e evoluiu em toda Eu-
ropa, em uma mescla das regras comuns con-
solidadas com os usos e costumes de cada país,
e com isso criando o seu próprio direito.
Esclarece Levaggi:
“El critério de los juristas bajomedievales fue,
pues, el de maxima aplicación posible del De-
recho común y, correlativamente, el de la mí-
nima aplicación del Derecho próprio. De esta
manera, los Derechos de la mayoria de los
reinos europeos se incorporaron al sistema del
Derecho común”8
O método de ensinamento era oral e em la-
tim, na utilização dos textos romanos, pois o latim
correspondia a língua da bíblia, por ser a língua
das escrituras, da cultura erudita e também a
língua dos ensinamentos.
Como meios, utilizaram pequenos manuais
da obra de Aristóteles, especialmente dos trata-
dos de lógica, constando que o homem letrado
medieval tinha uma tendência natural de orde-
nar suas idéias sob a forma de silogismos e de
transformar as mesmas em figuras de silogismo
corretas ou não corretas, dentro dos argu-
mentos de seus próprios adversários.
O livro em si surgiu no século XIII com a
utilização do papel, e por ser caro, as universi-
dades estruturam-se em lhe destinar recintos
próprios, isto é: bibliotecas para consultas, e en-
cadernação para evitar furtos.
Quanto aos professores, as universidades da
Idade Média passaram a formar seu corpo para a
satisfação de suas necessidades e aumento do
número de alunos. O professor respondia com
cinco características básicas: respeito reverencial
às autoridades; grandes autores e pensadores em
que se apoiavam na atividade docente; domínio
do método dialético calcado na universalidade
do saber e do conhecimento; o ensinamento
deveria basear-se na ótica cristã, ordem do mun-
do criada por Deus; os professores eram em sua
maioria eclesiásticos, com dois graus de forma-
ção: bacharel e catedráticos.
Portanto, desde suas origens, as universi-
dades contaram com uma estrutura institucio-
nal, como uma federação de escolas, e cada es-
cola ofertava um ciclo completo de disciplinas,
dirigidas por um professor, e com um diretor
de estudos, responsável pela escola. Cada fa-
culdade se dedicava a um ramo do conhecimen-
to, com professores que estudavam a mesma
8 Idem, p. 80.
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matéria, com quatro cursos: Teologia, Direito,
Arte e Medicina.
6 A UNIVERSIDADE E O ENSINO
DO DIREITO EM PORTUGAL
Em face das ligações entre o Brasil e Portu-gal, não poderíamos deixar de mencionar Por-tugal, e pelos laços de colonização entre os doispaíses, sugestivo é o esclarecimento trazido peloprestigioso professor historiador José de LimaLopes a respeito, e que bem orienta o surgimen-to da universidade em Portugal:
“a criação do ‘studium generale’ pelo rei D.
Dinis em 1290 mostra a distância que separava
Portugal das origens do movimento universi-
tário. De fato, a universidade portuguesa difere
de Paris e Bolonha pelo seu caráter não espon-
tâneo, ou seja, pela criação por ordem régia
(...) O ‘studium’ é transferido para Coimbra
em 1308 e retorna a Lisboa em 1338, por ordem
de D. Afonso IV; em 1354 volta a Coimbra e ali
fica até 1377 quando, sob D. Fernando I, volta
a Lisboa. Conforme Saraiva (1995) a universi-
dade portuguesa era ‘vagabunda’, que até o
século XVI não tinha sede fixa, nem instalações
próprias, nem mestres prestigiados e cujos di-
plomas valiam pouco, mesmo dentro das fron-
teiras do Reino”.9
A respeito de Portugal, acrescenta ainda oeminente professor e historiador argentino Levaggi:
“La penetración del Derecho común comenzó
en el siglo XIII y fue progressiva. Contribuyó a
elle la presencia de estudiantes portugueses em
Italia, quienes a sua regresso volcaron su saber
como catedráticos y consejeros (Juan de Dios,
Juan de las Reglas), como a la de juristas italia-
nos em Portugal. La fundación de la Univer-
sidad de Lisboa-Coimbra (hacia 1290) favo-
reció la difusión del Derecho común...”10
Sobre o Direito, segundo dizem os estudio-
sos, a história do Direito brasileiro é mais antiga
do que a própria história do Brasil, pois grande
parte da sua evolução deve-se ao Direito por-
tuguês, já que este teve vigência no Brasil desde
o começo da colonização, com a nítida influên-
cia da civilização da Europa na colônia portu-
guesa da América.
A propósito, traz-se novamente a palavra
do inesquecível mestre das arcadas Waldemar
Martins Ferreira:
“O que, de verdade, sucedeu, quanto às insti-
tuições jurídicas, foi o que Silvio Romero teve
como acertado chamar – a bifurcação brasi-
leira, ou seja, o transplantio do organismo jurí-
dico-político português para esta parte do con-
tinente sul-americano”.11
7 A UNIVERSIDADE E O ENSINO
DO DIREITO NO BRASIL
Os estudos do Direito no Brasil surgem atra-
vés da bifurcação denominada brasileira, que
corresponde à vigência de preceitos da organi-
zação jurídica portuguesa no continente sul-
americano, especificamente no Brasil.
9 O direito na história: lições introdutórias, p. 125.10 Op. cit., p. 83.11 Op. cit., p. 25.
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Com a declaração da Independência do Bra-
sil, segundo nos resgata a história, os brasileiros
acabavam de perder o único centro de cultura
superior do mundo de língua portuguesa: a
Universidade de Coimbra, pois a primeira ge-
ração de legisladores brasileiros ali é que se ha-
viam formado. A propósito afirma Lima Lopes:
“(...) Os brasileiros de primeira geração de le-
gisladores e juristas são fruto desta idéia geral,
pois foram socializados em Coimbra neste am-
biente. Ali aprenderam o direito e aprenderam
o que seria um curso de direito.”12
Em sua excelente monografia comentando
os parâmetros políticos fundamentais nortea-
dores, diz Aurélio Wander Bastos:
“(...) em primeiro lugar, a história da instala-
ção dos cursos jurídicos no Brasil (...) é basica-
mente a história das conciliações que se deram
entre as elites imperiais e determinadas frações
das elites civis; em segundo lugar, a fração der-
rotada das elites civis sempre esteve numa po-
sição optativa entre a sua proposta e as pro-
postas oficiais da elite imperial ou as da sua
fração que tinha acesso direto ao Estado”.13
Dessa forma, em razão de uma efetiva ne-
cessidade, das divagações e desencontros da po-
lítica, pela carta de lei de 11 de agosto de 1827
elaborada pelo Império, foram criados os cursos
jurídicos no Brasil: um em Olinda e outro em
São Paulo, cujos parâmetros eram então nos
mesmos moldes de Coimbra.
Em 1854, pelo Decreto n. 1.386, os cursos
jurídicos passaram a denominar-se Faculdades
de Direito, e neste mesmo ano o curso da cidade
de Olinda transferiu-se para Recife. As faculda-
des de Direito, em uma reforma de 1879, foram
divididas em dois cursos: Ciências Jurídicas e
Ciências Sociais, com currículos acrescidos,
anotando-se que a freqüência aos cursos era livre.
Após a proclamação da República em 1889,
houve uma nova reforma educacional, restau-
rando a presença obrigatória dos alunos aos cur-
sos, e o modelo de Coimbra acabou por receber
as modificações seguindo os padrões europeus
e de acordo com as necessidades brasileiras.
A elite de juristas desta época vem das duas
Faculdades, a exemplo de Augusto Teixeira de
Freitas e Clóvis Bevilácqua. Como dados rele-
vantes da criação intelectual brasileira, em 1856
aparece a Consolidação das Leis Civis de Augusto
Teixeira de Freitas, e em 1916 o Código Civil de
Clóvis Bevilácqua, dois autênticos monumentos
do estudo do Direito em suas épocas.
8 OS DESAFIOS DO SÉCULO XXI
Como desafios para o século XXI, ex vi do
crescimento da população estudantil e de um
fluxo mais intenso, adentramos em um processo
de massificação das universidades – fenômeno
que surgiu justamente a partir da Segunda Gran-
de Guerra, e que influenciou sobremaneira a
qualidade dos ensinamentos, obrigando as uni-
versidades a diversificarem seus recursos do-
centes para dar cumprimento a seus objetivos,
diante da ocorrência de novos paradigmas ao
desenvolvimento.
12 Op. cit., p. 229.13 O ensino jurídico no Brasil, p. 8.
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Diante dessa massificação, como era natu-
ral, acresça-se que a premente necessidade de
adequação das universidades, e a evolução das
idéias da Idade Média para a Idade Moderna,
foram aspectos determinantes para uma refor-
ma rápida dos princípios universitários.
Já no século XIX na Alemanha iniciou-se
um movimento estabelecendo formas para a
execução de tarefas de investigação fundamen-
tal e de adestramento profissional reservadas à
classe intelectual, organizadas com uma rígida
relação hierárquica em torno do professor ti-
tular da cátedra.
No entanto, a demanda de técnicos e pro-
fissionais causou profunda transformação nas
universidades: de uma fase de instituição fecha-
da somente para o atendimento das elites, para
uma educação de massa, com significativo
aumento da população universitária, que via na
universidade uma forma de prosperação social
e de democracia na vida universitária.
Bem a propósito nos elucida o professor ar-
gentino Eduardo Martinez Márquez:
“El professional que contemplamos, por el
contrario, deberá reunir positivamente esta tri-
ple condición humana de creatividad: respon-
sabilidad plena, ante toda nueva situción, con
conciencia de tener en la mano su propio des-
tino, y en alguna medida, también el de dos
demás; busqueda activa y razonada de solu-
ción, con la possibilidad fundada de encon-
trarla, y participación solidária en la evolución
social, con personalidad propia que no sucum-
ba a la fácil tentación de masificación”.14
Não há a menor dúvida de que a universi-
dade do século XXI, em seus estudos, tem como
sérios desafios:
a) submeter-se à democratização;
b) satisfazer uma população de estudantes,
como consumidores de serviços;
c) ao mesmo tempo dar conta dos novos
movimentos sociais, em razão da globa-
lização da cultura e do pensamento; e
d) atentar para as dificuldades quanto aos
recursos docentes, sem perder a cons-
tante busca da transmissão da verdade e
do conhecimento científico atualizados,
com certo tempero até de uma previsão
de futuro.
Sobre as perspectivas da universidade, ilus-
tra ainda o professor Eduardo Martínez Már-
quez, já citado:
“Todos sabemos que la universidad, en la socie-
dad contemporánea, debe ser la fuente fecunda
de autênticos recursos humanos (...). Esta incum-
bencia, este compromisso esencial de la universi-
dad de hoy, la obriga a estar siempre en función
prospectiva, a ‘futurizar’ como ahora se dice: por-
que los hombres e mujeres, que hoy salen de sus
claustros, han de ser los professionales e investi-
gadores da la sociedade de mañana. He aqui el
problema máximo de la universidad de todos los
tiempos (...). El profissional del tercer milenio
no acabará nunca su carrera, porque se hallará
naturalmente en educación abierta y permanen-
te, siempre pendiente del último descobrimiento,
y en actitud de constante revisión, bajo el signo
de los tiempos”.15
14 Universidad auténtica, p. 178.15 Idem, p. 176-180.
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9 CONCLUSÃO
Levando-se em conta ser a universidade um
verdadeiro centro produtor e difusor perene na
construção de conhecimentos, na aplicação
constante do saber, e com a responsabilidade
de exercer uma verdadeira revolução na mani-
pulação e no desenvolvimento da alta tecnologia
na incessante busca do bem-estar social, do pro-
gresso social e dos avanços no campo científico,
a conclusão deste tema pode ser resumida em
duas grandes vertentes que por certo estão a
preocupar a comunidade acadêmica dirigente e
as instituições universitárias do país, diante da:
9.1 Nova Realidade
No campo técnico e científico, ante os
efeitos da globalização, importante é destacar
alguns pontos na reforma do pensamento, e da
necessidade da interdisciplinaridade já manifes-
tada no século XX, e agora, no século XXI, sob
nova denominação a da transdisciplinaridade,
o que implica naturalmente uma reforma dos
paradigmas vigentes da universidade.
Convém ficar esclarecido que a interdisci-
plinaridade adotada pela nova inteligência já
tentara resolver o problema do conhecimento com
o auxílio de outros ramos do saber, através de uma
reforma dos programas. E a transdisciplinaridade
por seu turno, ter sua atenção voltada para as
mudanças, por posicionar todo tipo de informação
em seu contexto e principalmente no global, onde
está originalmente inserta.
Para tanto, deve-se dizer que, diante do
mundo globalizado, a reforma da universidade
tem como objetivo a reforma do pensamento, a
redundar numa plena utilização da inteligência
na busca do saber, e a corresponder uma clara
formulação de inovações em atenção aos
paradigmas a prevalecer, ou seja, uma nova
forma de se organizar o conhecimento, pois o
avanço deve ir mais longe para que o pensa-
mento capte as multirrelações, as interações,
as implicações solidárias, o sentir conjuntural,
tudo dentro do panorama social, cujas realida-
des são cada vez mais comuns e por incrível
que pareça, francamente dissidentes.
Torna-se indiscutível concluir pela ingente
e imperiosa necessidade de um pensamento
organizador que atente para a relação recíproca
entre o todo e as partes, como sucedâneo ino-
vador de uma nova forma de pensar.
Cumpre ficar esclarecido que vivemos mais
um momento dos tempos das reformas na
implantação de uma estrutura universitária
mais adequada, mais estimuladora, para sairmos
de uma tradição arraigada nos aspectos formais
do “mesmismo” cômodo, e ao talante exube-
rantemente egocêntrico do “achismo” de muitos,
tudo ao fiel propósito de mudanças de mentali-
dade de parte dos educadores, tendo em vista o
mesmo empirismo de outrora aos dados já con-
solidados e vigentes nos dias atuais, na direção
da conquista segura da eficiência dentro do bi-
nômio indiscutível, em consonância com o
ensino ideal e para o êxito da aprendizagem.
9.2 Novas Necessidades e Tendências
É de se reconhecer, a ocorrência de novas
aberturas nos ensinamentos do direito, ligados
aos campos dos novos direitos referentes: ao
conceito mais atualizado de sujeito/cidadão; di-
reito da criança e do adolescente; direito das mu-
lheres; direito dos idosos; direito dos indígenas;
da discriminação; do bio-direito, novo direito à
vida; direito do consumidor; direito ambiental
in genere; direitos relacionados com a
reprodução animal; o direito relativo às alterações
genéticas; os públicos virtuais na sociedade da
informação; o direito comunitário (da união de
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países – Comunidade Européia, Mercosul); o da
globalização e etc., que se refletem em razão das
novas necessidades e tendências.
Não restam dúvidas também, que diante do
irreversível avanço tecnológico a possibilitar
uma infra-estrutura, e com acentuada veloci-
dade no âmbito das informações, nos depara-
mos com uma autêntica reformulação didático/
pedagógica, compatível com o fluxo destas
necessidades, onde se mescla o tradicional com
a nova ordem motivadora, e que vá de encontro
com as expectativas e os novos padrões exigidos
pelas gerações, e que são alcançados por toda
esta tecnologia, anteriormente sob sonhos, e
hoje sob inequívoca realidade, assim como: o
sistema semi-presencial, a universidade virtual
e o ensino a distância, pois, a tecnologia digital,
a informatização e a difusão dos programas pes-
soais, as comunicações e sua difusão, a veloci-
dade das informações e os recursos propiciados
pela Internet, estão a provocar mudanças ex-
pressivas no processo de educação e na minis-
tração do conhecimento, com sérios reflexos
nas próprias mudanças comportamentais.
Como conseqüência de tudo, temos a união
das telecomunicações com a informática que
fez nascer a telemática, com um universo imen-
so de processos interativos à distância, a exem-
plo do videotexto, do banco de dados, do correio
eletrônico entre outros, pois a informática,
unindo-se ao vídeo, possibilita a videomática,
que compreende o vídeo interativo.
Assim, a informática, com ferramenta de
trabalho adequada, possibilita novas formas de
comunicação através ainda do: teletexto, video-
texto, hipertexto, hipermídia, integradas ao
sistema de multimídia, como um conjunto de
dispositivos que possibilitam a reprodução si-
multânea de textos, desenhos, sons e seqüências
audivisuais.
A universidade que se rotule de moderna
não pode ficar alheia a toda essa messe de mu-
danças, e a essa parafernália tecnológica, inclu-
sive criando e organizando seu próprio labora-
tório de meios e difusão, na utilização efetiva
da sofisticada tecnologia já preexistente e à
disposição.
Em conseqüência, dentro de uma lineari-
dade do crescimento universitário físico e de
novos paradigmas, estão nascendo os programas
de educação à distância, que acabarão tornan-
do-se uma nova realidade educacional, a uni-
versidade virtual extremamente acessível, dan-
do atenção mais eficiente ao fluxo da demanda,
e, sobretudo, mais competitiva e menos onerosa.
Para tanto, as universidades ou centros uni-
versitários a congregar expressiva comunidade
estudantil, e que pleiteiam erigir-se como mo-
dernos núcleos difusores de uma educação
moderna, serão forçosamente compelidos a de-
senvolver tecnologias de meios para propiciar um
aprendizado de todo eficiente, por uma sistema
presencial parcial, e para que haja uma iterativi-
dade mais proveitosa, mais intensa, levando-se
em conta a dificuldade de locomoção do aluno
nos maiores centros urbanos – local de trabalho,
moradia e escola –, e o real aproveitamento que
pode ter no âmbito de seu micro caseiro, hoje
mais ou menos universalizado como sonho
necessário de consumo.
É certo que tudo está a representar a solu-
ção pedagógica para a educação ter melhor qua-
lidade e eficiência, o que implicará seriamente
uma arrojada reestruturação dos planos de es-
tudos e seu desenvolvimento para o exercício
das novas profissões, e com tudo isso estando
enquadrado o próprio aperfeiçoamento do
estudo do Direito.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CALDAS AULETE, J. F. Dicionário contemporâneo dalíngua portuguesa. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos.
CASARES, Julio. Diccionário ideológico de la lenguaespañola. 1. ed. Barcelona: Gustavo.
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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicio-nário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: NovaFronteira.
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VERGER, Jacques. Gentes del saber en la Europa de finalesde la edad media. Madrid: Complutense, 1999.
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D ireito A r t i g o
R E S U M O
MÍDIA E DIREITO
Estela Cristina BonjardimPontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.
Mestranda em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco – USP/SP.Formada em Direito pelo Instituto Metodista de Ensino Superior de São Bernardo do Campo.
Formada em Jornalismo pelo IMES.Delegada de Polícia 3a classe lotada junto à Delegacia Seccional de Polícia de São Bernardo do Campo.
Professora Universitária desde 1995 junto à Universidade do Grande ABC – UniABC/São Caetano do Sule junto ao Instituto Municipal de Ensino Superior – IMES/São Caetano do Sul desde 1998.
O presente trabalho pretende mostrar como osmeios de comunicação de massa e a lei podemcoexistir de forma harmoniosa.
A B S T R A C T
This article wants to show how mass media andlaw can live together in peace.
1 SOBRE A LIBERDADE
Ao afirmar que “a razão é a origem de toda
a liberdade”, Santo Tomás de Aquino refere não
só que suas raízes estão no próprio sentimento
humano, como também reconhece o direito de
liberdade como fundamental, como o único di-
reito original que pertence a cada homem pela
simples razão de sua humanidade, donde fa-
cilmente se conclui que qualquer indivíduo sem
liberdade sente-se mutilado.
Esse é o motivo de se buscar a origem da
liberdade no próprio nascimento do homem,
como manifestação do instinto pessoal. “O ato
de desobediência de Adão e Eva rompeu o laço
primordial com a natureza e os transformou
em indivíduos. A desobediência foi o primeiro
ato de liberdade, o início da história humana.”1
A liberdade, porém, não se pode limitar aopensamento, já que está definitivamente vin-culada à liberdade de expressar o pensamento.Só se pode falar em liberdade quando podemoslivremente expressar aquilo que pensamos.
“Sem liberdade não existe moral, porque, não
existindo livre escolha entre o bem e o mal, en-
tre a devoção ao progresso comum e o espírito
de egoísmo, não existe responsabilidade. Sem
liberdade não existe sociedade verdadeira,
porque entre livres e escravos não pode existir
associação, mas somente domínio de uns sobre
os outros. A liberdade é sagrada como o indi-
víduo, cuja vida ela representa.”2
Como vimos, a liberdade guarda amplo con-ceito que, por sua amplitude, confunde-se com
1 Erich Fromm, Meu encontro com Marx e Freud, p. 156.2 Giuseppe Mazzini, Deveres do homem, p. 125. Apud Darcy Arruda Miranda, Comentários à Lei de Imprensa, v. 2.
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vários conceitos igualmente amplos, como ver-
dade, moral, direito e responsabilidade, além de
outros.
1.1 Liberdade de Pensamento
Sob qualquer enfoque, o conceito da livre
manifestação do pensamento representa um
princípio que paira sobre todos os demais em
termos de importância, não porque se relacione
com eles, mas porque os protege, sem que por
eles seja protegido. Assim, quando o governo
de um país declara que respeita os direitos hu-
manos, protege a sua população contra discri-
minação de ordem racial, de cor, de religião,
mas censura os meios de comunicação de massa,
anuncia muito, porém nada respeita, porque
suprime a liberdade de verificar se o que declara
é realmente verdadeiro. Por outro lado, se con-
fere à imprensa liberdade e independência,
naturalmente haverá a fiscalização da existência
e eventual violação das demais liberdades.
Essa importância foi retratada por Rui Barbosa,
ao afirmar que:
“De todas as liberdades, a do pensamento é a
maior e mais alta. Sem ela todas as demais
deixam mutilada a personalidade humana,
asfixiada a sociedade, entregue à corrupção o
governo do Estado”.3
Cercado de tanta grandeza, o princípio da
livre manifestação do pensamento se deixa en-
volver por outros conceitos, como verdade, mo-
ral, política, o que se acentua quando a liberdade
de pensamento se confunde com outros tipos
de liberdade. Quando se fala em sistemas polí-
ticos, por exemplo: quaisquer que sejam, a livre
manifestação do pensamento tem muito que ver
com eles, não podendo ser considerada menos
importante.
Um sistema político em que os detentores
do poder atribuam importância secundária à li-
vre expressão do pensamento não pode, com o
tempo, conviver pacificamente com seu próprio
povo. A liberdade é inata ao homem. Mais do
que um direito, é um sentimento incompatível
com qualquer sistema ou teoria que se repute
infalível e, por isso, não aprecie qualquer outra
alternativa que não sua supressão.
Marx, sentindo-se uma das vítimas da per-
seguição pelo poder, escreveu:
“A natureza de uma imprensa censurada é a mons-
truosidade disforme da falta de liberdade. O
governo ouve apenas a sua própria voz; ele sabe
que está ouvindo a sua própria voz; não obs-
tante, ele se fortalece na auto-ilusão de que está
ouvindo a voz do povo e exige também do povo
que mantenha essa auto-ilusão”.4
Se um indivíduo de pensamento discrepan-
te pode ser considerado inimigo do regime – o
que é a tônica dos sistemas políticos totalitários
– a liberdade de comunicação, nessa hipótese,
representa um perigo e uma preocupação.
Até o século XVIII, emitir opinião e divulgá-la
era praticamente privilégio dos reis e da Igreja
e, não se pode esquecer, a comunicação foi um
dos setores da vida humana mais violentamente
modificados pela revolução tecnológica.
3 Rui Barbosa, Ruínas de um governo, p. 118.4 João Féder, Crimes da comunicação social, p. 24.
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Afinal, é inegável que
“nos últimos 100 anos a humanidade aperfei-
çoou técnicas muito eficientes de expressão. O
pregador, o panfletário, o orador e os mestres
exercem sempre muita influência; mas, em
nossos dias, a página impressa do jornal, a pa-
lavra falada do comentarista de rádio, o filme
cinematográfico e a tela da TV tornaram-se ins-
trumentos de poder quase infinito. Não é difícil
compreender a tentação dos governos ou gru-
pos dentro dos Estados de distorcer ou explorar
tais instrumentos para fins particulares”.5
Nesse sentido, conclui Harold Lasky, em
seu livro A liberdade:
“A história ensina-nos que o caminho para a
tirania passa sempre pela estrada da supressão
da liberdade de pensamento e de expressão”.6
1.2 Liberdade de Comunicação
“Não há liberdade individual sem liberdade co-
letiva, pois não há liberdade concreta histórica
sem comunicação.” 7
A comunicação que se processa através dos
veículos de comunicação social é a mais legítima
forma de expressão do pensamento, já que tais
veículos – a imprensa, o rádio e, mais tarde, a
TV – representam a liberdade coletiva de um
povo, na medida em que são portadores de idéias
e mensagens múltiplas e divergentes, que
traduzem os sentimentos desse povo.
Antes do surgimento da imprensa, o ho-mem viveu períodos de rigorosa regulamenta-ção repressiva da manifestação do pensamen-to, fosse ela escrita ou não. Seu aparecimentofez com que, já no século XVI, os poderes civise religiosos se unissem para conter a propagaçãode idéias, daí surgindo a luta, até hoje nãoterminada, pela liberdade de comunicação.
A Inglaterra foi berço dessa luta, tendo, em1641, o Parlamento imposto a Carlos I que abo-lisse a chamada “Câmara Estrelada”, que exer-cia o controle sobre todas as publicações. Talmedida favoreceu o aparecimento de diversosjornais, embora ainda nenhum diário. Dois anosmais tarde, porém, a censura foi reativada,atendendo a reivindicação da Companhia dosLivreiros, até que em 1695 foi definitivamenteabolida na Inglaterra.
Tais fatos antecederam o primeiro ato dereconhecimento legal da livre manifestação dopensamento, inserido no artigo 12 da Declaraçãode Direitos do Estado da Virgínia, que previa: “Aliberdade de imprensa é um dos escudos maispoderosos da liberdade e que somente osgovernos despóticos podem entravar”. A Declara-ção data de 1776 e a Inglaterra já tinha, desde1712, seu primeiro jornal diário, o Daily Current,circulando livremente.
Em 1789 adveio a Declaração francesa, quedispôs, em seu artigo 11, que:
“a liberdade de comunicação dos pensamentos
e das opiniões é um dos direitos mais preciosos
do homem; portanto, todo homem pode falar,
escrever, imprimir livremente, devendo res-
ponder pelo abuso a essa liberdade nos casos
determinados pela lei”.
5 Derrick Sington, Liberdade de comunicação, p. 9.6 João Féder, op. cit., p. 25.7 Décio Pignatari, Informação, linguagem, comunicação, p. 105.
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No mesmo ano, surge a Constituição dos
Estados Unidos, preceituando, na sua Primeira
Emenda: “O Congresso não fará qualquer lei
que restrinja a liberdade de palavra ou de
imprensa”.
Tais acontecimentos, marcantes para o re-
conhecimento da liberdade de comunicação, não
levaram ao desaparecimento dos obstáculos. Na
própria França, Napoleão, quando assumiu o
comando da nação, declarou: “Se soltar o freio
da imprensa não ficarei três meses no poder”.
Ficou anos no poder, durante os quais a imprensa
não foi mais do que mera propaganda ditada pelo
Imperador. Foi a Revolução de 1848 que devolveu
a liberdade à imprensa francesa, mesmo assim,
não impedindo opressões futuras.
Tais opressões, é claro, não se limitaram à
França, mas atingiram a atividade da imprensa
em muitos outros países, onde os governos pro-
curavam se justificar invocando um suposto in-
teresse social maior que o da livre manifestação
do pensamento. Assim se deu com Stalin, Hitler,
Mussolini, Salazar, Franco e com Getúlio Var-
gas, entre outros.
Senão, vejamos. O artigo 125 da Constitui-
ção Russa de 1936 colocou em primeiro plano,
ou seja, acima da liberdade, “os interesses dos
trabalhadores” e o “fortalecimento do regime
socialista”. A Constituição de 1977 passou a
prescrever, no artigo 50:
“de acordo com os interesses do povo e a fim de
fortalecer e desenvolver o regime socialista, são
garantidas aos cidadãos da URSS as liberdades
de expressão, de imprensa, de reunião, de rea-
lização de comícios, desfiles e manifestações de
rua. O exercício das liberdades políticas é ga-
rantido pela concessão aos trabalhadores e às
suas organizações de edifícios públicos, ruas e
praças, pela ampla difusão da informação e pela
possibilidade de utilização da imprensa, rádio
e TV”.
Em 1978, por sua vez, a Constituição da
China dispunha, em seu artigo 45, que:
“Todos os cidadãos têm liberdade de expressão,
de correspondência, de imprensa, de reunião,
de associação, de desfile, de manifestação e de
greve. Têm também direito a recorrer à grande
competição de idéias, à livre expressão do
pensamento, aos grandes debates e a escrever
‘dazibao’ (jornais de parede)”.
Na doutrina fascista, Mussolini dizia, em
1928, que “o jornalismo italiano é livre porque
serve somente uma causa, um regime”. E con-
tinuava:
“Num regime totalitário, que surge de uma
revolução triunfante, a imprensa é um elemento
desse regime e uma força a serviço desse regime”.
No nazismo, o direito individual é conside-
rado apenas um elemento da comunidade,
submetido à ordem estabelecida pelo Führer de
acordo com a concepção de bem comum que
ele próprio, discricionariamente, determina.
Dietrich, Presidente da Federação dos Jornalis-
tas da Alemanha, dirigindo-se ao povo italiano
em uma saudação a Hitler durante uma visita a
Veneza, afirmou: “O nazismo se orgulha de ha-
ver libertado o povo alemão da liberdade de
imprensa”.
A Carta da Espanha de 1945 dizia que todo
cidadão tinha direito a exprimir livremente sua
idéias... desde que não atentassem contra os
princípios fundamentais do Estado. E a Cons-
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tituição portuguesa de 1933 proclamava a mes-
ma liberdade, mas previa “que uma lei repres-
siva podia impedir a perversão da opinião pública
enquanto força social e salvaguardar a integri-
dade moral do cidadão”.
A Constituição brasileira de 1937 foi menos
sutil ao dispor, incisivamente, no artigo 122, XV,
que:
“A lei pode prescrever, com o fim de garantir
a paz, a ordem e a segurança pública, a cen-
sura prévia da imprensa, do teatro, do cinema
e da radiodifusão, facultando à autoridade
competente proibir a circulação, a difusão ou
a representação”.
Fernando Morais assim se pronuncia sobre a
situação da imprensa em Cuba, em uma indicação
de que a lição de Napoleão foi proveitosa:
“Quando perguntei a um influente jornalista
cubano se lá existe liberdade de imprensa, ele
deu uma gargalhada e respondeu: ‘Claro que
não’. E completou, com naturalidade: ‘Liber-
dade de imprensa é apenas um eufemismo bur-
guês. Só um idiota não é capaz de ver que a
imprensa está sempre a serviço de quem detém
o poder. E aqui em Cuba quem detém o poder é
o proletariado. Estamos todos os jornalista
cubanos, portanto, a serviço do proletariado’”.8
1.3 O Caminho da Liberdade
Terminada a II Guerra Mundial, represen-
tantes de quase todas as nações assinaram, em
dezembro de 1948, em Paris, durante a Assem-
bléia Geral das Nações Unidas, a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, que prevê,
em seu artigo 19, com especial clareza:
“Todo homem tem direito a liberdade de ex-
pressão. Este direito inclui o de não ser moles-
tado por causa de suas opiniões, o de investigar
e receber informações e pareceres e o de difun-
di-los sem limitação de fronteiras, por qual-
quer meio de expressão”.
Daí em diante fortaleceu-se, cada vez mais,
a convicção geral de que a nenhuma forma de
governo é legítimo subtrair de seu povo o direito
de ser livremente informado.
Por causa dessa convicção, a Comissão
sobre Liberdade de Imprensa anunciou, em
Chicago:
“A liberdade da palavra e de imprensa está pró-
xima do significado central de toda a liberdade.
Onde os homens não podem comunicar
livremente seus pensamentos uns aos outros,
nenhuma outra liberdade está segura. Onde
existe liberdade de expressão, está sempre
presente o germe de uma sociedade livre e tem-se
à mão um meio para todas as extensões da
liberdade. A expressão livre, portanto, é única
entre as liberdades como protetora e promo-
tora das outras; a prova está em que, quando
um regime se encaminha para a autocracia, a
palavra e a imprensa figuram entre os primei-
ros objetos de restrição ou controle”.9
John Stuart Mill, em seu trabalho clássico
sobre o valor da liberdade, apresenta uma feliz
8 A ilha, p. 73.9 Charles Steinberg (Org.), Meios de comunicação de massa, p. 199.
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exposição sobre o respeito que deve merecer a
opinião individual, por mais solitária que se
apresente:
“Se toda a humanidade, com exceção de uma
só pessoa, tivesse certa opinião, apenas essa
pessoa tivesse opinião contrária, a humanidade
não teria mais razão em silenciá-la do que ela à
humanidade”.10
E João Féder nos explica os motivos:
“Primeiro porque, se silenciamos uma opinião,
podemos estar silenciando a verdade. Segundo,
mesmo uma opinião errada pode conter parte
da verdade que nos permita alcançá-la em sua
totalidade. Terceiro, mesmo se a verdade total
for a opinião geral, essa opinião não poderá
ser sustentada em bases racionais antes de ser
testada e discutida. Quarto, quando uma opinião
de domínio geral não é criticada de tempos em
tempos, perde sua vitalidade e efeito. E é preci-
samente sobre as opiniões predominantes que
a liberdade de comunicação exerce sua função.
Para dizer que a regra imposta é a melhor, para
aplaudir a sabedoria do rei e a bondade da rai-
nha, a liberdade seria dispensável”.11
2 O PAPEL DA MÍDIA NO SÉCULO XX
Ninguém pode duvidar de que a criação da
palavra alterou o destino dos homens. A palavra
impressa deu função visual à pontuação, com
que se preocuparam os compiladores de Sha-
kespeare, no século XIX. A impressão criou
dificuldades, pois tornou mais rígidas as regras
da linguagem, ao mesmo tempo em que trouxe
vantagens assombrosas, pois a memorizava e
difundia, coisas até então impossíveis, já que
não existiam o rádio e a TV. Como dizia Ed-
mund Carpenter, a palavra passou a pertencer
ao mundo objetivo, passou a ser vista.
Com a evolução que experimentou ao longo
de nosso século, a comunicação social estabe-
leceu, com o comportamento humano, vínculo
de incrível intimidade. Tanto é assim que
devemos admitir que
“todos nós dependemos dos produtos da co-
municação de massa para a grande maioria das
informações e diversão que recebemos em
nossa vida. É particularmente evidente que o
que sabemos sobre números e assuntos de inte-
resse público depende enormemente do que nos
dizem os veículos de comunicação. Somos
sempre influenciados pelo jornalismo e inca-
pazes de evitar esse fenômeno. Pouco podemos
ver nós mesmos. Os dias são muito curtos e o
mundo é enorme e muito complexo para
podermos cientificar-nos de tudo o que se passa
nos meandros do governo. O que pensamos
saber, na realidade, não sabemos, no sentido de
que saber representa experiência e observação”.12
Cada vez mais concordamos que, nos dias
presentes, aquilo que não penetrou o sistema
de notícias nem foi por ele divulgado é como se
realmente não tivesse acontecido. Na moderna
“aldeia global”, de fato, só tem valor aquilo que
nós conhecemos, e nós, a cada dia, limitamo-nos
10 Sobre a liberdade, p. 16.11 Op. cit., p. 31.12 William Rivers e Wilbur Schramm, Responsabilidade na comunicação de massa, p. 27.
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a conhecer apenas aquilo que a comunicação
social informa.
O que mais preocupa o mundo de hoje sãoos efeitos causados pela comunicação de massa,pela comunicação que alcança não a um ou auma centena, mas praticamente a todos e sobreeles exerce sua influência.
Afinal, a imprensa a partir da metade doséculo XV, o rádio a partir de 1920 e a TV a partirde 1928 tiveram sempre marcante presençajunto aos mais importantes acontecimentos quea História registra. É impossível negar o méritodos gazeteiros de antigamente (a palavrajornalista foi empregada pela primeira vez ape-nas em 1704, no Journal de Trévoux, na Fran-ça); contudo, também não se pode comparar oalcance que tinham suas idéias com o quepodem ter no presente.
Hoje, não apenas os jornais ultrapassaramas fronteiras nacionais, como ganharam, nessaexpansão, novos companheiros, com o revolu-cionário apogeu alcançado pelo rádio e pela TV.E é por termos alcançado essa posição queRichard Fagen, ao final de seu livro Política ecomunicação, lança a seguinte questão:
“Basicamente, a questão crucial é: quem con-
trolará os novos instrumentos de comunicação
e para que fins eles serão usados?”
Nos sistemas denominados “liberal” e de“responsabilidade social”, nos quais a livre ma-nifestação do pensamento, em maior ou menorescala, por curtos ou longos períodos de tempo,tem conseguido sobreviver, em que pese nãohaver terminado a batalha pela conquista da li-berdade, já se verifica, paralelamente, uma série
de preocupações, que só se pode encontrar nos
países em que as liberdades são concretamenteamparadas. Essas mesmas preocupações, via deregra, têm servido para justificar o cerceamentoda livre manifestação do pensamento.
Dentre as várias questões, surge a seguinte:a publicação de notícias sobre a vida particularfere o direito de privacidade do indivíduo? Ouseja, a livre manifestação do pensamento e aordem legal são inconciliáveis? É o que preten-demos verificar.
2.1 Liberdade de Imprensa e a Lei
Há como se regulamentar a liberdade de im-prensa sem feri-la? Tal indagação tem merecidoanálise aprofundada, particularmente nos Es-tados Unidos, onde os grandes choques entre aliberdade de informação e os direitos dos cida-dãos esbarram sempre na aplicação da PrimeiraEmenda Constitucional, que, como já mencio-nado, sustenta claramente: “O Congresso nãopromulgará nenhuma lei que reduza a liberdadede expressão e de imprensa”.
O raciocínio que se segue ao enunciado é oseguinte: se o Congresso não pode aprovar leique restrinja a liberdade de imprensa e se paraampliá-la a lei é desnecessária, não há como sefalar em lei. O fundamento de tal raciocínioestaria na incompatibilidade entre lei e liberda-de. Não parece, porém, ser a melhor conclusão,pois mesmo a liberdade deve ser juridicamenteregrada, já que não é o único direito do cidadão,sob pena de não se obter uma disciplina social.
“Não há dúvida que todas as liberdades estão
sujeitas à lei, sub lege libertas; porque todos
são suscetíveis de equívocos, desvios e excessos,
mercê dos quais podem se converter em privi-
légio de uns para opressão de outros.”13
13 A. Brunialti, La libertá nello Stato Moderno, p. 176. Apud João Féder, Crimes da comunicação social.
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Rui Barbosa, que era um apaixonado da im-
prensa, esperava vê-la consolidada como forma
de expressão do pensamento, livre das retalia-
ções pessoais, das quais não foi apenas teste-
munha, mas também vítima. A idéia era a de
que, a partir do momento em que cada um pas-
sasse a assinar o que escrevesse, responsabili-
zando-se pelo seu escrito, desapareceria o modo
afoito e apaixonado de escrever, típico da fase
dos panfletos ou das publicações anônimas.
Por essa razão, Rui Barbosa concordava não
haver qualquer demérito em se submeter a im-
prensa a uma lei. E dizia:
“A lei e a nossa consciência são os dois únicos
poderes humanos aos quais a nossa dignidade
profissional se inclina”.
O espírito de que a lei sufocaria a existência
da liberdade tem sido invocado apenas quando
a lei exorbita em sua função. Quando justa, a
lei é sempre bem aceita, ou pelo reconheci-
mento de sua necessidade, ou porque estamos
totalmente condicionados a viver cercados de
regras por todos os lados.
“Onde existe o social, aí existe o jurídico. Sendo
a liberdade um conceito social, é ela regulada
pelo Direito, que a abrange completamente e a
condiciona em certa bitola. Apanhando-a in
natura, como um fato, como liberdade natural,
transforma-a em liberdade jurídica. A liber-
dade de imprensa é uma forma de liberdade de
pensamento que consiste no direito de externar
e divulgar idéias, independentemente de cen-
sura prévia. A interferência do Estado na li-
berdade de imprensa não encontra justificativa
senão quando ela ultrapasse os limites de um
legítimo exercício e lese direitos alheios, sendo,
porém, de notar-se que o Estado não pode ja-
mais arrogar-se a decisão do que é falso e ver-
dadeiro, porque, como meio que é, sua missão
deve restringir-se apenas à de garante dos direitos
de cada cidadão.”14
Não podemos esquecer que quase todos ossistemas de comunicação de massa se sujeitama certas formas de controle básico, como modode proteger os indivíduos contra difamações,proteger autores e editores, preservar o Estado
de ações ameaçadoras e subversivas. E os pró-prios profissionais da imprensa concordam com
tais restrições, por ser necessário garantir quenão se difamem inocentes, não se sacrifique a
propriedade literária, não se desobedeça à mo-ralidade comum. “E ainda pode ser que con-
cordássemos com essas restrições porque nostenhamos acostumado a elas”.15
Podemos mesmo dizer que o objetivo pri-mordial da lei é estabelecer o equilíbrio entre a
liberdade e a responsabilidade. A responsa-bilidade dos profissionais da comunicação social
só pode ser efetiva se definida em lei. Negar essanecessidade corresponde a admitir que taisindivíduos sejam perfeitos, infalíveis, dom quenão só esses profissionais não possuem, comoa nenhum homem foi dado.
“A liberdade de imprensa tem três etapas a
destacar: a primeira, a do privilégio, aquela
em que só o governo podia possuir a tipografia
e só ele podia imprimir; a segunda fase, a da
censura prévia, quando o governo censurava
14 Aniz José Leão, Limites da liberdade de imprensa, p. 19.15 William Rivers e Wilbur Schramm, op. cit., p. 80.
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os escritos antes da sua publicação. E, atual-
mente, a terceira fase, atingida como manifes-
tação mais legítima da aspiração democrática
dos povos, a da censura a posteriori, isto é, da
responsabilidade depois da publicação do es-
crito, apurada não pela Polícia, mas pelo
Judiciário. Essa terceira fase significa a adoção
do regime da responsabilidade que todos os
verdadeiros jornalistas desejam, pois que não
querem injuriar, caluniar ou difamar. Não de-
sejam os jornalistas, conscientes de sua missão,
o abuso, o excesso, mas a responsabilidade pelo
que escrevem.”16
O jornalista, como qualquer outro ser hu-
mano, pode, de boa-fé, cometer erros que pro-
voquem prejuízos materiais ou morais a alguém.
Se de má-fé utiliza os meios de comunicação
social, transforma-os em um perigo à sociedade.
Todas as atividades devem ser exercidas tendo
como suporte normas jurídicas impostas pelo
superior interesse coletivo, e os veículos de
comunicação social não podem estar à margem
dessa realidade, por isso também devem se
submeter ao imperativo da lei, sob pena de se
violentar o princípio da livre manifestação do
pensamento que pretendem representar.
A lei há que ser justa, dando tratamento
justo às partes envolvidas em um confronto de
opinião.
Como bem arrematou Marx, em série de
artigos publicada no Rheinische Zeitung:
“Por que somente a liberdade de imprensa
deveria ser perfeita entre todas as imperfeições
das instituições humanas? Por que um sistema
de Estado imperfeito exigiria uma imprensa
perfeita?”.17
2.2 Liberdade de Informaçãonas Constituições
Diz-se que, quando morre a liberdade de
imprensa, nenhuma outra sobrevive. Essa ver-
dade, porém, não dispensa a manutenção da hie-
rarquia das liberdades, porque a violência contra
qualquer uma delas compromete seu conjunto
e desfigura a sociedade democrática.
A liberdade de imprensa sempre se refazapós longos ou curtos períodos de ditaduras,como observamos no Chile e na África do Sulatualmente. No caso da África do Sul, porém,ainda que a liberdade de imprensa sobrevivesse,o ódio racial, que elimina uma das liberdades,seria bastante e suficiente para quebrar a harmo-nia que uma comunidade livre exige.
Esses dois países, como ocorre em vários
outros, possuem textos constitucionais que
amparam a liberdade de imprensa, mas a prática
nega essa liberdade. Isso mostra que não é a lei,
em verdade, que assegura o exercício da liber-
dade de informar, e, menos ainda, o fato de es-
tarem inscritos nas Constituições os princípios
gerais dessa liberdade. A questão, mais profunda,
faz nascer entre os profissionais da comunicação
a seguinte reflexão: responsabilidade sem lei es-pecífica para os meios de comunicação ou umalegislação democrática atualizada?
Independentemente da existência ou não
de lei específica para os meios de comunicação,
todas as Constituições fixam os limites das li-
berdades públicas e individuais, e, muito espe-
cialmente, a de informação.
16 Freitas Nobre, Lei de Imprensa, p. 16.17 João Féder, op. cit., p. 54.
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O melhor termo parece ser liberdade de in-formação e não liberdade de imprensa, porque
o surgimento de novos veículos de comunicação
ampliou o campo da publicidade, através do
rádio, da TV, das agências noticiosas etc. No
exercício de tal liberdade, ninguém exclui a
interferência do Estado por meio do Poder
Judiciário, com o objetivo de defesa do interesse
coletivo, sem ferir os direitos inalienáveis do
cidadão.
Afinal,
“o verdadeiro sentido de função social da
imprensa envolve a defesa da vida privada dos
indivíduos, ou seja, seu direito à privacidade;
o direito das pessoas acusadas em quaisquer
meios de informação de responderem a tais
acusações, bem como garantir a defesa da so-
ciedade, segundo os princípios gerais de moral,
mas, ao mesmo tempo, assegurando ao jorna-
lista o direito de livre acesso às fontes de infor-
mação, e a escala completa de uma verdadeira
liberdade, limitada apenas contra os abusos de
seu exercício”.18
As Constituições são em geral muito claras
a respeito da liberdade de informação, mesmo
quando contam com uma legislação específica
sobre o tema. A Constituição francesa de ou-
tubro de 1958, com as modificações que sofreu
em 1960, 1962, 1963, 1974 e 1976, é um desses
exemplos. Seu preâmbulo consagra:
“O povo francês proclama solenemente sua vin-
culação aos direitos do homem e aos princípios
da soberania nacional, tais como foram defi-
nidos pela Declaração de 1789, confirmada e
complementada pelo preâmbulo da Consti-
tuição de 1946”.
Essa vinculação define o compromisso com
a liberdade de pensamento e de imprensa. No
entanto, a França possui uma legislação de im-
prensa que data de 1881 e tem inspirado nu-
merosos outros países.
As Constituições da França, Inglaterra e Es-
tados Unidos têm sido a fonte de quase todas
as outras. A norte-americana, de setembro de
1787, com 26 Emendas em mais de 200 anos,
dispensa legislação ordinária para os delitos de
imprensa.
2.3 A Importância da Lei Brasileira
Apesar das falhas e distorções de nossa Lei
de Imprensa ela foi, durante os vinte anos de
ditadura, o caminho mais suave para a defesa
dos profissionais da comunicação. Assim se
pronunciou a respeito a jornalista Célia Roma-
no, em reportagem para o jornal O Estado de S.
Paulo, de 08.02.1987:
“a mesma lei utilizada pelos militares para
censurar, serviu também, nestes vinte anos,
para que os advogados de defesa garantissem o
direito da informação”.
A atual Lei de Imprensa, que surgiu junta-
mente com a Lei de Segurança Nacional, em
fevereiro de 1967, foi discutida e votada no Con-
gresso Nacional, mas sua promulgação não lhe
dá característica democrática, tamanhas as pres-
sões do regime ditatorial e do Executivo.
18 Freitas Nobre, Imprensa e liberdade, p. 38.
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A liberdade de imprensa tem características
muito especiais, sui generis, porque, sendo uma
liberdade especial, é usufruída apenas pelos que
a possuem ou controlam.
Quando a nossa legislação de imprensa – a
Lei n. 5.250, de 9 de fevereiro de 1967 – formal-
mente assegurou a livre manifestação do pen-
samento e a procura, o recebimento e a difusão
de informações ou idéias, por qualquer meio,
independentemente de censura, respondendo
cada um pelos abusos que cometesse, sabia-se
que seria difícil a manutenção desses princípios
no sistema ditatorial de então.
Embora resultante de uma proposta de go-
verno militar, porém, a Lei respondeu a uma
tendência que já se verificava em vários países,
que, mesmo não possuidores de uma lei de im-
prensa – como a Inglaterra, a Argentina e os
Estados Unidos –, já deparavam com a dificul-
dade do enquadramento desse tipo de infração
em sua legislação inadequada e desajustada.
A própria universalização do Direito da In-
formação é conseqüência dos princípios adota-
dos pelas nações, por meio da Declaração da
ONU de 1948, que prevê essa liberdade “sem li-
mitações de fronteiras” e “por qualquer meio de
expressão”, conforme seu artigo 19.
O Sindicato dos Jornalistas da França, por
ocasião de um Seminário realizado em fevereiro
de 1973, emitiu a seguinte Carta de Princípios:
“A liberdade de imprensa isoladamente não ga-
rante, em uma sociedade moderna, a informa-
ção aos cidadãos. Hoje se afirma uma neces-
sidade nova, uma exigência contemporânea: o
direito à informação. A multiplicidade das
fontes de informação, a potência e a diversi-
dade dos meios de comunicação, a necessidade
de opções individuais e coletivas implicam para
cada um a possibilidade de informar-se com-
pletamente dos fatos significativos da vida
política, social, econômica e cultural e o direito
de informação para todos”.
Verifica-se, hoje, que mesmo os países que
se dizem desprovidos de uma lei de imprensa
possuem decretos, portarias, legislação frag-
mentada que procuram consolidar as disposi-
ções legais. O ideal é que se preserve a liberdade
de imprensa, da impressão à circulação, da re-
dação à emissão da notícia, da filmagem à
transmissão, do desenho à exibição do cartaz,
consolidando toda a legislação que trata dessas
atividades em uma lei de informação ou de
imprensa que sirva à verdade e à credibilidade
da notícia.
2.4 Perspectivas
O poder dos veículos de informação, segun-
do alguns estudiosos, está formando uma nova
sociedade.
“A transformação que ora ocorre, especialmen-
te nos Estados Unidos, já está criando uma so-
ciedade cada dia mais diversa da predecessora
industrial. A sociedade pós-industrial está criando
uma sociedade tecnetrônica: sociedade molda-
da, social, cultural, psicológica e economica-
mente pelo impacto da tecnologia eletrônica,
em especial na área dos computadores e das
comunicações. O processo industrial já não é
mais a principal determinante da mudança
social, alternando costumes, a estrutura social
e os valores da sociedade”.19
19 Zbigniew Brzezinski, Entre duas eras, p. 24.
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Se nos preocupa a idéia de que os meios de
comunicação vão se tornando um novo fascínio
da sociedade, deve nos preocupar mais ainda a
constatação de que toda essa capacidade gera-
dora de normas, hábitos, atitudes e, por que não,
da maneira de agir de toda a humanidade se
concentra nas mãos de uns poucos.
O jornalista tem, nos dias atuais, maior po-
der de influenciar a realidade, o que, possivel-
mente, está criando, na opinião pública, a ima-
gem do jornalista como um novo senhor, todo
poderoso, que personifica o veículo de infor-
mação. E se, de sua parte, o Estado teme uma
demasiada liberdade, de outra, os profissionais
da comunicação empenham-se a fundo pela
conquista de uma liberdade concreta, livre de
ameaças, procurando consolidá-la independen-
temente do consentimento do poder.
Essa luta, já secular e de desfecho aparente-
mente distante, é, no fundo, não uma luta
classista ou de alguns segmentos da sociedade.
Quando a imprensa reclama irrestrita liberdade
de informar está defendendo, antes de tudo, um
direito que pertence ao povo, o de ser livremente
informado para, tudo sabendo, melhor decidir.
A moral, por sua vez, deixa de ser o ponto
prioritário dos estudiosos da comunicação so-
cial. Ao seu lado, já se examina, com crescente
interesse, o choque entre o direito de informar
e o direito de privacidade e a constante preocu-
pação com a difusão da violência através dos
meios de comunicação.
São mais atuais do que nunca as palavras
de Aldous Huxley em Regresso ao admirável
mundo novo, de 1959:
“A comunicação com as massas, em uma pala-
vra não é boa nem má; é simplesmente um po-
der e, como qualquer outro poder, pode ser
bem ou mal-empregado. Utilizados de uma
maneira, a imprensa, o rádio e o cinema são
imprescindíveis para a sobrevivência da demo-
cracia. Utilizados de modo diverso, encon-
tram-se entre as armas mais poderosas do
arsenal dos ditadores”.20
O que dizer então da informática, que pos-
sibilita a divulgação instantânea da sabedoria
reunida no mundo? Os efeitos da revolução
tecnológica que estamos vivendo são muito mais
profundos do que qualquer mudança social que
tenhamos experimentado no passado. Por isso,
muitos afirmarem que a automação, em si,
representa a maior das mudanças da história
da humanidade.
Em artigo publicado em 1978, Karl Hugo
Pruys já questionava:
“No ano 2000 os veículos de comunicação serão
para nós paraíso ou inferno? O aperfeiçoamen-
to dessa máquina de sonhos que é a TV unirá
os povos do mundo num diálogo internacional
ou levará ao total isolamento o ser humano?”21
O paraíso ou o inferno que os veículos re-
servam para o amanhã dependerão do grau de
liberdade de que disponham na difusão das
idéias, reacendendo o velho combate com os
detentores do poder. Para alguns estudiosos,
estes sempre exigirão que os meios de comuni-
cação social sejam submetidos a um controle, a
uma vigilância exercida em nome de certos prin-
20 Regresso ao admirável mundo novo, p. 63.21 João Féder, op. cit., p. 179.
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cípios, de defesa de uma ordem moral, da segu-
rança do Estado, do direito de privacidade e dahonra do indivíduo. Tal controle, defendem, ne-ga ao direito de informação a sua condição dedireito fundamental do homem, direito naturalde que é titular toda pessoa humana, em qual-quer tempo ou país.
Nessa medida, a luta pela livre manifestaçãodo pensamento, acreditam, será tão árdua no fu-turo como foi no passado. A não ser que se con-firme a previsão mais otimista de Alvin Toffler, deque a atual revolução superindustrial alterará tudoo que nos afeta e, ao contrário de criar um modelorepressivo, a tecnologia exigirá do homem quesaiba sobreviver ao exercício da plena liberdade,“num contexto de avanço científico espetacular,
elegante e, todavia, aterrorizante”.22
3 LIMITAÇÕES LEGAIS. RESTRIÇÕES.
CONTROLE JURISDICIONAL
DA LEGALIDADE
3.1 Função Social e Censurana História
Como poderoso instrumento de formação
da opinião pública, a imprensa tem o direito de
informar e o de exercer com liberdade sua
atividade. Por outro lado, tem o dever de fazê-lo
com respeito à verdade e aos direitos dos cida-
dão, desempenhando, na realidade, uma impor-
tante função social. Por esse motivo, a Cons-
tituição Federal, no capítulo dos direitos e ga-
rantias individuais, no inciso IX de seu artigo
5o, dispõe que é livre a expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunica-
ção, independentemente de censura ou licença.
E é exatamente para preservar essa liberdade
de comunicação que também dispõe, no artigo
220, § 2o, que não se admitirá censura de natu-
reza política, ideológica ou artística.
A censura, pois, por ser incompatível com
a normalidade democrática, e para que a im-
prensa possa exercer com liberdade e segurança
sua função social, é repudiada pela Constituição
Federal. E a censura que se veda é aquela exer-
cida previamente pelos órgãos administrativos
ou mesmo pela lei, regulamentos ou atos
normativos, sob pretexto político, ideológico ou
artístico, como dispõe o último preceito consti-
tucional citado.
A censura inaceitável é aquela que surgiu
historicamente antes mesmo da edição do
primeiro jornal ou primeiro livro. Na Roma
antiga, os circuli (manuscritos de oposição
política ao governo) eram clandestinos, já que
apenas os órgãos oficiais tinham autorização
para serem distribuídos ao povo. A imprensa
foi duramente perseguida pela inquisição
católica. No século XVI, leis chegaram a proibir
a edição de qualquer livro sem a licença real.
Em seu “guia do perfeito censor”, o Papa
Alexandre VI chegou a afirmar, evidenciando
o interesse político de controle à liberdade de
pensamento e opinião, que “a censura é a arte
de descobrir nas obras literárias as intenções
malévolas”, que “o ideal é descobrir essas in-
tenções, mesmo que o escritor não as tenha”,
que “o censor deve estar persuadido de que cada
palavra duma obra contém uma alusão pérfida”,
que “ao encontrar tal alusão, o censor deve
cortar a frase” e que, “se a alusão pérfida não
for descoberta, o censor deve cortar a frase do
mesmo modo, porque as alusões dissimuladas
são as mais perigosas”.
22 Idem, p. 180.
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A censura política e ideológica sempre foi
utilizada pelos detentores do poder, ao longo
da história, como instrumento de controle das
liberdades dos povos. E sempre que prevaleceu,
a liberdade e a democracia foram suprimidas.
Cabe lembrar o que Marx afirmou sobre a
liberdade de imprensa:
“A imprensa livre é o olhar onipotente do povo,
a confiança personalizada do povo nele mesmo,
o vínculo articulado que une o indivíduo ao
Estado e ao mundo, a cultura incorporada que
transforma lutas materiais em lutas intelec-
tuais, e idealiza suas formas brutas. É a franca
confissão do povo a si mesmo, e sabemos que o
poder da confissão é o de redimir. A imprensa
livre é o espelho intelectual no qual o povo se
vê, e a visão de si mesmo é a primeira confissão
da sabedoria”.23
Não é à toa que a carta de princípios da InterAmerican Association dispõe que “sem liber-
dade de imprensa não há democracia”. Porém,
igualmente não há democracia sem respeito à
legalidade, principalmente no que se refere aos
princípios constitucionais.
3.2 Ordem Constitucionale Controle da Legalidade
No Brasil, a Constituição Federal assegura
à imprensa liberdade de informação jornalística
no artigo 220, § 1o, garantindo-lhe a necessária
liberdade para o desempenho de sua função
social. Contudo, a liberdade de informação
jornalística não é um direito absoluto, irrestrito
ou sem limites. É um direito que merece ga-
rantia, mas que deve ser limitado para que sejampreservados outros bens, valores e direitos tãorelevantes e necessários à democracia como aprópria liberdade de imprensa. Tanto é assimque a própria Constituição Federal prevê comodireitos e garantias invioláveis a liberdade, a vida,a segurança, a propriedade, a honra.
A liberdade de imprensa não é um direitosuperior a todos os demais e nem pode se imporde forma ilimitada, subjugando outros direitosque também sustentam a democracia.
Portanto, cabe à Constituição Federal, quegarante a liberdade, fixar seus limites em faceda existência e garantia dos demais direitostutelados pela ordem jurídica, buscando-se oequilíbrio, como quer Serrano Neves: “nemimprensa intocável nem restrição odiosa”.24 Ecomo a Carta Magna repudia a censura, qual-quer restrição à liberdade de informação jor-nalística deve ser extraída do próprio textoconstitucional.
Aí entra o Poder Judiciário, a quem a Cons-tituição dá o poder de controlar os abusos daliberdade de informação jornalística, bem comoos abusos da atuação de qualquer outra
instituição ou Poder, pelo exercício da jurisdi-ção. Assim, o controle da legalidade que pode
ser exercido sobre a liberdade de informaçãojornalística, no Brasil, compete, democratica-
mente, ao Poder Judiciário.
3.3 Controle Jurisdicionalda Legalidade
Em um primeiro momento, cabe à própria
imprensa fazer o seu controle, a partir de uma
23 Karl Marx, Liberdade de imprensa, p. 42.24 Direito de imprensa, p. 24.
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postura ética e responsável, inspirada na lega-
lidade e evitando os abusos.
Em 1993, demonstrando consciência da fun-
ção social da imprensa, o jornal Folha de S. Paulo,
em editorial denominado Imprensa questiona-
da, assim se expressou:
“Na atual conjuntura, qualquer denúncia,
mesmo que desacompanhada de provas, assu-
me ares de verdade inquestionável. A imprensa,
por isso mesmo, é obrigada a redobrar os cui-
dados na averiguação dos fatos que, de resto,
jamais podem ser ignorados pelo bom jorna-
lismo. O questionamento que começa a surgir
agora sobre o comportamento dos meios de
comunicação é saudável. Seria imperdoável
que o jornalismo, a partir da discutível quali-
ficação de ‘quarto poder’, se sentisse acima do
bem e do mal. Quando questionada, a impren-
sa se obriga, mais ainda do que em momentos
menos conturbados, a cercar o seu noticiário
de todas as cautelas, para não atingir a honra
de inocentes. Se esse comportamento for rigo-
rosamente seguido por todos os meios de co-
municação, todos eles ganharão e, acima de
tudo, se beneficiará o leitor”.25
A manutenção da ordem democrática deve
ser perseguida pela imprensa como forma de
manter o seu livre desempenho, com a cons-
ciência de que a liberdade de informação jor-
nalística não pode ultrapassar os limites da le-
galidade, ameaçando e lesando direitos. Cabe a
ela, pois, coibir os abusos que ameacem a lega-
lidade e os princípios democráticos, evitando
atitudes lesivas ao patrimônio moral, à imagem
ou a quaisquer outros direitos do cidadão.
A função primordial do Poder Judiciário é
a de compor conflitos de interesses em cada caso
concreto, pela aplicação da lei. Assim, quando
surge conflito de interesses envolvendo, de um
lado, a imprensa e sua liberdade de informação
jornalística e, de outro, o cidadão e seus direitos
civis e constitucionais, cabe ao Poder Judiciário
compor o conflito, impondo, se necessário, li-
mites à atuação da imprensa em prol dos direitos
do cidadão eventualmente lesados ou ameaça-
dos de lesão. E nenhum outro Poder do Estado
pode impor limites à atuação da liberdade de
atuação dos veículos de comunicação, de acordo
com o artigo 5o, XXXV, da CF, quando dispõe
que cabe ao Poder Judiciário o monopólio do
controle jurisdicional.
Desse modo, qualquer restrição ou limita-
ção imposta aos meios de comunicação pelos
Poderes Legislativo ou Executivo, contrariando
as normas constitucionais, constitui inaceitável
censura. Aliás, dispõe o artigo 220 da CF que a
lei não poderá de forma alguma embaraçar a
liberdade de informação jornalística.
Sendo assim, o Executivo, o Legislativo e o
próprio Judiciário não podem editar provimen-
tos, decretos, portarias, quaisquer atos norma-
tivos para impor restrição à atividade da impren-
sa. Apenas o Poder Judiciário pode e deve coibir
abusos praticados pela imprensa, quando
provocado por interessado, no curso de um pro-
cesso legal, observando os limites impostos pela
lei e pelo próprio texto constitucional.
Não se trata, em hipótese alguma, portanto,
do exercício de um poder arbitrário, de atuação
de censura, mas, sim, da atuação de um Poder
chamado a compor um conflito concreto de inte-
resses, dentro da ordem constitucional e demo-
25 Jornal Folha de São Paulo, São Paulo 11 de nov. 1993. Caderno 2, p. 2.
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crática, que assegura à imprensa todas as garantias
de defesa, do duplo grau de jurisdição e de uma
decisão embasada em princípios constitucionais.
São vários os princípios que norteiam o
controle jurisdicional da atividade da imprensa:
• Princípio da proteção judiciária: prevê o
artigo 5o, XXXV, da CF que não se pode
excluir da apreciação do Poder Judiciário
qualquer lesão ou ameaça a direito. Por
meio dele, portanto, cabe ao Poder Ju-
diciário intervir até mesmo na imprensa
para evitar a prática de qualquer ato que
viole ou lese direitos; basta, pois, uma
ameaça a direito para que o Poder Ju-
diciário possa ser provocado e, acionado,
possa intervir, constitucionalmente, para
afastar tal ameaça, inclusive proibindo
publicações jornalísticas, edições de
livros e quaisquer outras formas de co-
municação escrita ou falada, sem que tal
atividade se revista de “censura”.
• Princípio do direito de ação: consagrado
no artigo 5o, XXXV, da CF, confere a to-
do cidadão o direito público e subjetivo
de invocar a atividade jurisdicional por
ocasião de qualquer lesão ou ameaça a
direito. Assim, qualquer pessoa que
tenha um direito sem lesado ou amea-
çado pela atividade da imprensa poderá
invocar a tutela jurisdicional do Poder
Judiciário, que deverá prestar a tutela
que dite os limites para o exercício da
liberdade de informação jornalística no
caso concreto.
• Princípio do direito de defesa: assegurado
no artigo 5o, LV, CF, é uma verdadeira
garantia constitucional à liberdade de
informação jornalística, na medida em que
confere à empresa jornalística even-
tualmente atingida por restrição imposta
pelo Poder Judiciário a faculdade de re-
correr a juízo para se defender, legal e pro-
cessualmente, da intervenção jurisdicional.
• Princípio do duplo grau de jurisdição:
sempre que um Juiz ou Tribunal toma
uma decisão, há possibilidade do reexa-
me dela pelos órgãos jurisdicionais de
outra instância de julgamento. Assim,
sempre que qualquer órgão judicial im-
põe restrições ou limites à imprensa,
pode o veículo atingido requerer o ree-
xame da decisão pelo órgão de instância
superior.
• Princípio do devido processo legal: previsto
no artigo 5o, LIV, CF, garante aos veículos
de comunicação que, para exercer o
controle jurisdicional da legalidade, o Poder
Judiciário deve agir sempre de acordo com
as normas e princípios processuais vigentes,
não cabendo a ele impor limites ou restrições
de modo discricionário, arbitrário, ou
espontaneamente.
• Princípio da iniciativa da parte: consa-
grado no artigo 2o do CPC, garante que
o Poder Judiciário, para intervir de qual-
quer forma na atividade da imprensa, não
pode agir de ofício, devendo fazê-lo ape-
nas quando provocado pelo interessado,
a saber, alguém que alegue que um di-
reito seu está sendo ameaçado ou lesado
por determinada publicação ou edição
jornalística.
Como se vê, não há qualquer semelhança
entre censura e controle jurisdicional da legali-
dade, já que a primeira é arbitrária e inconsti-
tucional e a segunda apenas atinge a liberdade
de informação jornalística dentro dos limites e
forma estabelecidos na Constituição. A im-
prensa, portanto, é inatingível pela censura, mas
não é imune ao controle jurisdicional, pois não
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D ireito A r t i g o
pode, impunemente e sem nenhum controle,
ameaçar e lesar direitos, violando, com isso, a
ordem constitucional e democrática.
Assim é que, se um veículo de comunicação
está prestes a publicar matéria jornalística rela-
cionada com determinada pessoa, que se sente
atingida ou ameaçada em sua honra ou imagem –
direitos garantidos pela Constituição Federal –,
se presentes estão o fumus boni iuris, pela exis-
tência de elementos que comprovem a verossi-
milhança do alegado, e o periculum in mora,
pela probabilidade de ocorrência de um dano
de difícil reparação, o Poder Judiciário deve agir,
ainda que de forma precária, concedendo a
medida cautelar pleiteada, com a conseqüente
suspensão da publicação até que, no processo
de conhecimento, depois do pleno exame das
alegações, seja possível decidir sobre sua
procedência ou improcedência.
É importante que a opinião pública saiba que
o controle da legalidade, exercido exclusivamente
pelo Poder Judiciário, é imprescindível para a
manutenção da democracia, tanto quanto o é para
a garantia da liberdade de informação jornalística.
Como afirmava o poeta Bertolt Brecht,
“a justiça é o pão do povo, às vezes bastante, às
vezes pouca; às vezes de bom gosto, às vezes de
gosto ruim; quando o pão é pouco, há fome, e
quando o pão é ruim, há descontentamento”.
“Para que o Poder Judiciário possa servir ao
povo o pão diário da justiça, sem tardança,
com gosto bom, com sabedoria, em abundân-
cia e saudável, há de ser constitucionalmente
forte e independente, há de ser compreendido
e respeitado, há de ser prestigiado e acatado
em suas decisões jurisdicionais, prolatadas de
acordo com o sistema democrático e com os
princípios do Estado de Direito.”26
O que não se pode é confundir o livre exer-cício do direito de crítica e de opinião, que édemocrático e necessário, com a injúria, o des-respeito ao cidadão, a deliberada intenção deofender, como se o direito de informação jor-nalística fosse absoluto e superior a todos osdemais também constitucionalmente assegura-dos. Para isso, o controle jurisdicional da legali-dade é medida extremamente salutar.
4 JORNALISMO RESPONSÁVEL
E ALGUMAS QUESTÕES ÉTICAS
4.1 A Primeira EmendaNorte-Americana e o JornalResponsável
A Primeira Emenda assegura a liberdade deexpressão, ou de informação, sem indicar qual-quer restrição ao seu pleno exercício, aparen-temente protegendo tanto o discurso irrespon-sável quanto o responsável, o que leva a crerque não pode ser o único alicerce do jornalismoresponsável, mesmo porque não é a lei quedetermina o que é certo ou errado, mas apenasproclama o que já é reconhecido como tal.
É possível se ter uma imprensa ao mesmotempo livre e responsável, desde que compreendaseu próprio papel e o desempenhe bem. A imprensaindependente, que é garantia da democracia, nãodispensa que se empreendam esforços sérios nosentido de definir suas responsabilidades.
E as raízes da responsabilidade estão no fatode serem os jornalistas seres individuais e sociaiscujas ações inevitavelmente afetam os demais.
26 José Henrique Rodrigues Torres, A censura à imprensa e o controle jurisdicional da legalidade, RT 705, p. 32.
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“O próprio fato de que temos a capacidade ou
o poder de influenciar ou sermos influenciados
pelos outros, de modo profundo, para o bem
ou para o mal, exige que nos comportemos de
modo reciprocamente responsável, para que a
própria sociedade subsista.”27
Existe um velho ditado, entre os comuni-
cadores norte-americanos, que afirma que uma
imprensa verdadeiramente livre é aquela que é
livre para deixar de lado o seu dever de ser res-
ponsável. Para o conhecido jornalista Vermont
Royster, “a responsabilidade deve estar na cons-
ciência de cada um de nós”,28 o que mostra que
as questões de responsabilidade se reduzem a
questões de consciência, que são irrelevantes
para o ideal de uma imprensa livre, daí por que
dizer que não há conexão necessária entre a
liberdade e a responsabilidade da imprensa.
Uma imprensa livre não se pode afastar do
bem-estar da comunidade, como reconheceu a
Associação Americana de Editores de Jornais no
início desse século, ao promulgar os seus “Câ-
nones do Jornalismo”:
“a liberdade de imprensa quer dizer liberdade
de todas as obrigações, exceto a de se manter
fiel ao interesse público”.
A Primeira Emenda, portanto, é o compro-
misso do Estado para com a liberdade de expressão,
cabendo a ele, Estado, criar incentivos para o
jornalismo responsável, a partir da definição do
que seja “interesse público”, resultando daí o
fortalecimento do direito à informação.
Não se pode esquecer do consenso que exis-te em torno das instituições ou pessoas cujopoder afeta a vida de outras, no sentido de quetêm obrigações de utilizar esse poder de maneiraa atender aos interesses dos que são por elasatingidos, daí a necessidade da responsabilidadena atividade jornalística.
4.2 O Direito de Saber
Outra questão ética bastante discutida se refere
à exigência dos jornalistas de acesso total à
informação, sob a alegação de que o público tem
o direito de saber. Os que são contrários a esse
amplo acesso defendem que o “direito de saber”,
muitas vezes, mascara o verdadeiro interesse dos
jornalistas, que é o de vender informações para
obter lucro e, além disso, que o público não precisa
ter acesso a certas informações.
Não se pode ignorar que os veículos decomunicação realmente “vendem” informaçõesatrás de audiência e lucro comercial. Por outro
lado, os que pensam em restringir a distribuiçãode informações podem estar defendendo seus
próprios interesses, facilitando o processo de-cisório para os líderes, entre os quais costumam
se incluir. O ideal é que, em quaisquer circuns-tâncias, o “direito de saber” do povo seja mais
amplo do que limitado, encarado não como umprivilégio, mas como uma necessidade para o
exercício da democracia.
“A distribuição da informação pela mídia é,
em um sentido bastante real, uma realocação
do poder. Caso seja feita de um modo amplo,
ela reduz o poder de uma minoria ao colocar a
informação nas mãos de todos aqueles que
27 Louis W. Hodges, Definindo a responsabilidade da imprensa, in Deni Elliot (org.), Jornalismo versus privacidade, p. 19.28 Theodore L. Glasser, A responsabilidade da imprensa e os valores da primeira emenda, p. 86.
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D ireito A r t i g o
estão interessados em transformar o monopó-
lio do poder em algo difícil de manter. Os
monopólios do poder são um anátema em uma
sociedade participativa.”29
4.3 A Questão da Honestidadee do Uso de Métodos Ilícitosna Obtenção da Informação
Edwin Newman é um jornalista da RedeNBC News e, em artigo intitulado A responsabi-lidade do jornalista, colocou a seguinte questão:
“Qual o nosso grau de honestidade? Não muito
baixo, eu acho. Mas é necessário compreender
que a determinação do que seja uma notícia
nem sempre envolve considerações de hones-
tidade (...) Obviamente, não se deve permitir
que sejamos usados ou manipulados, embora
isso também possa às vezes acontecer. Porém,
os problemas são mais complexos”.30
Não se pode esquecer que a notícia é um ne-gócio dos mais competitivos. As empresasjornalísticas existem para gerar lucros, ou fazerparte de uma estrutura em que outros setoresgeram lucro, como é o caso das redes de televisão.Essa competição certamente provoca abusos, podelevar à divulgação apressada de informações que,mais tarde, acabam sendo desmentidas,resultando, invariavelmente, em sensacionalismo.
O autor ilustra a situação com o seguinteexemplo: em 1979, um alarma nuclear emThree Mile Island levou às manchetes de umpoderoso jornal americano a seguinte chamada:
“Nuvem nuclear se espalha”. No segundo dia,
a manchete era “Vazamento escapa ao contro-
le”. No terceiro, era: “Corrida contra o desas-
tre nuclear”. E no quarto: “Situação melhora”,
o que indica a prática de “um jornalismo barato,
que explora o medo. Para a maioria das pessoas
este tipo de coisa é fácil de reconhecer”.31
Outro tema que merece atenção em di-
versos códigos de ética jornalística é a obtenção
de informações por meio de métodos conside-
rados “ilícitos”, preocupação presente em cerca
de 30% dos códigos. O julgamento do que seja
um método ilícito de obtenção de informação
comporta uma certa dose de subjetividade.
Eventualmente, jornalistas têm se apresentado
omitindo sua atividade profissional, para pode-
rem investigar aspectos relevantes de determi-
nado assunto. Nessa medida, obtêm gravações
e fotografias clandestinas e omitem dados sobre
sua própria identidade para a revelação de fatos
que, de outra forma, talvez não chegassem ao
conhecimento do público.
“Há dúvidas sobre tal comportamento, mas
também há perguntas. A realidade transparece
fulgurante pela informação das fontes oficiais?
O jornalismo deveria limitar-se às declarações
das fontes? É necessário desconfiar das palavras
das fontes? Seria pertinente ouvir várias e, de
todas, desconfiar, ou fazer um mosaico de
versões às quais seriam anexados documentos
e imagens? (...) E, neste caso, quem forneceria
os dados e documentos? Um funcionário de
algum organismo que manteria sigilo, confor-
me prevê a maioria dos códigos?”32
29 John C. Merril, Três teorias sobre a responsabilidade da imprensa e as vantagens do individualismo pluralístico, p. 71.30 Edwin Newman, A responsabilidade do jornalista, in Robert Schmuhl (org.), As responsabilidades do jornalismo,
p. 33.31 Idem, p. 34.32 Francisco José Karam, Jornalismo, ética e liberdade, p. 102.
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São muitas as questões que surgem nesse
ponto. Pela sua dimensão pública, o jornalismo
exige que, na informação, esteja presente a
pluralidade de versões e a maior transparência
possível da realidade, e que a informação vá além
de poucas declarações ou documentos parciais.
“Muitas vezes, a insistência do profissional,
considerada por fontes como invasão, pode ser
tida como indispensável no sentido de proteger
a cidadania e garantir que o público diverso
não seja logrado somente pelas declarações
oficiais ou submetidas ao interesse particu-
larizado de empresas, governo, organismos
públicos e privados ou interesse pessoal no caso
de assunto de menor abrangência, mas com
relevância social.”33
De acordo com o enfoque, portanto, o jor-
nalista pode ser considerado um invasor da
privacidade alheia, um “chato insistente”, que
interfere em assuntos particulares, ou um pro-
fissional extraordinário, merecedor de prêmios.
Em muitos casos, é certo, se olharmos bem no
centro da produção de seu trabalho, encontra-
remos o emprego de métodos pouco claros para
a obtenção dessas informações, que vão, hipo-
teticamente, desde a gravação de conversas
telefônicas de ministros e chefes de Estado, à
fotografia de articulações clandestinas entre crime
e governo, entre máfia e Igreja.
“Isto, submetido à ética individual, acaba
tornando-se um pêndulo que balançará não de
acordo com o tempo, mas de acordo com quem
tiver mais força para puxá-lo para seu lado.”34
O ideal é que haja políticas públicas para ainformação, com acesso, discussão e controlessociais sobre ela, caminhos que contribuemeficazmente para a concretização da liberdadee da responsabilidade da atividade jornalística.
“A produção de saber restrita a uma área ou a
concentração crescente de poder devem ter seus
limites ultrapassados pelo trabalho jornalístico
de mostrar, em escala global e imediata, o mo-
vimento de todos estes setores em que se movem
e desdobram cotidianamente a realidade, as
pessoas, os fatos, as versões (...) e sua produção
e resultado, com conseqüências nos próprios
saber e poder.”35
4.4 Outras Questões Éticas:o Poder e a Privacidade,o Dever de Denúncia,a Violência e a Qualidade
Em 1920, dizia Rui Barbosa, em Confe-rência pronunciada na Bahia:
“O poder não é um antro: é um tablado. A auto-
ridade não é uma capa, mas um farol. A po-
lítica não é uma maçonaria, e sim uma liça.
Queiram ou não queiram, os que se consagram
à vida pública até à sua vida particular deram
paredes de vidro.(...) Para a Nação não há se-
gredos; na sua administração não se toleram
escaninhos; no procedimento dos seus servi-
dores não cabe mistério”.
Qualquer sociedade democrática exige har-
monia entre conceitos bastante antagônicos e
33 Idem, p. 103.34 Idem.35 Idem, p. 107.
32j a n e i r o / j u n h o — 2 0 0 3
D ireito A r t i g o
igualmente importantes: de um lado, a liberdade
de imprensa e o direito à informação e, de outro,
o direito à vida privada e o dever de respeitar a
intimidade do ser humano. A dificuldade em se
equilibrar os pratos nasce da relação unilateral que
tradicionalmente se estabelece no tratamento
desses dois direitos humanos fundamentais,
quando, na verdade, o que reclamam é justamente
a adoção de mecanismos de harmonização.
Se qualquer ação humana tivesse de ser sub-
metida à mais ampla publicidade, não se poderia
falar em liberdade. De fato, um dos grandes de-
safios do nosso tempo é a preservação do âmbito
ideal de privacidade. Nenhuma pessoa é verda-
deiramente livre se não merecer a tutela da in-
violabilidade de sua privacidade.
Como trataremos adiante, até mesmo pre-
sumíveis criminosos – porque não passam de
presumíveis enquanto não houver condenação
definitiva – têm direito à privacidade, que deve
protegê-los das investidas dos meios de comu-
nicação em divulgar fatos de sua vida íntima e
de seus familiares. E quando se fala em direito
à privacidade, invariavelmente surge a questão
das ações praticadas por pessoas públicas, que
têm transcendência pública, como é o caso, por
exemplo, dos governantes.
“O leitor tem o direito de conhecer o tipo de
filosofia ou ideologia defendida por um po-
lítico, sua competência ou incompetência, sua
honestidade ou desonestidade, sua visão do
mundo, seu passado. Analogamente, os as-
pectos da vida privada que, de modo claro e
direto, possam afetar o interesse público, não
devem ser omitidos em nome do direito à
privacidade.(...) Se assim não fosse, tudo o que
teríamos para ler na imprensa seriam amon-
toados de declarações emitidas pelas próprias
fontes interessadas.”36
Não se deve invocar o direito à privacidade
para protestar contra a divulgação de informa-
ções verdadeiras que registram atitudes incom-
patíveis com a dignidade da função pública, já
que se espera decoro das pessoas no exercício
do poder. O que divide o direito à informação
do direito à privacidade é o bem comum, o
interesse público.
“O relacionamento entre governantes e a mídia
não pode ficar condicionado aos esquemas de um
show. As figuras públicas precisam superar a
tentação do espetáculo. E os meios de comuni-
cação social, independentemente do virtuosismo
dos atores, não podem ser pautados pelo brilho
da passarela política. Por isso, é cada vez mais
importante debater e aprofundar os contornos
éticos que envolvem o mundo da informação.”37
4.4.1 Dever de Denúncia
“A imprensa tem relevante papel de denúncia, de
contraponto. Essa função, no entanto, nada tem
a ver com a curiosidade agressiva, com o afã de
escândalo ou com atitudes de retaliação.”38
O dever de denúncia, que é inerente à
atividade jornalística e extremamente salutar ao
exercício da democracia, não se pode confundir
com sensacionalismo, que transforma fatos em
instrumentos de espetáculo.
36 Carlos Alberto Di Franco, Jornalismo, ética e qualidade, p. 77.37 Idem, p. 78.38 Idem, p. 29.
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Alguns setores da mídia exploram a miséria
humana, convertendo-a em bandeira de marke-ting. Era o que ocorria, certamente, no extinto (?)
Aqui Agora, do SBT, que, em um dos inúmeros
exemplos que poderíamos citar, ao mostrar
imagens do suicídio de uma jovem, precedidas de
inúmeras chamadas, afrontou as balizas do Código
de Ética da Associação Brasileira das Emissoras de
Rádio e Televisão (ABERT). Não estamos livres,
porém, desse lamentável tipo de jornalismo,
ultimamente bastante exercitado por vários
programas da TV brasileira, na acirrada disputa
por pontos de audiência.
A pretexto de mostrar “a vida como ela é”,
arma-se um desfile de horrores, daquilo que a
natureza humana é capaz de produzir de mais
sórdido. E o espectador, verdadeiro refém dessa
leviandade eletrônica, mergulha na mais absoluta
alienação e perplexidade, acompanhando a
disputa que travam as diversas emissoras de TV,
que se superam, a cada novo dia, especializando-se
na arte de explorar as tragédias humanas.
“À imprensa de qualidade”, conclui Carlos
Alberto Di Franco, “cabe o dever da denúncia.
Ao jornalismo de espetáculo, dominado pela
obsessão mercadológica, restará o julgamento
da opinião pública”.39
4.4.2 Mídia e Violência
No início da década de 1990, a Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São
Paulo realizou, em conjunto com a Revista Veja,
uma ampla pesquisa sobre a televisão brasileira,
que visava contabilizar todas as cenas e diálogos
que, dentro da programação de uma semana das
principais redes, se referissem a sexo e violência.
Naquela semana, concluiu-se, foram dis-
parados 1.940 tiros na TV brasileira, houve 886
explosões, 651 brigas, 1.145 cenas de nudez,
188 referências ou imitações a trejeitos
homossexuais e 72 termos chulos.
Nos Estados Unidos, país reconhecidamen-
te democrático, existe lei federal proibindo por-
nografia e programas obscenos, o Communi-
cations Act. As próprias emissoras também têm
seus códigos internos, que são rigorosamente
observados. Tudo a refletir o nível de respon-
sabilidade social da mídia eletrônica daquele
país. Por aqui, no entanto, qualquer tentativa
de normatização logo soa como voz dos setores
conservadores, que pretenderiam cercear a
liberdade de expressão.
Para o jornalista José Castello,
“torpedeados os valores, é todo um universo
que desmorona. Tornamo-nos, todos, homens
sem pudor. Não são apenas os marginais
organizados em falanges para o que der e vier
que se deixam dirigir por essa razão cínica”.40
Na verdade, o sistemático bombardeio de
sexo e violência que invade nossas casas a cada
dia e banaliza esses conceitos gera uma ver-
dadeira moral da delinqüência.
4.4.3 A Qualidade
Como o direito à informação é, inegavel-
mente, um requisito da democracia. A opinião
pública sabe que necessita de um jornalismo
investigativo, isento, ancorado na liberdade de
expressão e no direito à informação, como for-
39 Carlos Alberto Di Franco, op. cit., p. 31.40 Idem, p. 40.
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D ireito A r t i g o
ma de banir a cultura do acobertamento, de-
nunciar e pôr fim a tudo o que não sirva à demo-
cracia. Dessa forma, dependemos da liberdadee do nível técnico e ético da imprensa, depen-demos de uma postura responsável e que busque,acima de tudo, a qualidade.
Como lembrou Cláudio Abramo,
“a ética do jornalista é a ética do cidadão. O
que o jornalista não deve fazer que o cidadão
comum não deva fazer? O cidadão não pode
trair a palavra dada, não pode abusar da con-
fiança do outro, não pode mentir”.
A imprensa não é feita por super-homens.
É feita por seres humanos, falíveis como todos
nós. Apenas esperamos que seja conduzida por
homens de bem.
5 LIMITES DO DIREITO
DE INFORMAÇÃO
Como vimos, o direito de informação, ape-
sar de amplo, constitucional e fundamental àdemocracia, tem os seus limites. E nem semprea demarcação desses limites é fácil, já que seconfrontam o direito da coletividade à infor-mação e aquela esfera do indivíduo que o pú-blico, e conseqüentemente a imprensa devemrespeitar.
Dadas a freqüência e a intensidade dos con-flitos de interesse, nos dias de hoje acentua-se
a tendência de definição de uma área de inti-
midade ou reserva que não deve ser liberada ao
público sem o consentimento do interessado.
Assim é que o direito de informação deve
ser o mais amplo possível, enquanto não colidir
com interesses considerados igualmente
fundamentais. Afinal, o interesse da coletividade
em ser informada impõe a si mesmo um limite,
quando a divulgação de fatos venha a destruir a
pessoa humana em sua dignidade.
“O direito à informação existe em função do
desenvolvimento da personalidade e não para
a sua destruição.”41
Em 1960, o Prof. Willian Prosser, da Fa-
culdade de Direito da Universidade da Califór-
nia, escreveu trabalho intitulado Privacy, divul-
gado na California Law Review, no qual distin-
guiu em quatro categorias diversas os ataques à
intimidade da vida privada de forma a reclamar
quatro tipos de reação:
1) proteção do indivíduo contra a intrusão
no seu retiro ou solidão ou em assuntos
privados;
2) proibição de divulgar ao público fatos
privados, especialmente os que podem
causar algum embaraço ao interessado;
3) reconhecimento da ilegalidade de publi-
cações que exponham as pessoas sob uma
falsa imagem, mesmo não difamatória;
4) proteção contra as apropriações, por ter-
ceiros, de certos elementos da personali-
dade individual com ânimo de lucro, tendo
como caso freqüente a apropriação do
nome ou da imagem ou de ambos a uma
só vez sem consentimento do interessado
e para anunciar algum produto.
Uma decisão do começo deste século, pro-
ferida pelo Tribunal da Geórgia, concluiu que
o direito à intimidade é limitado pelo direito de
41 René Ariel Dotti, Proteção da vida privada e liberdade de informação, p. 177.
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A r t i g o
expressão do pensamento, com destaque para
a imprensa. Consta de parte da decisão essa
atualíssima lição:
“Os que têm garantido o direito de expressão,
oral, escrita, e de imprensa, não devem abusar
de tal direito. Nem aquele que detém o direito à
intimidade deve abusar dele. A lei não permitirá
o abuso nem de um nem de outro. A liberdade
de expressão e de imprensa tem sido um instru-
mento útil para manter o indivíduo dentro dos
limites de sua conduta legal, decente e adequada.
E o direito à intimidade pode ser utilizado con-
venientemente dentro de seus limites para
manter os que falam, escrevem e editam dentro
dos limites legítimos das garantias cons-
titucionais de tais direitos. Pode-se usar de um
deles para moderar o outro; mas nenhum dos
dois pode ser legalmente usado para destruir o
outro”.42
As limitações reciprocamente impostas, é
bom frisar, não resultam da hierarquia das liber-
dades em conflito, já que não há superposição,
mas das circunstâncias de que se reveste cada
situação concreta. Em algumas delas, deve
prevalecer o direito à intimidade; em outras, deve
ser prioritário o direito à informação. O direito à
vida íntima das pessoas, que não é ilimitado, deve
conciliar-se com o exercício da liberdade de
informação, quer decorra do interesse público
ou dos interesses de particulares.
5.1 Limitações nos Diplomas Legais
Os textos que declaram a existência autô-
noma do direito à vida privada fazem sempre
referência às limitações, embora não as tra-
gam de modo detalhado nas situações concre-
tas. Assim ocorre na Declaração Universal dos
Direitos do Homem, que, em seu artigo 12,
reconhece este direito contra as ingerências
arbitrárias, admitindo, implicitamente, suas
limitações.
Já o artigo 8o da Convenção de Salvaguarda
dos Direitos do Homem e das Liberdades Fun-
damentais dispõe:
“1 – Toda pessoa tem direito ao respeito de sua
vida privada e familiar, de seu domicílio e de
sua correspondência. 2 – Não pode haver inge-
rência da autoridade pública no exercício desse
direito senão quando esta interferência esteja
prevista em lei, e constitua uma medida que,
numa sociedade democrática, seja necessária
para a segurança nacional, a segurança pública,
o bem-estar econômico do país, a defesa da
ordem e a prevenção de infrações penais, a
proteção da saúde ou da moral, ou a proteção
dos direitos e as liberdades dos demais”.
A Declaração Americana dos Direitos e De-
veres do Homem (Bogotá, 1948, art. 4o), so-
mente faz referência à proteção legal contra os
“ataques abusivos” à vida privada e familiar (e
também à honra e reputação). O mesmo se diga
do Pacto das Nações Unidas sobre Direitos
Civis e Políticos (Nova Iorque, 1966).
Em 1967, O Congresso de Juristas dos Paí-
ses Nórdicos, realizado em Estocolmo, fixou
diversas hipóteses de limitação do direito à
intimidade da vida privada. Considerou-se,
então, como limites necessários para o equilíbrio
entre os interesses individuais e coletivos de
pessoas, grupos ou do Estado:
42 Idem, p. 180.
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1) o “interesse público” (assim entendido
como segurança nacional, segurança pú-
blica, da defesa, da ordem, da prevenção
do crime, da proteção da saúde ou da
moral);
2) o “interesse privado” (defesa de interes-
ses de outras pessoas ou grupos de
pessoas naturais).
A Constituição de Portugal, de 1976, em
seu artigo 33 dispõe que a lei estabelecerá ga-
rantias efetivas contra a utilização abusiva, ou
contrária à dignidade humana, de informações
relativas às pessoas e famílias. É em torno dessa
legislação complementar que convergem as
grandes preocupações dos juristas.
A importância de limitar as esferas de reação
das liberdades está ligada à necessidade de que
coexistam, para poderem ser exercidas simul-
taneamente. Porém, como lembra o mestre
René Ariel Dotti,
“toda a problemática de limitação às liberda-
des públicas poderá conduzir a um regime de
insegurança na medida em que o predomínio
absoluto e permanente de uns direitos sobre os
outros, além de atentar contra um pressuposto
natural de equilíbrio, fomenta necessariamente
áreas de antagonismo, que vão desaguar nas
tentativas – geralmente violentas – de alteração
do ordenamento injusto”.43
O freqüente conflito entre o direito à vida
privada e a liberdade de informação baseia-se na
concepção de segurança. A segurança atua para
limitar não somente a intimidade das pessoas,
mas também para restringir o direito à informa-
ção, na busca por uma “ordem sossegada”, que
é a paz.
É tarefa das mais árduas legislar sobre o
assunto, pelas graves complexidades que envol-
vem o problema e também pela diversidade
enorme quanto às situações concretas que pode
apresentar. Some-se a isso, como ensina René
Ariel Dotti,
“a difusão cada vez maior dos instrumentos,
dos meios e dos métodos da técnica com os
progressos que lhe são inerentes, de modo a
formar tantas hipóteses de conflito quantas
aparecem e se movimentam nas figuras de um
caleidoscópio”.44
Por esses motivos, não se têm apresentado
fórmulas legislativas que, a um só tempo, con-
templem todas as situações de conflito, pro-
pondo as soluções adequadas.
Uma evidência dessa realidade é a solução
dada pelo Código Civil português, de 1966, ao
conferir tutela autônoma e direta da intimidade,
em seu artigo 80:
“1 – Todos devem guardar reserva quanto à
intimidade da vida privada de outrem. 2 – A
extensão da reserva é definida conforme a
natureza dos casos e a condição das pessoas”.
A disposição citada vem inserida no capítulo
que trata dos direitos da personalidade reconhe-
cidos no sistema de Portugal e mostra que não
se podem obter fórmulas legais que esgotem o
tema. O direito à informação e o respeito à vida
privada não podem ser conduzidos em plano
43 Idem, p. 184.44 Idem, p. 188.
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absoluto, sob pena de se ter o sacrifício de um
deles em favor do outro. Daí a necessidade de
serem limitados em seu exercício na busca por
uma fronteira de equilíbrio.
Atualmente, embora não completamente
resolvidos os problemas que representam a má
aplicação da lei e a existência de lacunas, existe
um princípio maior, que norteia a função judi-
cante. É nesse sentido que a Lei de Introdução ao
Código Civil brasileiro dispõe que, “na aplicação
da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se
dirige e às exigências do bem comum” (art. 5o).
O preceito permite que os pronunciamen-
tos da Justiça alcancem a maior variedade de
situações concretas, por meio de uma atuação
que garanta o direito à liberdade não apenas às
partes envolvidas no conflito, mas também ao
Juiz, que não deverá restringir-se ao quadro es-
45 Recordações da casa dos mortos, p. 13.
tabelecido pela lei, como se a enxergasse através
de uma fresta.
O aplicador do Direito não pode ser redu-
zido à condição de personagem de Fedor Dos-
toieviski em Recordações da casa dos mortos:
“a nossa prisão ficava na extremidade da fortaleza,
à beira da muralha. Quando através das frinchas
da paliçada procurávamos entrever o mundo,
distinguíamos apenas um estreito retalho de céu
e uma alta plataforma de terra, invadida pelas
ervas daninhas, que as sentinelas percorriam noite
e dia. E dizíamos imediatamente para conosco
que, por mais anos que passassem, veríamos
sempre, olhando através das frinchas da paliçada,
a mesma muralha, a mesma sentinela e o mesmo
retalho de céu – não o céu da fortaleza, mas sim
outro, um céu mais longínquo, um céu livre”.45
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D ireito A r t i g o
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D ireito A r t i g o
PAPEL DO ENSINO JURÍDICONO FUTURO DA ADVOCACIA
Luiz Flávio Borges D’UrsoAdvogado Criminalista
Mestre e Doutor em Direito pela USP
Presidente da OAB-SP
Para divisar o futuro da Advocacia no Brasil,
é fundamental fazer o diagnóstico de seus
problemas atuais, entre eles, inegavelmente, o
ensino jurídico. O país convive, há mais de três
décadas, com a crise do ensino superior, e a área
do Direito tem sido uma das mais castigadas
pelo rebaixamento do nível educacional. Ao
encontro da intenção do regime militar de minar
pólos centrais da resistência democrática, entre
os quais se inseria a Ordem dos Advogados do
Brasil, vanguarda da mobilização social, os
cursos de Direito, alguns de curta duração, com
escopos esterilizados, espalharam-se por todo
o território, oferecidos por escolas movidas a
interesses mercantilistas.
O resultado desse quadro revela-se na estatís-
tica que se apresenta hoje ao País: são quase 800
cursos de Direito em funcionamento, contra 69,
em 1960. Uma realidade que causa perplexidade
se comparada aos dados dos Estados Unidos,
onde o número de faculdades de Direito está
estacionado em 180 instituições de ensino su-
perior. A proliferação de faculdade no Brasil lan-
ça no mercado milhares de bacharéis, dos quais
só o Estado de São Paulo recebe 15 mil por ano,
que correspondem a apenas a 20% do total,
porque os demais não passam no exame de
Ordem, que busca aferir se o bacharel reúne
condições profissionais mínimas para atuar, uma
vez que terá em suas mãos os bens maiores da
criatura humana: a honra, a vida e a liberdade.
Ao lado da saturação do mercado de trabalho, os
advogados passaram a conviver com o descum-
primento constitucional do múnus da advocacia
e com leis que restringem suas atividades profis-
sionais, como ocorre nos juizados de pequenas
causas. Não por acaso, o papel do advogado na
sociedade política tem decrescido.
É nessa moldura que a seccional paulista da
Ordem dos Advogados do Brasil está interferindo
oportunamente. A meta é requalificar o ensino
jurídico, resgatando o ideário dos cursos de ciên-
cias jurídicas e sociais, criados em Olinda e em
São Paulo, em 11 de agosto de 1827. O esforço
pela recomposição dos níveis de qualidade do
ensino do Direito começa pelo combate a escolas
e cursos defasados e improvisados, destituídos de
visão do futuro, estruturados e com quadros do-
centes precários. Lembre-se, a propósito, de que
a OAB tem amparo legal para atuar nesse sentido,
em função de decreto (n. 3.860, de 09.07.2001)
que confere poder ao Conselho Federal da enti-
dade para se manifestar a respeito da criação de
instituições de ensino superior da área. A OAB
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tem poder opinativo sobre a abertura de novas
faculdades de Direito; mas a Ordem de São Paulo
quer mais, deseja ter poder de veto, porque consi-
deramos inadmissível que o Ministério da Edu-
cação autorize o funcionamento de cursos para
atuar de forma improvisada em auditórios da Câ-
mara Municipal ou em salas de cinema e utilizem
o artifício de locar bibliotecas e corpo docente de
fachada, pois aquele que administrará as aulas será
um professor sem a devida qualificação.
Outra grande questão voltada ao ensino ju-
rídico, com implicações no futuro da Advoca-
cia, reside no fato de que hoje prepara-se o pro-
fissional para litigar, quando o futuro do Direito
está na composição. A mediação, a conciliação
e a arbitragem abrem novos campos de trabalho
para a Advocacia. Trazem um novo conceito à
prática do Direito, com ênfase no diálogo e no
entendimento entre as partes; todavia, há que
se tornar obrigatória a presença do advogado, uma
vez que essas formas de solução de conflitos
constituem mecanismos jurídicos, e o leigo não
conhece o Direito. Pela conciliação, também se-
rá possível contornar a morosidade da Justiça,
matéria que não foi contemplada pela Reforma
do Judiciário, que, embora trate de matérias re-
levantes e oportunas, não emprestará celeridade
à Justiça. Um exemplo dessa morosidade está
no “tempo morto do processo”, cuja dimensão
pode ser retratada por 550 mil processos em
grau de recurso, aguardando distribuição na
Justiça paulista, o que demora de quatro a cinco
anos de espera.
Uma recente proposta de contribuição à
melhoria do ensino jurídico foi encaminhada pela
seccional paulista à Frente Parlamentar dos
Advogados na Câmara dos Deputados e aoConselho Federal da OAB, visando a antecipar ainscrição do estagiário na Ordem, queatualmente acontece nos dois últimos anos.Nossa proposta é que ele ingresse nos quadrosda OAB a partir do 2° ano do curso de Direito.Com a carteira da Ordem, o estagiário ampliaseu mercado de trabalho, porque adquire aprerrogativa de retirar processos nos tribunais,assinar petições junto com um advogado eparticipar de audiências, atividades essenciais àformação plena do futuro profissional. Com aantecipação do estágio, o bacharel chegará aomercado de trabalho com uma bagagem de co-nhecimentos práticos maior, que, somada aoconhecimento conceitual e teórico dos bancosescolares, tende a torná-lo um advogado maiscapacitado para postular em nome do cliente.
A somatória dessas propostas no plano edu-cacional visa a valorizar a profissão do advogado,que passa necessariamente pela qualidade de en-sino jurídico, fundamental para aquele que chegaa um mercado de trabalho cada dia mais concor-rido, tendo de responder à ânsia e às necessidades
dos jurisdicionados, que ainda esperam pela
democratização, melhoria e agilização da Justiça.