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IMAGENS DE RECEPÇÃO DA MENSAGEM TELEVISIVA - Concepções sobre educação e poder no interior da crítica à televisão no Brasil - Nara Magalhães Resumo: Este é um artigo que aborda o significado de uma certa crítica à televisão na sociedade contemporânea, a partir de uma pesquisa de etnografia de audiência realizada com pessoas pertencentes a camadas médias de uma cidade de médio porte do interior do Rio Grande do Sul, Brasil. Na pesquisa, procurei compreender os modos como as pessoas vêem (a) TV – ver TV e ver a TV no seu significado social. As pessoas pesquisadas vêem a TV através de uma crítica social que supõe que outros grupos não possuem cultura para vê-la de modo crítico. As conexões entre as suposições dos pesquisados e um certo debate intelectual são importantes para tentar identificar as razões desta crítica se manter forte, mesmo num contexto de diversidade e pluralidade cultural. Educar o “outro”, proporcionando acesso à cultura letrada, seria a única forma desse “outro” ler corretamente a mensagem da televisão? O que os estudos de recepção propõem desde a década de 1980 seria um respeito às diferentes leituras ou às releituras realizadas por receptores concretos, em contextos específicos. Ambas perspectivas – dos estudos de recepção e das pessoas pesquisadas - são aproximadas neste artigo, numa reflexão que tenta apontar que existem alguns pressupostos compartilhados sobre a superioridade da cultura letrada, mesmo quando se considera o receptor como sujeito no processo de comunicação. Por fim, o artigo esboça algumas conseqüências do debate atual e hipóteses para novas pesquisas. Palavras-chave: camadas médias; televisão; estudos de recepção; cultura brasileira; antropologia da mídia. Introdução Este artigo aborda algumas reflexões construídas a partir de uma pesquisa sobre o significado da televisão, desenvolvida com pessoas de camadas médias no interior do Rio Grande do Sul, Brasil, buscando compreender seus modos de ver (a) TV : modos de ver TV e ver a TV no seu significado social 1 . É um trabalho que, a partir das discussões sobre televisão, propõe uma reflexão sobre as relações entre saber científico e saber popular que 1 Refiro-me a uma pesquisa que se desenvolveu de modo intermitente, entre os anos de 1997 e 2004, resultando em minha Tese de Doutorado, intitulada: “Televisão, uma vilã na sociedade contemporânea – um estudo sobre os modos de ver (a) TV de pessoas pertencentes a camadas médias”, concluída em abril de 2004, no Programa de Pós Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina.

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IMAGENS DE RECEPÇÃO DA MENSAGEM TELEVISIVA - Concepções sobre educação e poder no interior da crítica à televisão no Brasil -

Nara Magalhães

Resumo: Este é um artigo que aborda o significado de uma certa crítica à televisão na sociedade contemporânea, a partir de uma pesquisa de etnografia de audiência realizada com pessoas pertencentes a camadas médias de uma cidade de médio porte do interior do Rio Grande do Sul, Brasil. Na pesquisa, procurei compreender os modos como as pessoas vêem (a) TV – ver TV e ver a TV no seu significado social. As pessoas pesquisadas vêem a TV através de uma crítica social que supõe que outros grupos não possuem cultura para vê-la de modo crítico. As conexões entre as suposições dos pesquisados e um certo debate intelectual são importantes para tentar identificar as razões desta crítica se manter forte, mesmo num contexto de diversidade e pluralidade cultural. Educar o “outro”, proporcionando acesso à cultura letrada, seria a única forma desse “outro” ler corretamente a mensagem da televisão? O que os estudos de recepção propõem desde a década de 1980 seria um respeito às diferentes leituras ou às releituras realizadas por receptores concretos, em contextos específicos. Ambas perspectivas – dos estudos de recepção e das pessoas pesquisadas - são aproximadas neste artigo, numa reflexão que tenta apontar que existem alguns pressupostos compartilhados sobre a superioridade da cultura letrada, mesmo quando se considera o receptor como sujeito no processo de comunicação. Por fim, o artigo esboça algumas conseqüências do debate atual e hipóteses para novas pesquisas. Palavras-chave: camadas médias; televisão; estudos de recepção; cultura brasileira; antropologia da mídia.

Introdução Este artigo aborda algumas reflexões construídas a partir de uma pesquisa sobre o

significado da televisão, desenvolvida com pessoas de camadas médias no interior do Rio

Grande do Sul, Brasil, buscando compreender seus modos de ver (a) TV : modos de ver TV

e ver a TV no seu significado social1. É um trabalho que, a partir das discussões sobre

televisão, propõe uma reflexão sobre as relações entre saber científico e saber popular que

1 Refiro-me a uma pesquisa que se desenvolveu de modo intermitente, entre os anos de 1997 e 2004, resultando em minha Tese de Doutorado, intitulada: “Televisão, uma vilã na sociedade contemporânea – um estudo sobre os modos de ver (a) TV de pessoas pertencentes a camadas médias”, concluída em abril de 2004, no Programa de Pós Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina.

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emergem nas posições dos pesquisados e em certo debate intelectual, quando se discute o

significado social da televisão, e propõe um repensar sobre as bases desta crítica, buscando

em seu interior os significados sobre poder e educação.

Neste artigo, exponho algumas das razões que, suponho, estão presentes nos

pressupostos do debate sobre televisão no Brasil. Um debate que apropriadamente propõe

democracia dos meios de comunicação de massa, questiona os acordos e favorecimentos

ilícitos obtidos por grandes empresas de comunicação, expõe preocupações quanto às

tentativas de manipulação, de homogeneização ou mercantilização das manifestações

culturais ou da cultura. Porém é um debate que, quando se refere à população, considera-a

sem cultura para criticar a mensagem dos meios, desconsidera as possibilidades de

reinterpretações críticas da mensagem, e propõe, por sua vez, uma homogeneização na

crítica à televisão, considerando que a maneira adequada de criticá-la seria através do

acesso à cultura letrada. É um debate que contribui, no interior de suas formulações, para a

construção de outras exclusões simbólicas.

Trabalhando com o método antropológico, procuro, neste artigo, colocar em diálogo

alguns estudos de recepção2 e outras teorias, com os dados trazidos pela pesquisa de campo

realizada. Procuro demonstrar que há pontos comuns, e que os dilemas enfrentados por

estes estudos referem-se a questões epistemológicas mais amplas, relacionadas a

concepções sobre relações de poder e distintas concepções de cultura. Trata-se, portanto, de

uma análise sobre processos sociais contemporâneos: a importância dos meios de

2 Seria impossível no âmbito deste trabalho fazer justiça a toda tradição teórica de estudos sobre televisão e especialmente sobre os estudos de recepção, campo que aborda as significações construídas pelos sujeitos que recebem a mensagem dos meios e a interpretam de variadas maneiras, de acordo com a cultura do grupo em que estão inseridos. Para citar apenas alguns que podem clarear a linha de interlocução adotada aqui, que perpassa várias áreas do conhecimento (antropologia, comunicação social, literatura, etc.): Miceli (1972), Kaplan (1983), Eagleton (1983), Silva (1985), Leal (1986), Ortiz (1989), Sousa (1995), Martín-Barbero (1997), Borelli (1996, 2000), Travancas (2003), Jacks (1998), entre outros.

3

comunicação na sociedade atual, num período considerado como a Era da Comunicação, e

a colocação em perspectiva da crítica aos meios hoje, propondo repensar os pressupostos

desta crítica, com a intenção de contribuir para a construção de uma outra, que não tenha

como resíduos significados opostos aos que se deseja construir.

Na primeira parte, exponho algumas hipóteses iniciais e a especificidade da abordagem

antropológica de relativização, que me levou a repensar os estudos de recepção, campo

multidisciplinar que extrapola a antropologia. Na segunda parte, relaciono as principais

reflexões presentes nesse campo de estudos com outras abordagens, tentando demonstrar as

semelhanças de pressupostos entre o que afirmam os pesquisados e a teoria. Finalmente,

proponho à guisa de conclusão, novas hipóteses para futuras pesquisas, e um repensar do

que supomos ser a educação necessária para “ler” os meios de comunicação.

* * *

Dilemas iniciais

Na pesquisa desenvolvida, as pessoas com quem interagimos nas entrevistas, etnografia

de audiência e coleta de depoimentos, estavam sendo consideradas como sujeitos críticos

em relação à televisão. A análise de suas interpretações e reintepretações das diversas

mensagens de uma variada programação televisiva que acompanhamos juntos, bem como

sua crítica à televisão e à sociedade brasileiras, eram consideradas sob a ótica de conhecer

seu posicionamento enquanto sujeitos. Mas era instigante sua suposição de que os outros

não teriam esta capacidade crítica: segundo eles, o poder televisivo se tornava ainda mais

maléfico para quem não tinha condições de perceber as tentativas de manipulação, e estes

4

outros variavam: podiam ser as crianças, os jovens ou pessoas de grupos populares, que

apareciam implicitamente em seu discurso como “não-sujeitos”.

No exercício incessante de tentar relativizar, e respeitar as diferenças, não queria

considerar esta crítica dos pesquisados como inadequada. Queria entender porque ela se

mantinha tão forte e o que dizia sobre nossa sociedade. A princípio, me parecia um

discurso bem afinado com a perspectiva frankfurtiana e bem localizado no grupo. Depois

percebi que havia uma identidade entre o que diziam as pessoas pesquisadas e o próprio

discurso acadêmico.

Precisei me debruçar novamente sobre os estudos de recepção, para ver se apresentavam

uma saída para a reflexão inicial que me parecia paradoxal: se os estudos de recepção

propunham um respeito às diferentes interpretações da mensagem, como ficava minha

leitura dos dados, que apontavam uma posição dos pesquisados que parecia se confrontar

com a minha? Será que os estudos de recepção estavam impedindo o “encontro

etnográfico” ou a “fusão de horizontes” 3?

Ou seja, o problema que aparecia era duplo: a antropologia propõe o respeito às

diferenças, e os estudos sobre diferentes perspectivas culturais precisam levar em

consideração o ponto de vista dos nativos – mas o ponto de vista dos nativos se confrontava

com a perspectiva dos estudos de recepção (que perpassam vários campos, inclusive o

antropológico) que consideram o receptor como sujeito no processo de comunicação, pois

os pesquisados consideravam o receptor outro como alguém incapaz de elaborar críticas e

interpretações próprias. Parecia que nem o relativismo cultural nem a proposta de

3 Estas expressões são utilizadas na discussão metodológica em antropologia, para significar a profunda compreensão do universo pesquisado, buscada no encontro com as pessoas pesquisadas durante o trabalho de campo, nas trocas que envolvem também valores subjetivos, que proporcionam também uma mudança no universo do pesquisador, e uma nova visão de mundo para ambos, a partir dessa experiência. Ver a respeito Cardoso de Oliveira (1983), Peirano (1995), entre outros.

5

considerar a recepção como dinâmica era suficiente para explicar o ponto de vista dos

pesquisados.

Além disso, os estudos de recepção também pareciam enfrentar o impasse de não

conseguir propor algo além da dinâmica de reelaboração nas mensagens, como sinaliza

Lopes:

“Se por um lado, as descrições etnográficas têm sido extremamente úteis em demonstrar que os receptores não são uns “dopados culturais”, mas sim pessoas que extraem sentidos específicos de textos, gêneros e meios, a simples reiteração da comprovação dessa hipótese central não garante o avanço teórico desses estudos. Nota-se claramente nas pesquisas empíricas o risco de se produzir uma verdade formal e estéril sobre a complexidade e as contradições entre meios e audiências.” (Lopes, 1998: 113)

A autora se refere exatamente aos impasses iniciais que enfrentei na pesquisa realizada:

não bastava dizer que as reinterpretações da televisão existem e que há múltiplos

significados atribuídos à mesma mensagem, nem me deter formalmente em demonstrar que

existem complexidades e contradições entre os objetivos dos produtores das mensagens dos

meios e seus receptores.

As questões que lancei aos dados coletados demonstram a tentativa de ir além dessa

perspectiva: busquei não só demonstrar que os pesquisados reelaboram significados da

mensagem, mas também reelaboram a própria pauta televisiva no momento da recepção,

debatendo sobre outros assuntos; busquei as semelhanças de interpretação entre grupos

sociais distintos: o que apresentavam em comum os pesquisados de camadas médias com as

interpretações de grupos populares; busquei a influência4 da televisão sobre suas práticas,

considerando-a uma entre outras influências a que estamos todos submetidos na vida em

4 Considerando a noção de influência na mesma perspectiva de Weber, quando discute poder: todos estamos exercendo e recebendo influência na vida em sociedade, na interação social.

6

sociedade; busquei as razões que o grupo apresentava para negar a importância de ver TV

ao lado das razões para considerar a TV um veículo de comunicação tão importante e

poderoso; busquei as categorias locais para entender significados atribuídos às práticas de

ver, assistir, ouvir, olhar televisão, pois elas me pareceram pistas importantes para

demonstrar a grande presença da televisão na vida das pessoas hoje, e também para tentar

entender a visão sobre o outro que estavam subjacentes àquelas categorias, buscando as

visões de poder e educação no seu interior.

Precisei refletir sobre uma questão que atravessava os campos da antropologia e

comunicação. Além da análise dos dados trazidos pelo trabalho de campo, a revisão da

teoria sob a ótica que estes dados trouxeram, é em parte a reflexão que tento a seguir5, que

relaciona os estudos de recepção, e o modo como foram abordados no Brasil com uma

discussão sobre saber erudito e saber popular, ou sobre ciência e senso comum.

Lanço, portanto, um questionamento aos estudos de recepção sob a ótica do trabalho de

campo: busco o motivo da crítica à televisão manter-se, na visão dos pesquisados, longe da

perspectiva de múltiplas leituras por parte dos receptores (proposta daquele campo de

estudos). Esta reflexão é ainda ampliada, pois não poderia tomar os estudos de recepção

isoladamente no campo científico, e há outros pressupostos, especialmente distintas

concepções de cultura, que estão embasando certo debate sobre os meios de comunicação

na sociedade contemporânea.

5 Outra parte está em Magalhães (2004), onde relaciono as afirmações dos pesquisados com os estudos sobre cultura brasileira e identidade nacional.

7

Após uma breve retrospectiva sobre o contexto que propiciou a emergência dos estudos

de recepção6, procuro esboçar uma hipótese de que estes estudos (no momento em que são

por sua vez, reinterpretados seus resultados), acabam enfrentando a reposição, num

segundo nível de análise, de uma visão sobre a incapacidade do sujeito receptor de

interpretar a mensagem dos meios, feita com base numa certa visão sobre saber e cultura.

Os estudos de recepção e o estatuto de sujeito do receptor

Os estudos de recepção, que tomam o receptor como sujeito7 no processo de

comunicação, têm se revelado uma nova tendência desde 1980, entre os pesquisadores

envolvidos nesta temática. No entanto, não foi sempre assim. A discussão sobre o papel dos

meios de comunicação de massa na sociedade começa com a emergência da própria

chamada sociedade de massas no pós-guerra e liga-se a toda trajetória de surgimento e

desenvolvimento dos meios de comunicação. Os primeiros estudos já apontavam para uma

preocupação da sociedade com o poder dos mass media. Lazarsfeld, um dos precursores

dos estudos de mídia, o primeiro a realizar estudos empíricos sobre o tema, em um artigo

conjunto com Merton, já em 1948 afirma que “... o papel social representado pela mera

existência dos mass media tem sido grandemente superestimado.” (Cf. Merton e Lazarsfeld,

1978: 112; in Lima, 1978).

No mesmo período trabalha Shannon, o autor que, em conjunto com Weaver, elaborou o

conhecido esquema “fonte, emissor, canal, receptor e destinatário”, o qual foi utilizado

exaustivamente pelos pesquisadores da comunicação. Ainda que a elaboração de seu 6 Retrospectiva esta na qual uma certa preponderância do viés antropológico é inevitável, por ser minha área de formação e com a qual tenho mais contato. Busco construir aqui uma abordagem dialogando com as áreas de comunicação e literatura, que certamente deixa muitas lacunas devido à amplidão do tema em debate. 7 Como exemplo, há uma publicação da área de Comunicação Social, contando com artigos de vários autores das Ciências Sociais, sobre esse novo enfoque: Sousa, Mauro Wilton (org.). Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995.

8

esquema fosse mais técnica - pois os autores eram da área de engenharia e estavam

preocupados em eliminar as interferências da comunicação - sua obra foi reapropriada e

trouxe noções muito importantes para o debate, como a noção de “ruído na comunicação”

(Cf. Fiske,1993). Mas sua visão excessivamente linear da comunicação, sem atentar para os

processos dinâmicos envolvidos, tem sido também exaustivamente criticada.

Ainda nos anos 40 esta temática começou a interessar um grupo de filósofos alemães: a

conhecida Escola de Frankfurt - a posição desta escola foi tão importante, que se manteve

como referência no debate no Brasil até meados da década de 80. Só após os anos 50 é que

a temática começou a interessar os sociólogos, inicialmente os seguidores de Merton.

Os autores da Escola de Frankfurt trabalhavam com o pressuposto de que um

determinado sistema de produção de símbolos está ligado a um modo social de produção.

No debate teórico deste período, o conceito de ideologia era central. Pensada como

indissociável de um conteúdo de falsidade e dissimulação da realidade, levada a efeito pela

classe dominante, a concepção de ideologia completava-se com a análise da massificação e

homogeneização levada a efeito pelos meios de comunicação, a serviço da mesma classe e

dos quais a grande “massa” seria alvo.

A grande maioria dos estudos desse longo período centram-se na análise dos meios, de

seu poder, de seus efeitos, de suas intenções ocultas. O cenário começa a mudar nos anos

80, quando proliferam as críticas aos frankfurtianos e resgata-se a importância do receptor

como sujeito da comunicação, e esta é vista então como um processo complexo e não

apenas num esquema linear.

A crítica aos frankfurtianos e a todos que temiam o “fim da cultura” ou a irremediável

desqualificação realizada pela mídia é feita por vários autores, especialmente à sua

compreensão da cultura como algo imposto e não construído coletivamente, e à sua

9

suposição de que a massificação seria irreversível, lamentando a destruição das formas

estéticas puras8.

São muito conhecidas, e hoje consideradas clássicas nos estudos da área, as expressões

cunhadas por Umberto Eco quanto aos campos teóricos que debatiam o assunto: os

apocalípticos, que consideram, como Heráclito9, a “cultura como um fato aristocrático”,

perante o qual a “cultura de massa” torna-se o sinal de uma queda irrecuperável, e o

“homem de cultura o profetizador de seu desaparecimento perante o apocalipse da

massificação” (Cf. Eco, 1979: 8).; de outro lado os integrados, que tal como seus

oponentes, assumem o “conceito-fetiche de massa”, pretendem construir seus projetos para

ela, “educar a massa”, operando um reducionismo no seu interior: há uma ausência de

sujeitos na massa (Cf. Eco, 1979: 18).

Como já assinalei, é importante notar que a crítica realizada pelas pessoas de camadas

médias pesquisadas refere-se aos “efeitos nocivos da televisão” e aparece ainda muito

identificada às preocupações frankfurtianas de vulgarização da cultura, e dentro do campo

dos apocalípticos apontados por Eco. Mas elas não são as únicas, como veremos.

Alguns conceitos como o de ideologia têm se mantido centrais na reflexão, ainda que

sua combinação posterior ao conceito de hegemonia, tenha contribuído em parte para

ampliar e relativizar o debate sobre as relações de poder envolvidas na comunicação de

massa. Com a centralidade atribuída a tais conceitos pela maioria dos estudiosos do tema

no Brasil, explica-se porque, apesar de todas as críticas, o prestígio da Escola de Frankfurt

entre nós se manteve quase inabalável até os anos 1980.

8 Quanto a estas concepções, refiro-me especialmente a Adorno e Horkheimer, 1975. Para uma crítica à Escola de Frankfurt, ver Leal, 1986; Ortiz, 1989; Eco, 1993[1970], entre outros. 9 Eco faz uma citação de Heráclito: “Por que quereis levar-me a toda parte, ó iletrados? Não escrevi para vós, mas para quem me pode compreender. Um, para mim, vale cem mil, e a multidão, nada” (Eco, 1993:8)

10

A partir desse período, com a incorporação do conceito gramsciano de hegemonia, a

discussão avançou. Muitos trabalhos na área de ciências sociais partiam de Gramsci, e

abordavam a reelaboração possível de um bem cultural produzido massivamente.

Questionou-se então a idéia do “produtor legítimo”, a partir da análise do processo em que

a reprodução e a transformação de uma dada produção hegemônica são simultâneas ou

fruto de negociações e relações de poder em que a legitimidade é alternadamente atribuída

a diferentes grupos10.

Nos estudos sobre televisão, cinema, literatura, música, da área de Ciências Sociais e

Comunicação11, que adotam os referenciais gramscianos para debate, a sociedade é pensada

de forma dinâmica e a construção da hegemonia é tomada como um processo, nunca pronto

e acabado, que inclui o aspecto da negociação: para que as idéias de uma classe possam ser

dominantes, elas precisam ser convincentes, o que não pode acontecer exclusivamente com

base em valores falsos. Isto remete à noção de eficácia: só existirá adesão a determinados

valores se eles repercutirem num imaginário construído socialmente. O gosto não é algo

que se impõe, mas inclui uma escolha, ainda que limitada, entre as possibilidades colocadas

pela sociedade.

Neste período, os pesquisadores da área utilizavam o conceito de ideologia de um modo

distinto daquele proposto por Marx e pelos marxistas. Incorporando o conceito gramsciano

de hegemonia para entender a dinâmica cultural e as oscilações nas relações de poder, os

estudiosos definiam ideologia de maneira muito identificada com a concepção de cultura,

isto é, como sinônimo de sistemas de significados construídos coletivamente e próprios de

10 Ver, por exemplo, Oliven (1986) e Ortiz (1988). 11 Refiro-me às abordagens de Ortiz (1988, 1989); Oliven (1986); Leal (1986, 1993); Borelli (1996) e Ramos (1995); Jacks (1987; 1998), entre outros.

11

determinada época histórica, sem o conteúdo de falsidade e mascaramento que geralmente

lhe era atribuído por aqueles estudiosos12.

A partir da segunda metade da década de 80, o saber científico tornou-se, ele próprio, o

centro das reflexões. Houve uma série de questionamentos que colocaram em xeque certos

pressupostos: na relação sujeito-objeto de pesquisa, começou-se renegando o próprio termo

“objeto”, para tentar refletir sobre as desigualdades criadas na situação de pesquisa, a qual

só podia acontecer a partir de uma relação social estabelecida entre no mínimo dois sujeitos

– o pesquisador e o pesquisado. As tentativas de acabar (ou diminuir) o poder do

pesquisador se estenderam à escrita científica, tendo como proposta a polifonia, isto é, a

construção do texto acadêmico a partir das muitas vozes dos pesquisados. Na antropologia,

uma das críticas mais contundentes foi ao chamado realismo etnográfico, que seria, entre

outras questões, a pretensão de, a partir da pesquisa empírica e da comprovação inegável de

que se esteve em campo, tomar a descrição resultante como se fosse “a própria realidade”,

construindo a teoria de modo empiricista e dando à teoria um estatuto de verdade

inquestionável, como se pudesse expressar fielmente a realidade.

Com o questionamento ao saber científico, chegou-se ao reconhecimento de que ele é

um saber entre outros13, sem aquele estatuto de superioridade e verdade que geralmente lhe

era atribuído, desde o seu surgimento no século XVIII. Os ideais da modernidade não só

não haviam se realizado, como precisavam ser abandonados.

12 Com isto, tais abordagens foram consideradas responsáveis pela “despolitização” do conceito de ideologia no Brasil. Cf. Durham, “A pesquisa antropológica com populações urbanas: problemas e perspectivas”, In: Cardoso (1986:29). 13 Os questionamentos sobre o saber científico e a pretensão de verdade ou apreensão da realidade encontram-se já em Foucault, em Microfísica do Poder, Rio de Janeiro, Graal, 1979; e também em Rabinow, “Representations are social facts: modernity and pos-modernity in Anthropology”. In: Clifford and Marcus. Writing Culture. Berkeley, University Press, 1986.

12

Esse debate teve como referência na Antropologia a obra de Clifford e Marcus14, e é

aqui resgatado com a intenção de refletir sobre algumas de suas principais conseqüências

para nossa visão a respeito da construção de conhecimento: a partir da discussão pós-

moderna, cada vez mais o dogmatismo foi sendo descartado; procurou-se, deste então, não

mais o "produtor legítimo", mas conhecer os vários critérios de legitimidade construídos

por diferentes culturas; houve o reconhecimento de que o saber científico é um entre outros

saberes, entre eles o popular, e que o primeiro só pode ser construído a partir de uma

experiência coletiva: no trabalho de campo e no debate entre os pares - portanto, ele é

produto de uma relação de intersubjetividade, no encontro etnográfico e na reflexão que ele

lança sobre a construção de nosso conhecimento, sempre provisório. 15

A abordagem aqui proposta tem como referência estes questionamentos, procurando

contextualizar e extrair da discussão o que pode ser produtivo para uma Antropologia feita

no Brasil. É uma abordagem que parte do pressuposto antropológico de que estamos

mergulhados num sistema simbólico16 construído coletivamente, o qual inclui nossos

valores e orienta as nossas práticas; que incorpora a idéia da multiplicidade de saberes e

considera fundamental a busca da construção da intersubjetividade. A televisão está sendo

tomada aqui como parte de um sistema simbólico; e dessa perspectiva busquei verificar o

lugar que ela ocupa no cotidiano dos grupos estudados, qual o valor que lhe atribuem, como

recebem sua mensagem. Com isto emergiu uma pluralidade de interpretações e de práticas

cotidianas a envolvem. Ao propor este tipo de recorte a respeito do significado da televisão,

14 Refiro-me ao seu livro Writing Culture, de 1986. 15 Estas conseqüências são apontadas por autores como Cardoso de Oliveira (1983); Caldeira (1988) e Trajano Filho (1988) 16 Sobre cultura como sistema simbólico, construído com base em classificações, ver Lévi-Strauss, 1970 e 1975; Douglas, 1976 e Dumont, 1966. Sobre cultura como sistema simbólico, no sentido de “código” compartilhado, ver Geertz, 1978.

13

estava supondo que estas são objeto de construção social, e, portanto, podem assumir

diferentes significações segundo o grupo social considerado.

Mas se nos anos 1980 a discussão ia por estes caminhos, no início da década de 90

ganhou fôlego uma outra discussão: a globalização. E então os meios de comunicação de

massas, e as novas tecnologias foram citados muitas vezes como agentes de um processo

que continuava não só padronizando e homogeneizando as massas, como todo o mundo,

transformando-o numa aldeia global.

Com este debate, um dos autores recuperados foi Marshall McLuhan, autor já

considerado um clássico nos estudos de comunicação, e reconhecido hoje como um

visionário que antecipou muitas das questões agora debatidas, mas à sua época considerado

muito otimista em relação aos meios (Eco irá chamá-lo de superintegrado).

Com os questionamentos recentes, houve um resgate de sua obra, e o autor passou a ser

considerado um visionário, que antecipou muitas questões, só hoje compreendidas. É que

com o desenvolvimento das novas tecnologias, especialmente a partir dos anos 90, também

o computador conectado em rede passou a ser mais que um instrumento ou ferramenta de

trabalho, tornou-se também um meio de comunicação, que proporciona novos tipos de

sociabilidade, diferentes das até então existentes, não se restringindo à interação face a face,

e isto ampliou ainda mais o debate a respeito do significado da comunicação humana.

McLuhan é surpreendentemente atual em suas colocações: afirma que o homem de sua

época está mergulhado em uma crise advinda de revoluções, primeiro a elétrica, depois a

eletrônica, que abalaram os fundamentos da experiência do homem tipográfico, isto é, o

homem habituado à cultura do livro. Está falando das novas tecnologias, da internet, do

mundo virtual? Não, está se referindo ao surgimento dos meios de comunicação de massa e

14

o que representaram de impacto sobre uma cultura baseada no livro, em seu texto Visão,

Som e Fúria , de 1954 (anterior ao seu mais conhecido Understanding Midia, de 1964) .

Para ele, já no século XVI, com a invenção da mecanização da escrita, houve uma

grande revolução em relação à escrita em pergaminho, característico da Idade Média. Nesse

período, devido à dificuldade de acesso aos pergaminhos, o estudante procurava memorizar

tudo que lia; isto gerou o enciclopedismo e também a prática de ter pronto para discurso a

erudição total de cada um. Com a mecanização da escrita houve uma maior disponibilidade

de textos para leitura e o discurso oral deixou de ser o método de aprendizado. No século

XX, a exuberância da produção falada e escrita resulta de um desvio da cultura do livro

para a comunicação oral - o rádio, a imprensa, a fotografia desafiaram o monopólio do

livro. O autor traz também uma diferença interessante para pensarmos: cultura para os norte

- americanos sempre esteve mais associada a livros, enquanto para os europeus cultura não

era só literatura, mas também música, pintura, escultura e comunicação. Quando se fala em

erudição e se argumenta que, quanto maior a erudição do receptor, maior a possibilidade de

não se deixar levar pela mensagem dos meios, de que erudição estamos falando? Do acesso

aos livros ou algo mais?

McLuhan afirma também neste texto que todos os meios de comunicação compartilham

um certo “caráter cognitivo”, e que isto deveria nos libertar das perturbações advindas da

preocupação exclusiva com qualquer forma de comunicação. Mas ele dá uma agência e um

poder transformador à tecnologia em si que pode ser problemático17, o que não é o caso

neste trabalho. Resgato sua afirmação, porque me parece que é justamente este caráter

cognitivo dos meios que perturba hoje muitos estudiosos da comunicação e educadores em

geral: se os meios representam um tipo de abordagem do mundo, que leva a um tipo de

17 Agradeço a Sônia Maluf por ter me chamado a atenção para este aspecto.

15

conhecimento sobre o mesmo, há o temor que ele se torne o conhecimento exclusivo, o

considerado mais legítimo.

No debate sobre o poder da televisão na sociedade, surgem propostas de “levar” o “saber

erudito” ou o “saber técnico” ou o “saber acadêmico” a grandes parcelas da população para

que elas pensem “de certo modo”. Um modo considerado adequado e que,

coincidentemente, é um modo próprio de quem detém este saber ver as coisas, e considerar

que só então, assim capacitados, os receptores terão condições de fazer uma crítica à

televisão, eis um grande paradoxo atual, que combina uma crítica recente ao saber

científico e por outro lado, ainda um grande apego a este mesmo modo de ver as coisas.

Através do debate sobre os meios, percebemos que o monopólio continua garantido: é

na instituição acadêmica que continua residindo o saber considerado legítimo. Então por

que o temor? Será que à medida que avançam as críticas à racionalidade, à medida que se

reconhece a legitimidade de vários saberes além do saber científico18 cresce também a

desqualificação de outras formas de apreensão do mundo, que possuem tanta ou maior

pretensão de legitimidade que a ciência?

Ainda para McLuhan, a mensagem encodificada não pode ser considerada uma simples

cápsula produzida de um lado e consumida de outro: a comunicação é comunicação em

toda linha. Esta afirmação também pode ser entendida na perspectiva atual, de considerar a

comunicação como um processo, que não se esgota nas intenções do produtor ou emissor

da mensagem. O autor afirma que para fazermos uma crítica pertinente aos novos meios,

precisamos libertar-nos das concepções próprias da cultura do livro.

E eu acrescentaria: para elaborar a crítica adequada aos meios o problema não seria

apenas estar mergulhado na cultura do livro, mas a valoração construída no interior dessa

18 Refiro-me em especial às abordagens de Tambiah (1991); Geertz (1983) e Bourdieu (1980).

16

cultura, a respeito do autor e do leitor. Considerar que o texto contém um sentido

determinado que o leitor só traduz, pois quem dá o sentido é o autor, esta é que me parece

ser a concepção problemática, que é transposta para a discussão sobre os meios.

Trabalhando no campo da literatura, Terry Eagleton (1983) coloca instigantes questões

sobre a relação autor-leitor, que servem para pensarmos a relação emissor-receptor e o

processo de comunicação como um todo. Em seu livro: Teoria da literatura - uma

introdução, no capítulo intitulado “Fenomenologia, Hermenêutica e Teoria da Recepção”,

Eagleton começa sua abordagem com a fenomenologia de Husserl: este autor estava

discutindo a possibilidade do conhecimento, questionando-se a respeito do que poderíamos

ter certeza, quando elaborou sua teoria. Para Husserl, os objetos não são coisas em si, mas

coisas postuladas pela consciência; a consciência é mais do que o registro do mundo, ela

constitui o mundo. O mundo exterior deve ser reduzido ao limite de nossa consciência, esta

é a “redução fenomenológica” de Husserl, e a fenomenologia é a ciência dos fenômenos

puros, um método filosófico segundo o qual todas as realidades devem ser tratadas como

puros fenômenos, tal como se apresentam à nossa mente.

A fenomenologia pretendia fornecer à filosofia uma base experimental para a construção

do conhecimento fidedigno; fornecia um método para o estudo de qualquer coisa, era uma

ciência da ciência ou uma ciência da consciência humana, que indagava sobre as condições

de possibilidade de qualquer tipo de conhecimento.

As indagações atuais sobre o processo de conhecimento não me parecem

substancialmente diferentes. O saber científico e o saber popular são tomados como dois

tipos de construção sobre o mundo, ambos válidos nas suas diferenças. Esta é uma linha

recente de debate nas ciências sociais, que tem preocupado autores bem diversos. Geertz,

por exemplo, no quarto capítulo de Local Knowledge (1983) afirma que, se o senso comum

17

não é nada mais que uma interpretação das imediaticidades da experiência, uma explicação

destas imediaticidades, como são o mito, a pintura, a epistemologia ou qualquer outra coisa,

estão também sujeitos a pautas de juízo definidas historicamente. Para ele, o senso comum

é um sistema cultural, ainda que não muito integrado, que está assentado sobre a mesma

base de outros: a convicção que sua posse se relaciona com seu valor e validade.

Também Bourdieu, em Le sens pratique (1980), afirma que aquilo que nós chamamos

de pensamento primitivo, “pré-lógico” ou “selvagem” não é nada mais que a lógica prática,

adequada à ação e voltada para a ação, aquela à qual nós recorremos cada dia, em nossas

ações e nosso julgamento sobre os outros e sobre o mundo. E pergunta: por que nosso

conhecimento sobre o outro é considerado objetivo? É que para o autor uma verdadeira

compreensão das práticas supõe um duplo movimento: ir além do objetivismo e do

subjetivismo e reconhecer que nossas descrições muitas vezes são feitas do mesmo material

que nós chamamos primitivo.

O debate a respeito do que seria um pensamento primitivo ou civilizado, perpassa as

teorias antropológicas. Recentemente tivemos o resgate da obra de Lévi-Bruhl19, em obras

que nos fazem repensar a racionalidade ocidental moderna e reconhecer seus limites para

entender o pensamento e a experiência humana nos dias de hoje. O fascínio que exerce

sobre nós antropólogos, essa relação entre um pensamento considerado pré-lógico e um

pensamento racional é constitutivo da própria disciplina20.

Na interpretação de Eagleton, se Husserl propunha uma ciência para o estudo dos

fenômenos puros, tal como se apresentam à mente humana, e se questionava sobre a

19 Sobre o resgate da obra de Lévi-Bruhl, ver Tambiah (1990) e Goldman (1994). 20 Desde Lévi-Strauss (1970), com O Pensamento Selvagem, passando por Geertz (1983), com Local Knowledge, e por Sahlins (1990), com Ilhas de História, bem como as discussões que realiza sobre culturas translocais (Sahlins, 1997), trata-se de reconhecer que outros povos têm suas maneiras próprias de pensar e construir sofisticadas explicações sobre o mundo, para nortear, explicar e perguntar-se sobre sua experiência.

18

possibilidade de conhecer, um questionamento profundo que atormenta não só a filosofia,

mas toda ciência moderna, o problema para a realização do “projeto” teórico de Husserl

seria a sua concepção da linguagem: para ele, o significado seria algo que antecede a

linguagem, esta seria uma atividade secundária, que dá nomes a significados que os homens

já dispõem. Heidegger foi um discípulo de Husserl que rompeu com o mestre por discordar

dessa concepção sobre o significado.

Ainda segundo Eagleton, Heidegger ocupa-se da questão do ser e do modo de ser que é

especificamente humano. Essa existência é sempre ser-no-mundo: só somos sujeitos porque

estamos praticamente ligados ao nosso próximo e ao mundo material, e essas relações são

constitutivas de nossa vida, e não acidentais a ela. Surgimos, como sujeitos, de dentro de

uma realidade que nunca podemos objetivar plenamente, que engloba tanto sujeito como

objeto, que é inesgotável em seus significados e que nos gera tanto quanto nós a geramos.

O conhecimento humano move-se a partir de um pré-entendimento: antes de pensar

sistematicamente, já partilhamos de uma quantidade de pressupostos tácitos, obtidos de

nossa ligação prática com o mundo; a ciência e a teoria são abstrações parciais dessas

preocupações concretas.

E o autor continua: para Heidegger, a existência humana é histórica e constituída pela

linguagem. Para ele, a linguagem não é apenas um instrumento de comunicação, um

recurso para expressar idéias, mas aquilo que faz o mundo ser. Só há mundo, onde há

linguagem no sentido humano. Por isto, o próprio Heidegger teria definido seu

empreendimento filosófico como uma “hermenêutica do Ser”, entendendo-se a

19

hermenêutica como ciência ou arte da interpretação. O modelo filosófico do autor é a

filosofia hermenêutica.21

Eagleton também ressalta que um dos hermeneutas sucessores de Heidegger é Gadamer,

que em sua obra de 1960 colocou questões que atormentaram a moderna teoria literária - e ,

eu diria, atormentam até hoje muitos teóricos que estudam comunicação - tais como: qual o

sentido [significado] do texto literário? Que relevância tem para este sentido a intenção do

autor? Podemos compreender obras que nos são cultural e historicamente estranhas? É

possível o entendimento objetivo ou todo entendimento é relativo à nossa própria situação

histórica?

Eagleton (e os autores com os quais está trabalhando) questiona concepções segundo as

quais o significado de um texto seria dado pelo que o autor pretendeu que fosse. Segundo

ele, não há nada na natureza do texto que leve o leitor a interpretá-lo de acordo com o

significado pretendido pelo autor. Só quem considera o significado como algo à parte da

linguagem poderia afirmar isto. Segundo ele, tanto Heidegger como Gadamer

compreenderam que o significado da linguagem é uma questão social, que há um sentido

segundo o qual a linguagem pertence à minha sociedade antes de pertencer a mim.

Depois de abordar a importância da hermenêutica para a teoria do conhecimento em

geral, Eagleton analisa o que segundo ele seria uma novidade, surgindo na década de 80 na

Alemanha: a estética da recepção ou teoria da recepção, que ele considera como uma

manifestação da hermenêutica.

E aqui é preciso sinalizar algumas nuances que surgem nas denominações do campo:

entre os estudiosos de recepção existem polêmicas a respeito de quando começam as

21 Eagleton se refere neste ponto a Sartre, Merleau-Ponty, Ricoeur e outros.

20

preocupações com o receptor, saindo do enfoque nos meios. Fausto Neto, por exemplo,

afirma que as discussões sobre a recepção existem há mais de meio século, ainda que tenha

ganho contornos mais específicos nas duas últimas décadas (Cf. Fausto Neto, 1998: 15).

Maria Immacolata Lopes identifica já nos estudos de Lazarsfeld dos anos 40 uma

preocupação com os receptores, na medida em que faziam pesquisas buscando “vínculos

entre alguns tipos de conteúdos e certos tipos de audiência” (Cf. Lopes 1998: 110). A

mesma autora destaca a contribuição dos estudos culturais, os quais: “analisando a

produção e a recepção da mensagem dentro de um quadro semiológico inspirado no

marxismo, acabaram por colocar a recepção como prática complexa de construção social de

sentido.” (Cf. Lopes,1998: 110). Ou seja, para ela, já existiam estudos de recepção, mas a

perspectiva crítica que emerge nos anos 80 é que seria distintiva:

“Os estudos de recepção na América Latina são muito recentes. Sua emergência se dá no início dos anos 80, no bojo de um forte movimento teórico crítico que procurava fazer uma reflexão alternativa sobre a comunicação e a cultura de massas através da perspectiva gramsciana, reflexão alternativa às análises funcionalistas, semióticas e frankfurtianas, predominantes até então.” (Lopes, 1998:111)

Esta ressalva é importante, pois demonstra que até mesmo ao tentar definir quando

começam os estudos de recepção, nós pesquisadores estaremos envolvidos em escolhas,

dependendo do que desejamos ressaltar na análise. Cabe o destaque de que, neste trabalho,

estou tentando colocar em diálogo aquele campo de discussões chamado de teoria crítica

literária22, com o campo de discussões dentro da antropologia23 e com os estudos mais

diretamente ligados ao campo da comunicação24.

22 Representado aqui por Eagleton (1983)

21

Algumas das referências que estou considerando no debate sobre comunicação em

antropologia, além daquelas já referidas, são as discussões propostas por Winkin25, que

apresenta uma proposta oriunda de uma rede de pesquisadores norte-americanos, “que

formam um colégio invisível em torno de Palo Alto (na Califórnia) e da Filadéfia (na costa

Leste).” (Winkin, 1998:10). Nele o autor traz uma densa discussão sobre a dinâmica do

processo comunicacional, comparado a uma orquestra, que se contrapõe a uma outra visão

mais linear como a do telégrafo (id: 34); também faz uma critica a certas perspectivas,

como a do interacionismo simbólico (id: 104-105), e propõe como metodologia para

investigar a nova comunicação, uma nova lingüística, vendo nela uma possibilidade de

“renovação do programa saussureano em particular e do programa estruturalista, em geral”

(id:112-113).

Parece-me que estes autores26 estão propondo algo diferente do que eu desejo reforçar (e

que outros autores já o fizeram e vêm fazendo) com este trabalho, que é a necessidade de

pesquisas multidisciplinares. O grupo de pesquisadores referido não a está negando, pois a

equipe que propõe o debate de pesquisadores é multidisciplinar (reunindo antropólogos,

psicanalistas, psiquiatras, etc.), mas a proposta que apresentam é de uma antropologia da

comunicação, e a definição ampla de comunicação com a qual trabalham tem privilegiado

outros debates que não a comunicação de massas ou a indústria cultural27.

23 Representado pelos estudos com meios de comunicação de massa e televisão realizado por Leal (1986), Borelli (1996), Hamburger (1999), Travancas (2003), entre outros. 24 Cujas referências aqui seriam a coletânea organizada por Sousa (1995) - a qual mostra que mesmo essa minha tentativa de delimitação é arbitrária, pois a referida coletânea reúne pesquisadores de várias áreas; além dos estudos realizados por Fausto Neto (1998), Jacks ([1987], 1998); Lopes (1998). 25 Refiro-me a Yves Winkin, e sua obra A Nova Comunicação, publicada pela primeira vez em francês em 1984 e publicada no Brasil em 1998. 26 Mesmo considerando-os como grandes contribuidores ao debate, e referindo-me a eles como é o caso de Stuart Hall (1980 e 1998), ou questionando alguns dos autores com os quais dialogam, como é o caso de Eco (1984, 1985, 1988). 27 Ver Winkin, 1998, especialmente a segunda parte do livro, em que explicita as temáticas abordadas nas pesquisas do grupo.

22

São todos debates vitais ao campo antropológico, mas que não resolvem a discussão,

quando penso que a saída ainda é considerar os estudos de recepção como uma

perspectiva28 que atravessa diferentes áreas (não só a antropologia). Estas diferentes áreas,

em diálogo, tentam construir um conjunto de pressupostos, tanto teóricos quanto

metodológicos, que reúnem redes de pesquisas multidisciplinares na América Latina29. Por

isso, parece-me válido tentar propor uma reflexão à antropologia, como uma rediscussão

dos estudos de recepção do ponto de vista antropológico, pois as pesquisas têm avançado

tanto na comunicação como na antropologia, sem conseguir, no entanto, ir além de um

certo limite, que seriam por um lado propor a dinâmica das reinterpretações das mensagens

e por outro lado considerar as relações de poder (essa dicotomia tem se mostrado central no

debate). Este dilema não me parece ser possível de ser resolvido apenas internamente aos

estudos de recepção, pois esbarra em concepções que não são internas ao campo, mas

externas a ele. São algumas concepções sobre as relações entre ciência e senso comum,

sobre cultura e comunicação no Brasil, com a predominância de uma certa ótica que tem

sido mais considerada no debate. Por sua vez, a antropologia, com a riqueza de discussões e

amplitude do conceito de cultura com o qual trabalha, precisa também se definir quanto a

que conceito de cultura está lhe servindo de base ao debate sobre os meios, como veremos,

pois parece estar sendo priorizado um conceito instrumental de cultura na discussão.

A retomada da análise de Eagleton se faz nesse contexto, de tentar mostrar como alguns

questionamentos a respeito da relação autor-leitor30 ainda são muito pertinentes. Vimos que

28 Como propõem, entre outros, Sousa (1995) e Lopes (1998). 29 Como já vêm propondo (e colocando em prática) vários pesquisadores, como se percebe na coletânea org. por Sousa (1995); e também em Borelli (1996); Martín-Barbero (1997); Lopes (1998); Jacks (1998), entre outros. 30 Mesmo com a problematização já feita a respeito desses termos no debate referido.

23

para ele a grande novidade dessa teoria da recepção31, que estava surgindo na década de 80

na Alemanha, seria examinar o papel do leitor. Houve neste período um reconhecimento de

que sem o leitor não há literatura, não há textos literários; que os livros nas estantes não dão

existência aos textos, quem o faz é o leitor. Textos são processos de significação que só se

materializam na prática da leitura. Houve um reconhecimento que para a literatura

acontecer, o leitor é tão vital quanto o autor.

O autor nos leva a refletir sobre a compreensão de um texto: para tanto, compartilhamos

anteriormente de uma série de significados que são construídos socialmente. Há um

trabalho inconsciente de formulação constante de hipóteses, que levam a novas, que vão

sendo solucionadas e ampliadas à medida que a leitura acontece. O texto em si, portanto,

não passa de uma série de dicas para o leitor, para que ele dê sentido a um trecho de

linguagem; é o leitor que “concretiza” a obra literária. A leitura também não é só um

processo cumulativo, um movimento linear progressivo: ela vai e vem, nossas especulações

e hipóteses iniciais são reformuladas. Um certo tipo de leitor já está implícito no ato de

escrever; o “leitor implícito” ou o “consumo” está presente, é parte do processo de

produção da obra literária ou de qualquer outra.

Mas Eagleton reconhece que, ao mesmo tempo em que o significado não está só no

“texto em si”, não podemos, como leitores, interpretar a obra como queremos. Para que a

interpretação seja relacionada com este texto e não com outro é necessário que ela seja

logicamente limitada pelo próprio texto. Como fica esta questão diante da importância do

leitor? O texto é determinado ou indeterminado? Para responder esta questão crucial, 31 Esta que Eagleton chama de teoria da recepção corresponde ao que Maria Immacolata Lopes e outros autores chamam de estudos de crítica literária. Fazendo um breve balanço sobre a tradição que antecedeu os estudos de recepção, ela refere-se à existência de algum consenso quanto a considerar as seguintes correntes teóricas como principais: pesquisa dos efeitos, pesquisa dos usos e gratificações, os estudos de crítica literária, os estudos culturais e estudos de recepção (que assumem hoje o caráter de uma etnografia das audiências). Ver Lopes (1998: 109-111).

24

Eagleton recorre a Fish, crítico literário norte-americano: para Fish, não há obra literária

objetiva, o verdadeiro escritor é o leitor.

Eagleton vai adiante na afirmação da indeterminação do texto: o texto em si é

indeterminado, mas são criadas institucionalmente maneiras consideradas legítimas de se

lerem obras, essas maneiras formam um inventário que funciona como limitação à leitura

do texto. Um exemplo desse processo é a instituição acadêmica. Segundo Eagleton, são

poucos os autores e críticos de literatura que consideram a possibilidade de um texto

literário não ter um único significado “correto”.

Ao pensarmos no processo de comunicação, percebemos que as afirmações de Eagleton

também se aplicam nesse campo mais amplo32: pensando no autor como aquele que elabora

a mensagem e no receptor como leitor, especialmente no caso da televisão. Os estudos de

recepção têm se ampliado desde a década de 80, a importância do receptor tem sido

ressaltada. Contraditoriamente, entretanto, as propostas dos estudiosos que buscavam uma

crítica aos estudos centrados na emissão da mensagem - por considerarem que estes estudos

menosprezavam a importância do receptor e privilegiavam apenas um pólo da

comunicação, sem vê-la como um processo de significação - são algumas vezes os mesmos

que consideram que a possibilidade desse receptor (que desejam respeitar e considerar

como sujeito ativo no processo de comunicação) fazer uma leitura “correta” depende de um

auxílio externo a ele, de alguém que o capacite a ler uma mensagem televisiva

corretamente.

É o caso de ninguém menos que Umberto Eco, o qual afirma que o leitor possui certa

“enciclopédia”, a qual quando ampliada pode fornecer subsídios para uma leitura mais

32 E aqui proponho algumas questões que penso não estarem ainda resolvidas, fazendo um certo retorno na discussão, como ficará mais claro nas páginas seguintes.

25

crítica. Em seu texto “A inovação no seriado” (Eco, 1989), apesar de suas interessantes

reflexões sobre serialidade e criação, que o levam a afirmar que uma tipologia da repetição

não fornece os critérios para estabelecer diferenças de valor estético e que um

procedimento serial tanto pode produzir excelência como banalidade33, Eco faz referência

em vários momentos a conceitos como “enciclopédia do leitor”, refere-se a diferentes tipos

de leitor: leitor modelo - o leitor que o autor tem em vista; leitor ingênuo - aquele cuja

enciclopédia não é suficiente para entender a mensagem de acordo com as intenções do

autor; e leitor crítico - que possui enciclopédia suficiente para entender as intenções do

autor, criticá-las, propor modificações. Quando se refere à televisão, o leitor é considerado

espectador, também ingênuo ou crítico.

Por outro lado, em artigos de seu livro Viagem na Irrealidade Cotidiana34, Eco afirma

de modo crítico que há educadores que exibem um tipo de iluminismo otimista, quando

acreditam que através de um conteúdo de mensagem “correto” pode-se operar uma

transformação das consciências: bastaria modificar as transmissões televisivas, a cota de

verdade do anúncio publicitário, a exatidão da notícia de jornal (Eco,1984: 167). Até aqui o

autor parece concordar com a questão proposta por Eagleton de que o texto é

indeterminado, quem lhe atribui sentido é o leitor. Mas sua posição não é exatamente esta.

Para ele, o universo das comunicações está repleto de interpretações discordantes de

uma mesma mensagem, e esse reconhecimento leva - o a afirmar que “a variabilidade das

interpretações é a lei constante das comunicações de massa” (Eco,1984: 171) . Para ele, o

33 Nisto Eco se diferencia de Benjamin (In Lima, 1978), para quem a obra de arte, quando reproduzida em massa, perde sua “aura”. Eco está afirmando que nem sempre a reprodutibilidade significa a perda das características artísticas de qualidade. 34 Cf. Eco, Umberto (1984). Viagem na Irrealidade Cotidiana. E também Eco, Umberto (1988). Pour une guérilla semiologique. In: La Guerre du faux.

26

problema é que “até agora ninguém controlou a variabilidade das interpretações, ela tem

sido casual” (Eco, 1984: 172).

O que significa parar de se preocupar só com a mensagem e prestar atenção na

variabilidade de interpretações, que estão soltas? Esta variabilidade de leituras ao acaso,

parece que seria um problema a corrigir, na ótica do autor, como se pode perceber em

algumas de suas afirmações examinadas a seguir. Primeiro, Eco afirma que os políticos, os

educadores, os cientistas da comunicação têm considerado que, para controlar o poder dos

mídia seja necessário controlar dois momentos comunicativos da cadeia: a Fonte e o Canal

(fazendo referência ao conhecido modelo de Shannon)35. Mas para ele essa seria uma

maneira inútil de controlar a mensagem, que se apresentaria então ao destinatário como

forma vazia, que o mesmo destinatário preencheria com significados sugeridos pela sua

situação antropológica, pelo modelo da cultura na qual está inserido (grifo meu).

Para o autor, a batalha pela sobrevivência do homem, como ser responsável na Era da

Comunicação, não é vencida lá onde a comunicação parte, mas aonde ela chega. Ao invés

de propor uma só Fonte industrializada e uma só mensagem que chegará o público disperso

do mundo inteiro, como desejam os sistemas de comunicação, “nós” [os cientistas e

técnicos da comunicação] teremos de imaginar sistemas de comunicação complementares,

que permitam atingir grupos humanos isolados, cada membro isolado do público, e discutir

os pontos de partida e de chegada da mensagem.” (Eco, 1974:173).

A proposta de Eco, do modo como a estou entendendo aqui, é que: “os cientistas e

técnicos da comunicação” deveriam imaginar (e criar) outros sistemas de comunicação, não

centrados apenas na emissão, mas contemplando emissão e recepção (pontos de partida e de

35 Para uma explicação detalhada e crítica do esquema de Shannon, ver Fiske (1993).

27

chegada), como uma maneira de superar a possibilidade da recepção ser casual (com

grande variabilidade).

O autor está propondo um debate sobre o processo de comunicação, propondo discutir

os pontos de partida e de chegada da mensagem, envolvendo técnicos de comunicação e

cientistas sociais, junto com receptores, suponho eu que para “capacitá-los” a fazer uma

leitura mais direcionada desta mensagem, uma leitura precedida de mais conhecimento

técnico e provavelmente mais de acordo com o debate acadêmico36, de modo a se construir

certamente uma interpretação crítica da mensagem, mas uma crítica dentro de certos

parâmetros, não qualquer crítica.

Chamo a atenção aqui para a afirmação de um estudioso da comunicação, do campo que

exige democracia dos meios, e no qual também busco me situar, afirmação que ele faz “en

passant”, sem destaca-la como central. Mas deixa escapar nas entrelinhas, me parece, uma

pista sobre um imaginário de “educar o outro”. Não me parece casual, ainda que talvez não

intencional, e não vejo muita diferença com o que as pessoas pesquisadas estão propondo:

também elas querem “educar” receptores que consideram despreparados. Ainda que

supondo uma leitura homogênea da mensagem realizada pelo “outro”, diferenciando-se

nisso da abordagem de Eco, também os pesquisados querem corrigi-la e aproximá-la de

outros parâmetros de leitura.

Mas “controlar as variabilidades na interpretação da mensagem” não equivaleria a um

desrespeito às diferenças? Não estaria aí embutida uma crença em um saber autorizado, que

ensina a outros uma interpretação única, unânime, ou se quisermos, uma só leitura

considerada legítima? Esta é uma questão central na reflexão: até que ponto podemos

36 É o que depreendo de sua análise e das categorias por ele propostas para entender as diferentes leituras dos leitores-receptores.

28

ensinar um tipo de leitura dos meios ao receptor? Porque não aceitar que podem haver

múltiplas leituras de um mesmo texto? Por que considerar que há uma leitura correta e

outra ingênua? O leitor que Eco chama de ingênuo não está criando um outro significado

para o texto, diferente daquele pretendido pelo autor? Qual o sentido “melhor” ou “mais

exato” do texto - aquele atribuído pelo autor ou pelo leitor? Faz sentido considerar que há

um sentido “mais exato” ou “melhor”, no mundo dos significados?

Os grupos que pesquisam sobre este tema têm se preocupado extremamente com o

controle dos meios; posição também manifestada pelo grupo de pesquisados que resulta na

análise aqui proposta. Então, neste trabalho, não estou falando apenas de um grupo de Ijuí,

estou falando de valores que extrapolam aquele grupo, estão muito presentes também no

meio acadêmico – as diversas propostas pedagógicas, inclusive de Umberto Eco, de

“controlar” a diversidade de interpretações, se colocam fortemente no debate.

No Brasil, num contexto em que desde o surgimento dos meios de comunicação, eles

estiveram muito controlados pelo Estado, a discussão sempre se deu dentro desse

paradigma de “educar” o receptor. A proposta de Paulo Freire de “educar para libertar”

podia ser considerada “revolucionária”, pois propunha conhecer as categorias utilizadas

pelos educandos dentro de seu modo de vida e, após conhecê-las, propunha então construir

um diálogo, uma troca, entre educador e educando. Neste processo, ambos aprendiam, e

chegavam a um novo tipo de conhecimento.

A enorme aceitação (e sacralização) da obra de Paulo Freire (portanto, as

reinterpretações e reapropriações de sua obra) parece ter sido transposta hoje para a

discussão sobre os meios de comunicação, sem, no entanto, ser precedida desse “conhecer a

interpretação do outro”. Parece que permanece a disposição de “ensinar”, mas sem

valorizar as releituras, as diferentes intepretações, que vão talvez num sentido contrário ao

29

“conhecimento científico e técnico”, o qual parece ser considerado superior a priori,

mesmo com todos os questionamentos sobre seus limites.

Podemos perceber na sociedade atual a existência de uma grande fala contemporânea

sobre televisão, que a transforma numa vilã, responsável (de modo etéreo e sem sujeitos

concretos que lhe correspondam) pelos problemas sociais, dos quais seus críticos parecem

desejar se isentar. O grupo de pessoas pesquisadas pode ser considerado um grupo de

“especialistas em TV”: são pessoas que, a partir da grande experiência de ver todo tipo de

programação televisiva, adquiriram uma familiaridade com a linguagem e com as técnicas

que os leva a formular críticas sofisticadas à produção. Não basta considerá-los

“receptores” da mensagem televisiva, pois revelam uma posição crítica que ultrapassa esse

lugar e invade o mundo privado e público.

O que nos diz esta meta-narrativa, que está presente nas falas de pessoas pertencentes a

grupos de camadas médias, e muitas vezes na própria fala acadêmica, sobre nossa

sociedade? É uma fala que contém um significado extremamente negativo sobre a

televisão, a qual aparece como a grande vilã na era da comunicação e da globalização, mas

que contém em seu interior uma outra: a de que o verdadeiro “vilão” é aquele que não

percebe as intenções da TV de enganar. Este outro sobre o qual se supõe conhecer até a

preferência, a posição política, a ética e a estética (muitas vezes com base no que diz a

própria TV sobre ele), é que seria o grande vilão oculto.

Com isto, percebe-se que não basta reconhecer que o sujeito é capaz de realizar

releituras, pois se de um lado pode haver até um reconhecimento de diversidade cultural, de

múltiplas culturas moldando leituras múltiplas sobre a mensagem da televisão, por outro

lado interpela-se a TV de modo homogêneo, exigindo que mostre a verdade, a ética e a

estética, a política, e a educação nos moldes da própria cultura do interpelador. Reconhecer

30

que o Outro pode realizar releituras e reinterpretações da mensagem tem sido o forte dos

estudos de recepção. Mas o segundo passo tem sido negado sistematicamente no processo

social e extrapola os estudos de recepção: há uma desqualificação constante dessas outras

leituras, uma negação da capacidade do outro de realizar a leitura adequada, de preencher

as lacunas, de elaborar abstrações. Repõe-se, portanto, a incapacidade do receptor, em outro

nível de análise, não aparente, que lhe retira o estatuto de sujeito que lhe era doado37.

Precisamos repensar alguns pressupostos, e nesse repensar, perceber que a proposta de

democratização dos meios ou de qualificar o receptor quanto à produção (como propõe, por

exemplo, a comunicação comunitária38), não é incompatível com o reconhecimento de que

certa crítica aos meios traz subjacente um equívoco de exigir leitura homogênea e

acadêmica desses mesmos meios. Esse reconhecimento não significa abrir mão da crítica ao

poderio dos meios, aos abusos econômicos, aos acordos espúrios, à exigência de ética e

transparência. O reconhecimento de que existe um receptor crítico não significa inocentar

o produtor quanto às suas intenções de lucro ou tentativas de distorção nas informações;

significa reconhecer que o receptor pode percebê-las.

Instigada por estas questões, lembro autores como Simmel e a sua noção do indivíduo

metropolitano como aquele que possui a atitude blasé; Benjamin referindo-se ao flaneur de

Baudelaire, como aquele que flui e frui no espaço urbano e outros, como De Certeau, que já

ressaltaram a fragmentação metropolitana, a impossibilidade de apreender a totalidade

37 Parece-me que um dos dilemas enfrentados pelos estudos de recepção está relacionado justamente com o temor de, ao propor que o sujeito receptor realiza múltiplas interpretações, cair numa defesa liberal da cultura de massa. Cf. discute Lopes (1998:114). O que estou tentando propor aqui é que não precisamos abandonar a idéia de diversidade para sair dos impasses nessa perspectiva de discussão. O que talvez precisemos é repensar nossos pressupostos sobre as relações de poder, nossas concepções sobre cultura, e as relações entre saber erudito e saber popular. 38 Os estudiosos da comunicação comunitária estão propondo que o receptor se transforme em produtor, numa perspectiva de valorização, para que tenha “acesso à comunicação”, como forma de ampliar seus direitos de cidadania Cf. Peruzzo (2002), uma proposta que busca oportunizar inclusão social.

31

desse universo, tanto para o homem mergulhado em seu cotidiano como para o analista e

que propõem o estudo dos traçados urbanos como uma das possibilidades de se entender ou

reconstituir trajetórias nesse espaço complexo.

Está faltando uma teoria que aplique a mesma lógica e tenha a mesma postura diante da

complexidade do mundo da comunicação de massa. Até agora, a maioria dos estudiosos

dos fenômenos da comunicação estiveram preocupados com o controle destes sobre a

sociedade ou como a sociedade pode controlá-los. Não se tomou ainda o fenômeno do

ponto de vista da diversidade, da variabilidade e da complexidade, para além da perspectiva

do controle. Para mim, esta complexidade é da mesma ordem da explosão urbana: as

megalópoles também possuem grupos econômicos poderosos tentando controlar o espaço

urbano, esquadrinhá-lo, definir traçados, da mesma forma que os poderosos grupos

econômicos que controlam as empresas de comunicação.

Vivemos numa época classificada por alguns autores como a “Era da Comunicação”, um

período em que não só a comunicação é considerada por muitos um poder à parte, além do

político e do econômico, mas também um período em que a informação e o conhecimento

são extremamente valorizados; um período em que, além disso, o volume de informações

que circulam é impossível de ser apreendido na totalidade. Num período como este, as

pretensões de democratização dos meios de comunicação de massa, tanto da propriedade

dos mesmos, como a elaboração das mensagens, são tratados ainda dentro dos ideais

iluministas de libertação. Não há o reconhecimento - que, acredito, se faz necessário - de

que o desenvolvimento das comunicações de massa atingiu um nível em que o controle

total, seja da mensagem, seja do receptor, seja do processo, é impossível. A impossibilidade

do controle, ao invés de nos angustiar, deveria, como ao flaneur, nos libertar.

32

Abandonar a perspectiva do controle e aceitar a possibilidade de múltiplas interpretações

críticas da mensagem é um duplo movimento que a teoria da recepção não poderia realizar.

Propôs um estatuto de sujeito para o receptor, mas esbarrou nas reinterpretações sociais que

por sua vez se fizeram dela: foi interpretada pelos estudiosos de fora do campo como não

contemplando suficientemente as relações de poder39 nas quais o receptor está mergulhado.

Os estudos de recepção tentam propor um debate num mar de idéias em que predominam as

visões sobre a superioridade de certos saberes e de certos tipos de cognição; a barreira que

enfrentam é epistemológica. Esbarram numa concepção social nem sempre explícita, que

permeia os vários campos de estudo, relacionados ou não à comunicação, e está presente

em nosso cotidiano, de que a ciência é a melhor e mais legítima explicação de mundo. É

esta concepção de fundo que impede o reconhecimento de que um receptor que não tenha

saber erudito, não possua poder político e não tenha poder aquisitivo seja considerado

sujeito crítico. Aliada a esta concepção, há outra: a de que os meios são bem mais

poderosos na manutenção do sistema. Novamente reposta a dicotomia entre as práticas

cotidianas e o sistema cultural imutável40, ou o “sistema social objetivo”.

Existe uma grande fala alarmante sobre TV hoje devido a esta compreensão de que este

poder não é percebido por outras pessoas. Negar o poder da televisão sobre si, negar que vê

muita TV e lhe dá importância, supor que a TV tem um poder maléfico sobre outros, tem

sido o estilo com que a TV tem sido tratada por pessoas de camadas médias e também por

39 Dentro do campo os estudiosos estão sempre discutindo as relações de poder nas quais o receptor está envolvido, como é visível nos estudos de Lopes (1998), Fischer (1997), além de Martín-Barbero (1997). De fora do campo, no entanto, supõe-se que subestimam essas relações, por proporem considerar o receptor como sujeito. Como já salientei, penso que a saída não é abandonar a consideração de que existem múltiplas leituras, mesmo quando queremos contemplar as relações de poder. E para isso, também não precisamos adotar uma perspectiva liberal em relação à cultura de massas. 40 Sobre os conceitos de “prática” e “experiência” e suas relações com o sistema cultural, ver Ortner (1984), em seu artigo: “Theory in Anthropology since the Sixties”.

33

muitos intelectuais41. Talvez alguns reconhecimentos, por exemplo, que todos vêem muita

TV hoje e que são pessoas que lhe atribuem a grande importância de que desfruta,

contribuam para trazer questões novas ao debate.

CONCLUSÔES

Neste artigo, foi realizada uma reflexão sobre a crítica à televisão42 elaborada por um

grupo de pessoas de camadas médias, procurando relacioná-la com as abordagens teóricas

dos estudos de recepção e outras teorias com as quais estes dialogam. Pode-se notar que a

perspectiva adotada aqui inclui-se no campo da crítica à televisão, mas foi construída

tentando olhar não só para a televisão ou seu receptor, ou o contexto onde eles estão

mergulhados. Foi uma tentativa de construir uma reflexão sobre a crítica à televisão

construída socialmente, buscando conexões explicativas que permitissem considerar as

concepções dos pesquisados não como peculiares a um grupo social, mas no que

apresentavam em comum com outros grupos, inclusive a visão sobre o sistema social.

No momento de ver TV, os pesquisados constroem uma imagem de si – uma imagem de

valorização da cultura letrada, do domínio de diferentes línguas e o gosto pelas viagens; e

constroem imagens do outro – que não tem condições de entender e criticar a mensagem

televisiva, não tem poder e fica à mercê do poder televisivo.

Esse posicionamento levou-me a repensar diversas abordagens adotadas por estudiosos

da comunicação de massas, as mudanças de perspectivas que levaram à emergência dos

estudos de recepção nos anos 1980, e os dilemas e limites que enfrentam estes estudos, que

41 A respeito dos debates intelectuais sobre cultura, ver cap. 6 da tese citada. 42 Estou considerando o termo crítica em seus significados tanto negativos quanto positivos, e no caso desta pesquisa, como “crítica especializada”, emitida por quem vê TV de determinada maneira ( num estilo de negar a prática de vê-la e também com outros estilos) e vê a TV , destacando seu significado social e cultural.

34

acabam sendo reinterpretados e não conseguem evitar a reposição, num outro nível de

análise, dos mesmo pressupostos que desejam problematizar.

A elite também aparece em vários momentos na crítica dos entrevistados: governar com

base em interesses pessoais, corrupção, excessiva maleabilidade, pouca disciplina, nenhum

respeito as leis ou nenhuma coerência, são comportamentos considerados próprios das

elites e expressos também na TV e na crítica a ela. Parece que o horário do noticiário é o

horário da expressão das elites e o horário das novelas é expressão de uma vulgaridade

cultural. Comprimidos entre esses dois contextos culturais, os pesquisados se rebelam e

lançam suas críticas: à elite, sem identificar-se com ela e sem considerarem-se responsáveis

pela elaboração de políticas sociais; e aos grupos populares, pelo “rebaixamento” da

cultura, com sua preferência ruidosa e nada erudita. Talvez por considerarem que a elite

seria a principal responsável pela reprodução do sistema social (considerado imutável ou

quase) os pesquisados preferem concentrar suas críticas a um suposto gosto popular e uma

“falta de cultura” dos grupos populares, esta sim vista como passível de mudança, numa

noção muito próxima à de “civilizar”.

A discussão sobre cultura brasileira deu muitas voltas em nossa história, mas manteve

um fundo comum: uma certa noção de inautenticidade, seja da cultura, seja da identidade

do brasileiro, seja do “nacional”, esteve sempre presente, na discussão de vários grupos de

intelectuais e também em outros circuitos43. A noção de inautenticidade da cultura popular

foi recorrente desde os anos 1960, ainda que nos períodos anteriores essa noção fosse

aplicada à cultura dos grupos dominantes ou de elite. Suponho que houve uma inversão

43 Alguns autores que discutem densamente sobre cultura brasileira, papel dos intelectuais e identidade nacional, e que tomei como referência fundamental para construir esta periodização, foram: Ortiz (1985,1988), Oliven (1986), Pereira de Queiroz (1980), entre outros.

35

simbólica desse período em diante, pois foi apenas nos anos 60 que pela primeira vez a

cultura dos grupos populares foi também considerada inautêntica44.

Esta inversão simbólica é realizada quando, a partir de uma suposição de inexistência

(ilegitimidade ou inautenticidade) de uma “cultura popular”, segue-se um corolário de que

não há “solução” para o Brasil, enquanto sua população for “atrasada”; portanto estende-se

a suposição de inautenticidade cultural a toda identidade brasileira45.

Este imaginário aparece quando elaboramos nossas críticas aos meios de comunicação

de massa, mas sobretudo à televisão, e pretendemos lutar por sua democratização. Uma luta

justa, pois como vimos também, no Brasil os meios de comunicação, desde o seu início,

foram sempre muito tutelados pelo Estado e pela iniciativa privada, que se utilizaram deles

para seus projetos políticos e econômicos, quase sempre ocultando informações. No

entanto, este contexto mudou, e agora o que impera nos meios de comunicação de massa é

uma relativa diversidade e fragmentação, além da segmentação de públicos, e um propósito

sempre presente de obter lucros. As empresas de comunicação hoje não são “fiéis” a

nenhum governo e/ou Estado (mas parecem bastante fiéis ainda a uma estrutura social

capitalista), nem conseguem esconder por muito tempo seus vínculos com este ou aquele

grupo no poder.

O mundo das comunicações se complexificou: podemos perceber que muitas das críticas

à televisão, no entanto, se dão nas mesmas bases que nas décadas anteriores. Suponho que

44 Quem originalmente apontou esta consideração de inautenticidade da cultura popular foi Pereira de Queiroz (1980). Tento relacioná-la aqui com a noção de inautenticidade surgida na crítica à televisão. 45 Note-se que não estou aqui, por minha vez, supondo que exista uma “cultura popular” autêntica ou inautêntica, ou uma cultura de elite idem; o que estou tentando demonstrar é que os termos e valores subjacentes ao debate são estes.

36

há um conteúdo de “esquerda”, de contestação política na crítica à televisão hoje, sem

corresponder necessariamente a uma posição política e a uma prática de esquerda.

A “crítica à televisão” aqui analisada refere-se ora à falta de cultura da população para

entendê-la, ora ao ocultamento de informações, à aliança nem sempre revelada ou

identificável com grupos do poder, ou ainda ao estímulo excessivo ao consumo. É uma

crítica cultural (certos grupos não possuem cultura, os problemas da sociedade brasileira

devem-se à falta de cultura e ao perigo que a TV representa neste contexto), uma crítica

política (há muito ocultamento de informações, candidatos favorecidos, a população não

percebe que a TV manipula) e uma crítica social (crítica ao consumo excessivo, que

poderia ser uma crítica à sociedade de consumo, mas localiza-se na televisão).

Na crítica cultural, já tentei demonstrar que surge uma inversão simbólica: o problema

parece não ser tanto à falta de cultura na televisão, mas sobretudo uma suposta falta de

cultura da população para entender sua mensagem. Na crítica política emerge uma

concepção de que a TV ainda é um aparelho ideológico do Estado – mas nesse caso

também o seriam as escolas e as universidades e todas as instituições capitalistas e teríamos

de reconhecer mais eficácia ainda naquelas onde a interação social é mais direta,

envolvendo “confiança”46, sentimento de que os meios em geral, e a televisão em especial,

não desfrutam. Na crítica social há uma combinação das críticas anteriores, e ela parece

dirigir-se ao capitalismo, pois a intenção de ampliar vendas e elevar o consumo como

forma de obter sempre mais lucro é a razão de ser de todas empresas capitalistas.

46 Agradeço a Dejalma Cremonese e Amir Limana o debate sobre o conceito de “capital social”, o qual tem como um dos ingredientes fundamentais a “confiança” para poder se acumular. Ver, por exemplo, Putnam, Robert – La tradizione civica nelle regioni italiani. Milano: Mondato, 1993. E também, do mesmo autor, Comunidade e Democracia, a experiência da Itália Moderna. RJ: FGV, 1996.

37

A crítica à televisão, nesses termos, não está servindo para caminharmos rumo à

democratização dos meios: quando a crítica é cultural, a desvalorização da cultura popular e

da identidade brasileira está imbricada; quando a crítica é política, não apresenta saídas;

quando a crítica é social, poderia se dirigir a toda sociedade capitalista, mas se concentra

só na televisão.

Como é uma crítica que (segundo uma das hipóteses explicativas que arrisco) parece se

colocar no “campo da esquerda”, eu poderia dizer que ela é uma crítica à sociedade

capitalista, mas uma crítica que, após a queda do muro de Berlim, após a União Soviética

retornar a ser Rússia, não encontra um objetivo, não propõe uma alternativa. Que outra

sociedade essa crítica propõe? Sem a utopia que dava sentido à critica da sociedade, a

crítica à televisão cai no vazio. Todos a repetem e ninguém lhe dá ouvidos. Todos olham

TV. Olham e julgam que, se não disserem que olham, ou se disserem que não olham,

estarão mais livres para criticá-la. Quando a crítica flui livremente, revela uma prática

constante e especializada de ver TV.

Como no tempo das navegações, as idéias de crítica à TV viajaram dos anos 60 até hoje

quase com a mesma bagagem. Nosso imaginário está prenhe de concepções que circularam

dentro e fora do Brasil nesse período. Quando digo “nosso imaginário”, estou

generalizando um pouco, mas creio que a construção deste trabalho - que partiu de estudos

de etnografia de audiência da televisão com algumas pessoas de camadas médias, e

resgatou uma discussão sobre cultura brasileira de modo a demonstrar certas conexões entre

idéias e práticas em torno da televisão, da cultura, das relações sociais, compartilhadas por

intelectuais e pelas pessoas entrevistadas - demonstrou que é um imaginário que não está

restrito a um grupo de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul.

38

As concepções acerca da televisão explicitadas pelos pesquisados também estão entre

estudantes universitários, entre jornalistas, entre professores do ensino médio e

fundamental, entre cineastas e artistas, entre militantes de diversos partidos políticos, entre

religiosos de vários matizes, no campo e na cidade, nas metrópoles e no interior, estão

também nas letras de música e nos filmes. Não encontrei, nesses vários períodos de

pesquisa, alguém que não fizesse uma crítica à televisão ou que não a assistisse nunca.

Sinto-me autorizada a generalizar pelo menos o tipo de crítica à televisão. Talvez minhas

tentativas de explicação dos significados dessa crítica é que não possam ser tão

generalizadas, pois estão marcadas pela escolha tanto de um certo recorte teórico como

empírico, mas espero que sirvam pelo menos para elaborarmos novas hipóteses no campo

dos estudos de comunicação de massa, e para refletirmos sobre a possibilidade de

elaboração de uma outra crítica à televisão hoje.

Uma das hipótese que arrisco é que precisamos abandonar o termo mídia. Venho

propositadamente falando em meios de comunicação de massas e televisão, procurei não

utilizar o termo “mídia”. É que percebi nos debates sobre a pesquisa47, que quando nos

referimos à mídia em geral, a comunicação de massas fica avassaladora, não há um sujeito

concreto que lhe corresponda. Parece um grande fantasma, distante de nós, sem a agência

humana. Poderia dizer que parece nosso Frankenstein moderno, mas mesmo este tem o

reconhecimento de ter sido criação humana, ainda que com resultados inesperados. Assim

sem sujeito, o termo “mídia” revela a reificação que fazemos a respeito dos meios de

comunicação de massa hoje. Se desejamos lutar por democracia dos meios, precisamos de

um sujeito a interpelar. Se exigimos ética e transparência nas informações e posições

47 Especialmente a partir dos Seminários de Teoria Antropológica II, do PPGAS/UFSC, coordenado pelos professores Oscar Calavia Saez e Raphael Bastos, a quem agradeço, bem como a todos os colegas com quem pude debater o tema.

39

defendidas, podemos nos dirigir ao jornalista, ao publicitário, ao cineasta, ao escritor da

telenovela, enfim, a um produtor concreto, podemos criticar seu texto, seu filme, sua

novela, discordar dele politicamente, exigir que revele fontes, etc. Mas se criticamos a

mídia em geral, a quem vamos nos dirigir?

Outra hipótese que arrisco é que podemos parar de dar tanta importância à televisão.

Através da diminuição dessa crítica constante, não estaremos certamente diminuindo o

poder da televisão, mas pelo menos não o estaremos alimentando, como hoje. Empregamos

um tempo, uma energia, uma emoção, e vários tipos de cognição para criticá-la de um

mesmo modo há tanto tempo, que esta mesma crítica acaba lhe conferindo ainda maior

visibilidade, acaba aumentando seu poder e tolhendo nossa criatividade, fazendo-nos entrar

no mesmo campo de massificação que criticamos.

Outra hipótese é que esta crítica à TV tem servido para alimentar certos pressupostos,

que estão no campo epistemológico e são bastante problemáticos. Alimenta-se, com esse

discurso, uma crença num saber isento e neutro, quando exige-se isso das emissoras (em

geral não do indivíduo, a exigência dirige-se à TV como um todo); alimenta-se uma crença

sobre a possibilidade do conhecimento (científico sobretudo) apreender a “verdadeira”

realidade e com isso são afastadas as possibilidades de valorização dos recortes, das

reinterpretações. Quando se percebe isto? Em vários momentos, como aqueles em que se

exige do texto a “verdade dos fatos” quando poderia ser exigida uma “interpretação

autoral” dos fatos48 (de preferência mais de uma sobre o mesmo fato); ou quando se exige

do texto da novela que combine com os valores de determinado grupo; quando a novela é

tomada como um produto com “intenções ocultas”, enquanto poderia ser tomada como

48 Exigência esta que certamente já vem sendo colocada por muitos estudiosos, no entanto talvez muitos deles se colocando no mesmo campo das concepções analisadas aqui, que embasam o tipo de crítica à televisão que estou tentando colocar em perspectiva.

40

narrativa construída por uma equipe e poderiam ser criadas maneiras de interação crítica

com estes produtores. Quando se supõe que as montagens, edições, mensagens

subliminares, estão imperceptíveis para os grupos populares – mas os programas

popularescos estão no universo televisivo há algum tempo, revelando os bastidores da

programação com mais ou menos humor (refiro-me a programas como Ratinho, Gugu, e

outros, como Big Brother, etc). Há um certo domínio público do código televisivo, que, no

entanto, está sendo negado por essa crítica, construída com base na valorização de outro

tipo de cognição.

Outra hipótese que arrisco é que a negação de ver TV poderia ser revista. Há uma crítica

que condena por sua vez não só o conteúdo televisivo, mas especialmente a prática de ver

televisão. A TV é onipresente na vida diária das sociedades contemporâneas. No entanto,

ver TV não é uma prática admitida ou aceita. Na medida em que a negação persiste, nega-

se também a possibilidade de lhe fazer uma crítica detalhada e aberta. Esta negação de que

vemos TV tem conexões com outros pressupostos: um imaginário que opõe “tempo livre” e

“tempo perdido”, como mostraram os dados da pesquisa realizada. Parece que a TV ocupa

um tempo perdido, quando poderia ser considerada dentro do tempo livre, como escolha,

sem necessidade de abrir mão da crítica. Socialmente não é considerada legítima a prática

de ver televisão, mesmo que a telenovela seja um sucesso inquestionável há mais de vinte

anos no Brasil. Parece haver uma “culpa” coletiva sobre a prática de assistir TV, que

considera o receptor indefeso, submetido a uma vilã perversa.

Esta crítica contestatória à televisão e à prática de vê-la poderia se traduzir em uma

prática contestando a sociedade (para quem o desejasse), mas ela permanece como um

discurso de contestação à TV, não à sociedade e nem precisando se traduzir em prática.

Através da crítica à TV, garante-se um posicionamento progressista, sem necessidade de

41

um exercício de cidadania que significasse sair de casa ou sair de frente da TV, ou parar de

falar nela.

As hipóteses aqui levantadas pretendem contribuir para uma outra crítica à TV hoje, e

esta outra elaboração, certamente deverá envolver não só estudos transdisciplinares, mas

também uma profunda reflexão no campo da teoria do conhecimento, sobre os pressupostos

epistemológicos contidos tanto na construção das mensagens e imagens, e em sua recepção,

em contextos culturais específicos, quanto em sua análise.

Há um alvo na sociedade atual, que garante a quem lhe dirige dardos, estar contra o

sistema e fazer parte de uma comunidade de sentido: esse alvo é a televisão. A comunidade

de sentido na qual se ingressa quando se emite certo tipo de crítica à televisão parece

definir um novo tipo de pertencimento, mais fluido, e ao mesmo tempo representa uma

garantia de pelo menos algum acordo em torno da análise dos problemas sociais

contemporâneos. E aqui finalmente vislumbro um grande sentido positivo, que articula toda

a análise proposta sobre a crítica à TV: talvez não seja em torno da TV que as pessoas se

reúnem hoje, e sim um certo modo de ver a TV é que parece servir de união, e pode estar

servindo para alimentar um outro imaginário: a busca da possibilidade de ainda construir

algum consenso na sociedade contemporânea.

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Autora: Nara Maria Emanuelli Magalhães

Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ

Professora Adjunta Departamento de Ciências Sociais

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