rádio difusão televisiva
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ERICSON MEISTER SCORSIM
ESTATUTO DOS SERVIÇOS DE TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em Direito do Estado, sob a orientação da Professora Doutora Odete Medauar
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
São Paulo
2007
ERICSON MEISTER SCORSIM
ESTATUTO DOS SERVIÇOS DE TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
São Paulo
2007
TERMO DE APROVAÇÃO
ERICSON MEISTER SCORSIM
ESTATUTO DOS SERVIÇOS DE TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO
Tese aprovada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Direito do
Estado, ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, pela comissão formada pelos professores:
Orientadora: ________________________________________
Professora Dra. Odete Medauar Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP
_________________________________________
Professor Dr. Romeu Felipe Bacellar Filho
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná - UFPR
_________________________________________
Professor Dr. Marcos Jordão Teixeira do Amaral Filho
FAAP
___________________________________________
Professor Dr. Carlos Alberto Dabus Maluf
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP
_____________________________________________
Professora Dra. Nina Ranieri
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP
AGRADECIMENTOS
O trabalho não teria sido iniciado e terminado sem a orientação da Professora Dra.
Odete Medauar. Devo-lhe a gratidão pela acolhida na prestigiada Faculdade de Direito da
USP, no histórico Largo São Francisco, e, também, pelas suas valiosas e imprescindíveis
lições.
Minha homenagem aos professores Doutores Virgílio Afonso da Silva e Nina
Beatriz Ranieri pelas importantes críticas ao projeto acadêmico quando do exame de
qualificação da tese de doutorado.
E, também, fica minha gratidão aos professores que participaram de banca de
doutorado que tanto contribuíram para a reflexão, a discussão e o aperfeiçoamento do
presente trabalho: Romeu Felipe Bacellar Filho, Marcos Jordão Teixeira do Amaral Filho,
Carlos Alberto Dabus Maluf e Nina Beatriz Stocco Ranieri.
Agradeço à professora Antônia Schwinden quanto à revisão do texto.
Ao colega advogado Frederico Glitz meu agradecimento pela leitura paciente e as
relevantes sugestões quanto à correção da redação final. Ao acadêmico de Direito Juliano
Scarpetta minha gratidão pela colaboração na fase de pesquisa do material bibliográfico.
Agradeço especialmente aos colegas de escritório Eduardo Teicofski, Katherine
Schreiner e Andrea Melo, por terem assumido minhas tarefas durante minha ausência.
Dedico esta tese à Cleide Kazmierski, que comigo compartilhou minhas
preocupações, leitora atenta e crítica do texto e, acima de tudo, quem me trouxe harmonia e
felicidade nos momentos mais difíceis dessa trajetória.
RESUMO
SCORSIM, Ericson Meister. Estatuto dos Serviços de Televisão por Radiodifusão. 2007. 337, p. Tese (Doutorado em Direito do Estado) – Universidade de São Paulo.
A tese analisa a aplicação da noção de serviço público ao serviço de televisão
por radiodifusão no direito brasileiro, verificando seus fundamentos teóricos e suas hipóteses de aplicação. O modelo regulatório da televisão por radiodifusão está contemplado na Lei nº. 4.117/62, um diploma normativo defasado em termos de tecnologia e em desconformidade com a Constituição Federal de 1988. Esta adotou o princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência tradicionais entendem que o serviço público de televisão por radiodifusão é uma espécie de serviço privativo do Estado. O núcleo do trabalho consiste na demonstração da viabilidade da utilização da noção de serviço público em relação aos serviços de televisão por radiodifusão. Contudo, a generalização da aplicação da matriz clássica de serviço público é obstada pelo princípio constitucional da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal, o qual exige uma releitura da concepção tradicional focada na reserva da estatalidade dos serviços de radiodifusão. A proposta é a de utilizar a categoria serviço público privativo do Estado para os serviços de televisão no sistema de radiodifusão estatal. Por sua vez, defende-se que os serviços públicos não privativos devem estar relacionados ao sistema de radiodifusão público, particularmente, as televisões educativas. Já no caso das televisões comunitárias não há propriamente a execução de um serviço público, mas sim o exercício de direitos fundamentais à liberdade de expressão, à informação e à comunicação social pelos cidadãos brasileiros. Ainda, considera-se que os serviços de televisão no sistema de radiodifusão privado devem ser enquadrados como atividades econômicas em sentido estrito, razão pela qual incide o regime privado, com a adoção da autorização administrativa, superando-se a fórmula da concessão. Por essa razão, torna-se imprescindível o exercício da competência regulatória sobre os serviços de televisão por radiodifusão, mediante a atribuição de poderes de outorga e fiscalização à ANATEL, transformando-a em uma verdadeira agência reguladora dos serviços de comunicações, independentemente da plataforma tecnológica utilizada, alterando-se, conseqüentemente, a Constituição e a legislação aplicável à espécie.
Palavras-chave: Serviço Público; Serviço de Televisão por Radiodifusão; Princípio da Complementaridade dos Sistemas de Radiodifusão Privado, Público e Estatal; Serviço Público Privativo do Estado; Serviço Público Não-Privativo; Atividade Econômica em Sentido Estrito; Televisões Comerciais; Televisões Educativas; Televisões Comunitárias; Televisão Digital; Serviços de Telecomunicações; Regime Jurídico Público e Privado; Concessão de Serviço Público; Autorização Administrativa; Meios de Comunicação Social Eletrônica; Agência Reguladora
ABSTRAT
SCORSIM, Ericson Meister. Statute of Television Services by Radio Broadcasting. 2007.
337, p. Thesis (Doctorate in State Right) – University of São Paulo.
The thesis analyzes the adoption of the public service notion to television radiobroadcast within the Brazilian Law, verifying its fundamental theory and application hypothesis. The regulatory model of television by radiobroadcast is contemplated in the Law nº. 4.117/62, an out of date reference decree in terms of technology and non-conformance with the Federal Constitution of 1988. It adopted the complementary principle for private, public and state radiobroadcasting systems. The doctrine, as well as the traditional jurisprudence, understands that public television by radio broadcast is a type of exclusive service of the state. The nucleus of this work consists of demonstrating the feasibility of the utilization of the public service notion in relation to television broadcasting services. Nevertheless, the generalization of applying the classical matrix of public service is obstructed by the constitutional principle of complementary private, public and state radiobroadcast systems, of which requires a re-reading of the traditional concept that is focused on maintaining the State reserve of radiobroadcasting services. The proposal is to utilize the private public service category of the State for the television services in the state radio broadcasting system. In turn, one defends that the non-private public service should be related to the public radio broadcast system, particularly, educational television. In the case of community television it is not intrinsically an act of public service, but of an exercise of the fundamental rights to freedom of expression, to information and to social communication by the Brazilian citizens. Still, considering that the television services in the private radio broadcasting system should be considered as an economic activity in a strict sense, reason by which it is included in the private regime, with the adoption of administrative authorization, it surpasses the formula of a concession. For this reason, it became indispensable to enact regulatory practices on the television systems by radio broadcasting, by means of powers to grant and control, given to ANATEL, transforming itself into a true communication service regulatory agency, independent of the technology platform utilized, altering, consequently, the Constitution and the applicable legislation.
Key words: Public Service; Television Service by Radio Broadcast; Complementary Principle of Private, Public and State Radio Broadcast Systems; Private Public Service of the State; Non-Private Public Service; Economic Activity in Strict Sense; Commercial Television; Educational Television; Community Television; Digital Television; Telecommunication Services; Public and Private Legal Regime; Concession of Public Service; Administrative Authorization; Means of Electronic Social Communication; Regulatory Agency.
RÉSUMÉ
SCORSIM, Ericson Meister. Statut des Services de Télévision par voie
hertzienne terrestre. 2007. 337, p.Thèse (Doctorat en Droit de l’État ) – Université de São
Paulo. La thèse analyse l’adoption de la notion du service public au service de la
télévision par voie hertzienne terrestre dans le droit brésilien,vérificant ses fondements théoriques et ses hypothèses d’application.Le modèle de la télévision par voie hertzienne terrestre est contemplé dans da Loi n . 4.117/62, un diplôme normatif dépassé en termes de technologie et en discordance avec la Constitution Fédérale de 1988. Celle-ci a adopté le principe de la complémentarité des systèmes de radiodiffusion privé, public e de l’ État. Autant la doctrine que la jurisprudence traditionnelles entendent que le service public de la télévision par radiodiffusion est une sorte de service privatif de l’État. Le centre (noyau) de travail consiste à démontrer la viabilité de l’utilisation de la notion du service public concernant les services de la télévision par radiodiffusion.Cependant la généralisation de l´application de la matrice classique du service public est contrariée par le principe constitutionnel de la complémentarité des systèmes de radiodiffusion privé, public et de l’État, lequel exige une relecture de la conception traditionnelle directionnée dans la réserve relative à l’ État. La proposition est d’utiliser la catégorie service public privatif de l’État pour les services de télévision dans le système de radiodiffusion de l’État. Cependant ,on défend les services publics non privatifs pour qu’ils soient mis en relation avec le système de radiodiffusion public, particulièrement, les télévisions éducatives. Dans le cas des télévisions à vocacion locale, il n’y a pas réellement l’éxécution d’un service public, mais ao contraire, il existe l’exercise de droits fondamentaux à la liberté d’expression, à l’ information et à la communication sociale pour les citoyens brésiliens.On considère également que les services de télévision dans le système de radiodiffusion privé doivent être considérés comme activités économiques en sens restreint, en raison de laquelle survient le régime privé, avec l’adoption de l’autorisation administrative, surpassant la formule de la concession.Pour cette raison, l’exercise de la compétence de régulation devient indispensable sur les services de la télévision par radiodiffusion, au moyen de l’attribution des pouvoirs de octroi et fiscalisation à ANATEL, la transformant en une véritable agence de régulation de la plateforme technologique utilisée, en altérant, conséquemment, la Constitution et la législation applicable à l’espèce. Mots-clé : Service Public; Service de Télévision par Radiodiffusion; Principe de la Complémentarité des Systèmes de Radiodiffusion Privé,Public et de l’État; Service Public Privatif de l’État; Service Public Non-Privatif; Activité Économique en Sens Restreint; Télévisions Commerciales; Télévisions Éducatives; Télévisions à Vocacion Locale; Télévision Numérique; Services de Télécommunications; Régime Juridique Public et Privé; Concession du Service Public; Autorisation Administrative; Moyens de Communication Social Életronique; Agence de Régulatrice.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................. 15
CAPÍTULO I
CONCEITO DE TELEVISÃO ............................................................................... 20
1 TELECOMUNICAÇÕES: A TELEVISÃO COMO UMA DE SUAS
FORMAS .................................................................................................................. 20
1.1 EVOLUÇÃO DAS TELECOMUNICAÇÕES ..................................................... 20
1.2 CONCEITO DE TELECOMUNICAÇÕES.......................................................... 29
2 EVOLUÇÃO DA TELEVISÃO NO BRASIL....................................................... 35
2.1 PRIMÓRDIOS DA RADIODIFUSÃO................................................................. 35
2.2 DÉCADAS DE 50 E 60 ........................................................................................ 38
2.3 REGIMES MILITARES (1964-1984) .................................................................. 41
2.4 GOVERNOS CIVIS DEMOCRÁTICOS (1985-2006) ........................................ 43
3 DEFINIÇÃO DE TELEVISÃO .............................................................................. 53
3.1 SENTIDO ESTRITO ........................................................................................... 55
3.2 SENTIDO AMPLO ............................................................................................. 65
3.3 DELIMITAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SERVIÇO DE
TELEVISÃO ......................................................................................................... 67
CAPÍTULO II
MODALIDADES DE SERVIÇOS DE TELEVISÃO........................................ 72
1 APRESENTAÇÃO................................................................................................... 72
2 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO OBJETO........................................................ 73
2.1 ÂMBITO DE COBERTURA: INTERNACIONAL, NACIONAL, REGIONAL
E LOCAL .............................................................................................................. 73
2.2 MEIOS DE EMISSÃO: POR ONDAS TERRESTRES HERTZIANAS,
CABO, SATÉLITE, MMDS E INTERNET ......................................................... 77
2.3 NÍVEIS DE COMUNICAÇÃO: UNIDIRECIONAL E BIDIRECIONAL E
(OU) INTERATIVA ............................................................................................. 81
2.4 SISTEMAS DE TRANSMISSÃO: ANALÓGICO E DIGITAL.......................... 85
3 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AOS SUJEITOS .................................................. 88
3.1 EMISSORES: PRIVADOS, ESTATAIS E PÚBLICOS ...................................... 88
3.1.1 SETOR PRIVADO ................................................................................................ 87
3.1.2 SETOR ESTATAL................................................................................................ 89
3.1.3 SETOR PÚBLICO NÃO-ESTATAL.................................................................... 91
3.2 USUÁRIOS........................................................................................................... 93
3.2.1 CONTEÚDOS: CANAIS GENERALISTAS OU TEMÁTICOS......................... 92
3.2.2. CONTRAPRESTAÇÃO: TELEVISÃO ABERTA OU DE ACESSO
CONDICIONADO................................................................................................ 95
CAPÍTULO III - TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO NOS
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA..................................................................... .....99
1 MODELO DE TELEVISÃO NORTE-AMERICANA......................................... 99
2 MARCO JURÍDICO DO SETOR TELEVISIVO: TELECOMMUNICATION
ACT DE 1996 ............................................................................................................ 109
3 ESPECTRO ELETROMAGNÉTICO ................................................................... 114
4 TELEVISÃO PRIVADA (TELEVISÃO COMERCIAL).................................... 119
4.1 FUNDAMENTOS................................................................................................. 119
4.2 RELAÇÃO ENTRE AS REDES DE TELEVISÃO E AS EMISSORAS
AFILIADAS.......................................................................................................... 121
4.3 PROTEÇÃO À PRODUÇÃO AUDIOVISUAL INDEPENDENTE ................... 122
4.4 CONTROLE DA PROPRIEDADE PRIVADA.................................................... 122
5 TELEVISÕES PÚBLICAS ("NONCOMMERCIAL BROADCASTING") ......... 126
5.1 DEFINIÇÃO ......................................................................................................... 126
5.2 ESTRUTURAÇÃO............................................................................................... 127
5.3 FINANCIAMENTO PÚBLICO E AUTONOMIA EDITORIAL EM FACE
DO PODER POLÍTICO........................................................................................ 129
6 FEDERAL COMMUNICATION COMISSION (FCC).......................................... 131
6.1 ORGANIZAÇÃO.................................................................................................. 131
6.2 COMPETÊNCIAS ................................................................................................ 131
6.3 CRITÉRIO DO INTERESSE PÚBLICO E AS OBRIGAÇÕES DAS
EMISSORAS DE TELEVISÃO ........................................................................... 133
6.4 PROCEDIMENTO DE LICENCIAMENTO DO SERVIÇO DE
RADIODIFUSÃO ................................................................................................. 136
7 TELEVISÃO DIGITAL .......................................................................................... 140
7.1 DEFINIÇÃO DO PADRÃO TECNOLÓGICO DE TELEVISÃO DIGITAL ..... 140
7.2 BASE NORMATIVA ........................................................................................... 142
7.3 LIBERDADE DE MERCADO QUANTO À DEFINIÇÃO DOS SERVIÇOS....... 143
7.4 OBJETIVOS.......................................................................................................... 144
7.5 APLICAÇÃO DAS REGRAS "MUST CARRY".................................................... 144
CAPÍTULO IV
MODELO FRANCÊS DE TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO ................ 147
1 APRESENTAÇÃO................................................................................................... 147
2 ELEMENTOS PRÉVIOS ........................................................................................ 149
2.1 ANTECEDENTES................................................................................................ 149
2.2 CONCEITO DE SERVIÇO DE TELEVISÃO ..................................................... 150
2.3 CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA E DIVERSIDADE DE REGIMES
JURÍDICOS DAS COMUNICAÇÕES ELETRÔNICAS .................................... 152
3 CONFIGURAÇÃO CONTEMPORÂNEA DA TELEVISÃO POR
RADIODIFUSÃO ................................................................................................ 155
3.1 BASES DO ESTATUTO DA RADIODIFUSÃO.................................................... 155
3.1.1 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA COMUNICAÇÃO AUDIOVISUAL....... 157
3.1.1.1 LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO ................................................................ 157
3.1.1.2 PLURALISMO.................................................................................................. 158
3.2 SETOR PRIVADO ................................................................................................. 160
3.2.1 FIM DO MONOPÓLIO ESTATAL SOBRE OS SERVIÇOS DE
TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO ................................................................. 160
3.2.2 ADOÇÃO DO REGIME DA CONCORRÊNCIA................................................ 162
3.3 SETOR PÚBLICO ................................................................................................... 164
3.3.1 O INSTRUMENTO PREFERENCIAL PARA A EXECUÇÃO DO
SERVIÇO PÚBLICO DE COMUNICAÇÃO AUDIOVISUAL.......................... 164
3.3.2 "MISSÕES DE SERVIÇO PÚBLICO"................................................................. 166
3.3.3 MUTAÇÃO DO CONCEITO DE SERVIÇO PÚBLICO DE TELEVISÃO
E A NECESSIDADE DE REVISÃO DA DOGMÁTICA ................................... 168
3.3.4 DIFERENCIAÇÃO ENTRE OS REGIMES JURÍDICOS DAS
EMISSORAS DE TELEVISÃO DOS SETORES PÚBLICO E PRIVADO:
A IDÉIA DE PLURALISMO CULTURAL......................................................... 169
3.3.5 ESTRUTURAÇÃO ............................................................................................... 171
3.3.6 FINANCIAMENTO DO SERVIÇO PÚBLICO ................................................... 173
3.4 TERCEIRO SETOR AUDIOVISUAL: A TELEVISÃO LOCAL
ASSOCIATIVA .................................................................................................... 174
3.4.1. DELIMITAÇÃO DO SENTIDO PELA DOUTRINA......................................... 174
3.4.2 PARTICIPAÇÃO DE ASSOCIAÇÕES E A NECESSÁRIA
FLEXIBILIZAÇÃO DO REGIME JURÍDICO.................................................... 176
3.4.3 FINANCIAMENTO ............................................................................................. 178
3.5 CONSELHO SUPERIOR DO AUDIOVISUAL.................................................. 180
3.5.1 ORGANIZAÇÃO .................................................................................................. 179
3.5.2 COMPETÊNCIAS ................................................................................................ 180
3.5.3 REGIME JURÍDICO DAS AUTORIZAÇÕES .................................................... 182
3.5.3.1 AUTORIZAÇÃO COMO ATO ADMINISTRATIVO...................................... 182
3.5.3.2 DIREITO DE USO DE FREQÜÊNCIA ........................................................... 183
3.5.3.3 PROCEDIMENTO ............................................................................................. 185
3.5.3.4 CRITÉRIOS........................................................................................................ 185
3.5.3.5 CONTRATO....................................................................................................... 186
5 TELEVISÃO DIGITAL POR VIA HERTZIANA TERRESTRE .. .................187
5.1 MARCO JURÍDICO ............................................................................................. 188
5.2 PADRONIZAÇÃO TÉCNICA ............................................................................. 188
5.3 OPÇÃO EM FAVOR DE NOVOS CANAIS DE TELEVISÃO: O
PLURALISMO DE MÍDIAS................................................................................ 190
5.4 SUJEITOS ............................................................................................................. 190
5.5 CRITÉRIOS PARA A SELEÇÃO DOS OPERADORES.................................... 191
5.6 REGIMES JURÍDICOS PÚBLICO E PRIVADO................................................ 192
CAPÍTULO V
A NOÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO E OS SISTEMAS DE
RADIODIFUSÃO: ANÁLISE CRÍTICA DOS SERVIÇOS DE
TELEVISÃO ............................................................................................................... 193
1 APRESENTAÇÃO................................................................................................... 193
2 CONCEPÇÃO CLÁSSICA DO SERVIÇO DE TELEVISÃO POR
RADIODIFUSÃO COMO SERVIÇO PÚBLICO PRIVATIVO DO
ESTADO ................................................................................................................... 197
2.1 MARCO LEGISLATIVO (LEI N. 4.117/62) .................................................... 197
2.2 ENFOQUE DOUTRINÁRIO................................................................................ 198
2.3 JURISPRUDÊNCIA: JULGADOS DO STF, STJ E TSE .................................... 202
2.3.1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL............................................................. ....... 202
2.3.2 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA................................................................ 205
2.3.3 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL................................................................ 205
3 RELATIVIZAÇÃO DA APLICAÇÃO DO CONCEITO SERVIÇO
PÚBLICO AO SERVIÇO DE TELEVISÃO E SEUS NOVOS
CONTORNOS .......................................................................................................... 207
3.1 EXPRESSÕES "ATIVIDADE ECONÔMICA" E "SERVIÇO PÚBLICO"
NO TEXTO CONSTITUCIONAL ....................................................................... 207
3.2 PRINCÍPIO DA COMPLEMENTARIDADE DOS SISTEMAS DE
RADIODIFUSÃO: SERVIÇO DE TELEVISÃO COMO UMA
ATIVIDADE COMPARTILHADA ENTRE ESTADO, SOCIEDADE E
MERCADO........................................................................................................... 209
3.3 SERVIÇO PÚBLICO PRIVATIVO DO ESTADO (SISTEMA DE
RADIODIFUSÃO ESTATAL)............................................................................. 223
3.3.1 PANORAMA GERAL .......................................................................................... 223
3.3.2 A COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL COMO UM DOS
FUNDAMENTOS DOS SETORES ESTATAIS DE RADIODIFUSÃO:
FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAL.......... ................................................. 224
3.3.3 AS TELEVISÕES EDUCATIVAS: O TRADICIONAL
ENQUADRAMENTO NO SISTEMA DE RADIODIFUSÃO ESTATAL ......... 226
3.3.3.1 ÂMBITO FEDERAL: A ABERTURA AO MODELO DAS
ORGANIZAÇÕES SOCIAIS......................................................................................... 227
3.3.3.2 ÂMBITO ESTADUAL: OS CASOS DO RIO GRANDE DO SUL E DE
SÃO PAULO......................................................................................................... 228
3.3.4 ÂMBITO MUNICIPAL ........................................................................................ 233
3.4 PROPOSIÇÕES........................................................................................................ 235
3.4.1 ESCLARECIMENTO QUANTO À OPERACIONALIZAÇÃO DO
SISTEMA DE RADIODIFUSÃO ESTATAL...................................................... 235
3.4.2 PARÂMETROS PARA A CONCEITUAÇÃO DA TELEVISÃO
ESTATAL ............................................................................................................. 236
3.4.3 NECESSÁRIA DESVINCULAÇÃO DAS TELEVISÕES EDUCATIVAS
NO SISTEMA PÚBLICO. .................................................................................... 237
3.4.4 GESTÃO ASSOCIADA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE
COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL ................................................................ 237
3.5 SERVIÇO PÚBLICO NÃO PRIVATIVO DO ESTADO (SISTEMA DE
RADIODIFUSÃO PÚBLICO).............................................................................. 238
3.5.1 CARACTERIZAÇÃO .......................................................................................... 238
3.5.2 TELEVISÕES COMUNITÁRIAS........................................................................ 240
3.5.3 PROPOSIÇÕES..................................................................................................... 243
3.5.3.1 MEDIDAS DE OPERACIONALIZAÇÃO E ARTICULAÇÃO DO
SISTEMA DE RADIODIFUSÃO PÚBLICO ...................................................... 243
3.5.3.2 CONCEITO DE TELEVISÃO PÚBLICA......................................................... 244
3.5.3.3 REVISÃO DO CONCEITO DE TELEVISÃO EDUCATIVA ......................... 244
3.5.3.4 COMPREENSÃO DA TELEVISÃO COMUNITÁRIA .................................. 245
3.5.3.5 FORMA JURÍDICA DAS ENTIDADES SOCIAIS: ALGUNS
CRITÉRIOS ESSENCIAIS................................................................................... 245
3.5.3.6 FINANCIAMENTO DAS TELEVISÕES PÚBLICAS: EDUCATIVAS E
COMUNITÁRIAS ................................................................................................ 246
3.6 ATIVIDADE ECONÔMICA EM SENTIDO ESTRITO (SISTEMA DE
RADIODIFUSÃO PRIVADO)............................................................................. 247
3.6.1 LIBERDADE DE RADIODIFUSÃO ................................................................... 247
3.6.2 APLICAÇÃO DO REGIME DE MERCADO AO SERVIÇO DE
TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO: FUNDAMENTOS E
DESDOBRAMENTOS......................................................................................... 250
3.6.3 DISCIPLINA DA PROPRIEDADE PRIVADA ................................................... 253
3.6.4 PARTICIPAÇÃO ESTRANGEIRA NA MÍDIA.................................................. 256
3.6.5. PROPOSIÇÕES.................................................................................................... 258
4 REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS DE TELEVISÃO POR
RADIODIFUSÃO .................................................................................................... 261
4.1 REGIMES PÚBLICO E PRIVADO ..................................................................... 261
4.2 REFLEXÃO SOBRE A UTILIZAÇÃO DA CONCESSÃO DE SERVIÇO
PÚBLICO NO SISTEMA DE RADIODIFUSÃO PRIVADO............................. 264
4.3 APLICAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA NO SISTEMA
DE RADIODIFUSÃO PRIVADO........................................................................ 273
4.4 EXTENSÃO DOS PRINCÍPIOS DA PRODUÇÃO E PROGRAMAÇÃO
DA RADIODIFUSÃO À TV POR ASSINATURA E AOS DEMAIS
SERVIÇOS DE TELEVISÃO............................................................................ 278
4.5 CONCRETIZAÇÃO DA EXIGÊNCIA DE MEIOS LEGAIS EM DEFESA
DA PESSOA E DA FAMÍLIA DIANTE DA PROGRAMAÇÃO DE
TELEVISÃO E EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PRODUÇÃO E
PROGRAMAÇÃO (ARTS. 220, §1º E 221, INCISOS I A IV, DA CF).............. 282
4.6 ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA REGULATÓRIA SOBRE OS
SERVIÇOS DE TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO À ANATEL.................. 286
5 REFLEXOS DO SISTEMA BRASILEIRO DE TELEVISÃO DIGITAL
SOBRE O REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS DE TELEVISÃO POR
RADIODIFUSÃO .................................................................................................... 289
5.1 AUSÊNCIA DE PREVISÃO NORMATIVA DO CONCEITO DE
SERVIÇO DE TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO DIGITAL........................ 289
5.2 DEFINIÇÃO DO OBJETO DO ATO DE OUTORGA: A QUESTÃO DOS
SERVIÇOS DE TELEVISÃO DIGITAL DE ALTA DEFINIÇÃO E (OU)
DE DEFINIÇÃO PADRÃO.................................................................................. 290
5.3 INSTITUIÇÃO DO OPERADOR DE REDE DE DIFUSÃO: A
DISTINÇÃO ENTRE AS ATIVIDADE DE TRANSPORTE DE SINAIS E
DE PROGRAMAÇÃO DE TELEVISÃO ............................................................ 293
CONCLUSÕES ............................................................................................................. 297
REFERÊNCIAS............................................................................................................ 306
15
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 inovou ao criar um capítulo especial dedicado à
Comunicação Social, o qual contém, no art. 223, o princípio da complementaridade dos
sistemas de radiodifusão privado, público e estatal.
A Lei nº. 4.117/62, que trata dos serviços de televisão por radiodifusão, ainda em
vigor (apesar de substancialmente modificada na parte relativa às telecomunicações pela
Lei nº 9.472/97), além de não disciplinar o sistema de radiodifusão público
constitucionalmente previsto, mantém o regime de delegação estatal à iniciativa privada,
mediante a concessão, permissão e autorização.
No contexto à época da aprovação da referida lei, havia duas referências no direito
comparado. Uma delas era o modelo norte-americano de televisão, baseado na livre
iniciativa, na televisão comercial (financiamento mediante publicidade), no regime privado
(propriedade privada e concorrência), na noção de “public utility”, na caracterização do
espectro eletromagnético como um bem público, na licença, na televisão pública com
caráter complementar à televisão privada, na existência de uma agência reguladora do setor
(Federal Communication Comission) etc.
Uma outra conformação identificava o modelo europeu fundado nas idéias de
televisão pública, de monopólio estatal, de noção de serviço público, de regime de direito
público, de caracterização do espectro eletromagnético como um bem público, concessão,
vedação à livre iniciativa, etc.
A decisão legislativa brasileira resultou em um modelo de organização dos serviços
de televisão por radiodifusão, combinando os elementos dos dois sistemas normativos
acima referidos: a titularidade estatal exclusiva sobre os serviços de radiodifusão, contudo,
possibilitando-se a gestão estatal e (ou) privada, mediante concessão, permissão e
autorização. Em outras palavras, um modelo misto de coexistência entre televisões
comerciais e estatais. Reprise-se, a referida Lei n.º 4.117/62, ou sua posterior alteração,
não contempla a televisão por radiodifusão pública não-estatal, havendo uma lacuna a ser
suprida para a concretização do princípio constitucional da complementaridade. Aqui está
uma das proposições desta pesquisa.
Por sua vez, no modelo vigente de serviços de televisão por radiodifusão há o
sistema privado-comercial, aquele hegemônico na sociedade brasileira, cuja fonte de
financiamento é o mercado publicitário, e o sistema estatal, este baseado nas televisões
16
educativas, sob forte influência do governo e dependendo de verbas orçamentárias.
Todavia, não existe no cenário audiovisual, o sistema de radiodifusão público não-estatal,
especialmente as televisões comunitárias.
Considerando-se esse contexto, para a interpretação da doutrina e da jurisprudência
tradicionais, o serviço de televisão é um serviço público de titularidade estatal, cuja
delegação à iniciativa privada, somente pode ocorrer na forma da concessão, permissão ou
autorização. Nesta vertente está a problemática trazida no texto, no sentido de que o Estado
não é o titular exclusivo dos serviços de televisão por radiodifusão.
A partir destas premissas, a tese pretende propor uma nova visão a respeito da
disciplina dos serviços de televisão por radiodifusão, orientada pelo princípio da
complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal, nos termos do
art. 223 da Constituição do Brasil, o qual será objeto de detalhamento no último capítulo.
Neste percurso, é também objetivo da tese encontrar respostas às seguintes
indagações:
a) qual o conceito de serviço de televisão?
b) há base no ordenamento jurídico para a aplicação da noção de serviço público à
atividade de televisão por radiodifusão?
c) o serviço de televisão é uma modalidade de serviço público privativo do Estado
nos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal?
d) qual a função do serviço público de televisão nos sistemas de radiodifusão
estatal e público?
e) por que qualificar os serviços de televisão no sistema de radiodifusão privado
como atividade econômica em sentido estrito?
Em que pese o respeito ao entendimento tradicional, o direito não é o campo do
imutável e do absoluto, ao contrário, encontra-se aberto às mudanças, daí a necessidade de
sua evolução para acompanhar o processo das comunicações sociais pelos sistemas de
radiodifusão. Aqui, propõe-se a relativização da aplicação da noção de serviço público e do
regime de direito público à atividade de televisão por radiodifusão. Pretende-se demonstrar
que o serviço de televisão por radiodifusão no sistema estatal é uma modalidade de
serviço público privativo do Estado.
Porém no âmbito do sistema público não-estatal, trata-se de um serviço público
não privativo do Estado, aberto à respectiva prestação por televisões educativas. Propõe-se
17
que estas sejam desvinculadas do sistema estatal e integradas no sistema público, a fim de
garantir sua autonomia diante do governo, com a finalidade de promover os direitos sociais
à educação e à cultura. As televisões comunitárias constituem importante mecanismo para
a realização, de modo direto, dos direitos fundamentais à liberdade de expressão,
informação e comunicação social etc. dos cidadãos. Contudo, elas não devem ser
qualificadas como serviço público em razão de sua própria natureza.
Por sua vez, no sistema privado, o serviço de televisão deve ser qualificado pelo
legislador como uma espécie de atividade econômica em sentido estrito, aplicando-se o
regime de autorização administrativa. Importante destacar que no Brasil a televisão por
radiodifusão surgiu em razão da iniciativa privada, contudo foi-lhe aplicado o regime de
serviço público. E mais, embora a televisão comercial esteja submetida formalmente ao
regime público, na prática, o setor privado orienta-se, de modo preponderante, por
mecanismos de mercado.
Enfim, os serviços de televisão por radiodifusão constituem atividades que
devem ser compartilhadas entre o Estado, a sociedade e o mercado. Um dos seus elementos
básicos é o fato de que sua prestação depende da utilização do espectro eletromagnético
um bem naturalmente escasso altamente disputado no mercado, classificado como bem
público nos termos da legislação.
Com efeito, o espectro eletromagnético compreende inúmeras faixas de
freqüências com múltiplos usos1, o que permite a prestação de diversos serviços de
comunicações, entre os quais o serviço de radiodifusão. Com a tecnologia digital, abre-se a
possibilidade de otimização do uso das freqüências e a abertura de novos canais de
televisão, inclusive torna-se possível que o “canal” tradicional de televisão transmita,
concomitantemente diversas programações. Em razão disso, é fundamental que o
legislador (e não somente o Poder Executivo) discipline a questão de modo a garantir a
democratização do acesso ao espectro eletromagnético.2
1 As faixas de freqüências do espectro eletromagnético, para além de servir à prestação dos serviços de radiodifusão sonora e de radiodifusão de sons e imagens, servem aos seguintes serviços: móvel aeronáutico, móvel marítimo, radionavegação, por satélite, serviço móvel pessoal, serviço de TV por assinatura, serviço móvel especializado, serviço de comunicação multimídia, socorro e chama, pesquisa espacial, radioamador, radioastronomia, entre outros.
2 Na disciplina tradicional o objeto de outorga do serviço de radiodifusão no formato analógico consiste na outorga do direito à utilização da faixa de freqüências de 6MHz, o que permite a transmissão de uma única programação, por intermédio da concessão. Com a técnica digital, torna-se possível transportar por essa
18
O trabalho encontra-se no contexto da linha de pesquisa iniciada quando da
elaboração de sua dissertação de mestrado em que o autor tratou do regime jurídico dos
serviços de televisão a cabo, apresentando a relação entre a atividade de televisão e os
direitos fundamentais, como também fez o exame crítico da qualificação do serviço de
televisão a cabo como uma modalidade de serviço público, sob o regime de concessão.
A tese parte, justamente, de alguns questionamentos já levantados
anteriormente, dando seguimento à pesquisa, com a ampliação, no entanto, do objeto de
investigação, cujo foco é o estatuto jurídico dos serviços de televisão por radiodifusão,
sendo desenvolvida em cinco capítulos.
O primeiro capítulo abordará o conceito de serviço de televisão. O objetivo é
demonstrar o fator de identidade e diferenciação do serviço de televisão perante os demais
serviços de comunicação, independentemente da tecnologia adotada. Para melhor
compreensão da problemática, apresenta-se a evolução dos serviços de telecomunicações e
de televisão no cenário brasileiro, desde a década de 50, até o momento atual.
O segundo capítulo cuidará das modalidades de serviços de televisão. A
finalidade é a de descrever uma classificação apropriada para facilitar o entendimento
sobre o tema, razão pela qual são mostradas diversas características inerentes à atividade
de televisão, como, por exemplo, o âmbito de cobertura (internacional, nacional, regional e
local), os meios de emissão (ondas hertzianas terrestres, cabo, satélite, MMDS e internet),
o nível de comunicação (unidirecional e bidirecional e (ou) interativa) e os sistemas de
transmissão (analógico e digital). Ainda, são apresentados os emissores de televisão
(setores privado, público e estatal) e os respectivos usuários (classificação quanto ao
oferecimento de programação audiovisual).
O capítulo terceiro é dedicado à análise do direito norte-americano, cujo modelo
de televisão por radiodifusão dos EUA influenciou, em parte, o legislador brasileiro
quando da elaboração da Lei nº. 4.117/62. O seu eixo de estruturação está baseado na
liberdade de expressão, a qual é protegida pela Primeira Emenda da Constituição norte-
americana. Trata-se de um paradigma amparado na livre iniciativa (liberdade de mercado),
na propriedade privada e na televisão comercial, sendo preservado um sistema de
mesma faixa de freqüências de 6MHz uma maior quantidade de dados (sons e imagens), inclusive permitindo a transmissão de múltiplas programações. Vale dizer, para simplificar, com a evolução da técnica um canal antigo de televisão pode ser transformado em, aproximadamente, quatro novos canais de televisão. Daí surge a questão da adequada disciplina da ocupação desses novos espaços abertos em razão da evolução tecnológica. Tal problemática será abordada no último capítulo.
19
televisões públicas dotado de autonomia em face do poder político. Apesar da tradição
norte-americana de proteção à liberdade de expressão e à liberdade de mercado, o Estado
regula a televisão por radiodifusão (“broadcasting services”), tanto na parte estrutural
quanto em alguns aspectos relacionados ao conteúdo da programação audiovisual. Lá a
Federal Communication Comission é a agência reguladora encarregada da disciplina dos
serviços de radiodifusão, mas não só, pois, sua competência estende-se para as diversas
modalidades de comunicações pelos mais variados meios tecnológicos.
O capítulo quarto tratará do modelo francês de televisão por radiodifusão. A
França passou por duas fases em termos de organização dos serviços de televisão por
radiodifusão. A primeira é a clássica, caracterizada pelo monopólio estatal, com a atuação
de entes públicos em favor da realização do serviço público de televisão. Nessa época,
adotou-se uma concepção orgânica de serviço público. Já a segunda etapa é a
contemporânea, marcada pelo abandono do monopólio estatal e a instauração de um
sistema de coexistência dos setores privado e público. Nesse contexto, prevalece uma
noção material de serviço público. Há, ainda, a abertura para a emergência do “terceiro
setor audiovisual” caracterizado pela televisão local de caráter associativo, voltada à
expressão da cidadania. Os fundamentos para a organização da televisão são a liberdade de
comunicação e a garantia do pluralismo de expressão das correntes de opiniões. Nessa
parte do trabalho, o objetivo maior é mostrar que mesmo no direito francês, um paradigma
de forte influência sobre o direito brasileiro, houve a mutação do tradicional conceito de
serviço público e de seu regime jurídico a ponto de ser superada a figura da concessão
administrativa, sendo substituída pela noção de autorização.
O capítulo quinto apresentará as proposições relacionadas a um novo modelo de
disciplina dos serviços de televisão por radiodifusão. A idéia é a de demonstrar a imperiosa
necessidade, em face do sistema normativo brasileiro, de relativização da noção de serviço
público e a de flexibilização dos regimes jurídicos, especialmente, em função do princípio
da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal. Vale dizer,
demonstrar-se-á que ao lado do serviço público privativo do Estado (sistema de
radiodifusão estatal), existe o serviço público não privativo (sistema de radiodifusão
público). E mais, defende-se a possibilidade de qualificação dos serviços de televisão no
sistema de radiodifusão privado como uma atividade econômica em sentido estrito, porém
submetida ao regime de autorização administrativa.
20
Nesse último capítulo, serão analisadas também questões como: os conceitos de
televisão pública e televisão comunitária, o enquadramento das televisões educativas nos
sistemas de radiodifusão, o papel das organizações sociais na execução dos serviços de
televisão, os regimes público e privado, os mecanismos de concretização do art. 220, §3º,
II, e art. 221, incs. I a IV, da Constituição Federal, a extensão da aplicação dos princípios
relacionados à produção e à programação das emissoras de radiodifusão aos meios de
comunicação social eletrônica, a necessária atuação da ANATEL como uma agência
reguladora das comunicações, com a atribuição de competência regulatória para tratar dos
serviços de televisão por radiodifusão, os reflexos do Sistema Brasileiro de Televisão
Digital sobre os serviços de radiodifusão, etc.
Invocando as sempre valiosas lições da Professora Odete Medauar, no sentido
de que “o administrativista que formula crítica está ciente do papel relevante representado
pelas matrizes clássicas e busca direcioná-las ao cenário atual”3, importante reiterar que
todos os aspectos acima referidos dirigem-se à necessidade da relativização da noção de
serviço público de televisão e a flexibilização dos regimes jurídicos incidentes sobre os
serviços de televisão por radiodifusão.
CAPÍTULO I
CONCEITO DE TELEVISÃO
1 TELECOMUNICAÇÕES: A TELEVISÃO COMO UMA DE SUAS FORMAS
1.1 EVOLUÇÃO DAS TELECOMUNICAÇÕES
A compreensão do processo histórico-social pode ser feita a partir da intelecção
de suas ferramentas tecnológicas, particularmente mediante a interação entre sociedade e
3 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2ª ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 267.
21
tecnologia, evitando-se, assim, o dilema do determinismo tecnológico. Embora a sociedade
não possa necessariamente determinar a tecnologia (nem a tecnologia impor-se perante a
sociedade), há o risco de o Estado sufocar o desenvolvimento tecnológico ou promover sua
aceleração para fins de mudança do padrão econômico, militar e bem-estar social. Em
outras palavras, o poder público tanto pode servir como o motor das inovações
tecnológicas (apoiando a livre iniciativa e as pesquisas em matéria científica) como pode
contribuir para o atraso tecnológico de um determinado país.4
A análise do marco jurídico do setor de telecomunicação pressupõe o
entendimento das respectivas categorias técnicas. Aqui, há uma conexão entre o direito e a
técnica, se bem que nem sempre há uma coincidência de significados entre o conceito
jurídico e o conceito técnico.5
Para os fins do presente trabalho, o que importa são os conceitos normativos
necessários para a regulação da atividade de televisão por radiodifusão, particularmente o
conceito de telecomunicações e o conceito de televisão. Há uma interdependência setorial
histórica e tecnológica entre os serviços de telecomunicações e os serviços de televisão por
radiodifusão, malgrado sua separação pela Emenda Constitucional n.o 08/95, razão pela
qual é imprescindível a análise comparativa de ambos.6
O surgimento das telecomunicações no Brasil ocorreu no século XIX (período
imperial), particularmente com a utilização do telégrafo. Nesse contexto, foi editado o
primeiro ato normativo sobre a matéria (Decreto Imperial n.o 2.614/1860). O período
4 A título de referência para a compreensão das transformações históricas ocasionadas pelas mudanças tecnológicas, conferir: CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 8.ed. rev. e ampl. Trad. Roneide Venancio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 2005, p.39-62.
5 Conforme explicação de Venício Lima: "Segundo, estudiosos têm advertido que as comunicações estão sujeitas ao estabelecimento de padrões de base técnica – necessários para assegurar a integridade da arquitetura de redes, paralela ao avanço tecnológico – que, por sua vez, definem regiões tecnológicas, isto é, conjuntos de alianças internacionais, formais e/ou informais, construídas para promover, consolidar e coordenar as atividades relacionadas às comunicações em órbitas relativamente delimitadas de influência econômica e política." (LIMA, Venício. Mídia: teoria e política. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001, p.121-122).
6 Conforme esclarece Eros Roberto Grau: "Finalidade dos conceitos jurídicos é a de ensejar a aplicação de normas jurídicas. Não são usados para definir essências, mas sim para permitir e viabilizar a aplicação de normas jurídicas." (GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 11.ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p.87).
22
imperial foi significativo para País, eis que houve a adoção do telégrafo, do telefone e da
implantação de um grande número de cabos submarinos.7
Na perspectiva histórica, com o Decreto n.o 20.047/1931 que aprovou o
Regulamento da Execução dos Serviços de Radiocomunicação no território nacional, foi
pela primeira vez fixada a competência exclusiva da União para disciplinar a telefonia, a
telegrafia, a radiotelefonia e a radiodifusão, adotando-se como inspiração o trusteeship
model norte-americano (incorporado em 1927 pelo Radio Act).8 Em seguida, foi editado o
Decreto n.o 21.111/31 que aprovou novo Regulamento para a Execução de Serviços de
Radiocomunicação, com o objetivo de complementar o decreto acima referido,
especificamente estabelecendo a competência exclusiva da União para legislar e explorar
serviços de radiocomunicação, diretamente ou mediante concessões permissões.
Na década de 40 do século passado, Bilac Pinto apontava a importância dos serviços
de comunicação para o desenvolvimento brasileiro, destacando o telefone, o telégrafo e do
rádio, enquanto meios de transmissão do pensamento, que favoreciam os indivíduos e a
nação brasileira na medida que constituem fator de unidade nacional.9
A regulação do setor constituída por meros decretos da década de 30, acompanhados
de seguidas alterações, vige até a emergência do Código Brasileiro de Telecomunicações
(Lei n.o 4.117/62). No Brasil, até a década de 1960, não havia uma sistematização referente
ao setor de telecomunicações, razão pela qual o mesmo era marcado pela fragmentação,
mediante a atuação de diversas empresas locais e regionais que prestavam serviços de
modo não coordenado, o que impedia a formação de uma rede nacional integrada de
telecomunicações. Tal cenário resultava do fato de a Constituição Federal de 1946 ter
7 SARDINHA, Luciana Raso. Radiodifusão: controle estatal e social sobre suas outorgas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p.53.
8 AMARAL, Roberto. A (des) ordem constitucional-administrativa e a disciplina da radiodifusão: análise e (alguma) prospectiva. Comunicação & Política, v.1, n.1, p.125-6. Um dos primeiros diplomas legais que tratou da regulação das comunicações por processo eletromagnético apareceu no Império e foi o Decreto Imperial n.o 2.614/1860. A primeira regulamentação da radiodifusão ocorreu mediante a edição do Decreto n.o 20.047/1931. Conforme o referido ato normativo, entende-se por serviços de radiocomunicação: os serviços de radiotelegrafia, radiotelefonia, radiofotografia, radiotelevisão, e quaisquer outras utilizações de radioeletricidade para a transmissão ou recepção, sem fio, de escritos, sinais, imagens ou sons de qualquer natureza por meio de ondas hertzianas. No mesmo período (1932), nasce a União Internacional de Telecomunicações (UIT) decorrente da fusão da União Internacional de Telegrafia (1865) e da União Internacional de Radiotelegrafia (1906), e desde o ano 1949 tornou-se uma agência especializada da ONU em matéria de telegrafia, telefonia e radiodifusão. Idem.
9 PINTO, Bilac. Regulamentação efetiva dos serviços de utilidade pública. 2.ed.. atual. por Alexandre Santos Aragão. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.85.
23
incorporado o modelo federativo, ao atribuir à União a competência quanto à organização e
exploração dos serviços de telefonia de âmbito internacional e interestadual, aos Estados os
serviços de telefonia de âmbito estadual e aos Municípios os serviços de telefonia de
âmbito local.10
Com a promulgação do Código Brasileiro de Telecomunicações, houve a organização
do setor de telecomunicações em regime de monopólio. A partir desse diploma legislativo,
houve a autorização para que a União criasse uma entidade privada destinada à exploração
de "serviços dos troncos que integram o Sistema Nacional de Telecomunicações, inclusive
suas conexões internacionais" e "serviços públicos de telégrafos, de telefonia interestaduais
e de radiocomunicações, ressalvadas as exceções legais".11
O Código Brasileiro de Telecomunicações adotou o trusteeship model, o modelo
norte-americano de organização do setor de telecomunicações aprovado em 1934,
mediante o Communications Act, regulando tanto as comunicações stricto sensu (telefone e
telégrafo) quanto a radiodifusão, um gênero que compreende todos os serviços que
10 FARACO, Alexandre Ditzel. Regulação e direito concorrencial (as telecomunicações). São Paulo: Livraria Paulista, 2003, p.33. Conferir, também, VIANA, Gaspar. Os serviços de telecomunicações na Constituição brasileira de 1988. Revista de Informação Legislativa, nº.107, p.19-42, jul./set. 1990. Dispõe o texto da Constituição Federal de 1946 que compete à União "explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão, os serviços de telégrafos, de radiocomunicação, de radiodifusão, de telefones interestaduais e internacionais, de navegação aérea e de vias férreas que liguem portos marítimos a fronteiras nacionais ou transponham os limites de um Estado" (art. 5.o, XII).
11 FARACO, Regulação..., p.33. Segundo Gaspar Vianna: "O vigente Código Brasileiro de Telecomunicações, sancionado pela Lei n.o 4.117, de 27 de agosto de 1962, foi um instrumento legal exemplar. Não se limitou a dispor sobre direitos e deveres do Estado, dos cidadãos, e das empresas no tocante à prestação de serviços de telecomunicações. Além dos 'aspectos institucionais' – o indispensável balizamento entre os sujeitos da relação jurídica tripartite – concedente-concessionários-usuários – ele lançou bases para o futuro das telecomunicações, tendo sido uma alavanca fundamental para o desenvolvimento do nosso País." (VIANA, Gaspar. A exploração dos serviços de telecomunicações na Constituição brasileira (Interpretação da Emenda Constitucional nº. 08, de 1995). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, nº.204, p.156, abr./jun. 1996). Ele ainda explica que o Código Brasileiro de Telecomunicações era um instrumento jurídico atualizado em face das tecnologias existentes à época, marcadas, principalmente, pelas tecnologias eletromecânicas, as válvulas termoiônicas e as radiocomunicações por ondas médias e curtas. (p.156). Curiosamente, Alberto Venâncio Filho, ao invés de utilizar o termo telecomunicações, quando trata do assunto utiliza-se da expressão "comunicações". Eis o que o autor diz: "A referida lei contém no seu início o capítulo típico das normas de intervenção do Estado no domínio econômico, qual seja das definições, qualificando os vários tipos de serviços de comunicações, e dando as definições de cada um desses serviços." (VENÂNCIO FILHO, Alberto. A intervenção do estado no domínio econômico: o direito público econômico no Brasil. Edição Fac-similar da ed. 1968. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.251).
24
utilizam o espectro eletromagnético, dos quais se destacam o rádio (radiodifusão sonora) e
a televisão (radiodifusão de sons e de imagens).12
A política de comunicações anterior ao Golpe Militar do ano 1964 teve como
característica principal a adoção da privatização dos meios, a partir do modelo norte-
americano. Tratou-se de uma modalidade de organização do setor não-estatizante que
fomentou a atuação de empresas privadas, no que tange à produção e à circulação de bens
e de serviços. Paradoxalmente, adotou-se uma política liberal, mas de cunho nitidamente
conservador à medida que favoreceu a liberdade de poucas empresas (modelo oligárquico),
excluindo, no entanto, a maioria da população do acesso e da participação no processo de
comunicação social.13
Com a Constituição de 1967 houve a concentração em mãos da União dos
poderes de outorga de concessões de serviços de telecomunicações, evitando-se o cenário
de dispersão de competência com os Estados e os Municípios. A partir desse novo contexto
normativo, a União controlou a maioria das operadoras do País, pois
a idéia básica era criar um sistema nacional de telecomunicações que permitisse
unificar e compatibilizar tecnicamente a rede, uma vez que a fragmentação da
indústria havia produzido grande heterogeneidade de equipamentos, prejudicando a
interligação entre as diversas regiões do país e elevando o custo de operação
do sistema.14
12 Para a compreensão jurídica e a questão política em torno da aprovação da Lei n.o 4.117/62, consultar: AMARAL, A (des) ordem..., p.130-133.
13 MELO, José Marques de. Comunicação: direito à informação. Campinas: Papiros, 1986, p.26-27.
14 PASTORIZA, Florinda Antelo. Privatização na indústria de telecomunicações: antecedentes e lições para o caso brasileiro. Rio de Janeiro: BNDES, 1996. (Texto para discussão nº.43). p.49, citada por FARACO, Regulação..., p.34. Importante destacar que à época o Communications Act de 1934 estabeleceu estruturas e princípios básicos orientados quanto à distinção entre common carrier (como o caso do telégrafo e telefonia), então qualificado como monopólio natural de serviços o que justificaria a regulamentação de preço e acesso, e, de outro lado, os meios de comunicação de massa, cujo escasso espectro eletromagnético de titularidade do público era licenciado exclusivamente às entidades que ofereciam mídia comercial. Tanto os common carrier quanto os meios de comunicação de massa estavam condicionados à realização do interesse público, sendo o objetivo final a adoção de práticas democráticas. A diferença básica era no sentido que os common carrier limitavam-se à transmissão de sinais sem, no entanto, poder alterá-los, enquanto os meios de comunicação de massa, a par da faculdade de transmissão dos respectivos sinais, poderiam alterar o respectivo conteúdo. Posteriormente, a edição do Telecommunications Act de 1996 trouxe modificações substanciais no setor à medida que contraria o conceito de monopólio natural na telefonia e enfraquece a noção de escassez de espectro nos meios de comunicação de massa, promovendo o rompimento (apesar de não abolir) as barreiras entre common carrier e meios de comunicação, buscando favorecer a adoção de incentivos de mercado, ao invés de uma regulamentação estrutural. Ver: AUFDERHEIDE, Patricia. Competição, concentração e o interesse
25
A adoção do modelo estatal centralizado foi um dos fatores essenciais para o
desenvolvimento da infra-estrutura de telecomunicações no Brasil.15 A partir de 1969,
então foi possível ao governo militar concluir parte de seu projeto político de "integração
nacional" com a inauguração da Rede Básica de Microondas, o que permitiu a
"interligação entre as diversas regiões por sistemas confiáveis de telefonia e transmissão de
TV, rádio e dados", com a "transmissão de programas ao vivo, em tempo real", cuja
complementação e expansão para todo território nacional ocorreu a partir de 1985 com a
operação dos satélites Brasilsat.16
A política de comunicações realizada pelos governos militares teve como
objetivo a ampliação da rede de comunicação por todo o território nacional, a fim de
atingir a maioria da população brasileira. A ideologia adotada voltava-se à execução da
"doutrina de segurança nacional", a qual dava ênfase ao elemento psicossocial da
"comunicação de massas", focando os meios de comunicação como "armas" de defesa da
pátria contra a atuação de inimigos internos e estrangeiros. O modelo de infra-estrutura
nacional de telecomunicações sustentou-se com base em uma aliança entre os governos
militares e algumas empresas privadas, buscando-se neutralizar a "opinião pública nacional
durante muito tempo, utilizando uma estratégia comunicacional ufanista, diversionista e
desmobilizadora" que resultou na censura como um método sistemático de orientação
ideológica.17
Na década de 80, a Constituição de 1988 veio a ratificar o monopólio estatal do
setor de telecomunicações, mediante a outorga à União da competência exclusiva para
público: o Telecommunications Act dos EUA de 1996. Comunicação & Política, São Bernardo do Campo, v.3, n.2, p.156-172, 1996.
O texto constitucional de 1967 preceituava: "Art. 8.o Compete à União: [...] XV – explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão: a) os serviços de telecomunicações; [...] XVII – legislar sobre: [...] i) ..., telecomunicações ...;"
15 FARACO, Regulação..., p.35.
16 PRIOLLI, Gabriel. Antenas da brasilidade. In: BUCCI, Eugênio (Org.). A TV aos 50: criticando a televisão brasileira no seu cinqüentenário. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000, p.18-19.
17 MELO, op. cit., p.30.
26
organizar e prestar os respectivos serviços de telecomunicações, particularmente os serviços de
telefonia e transmissão de dados. Tal modelo fundava-se na preocupação dos constituintes
com a preservação do sistema Telebrás e, conseqüentemente, com a garantia da universalização
da prestação dos serviços em todo o território nacional.18
Entretanto, na década de 90, no contexto de um processo amplo de reforma do
papel do Estado, de abertura dos mercados decorrentes da globalização das economias e
em razão do neoliberalismo, houve a mudança do paradigma de organização do setor de
telecomunicações. Com a introdução no ordenamento jurídico brasileiro da Emenda
Constitucional n.o 08/95, houve a permissão para a privatização do setor de telecomunicações e
a entrada de grupos estrangeiros, o que ensejou, posteriormente, a nova Lei Geral de
Telecomunicações e a agência reguladora para o setor.19
No campo das telecomunicações (especificamente os serviços de telefonia), é
inegável que, até a privatização, havia o monopólio em mãos da União. Entendia-se que se
tratava de um monopólio natural, eis que a "existência de um prestador único seria a forma
18 Na linha de defesa do monopólio estatal do setor de telecomunicações, estava o ex-Presidente da Telebrás, Almir Vieira Dias, que assim se manifestou à Subcomissão da Ciência, Tecnologia e Comunicação da Assembléia Nacional Constituinte:
"O setor de telecomunicações deve, na minha opinião, ser monopólio, e monopólio do Estado. Por quê? Primeiro, porque num País de dimensões como as do Brasil e com essas diferenças de regiões, necessariamente o empresário por natureza visa ao lucro, ele quer primeiro explorar os mercados mais ricos. E, como citei no passado, os canadenses, quando operavam telecomunicações no País, operavam Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo, e muitos outros exemplos somente operavam nas capitais e o interior não tinha absolutamente nada. Também, um outro aspecto importante, são os serviços sociais, que o setor de telecomunicações apresenta. Em dois anos, dobramos a rede de telefones públicos, o telefone público é altamente deficitário." (BRASIL. Câmara dos Deputados. Ata da 7ª Reunião Extraordinária da Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da Comunicação, realizada em 28 de abril de 1987, Diário da Assembléia Nacional Constituinte (Suplemento), maio, 1987, p. 144).
Já em postura de contestação Roberto Campos manifestava-se contrariamente ao monopólio: “É natural que os monopolistas defendam o monopólio, entretanto, o monopólio é algo profundamente
antidemocrático. Todo monopólio implica numa cassação a alguém do direito de produzir ou servir; todo monopólio implica em violação da livre escolha do usuário. Por isso, sou in limine antipático aos monopólios por considerá-los anti-democráticos, além de nos privarem de meios de aferição de eficiência. Serão os Correios e Telégrafos ou a TELEBRÁS eficientes? Não sabemos, não há que comparar. Idem.
19 Para uma análise dos interesses comerciais envolvidos quando da aprovação da Lei Geral de Telecomunicações e da privatização das comunicações, conferir: Mídia: Teoria e política, p. 115-136. Conforme Venício Lima: "Essa nova política favorece a concentração da propriedade porque não impede a propriedade cruzada dos grupos empresariais de telecomunicações, comunicação de massa e informática, e estimula a participação crescente dos global players, diretamente ou associados aos grandes grupos nacionais, na medida em que elimina todas as barreiras para a entrada do capital estrangeiro." (Mídia: teoria e política, ob. cit., p.120).
27
mais apta ao melhor aproveitamento das características econômicas dos serviços, assim
como para alcançar uma coordenação necessária à integração das redes".20
A opção pelo monopólio estatal do setor de telecomunicações justificava-se em
razão do volume de investimentos necessários à cobertura pelos serviços do território
nacional, como também em função da necessidade de estabelecimento de padrões técnicos
uniformes em relação às redes de telecomunicações e os equipamentos, o que justificava,
portanto, a centralização do poder de decisão.21
Em razão, principalmente, da evolução tecnológica, o apontado paradigma de
regulação do setor de telecomunicações foi substituído pelo regime da concorrência. Em
substituição ao modelo anterior de monopólio público e de intensa regulação estatal,
adotou-se um novo modelo fundado na privatização, mediante o incentivo à participação
privada (inclusive estrangeira) e a concorrência como mecanismos para estimularem os
agentes econômicos. Criou-se um novo ambiente de regime de mercado para o setor de
telecomunicações, mas que não prescinde da atuação do Estado como formulador de
políticas públicas e de regulação setorial. De fato, seja em ambiente monopolista, seja em
ambiente de concorrência, não há como se afastar a necessidade de regras e princípios que
tratem do atuar dos agentes econômicos no mercado, especialmente para fins de garantia
da eficiência econômica.22
A referida Emenda Constitucional operou uma radical mudança jurídica quanto
à mídia eletrônica (rádio e televisão) à medida que esta foi afastada do setor de
telecomunicações. Os serviços de radiodifusão de sons e de sons e imagens ficaram fora do
alcance da Lei Geral de Telecomunicações e das competências da Agência Nacional de
Telecomunicações, excetuados aos aspectos técnicos. Entretanto, o setor de televisão por
assinatura permaneceu qualificado como serviço de telecomunicações, submetendo-se à
referida lei e à agência reguladora.23
20 FARACO, Regulação..., p.31.
21 FARACO, Regulação..., p.31-32.
22 FARACO, Regulação..., p.37-77.
23 Segundo Murilo César Ramos, o interesse quanto ao destacamento dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e de imagens era tanto do Poder Executivo em rapidamente acelerar o processo de liberalização do setor de telecomunicações quanto dos radiodifusores em ficar fora do âmbito de qualquer órgão regulatório que não fosse o Ministério das Comunicações, submetido ao velho Código Brasileiro de
28
Por outro lado, nas últimas décadas do século passado, as novas descobertas no
campo da eletrônica, decorrente de um ambiente econômico, industrial e institucional
favorável, causaram substanciais modificações no setor de telecomunicações com a aplicação
de novas tecnologias, inclusive com a ampliação da capacidade de transmissão em virtude
das invenções no campo da optoeletrônica (transmissão por fibra ótica e laser) e a
tecnologia de transmissão por pacotes digitais.24
A evolução das tecnologias da informação, com base na microeletrônica, possibilitou
o surgimento de microcomputadores e de softwares. Com a ampliação da capacidade de
processamento de informações e a instituição de um protocolo de comunicações, foi
possível o surgimento da internet (rede universal de computadores). Por força dos avanços
tecnológicos em telecomunicações é que se tornou factível o funcionamento em rede dos
computadores. Do ponto de vista técnico, em razão da implantação do sistema digital, há
uma interação entre as telecomunicações e as tecnologias de informação, razão pela qual
pode-se dizer que: "as telecomunicações agora são apenas uma forma de processamento da
informação; as tecnologias de transmissão e conexão estão, simultaneamente, cada vez
mais diversificadas e integradas na mesma rede operada por computadores".25
Além disso, novas formas de utilização do espectro eletromagnético (radiodifusão
convencional, transmissão direta via satélite, microondas, telefonia celular digital, etc.),
assim como o emprego de cabos coaxiais e fibras óticas, oferecem uma diversidade e
versatilidade de tecnologias de transmissão, que estão sendo adaptadas a uma série de
utilizações que possibilitam a comunicação integral entre usuários de unidades móveis.26
Tais transformações estão a exigir novos modelos de regulação adaptados à nova
realidade que, ao invés de inibir o processo de desenvolvimento tecnológico, sirvam à
maximização de seus benefícios em prol do regime de direitos fundamentais no campo das
comunicações e em favor dos consumidores e dos cidadãos.27
Telecomunicações. (RAMOS, Murilo César. As novas comunicações brasileiras. In: DOWBOR, Ladislau; IANNI, Octavio et al. Desafios da comunicação. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 331-333).
24 CASTELLS, op. cit., p.81.
25 CASTELLS, op. cit., p.109.
26 CASTELLS, op. cit., p.82.
27 Conforme explica o norte-americano Jeffrey Hart, no contexto desse processo de destruição criativa do capitalismo moderno, "a convergência digital coloca diversas questões difíceis para diferentes formas de regulação nas indústrias associadas com a televisão por radiodifusão. Regimes regulatórios separados e
29
Por essas razões, é que se propõe um novo modelo para os serviços de televisão
por radiodifusão, atualizado conforme a evolução da técnica e compatível com o
ordenamento jurídico brasileiro, conforme exposição no último capítulo.
A seguir será apresentado o conceito de telecomunicações para possibilitar,
depois, o estudo do conceito de televisão.
1.2 CONCEITO DE TELECOMUNICAÇÕES
O objeto do presente trabalho consiste na apresentação dos parâmetros para
regulação dos serviços de televisão por radiodifusão em face do direito brasileiro. Entretanto,
tal tarefa exige a delimitação de vários conceitos que servem à operação das diversas
instituições jurídico-administrativas utilizadas para ordenar a atividade de televisão,
especialmente é imprescindível a apreensão do conceito de telecomunicações. A Constituição
refere-se explicitamente ao termo "telecomunicações"28, todavia, obviamente, seu
significado não está contido em seu texto, sendo necessária a busca no âmbito do
ordenamento jurídico. É a partir do direito positivo que o conceito de telecomunicações
poderá ser compreendido; trata-se de um conceito aberto, cuja significação há de ser
perquirida pela interpretação jurídica.29
A comunicação é uma necessidade do ser humano e, conseqüentemente, da
sociedade. "A comunicação constitui o fundamento de toda sociedade humana e de toda
relação social".30 A linguagem é o meio por excelência para a realização da comunicação
distintos foram adotados para a produção de conteúdo, radiodifusão, telecomunicações e computação em diferentes países. A convergência digital implode os limites entre essas indústrias, é claro que esses sistemas regulatórios separados devem ser repensados" (HART, Jeffrey A. Technology, Television and Competition: The Politics of Digital TV. New York: Cambridge University Press, 2004, p.13-14).
28 Cf. art. 21, XI e art. 22, IV, da Constituição Federal.
29 Segundo Alaôr Caffé Alves, em termos de lógica jurídica, os conceitos não se apresentam isolados no ordenamento jurídico, ao contrário, apresentam-se em uma rede relacional integrada por vínculos significativos, sendo que cada conceito possui sua significação fixada no contexto dessa rede conceitual. Assim, "é o sistema conceptual que determina o valor significativo de cada conceito". Nesse sentido, os conceitos relacionam-se entre si mediante relações de identidade, de oposição e de dependência. As propriedades essenciais dos conceitos referem-se à compreensão (conjunto de elementos (notas) que formam a natureza do ser representado pelo conceito, trata-se do conteúdo de um conceito) e à extensão (conjunto de elementos contidos pelo conceito) (Cf. ALVES, Alaôr Caffé. Lógica. Pensamento formal e argumentação: elementos para o discurso jurídico. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2002, p.195-210).
30 XIFRA-HERAS, J. A informação: análise de uma liberdade frustada. Trad. Gastão Jacinto Gomes. Rio de Janeiro: Lux; São Paulo: Editora da Universidade de Paulo, 1974, p.7.
30
social. Em razão desse fato da natureza humana, constata-se que qualquer organização
depende, de alguma forma, das soluções técnicas elaboradas para a transmissão de
informações à distância que possibilitem a troca de informações entre pessoas que não
estão fisicamente próximas.31
Existem diversas modalidades de comunicação definidas em função do contexto
em que estão situadas suas fontes na sociedade. Ou a comunicação ocorre entre pessoas
próximas uma das outras ou a comunicação ocorre à distância, nesta última hipótese há a
necessidade de um meio para estabelecer a comunicação. Assim, tem-se o contexto da
comunicação face-a-face (comunicação interpessoal), a comunicação em um grupo
pequeno (comunicação grupal) ou em uma organização (comunicação organizacional e
(ou) institucional) ou a comunicação no contexto de massa (comunicação massiva).32
Além disso, a comunicação interpessoal é o campo por excelência para a expressão
da autenticidade da vida humana, ocorrendo, normalmente, no âmbito da estrutura afetiva
das pessoas, já a comunicação social é, ao contrário, caracterizada pelo aspecto simbólico
ou artificial, sendo que necessariamente um dos interlocutores é coletivo ou plural.33
A telecomunicação é um serviço que possibilita a comunicação à distância.
Trata-se de meio técnico ou forma de comunicação, caracterizada por permitir a emissão
ou o transporte de informações, representados por sons, dados ou imagens etc. Sua
especificidade reside na utilização de meios técnicos, redes, equipamentos e terminais, e
sistemas de telecomunicações (fios, cabos, espectro eletromagnético, satélites etc.). A
telecomunicação ainda pode ser vista sob diversos enfoques: (i) como um meio de
comunicação que permite o estabelecimento de relações intercomunicativas, (ii) rede ou
31 FARACO, Alexandre. Regulação e Direito Concorrencial (As Telecomunicações). São Paulo: Livraria Paulista, 2003, p.21.
32 Cf. FERREIRA, Aluízio. Direito à informação. Direito à comunicação. Direitos fundamentais na Constituição brasileira. São Paulo: Celso Bastos Editor; Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1997, p.170. Segundo o autor, a informação institucional, veiculada por uma comunicação institucional, "é aquela provida por, ou de provimento atribuível a entidade ou órgão do Estado (informação governamental, inclusive administrativa), ou a organização de fins econômicos (informação empresarial) ou de representação ou defesa de grupos e comunidades (informação comunitária)" (p.95).
33 Para maiores desenvolvimentos da distinção entre comunicação interpessoal e comunicação social, conferir: XIFRA-HERAS, op. cit., p.11-15.
31
sistema que permite a troca de informação ou (iii) como serviço oferecido aos interessados
em uma relação comunicativa.34
Tanto do ponto de vista histórico quanto na perspectiva atual, a estruturação do
setor de telecomunicações está associada à organização dos serviços de telefonia que ocupam
um lugar central. Acontece que existem outras modalidades de serviços, em razão das
diversidades tecnológicas, que possibilitam a comunicação à distância. A par da telefonia,
conforme o entendimento tradicional, o setor de telecomunicação abrange os serviços de
telegrafia, radiodifusão e televisão. Em razão das mudanças tecnológicas, há a tendência de
a telefonia perder a centralidade na organização dos serviços de telecomunicações.35
Nos termos da Lei Geral de Telecomunicações (art. 60, caput), o serviço de
telecomunicações é definido como "o conjunto de atividades que possibilita a oferta de
telecomunicação", prevendo-se, ainda, a competência da agência reguladora para a
concretização das modalidades de serviço.36
E, ainda, conforme a mesma lei, (art. 60, §1º), o conceito de telecomunicação é
"a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer
outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou
informações de qualquer natureza".37
Percebe-se, portanto, que o conceito legal de telecomunicações possui como
elementos integrantes: (i) as atividades de transmissão, emissão ou recepção de sinais, (ii)
os meios técnicos: fio, radioeletricidade, meios ópticos e qualquer processo eletromagnético; e,
finalmente, (iii) os conteúdos (símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou
informações de qualquer natureza).
34 Acerca do tema, conferir: GONÇALVES, Pedro. Direito das telecomunicações. Coimbra: Livraria Almedina, 1999, p.1-16.
35 FARACO, Regulação e Direito Concorrencial ...., op. cit., p.21-22.
36 Cf. o art. 60, caput, e art. 69 da LGT. Em caráter auxiliar ao serviço de telecomunicações, há o serviço de valor adicional que consiste na "atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações", não constituindo propriamente um serviço de telecomunicações (art. 61, § 1.o, da LGT). Uma outra modalidade de serviço de telecomunicações é o serviço de comunicação multimídia: "é um serviço fixo de telecomunicações de interesse coletivo, prestado em âmbito nacional e internacional, no regime privado, que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, utilizando quaisquer meios a assinantes dentro de uma área de prestação do serviço" (Ver Resolução ANATEL n.o 272/2001).
37 Art. 60, § 1.o da Lei Geral de Telecomunicações.
32
Entre os referidos conceitos, há uma relação de complementaridade, eis que o
serviço de telecomunicações depende de um conceito comum, ou seja, sua delimitação
depende do conceito de telecomunicação. Ambos os conceitos normativos encontram-se na
Lei Geral de Telecomunicações, seguindo a orientação do plano internacional, especialmente a
Convenção da União Internacional de Telecomunicações.38
No plano internacional, o conceito de telecomunicações, adotado no âmbito da
União Internacional de Telecomunicações, está atrelado aos seguintes elementos constitutivos:
a) trata-se de uma comunicação a distância; b) nela há uma dualidade de sujeitos;
c) o objeto pode ser múltiplo (signos, sinais, escritos, imagens, sons e outros); d) o
meio é diverso (o fio condutor, as ondas radioelétricas, as ondas luminosas e outros
meios elétricos), e, por último a imediatidade, eis que vão à velocidade de luz.39
Entretanto, nem todas as atividades de comunicação à distância podem ser
qualificadas como telecomunicação, conforme a definição legal, prevista na Lei Geral de
Telecomunicações. Atualmente, a telegrafia, a telefonia fixa e móvel (que se diferencia da
telefonia fixa pelo fato de utilizar o espectro eletromagnético), a radiocomunicação, a
transmissão de dados, a transmissão de imagens (por exemplo, serviços de videoconferência),
são qualificadas como formas de telecomunicações e encontram-se submetidas ao marco
normativo estabelecido pela Lei Geral de Telecomunicações. Contudo, o serviço de radiodifusão
está fora dessa regulamentação legal, contando com um marco jurídico próprio (Lei nº
4.117/62), o que será visto no momento oportuno.
A par de tratar da conceituação dos meios e serviços de telecomunicações, a Lei
Geral de Telecomunicações tratou dos regimes jurídicos incidentes sobre os respectivos serviços.
De fato, em substituição ao monopólio público e intensa regulação estatal, a lei adotou um
marco de regulação de incentivo à participação privada e de estímulo à concorrência, para
fins de alcançar a atuação eficiente dos agentes econômicos. Nesse contexto, a lei, de
forma inovadora, dispôs que os serviços de telecomunicações podem ser prestados em dois
38 A previsão está no art. 60, caput, e § 1.o, da Lei Geral de Telecomunicações. Por sua vez, o Decreto Legislativo n.o 2.962, de 23.2.99, que promulga a Constituição e a Convenção da União Internacional de Telecomunicações, concluída em Genebra no ano de 1992, contempla o seguinte conceito de telecomunicação: "toda transmissão, emissão ou recepção de sinais, textos escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por fio radioeletricidade, meios óticos ou outros sistemas eletromagnéticos" (item 1017, do Anexo à Convenção).
39 GOROSTIAGA, E. La radiotelevisón en Espana: Aspectos jurídicos y derecho positivo. Pamplona: EUNSA, 1976, p.24, citado por OLIVA, Manuel. La televisión local por ondas: régimen jurídico. Granada: Comares, 2001, p.13.
33
regimes jurídicos distintos: exclusivamente no regime público e exclusivamente no regime
privado. E mais, a própria lei permite a aplicação conjugada, concomitantemente, ao mesmo
serviço de telecomunicações, do regime jurídico público e privado.40
No enfoque tradicional, o regime público identifica-se com o regime de serviço
público, eis que é aquele "prestado mediante concessão ou permissão, com a atribuição a
sua prestadora de obrigações de universalização e continuidade". O regime privado é
similar ao regime das atividades econômicas, atribuídas ao setor privado, à exceção da
necessidade de autorização administrativa, razão pela qual lhe são aplicáveis os princípios
gerais da atividade econômica, entre eles a liberdade de fixação de preços.41
O conceito normativo de telecomunicações é amplo o suficiente para conter
diversas formas de telecomunicações, contudo, destaque-se que, apesar dessa amplitude,
nem todas as formas de comunicação à distância nele estão contempladas.42 Basicamente,
o conceito genérico de telecomunicações está delimitado por critérios técnicos relacionados à
forma de emissão, transmissão e recepção da informação, sem, no entanto, ater-se neces-
sariamente aos respectivos conteúdos, nem às características que diferenciam as diversas
espécies de informações.
Em outras palavras, quando há uma nítida distinção entre a forma de telecomunicação
e o conteúdo não há maiores problemas; entretanto, quando não é possível distinguir a forma
de telecomunicação do conteúdo, como é o caso da televisão, aí a problemática surge,
principalmente, pelo fato de o conteúdo causar impacto sobre os direitos e liberdades
fundamentais.43 Exatamente pelo fato de a televisão ser um meio de comunicação social,
ela não pode ser vista como um fim em si mesma. Ao contrário, trata-se de um instrumento
a serviço de concretização de direitos e liberdades fundamentais, daí a justificativa para a
40 Cf. art. 65, I, II e II, da Lei n.o 9.472/97.
41 A lei dispõe que serão prestadas no regime público as modalidades de telecomunicações de interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuidade a própria União compromete-se a assegurar, incluído o serviço telefônico fixo comutado, de qualquer âmbito destinado ao uso do público em geral (art. 64 da Lei n.o 9.472/97).
42 Segundo Floriano Azevedo Marques Neto: "A definição legal é aberta e abrangente devido ao fato de ser impossível fixar o conceito de telecomunicações em determinadas modalidades, como, por exemplo, telefonia fixa comutada, telégrafo, telefonia móvel celular e TV a Cabo ou por radiodifusão." (MARQUES NETO, Floriano Peixoto. Direito das telecomunicações e ANATEL. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p.309).
43 OLIVA, op. cit., p.14.
34
formulação de um estatuto jurídico diferenciado para a televisão, excluindo-a do regime
geral das telecomunicações.44
Em função disso, há a necessidade do estudo da televisão particularmente a
normatividade sobre ela incidente, cuja autonomia justifica sua reflexão em separado e
independente em face do setor de telecomunicações, o que não implica, evidentemente, o
abandono da análise sobre questões que envolvam a utilização de redes e infra-estruturas
de telecomunicações necessárias à atividade televisiva. Sabe-se que, em razão do processo
de convergência tecnológica e, conseqüentemente, com a relativização das diferenças entre os
meios tecnológicos, é possível o tratamento em conjunto do setor de televisão com as
demais atividades de telecomunicações, mediante a utilização de um conceito que garanta
a unidade jurídica, apesar da diversidade dos meios de difusão de sinais de televisão.
A evolução tecnológica tem ocasionado profundas alterações no plano
econômico, social e cultural. Atualmente, as tecnologias são consideradas como
plataformas, ou seja, um conceito ligado à idéia de suporte físico (satélite, cabo, ADSL45),
entre outros) destinado à execução de diversos serviços de comunicação (difusão de
televisão, telefonia, acesso à internet, comunicação de dados, vídeos etc.). Portanto, o futuro
das telecomunicações pertence a complexas plataformas comerciais, multiserviços e
multitecnologia, cujo regime de competição possibilitará a criação de novos serviços para
os consumidores a preços mais acessíveis.46
O processo de evolução técnica causa transtornos quanto à aplicação dos
conceitos tradicionais de telecomunicações, televisão, telefonia e informática etc. em face
da realidade social. Em verdade, novos conceitos apareceram no ordenamento jurídico e que
merecem a devida reflexão doutrinária, como é caso dos conceitos de meios de comunicação
44 A defesa de um Estatuto Específico do Serviço de Televisão por Radiodifusão não implica em desconsiderar a tendência regulatória no sentido da convergência entre as plataformas tecnológicas para a prestação de serviços similares e a necessidade de um estatuto geral para a comunicação social. Com efeito, o paradoxo consiste justamente em considerar a especificidade do serviço de televisão em razão de seu conteúdo (o que o diferencia dos serviços de telecomunicações em geral) e, concomitantemente, verificar que, em razão da evolução da forma de comunicação, há a respectiva aproximação com os demais serviços de telecomunicações.
45 O ADSL (Assimetrical Digital Subscribes Line) é o "sistema de transmissão de dados em alta velocidade sobre os fios de cobre das redes telefônicas. Usado principalmente para acesso à Internet". Ver: <<htpp.www.abta.com.br>>. Acesso em 12.10.06.
46 MARTÍNEZ, Juan Miguel de la Cuétara. Plataforma Multimedia, Competencia entre Redes, Competencia entre Serviço. In: ORTIZ, Gaspar Ariño (Dir.). Telecomunicaciones e Audiovisual: cuestiones disputadas. Granada: Comares Editorial, 2003, p.67-68.
35
social eletrônica e serviços de comunicação social eletrônica incorporados ao direito brasileiro,
a serem analisados no último capítulo.47
A seguir, será apresentada a evolução histórica da televisão no Brasil, desde a
fase de sua constituição (década de 50) até a perspectiva contemporânea.
2 EVOLUÇÃO DA TELEVISÃO NO BRASIL
2.1 PRIMÓRDIOS DA RADIODIFUSÃO
A aplicação da técnica de radiodifusão culminou com o surgimento do rádio. No
Brasil, as primeiras estações de rádio foram licenciadas, em 1922, sem que houvesse uma
prévia regulação jurídica, o que só aconteceu com a expedição do Decreto n.o 20.047/1931
do Governo Provisório que: (i) qualificou o serviço de radiodifusão como de interesse
nacional e finalidade educacional, (ii) criou a Comissão Técnica do Rádio e (ii) permitiu
47 Segundo a Resolução n.o 234/2000 da ANATEL: "O Serviço de Comunicação Eletrônica de Massa é o serviço de telecomunicações prestado no regime privado, de interesse coletivo, destinado a difusão unidirecional ou comunicação assimétrica, entre o prestador e os usuários em uma área de serviço, de sinais de telecomunicações, para serem recebidos livremente pelo público em geral ou por assinantes."
36
a formação de uma rede nacional, cuja supervisão caberia ao Ministério da Educação e
fiscalização caberia ao Ministério da Viação.48
Como dito anteriormente, na perspectiva histórica, pela primeira vez foi fixada a
competência exclusiva da União para disciplinar os serviços de telefonia, a telegrafia, a
radiotelefonia e a radiodifusão, adotando-se como inspiração o trusteeship model norte-
americano (adotado em 1927 pelo Radio Act).49 Em seguida, foi promulgado o Decreto
n.o 21.111, de 1932, intitulado Regulamento para Execução de Serviços de Radiocomunicação
no território nacional. Tal diploma estabelecia a competência da União para legislar e
explorar os serviços de radiocomunicações de forma direta ou indiretamente mediante
concessão, permissão ou autorização.
A inovação jurídica de maior importância histórica reside na explicitação do
conceito de radiodifusão, que seria a "radiocomunicação de sons ou imagens destinada a
ser livremente recebida pelo público" e o conceito de radiotelevisão como sendo:
"radiocomunicação de imagens animadas",50 embora não existisse ainda nenhuma emissora
de televisão no país.
No primeiro período do Governo de Getúlio Vargas, editou-se o Decreto
n.o 24.655/34, o qual dispôs sobre a competência da União para tornar sem efeito as
licenças das emissoras de rádio que descumprissem os atos e as condições das outorgas.
Em reação ao controle estatal sobre a radiodifusão, a comunidade empresarial organizou-se
com a criação da Federação Paulista das Sociedades de Rádio com a finalidade de reduzir a
intervenção estatal sobre o setor e revisar os dois primeiros decretos. No mesmo período,
foi editado o primeiro plano nacional de distribuição de canais de radiodifusão.51
48 Saint-Clair Lopes defendia a existência de um único órgão regulador que tratasse de diversas matérias afetadas à execução do serviço de radiodifusão, especificamente defendia a transformação da Comissão Técnica de Rádio, constituída por civis e militares, em um Conselho Nacional ou Federal de Telecomunicações. Sua idéia era de evitar que o setor de radiodifusão ficasse submetido ao arbítrio das autoridades policiais (Ministérios Militares, Ministério da Justiça e Departamento Federal de Segurança Pública), daí porque defendia um órgão regulador especializado com a missão de orientar e controlar a execução do serviço de radiodifusão. (LOPES, Saint-Clair. Fundamentos sociais da radiodifusão. Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito, 1957, p.21).
49 AMARAL, A (des) ordem..., p.125-6.
50 AMARAL, A (des) ordem..., p.127.
51 AMARAL, A (des) ordem..., p.128.
37
No contexto da Revolução de 1930, encabeçada por Getúlio Vargas, e na
Revolução Constitucionalista de 1932, a Constituição de 1934 é a primeira a contemplar a
competência privativa da União para "explorar ou dar em concessão os serviços de
telégrafos, radiocomunicação e navegação aérea" (art. 5.o, VIII).
Por sua vez, a Carta Constitucional de 1937 é a primeira Constituição na
história brasileira a contemplar a expressão "radiodifusão", ainda que tenha sido para
fins de estabelecimento da censura pelo regime ditadorial conhecido como Estado Novo,
eis que tanto o Poder Executivo quanto o Legislativo estavam subjugados ao Presidente da
República.52
Para Saint-Clair Lopes a preocupação jurídica na década de 40 consistia na
destinação das emissões, o que configuraria o critério para distinguir a radiocomunicação
(destinação certa e determinada de suas emissões) em face da radiodifusão (destinada ao
público em geral, sem limitações de destino, orientando-se no sentido da universalidade).53
Para o autor, o caráter nacional do serviço é o mais adequado em razão da própria natureza
da radiodifusão, eis que ele é vocacionado à universalidade.54
No âmbito internacional, a Convenção Internacional de Telecomunicações de
Atlantic City, em 1947, revista em Buenos Aires em 1952, firmou as bases conceituais que
foram ratificadas pelo Brasil. Tal Convenção ampliou o espectro radioelétrico de duzentos
52 Dispõe o texto constitucional de 1937: "Art. 122 – A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito à liberdade,
à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] 15. Todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente, ou por escrito, impresso ou
por imagens, mediante as condições e nos limites prescritos em lei. A lei pode prescrever: a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do
cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação; [grifos nossos]
[...] A imprensa regular-se-á por lei especial, de acordo com os seguintes princípios: a) a imprensa exerce uma função de caráter público; b) nenhum jornal pode recusar a inserção de comunicação do Governo, nas dimensões taxadas em lei; [...] g) não podem ser proprietários de empresas jornalísticas as sociedades por ações ao portador e os
estrangeiros, vedado tanto a estes como às pessoas jurídicas participar de tais empresas como acionistas. A direção dos jornais, bem como a sua orientação intelectual, política e administrativa, só poderá ser exercida por brasileiros natos";
53 LOPES, S-C, op. cit., p.50.
54 LOPES, S-C, op. cit., p.47.
38
mil para dez milhões quilociclos e estabeleceu um novo quadro geral para a distribuição de
freqüências entre os Estados soberanos. A disputa entre os países era no sentido de
conquistar mais espaço eletromagnético de freqüências, sendo ainda mais acentuada em
razão da briga pela hegemonia mundial entre os Estados Unidos da América e a ex-União
Soviética.55
2.2 DÉCADAS DE 50 E 60
Na década de 50, surge a primeira emissora de televisão no Brasil, em São
Paulo, e logo a televisão supera o rádio em termos de audiência e faturamento.56 Suas
origens são caracterizadas por sua natureza comercial e privada, muito antes de qualquer
espécie de regulamentação quanto à sua organização e controle. A televisão brasileira teve
que estabelecer seus próprios centros de produção de programas (cuja modelagem partiu
do aproveitamento dos elementos da indústria radiofônica), ao contrário da televisão norte-
americana que se valia da estrutura da indústria cinematográfica que inclusive chegou,
mediante a atuação de distribuidoras, a fragilizar a indústria cinematográfica nacional.57
55 Essa Convenção Internacional contempla as seguintes definições: "TELECOMUNICAÇÃO é toda transmissão ou recepção de símbolos, sinais, fac-símiles, imagens, sons
ou informações de qualquer natureza, por fio, radioeletricidade, meios óticos ou outros sistema eletromagnéticos.
RADIOCOMUNICAÇÃO é toda telecomunicação por meio de ondas hertzianas. RADIODIFUSÃO é um serviço de radiocomunicação que efetua emissões destinadas à recepção direta
pelo público em geral. Este serviço pode compreender emissões sonoras, de televisão ou de fac-símiles e outras espécies de emissão." Idem.
56 A primeira emissora de televisão brasileira foi a TV Tupi do empresário Assis Chateuabriand, após a consolidação da maior organização jornalística de sua época: os Diários Associados. Entretanto, por causa de débitos financeiros, a emissora encerrou suas atividades em 1989, mediante um processo de desapropriação movido pelo governo federal. O "espólio" da TV Tupi foi repartido pelo governo Figueiredo para a formação da Rede Manchete e SBT. Cf. MORAIS, Fernando. Chatô o rei do Brasil: a vida de Assis Chateaubriand. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.459-515.
57 Em 1960, entrou em operação a TV Excelsior, com capital do Grupo Simonsen, com shows produzidos no RJ e novelas em SP, vindo a fechar no ano de 1970 por razões financeiras. Em 1965, nasce a TV Globo, do empresário Roberto Marinho, o qual impõe barreiras à entrada de competidores no mercado, mediante uma estratégia voltada para implantação do padrão Globo de qualidade, cuja expansão ocorreu com a implantação de um sistema de redes afiliadas para contornar as restrições legais quanto aos limites de propriedade (no contrato de afiliação, a Globo obriga-se ao fornecimento de programas de televisão, tendo como contrapartida a manutenção de seu padrão de qualidade, havendo a repartição de rendas decorrentes dos anúncios nacionais e locais). Em 1967, surge a TV Bandeirantes (do empresário João Saad), tornando-se em 1977 a terceira rede de TV no País, ao invés de adotar uma estratégia calcada na busca de programas e audiências similares ao da TV Globo, resolveu disputar diretamente a audiência com a respectiva líder, não tendo sucesso à época. Em 1969, aparece no cenário brasileiro a TV Cultura
39
Um dos pioneiros autores brasileiros a tratar da questão da radiodifusão em
território nacional foi o professor Antônio Chaves, segundo o qual a Constituição de 1946
teria qualificado radiodifusão como serviço público, objeto de concessão com prazo
determinado. Trata-se de um serviço público de competência da União, cujo modelo
encontra-se
num meio termo entre os países que, como a Grã-Bretanha, consideram a radiodifusão atividade intimamente ligada a interesses públicos, exercendo-a diretamente, e os países da doutrina oposta, como os EE.UU., que a consideram como atividade comercial privada.58
Themístocles Brandão Cavalcanti explica que a radiodifusão seria uma modalidade
de radiocomunicação na medida que o próprio Decreto n.o 21.111/32, "distinguindo a
radiocomunicação, pela sua natureza e pelos seus fins, divide os serviços de radiocomunicação
de São Paulo, ligada à Fundação Padre Anchieta, entidade do Estado de São Paulo. Em sua modelagem, buscou inspiração no modelo inglês de gestão nos moldes da BBC de Londres, ao instituir um Conselho Curador, formado por representantes de instituições públicas e privadas da sociedade paulista. Entretanto, não adotou o modelo, no que tange ao financiamento de suas atividades, para garantir sua independência financeira em face do poder público, mediante o pagamento de taxas anuais feitas pelos usuários do serviço de radiodifusão (LEAL FILHO, Laurindo Lalo. TV pública. In: BUCCI, Eugênio (Org.). A TV aos 50: criticando a televisão brasileira no seu cinqüentenário. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000, p.153-165). Em 1974, nasce o SBT do empresário Silvio Santos que ao mesmo tempo era o apresentador de programas de televisão populares, logo se tornou a segunda rede de televisão em audiência. No processo de constituição da rede, acabou comprando algumas das emissoras da Record e que, posteriormente, teve que se desfazer em razão da ilegalidade da operação comercial. Em 1983, aparece a TV Manchete do grupo editorial Adolpho Bloch (dono da Revista Manchete), mas que, por problemas de gestão administrativa, encerrou suas atividades na década de 1990. Sérgio Mattos, ao tratar da história da TV brasileira, explica as seguintes fases: "a elitista (entre 1950 e 1964), a populista (1964-1975), a de desenvolvimento tecnológico (1975-1985) e a de transição e expansão internacional (1985-1990)" (Cf. Um perfil da TV brasileira. 40 anos de história: 1950-1990, obra citada por DUARTE, Luis Guilherme. É pagar para ver: a TV por assinatura em foco. São Paulo: Summus, 1996, p.28). Para uma análise completa da história de formação das redes brasileiras de televisão, conferir: DUARTE, op. cit., p.33-34. Também, sobre a história da televisão brasileira, com o depoimento dos personagens que participaram diretamente do processo histórico, conferir: SILVA JR., Gonçalo. Pais da TV: a histórica contada por .... São Paulo: Conrad, 2001, e, especificamente, para um estudo mais aprofundado de estruturação da Rede Globo de Televisão, consultar: BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira (Orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2005 e A deusa ferida: por que a Rede Globo não é mais a campeã absoluta de audiência (Silvia Borelli e Gabriel Priolli – Coordenadores).
Por sua vez, a título ilustrativo, a indústria do cinema brasileiro foi consolidada com a criação em 1969 da Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes), uma companhia de capital misto de controle da União Federal que durante 20 anos foi o grande motor do cinema no Brasil, sendo extinta no governo Collor. Tratava-se de um modelo de concentração das etapas de produção e distribuição de filmes brasileiros, com influência na distribuição (ALMEIDA, Paulo Sérgio; BUTCHER, Pedro. Cinema, desenvolvimento e mercado. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2003, p.21-25).
58 CHAVES, Antonio. Proteção internacional do direito autoral de radiodifusão. São Paulo: Empresa Gráfica da RT, 1952. p.129-133, citado por BITELLI, Marcos Alberto Sant'Anna. O direito da comunicação e da comunicação social. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.99.
40
em nacional e internacional quanto a sua natureza, e em público, público restrito, limitado
de radiodifusão e especial quanto aos fins a que se destinam", sendo que a Constituição
Federal de 1946 foi clara ao deixar "bem explícita ao falar de radiocomunicação e
radiodifusão, permitindo a exploração por concessão ou autorização".59
Do ponto de vista normativo, a Constituição de 1946 distinguiu o conceito de
radiocomunicação e o conceito de radiodifusão, apesar de tecnicamente a radiodifusão ser
uma modalidade de radiocomunicação. Segundo Saint-Clair Lopes pode-se dizer que a
Constituição errou tecnicamente na medida em que o Regulamento Internacional qualifica
a radiodifusão como um dos ramos das radiocomunicações. Entretanto, segundo ele:
"Justifica-se, porém, a heresia técnica do texto constitucional. O legislador viu mais longe
do que o emaranhado de fios e válvulas; compreendeu a missão social da radiodifusão e
destacou-a como era mister".60
Nessa linha de entendimento (e no contexto da década de 50), o referido autor
adotou um conceito de radiodifusão considerando a condição de interesse nacional, bem
como a partir da necessidade social que o justificaria. Em razão disso, ele disse: "O serviço
de radiodifusão é um dos ramos das telecomunicações que efetua emissões destinadas a ser
recebidas diretamente pelo público em geral, compreendendo emissões sonoras, de
televisão, de fac-símiles de outros gêneros de emissão". E mais, segundo o mesmo autor:
"O serviço de radiodifusão é de interesse nacional e atuará como fonte de cultura, educação,
informação e entretenimento, podendo ser usado como veículos de propaganda e publicidade,
sujeitas estas às limitações da lei a fim de que não prejudiquem suas finalidades".61
Durante essa década até abril de 1960, a existência da televisão limitava-se
ao espaço onde estavam instaladas as antenas de transmissão, cujo sinal era captado pelos
telespectadores em um raio máximo de 100 quilômetros em torno do transmissor. "A televisão
brasileira, portanto, nasceu local e assim permaneceu por uma década, antes que a
evolução técnica a projetasse além das fronteiras municipais".62
59 A Constituição federal comentada, v.1, citado por FIORILLO, Celso Antônio. O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2000, p.169.
60 LOPES, S-C, op. cit., p.45.
61 LOPES, S-C, op. cit., p.50.
62 PRIOLLI, op. cit., p.16-17.
41
Na década de 60, com a adoção do videoteipe foi possível a gravação da programação de
televisão e, com isso, a constituição das primeiras redes nacionais de TV. Apesar dessa
"universalização" do serviço de televisão em termos de cobertura no âmbito do território
nacional, manteve-se seu caráter regional, algo incompatível com as necessidades dos
anunciantes que queriam estruturas de comercialização e estratégias de programas focados
em uma audiência nacional. Tanto a década de 50 quanto a de 60 são marcadas pelo poder
dos anunciantes que determinavam os programas a serem produzidos e transmitidos, não
sendo os telespectadores críticos em relação ao conteúdo da programação.63
A análise desse período histórico marcado pela criação das primeiras emissoras de
televisão e o advento do Código Brasileiro de Telecomunicações, no contexto da Constituição
de 1946, mostra as condições institucionais necessárias para a implantação de um modelo
de televisão hegemonicamente comercial, com o surgimento da era das redes nacionais de
televisão, nas décadas de 70 e 80, durante o regime militar, o que será visto a seguir.
2.3 REGIMES MILITARES (1964-1984)
A consolidação do mercado de televisão acentuou-se a partir de 1964, pois a
expansão do processo de formação de redes nacionais de televisão ainda foi fortalecida
com a implantação da rede básica de microondas que interligou diversas regiões do país.
Tratava-se de um projeto político do governo militar de integração nacional com alguns
poucos canais autorizados, desencadeado a partir de 1969. Também, o desenvolvimento do
mercado ocorreu graças às reformas econômicas produzidas durante o mesmo período,
particularmente com a implantação definitiva da indústria eletroeletrônica e o programa de
crédito direto ao consumidor, o que permitiu a ampliação do número de aparelhos de televisão
nos lares brasileiros.64
Na década de 70, depois de aproximadamente vinte anos anos de experiência, a
audiência torna-se mais seletiva quanto ao conteúdo da programação da televisão,
ampliando-se as expectativas do público em torno da qualidade, e a competição entre as
emissoras possibilitou a comparação entre as ofertas audiovisuais, razão pela qual a
63 Idem.
64 LIMA, V., Mídia: teoria e política, p.156.
42
televisão, além de servir ao entretenimento, atuou também como fonte de informação e
educação.65
O regime militar modificou o Código Brasileiro de Telecomunicações, mediante
a aprovação do Decreto-lei n.o 236/1967, nos aspectos relacionados à outorga das licenças,
penalidades e no controle da concentração da propriedade das emissoras de rádio e
televisão. A regra inovadora consiste na disciplina da concentração da propriedade privada,
prevendo-se que cada entidade só poderia ter concessão ou permissão para executar serviço
de radiodifusão em todo o território nacional, no caso das estações radiodifusoras de som e
imagem no limite máximo de dez em todo território nacional, sendo no máximo 5 em VHF
e 2 por Estado. Contudo, tal dispositivo normativo de controle sobre a concentração da
propriedade privada no setor de radiodifusão jamais foi respeitado.66 Outra novidade foi a
previsão da modalidade de “televisão educativa”, de incumbência da União, Estados,
Municípios, Fundações e Universidades.
Com a entrada da TV Globo em operação ocorre um processo de concentração
econômica bastante acelerado, tornando-se o mercado bastante oligopolizado:
A Globo tem historicamente ostentado grande capacidade de concentração de
poder: possui a maior participação na audiência, recebe a maior parte da verba
publicitária, conta com a maior rede de distribuição de sinais e é, de longe, a
maior produtora de conteúdo audiovisual do país.67
A própria institucionalização de seu padrão globo de qualidade constitui uma barreira
à entrada de novas emissoras de televisão no mercado. Tal fato não passou despercebido
das autoridades militares, razão pela qual houve o incentivo à criação de redes alternativas
de televisão, o que ensejou o rompimento da Rede Globo com o grupo que controlava o
poder no final do regime autoritário.68
O controle estatal sobre a mídia era realizado mediante o processo de outorga de
licenças, a realização de despesas com publicidade, importação de equipamentos, operação
65 DUARTE, op. cit., p.18.
66 AMARAL, A (des) ordem..., p.134.
67 SIMÕES, Cassiano Ferreira; MATTOS, Fernando. Elementos históricos-regulatórios da televisão brasileira. In: BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira (Orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2005, p.50.
68 LIMA, V., Mídia: teoria e política, p.163.
43
da infra-estrutura necessária para a realização dos serviços de radiodifusão etc. Apesar
disso, conforme explicação de Venício Lima:
a Rede Globo já era suficientemente forte no período entre 1982-1985 para
funcionar com relativa dose de independência e autonomia, contudo, sua participação
no processo de democratização foi para além de um mero papel de distorção,
omissão e promoção de informação.69
A organização da televisão brasileira sofreu forte influência do regime militar
(1964-1984) em razão de diversos fatos. Em retrospectiva histórica, a título ilustrativo,
pode-se elencar os principais acontecimentos ocorridos durante os governos militares:
General Castelo Branco (1964-1966) – criação da Empresa Brasileira de
Telecomunicações – Embratel e encerramento amigável da CPI referente ao contrato Time-
Life com a Rede Globo de Televisão; General Costa e Silva (1966-1968) – edição do Ato
Institucional n.o 0570, que fechou o Congresso Nacional e suprimiu direitos políticos, e o
Ato Institucional n.o 08, que restringiu a liberdade de expressão no País; General Emílio
Garrastazu Médici (1969-1973) – ocorrência do milagre econômico brasileiro e imposição
da censura aos principais jornais e emissoras de rádio e de televisão, com a morte de
jornalistas, transmissão nacional ao vivo e a introdução da televisão em cores; General
Geisel (1974-1978) – instituição da Radiobrás com o objetivo de melhor utilização das
empresas de transmissão operadas pelo governo e o início do processo de distensão política
para entrega do poder aos civis e, finalmente, general João Batista Figueiredo (1979-1984) –
alvo de críticas da própria televisão.71
2.4 GOVERNOS CIVIS DEMOCRÁTICOS (1985-2006)
69 LIMA, V., Mídia: teoria e política, p.165-173. Quanto ao período de democratização, são marcantes a atuação parcial da Rede Globo na cobertura das eleições de 1982 no Rio de Janeiro, as greves de Paulínia e ABC, em 1983, a campanha das Diretas Já, entre 1984 e 1985 (p.172-173). Evidentemente que, a par dessa visão, não é possível esconder a importância referida emissora no que tange à oferta televisiva de qualidade, em termos técnicos, e, também, no oferecimento de programas audiovisuais em favor da cultura nacional.
70 A par disso, o AI n.o 5, de 13 de dezembro de 1968, conferia poderes absolutos ao Presidente da República, inclusive colocava as decisões do Executivo fora do alcance de apreciação judicial.
71 CAPPARELLI, Sérgio; LIMA, Venício A. Comunicação & televisão: desafios da pós-globalização. São Paulo: Hacker, 2004, p.75.
44
O objetivo do presente tópico é apontar as principais políticas públicas referentes à
organização do setor de televisão no período envolvendo os governos civis democráticos,
desde o governo Sarney até os dias atuais.72
A década de 80 do século XX foi caracterizada pelo uso pelos governos civis das
concessões de televisão por radiodifusão como "moedas" políticas, mediante a distribuição
a políticos ou "amigos do poder", prática, é certo, que já vinha do regime militar, como
também foi marcada pela Constituição de 1988 e pelo aparecimento da televisão
segmentada. Paradoxalmente, apesar do fim dos regimes militares, com a eliminação da
censura prévia sobre o conteúdo da programação das emissoras de televisão, não houve um
processo de substancial democratização do setor de comunicação audiovisual em razão,
entre outros fatores, do fenômeno denominado "coronelismo eletrônico".73 Em outras
palavras, a organização e o funcionamento do setor de radiodifusão é até hoje afetada pela
ausência de uma cultura democrática em razão do regime militar. Lentamente, é que está
sendo construído um processo histórico-social de democratização da mídia no País.
O governo Sarney (1985-1989), cujo Ministério das Comunicações foi ocupado
por Antônio Carlos Magalhães, indicado pelo empresariado de comunicação, reforçou o
clientelismo então existente na medida em que utilizou as concessões de radiodifusão
como método para a obtenção de apoio para o mandato presidencial de cinco anos. Nesse
período foram regulados os serviços de TV por assinatura, mediante a edição do Decreto
n.o 95.741/88 e da Portaria do Ministério das Comunicações n.o 250/89.74
72 Aqui, adere-se à noção de política pública apresentada por Maria Paula Dallari Bucci: "as políticas são instrumentos de ação dos governos - o government by policies que desenvolve e aprimora o government by law. A função de governar – o uso do poder coativo do Estado a serviço da coesão social - é o núcleo da idéia de política pública, redirecionando o eixo de organização do governo da lei para as políticas. As políticas são uma evolução em relação à idéia de lei em sentido formal, assim como esta foi uma evolução em relação ao government by men, anterior ao constitucionalismo" (BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p.252).
73 Conforme Sérgio Capparelli e Venício Lima: "A expressão coronelismo eletrônico refere-se à relação de clientelismo político entre os detentores do Poder Público e os proprietários de canais de televisão, o que configura uma barreira à diversidade representativa que caracterizaria uma televisão onde o interesse público deveria ser priorizado em relação aos interesses particulares." (CAPPARELLI; LIMA, op. cit., p.79). Daí porque com ironia alguns teóricos se questionam: será a televisão uma concessão do Estado ou será o Estado uma concessão da televisão?
74 Em 1988, os proprietários de antenas parabólicas no Brasil passaram a capturar os sinais de três satélites internacionais e dois nacionais, ampliando o leque de opções quanto à programação de televisão, particularmente recebendo a programação das televisões a cabo norte-americanas, cujos sinais não estavam codificados. Por um bom tempo tolerou-se essa livre recepção dos sinais de televisão transmitidos pelos satélites e recebidos por antenas parabólicas até a respectiva codificação (DUARTE, op. cit., p.119).
45
No contexto desse governo surgiu o processo de redemocratização do País com
a instalação da Assembléia Nacional Constituinte. Contudo, a nova Constituição de 1988
foi uma oportunidade para a cristalização dos poderes locais ou regionais, particularmente
os "ganhos" do período militar, sendo que a atuação da frente conservadora baseou-se na
distribuição de concessões no campo da radiodifusão, para fins de manutenção das
benesses obtidas durante o regime militar.75 Na tentativa de neutralizar o Poder Executivo
quanto à distribuição de canais de radiodifusão, mediante a adoção de critérios políticos,
ficou estabelecida a participação do Congresso Nacional e instituído o Conselho de
Comunicação Social como seu órgão auxiliar, consoante disposição do art. 223 e 224, da
CF. Contudo, não lhe foi atribuído nenhum poder regulatório sobre os sistemas de
radiodifusão, competindo-lhe, tão-somente, a elaboração de estudos, pareceres,
recomendações e outras solicitações do Congresso Nacional.76
A partir da década de 90, surgem novos atores no cenário da televisão brasileira,
quais sejam, as igrejas na mídia. O início do processo se deu com a compra da TV Record,
então do empresário Sílvio Santos, pela Igreja Universal do Reino de Deus, e prosseguiu
com a instalação da Rede Vida de Televisão no ano de 1995, ligada à Igreja Católica.77
75 CAPPARELLI, Sérgio; SANTOS, Suzy. Coronelismo, radiodifusão e voto: a nova face de um velho conceito. In: BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira (Orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2005, p.88. Para uma análise mais aprofundada a respeito das propostas de democratização da comunicação no âmbito da Assembléia Nacional Constituinte consultar: PEREIRA, Moacir. A Democratização da comunicação e o direito à informação na constituinte. São Paulo: Global, 1987.
76 O Conselho de Comunicação Social é disciplinado pela Lei nº 8.389/91. Sua composição é integrada por treze membros, entre os quais: um representante das empresas de rádio; um representante das empresas de televisão; um representante de empresas da imprensa escrita; um engenheiro com notórios conhecimentos na área de comunicação social; um representante da categoria profissional dos jornalistas; um representante da categoria profissional dos radialistas; um representante da categoria profissional dos artistas; um representante das categorias profissionais de cinema e vídeo e cinco membros representantes da sociedade civil. Os membros são escolhidos pelo Congresso Nacional, com mandato de dois anos e uma possibilidade de recondução, com a indicação das entidades representativas dos setores mencionados nos incisos I a IX do art. 4º da Lei nº 8.389/91. Infelizmente, a modelagem do Conselho de Comunicação Social é eminentemente de caráter corporativo, sem a adoção de mecanismos de participação dos usuários dos serviços de televisão em seu interior.
77 LIMA, Venício. Mídia: teoria e política, ob. cit., p.110-111. A respeito do acesso aos canais de televisão por radiodifusão por entidades religiosas, entende-se que não há como impedi-las de prestarem serviços de televisão, desde que preenchidos os requisitos legais. Contudo, por força do art. 19, I, o Estado brasileiro não pode nem privilegiar ou discriminar determinados grupamentos religiosos. Vale dizer, por força da Constituição, o Estado não pode promover o “silenciamento dos grupos religiosos”, negando-lhes o acesso aos canais de televisão. Tal ação negatória implicaria em violação à liberdade religiosa tutelada constitucionalmente. Agora, como o espaço eletromagnético é limitado fisicamente, é necessária uma postura de equilíbrio quanto ao atendimento aos interesses religiosos e aos interesses de grupos de
46
Ainda no contexto da referida década, houve a consolidação da TV por
assinatura (apesar de já existirem tentativas de implantação da televisão a cabo no Brasil
desde os anos 70), cuja operação garante a multiplicidade na oferta de programação
audiovisual, particularmente em 1995, com a edição da Lei n.o 8.977/95 que trata do
serviço de televisão a cabo.78 Em verdade, antes mesmo da regulamentação legal, a
operação do serviço já ocorria com base em uma mera portaria que se destinava, aliás, à
disciplina da distribuição de sinais de televisão em condomínios fechados, mediante a
recepção de sinais com antenas parabólicas comunitárias e sua respectiva redistribuição
por cabo. Em seguida, um mero Decreto veio a legitimar os poderes do Presidente da
República quanto às distribuições das licenças para operação do serviço, classificando a
TV a cabo como um serviço especial, com base no próprio Código Brasileiro de
Telecomunicações.79
Em face da natural limitação do espectro eletromagnético (tradicionalmente
associado à radiodifusão), foram desenvolvidas novas tecnologias para permitir a difusão
de sinais de televisão, entre elas: UHF, STV - Subscription television (TV por assinatura),
MDS - Multipoint Distribution Service (Serviço de Distribuição Multiponto - SDM), MMDS -
Multichannel Multipoint Distribution Service (Serviço de Distribuição Multiponto
comunicação não-religiosos. Não é admissível em um Estado Democrático Direito que os sistemas de radiodifusão sejam hegemonicamente dominados por entidades religiosas, o que comprometeria o princípio da separação entre o Estado e as igrejas.
78 O Fórum Nacional pela Democratização dos Meios de Comunicação questionou a possibilidade de se adotar um procedimento de outorga presidencial sem a participação do Congresso Nacional, tal como exigida pela Constituição de 1988, no que tange à regulação dos serviços de televisão a cabo. A partir daí a sociedade civil organizou-se, mediante a atuação de sindicatos, profissionais e universidades, no que tange às negociações referentes à lei da televisão a cabo. Foram buscadas garantias para a democratização do setor, particularmente em face do poder político e do poder econômico, o que foi, de certa forma, alcançado mediante a previsão legal: (i) de canais básicos de utilização gratuita (canais de distribuição do sinal da televisão aberta, um canal legislativo (municipal/estadual), um canal para a Câmara dos Deputados, um canal para o Senado Federal, um canal para o Supremo Tribunal Federal, um canal universitário, um canal educativo-cultural e um canal comunitário), (ii) o acesso da comunidade à mídia, (iii) canais destinados à prestação eventual ou permanente de serviços, (iv) a atribuição de poderes de outorga do serviço a uma agência reguladora independente, (v) a consulta pública na hipótese de renovação da concessão do serviço de televisão a cabo, finalmente, (vi) programação de filmes nacionais de produção independente (RAMOS, Murilo César. Televisão a cabo no Brasil: desestatização, reprivatização e controle público. In: CAPPARELLI, Sérgio (Coord.). Enfim sós: a nova televisão no Cone Sul, 1999, p.39-57).
79 Sobre o histórico do surgimento da televisão segmentada, conferir: DUARTE, op. cit., p.107.
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Multicanal - SDMM), DBS - Direct Broadcast Satellite (Satélite de Transmissão Direta –
STD) e TV a cabo.80
Com isso, a oferta audiovisual foi radicalmente ampliada com a multiplicação
dos canais de televisão em virtude da evolução dos sistemas de distribuição de sinais,
havendo um processo de segmentação, criando-se, em tese, um cenário de competição
entre os novos meios de televisão.81 Em outras palavras, além do conceito de televisão
aberta, surge no direito brasileiro o conceito de televisão por assinatura.82
No governo Collor (1990-1992), as concessões de rádio e televisão foram também
utilizadas como instrumento político, havendo a recusa da adoção do sorteio sempre que
houvesse mais de um candidato para a mesma licença. A partir de julho de 1991, houve a
ampliação do número de "licenças" disponíveis para rádio e televisão no curto período de
seu mandato. Ao mesmo tempo, houve a suspensão dos procedimentos de distribuição dos
sinais de televisão por cabo (Distv) pela então Secretaria Nacional de Telecomunicações.83
Por sua vez, com a eleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso no período
(1994-1998), é rompida a concentração de poder político, econômico e ideológico, encabeçado
pela televisão por radiodifusão, mediante a privatização do setor de telecomunicações, com
a entrada do capital estrangeiro, o que foi possibilitado com a aprovação de emenda
constitucional e da lei geral de telecomunicações. "Mas, não se mexe na TV de massa, na
radiodifusão, âncora do poder econômico, político e simbólico das oligarquias nacionais e
locais".84 O então Ministro das Comunicações Sérgio Motta defendeu uma proposta para
organizar, mediante uma nova Lei Geral de Comunicação tanto o setor de telecomunicações
quanto o setor de radiodifusão, entretanto a proposta não foi adiante. Em sentido contrário,
80 Entre outras características, tais tecnologias diferenciam-se em razão do uso da faixa de freqüências do espectro eletromagnético, à exceção da TV a cabo que não se vale desse bem público. Assim, conforme o uso da faixa de freqüências, a TV VHF ocupa a faixa de freqüências entre 54 – 216 MHz, a TV UHF o espaço entre 470 – 512 MHZ, STV – faixa até 3 GHz, TV MMDS - faixa de 30 GHz, e TV por satélite – faixa de 3 a 5 GHz (banda C) e faixa de 11 a 15 Ghz (banda Ku) (DUARTE, op. cit., p.107).
81 DUARTE, ob. cit., p. 107.
82 Ver Capítulo II.
83 DUARTE, op. cit., p.71 e p.109.
84 BOLAÑO, César. Mercado brasileiro de televisão, 40 anos depois. In: BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira (Orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2005, p.23.
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houve como resposta, por pressão dos radiodifusores, a separação do setor de radiodifusão em
face do setor de telecomunicações, com a aprovação da Emenda Constitucional n.o 08/95.85
As expectativas de democratização da comunicação social não foram atendidas na
medida em que o governo promoveu a distribuição de concessões de serviços de repetição
e de retransmissão86, sendo uma parte destinada a empresas ou entidades controladas por
políticos, como também foram distribuídas outorgas de televisão educativa sem a realização de
licitação. Além disso, no período foram concedidas as primeiras autorizações para a
prestação de serviço de distribuição de sinais por satélite (mediante meras portarias do
Ministério das Comunicações), bem como houve a aprovação da Lei da Televisão a cabo.87
No segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso (1998-2002) houve a
elaboração do projeto de lei referente à agência nacional do cinema e do audiovisual e a
aprovação da emenda constitucional n.o 36/2002 que permite a entrada do capital estrangeiro
na mídia e a respectiva lei de regulamentação em virtude da crise financeira que abalou o
setor. Também, foi criada a Agência Nacional do Cinema, excluindo-se a televisão da respectiva
regulação, com o objetivo de mover ações, tanto de caráter regulatório quanto de fomento
para o desenvolvimento da indústria do cinema, compreendida como o conjunto de atividades
voltadas à produção e distribuição de filmes de longa e curta-metragem e sua comunicação
ao público em salas de exibição, vídeo doméstico, televisão e demais meios de difusão
eletrônica88. Também, durante a gestão do então Ministro das Comunicações Pimenta da
Veiga, discutiu-se um projeto de Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa, colocado
em consulta pública, sendo o projeto arquivado em função do lobby dos radiodifusores.89
85 LOPES, Cristiano Aguiar. Reflexões sobre a regulação da radiodifusão no Brasil: em busca da lei geral de comunicação eletrônica de massa. Estudo técnico da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, abril/2005, p.4.
86 O serviço de radiodifusão principal consiste na atribuição do direito à geração de programação em âmbito nacional, regional ou local. Existem ainda os serviços auxiliares à radiodifusão que consistem nas atividades de retransmissão e repetição dos sinais de televisão produzidos por uma estação geradora de televisão realizadas em razão de os sinais originariamente não alcançarem a sua destinação. Acerca do tema, conferir: VALLE, Regina Maria Piza de Assumpção Ribeiro do. TV por assinatura e radiodifusão: a consolidação da legislação dos serviços de comunicação eletrônica de massa no direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa, nº.160, p.82-83, out./dez. 2003.
87 CAPPARELLI; LIMA, op. cit., p.34-35.
88 Acerca do histórico problemático em torno da criação da ANCINE, consultar: BITELLI, op. cit., p.291-317.
89 LOPES, C. A., Reflexões sobre..., p.5.
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Por outro lado, no governo Lula (2002-2006) mais uma vez discutiu-se uma Lei
Geral de Comunicação Eletrônica de Massa, como também um novo projeto sobre a agência
nacional do cinema e audiovisual (Ancinav), particularmente com a crítica ao modelo
vigente que não realizaria uma política pública voltada à universalização do acesso aos
bens públicos, sendo que o dinheiro público estaria financiando uma ação regional e
concentradora de renda. Isto tudo no contexto de uma atitude crítica quanto ao papel das
agências reguladoras em matéria de formulação de políticas públicas, fixando a necessidade de
seu controle e transparência. Ainda no ano de 2003, as empresas jornalísticas e de radiodifusão
pleitearam linhas de crédito junto ao governo federal em face da crise financeira do setor, o
que ficou conhecido como o "Proer da Mídia".90
Em 2003, o governo federal instituiu um grupo de trabalho interministerial para a
definição da política pública para a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital.91
Trata-se a televisão digital de:
tecnologia de televisão que utiliza sistemas digitais de emissão, transmissão e
recepção dos sinais de vídeo e áudio. Além de permitir maior definição de imagens
e sons, viabiliza a interatividade com os telespectadores aliando a transmissão de
O objetivo da Lei de Comunicação Eletrônica de Massa era reorganizar e consolidar as regras da Lei n.o 4.117/62, as normas referentes ao serviço de TV a cabo, e as demais resoluções sobre o MMDS e DTH, como também conter regras sobre a utilização de infra-estrutura, compartilhamento e programação (VALLE, op. cit., p.73-93).
90 Acerca dos potenciais vícios de inconstitucionalidade do projeto de lei que tratava da criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual, que sequer chegou a ser encaminhado pelo Poder Executivo à análise do Congresso Nacional, em razão da forte polêmica levantada quanto ao seu teor regulatório, conferir: RODRIGUES JR., Otávio Luiz. O regime jurídico-constitucional da radiodifusão e das telecomunicações no Brasil em face do conceito de atividades audiovisuais: a inconstitucionalidade do anteprojeto de lei que cria a agencia nacional do cinema e do audiovisual – ANCINAV. Revista de Informação Legislativa, nº.170, p.287-309, abr./jun. 2006.
91 Os objetivos do Sistema Brasileiro de Televisão Digital conforme o Decreto n.o 4.901/2003 são os seguintes: promover a inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua pátria por meio do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da informação; propiciar a criação de rede universal de educação à distância; estimular a pesquisa e o desenvolvimento e propiciar a expansão de tecnologias brasileiras e da indústria nacional relacionadas à tecnologia de informação e comunicação; planejar o processo de transição da televisão analógica para a digital, de modo a garantir a gradual adesão de usuários a custos compatíveis com sua renda; viabilizar a transição do sistema analógico para o digital, possibilitando às concessionárias do serviço de radiodifusão de sons e imagens, se necessário, o uso de faixa de freqüência adicional de radiofreqüência, observada a legislação específica; estimular a evolução das atuais exploradoras de serviço de televisão analógica, bem assim o ingresso de novas empresas, propiciando a expansão do setor e possibilitando o desenvolvimento de inúmeros serviços decorrentes da tecnologia digital, conforme legislação específica; estabelecer ações e modelos de negócios para a televisão digital adequados à realidade econômica e empresarial do País; aperfeiçoar o uso do espectro de radiofreqüências; contribuir para a convergência tecnológica e empresarial dos serviços de comunicações; aprimorar a qualidade de áudio, vídeo e serviços, consideradas as atuais condições do parque instalado de receptores no Brasil; e incentivar a indústria regional e local na produção de instrumentos e serviços digitais.
50
dados ao sinal de broadcasting, a transmissão simultânea de múltiplos programas
e a recepção dos sinais em computadores e em telefones celulares.92
Entre os padrões tecnológicos referentes à televisão digital objeto de estudo
estavam: o norte-americano – ATSC – Advanced Televison Systems Commitee, o europeu –
DVB – Digital Vídeo Broadcasting - e o japonês (ISDB – Integrated Services Digital
Broadcasting).93
Ao final, o governo brasileiro optou pelo padrão digital técnico japonês, objeto
de preferência das emissoras de radiodifusão, contudo, sequer o Congresso Nacional
participou da escolha pública.94
Em 2006, o governo federal publicou o Decreto n.o 5.820, de 29 de junho,
regulamentando as diretrizes para a transição do sistema de transmissão analógico para o
sistema de transmissão digital do serviço de radiodifusão de sons e imagens e do serviço de
retransmissão de televisão.
A análise do referido ato normativo revela que o Sistema Brasileiro de Televisão
Digital Terrestre representa o conjunto de padrões tecnológicos a serem adotados para
transmissão e recepção de sinais digitais terrestres de radiodifusão de sons e imagens que
92 RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo Guimarães. Dicionário de comunicação. 4.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2001, p.718. A aplicação da tecnologia digital à atividade de televisão por radiodifusão permite: a adoção do formato de tela 16:9, a alta definição, interatividade, mobilidade/ portabilidade, monoprogramação ou multiprogramação e multisserviço. Cf. Projeto referente ao Sistema Brasileiro de Televisão Digital – Modelo de Implantação, apresentado ao governo federal brasileiro, Disponível em: <www.min.gov.br>. Acesso em 15.08.06.
93 Note-se que, em verdade, os padrões são um sistema. Não há propriamente um padrão tecnológico, mas sim um sistema integrado por diversas tecnologias com variadas funções. Há um sistema de televisão digital que implica a escolha de determinados padrões tecnológicos. Assim, cada padrão tecnológico (referente a diversos elementos: compressão, transporte, transmissão, middleware e aplicativos) é possuído por um distinto detentor da tecnologia. É o que explicam os consultores legislativos da Câmara dos Deputados: "Assim, a definição do chamado padrão – europeu, americano ou japonês – foi, na prática, a escolha de padrões tecnológicos para compor um sistema de televisão digital. Para cada camada (compressão, transporte transmissão, middleware e aplicativos), os padrões escolhidos possuem distintos detentores de tecnologias, que não são necessariamente do país ou do bloco de países que dá nome ao sistema. Alguns são, inclusive, fóruns abertos internacionais, como é o caso do MPEG." (VEDANA, Vilson et al. Os caminhos da TV digital no Brasil. p.4. Disponível em: <www.camara.gov.br>. Acesso em: 20.9.06.
94 A adoção pelo governo brasileiro (sequer com a participação do Congresso Nacional) do padrão de televisão digital preferido pelas emissoras privadas de televisão ampara-se na suposta superioridade técnica do modelo japonês. Infelizmente, as razões para a escolha pública não são claras. A preferência pelo modelo japonês reside no fato de que o mesmo é o que menos interfere no modelo de negócios das atuais radiodifusoras, como também amplia o potencial de faturamento do setor à medida que possibilita a transmissão do sinal de televisão para outros aparelhos receptores em razão de sua mobilidade (como é o caso da transmissão dos sinais para telefones celulares e automóveis).
51
possibilita o oferecimento do serviço de radiodifusão digital terrestre, conforme parâmetros
tecnológicos internacionais definidos pela União Internacional de Telecomunicações. Impõe-se,
obrigatoriamente, às atuais concessionárias e autorizadas do serviço de radiodifusão de
sons e imagens, a adoção do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre, sendo que o
acesso ao serviço de radiodifusão digital terrestre é garantido ao público em geral, de forma
livre e gratuita. O SBTV-T adotará como base o padrão de sinais ISDB-T (padrão japonês),
incorporando as inovações tecnológicas aprovadas pelo Comitê de Desenvolvimento.95
O Sistema Brasileiro de Televisão Terrestre – SBTVD-T tem como objetivo a
transmissão digital em alta definição (HDTV) e em definição padrão (SDTV), transmissão
digital simultânea para recepção fixa, móvel e portátil e interatividade. Garante-se às atuais
concessionárias e autorizadas do serviço de radiodifusão de sons e imagens, em razão de
cada canal outorgado, um outro canal de radiofreqüência, com largura de banda de seis
megahertz, a fim de permitir a transição para a tecnologia digital, assegurada a continuidade da
transmissão dos sinais analógicos. Tal canal adicional só será outorgado às concessionárias
e autorizadas que estejam regulares com o ato de outorga e será formalizado mediante
instrumento contratual. O período de transição será de dez anos, a partir da entrada em vigor
do dispositivo normativo, prevendo-se durante esse período a transmissão simultânea de
programação no formato digital e analógico, havendo, obrigatoriamente a devolução para a
União dos canais de freqüências até então usados para a transmissão analógica, após o
término do período de transição.96
Assegurando-se, também, aos Municípios, contemplados no Plano Básico de
Televisão Digital, pelo menos quatro canais digitais de radiofreqüência, com largura de
banda de seis megahertz, para a exploração direta pela União. Além disso, garante-se à
União a faculdade de explorar o serviço de radiodifusão de sons e imagens em tecnologia
digital, conforme operações compartilhadas a serem definidas pelo Ministério das
Comunicações, para transmissão de um Canal do Poder Executivo (para transmissão de atos,
trabalhos, projetos, sessões e eventos do Poder Executivo); Canal de Educação (para
transmissão destinada ao desenvolvimento e aprimoramento, entre outros, do ensino à
distância de alunos e capacitação de professores); Canal de Cultura (para transmissão
destinada a produções culturais e programas regionais) e Canal de Cidadania (para
95 Cf. arts. 2.o, 3.o e 4.o do Decreto n.o 5.820/06.
96 Cf. arts. 6.o, 7.o e art. 13 do referido decreto federal.
52
transmissão de programações das comunidades locais, bem como para divulgação de atos,
trabalhos, projetos, sessões e eventos dos poderes públicos federal, estadual e municipal),
sendo que este último canal poderá oferecer serviços públicos de governo eletrônico no
âmbito federal, estadual e municipal.97
No ano de 2007, o governo federal passou a considerar a criação de uma TV
Pública nacional, cuja gestão estaria a encargo de um conselho com quinze a vinte
representantes da sociedade. A proposta de criação da nova instituição prevê a fusão das
estruturas da Radiobras e da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto
(Acerp).98
O presente trabalho apresenta os parâmetros normativos para a disciplina do
setor de televisão por radiodifusão, considerando o contexto da aplicação da técnica digital.
Em particular, a tese centra-se na reflexão sobre a noção de serviço público de televisão:
seu conteúdo, princípios e delimitação quanto à sua aplicação nos sistemas de radiodifusão
privado, público e estatal, previstos no art. 223, caput, da CF.
Para a realização dessa tarefa é fundamental a apresentação do conceito de
televisão, o que será visto a seguir.
97 Trata-se do Decreto federal n.o 5.820, de 29 de junho de 2006.
98 Conferir Revista Tela Viva nº 171, maio de 2007, p. 40-48. Também, consultar: “Conselho da TV pública terá membros indicados pelo presidente da República”, de 17/08/2007, acessado em wwww.presidencia.gov.br/noticias/ultimas_noticias/com_1708, em 18.8.2007.
53
3 DEFINIÇÃO DE TELEVISÃO
O termo televisão assume diversos significados, podendo-se referir usualmente a
um "sistema de transmissão e recepção de sinais visuais convertidos em sinais eletromagnéticos,
através de ondas hertzianas ou de cabo coaxial", à "atividade artística, técnica, informativa
e educativa, desenvolvida para difusão simultânea de sinais de vídeo e áudio" ou pode
designar a "emissora de radiodifusão ou cabodifusão de imagens e sons ou, finalmente,
indicar simplesmente o receptor de televisão".99
Com efeito, a palavra "televisão" tem uma extensão que inclui a televisão por
radiodifusão (televisão aberta) e a televisão por assinatura (cabo, satélite, MMDS etc.) e
que pode incluir outros meios de difusão de sinais de televisão. É preciso adotar um
critério para a definição da nota básica que identifique a atividade de televisão diante de
outras atividades, inclusive independentemente da tecnologia utilizada para a difusão dos
99 RABAÇA; BARBOSA, op. cit., p.717-718.
54
sinais de áudio e de vídeo. Além disso, existem propriedades relativas à atividade de
televisão que justificam a aplicação de seu regime jurídico aos serviços análogos, o que
será visto no momento oportuno.
Para os fins do presente trabalho, o que importa é o sentido jurídico de televisão.100
A busca da significação do conceito de televisão deve ser feita no campo do ordenamento
considerado em sua globalidade. A Constituição não adota conceitos, razão pela qual a
determinação do significado de serviço de televisão por radiodifusão há de ser buscada em
outros lugares. Ela limita-se a contemplar expressões lingüísticas ligadas aos termos
"emissoras de televisão" (art. 221) e "radiodifusão de sons e imagens" (art. 222). Embora
não haja em seu texto a delimitação do que seja a expressão "radiodifusão de sons e
imagens", a partir do quadro constitucional é possível a determinação do regime aplicável
aos serviços de televisão.
No direito brasileiro as expressões usualmente empregadas são: radiodifusão e
televisão, sendo pouco habitual a utilização do termo comunicação audiovisual e atividade
de televisão.101
A análise do ordenamento jurídico revela a existência de um conceito de
televisão em sentido restrito que se refere à televisão por radiodifusão. Trata-se, por assim
dizer, a noção clássica de televisão criada na década de 50 do século passado. Além disso,
100 Há uma diferença de sentido entre o conceito nas disciplinas originárias e depois sua recepção em normas jurídicas, o que implica a conformação desses materiais não jurídicos, ficando subordinados às regras de hermenêutica jurídica (SOARES, Rogério Guilherme Ehrhardt. Direito público e sociedade técnica. Coimbra: Atlântida, 1969, p.172). Para os fins do presente trabalho, entende-se que tanto a forma quanto o conteúdo são fundamentais para a identificação de um conceito de serviço de televisão. Não é possível uma compreensão que isole a forma do respectivo conteúdo da atividade de televisão, sob pena de comprometimento de sua própria significação.
101 No âmbito da legislação brasileira, os termos radiodifusão e televisão encontram-se na Lei n.o 4.117/62 (arts. 4.o, letra "d", e 32), no Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (arts. 1.o, 4.o, 1.o, letra b, 5.o, 22, do Decreto n.o 52.795/1963, alterado pelo Decreto n.o 2.108/96), no Regulamento dos Serviços de Telecomunicações (art. 4.o, I, letras c e d, 6.o, 40, 65, 83, 151, do Decreto n.o 97.057/88). Conforme José Alexandrino: "No Direito português, os termos usualmente empregados são: radiodifusão, radiotelevisão, televisão e actividade de televisão, sendo pouco habitual o emprego da expressão comunicação audiovisual (à semelhança do que sucede no Direito espanhol ou italiano, mas já não no francês ou no belga, onde o audiovisual, embora com diversas acepções, ganhou foros de categoria jurídica de referência). Ainda, segundo o autor: "em regra, a referência ao audiovisual ocorre apenas quando se pretende aludir à materialização da actividade, aos suportes físicos, aos produtos, aos documentos ou aos arquivos." (ALEXANDRINO, José Alberto de Melo. Estatuto constitucional da actividade de televisão. Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p.41). No direito espanhol, explica José María Souvirón Morenilla, o termo audiovisual designa a comunicação de programas mediante som e imagem ao público; fórmula que supera os estreitos limites da definição jurídica de radiodifusão (MORENILLA, José María Souvirón. Derecho público de los medios audiovisuales: radiodifusión y televisión. Granada: Editorial Comares, 1999, p.3).
55
atesta a existência de um conceito de televisão em sentido amplo, o qual engloba todos os
meios de comunicação que transmitem sinais de televisão, independentemente da
tecnologia adotada.
A partir do direito positivo, cabe à doutrina a apresentação do conceito amplo e
do conceito estrito de televisão. E mais, também seu trabalho é o de verificar a
possibilidade de apresentar um conceito unitário que garanta a unidade na formatação e
aplicação de um mesmo regime jurídico aos serviços de televisão. Em outras palavras,
analisar a admissibilidade de extensão do regime jurídico originário aplicável aos serviços
de televisão por radiodifusão a outras modalidades de televisão.102
3.1 SENTIDO ESTRITO
Não há como compreender o conceito restrito de televisão sem a adequada
consideração de sua relação com a Constituição. A busca da significação do conceito
de televisão é uma busca normativa, ou seja, no interior do ordenamento jurídico:
em um primeiro momento, em nível constitucional e, em segundo momento, em nível
infraconstitucional.
Conforme lições de Jónatas Machado, a Constituição não contém uma definição
do que seja televisão, porém para ser aplicada ela pressupõe esse conceito.103 No setor de
televisão, há substanciais mudanças tecnológicas e estruturais, o que exige da disciplina
jurídica a precisão quanto à terminologia adotada, a fim de serem evitadas confusões
quanto à adequada interpretação da realidade.
Ocorre que é complexo o desafio quanto à utilização de conceitos suficientemente
precisos que possibilitem uma fácil identificação e delimitação dos diversos meios de
102 Afinal de contas, como ensina Eros Roberto Grau, os conceitos jurídicos são úteis não medida em que viabilizam a aplicação de normas jurídicas (GRAU, op. cit., p.87).
103 MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p.600.
56
comunicação audiovisual, a fim de apontar as diferenças arquitetônicas e estruturais entre
eles e mostrar as notas juridicamente relevantes.
Além disso, a tarefa de buscar os conceitos jurídicos adequados há de privilegiar
os sentidos mais aptos a evitar sua respectiva obsolescência operacional, daí porque "devem
adoptar-se conceitos relativamente abertos, de natureza não definitória, que acomodem as
transformações de natureza tecnológica e estrutural que caracterizam este domínio".104
Segundo ainda o autor:
A doutrina chama a atenção para a necessidade de interpretar o conceito de
radiodifusão de uma forma dinâmica e normativo-funcionalmente adequada,
salientando que a garantia da força normativa da liberdade de radiodifusão implica
a sua não vinculação a uma tecnologia determinada.105
Ele continua no seguinte sentido:
Igualmente importante é sublinhar o facto de que as definições avançadas pela
doutrina e pelo legislador não têm necessariamente um significado constitutivo
do ponto de vista jurídico-constitucional. O conteúdo do conceito constitucional
de radiodifusão não se confunde com aquele que o mesmo possa vir a adquirir
noutros contextos, como os de direito administrativo, fiscal, penal, comercial.106
Em outras palavras, o conceito de radiodifusão depende significativamente do
âmbito normativo da liberdade de radiodifusão, o qual deve ser interpretado de uma forma
bastante alargada com o objetivo de garantir a abrangência das mais diversas formas de
comunicação, evitando-se, com isso, uma interpretação restritiva decorrente da aplicação
de leis disciplinadoras da atividade.107
Na prática, é comum a utilização de um conceito genérico de radiodifusão, cuja
extensão abrange os serviços de rádio e de televisão. No caso do direito português, emprega-se
a categoria genérica das telecomunicações e da subcategoria das radiocomunicações para o
conceito de radiodifusão, este utilizado para designar a rádio e a televisão. A ênfase é dada
para as idéias de comunicação por via rádio-elétrica e de difusão para o público em geral.
104 MACHADO, J. E. M., Liberdade de expressão..., p.600.
105 MACHADO, J. E. M., Liberdade de expressão..., p.600.
106 MACHADO, J. E. M., Liberdade de expressão..., p.600.
107 MACHADO, J. E. M., Liberdade de expressão..., p.600.
57
Ocorre que a primeira idéia vem perdendo sua força à medida que a comunicação tem se
valido de outras vias eletromagnéticas, para além do espectro eletromagnético
propriamente dito.108
A partir desse contexto, o referido autor apresenta seu conceito de radiodifusão:
Assim, pode dizer-se que a radiodifusão compreende, genericamente, toda a
comunicação dirigida a um número indeterminado de pessoas através de ondas
electromagnéticas, com ou sem utilização do cabo. Nesta acepção, ela abrange a
rádio e a televisão, por via hertziana terrestre, por cabo ou por satélite. Em face da
terminologia do legislador nacional, o conceito de radiodifusão surge como conceito
genérico a que se subsumem a radiodifusão sonora e a radiodifusão televisiva.109
O conceito de radiodifusão está em conexão direta com a definição de atividade
de televisão.
Neste domínio a tarefa de construção conceitual tende a perder parte da sua
importância prática, na medida em que a multiplicidade e diversidade dos serviços
que denotam o conceito em presença, aliadas às permanentes transformações
tecnológicas, afastam, à partida, a existência de um único e estável regime jurídico
para todos eles.110
Deve-se, a partir da definição legal, promover densificação do conceito de
televisão em face dos parâmetros constitucionais.
O conceito em análise deve ser entendido em termos abertos, ou tipológicos, e
não definitórios, devendo a sua denotação ser procurada a partir da verificação
de uma parte significativa das suas notas, que não necessariamente de todas elas
em termos cumulativos.111
No âmbito do direito alemão, a Corte Constitucional alemã manifestou-se a
respeito do campo normativo do art. 5.o, al. 1, frase 2, da Lei Fundamental, o qual trata da
108 MACHADO, J. E. M., Liberdade de expressão..., p.600-601.
109 MACHADO, J. E. M., Liberdade de expressão..., p.601. Por sua vez, quanto à legislação européia, o autor explica o seguinte: "Este sentido pode ver-se na legislação européia, surgindo daí clarificado com a noção de que essa comunicação pode ser codificada ou decodificada, alargando-se ainda mais o seu alcance de forma a com ela abranger um variado conjunto de serviços de comunicação que, embora se afastem das notas tradicionais da radiodifusão possam ser considerados semelhantes à radiodifusão no sentido tradicional do termo (Rundfunkähnlichen Kommunikationsdiensten)." (p.601).
110 MACHADO, J. E. M., Liberdade de expressão..., p.603.
111 MACHADO, J. E. M., Liberdade de expressão..., p.604.
58
garantia da liberdade de opinião em face da imprensa, do rádio, da televisão e do
cinema.112 Segundo Friedrich Müeller:
A Corte (Constitucional Alemã) dirigiu-se, então, para a análise do campo normativo
do art. 5 al. 1 frase 2 da LF, à distinção entre a 'radiodifusão tradicional' e os 'serviços de comunicação similares àquele de radiodifusão'. A comparação técnica
de retransmissão, dos conteúdos dos programas e de situações das participações
no processo de comunicação serve a justificar a incorporação desses 'serviços de
comunicação similares' no campo normativo da liberdade de radiodifusão.113
Na determinação do conceito de radiodifusão existem zonas de penumbra, daí
porque, de um lado, a semelhança com os serviços de radiodifusão pode justificar a
subordinação ao regime jurídico destes últimos; de outro lado, a não submissão ao conceito
de radiodifusão implica a libertação dos serviços das restrições normativas que limitam a
radiodifusão, particularmente no que tange o acesso à atividade e aos limites da programação.114
No Brasil, a primeira referência quanto ao conceito de radiodifusão é a Lei
n.o 4.117/62 que aprovou o Código Brasileiro de Telecomunicações e que ainda vale para o
setor de radiodifusão, mas não mais para o setor de telecomunicações em sua integralidade,
eis que este é regido pela nova Lei Geral de Telecomunicações.115 A referida lei ao
promover a classificação dos serviços de telecomunicações, em razão dos fins a que se
destinam, dispôs que o serviço de radiodifusão é aquele "destinado a ser recebido direta e
112 O texto da Constituição alemã em discussão é o seguinte: "ARTIGO 5 – Liberdade de opinião 1. Cada um tem o direito de expressar e difundir livremente sua opinião pela palavra, por escrito ou por
imagens, e de se informar sem impedimentos em fontes que são acessíveis a todos. A liberdade de imprensa e a liberdade de informar pelo rádio, a televisão e o cinema é garantida."
(CARVALHO, José Luiz Tuffani de (Trad.). Constituições estrangeiras. Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, 2003, p.86).
113 MÜELLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Traduit de l'allemand par Olivier Jouanjan. Paris: Presses Universitaires de France, 1996, p.70. O referido autor ainda comenta outra decisão da Corte Constitucional Alemã que definiu os parâmetros para a organização do setor de radiodifusão; eis suas palavras: "A propósito de uma parte concretamente circunscrita do campo normativo da liberdade de opinião, a saber a organização da oferta de programas audiovisuais, a Corte Constitucional federal formulou, em seu julgamento 'Televisão' de 28 de fevereiro de 1961, as diretrizes fundamentais relativamente à organização da radiodifusão sob a base de reflexões minuciosas consagradas à estrutura mesma dessa mídia." (p.69).
114 MACHADO, J. E. M., Liberdade de expressão..., p.607.
115 Como já referido, do ponto de vista técnico, a atividade de televisão por radiodifusão é uma forma de telecomunicação. Ocorre que, do ponto de vista jurídico, houve a separação entre a disciplina do setor de telecomunicações em face do setor de radiodifusão, a partir da aprovação da Emenda Constitucional n.o 08/95, e que ensejou a edição da Lei Geral de Telecomunicações inaplicável, no entanto, aos serviços de radiodifusão sonora e de sons e de imagens.
59
livremente pelo público em geral, compreendendo radiodifusão sonora e televisão" (art. 6.o,
4, letra "d").116 A característica básica consiste no fato de o serviço de radiodifusão
depender da utilização do espectro eletromagnético de freqüências para a transmissão de
sinais de áudio e de vídeo para o público em geral, o qual é recurso limitado, classificado
juridicamente como um bem público.117118.
Do ponto de vista legal, a televisão por radiodifusão é a atividade de emissão e
transmissão de sons e imagens, realizada por intermédio de freqüências radioelétricas,
destinada à recepção livre e gratuita pelo público em geral. Daí a identificação entre a
televisão por radiodifusão e a noção de "televisão aberta". Basicamente, existem três
elementos normativos para a conceituação do serviço de televisão por radiodifusão: (i) a
natureza técnica do meio de difusão que utiliza o espectro eletromagnético; (ii) a atividade
de emissão e de transmissão de sons e de imagens (sinais de vídeo e de áudio); e,
finalmente, (iii) o alcance da prestação referente à recepção direta e livre pelo público em
geral.119
No âmbito regulamentar, há a explicação do conceito legal de televisão. A atividade
de televisão é caracterizada pela emissão e transmissão de sons e imagens em caráter transitório.
A título ilustrativo, tal critério é adotado pelo Regulamento Geral do Código Brasileiro de
Telecomunicações (já revogado), o qual reza que a televisão é a "forma de telecomunicação
caracterizada pela transmissão de imagens transientes, animadas ou fixas, reproduzíveis em tela
optoeletrônica à medida de sua recepção".120 E, ainda, especificou-se a radiodifusão como:
116 Por sua vez, a definição no âmbito internacional da Convenção da União Internacional de Telecomunicações, incorporada ao direito interno mediante a publicação do Decreto n.o 2.962/99, o serviço de radiodifusão é o "serviço de radiocomunicação cujas emissões se destinam a ser recebidas diretamente pelo público em geral. Tal serviço engloba emissões sonoras, de televisão ou de outro gênero", sendo radiocomunicação: "toda telecomunicação transmitida por ondas radioelétricas".
117 ALMEIDA, André Mendes. Mídia eletrônica: seu controle nos EUA e no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.49. Ver, ainda, art. 157 da Lei nº. 9.472/97.
Sobre a caracterização técnica do espectro eletromagnético como bem de uso comum do povo garantidor do direito de antena a todos (Estados, sociedade civil organizada e cidadãos) à luz do direito ambiental, conferir: FIORILLO, op. cit., p.121-136 e p.182-189.
119 Acerca do conceito de televisão aberta em contraste com o conceito de televisão fechada (ou por assinatura), conferir Capítulo II.
120 Conforme art. 6.o, 151.o, do Decreto n.o 97.057/88, que alterou o Regulamento Geral para execução da Lei n.o 4.117/62.
60
"forma de telecomunicação caracterizada pela teledifusão de ondas radioelétricas através
do espaço livre", sendo a teledifusão: "forma de telecomunicação unilateral caracterizada pela
transmissão de informação para grande número de destinatários atingidos por circuitos
físicos e radioelétricos".121
O serviço de televisão desenvolve-se, mediante a utilização de meios técnicos de
comunicação que atingem a generalidade da população, de modo indiferenciado, não
identificável e unilateral. Em razão da natureza do meio técnico de difusão de sinais de
televisão, é que se torna possível a realização da comunicação à generalidade. A "comunicação
massiva" caracteriza-se pelo fato de ser realizada por organizações complexas, sendo
dirigida a um grande público ("numeroso, indeterminado, heterogêneo e anônimo"), mediante
a adoção de meios técnicos que permitam a difusão em larga escala de conteúdo por uma
imensa área geográfica. É da essência da noção de "comunicação massiva" a unilateralidade,
sendo a interatividade entre os emissores e os receptores apenas residual, eis que contraria
a lógica do sistema de organização da atividade122.
A definição legal de televisão não inclui como elemento normativo as finalidades
da programação audiovisual (Lei nº 4.117/62). Apesar disso, elas constituem em
obrigações a serem observadas na respectiva prestação do serviço de radiodifusão de sons
e de imagens. Segundo a lei, o serviço de televisão na modalidade radiodifusão tem como
finalidades a educação e a cultura, consistindo no oferecimento de programas audiovisuais
que propiciem ao público em geral: a informação, o divertimento e a publicidade, tudo em
conformidade com os interesses superiores do País. Tais finalidades do serviço de
121 Art. 6.o, 65.o, 144.o, do Decreto n.o 97.057/88. A estrutura de redes de mediação é característica dos serviços de telefonia fixa e móvel, telegrafia e telex e de transmissão de dados, já a estrutura das redes de difusão é característica dos serviços de radiodifusão e de televisão a cabo. Para a diferença entre redes de mediação e redes de difusão, consultar: FARACO, Regulação..., p.21-23.
122 Conforme Aluízio Ferreira, a comunicação massiva é aquela: "que se realiza no contexto de massa, isto é, de pessoas distanciadas e indistinta ou indiferenciadamente consideradas quando da decisão, planejamento, produção e veiculação das unidades portadoras de informações (mensagens)" (FERREIRA, ob. cit., p.204). A palavra "massa" adicionada ao conceito de comunicação carrega forte ideologia antiliberal e totalitária, conforme explica Xifra-Heras: "Acrescentando-se que a palavra massa é portadora de forte carga ideológica antiliberal e totalitária, temos de admitir que sua utilização no domínio informativo, tão generalizado no idioma inglês (mass-media, mass-communication, mass-observation, mass-information, mass-reaction), deve efetuar-se com a reserva de que os meios de difusão, embora dirigidos a setores cada vez mais amplos da sociedade, em vez de fomentarem as correntes massificadoras, são técnicas de integração, portadoras de mensagens culturais opostas a todo gregarismo. Massificação e informação deveriam ser termos antiéticos. É, pois, aconselhável designar os meios informativos prescindindo da palavra massa." (XIFRA-HERAS, op. cit., p.173-174).
61
radiodifusão compõem o respectivo regime jurídico de serviço público conforme
interpretação tradicional apresentada pela doutrina brasileira.123
Importa notar que o conceito legal de televisão por radiodifusão tem um âmbito
normativo bastante delimitado à medida que se refere tão-somente à programação
audiovisual e à transmissão de sinais de televisão pelo meio radiodifusão até a fase de
recepção pelos respectivos usuários. Tal conceito estrito exclui a atividade de produção de
programas de televisão, eis que tal atividade encontra-se submetida a um regime jurídico
próprio fundado na livre iniciativa.
Para a compreensão da conceituação dos serviços de televisão por radiodifusão,
é importante compreender a cadeia de valor econômico que envolve o setor. Nesse sentido,
a significação jurídica do conceito fica mais clara com a delimitação das atividades
econômicas que envolvem a prestação dos serviços de radiodifusão.124
Em primeiro lugar, há a atividade de produção de conteúdo audiovisual que
envolve as atividades de criação, produção e processamento, mediante a atuação dos
estúdios. Tal atividade é livre aos brasileiros e aos estrangeiros, englobando tanto a
produção de programas de televisão quanto a criação de conteúdo publicitário, inclusive
existem mecanismos econômico-fiscais de fomento ao setor audiovisual com o objetivo de
difusão cultural, em particular com o incentivo quanto à produção de filmes. Vale dizer, a
criação de conteúdo audiovisual encontra-se no âmbito da livre iniciativa e representa o
exercício da liberdade de criação intelectual e artística. Um programa de televisão é
considerado uma obra audiovisual, protegido inclusive pela legislação sobre os direitos
autorais.
Em regra, o paradigma de organização econômica da televisão por radiodifusão
está atrelado à produção do conteúdo audiovisual pela própria emissora de televisão, mas
nada impede que ela venha a comprar conteúdo audiovisual de terceiros. Por sua vez, no
123 Conforme disposição do art. 38, letra "d", da Lei n.o 4.117/62. Nesse sentido, na organização da programação são estabelecidas algumas obrigações a serem seguidas pelas empresas de radiodifusão tais como: transmissão de serviço de notícias de, no mínimo, 5% do horário de sua programação diária, respeitar o limite máximo de 25% do horário de sua programação diária o tempo destinado à publicidade comercial, veicular programas educacionais utilizando no mínimo 5 horas semanais, exibir a propaganda eleitoral, apresentar boletins do serviço meteorológico, entre outras (art. 38, letras "e" e "h", e art. 124, da Lei n.o 4.117/62).
124 Conferir: Relatório sobre Cadeia de Valor referente ao Projeto Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Modelo de Implantação, apresentado pelo Consórcio CRP Telecom & IT Solutions ao Governo Federal. E, também, MARTINEZ, André. Democracia audiovisual: uma proposta de articulação regional para o desenvolvimento. São Paulo: Escrituras/Instituto Pensarte, 2005, p.37-41.
62
modelo de organização da televisão por assinatura há a dissociação entre a atividade de
produção de conteúdo audiovisual e a programação de televisão, eis que a regra é no
sentido de que a operadora do serviço de televisão por assinatura compre tal conteúdo no
mercado audiovisual, limitando-se à sua respectiva exibição.
Em segundo lugar, há a comercialização e a distribuição de programas de televisão
prontos e acabados, na forma de obras audiovisuais e a venda de formatos para a produção
de programas de televisão. Nesse sentido, as emissoras estabelecem relações jurídicas de
compra e venda de programas de televisão no respectivo mercado. Assim, na disputa por
audiência, elas têm o maior interesse em transmitir programas de grande aceitação do
público.125
Em terceiro lugar, há a atividade de programação audiovisual representada pelas
atividades de armazenamento e organização do conteúdo audiovisual pelos servidores de
conteúdo. A liberdade de programação é um direito que assiste à operadora do serviço de
televisão, não podendo sofrer qualquer modalidade de censura, quer estatal, quer privada.
Nesse aspecto, o prestador do serviço de radiodifusão detém o controle editorial sobre o
conteúdo exibido ao público destinatário da programação audiovisual.
Aqui, a atividade de programação audiovisual é essencial para a definição
do conceito de televisão em relação às atividades econômicas de distribuição de
conteúdo audiovisual.126
Atualmente, em razão da evolução tecnológica, a distribuição de conteúdo
audiovisual pode ser feita pelos mais diversos e múltiplos meios de comunicação. Por
exemplo, tem-se a distribuição de conteúdo audiovisual pelos meios convencionais (cabo,
satélite, MMDS etc.) e pelos meios contemporâneos (exemplos: computador, internet e
aparelhos de celular). Portanto, é preciso investigar qual o traço essencial do serviço de
televisão que o identifique e, ao mesmo tempo, diferencia-o perante as demais atividades
econômicas de distribuição de conteúdo audiovisual.
125 Cf. RIBEIRO, Adriano Claúdio Pires. O direito de autor nos programas de televisão. São Paulo: Memória Jurídica, 2006, p.36-42.
126 A título ilustrativo, o art. 1º, XV, da Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, que estabelece princípios gerais da Política Nacional do Cinema e criou a ANCINE, estabelece o seguinte conceito de programação nacional: “aquela gerada e disponibilizada, no território brasileiro, pelos canais ou programadoras, incluindo obras audiovisuais brasileiras ou estrangeiras, destinada às empresas de serviços de comunicação eletrônica de massa por assinatura ou de quaisquer outros serviços de comunicação que transmitam sinais eletrônicos de som e imagem, que seja gerada e transmitida diretamente no Brasil por empresas sediadas no Brasil, por satélite ou por qualquer outro meio de tranmissão ou veiculação”.
63
O critério de identificação do serviço de televisão consiste nas noções de
programas e de programação de televisão. Nesse aspecto, o direito português traz uma
importante contribuição para a elucidação do problema. A lei portuguesa define os "serviços
de programas como o conjunto de elementos da programação, sequencial e unitário,
fornecido por um operador de televisão". Além disso, há o conceito de programação o qual
é "utilizado no âmbito da actividade de televisão para designar uma sequência planeada e
ordenada de conteúdos publicísticos, de natureza óptica e acústica, com vistas à sua
difusão dirigida ao público em geral".127
Também, o direito francês contribui para a temática na medida em que conceitua
o serviço de televisão como:
todo serviço de comunicação ao público por via eletrônica destinado a ser
recebido simultaneamente pelo conjunto do público ou por uma categoria de
público e cujo programa principal é composto por uma seqüência ordenada de
emissões contendo (imagens) ou somente sons.128
O elemento central da definição legal é a noção de programação, isto é, a
sequência ordenada das emissões destinadas a serem recebidas pelo público.129
Vale dizer, nem toda seqüência de movimentos de sons e de imagens
comunicada mediante um visor ou de uma tela constitui um programa de televisão, ou seja,
não é um elemento que integra uma programação de televisão.130 Com isso, pode-se
excluir do conceito de televisão a atividade de distribuição de meras imagens,
acompanhadas ou não de signos gráficos, e sons, que constituem o essencial do material
difundido pela internet. Entretanto, se houver a organização e a difusão de sinais de áudio
127 MACHADO, Jónatas. Liberdade de programação televisiva: notas sobre seus limites constitucionais negativos. In: SARLET, Ingo Wolgang (Org.). Direitos fundamentais, informática e comunicação: algumas aproximações. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.118.
128 Cf. art. 2.o da Lei n.o 86-1067, de 30 de setembro de 1986, modificada pela Lei n.o 2004-669, de 9 de julho de 2004. Consultar: Capítulo V.
129 Cf. BELLESCIZE, Diane; FRANCESCHINI, Laurence. Droit de la communication. Paris: Presses Universitaires de France, 2005. p.137. Consultar: Capítulo V do presente trabalho.
130 Cf. Antônio Chaves: "nem toda seqüência de movimentos comunicada através de um visor ou de uma tela é um produto cinematográfico" (CHAVES, A. Cinema TV, publicidade, cinematográfica. São Paulo: Ed. Universitária de Direito, 1987. p.10, citado por RIBEIRO, op. cit., p.32). Segundo este último autor: "Ao assistir à transmissão de uma partida de futebol 'ao vivo', por exemplo, o telespectador não estará certamente diante de uma obra audiovisual, pois para a criação de obra intelectual não basta simplesmente registrar, por intermédio de uma máquina, cenas da vida ou da natureza." (RIBEIRO, op. cit., p.33).
64
e vídeo em seqüência, em sentido análogo ao conteúdo audiovisual da televisão tradicional,
então haverá a difusão de serviços de televisão pela internet.131
Em quarto lugar, há a atividade de transmissão de sinais de televisão mediante
atividades de distribuição e entrega (radiodifusão). Esta é o núcleo objeto da regulação estatal,
no que tange à estrutura de mercado, como também em relação à proteção dos direitos
fundamentais afetados pelo serviço de televisão. A definição técnica de televisão é a seguinte:
"Televisão é o processo técnico de transmissão de imagens à distância, mediante a conversão
de ondas luminosas em elétricas e a posterior reconversão à forma anterior".132
Em regra, no caso da televisão por radiodifusão a emissora de televisão é a
proprietária da rede de transporte dos sinais de televisão. Contudo, no caso da televisão por
assinatura não há necessariamente a acumulação de papéis em relação à operadora dos
serviços, ela pode perfeitamente "alugar" a rede de transporte de telecomunicações, a fim
de executar seus serviços.133
Por último, há a atividade de recepção e fruição dos sinais de televisão. Aqui, há
uma preferência natural do público consumidor pelo conteúdo produzido nacionalmente,
tanto por questões de barreira lingüística quanto por questões culturais.134 Entretanto, não é
possível esquecer a presença de conteúdo estrangeiro, principalmente na televisão por
assinatura, que justifica a incidência de um regime especial sobre a atividade não no
sentido de proibir tal conteúdo, mas sim o de favorecer o conteúdo audiovisual brasileiro,
adotando-se uma postura de equilíbrio.135
131 Cf. BALLE, Francis. Médias & Sociétés. 12.ed. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, EJA, 2005, p.352.
132 BITTAR, Carlos Alberto. Verbete Televisão. In: ENCICLOPÉDIA SARAIVA DO DIREITO. São Paulo: Saraiva, v.72. p.188.
133 Na França, tradicionalmente o Estado constituiu o monopólio sobre a rede de transmissão dos sinais de
radiodifusão. Ver: Capítulo IV.
134 Consultar: FUNTTEL. Relatório do CRP política industrial: panorama atual referente ao projeto sistema brasileiro de televisão digital. Modelo de Implantação. p.10. Disponível em: <http://sbtvd.cpqd.com.br>. Acesso em: 15.07.06.
135 Tal questão envolvendo a restrição à presença de conteúdo estrangeiro na programação de televisão será vista com maior detalhamento no Capítulo V. A título ilustrativo, no campo audiovisual referente ao cinema, existe um regime de cotas mínimas obrigatórias, a fim de proteger a exibição de filmes nacionais, definido ao longo de um ano, por intermédio de Decreto do Presidente da República.
65
3.2 SENTIDO AMPLO
Para além do conceito estrito de televisão como analisado acima (associado ao
serviço de televisão por radiodifusão), há um conceito amplo de televisão que engloba os
diversos meios técnicos disponíveis para a transmissão de sons e de imagens, em particular
que considere os meios adotados para a operação da TV por assinatura: televisão a cabo,
televisão por satélite, televisão por MMDS e ADSL.
A título ilustrativo, no direito europeu, a Diretiva 89/552/CEE do Conselho das
Comunidades Européias define radiodifusão televisiva: "transmissão primária, com ou sem
fio, terrestre ou por satélite, codificada ou não, de programas televisivos destinados ao
público", o que inclui "a comunicação de programas entre empresas com vista à sua difusão
ao público".136
No direito português
considera-se televisão a transmissão, codificada ou não, de imagens não permanentes
e sons através de ondas eletromagnéticas ou de qualquer outro veículo apropriado,
propagando-se no espaço ou por cabo, e susceptível de recepção pelo público em
geral, com exclusão dos serviços de telecomunicações apenas disponibilizados
mediante solicitação individual (art. 1.o e 2.o da Lei n.o 31-A/98).137
A título comparativo, no direito espanhol, o Estatuto da Radiodifusão e
Televisão (Lei n.o 4/1980 – art. 1.4) adota o seguinte conceito de televisão:
entende-se por televisão a produção e transmissão de imagens e sons simultaneamente,
através de ondas ou mediante cabos destinados mediata ou imediatamente ao público
em geral ou a um setor do mesmo, com fins políticos, religiosos, culturais,
educativos, artísticos, informativos, comerciais, de mera recreação ou publicitários.
136 Em razão da televisão digital, um dos aspectos mais discutidos na reforma da televisão é justamente o conceito tradicional de televisão. Ver: ORTIZ, Gaspar Ariño. Principios de Derecho Público Económico. 3.ed. ampl. Granada: Comares, 2004, p.853.
137 Conforme Jónatas Machado: "Destas formulações, deduz-se que se trata de um conceito caracteristicamente content neutral, aludindo apenas a imagens não permanentes e som. O mesmo privilegia os elementos arquitectónicos e estruturais da emissão (codificação; não codificada) da transmissão (ondas eletromagnéticas; espaço; cabo) e da recepção (público em geral). O conteúdo das emissões encontra-se coberto pelos direitos à liberdade de expressão e de informação, valendo aqui o princípio de que o mesmo é protegido independentemente da sua natureza ou sua qualidade intrínseca." (MACHADO, J. E. M., Liberdade de expressão..., p.603).
66
Posteriormente, tal dispositivo foi derrogado pela Lei de Organização das
Telecomunicações que adotou um novo significado para televisão: "entende-se por
televisão a forma de telecomunicação que permite a emissão ou transmissão de imagens
não permanentes por meio de ondas eletromagnéticas propagadas por cabo, por satélite,
pelo espaço sem guia artificial ou por qualquer outro meio".138
No Brasil, há a coexistência de um conceito estrito de televisão associado ao
serviço de televisão por radiodifusão ao lado de vários outros conceitos de serviços de
telecomunicações que se ocupam da transmissão de sinais de televisão, conforme diversos
meios técnicos de difusão. A televisão aberta (sinômino de televisão por radiodifusão)
coexiste no direito brasileiro com a televisão por assinatura, sendo que dentro dessa último
expressão existem diversos meios de comunicação de conteúdo audiovisual.
Há a definição legal para o serviço de televisão a cabo como sendo o "serviço
de telecomunicações que consiste na distribuição de sinais de vídeo e/ou áudio, a assinantes,
mediante transporte por meios físicos".139 Em outras palavras, do ponto de vista normativo,
o serviço de televisão a cabo não é um serviço de radiodifusão de sons e de imagens, pois,
além de não utilizar diretamente o espectro eletromagnético, seu acesso é condicionado ao
pagamento de um preço.
Por sua vez, há a definição normativa de caráter infralegal para o serviço de
distribuição de sinais de televisão e de áudio, por assinatura via satélite (DTH), como
sendo "uma das modalidades de Serviços Especiais regulamentados pelo Decreto n.o 2.196, de
8 de abril de 1997, que tem como objetivo a distribuição de sinais de televisão ou áudio, bem
como de ambos, através de satélites, a assinantes localizados na área de prestação do serviço".140
Por fim, há a definição normativa infralegal do serviço de telecomunicações
por MMDS como sendo "uma das modalidades de Serviços Especiais, regulamentados pelo
Decreto n.o 2.196, de 8 de abril de 1997, que utiliza a faixa de microondas para transmitir
sinais a serem recebidos em pontos determinados dentro da área de prestação do serviço".141
138 OLIVA, op. cit., p.23-24. Também, no âmbito do direito espanhol, sentiu-se a necessidade de uma regulação específica e comum da televisão por radiodifusão. Ver: MORENILLA, op. cit., p.437-438.
139 Art. 2.o da Lei n.o 8.977, de 6 de janeiro de 1995.
140 Norma n.o 08/1997, aprovada pela Portaria n.o 321/97 do Ministério das Comunicações.
141 Norma n.o 2/1994, aprovada pela Portaria n.o 254/97 do Ministério das Comunicações.
67
Importante destacar que os conceitos estrangeiros de televisão e de radiodifusão
servem apenas para ilustrar a compreensão da realidade brasileira, porém não são
aplicáveis aqui em sua integralidade tendo em vista as diferenças entre os ordenamentos
jurídicos. Aqui, o direito positivo expressamente adota um conceito restrito de
radiodifusão, de modo a contemplar tão-somente o rádio e a televisão. Portanto, à luz
do direito brasileiro estão excluídos do conceito legal de radiodifusão a televisão por
cabo, por satélite e MMDS, pois estes são qualificados como serviços de
telecomunicações.
No Brasil, para a construção de um conceito amplo de televisão é preciso considerar:
(i) a natureza da emissão, se codificada ou decodificada; (ii) o meio de transmissão, se por
ondas terrestres, cabo, satélite, fibra ótica ou qualquer outro meio; e, finalmente, (iii) a
recepção livre e direta (decodificada) ou mediante assinatura (codificada), com possibilidade
de interação ou não.
O serviço de televisão é disciplinado por diversos atos normativos, conforme o
meio técnico de difusão do sinal, alguns sequer previstos em lei. Trata-se, portanto, de uma
pluralidade de leis, decretos, resoluções, portarias e diversos outros atos normativos que
configuram um verdadeiro caos normativo, o que implica um estado de insegurança
jurídica para os respectivos operadores, impedindo, ainda, na prática, a adequada regulação
do setor e, também, a viabilização de investimentos para a ampliação da oferta de serviços
para a população.142
3.3 DELIMITAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SERVIÇO DE TELEVISÃO
Como já referido anteriormente, a Constituição brasileira de 1988 (e as Constituições
anteriores) refere-se às expressões televisão e radiodifusão. Quer dizer, o seu texto faz
142 Por razões de segurança jurídica, as modernas sociedades técnicas exigem a organização da utilização das tecnologias na forma do direito, em favor da proteção dos direitos humanos. Segundo Henri Oberdorff: "A história das ciências e das técnicas mostra que após um período experimental tolerando uma certa indecisão jurídica, toda nova grande tecnologia suscita uma regulação jurídica organizando seu uso e sua apropriação pelo maior número." (OBERDORFF, Henri. Droit et Maîtrise Sociale des Technologies. Revue de Droit Public et de la Science Politique en France et a l'Étrangér – RDP, n.4, p.991, 1992).
68
referência às expressões lingüísticas televisão e radiodifusão, porém não há, por óbvio,
delimitação do sentido e do alcance dos referidos conceitos.143
Compete ao legislador a definição do regime jurídico da atividade de televisão
por radiodifusão conforme o conceito de televisão. O regime deve considerar o problema
concernente à disciplina jurídica da televisão não só da perspectiva do quadro de
competências estatais, mas também à luz do estatuto dos direitos fundamentais. Essa tarefa
legislativa pressupõe a compreensão do conceito de televisão.144
Acontece que, até o presente momento, o legislador não foi capaz de estabelecer
um marco jurídico adaptado à nova realidade constitucional e, também, à realidade social,
econômica e cultural, conforme a evolução do estado da técnica, para fins de regulação do
setor de televisão por radiodifusão e a comunicação social em geral, havendo um
verdadeiro estado de omissão legislativa inconstitucional.
Entre o conceito estrito de televisão e o conceito amplo de televisão, é preciso
um conceito unitário, a fim de evitar a fragmentação normativa que hoje ocorre e que torna
complexa a operação de aplicação da legislação às diversas modalidades de serviços de
televisão. Na França, por exemplo, adotou-se o conceito de comunicação como uma
fórmula que contempla diversos meios de comunicação, inclusive a televisão por
radiodifusão. Como já referido acima, a unidade do conceito de televisão pode ser
construída a partir das noções de programa e de programação audiovisual.
O processo de convergência tecnológica não implicará tão cedo na eliminação
do conceito de televisão.145 Contudo, há a tendência de a audiência da televisão aberta vir a
143 Conforme explicação de Genaro Carrio: "Las palabras que aparecen en las normas jurídicas para aludir a hechos, sucesos o actividades humanas, y proporcionar pautas o criterios para guiar o juzgar estas últimas, tienen, pues, una zona de penumbra, es decir, son actual o potencialmente vagas. La vaguedad se ponde de manifesto frente al caso marginal o atípico." (CARRIO, Genaro R. Notas Sobre Derecho y Lenguaje. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1971, p.44).
144 A atividade legislativa há de ser feita no contexto do moderno conceito de regulação estatal. Em outras palavras, a lei há de promover a organização do sistema de radiodifusão, com o objetivo de garantir seu equilíbrio interno, mas também há de garantir o seu equilíbrio externo em face de outros sistemas. Nesse sentido, a regulação do setor de radiodifusão não pode se limitar à correção das falhas de mercado, ao contrário, o objetivo maior é a garantia da realização do pluralismo no âmbito externo (estruturação policêntrica da comunicação social) e âmbito interno (diversidade dos conteúdos audiovisuais). Acerca do conceito de regulação, ver: MARQUES NETO, Floriano Peixoto. Entes reguladores. instrumentos de fortalecimiento del estado. Porto Alegre: Associação Brasileira de Agências de Regulação, [s.d.]. p.13-15.
145 Alguns chegam a imaginar em um futuro não muito distante o fim da televisão em sua forma como é conhecida hoje no presente, em razão do processo de convergência tecnológica e aplicação da técnica
69
ser, gradativamente, reduzida em função do surgimento de novos veículos de comunicação
social que exibem conteúdo audiovisual. No futuro, a televisão poderá, em princípio, perder
gradativamente espaço social, não sendo mais o aparelho ideológico hegemônico na sociedade
na medida que, progressivamente, for aumentando o nível de educação, cultura e renda da
população brasileira, como também garantido o acesso a outros meios de comunicação social e
a outras formas de entretenimento.
É essencial a incidência do regime de direitos, garantias e liberdades
fundamentais sobre a atividade de televisão, acompanhada de adequada disciplina jurídica dos
serviços de televisão. O sentido do regime jurídico de televisão é influenciado pelo âmbito
normativo das liberdades de expressão, informação e comunicação social entre outros
direitos fundamentais. Tal questão que envolve o serviço de televisão será objeto de
tratamento específico no último capítulo.
A par disso, a disciplina constitucional de televisão tem sua aplicação no campo
do direito administrativo. Não é possível apreender corretamente a aplicação da noção de
serviço público à atividade de televisão por radiodifusão sem o entendimento da dimensão
constitucional.146 Nesse sentido, é fundamental para a reflexão o entrelaçamento entre o
conceito de televisão e o conceito de comunicação social, esta última uma categoria
jurídica nova até então não prevista nas Constituições anteriores à Constituição de 1988; e,
igualmente, não prevista na legislação infraconstitucional.147
Existem ainda outras novas expressões lingüísticas adotadas pela Constituição
do Brasil. É o caso dos meios de comunicação social e os meios de comunicação social
digital. O aparelho televisor morrerá e entrará em cena o telecomputador (GILDER, George. A vida após a televisão: vencendo na revolução digital. Trad. Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996).
146 Para a compreensão das relações entre o direito constitucional e o direito administrativo, consultar: MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.156-169. Segundo a autora: "Torna-se difícil fundamentar o pretenso caráter não político do direito que trata da atividade da Administração Pública, idéia essa atribuível certamente à concepção distanciada da realidade dinâmica do Estado. Nos vários modos de entendimento da política se enquadra a atividade administrativa; por política pode-se considerar o aspecto de 'escolha axiológica e fixação dos destinos do Estado', ou a 'interação de interesses ou a capacidade de decidir imperativamente e de impor decisões." (p.164-165). De fato, não há que se negar modernamente o caráter político da atividade da administração pública (e respectivamente do direito administrativo), o que se deve negar é a realização política descomprometida dos valores e princípios constitucionais.
147 A título ilustrativo, é variado o leque de conceitos de comunicação, cada qual é definido em função do campo científico sobre o qual se refere. Daí tem-se os conceitos de comunicação: etimológico, biológico, pedagógico, histórico, sociológico, antropológico, psicológico e estrutural Cf. Dicionário de Comunicação, p.158.
70
eletrônica148, ambos servindo à realização de direitos fundamentais no âmbito da
comunicação social. O termo comunicação social abrange o conceito de televisão, contudo
nem todo veículo de comunicação social é um meio capaz de realizar serviços de televisão.
Há a tendência de o vocábulo comunicação eletrônica vir a englobar diversas e múltiplas
atividades: serviços de televisão (televisão por radiodifusão e televisão por assinatura) e
serviços de comunicação pessoal, transmissão de dados etc. Porém, nem toda comunicação
social é uma espécie de comunicação eletrônica, por exemplo: jornais e revistas impressos.
Portanto, ao lado do conceito tradicional de televisão por radiodifusão,
atualmente, em razão da convergência tecnológica, faz-se necessário um novo conceito
mais amplo que contemple as diversas modalidades de comunicação, ou seja, os "serviços
de comunicação eletrônica de massa" que são constituídos pelas seguintes modalidades de
televisão: (i) serviço de radiodifusão; (ii) serviço de TV a cabo; (iii) serviço de distribuição
de sinais multiponto multicanal (MMDS) e, finalmente, (iv) serviço de distribuição de
sinais de televisão e de áudio por assinatura (DTH).149 Vale dizer, partindo-se de um
conceito unitário de serviço de televisão pode-se aplicar o mesmo regime jurídico,
independentemente da plataforma tecnológica utilizada. Tal questão será objeto de análise
mais aprofundada no último capítulo.
Para além do aspecto técnico, a atividade de televisão é qualificada pelo texto
constitucional como um meio de comunicação social, conseqüentemente, o conceito de
televisão não pode ser entendido como um fim em si mesmo ou ser reduzido à empresa de
148 No direito espanhol há definição legal de rede de comunicações eletrônicas: "os sistemas de transmissão e, quando compatível, os equipamentos de comutação ou encaminhamento e demais recursos que permitam o transporte de sinais mediante cabos, ondas hertzianas, meios óticos, e outros meios eletromagnéticos com inclusão das redes de satélites, redes terrestres fixas (de comutação de circuitos e de pacotes, incluída internet) e móveis, sistemas de carregamento elétrico, na medida que se utilizem para a transmissão de sinais, redes utilizadas para a radiodifusão sonora e televisiva e redes de televisão por cabo, com independência do tipo de informação transportada" (Anexo II, Definições, item 25, da Lei Geral de Telecomunicações 32/2003, de 3 de novembro).
149 Conforme previsão do art. 3º da Resolução n.o 272/2001 da ANATEL que trata do serviço de comunicação multimídia. A título ilustrativo, no direito espanhol há a seguinte definição de serviços de comunicação eletrônica: "o prestado para a generalidade em troca de uma remuneração que consiste, em sua totalidade ou principalmente, no transporte de sinais através de redes de comunicações eletrônicas, com inclusão dos serviços de telecomunicações e serviços de transmissão nas redes utilizadas para a radiodifusão, porém não dos serviços que oferecem conteúdos transmitidos mediante redes e serviços de comunicações eletrônicas ou das atividades que consistam no exercício de controle editorial sobre ditos conteúdos, ficam excluídos, assim mesmo, os serviços da sociedade de informação definidos no artigo 1 da Diretiva 98/34/CE que não consistam, em sua totalidade ou principalmente, no transporte de sinais através de redes de comunicação eletrônicas" (Anexo II, Definições, item 28, da Lei Geral de Telecomunicações 32/2003, de 3 de novembro).
71
radiodifusão. Ao contrário, trata-se de um importante instrumento para a realização de direitos,
liberdades e garantias fundamentais, tais como: a liberdade de expressão, liberdade de
criação artística, liberdade de informação, liberdade de comunicação, direito à educação,
direitos culturais, liberdade de associação, livre iniciativa, liberdade religiosa, direito de
resposta, direito de antena dos partidos políticos, entre outros. Isto pressupõe a organização
de seu respectivo exercício por parte do legislador, com base no exercício das competências
estatais, com a estruturação adequada do setor de comunicação social, com a consideração
do regime dos direitos fundamentais.
Com a compreensão do significado de televisão será possível a delimitação das
balizas a serem seguidas pelo legislador em sua tarefa de organização do setor de
radiodifusão, em função da otimização do regime de direitos fundamentais da Constituição
do Brasil a ser realizado mediante o serviço público de televisão.
No próximo capítulo será apresentada a classificação a respeito das diversas
modalidades de televisão, o que facilitará o entendimento da aplicação do quadro regulatório
referente ao serviço de televisão.
72
CAPÍTULO II
MODALIDADES DE SERVIÇOS DE TELEVISÃO
1 APRESENTAÇÃO
O objetivo do presente capítulo é apresentar as diversas modalidades de serviços
de televisão, mostrando um quadro sistematizado em relação à respectiva classificação
com base em dois critérios: o objetivo e o subjetivo.150
Em relação ao objeto, os serviços de televisão podem ser classificados quanto ao
âmbito de cobertura (internacional, nacional, regional e local), ao meio de emissão (ondas
hertzianas terrestres, a cabo, satélite e MMDS), ao nível de comunicação (unidirecional e
bidirecional e (ou) interativa), e ao sistema de transmissão (analógico e digital).
Em relação aos sujeitos, os serviços de televisão podem ser classificados quanto aos
emissores (privados, estatais e públicos), usuários (conteúdos: generalistas ou temáticos) –
(contraprestação: televisão aberta ou televisão fechada ou de acesso condicionado).
A seguir, a exposição das referidas classificações a respeito dos serviços de televisão.
150 Cf. Genaro Carrio: "Las classificaciones no son ni verdaderas ni falsas, son serviciales o inútiles; sus ventajas o desvantajas están supeditadas al interés que guía a quien las formula, y a sus fecundidad para presentar un campo de conocimiento de una manera más facilmente comprensible o más rica en consecuencias práctivas deseables". (CARRIO, op. cit., p.72).
73
2 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO OBJETO
2.1 ÂMBITO DE COBERTURA: INTERNACIONAL, NACIONAL, REGIONAL
E LOCAL
Os diversos âmbitos de cobertura do serviço de televisão decorrem de diversas
condições de ordem interna (técnicas, econômicas, sociais e políticas), como também dos
desenvolvimentos jurídico-internacionais. Especificamente, na perspectiva política, a
diferenciação dos âmbitos de cobertura dá-se em razão do próprio funcionamento do
sistema político, "enquanto reforço da autodeterminação democrática, e democratização
social e cultural, enquanto expressão do modo de ser das diferentes comunidades regionais
e locais".151
Além disso, há a dimensão subjetiva calcada na liberdade de comunicação
social, a qual exige a organização plural dos âmbitos de cobertura. Quanto mais limitado
for o âmbito de cobertura mais fácil o acesso à atividade de radiodifusão, como é o caso,
por exemplo, do local. Por outro lado, quanto mais amplo for o âmbito de cobertura, mais
difícil o acesso à atividade de radiodifusão, como é o caso, por exemplo, do nacional.152
O modelo de organização do setor de televisão por radiodifusão contém diversos
planos, distinguindo-se em razão de sua abrangência: internacional, nacional, regional e
local. Esta diversidade é uma garantia do pluralismo social, no entanto, pode, dependendo
da configuração legal, vir a ter um efeito contrário ao desenvolvimento da própria
radiodifusão. De fato, a amplitude da cobertura pode inviabilizar determinadas empresas de
radiodifusão, tendo em vista o pouco espaço para a atuação de mais agentes econômicos ou
pode ser que seja criada uma cobertura de televisão que não corresponda à identidade
cultural ou à capacidade de produção de determinadas localidades.153
A definição dos âmbitos de cobertura do serviço de televisão parte de um
critério territorial. O modelo de televisão é um reflexo da organização territorial do Estado,
151 MACHADO, J. E. M., Liberdade de expressão..., p.609.
152 MACHADO, J. E. M., Liberdade de expressão..., p.608.
153 MACHADO, ob. cit., p. 608. A respeito da significação do princípio do pluralismo e sua relação com o Estado, consultar: BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio da subsidiariedade: conceito e evolução. In Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política nº 19. São Paulo: Instituto de Direito Constitucional, p. 7-36-, abril-junho de 1997.
74
todavia, não há no diploma legislativo brasileiro (Lei nº. 4.117/62) uma referência clara e
precisa quanto ao alcance do sinal de televisão. Somente, no âmbito regulamentar é que se
encontra a classificação em termos de cobertura dos serviços de radiodifusão.
Evidentemente que, a par da questão legal, a respectiva disciplina de tal questão depende
de um ato de escolha dos agentes privados que queiram, por exemplo, transformar sua
estação de radiodifusão de potência local, para regional ou nacional.154
Em primeiro lugar, há o âmbito de cobertura internacional dos serviços de
televisão, em regra associado à televisão por satélite tendo em vista a sua ampla
capacidade de transmissão.
Um país tanto pode receber programações de televisões estrangeiras quanto
pode emitir programações de televisão nacionais para o exterior. No passado prevalecia o
protecionismo em relação à entrada de programações estrangeiras no território nacional,
em defesa de valores políticos e culturais. Atualmente, em face do processo de concentração
econômica dos grupos de mídia em mãos de poderosas organizações internacionais e de
criação de novos meios de comunicação que transcendem as fronteiras nacionais (caso dos
satélites e da internet), torna-se difícil o fechamento do espaço interno em face das
televisões estrangeiras.
Em razão da internacionalização dos mercados, algumas das emissoras privadas
de televisão brasileira já exibem programas no exterior. Há inclusive canais estatais de
televisão, cuja programação é difundida para outros países (exemplo: canal Brasil).
154 A Lei n.o 4.117/62 não promove a classificação específica dos serviços de televisão por radiodifusão conforme seu âmbito de cobertura. Há a referência nessa lei tão-somente ao serviço de radiodifusão de âmbito local (art. 29, letra x, art. 33, § 5.o), e a previsão da faculdade de a União, os Estados, Territórios e Municípios titularizarem estações de radiodifusão (art. 47). Já o Decreto-lei n.o 236/67 prevê a garantia de reserva de canais de televisão, dentro das possibilidades técnicas, em todas as capitais de Estados e Territórios e cidades com população igual ou superior a 100.00 (cem mil) habitantes (art. 15). A classificação mais sistemática sobre o âmbito de prestação de serviços de radiodifusão de sons e imagens encontra-se no Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto n.o 52.795/63) que estipula os serviços de radiodifusão nos âmbitos: local, regional e nacional (art. 4.o, 2.o). Este mesmo regulamento estabelece a possibilidade de transmissão de programas de televisão em idioma estrangeiro por emissoras de radiodifusão nacionais e a transmissão ou retransmissão de programas produzidos por emissoras estrangeiras sediadas em outros países, desde que não contrariem a legislação brasileira (art. 75, § 1.o, 2.o). Posteriormente, o critério geográfico foi adotado para fins de disciplina dos serviços de repetição e retransmissão dos sinais de televisão. O Decreto n.o 3.965/2001 reza que a Rede Local de Televisão "é o Sistema de Retransmissão de Televisão restrito à área geográfica de um grupo de localidades pertencentes a uma mesma Unidade da Federação", a Rede Regional de Televisão "é o conjunto de estações geradoras e respectivos Sistemas de Retransmissão de Televisão que veiculam uma mesma programação básica dentro da área geográfica de uma ou mais Unidades da Federação, sem abrangência nacional" e, finalmente, Rede Nacional de Televisão "é o conjunto de estações geradoras e respectivos Sistemas de Retransmissão de Televisão com abrangência nacional e que veiculam uma mesma programação básica" (art. 8.o, inc. VII, VIII e IX).
75
Em segundo lugar, há o âmbito de cobertura nacional em relação aos serviços
de televisão, em regra associada à televisão por radiodifusão.
No Brasil, vige um modelo de televisão baseado, preponderantemente, na
cobertura nacional, mediante um sistema de radiodifusão estruturado em redes nacionais de
televisão que são constituídas pelas emissoras de televisão consideradas como as "cabeças-
de-rede" e as empresas a elas afiliadas que estão localizadas nos planos regionais
e locais.155
Em terceiro lugar, há a cobertura regional dos serviços de televisão.
O significado de cobertura regional de televisão pode estar associado às idéias que
transmissão de sinais de televisão para uma área que compreende um grupo de localidades
de uma mesma unidade federativa ou de duas ou mais unidades federativas. Além do
critério geográfico, a idéia de região pode ser associada a um critério sociocultural, isto é,
de uma área simbólica de expressão de diversas manifestações culturais de natureza regional.
Não há na legislação brasileira sobre radiodifusão um critério normativo que conduza
a um conceito de televisão regional.156 Em verdade, no Brasil, não há propriamente uma
emissora de televisão de alcance de âmbito regional, dotada de autonomia suficiente para
definir uma programação audiovisual com a identidade da região onde transmite os sinais
de televisão. Na realidade brasileira o que existe são as emissoras de televisão situadas nos
planos regionais (capitais e principais cidades do interior) que se limitam a retransmitir a
programação de televisão difundida pelas "cabeças-de-rede" em virtude de seus contratos
de afiliação.
Em quarto lugar, há a cobertura de âmbito local dos serviços de televisão.
No Brasil, a televisão por radiodifusão nasceu no âmbito local, sendo que, apenas,
posteriormente houve a expansão para o plano regional e nacional. Paradoxalmente,
na prática, a televisão de âmbito local não existe na realidade social, sendo que sequer é,
razoavelmente, protegida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Não se adota aqui, infelizmente,
155 Apesar de que não há, em princípio, a obrigatoriedade de as emissoras geradoras que prestam serviços de radiodifusão veicularem sinais em todo o território nacional (VALLE, op. cit., p.86).
156 CRUZ, Dulce Márcia. Televisão e negócio, a RBS em Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 1996, p.160, citada por BAZI, Rogério Eduardo Rodrigues. TV regional: trajetória e perspectivas. Campinas: Alínea, 2001, p.15.
76
um princípio de garantia do localismo tal como ocorre nos Estados Unidos, em favor de
televisões de âmbito comunitário.157
No caso dos serviços de televisão por radiodifusão, há a hegemonia do modelo
de televisão nacional, comercial e privado, sendo que a abertura para o plano local ocorre
basicamente em alguns minutos da programação transmitida em rede nacional e
retransmitida pela emissora de radiodifusão local.
Ao contrário de outros países desenvolvidos, aqui a televisão de âmbito local,
enquanto canal legítimo para a expressão da pluralidade de vozes dos cidadãos, é uma
instituição social a ser desenvolvida, aproveitando-se dos acertos e erros com a experiência
das rádios comunitárias, o que será visto em detalhes no capítulo quinto.
Por sua vez, no caso dos serviços de televisão por assinatura o âmbito de
cobertura varia conforme a natureza técnica do meio de comunicação.
O alcance da televisão por assinatura (cabo, satélite, MMDS e TVA) é variável
em razão das próprias características técnicas do meio de transmissão de sinais, condições
geográficas e econômico-financeiras. No País, a TV por assinatura é uma tecnologia de
alcance limitado, comparativamente à TV por radiodifusão, não tanto pela questão técnica,
mas principalmente pelo aspecto econômico-financeiro. Como se trata de um serviço de
televisão, cujo acesso depende do pagamento do preço pela assinatura, a maioria da
população brasileira não tem acesso ao serviço por falta de disponibilidade financeira.158
O nível de cobertura dos serviços de televisão é importante em termos de
definição do mercado atingido. Conseqüentemente, a sua organização afeta o regime de
competição entre as diversas modalidades de televisão. Ao mesmo tempo, existem relações
de complementaridade entre os diversos meios técnicos de transmissão de sinais, cuja
operação, freqüentemente, requer a atuação conjunta dos meios, como é o caso, por
exemplo, da operação da televisão por radiodifusão e a utilização do sistema de satélites,
este também servindo à operação do serviço de televisão a cabo.
157 A Lei n.o 4.117/62 conferia ao extinto Conselho Nacional de Telecomunicação a competência para outorgar e renovar as permissões e autorizações relacionadas ao serviço de radiodifusão local (art. 29, x).
158 Segundo dados da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura referente ao ano de 2006, a TV por assinatura é ofertada em 487 municípios brasileiros (o que corresponde a 8,7% do total de municípios), alcançando um universo de 54,1% de domicílios (o que corresponde a 29 milhões de domicílios) e a 52,3% da população brasileira. Entretanto, a base de assinantes é de apenas 4 milhões de assinantes, com a seguinte participação das tecnologias: cabo (61%), DTH (35%) e MMDS (3%) (Fonte: www.abta.com.br).
77
2.2 MEIOS DE EMISSÃO: POR ONDAS TERRESTRES HERTZIANAS, CABO,
SATÉLITE, MMDS E INTERNET
Um dos critérios para a sistematização das diversas modalidades de televisão consiste
no meio técnico de transmissão dos sinais, por intermédio do qual é realizada a
comunicação audiovisual. A partir desse critério é que o legislador brasileiro adotou
diversos regimes jurídicos aplicáveis, conforme a natureza técnica do meio de
transmissão do sinal de televisão. Em verdade, o legislador ocupou-se tão-somente da
televisão por radiodifusão e a televisão a cabo, pois tanto a televisão por satélite quanto a
televisão MMDS são disciplinadas por um mero decreto federal.159
A prestação do serviço de televisão por radiodifusão ocorre, basicamente,
mediante o procedimento de conversão de sons e imagens em energia eletromagnética que
pode ser transmitida por diversos meios, tanto naturais (ondas hertzianas, via satélite)
como artificiais (cabo), chegando a ser convertida, por intermédio do receptor, em imagens
e sons. A referida energia é denominada "onda", sendo representada graficamente em razão
das oscilações pelas quais passa, e determinada por dois elementos básicos: sua freqüência
e sua potência. O espectro eletromagnético é integrado por cargas elétricas que geram
magnetismo e este por sua vez produz eletricidade numa espiral perpétua pelo ar. Portanto,
a ação de ondas eletromagnéticas, moduladas por sinais de imagem, possibilita a transmissão
de TV a longa distância. Por sua vez, as freqüências correspondentes ao som e à cor não
são transmissíveis por longas distâncias para uso na televisão, elas precisam ser convertidas
na porção de radiofreqüência do espectro eletromagnético.160
As diferenças entre as distintas modalidades de televisão não são definidas pelas
características do sinal, mas em razão do meio técnico pelo qual o sinal é propagado.
Partiu-se do pressuposto de que as diferenças técnicas entre os meios justificam regimes
jurídicos distintos, conforme sua respectiva natureza. Atualmente, afigura-se questionável
159 As diferentes modalidades de televisão são tratadas em separado pelo legislador: televisão por radiodifusão (Lei n.o 4.117/62), televisão a cabo (Lei n.o 8.977/95), televisão por satélite (Decreto n.o 2.195/97) e televisão por MMDS (Decreto n.o 2.196/97). A televisão por ADSL (internet) sequer é objeto de específico tratamento normativo no direito brasileiro.
160 Para a explicação técnica do processo de transmissão do sinal de televisão pela utilização do espectro eletromagnético, consultar: FIORILLO, op. cit., p.121-135 e GILDER, op. cit., p.31-33.
78
a adoção de diversos regimes jurídicos em razão de todo o processo de transformações
técnicas que culminam com a convergência tecnológica.161
O serviço de televisão por radiodifusão é prestado mediante a transmissão pela
estação de radiodifusão dos sinais de vídeo e áudio, com a utilização do espaço eletromagnético
para fins de propagação das ondas radioelétricas (mediante a consignação de um canal de
freqüência de 6 MHz162 a cada concessão do serviço163), com o amparo de uma rede de
antenas, localizadas em terra, de repetição e retransmissão dos sinais, e com o auxílio de
satélites, até os domicílios dos receptores.164
Do ponto de vista técnico, em razão da escassez física do espectro eletromagnético,
a capacidade de oferta de canais de televisão por radiodifusão é limitada, dependendo de
um plano prévio de utilização das freqüências elaborado pela agência reguladora do setor
de telecomunicações. O serviço de televisão por radiodifusão, no formato analógico, está
baseado no conceito de monoprogramação, eis que uma única programação gerada pela
estação de radiodifusão é transmitida na freqüência outorgada pela agência reguladora,
ocupando a quase totalidade da banda de freqüências disponível (6 MHz).165
161 Ver Capítulo V.
162 Conforme Resolução n.o 284 da ANATEL (Regulamento Técnico para a Prestação do Serviço de Radiodifusão de Sons e Imagens e do Serviço de Retransmissão de Televisão):
"3.1 – CANALIZAÇÃO 3.1.1. – Canalização em Freqüências Muito Altas (VHF) Aos Serviços de Radiodifusão de Sons e Imagens e de Retransmissão de TV em UHF são destinados 12
canais de 6MHz de largura de faixa, relacionados na Tabela 1. 3.1.2 – Canalização em Freqüências Ultra-Altas (UHF): Aos Serviços de Radiodifusão de Sons e Imagens e de Retransmissão de TV em UHF são destinados 45
canais de 6 MHz de largura de faixa, relacionados na Tabela 2".
163 Conforme Decreto n.o 52.795: "Art. 20. As concessões e permissões não têm caráter de exclusividade e se restringem ao uso da
freqüência, com a potência no horário e em local determinados. Art. 28 – As concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão, além de outros que o Governo
julgue convenientes aos interesses nacionais, estão sujeitas aos seguintes preceitos e obrigações: (Redação dada pelo Decreto n.o 88.067, de 26.1.1983)
5 - observar o caráter de não exclusividade na execução do serviço de radiodifusão que for autorizado e, bem assim, da freqüência consignada, respeitadas as limitações técnicas referentes a área de serviço".
164 Cf. informação obtida no sítio da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura. Disponível em: <www.abta.com.br/site/content/panorama/tecnologia.php>. Acesso em: 18 dez. 2006.
165 Tal conceito de monoprogramação, vinculado ao objeto da tradicional concessão do serviço público de televisão, será abordado no capítulo sexto. Ver Capítulo V.
79
O serviço de TV a cabo é operado mediante a transmissão pela programadora
do sinal por satélite até o headhend166 da operadora, que envia a programação ao domicílio
do assinante por meio de cabo coaxial ou fibra óptica (que utiliza uma banda de freqüências entre
450 Mhz até 870 Mhz). No headhend ficam as antenas que recebem sinais das programadoras,
vindos de satélites ou do ar, no caso dos sinais da televisão aberta. A prestação do serviço
requer um suporte técnico caracterizado por uma rede de transporte de telecomunicações,
acompanhada de uma rede local de titularidade da operadora de TV a cabo ou de uma empresa
de telecomunicações. Normalmente, a operadora não produz programas audiovisuais,
limitando-se a comprá-los em face da programadora ou de terceiros. A função da programadora
é, justamente, a de fornecer conteúdo audiovisual à operação do serviço de televisão
a cabo.167
Pelo fato de não depender da utilização do espaço eletromagnético, a grande
vantagem da operadora de TV a cabo é a de ofertar um número muito maior de canais do
que a televisão tradicional. Daí porque em razão de ampla capacidade de transmissão,
mediante um variado leque de canais, torna-se possível a oferta de diversos canais: de
utilização gratuita, destinados à prestação eventual ou permanente de serviços e, inclusive,
para a retransmissão compulsória dos sinais da televisão por radiodifusão.168
O serviço de TV por satélite requer a operação mediante a transmissão do sinal
por satélite da programadora diretamente até o domicílio do assinante, o qual conta com
166 O termo headhend refere-se à "central de recepção, processamento, geração e retransmissão do sinal para assinantes. Termo usado em cabo e MMDS". Consultar: <www.abta.com.br>. Acesso em: 12 ago. 2006.
167 A televisão a cabo possui um nível de cobertura conforme a área de prestação do serviço, definida por razões técnicas e de viabilidade econômico-financeira, no ato de outorga da concessão administrativa, conforme o projeto básico aprovado pela agência reguladora. Garante-se, por lei, a possibilidade de, mediante um procedimento de consulta pública, obter-se o dimensionamento da respectiva área de prestação do serviço e definição do número adequado de concessões a serem outorgadas na referida área. Em regra, as outorgas para a prestação do serviço de televisão a cabo são limitadas a um município, dependendo de uma infra-estrutura física para a distribuição dos sinais de televisão via cabo coaxial ou ótico. A área de prestação é delimitada pelo território do município, mas isto não quer significar que o serviço é oferecido a todos os bairros municipais. Na organização das operações do serviço de TV a cabo deve ser considerada a proteção garantida ao serviço de radiodifusão, eis que o mesmo é qualificado como essencial à informação, ao entretenimento e à educação da população brasileira, o que não impede, no entanto, a livre competição entre os meios de comunicação social. Cf. informação obtida no sítio da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura. Disponível em: <www.abta.com.br/site/content/panorama/tecnologia.php.>. Acesso em: 18 dez. 2006.
168 Cf. Lei n.o 8.977/95. Ademais, o sistema de rede possibilita a prestação de outros serviços: comunicação de dados, acesso à internet, telefonia, entre outros. Com a digitalização é possível a ampliação ainda mais da capacidade de transporte de sinais pela rede de cabos e, conseqüentemente, o aumento do número de canais de televisão.
80
uma antena parabólica e um receptor/decodificador conectado ao seu aparelho de televisão.
Uma das suas vantagens é a cobertura nacional e (ou) continental, como também a oferta
de, aproximadamente, 180 canais digitais. No Brasil, os serviços de distribuição de sinais
de vídeo e de áudio por satélite já utilizam a tecnologia digital. Como desvantagem tem-se
a não disponibilização da inserção de programas de conteúdo local, tal como ocorre com as
tecnologias a cabo e MMDS. O sistema de telecomunicações por satélite, a par de servir à
TV por satélite (que, em verdade, trata-se de um sistema de distribuição nacional de
programas importados), serve à operação, em caráter complementar, de outros sistemas
tais como: a televisão por radiodifusão, televisão a cabo, MMDS, transmissão de dados,
entre outros.169
O serviço de TV MMDS (Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal) é
operado mediante a transmissão do sinal por satélite pela programadora até o headend da
operadora, esta por sua vez retransmite o sinal da programação até o domicílio do assinante.
Trata-se de um serviço de telecomunicações que utiliza a faixa de freqüências para a
transmissão de sinais de televisão (programação própria ou de terceiros) até pontos
determinados da área de prestação de serviço, com a cobrança pelo oferecimento do
serviço, possuindo a capacidade de ofertar até 31 (trinta e um) canais analógicos e 180
canais digitais. Uma das suas vantagens é a de possibilitar a transmissão de programação
local, pois, o headhend está situado no local da prestação do serviço.170
Por sua vez, há o serviço de TVA que se caracteriza pela transmissão por meio de
ondas em UHF (espectro eletromagnético) de programação de televisão devidamente codificada,
mas de insignificante repercussão econômica no território brasileiro, justamente, pelo fato
169 Por sua vez, no caso da televisão por satélite, a cobertura do sinal alcança todo o território nacional, não sendo afetada por condições de relevo geográfico, número populacional e estruturas arquitetônicas das cidades. Além disso, permite a operação em âmbito internacional, pois, as emissoras geradoras podem perfeitamente difundir os sinais de televisão para os países, caso esta seja decisão de seu modelo de negócios. A vantagem do sistema por satélite é a flexibilidade quanto à distribuição dos sinais de televisão, eis que os mesmos podem ser difundidos para grandes e pequenos centros urbanos, zonas rurais, regiões isoladas e (ou) com pouco adensamento humano, áreas com população de baixa renda etc. Cf. informação obtida no sítio da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura. Disponível em: <www.abta.com.br/site/content/panorama/tecnologia.php>. Acesso em: 18 dez. 2006.
170 A televisão por MMDS possui um nível de cobertura que também depende de condições técnicas e econômico-financeiras. Em regra, a operação do serviço limita-se ao território de um município, o que não quer dizer que o serviço seja oferecido em todos os bairros municipais. Comparativamente, com a TV a cabo, a TV por MMDS oferece menos custos, o que permite sua implantação em cidades do interior menos populosas. Mas, mesmo em grandes metrópoles, o sistema tem suas vantagens à medida que pode ser difundido em áreas em que o cabo não alcança, seja por razões técnicas, seja por razões econômicas.
81
de limitar-se ao oferecimento de um único canal de televisão. Os assinantes do serviço
recebem decodificadores, geralmente em regime de comodato, para acessarem a programação
de televisão, com o pagamento do preço da assinatura. É classificado como um serviço de
telecomunicações especial, pois apesar de ser de interesse geral ele não está aberto à
correspondência pública. Conforme definição regulamentar, TVA é "serviço de telecomunicações
destinado a distribuir sons e imagens a assinantes, por meio de sinais codificados, mediante
utilização de canais do espectro eletromagnético". Importante destacar que, no Brasil,
desde suas origens, ao contrário dos EUA, a TVA foi classificada como serviço especial de
telecomunicações.171
Além disso, há o sistema de transmissão de sinais de televisão caracterizado pela
tecnologia ADSL. Trata-se de uma tecnologia de transmissão de dados em alta velocidade
que utiliza os próprios fios telefônicos da rede de telecomunicações convencional,
tradicionalmente utilizada para a prestação de serviços de telefone e, atualmente, para
assegurar o acesso à internet.172 Tal tecnologia, além de permitir a transmissão de diversos
dados (com a faculdade de prestação de serviços de valor adicional), possibilita a
transmissão dos sinais de televisão. Trata-se do fenômeno decorrente da convergência de
tecnologias conhecido como webcasting.173 Nesse caso, os programas de televisão são
vistos pelo computador e não pelo aparelho de televisão. Por enquanto, no Brasil, a oferta
de serviços de televisão sobre a base do ADSL é incipiente, o mais comum é a oferta de
conteúdo audiovisual em geral, mediante o acesso à internet.174
2.3 NÍVEIS DE COMUNICAÇÃO: UNIDIRECIONAL E BIDIRECIONAL E (OU)
INTERATIVA
171 Para um estudo comparativo entre o sistema de TVA norte-americano e brasileiro, conferir: ALMEIDA, A. M., op. cit., p.154-157. Consultar, também: www.abta.com.br.
172 Cf. Dicionário de Comunicação, p.11.
173 MACHADO, Jónatas. Liberdade de Expressão ..., op. cit., p.353.
174 No Brasil, uma das primeiras experiências em termos de televisão por internet é denominada de AllTV, acessado em: www.alltv.ig.com.br. Para um panorama geral do desenvolvimento da TV sobre ADSL na Europa, consultar: BAILLY, Philippe. Tendances d'évolution du paysage audiovisuel. In: PARIS, Tomas (sous la direction). La libération audiovisuelle: enjeux technologiques, économiques et réglementaires. Paris: Éditions Dalloz, 2004, p.58-59. E, ainda, a utilização do computador para ver TV ainda é pouquíssima praticada no Brasil, eis que são necessárias placas especiais capazes de fazer a decodificação dos sinais das antenas analógicas (MONTEZ, Carlos; BECKER, Valdecir. TV digital interativa: conceitos, desafios e perspectivas para o Brasil. 2.ed. rev. e ampl. Florianópolis, Editora da UFSC, 2005. p.43).
82
Em primeiro lugar, a análise recai sobre a comunicação unidirecional que é a
forma tradicional de televisão por radiodifusão realizadora de uma comunicação de
informações entre alguns emissores e milhões de receptores em um único sentido.
A técnica tradicional (tecnologia analógica) garante ao emissor a possibilidade de escolha
quanto à produção do conteúdo audiovisual, organizando a grade de programação,
enquanto os usuários ficam em uma posição meramente passiva diante das informações
que lhe são transmitidas. Garante-se aos telespectadores apenas a liberdade de escolher os
conteúdos previamente definidos pelas estações de radiodifusão, cuja produção audiovisual
é própria ou adquirida de terceiros. No extremo, resta a liberdade do consumidor quanto à
escolha do canal de televisão a assistir, mediante as mudanças efetuadas pelo controle remoto.
Em segundo lugar, quanto à comunicação bidirecional ou interativa, cabe destacar
que os avanços tecnológicos criaram a possibilidade de a comunicação ser feita nos dois
sentidos, tanto do lado do emissor quanto receptor, particularmente em relação às novas
formas de televisão (a cabo, MMDS, satélite e ADSL). Contudo, uma ressalva deve ser
destacada, é que a manifestação, por intermédio do encaminhamento de informações da parte
do receptor é bastante limitada. A unilateralidade da televisão convencional não será
integralmente substituída por uma bilateralidade que garanta o equilíbrio na posição entre
os dois pólos da comunicação. E, certamente, tal equilíbrio de posições jamais existirá à
medida que é da essência da "comunicação de massas" a unilateralidade, sendo a interatividade
entre os emissores e receptores apenas residual, eis que contraria a lógica do sistema de
organização da atividade.175
Portanto, não se nega a existência da bidirecionalidade176 e interatividade, no
entanto, ela se limita ao oferecimento de novos serviços que se diferenciam do modelo clássico
de televisão, como é o caso de serviços bancários, televendas ou serviços complementares ao
175 FERREIRA, A., op. cit., p.204.
176 O termo bidirecional designa a “rede que permite o tráfego de sinais nos dois sentidos simultaneamente. Ver: ABTA – www.abta.com.br, já o termo interatividade designa ”a transferência de informações pelo mesmo meio, bidirecionalmente e tempo real. Possibilidade de os usuários interferirem nas informações transmitidas”(Ver: ABTA).
83
serviço de televisão, como é o caso do sistema pay per view177, video on demand178, correio
eletrônico, acesso à internet, governo eletrônico, etc.
Nesse sentido, entende-se por televisão unidirecional aquela modalidade de
televisão que permite a realização da comunicação em um único sentido (é o caso da
televisão por radiodifusão em sua modelagem tradicional), já a televisão bidirecional ou
interativa é aquela modalidade que possibilita a comunicação em duplo sentido entre os
emissores e receptores, compartilhando um mesmo meio de transmissão ou um outro meio
diferente daquele utilizado para a transmissão do sinal. Não há identidade entre os
conceitos de televisão digital e de televisão interativa.179
No caso da televisão a cabo, tradicionalmente, o retorno do sinal da casa do assinante
até o headhend da operadora é feito por uma rede unidirecional que se vale de um modem
convencional, mediante a transmissão por linha telefônica. Atualmente, no entanto, com a
utilização de redes bidirecionais é possível o retorno do sinal com a utilização do mesmo
equipamento para a transmissão até a casa do assinante.
Por sua vez, no caso da TV por satélite, há a aplicação da técnica de digitalização
dos sinais, o que permite o oferecimento de mais de uma centena de canais de televisão.
Com a utilização do controle remoto e diretamente da tela do aparelho televisor, é
assegurada a compra de determinados programas audiovisuais (filmes, shows, eventos
esportivos etc.). Trata-se do sistema pay per-view. A conexão do aparelho decodificador
dos sinais à linha telefônica, para além de transmitir informações quanto às compras
efetuadas, possibilita o acesso a outros serviços: serviços bancários, correio eletrônico,
informações a respeito do conteúdo da programação, etc. A interação entre o usuário e o
prestador do serviço é feita, portanto, por um outro meio de comunicação (linha telefônica)
para a transmissão do sinal do domicílio do usuário para o operador.
177 Pay-per-view é "o serviço de TV por assinatura em que o assinante paga apenas ao que quiser assistir (filmes, shows, cursos), quando desejar, dentro da oferta existente. Nesse caso o sinal precisa ser endereçado". Consultar: ABTA. Glossário. Disponível em: <htpp//www.abta.com.br>. Acesso em: 12 ago. 2006.
178 Video on demand é o "serviço interativo em que o assinante escolhe o filme que deseja assistir e a que a hora. O sistema, que ainda não existe no Brasil e quase não é aplicado no resto do mundo, permite ao assinante parar, voltar ou correr o filme como quiser". Consultar: ABTA, Glossário.
179 Cf. Carlos Montez e Valdecir Becker: "A TV digital nada mais é do que a transmissão digital dos sinais audiovisuais, conceito bem diferente de TV interativa ...". E, ainda, conforme os autores: "TV interativa não é uma simples junção ou convergência da internet com a TV, nem a evolução de nenhuma das duas, é uma nova mídia que engloba ferramentas de várias outras, entre elas a TV como conhecemos hoje e a navegabilidade da internet." (MONTEZ; BECKER. op. cit., p.36 e p.58).
84
Com a televisão digital são possíveis diferentes níveis de interatividade entre o
emissor e o receptor.180 A definição do nível de interatividade, para além do aspecto
técnico, possui um forte componente político. A escolha do padrão de interação na
televisão digital depende da política pública adotada pelo governo federal. A decisão,
porém, não pode ser tomada sem a devida consideração dos parâmetros jurídicos contidos
na Constituição e que exigem a democratização do setor de radiodifusão de sons e de
imagens.181
Um dos problemas para a implantação dos serviços de acesso à internet no
âmbito do Sistema Brasileiro de Televisão Digital consiste justamente na existência do
canal de retorno da comunicação entre o usuário e o prestador dos serviços. É que o meio
técnico mais hábil à realização dessa tarefa é o aparelho de telefone, conectado à rede
convencional de telecomunicações. A totalidade da população brasileira tem acesso aos
180 A interatividade local não utiliza canal de retorno (não há envio de sinal da parte do usuário, eis que as informações são disponíveis no momento da oferta do sinal transmitido), mas pode requerer uma capacidade diferenciada de memória e processamento, dependendo das funcionalidades oferecidas pelo terminal de acesso, tais como: informações sobre a programação e jogos. Tal espécie de interatividade impossibilita a oferta de serviços bancários, TV-com (oferta de atividades comerciais a varejo), serviço de acesso à internet e aplicações do tipo TV-gov (oferta de serviços governamentais). Na interatividade com canal de retorno intermitente, há a comunicação assíncrona entre o usuário e o operador do serviço de televisão, eis que os dispositivos técnicos possibilitam o armazenamento das informações e o posterior encaminhamento ao provedor do serviço. Em outras palavras, a comunicação eletrônica entre o usuário e operador do serviço não ocorre ao mesmo tempo. Por sua vez, a interatividade com canal de retorno permanente cria a possibilidade a comunicação síncrona entre o usuário e a operadora do serviço, o que requer equipamentos e aplicativos adequados para a realização da comunicação em tempo real. Tanto a interatividade com canal de retorno intermitente quanto a com canal permanente possibilitam a oferta de serviços como: votação, correio eletrônico, TV-com (oferta de atividades comerciais de varejo), TV-gov (oferta de serviços governamentais pela televisão), serviços bancários, acesso à internet, entre outros (Cf. Glossário constante do Relatório sobre a Cadeia de Valor referente ao Projeto do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, p.88).
181 Em estudo realizado por um consórcio de entidades de pesquisa foram apresentados diversos cenários para a implementação da televisão digital. No cenário incremental, não há a ruptura com a cadeia de valor econômico atual, absorve-se a evolução tecnológica, porém não em sua integralidade. Daí porque esse cenário conta com a possibilidade de interatividade local e alta definição em ambiente de monoprogramação. No cenário de diferenciação, há relativa ruptura com a atual cadeia de valor com a possibilidade de um ambiente com multiprogramação, interatividade local ou com canal de retorno e mobilidade/portabilidade. Por último, no cenário de convergência, há uma ruptura significativa em relação à atual cadeia à medida que permite a interatividade local e com canal de retorno, e, particularmente ao permitir um ambiente multisserviços. Em razão dos limites técnicos, não é possível a coexistência entre uma transmissão simultânea de uma programação em alta definição e da multiprogramação em definição padrão. Daí é imperioso que as escolhas públicas que sejam justificadas em um contexto democrático tendo em vista às necessidades da sociedade brasileira e não só das emissoras de televisão (Cf. Relatório sobre a Cadeia de Valor referente ao Projeto do Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Modelo de Implantação, p.45). Conforme o glossário elaborado pelo CRP, a interatividade: "é a funcionalidade que caracteriza os serviços acessíveis a partir de um aparelho de TV que diferem de uma sucessão linear de programas de vídeo de radiodifusão. É endereçada no sentido empregado pela informática e intensificado pelas aplicações multimídia" (p.31).
85
aparelhos de televisão (um dos mais universais aparelhos domésticos), entretanto ainda não
tem acesso aos serviços de telefonia fixa em suas residências. Daí a dificuldade em
universalizar o acesso à internet se não for universalizado o serviço de telecomunicações
por intermédio do telefone.182
2.4 SISTEMAS DE TRANSMISSÃO: ANALÓGICO E DIGITAL
O sistema tradicional de transmissão de sinais de televisão, no caso da televisão
por radiodifusão, adota a técnica analógica183. Trata-se de uma padronização em que os
dados são representados por outras grandezas, semelhantes aos mesmos, contudo variáveis,
e que podem simular e resolver um problema específico.184 No âmbito do direito positivo
brasileiro, a técnica analógica constitui o "acervo tecnológico que permite a codificação da
informação pela variação contínua de qualquer característica de um sinal, estando a
informação contida na taxa de variação desta característica em relação ao tempo", sendo a
telecomunicação analógica: "a telecomunicação de informação codificada com o uso de
técnica analógica".185
Ademais, o termo digital significa "tipo de processamento de informação feito
pelo computador, baseado no sistema binário de sinais: o dígito 1, que significa um sinal
'ligado' e o dígito 0, que significa ausência de corrente ou 'desligado'".186 E, ainda, a técnica
182 Cf. MONTEZ; BECKER, op. cit., p.161.
183 Por enquanto, até o presente momento, apenas as plataformas de TV por assinatura (DTH da Sky, DirectTV e TECSAT) e algumas transmissões na banda C são digitais (Cf. Relatório sobre Cadeia de Valores, referente Projeto Sistema Brasileiro de Televisão Digital, p.74).
184 Dicionário de Comunicação, p.28.
185 Art. 6.o, 133.o, 141.o, do Decreto n.o 97.057/88 (Regulamento Geral para execução da Lei n.o 4.117/62).
186 Dicionarário de Comunicação, p.225-226. Segundo o glossário da ABTA, digital é "método que representa informações de qualquer natureza por um código matemático binário. Designa também os interesses que se utilizam deste método (ex: sinal digital, TV digital)", já o termo digitalização significa
86
digital consiste no "acervo tecnológico que permite a codificação da informação pela
variação descontínua de qualquer característica de um sinal, estando a informação contida
na diversidade das descontinuidades sucessivas", sendo a telecomunicação digital "a
telecomunicação de informação codificada com o uso da técnica digital".187
Importante destacar que as expressões televisão digital e televisão de alta definição
(HDTV) não são sinônimas. Com a técnica digital, um dos elementos do sistema de televisão
digital é a oferta do serviço de transmissão de imagens com elevada qualidade visual, o que
se denomina televisão de alta definição (HDTV).188 Um de seus aspectos é a qualidade das
imagens transmitidas, contudo, como se trata de um sistema, ela é integrada por diversos
outros elementos. Assim, a televisão de alta definição (HDTV) é uma das possibilidades do
sistema de televisão digital, porém não é a única. E, ainda, ao lado dela, há o sistema de
transmissão em definição padrão (SDTV).189
As vantagens que a aplicação da tecnologia digital oferece ao sistema de transmissão
de sinais de televisão são inúmeras: a otimização da utilização do espectro eletromagnético
(com a possibilidade da oferta de vários programas em um mesmo canal, daí a controvérsia
entre monoprogramação e multi-programação a ser analisada no capítulo final); menores
custos para operador do serviço (em comparação com o sistema analógico)190; sua
versatilidade (diversas opções quanto aos níveis de qualidade das imagens); a flexibilidade
do seu uso (conteúdo da programação pode ser adaptado em função da capacidade de
"transferência de uma informação analógica, seja imagem, som, vídeo, ou qualquer outra em uma seqüência de códigos binários" (ABTA, Glossário).
187 Art. 6.o, 134.o, 142.o, do Decreto n.o 97.057/88 (Regulamento Geral para execução da Lei n.o 4.117/62).
188 A televisão de alta definição é a "tecnologia que permite maior resolução das imagens na transmissão e recepção de sinais televisivos. Além de proporcionar maior nitidez, viabiliza o uso de telas de dimensões maiores e emite menos radiação do que os televisores convencionais" (Dicionário de comunicação, p.718).
189 Acerca do conceito de televisão digital no direito norte-americano e francês, ver, respectivamente, Capítulo III e IV.
190 Tal vantagem é relativa, eis que no início do processo de implantação haverá necessidade de ser alocado um volume imenso de recursos financeiros, sendo também necessário subsidiar, em um primeiro momento, a compra de televisores digitais ou televisores analógicos acoplados a conversores. A questão envolve a economia de escala necessária para barateamento dos custos envolvidos na implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre.
87
transporte de sinal do canal de televisão); e, finalmente, a melhor qualidade na recepção do
sinal (eliminação dos ruídos e interferências).191
De fato, a aplicação da técnica digital ao campo da radiodifusão implica inúmeras
vantagens, particularmente a multiplicação do número de canais de televisão. Isto tem como
conseqüência fundamental, entre outras questões importantes, nos planos da produção de
conteúdo audiovisual, transmissão do sinal e no acesso à tecnologia digital (especificamente
acesso da população à internet).192
A problemática referente à democratização do setor de radiodifusão diante do
advento da tecnologia digital e à implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital
será analisada no último capítulo.193
191 TABERNER, Aznar J. Los servicios portadores de televisión, obra citada por OLIVA, op. cit., p.39.
192 Cf. Henrique Bustamante: "La disyuntiva TV en internet o Internet en la televisión no es simplesmente tecnológica (televisor o PC) y reside ciertamente en los modelos de financiación, los equilíbrios entre servicio público y mercado y entre grandes corporaciones y sociedad civil, en las bases de creación y la distribución de contenidos de calidad, en las relaciones y los usos sociales que generen los usuarios-ciudadanos." (BUSTAMANTE, Enrique. Television digital: globalizacion de processos muy nacionales. In: _____ (Coord.). Hacia un nuevo sistema mundial de comunicación: las industrias culturales en la era digital. Barcelona: Editorial Gedisa, 2003, p.196).
193 A problemática em torno da definição da televisão digital brasileira se representa ruptura ou o continuísmo com o atual modelo de televisão foi analisada por Sérgio Capparelli e Venício A. Lima (op. cit., p.127-136). Além disso, sobre as expectativas exageradas e redutoras da política pública para a implantação da TV Digital é de ser conferido o importante estudo do Fórum Nacional Pela Luta Democratização da Comunicação (Comentários e proposições do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação sobre as propostas de Política de TV Digital a serem implantadas pelo Ministério das Comunicações postas em debate). Dado encontrado em www.fndc.org.br. No contexto europeu, segundo Enrique Bustamante: "Pero la problemática de la television digital abierta está todavía por verificar y solucionar: obligada gestión neutral de los múltiplos compartidos en la TDT, descodificador y EPG forzamente comunes y de gestión arbitral, coexistencia y articulación de los diversos ámbitos geográficos, gestión de los servicios interactivos incluyendo el acesso a Internet [...]". (BUSTAMANTE, op. cit., p.191).
88
3 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AOS SUJEITOS
3.1 EMISSORES: PRIVADOS, ESTATAIS E PÚBLICOS
A análise do aspecto subjetivo da prestação do serviço de televisão por
radiodifusão implica na identificação dos prestadores dos respectivos serviços destinados
ao público em geral.
Segundo André Almeida:
As emissoras de TV brasileiras se dividem em três categorias: aquelas ligadas a
uma das redes nacionais privadas; as independentes, consideradas emissoras locais
ou regionais; e as emissoras públicas que exibem programação predominantemente
educacional e cultural.194
A seguir serão apresentadas as características básicas do setor privado.
3.1.1 Setor Privado
Em primeiro lugar, a reflexão recai sobre os emissores de televisão do setor privado.
Oficialmente, são denominadas de “televisões comerciais”.
A existência de emissoras privadas de televisão é garantida no ambiente consti-
tucional democrático, fundando-se nos direitos fundamentais à liberdade expressão,
informação e de comunicação, propriedade privada e livre iniciativa econômica privada.
194 ALMEIDA, A. M., op. cit., p.107.
89
A finalidade básica é o desempenho de uma atividade econômica com o intuito de lucro, o
qual é buscado mediante receitas do mercado publicitário.195 As outorgas das concessões
de televisão por radiodifusão (televisão aberta) estão concentradas em, basicamente, seis
redes nacionais de televisão por radiodifusão: Rede Globo, SBT, Record, Bandeirantes,
CNT e Rede TV.196 As redes nacionais de televisão são integradas por empresas regionais e
locais, mediante "contratos de afiliação".
Algumas das redes nacionais de televisão possuem vínculos com inúmeros
outros veículos de comunicação social: emissoras de rádio, jornais, revistas, televisão a
cabo, televisão por satélite, televisão MMDS, estúdios de gravação, transmissão de dados,
editoras, provedores de internet, entre outros. Há uma radical concentração econômica da
propriedade privada no setor das comunicações brasileiras, sendo que tal processo já
se consolidava antes mesmo dos movimentos internacionais de fusões e aquisições no
setor em escala mundial.197 Há um padrão histórico brasileiro de concentração econômica
no setor de comunicações, pois, tradicionalmente, a propriedade privada dos veículos
de comunicação (particularmente, emissoras, retransmissoras e repetidoras de televisão)
pertence a algumas famílias e elites políticas regionais, não havendo a participação dos
cidadãos brasileiros no processo de organização e controle do setor de radiodifusão.198
195 Conforme anteprojeto de lei elaborado pela ANATEL, a respeito da disciplina dos serviços de radiodifusão e demais serviços de comunicação eletrônica de massa, havia a seguinte previsão: "serviço de radiodifusão comercial é o que pode ser prestado com finalidade lucrativa". (PODESTÁ, Fábio Henrique. Interesses difusos, qualidade da comunicação e controle judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.233).
196 Segundo dados até fevereiro de 2005, o quadro de distribuição é o seguinte: Rede Globo – 5 geradoras próprias, 96 geradoras afiliadas, 19 retransmissoras próprias e 1.405 retransmissoras afiliadas; Rede Bandeirantes – 10 geradoras próprias, 23 geradoras afiliadas, 191 retransmissoras próprias e 234 retransmissoras afiliadas; SBT – 10 geradoras próprias, 37 geradoras afiliadas, 1749 retransmissoras próprias 639 retransmissoras afiliadas; e Rede Record – 18 geradoras próprias, 18 geradoras afiliadas, 322 retransmissoras próprias e 216 retransmissoras afiliadas (Dados da ANATEL, disponível em www.anatel.gov.br).
197 Trata-se dos processos de concentração horizontal (oligopolização ou monopolização ocorrida dentro de uma mesma área do setor, como, por exemplo, a relação entre televisão aberta e televisão por assinatura), de concentração vertical (integração das diferentes etapas da cadeia de produção e distribuição, como, por exemplo, um único, grupo econômico controla desde a produção do conteúdo audiovisual até sua comercialização, distribuição e exibição). Para uma análise completa desses fenômenos na mídia brasileira, ver: LIMA, V., Mídia: teoria e política, p.93-114. Por exemplo, as Organizações Globo que, antes mesmo de outros mega-grupos internacionais, já operava com uma estrutura multimídia em território nacional e que, recentemente, promoveu um processo de expansão internacional.
198 LIMA, V., Mídia: teoria e política, p.93-115.
90
A estruturação do setor privado de televisão por radiodifusão é feita por
intermédio da transmissão de sinais em rede efetivada por estações geradoras, retransmissoras
e repetidoras. Em regra, cada função é desempenhada por entidades distintas. Com o ato de
outorga da prestação dos serviços radiodifusão, mediante concessão e (ou permissão)
administrativa, a operadora pode prestar tais serviços em âmbito local, regional ou
nacional, em determinada espécie de modulação, dispondo do direito à realização de
emissões de programas ao público em geral, originados de seus próprios estúdios.199
Por outro lado, as estações de retransmissão e de repetição de sinais de televisão,
cuja operação depende de uma autorização administrativa, limitam-se à execução de serviços
auxiliares aos serviços de radiodifusão de sons e imagens, caracterizados pela mera
retransmissão e repetição de sinais gerados por uma prestadora do serviço de radiodifusão
de sons e imagens. Tais estações de retransmissão e repetição dependem de um contrato
com as estações de geração, como também seu funcionamento está condicionado à ausência
de uma estação geradora na região onde são transmitidos os sinais de televisão.200
3.1.2 Setor Estatal
Em segundo lugar, a análise recai sobre o setor estatal.
Aqui, alerte-se que o presente trabalho utiliza o termo setor estatal para designar
as emissoras de televisão gerenciadas por um ente federativo ou por uma entidade (na
forma pública ou privada) por ele criado. Por sua vez, os termos setor público e emissores
públicos estão associados à idéia de um setor público não-estatal de televisão e de
emissores de televisão criados por cidadãos, de modo independente do poder público.201
A prestação dos serviços de televisão por radiodifusão pode ser feita, em tese,
por todos os entes integrantes da federação brasileira, isto é, pela União, pelos Estados e
Municípios. Tais entes podem prestar diretamente o serviço, mediante a atuação da
administração pública direta ou indireta, por meio de fundações ou empresas estatais202.
199 Cf. VALLE, op. cit., p.82-83.
200 Idem.
201 Ver Capítulo V.
202 A Lei n.o 4.116/62 garante a preferência de outorga da concessão para a prestação do serviço de televisão por radiodifusão para as pessoas jurídicas de direito público interno, inclusive universidades (art. 2.o). Tal
91
Quando for o caso de Estados e Municípios, a prestação do serviço de televisão por
radiodifusão depende da necessária autorização administrativa expedida pela União. A
finalidade básica é a realização da comunicação institucional por parte do poder público e a
operação das “televisões educativas”.203
No âmbito federal, é de destacar-se a atuação da Radiobras, constituída à época do
regime militar; uma empresa brasileira de radiodifusão com a finalidade de operar emissoras
de rádio e televisão do governo federal. Atualmente, chama-se Empresa Brasileira de
Comunicação, encarregando-se do gerenciamento de duas emissoras de televisão, uma
agência de notícias e cinco emissoras de rádio. Há, ainda, o canal de televisão denominado
TV Nacional de Brasília que alcança um público de, aproximadamente, dois milhões de
habitantes, e cujo sinal pode ser captado por satélite. Sua finalidade é a de retratar os
assuntos relacionados à capital federal. Por sua vez, a TV NBR é um canal de televisão que
apresenta notícias referentes às ações do Poder Executivo, sendo o sinal retransmitido para
mais de mil emissoras públicas e privadas. E, por último, a TV Brasil é o canal do Estado
brasileiro para a divulgação de notícias dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, no
âmbito internacional.204
Por outro lado, o sistema estatal de televisão é integrado pelas televisões
educativas. Estas foram modeladas no direito brasileiro como entidades estatais criadas
pela União e pelos Estados, sofrendo forte intervenção governamental, em sua maioria sob
a forma de fundações ou autarquias.
dispositivo jamais foi respeitado pelo poder público, eis que, na prática, o modelo hegemônico é o do setor privado. Além disso, a par da qualificação do serviço de radiodifusão de interesse nacional, garantiu-se aos Municípios o direito de postular a concessão de radiodifusão, uma vez demonstrada a viabilidade técnica da operação (Art. 3.o, § 2.o do Regulamento dos Serviços de Radiodifusão). Por sua vez, o Decreto-Lei n.o 236/67, ao modificar a Lei n.o 4.117/62, veio a identificar as pessoas que poderiam executar os serviços de radiodifusão: União, Estados, Territórios e Municípios, Universidades, Fundações constituídas no Brasil, sociedades nacionais por ações nominativas ou por cotas, desde que subscritas, as ações ou cotas, em sua totalidade, por brasileiros natos, proibindo-se pessoas jurídicas, excetuados os partidos políticos nacionais, e estrangeiros, de serem sócios ou participar de sociedade operadora do serviço de radiodifusão, bem como de exercer qualquer modalidade de controle direto ou indireto sobre a empresa de radiodifusão (art. 4.o). O mesmo diploma legal garante exclusivamente aos brasileiros natos os cargos e funções de direção, gerência, chefia, assessoramento e assistência administrativa e intelectual relacionados ao funcionamento da empresa de radiodifusão (art. 6).
203 Conforme anteprojeto de lei elaborado pela ANATEL, a respeito da disciplina dos serviços de radiodifusão e demais serviços de comunicação eletrônica de massa, havia previsão do "serviço de radiodifusão institucional, aquele prestado com finalidade de divulgar as atividades desenvolvidas pelos diversos poderes do Estado" (art. 48, II) (PODESTÁ, op. cit., p.233).
204 Fonte de consulta: www.radiobras.gov.br. Não é de se esquecer que, no ano de 2007, o governo federal pretende fundir a estrutura da Radiobras com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), a fim de construir uma TV Pública nacional.
92
Há tempos as televisões estatais encontram-se em uma crise crônica que provém
de várias causas, a saber: falta de investimentos públicos, no que tange à modernização
tecnológica, e de fontes alternativas de receitas, ausência de pessoal qualificado, baixas
audiências e do lobby das emissoras comerciais etc.205
Em razão desse quadro, em 1998, surgiu a Associação Brasileira das
Emissoras Públicas, Educativas e Culturais que promoveu, por iniciativa da Rede Cultura
e TVE Brasil, a constituição da Rede Pública de Televisão com o objetivo de fortalecer as
televisões educativas e culturais. Como medida prática para o fortalecimento do setor,
adotou-se um mecanismo de cooperação entre as emissoras públicas com o intercâmbio de
programas audiovisuais.206
No último capítulo, serão apresentadas algumas propostas em relação às
televisões educativas, no sentido de seu aperfeiçoamento institucional.
3.1.3 Setor Público Não-Estatal
Tradicionalmente, a operação do serviço de televisão por radiodifusão é realizada
pelos setores privado e estatal, sendo o primeiro hegemônico na comunicação social brasileira,
e o segundo atravessa uma crise crônica. São, por assim dizer, os setores clássicos da
radiodifusão brasileira.
Ocorre que, a par desses dois setores, há o setor público não-estatal ou sistema
público de televisão (que não se confunde com a idéia convencional de televisão pública)
identificado à esfera da sociedade civil, para a qual deve ser reservada parcela do uso do
espectro eletromagnético, para fins de oferecimento do serviço de televisão por radiodifusão.
Trata-se de um corolário do princípio da complementaridade dos sistemas de
radiodifusão privado, público e estatal, estabelecido no art. 223, caput, da CF, ou seja, um
setor reservado pela Constituição à garantia da expressão, informação e comunicação
social aos cidadãos brasileiros que são, freqüentemente, submetidos ao silêncio no debate
público. Vale dizer, consiste em uma garantia de acesso da cidadania aos meios de
radiodifusão. Todavia, o modelo legal de radiodifusão ainda em vigor (Lei n.o 4.117/62)
205 CAPPARELLI; LIMA, op. cit., p.126.
206 Será visto que nos EUA o modelo de organização da televisão por radiodifusão prevê mecanismos para estimular e fortalecer a cooperação entre as televisões públicas. Cf. Capítulo Terceiro.
93
não apresenta as ferramentas institucionais adequadas para a formatação de um sistema
público de comunicação social no campo da radiodifusão.207
O sistema de radiodifusão público requer a plena participação da sociedade civil
na organização da programação da TV Pública. Ou seja, uma emissora de televisão, cujo
controle pertença de direito e de fato à sociedade civil, e não ao governo, nem às emissoras
privadas. A verdadeira TV pública é aquela independente do poder econômico (não visa ao
lucro) e do poder político (não beneficia, nem prejudica o governo, candidatos ou partidos
políticos). É a modalidade de televisão voltada para a realização das legítimas expectativas
sociais em torno da concretização de uma comunicação democrática. Conseqüentemente, as
emissoras de televisão públicas têm uma significação especial no presente trabalho (a fim de
não serem confundidas com o entendimento tradicional atribuído à TV Pública que a
identifica à figura do Estado), qual seja, não são nem entidades estatais, nem entidades
privadas com o objetivo de lucro, mas são, isto sim, organizações da sociedade civil sem
fins lucrativos.
No capítulo final serão apresentadas algumas proposições para a efetivação do
sistema de radiodifusão público.
3.2 USUÁRIOS
3.2.1 Conteúdos: Generalistas ou Temáticos
A televisão convencional (TV por Radiodifusão) caracteriza-se pela transmissão
de conteúdo audiovisual generalista ao público em geral, particularmente à quase
totalidade da população brasileira. Garante-se à liberdade de programação à empresa de
radiodifusão, ou seja, a sua capacidade de escolher previamente o conteúdo audiovisual a
ser veiculado dentro de uma grade de programação, a qual contém um conjunto de
programas exibido ao longo dos dias, semanas, meses e anos, mediante a oferta gratuita.
Daí a organização de uma grade de programação voltada à busca da audiência,
mediante a captura da atenção dos mais diversos públicos durante a sua exibição, o que
implica a uniformização dos conteúdos. Em regra, a classificação da programação das
emissoras de TV pode ser feita em quatro grandes categorias: entretenimento (telenovelas,
207 Tal problemática concernente ao acesso da cidadania brasileira aos meios de comunicação, para fins de prestação do serviço de televisão por radiodifusão, será vista no capítulo quinto.
94
séries, filmes, shows, esportes etc.); publicidade; telejornalismo e "pseudojornalismo" (talk-
shows, entrevistas, variedades).208 Não se trata, obviamente, de uma classificação jurídica. Em
termos jurídicos, a doutrina costuma apresentar uma classificação dos programas de televisão
conforme o seguinte trinômio: informação, formação e entretenimento.209
A "televisão aberta" ou "televisão generalista" foi estruturada conforme uma
técnica de radiodifusão que permite alcançar uma "audiência de massas", eis que o sinal é
recebido em todo o território nacional. Trata-se de implantação de um modelo ancorado em
uma concepção de "sociedade de massa" fortemente integrada, cuja programação serve à
expressão da identidade nacional. A audiência é, freqüentemente, monitorada mediante
pesquisas de opinião a fim de conhecer as preferências dos consumidores. Em verdade, há
uma assimetria de informações, eis que a estação de televisão não conhece integralmente o
público destinatário da programação. O caráter democrático da programação decorre de sua
formatação tendo em vista a produção de programas que agradam a maioria da audiência.210
Ao contrário, a "televisão segmentada" rompe com o modelo anterior calcado na
"audiência de massas" porque seu surgimento deve-se à crítica da uniformização da programação
decorrente da cultura de massa que está presente na "televisão aberta", apoiando-se na
cultura individualista de seus assinantes. Não há a consideração do público como uma
entidade unitária, ao contrário a programação é constituída a partir da existência de diversos
públicos com diferentes gostos em relação aos programas de televisão. O novo modelo
permite a adequação constante entre a oferta e a demanda por programação de televisão,
estando mais receptivo, portanto, à liberdade de escolha dos consumidores. Isso porque a
operadora de televisão tem reais condições de conhecer o público destinatário de sua
208 LIMA, V., Mídia: teoria e política, p.203, que se vale da classificação feita por Paletz e Lipinski (1994, p.9). A organização da programação de televisão está fundada nos conceitos de horizontalidade e verticalidade que objetivam a formação, manutenção e ampliação da audiência. Segundo Silvia Borelli, Gabriel Borelli e alli: "A construção de uma programação homogênea passou, fundamentalmente, pela implementação de dois conceitos-chave: a horizontalidade e a verticalidade na organização dos programas televisivos. A horizontalidade é a colocação de um programa ao longo da semana ou do mês, em um mesmo horário; e, a verticalidade, se traduz por uma seqüência ao longo do dia que vai sendo repetida semana a semana, mês a mês." (BORELLI; PRIOLLI, op. cit., p.81).
209 MACHADO, Jónatas. Liberdade de Expressão ..., op. cit., p.658-659.
210 Cf. WOLTON, Dominique. Elogio do grande público: uma teoria crítica da televisão. Trad. José Rubens Siqueira. São Paulo: Ática, 1996, p.103-120.
95
programação, sendo que o acesso ao serviço se dá mediante a celebração de um contrato,
cuja contrapartida é o pagamento de um preço.211
Com o aparecimento de novas tecnologias (cabo, satélite, MMDS, TVA etc.),
houve a segmentação do mercado de televisão, o que ensejou novos modelos de televisão
identificados por seu nível de especialização quanto ao oferecimento de canais temáticos.212
Com essas tecnologias, é possível a ampliação da oferta audiovisual, eis que são
multiplicados os números de canais disponíveis para a veiculação de programas de
televisão. A estruturação do serviço de televisão por assinatura é, via de regra, feita após
pesquisas de mercado que auxiliam o procedimento de formatação de programas voltados a
específicos clientes. Ou seja, em razão da pluralidade de canais de televisão, a operadora
consegue segmentar o conteúdo audiovisual com a oferta de canais temáticos, adequando-se à
demanda potencial de seu público consumidor.
A especialização da oferta audiovisual pode destinar-se às preferências dos
assinantes, conforme critérios que envolvam distinções de gênero (canais para o público
masculino ou feminino), idade (canais infantis, para jovens, adultos ou terceira idade),
opção sexual (heterosexuais ou homosexuais), profissão (medicina, direito, engenharia,
arquitetura etc.), preferência pessoais (filmes, esportes, documentários etc.), informações
(meteorologia, economia, saúde etc.) e outros.
Uma das graves lacunas em termos de legislação do setor de radiodifusão é a
falta de previsão dos direitos dos usuários do serviço de televisão. A omissão quanto à previsão
de um catálogo de direitos básicos dos consumidores e dos cidadãos em matéria de televisão é
um sintoma do subdesenvolvimento em termos de democratização do setor de comunicação
social. Isto representa, aliás, um estado de inconstitucionalidade, eis que ofensivo ao regime
de direitos fundamentais em sua globalidade, bem como ao estatuto da televisão por
radiodifusão, catalogado na Constituição.213
211 WOLTON, ob. cit., p. 103-120.
212 A televisão por assinatura depende de programação audiovisual estrangeira, cujos custos estão atrelados ao dólar. Daí porque sua expansão no Brasil é limitada tanto por uma questão do valor da assinatura (inacessível à maioria da população brasileira) quanto pela questão cultural (falta de conteúdo nacional na programação).
213 Nesse aspecto, a doutrina costuma distinguir entre os serviços “uti singuli” e os serviços “uti universi”, diferenciando a situação jurídica dos usuários conforme a natureza do serviço público em questão. Para aprofundamento da questão, consultar: PEREIRA, Cesar A. Guimarães. Usuários de serviços públicos: usuários, consumidores eos aspectos econômicos dos serviços públicos. São Paulo: Saraiva, 2006.
96
O mesmo, todavia, não acontece no âmbito da televisão a cabo, eis que há
a previsão legislativa dos direitos dos assinantes (ainda que previstos de forma
insuficiente), inclusive existem metas de qualidade a serem atendidas pelas operadoras de
televisão e a fiscalização da parte da agência reguladora do setor.214
Com a positivação dos direitos dos telespectadores haverá gradativamente uma
maior cobrança quanto à melhoria da qualidade dos serviços oferecidos em termos de
atendimento pela programação de televisão aos princípios constitucionais, principalmente
relacionados à preferência "a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas".
Como explica Karine Favro:
[...] pertence ao legislador e ao poder regulamentar a competência para realizar o
pluralismo da mensagem audiovisual pela busca de um equilíbrio entre a informação,
a educação e o entretenimento. O conteúdo da mensagem está confinado em quadro
jurídico vigoroso, entretanto necessário à responsabilização dos programadores.
Também, o telespectador, em sua dimensão cidadã, está no direito de esperar
uma mensagem que seja honesta, exata, representativa do conjunto das tendências
religiosas e políticas.215
No capítulo quinto, ocorrerá a reflexão em torno da possibilidade de transformação
do telespectador em gestor do serviço de televisão por radiodifusão, no âmbito das televisões
comunitárias. Estas constituem em vital espaço para a afirmação da cidadania brasileira em
214 Entre outros, a lei da televisão a cabo prevê os seguintes direitos aos usuários: qualidade da programação, participação, reclamação, indenização, acesso ao serviço, informação prévia sobre a programação e serviços de instalação e manutenção dos equipamentos (Cf. SCORSIM, Ericson Meister. Regime jurídico do serviço de televisão a cabo. Dissertação (Mestrado) - UFPR, Curitiba, 2002, p.331-347).
Defende-se que, a par dos ordenamentos setoriais aplicáveis aos serviços de televisão por radiodifusão (Lei nº 4.117/62) e serviços de televisão a cabo (Lei nº 8.977/95), aplica-se, em ambos os casos, o Código de Defesa do Consumidor em relação aos usuários dos respectivos serviços. A diferença básica entre uma situação e outra é que o usuário do serviço de televisão por radiodifusão encontra-se uma situação estatutária (não há formalmente um contrato entre o usuário e a emissora de televisão) enquanto o usuário do serviço de televisão a cabo em uma situação contratual (há formalmente um contrato de adesão entre o usuário e a operadora do serviço de televisão).
215 FAVRO, Karine. Téléspectateur et Message Audiovisuel: Contribution à l'Étude des Droits du Téléspectateur. Paris: Librairie Générale de Droit e de Jurisprudence. E.J.A, 2001, p.340. Ainda, conforme a autora: "Compete ao legislador colocar os princípios fundadores da 'democracia audiovisual' que serão, em parte, diretamente aplicados aos emissores ou, que serão determinados por decreto, sob o fundamento dos cadernos de missões e encargos que se impõem às empresas audiovisuais públicas, e por convenção no quadro do setor privado." (p.343).
97
termos de comunicação social, mediante a auto-gestão dos serviços de comunicação por
intermédio da radiodifusão.216
3.2.2 Contraprestação: Aberta ou de Acesso Condicionado
Outro critério para a classificação dos serviços de televisão consiste na possibilidade
de imposição de uma contrapartida pecuniária para o recebimento dos respectivos serviços,
daí a classificação do serviço de televisão em aberta ou de acesso condicionado.
De um lado, está a televisão aberta, característica da televisão por radiodifusão
convencional, cuja prestação não exige o pagamento de um preço pelo serviço por parte do
telespectador. O acesso à televisão aberta é livre e gratuito, pois qualquer pessoa que disponha
de um aparelho televisor pode acessar ao conteúdo da programação audiovisual.217 Em
verdade, não há o pagamento direto do usuário pelo acesso ao serviço de televisão, mas
sim indireto, mediante o ato de compra de bens e serviços, cujo preço final embute o custo
da publicidade comercial divulgada na televisão.218
O conceito de televisão aberta decorre da própria noção de serviço de
radiodifusão como sendo aquele "destinado a ser recebido direta e livremente pelo público
em geral".219 Na perspectiva do direito positivo brasileiro, o conceito de televisão aberta é
sinônimo de televisão por radiodifusão, pois exclusivamente é garantido o acesso livre e
216 Acerca das tendências na proteção aos usuários de serviços públicos, consultar: MACHO, Luiz Miguez. Los Servicios Públicos y el Régimen Jurídico de los Usuarios. Barcelona: Cedecas, 1999, p.205-251.
217 Nos EUA, houve uma discussão interessante sobre a qualificação do serviço de TVA como serviço de radiodifusão. Originariamente, a FCC afirmou que o número de assinantes e o fato de ser cobrada uma assinatura não determinavam se um serviço era radiodifusão ou não, pois sua definição legal não exigia tais requisitos à medida que conceituava Radiodifusão como "a disseminação de comunicação por rádio com a intenção de ser recebida pelo público, diretamente ou pela intermediação de estações retransmissoras" (Seção 153-0 do Communications Act). Daí porque a agência reguladora entendeu que a TVA submetia-se às mesmas regras aplicáveis à televisão por radiodifusão. Posteriormente, a FCC resolveu reclassificar a TVA e o DBS (Digital Broadcast Satellite), excluindo-os da qualificação como serviços de radiodifusão (serviço dirigido a um público indeterminado) e qualificando-os como serviços de comunicação dirigida, o que justifica o afastamento da incidência das regras aplicáveis à rádio e à televisão. Segundo a FCC: "as técnicas de recepção e transmissão envolvidas na TVA e no DBS se destinavam a ser recebidas apenas pelos assinantes e não pelo público em geral" (Cf. ALMEIDA, A. M., op. cit., p.129-130 e p.137-138).
218 Segundo cálculos do FNDC, o custo anual, em relação a cada lar brasileiro, para ver a televisão "gratuita e aberta" é de R$ 203,44 (FÓRUM NACIONAL PELA DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO. Revista do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. Mídia com Democracia, n.2, p.21, jun. 2006. Disponível em: <http://www.fndc.org.br>. Acesso em: 10.09.06).
219 Conforme Art. 6.o, letra "d", da Lei n.o 4.117/62.
98
gratuito, enquanto, em face dos demais meios de televisão qualificados como serviços de
telecomunicações (televisão a cabo, MMDS, satélite e TVA), o acesso é condicionado ao
pagamento de preço da assinatura do serviço.220
Além do dever de continuidade quanto à operação do serviço, impõe-se a
obrigação de universalidade do serviço para destinação ao maior número de usuários,
conforme as possibilidades técnicas e econômico-financeiras das estações de televisão. Nessa
hipótese, a gratuidade é uma opção política, sendo que o prestador do serviço, ao invés de
remunerar-se pela cobrança do usuário, remunera-se mediante outras formas, tais como:
divulgação de mensagens publicitárias, venda de direitos de transmissão de sinal de
televisão, entre outras receitas.221 Na Europa, é tradicional que o financiamento do serviço
público de televisão, operado pelas televisões estatais, sejam efetuado mediante a cobrança
de taxas.222
De outro lado, está a televisão de acesso condicionado (também denominada
televisão fechada, TV por assinatura ou TV paga), característica das televisões por assinatura (a
cabo, satélite, MMDS e TVA), a qual exige o pagamento de um preço, mediante assinatura
dos respectivos serviços. Nesse caso, o acesso ao serviço de televisão exige a celebração de
um contrato de adesão, havendo o pagamento de um determinado valor.
A TV por assinatura ou de acesso condicionado deve ser vista como um super
conceito que engloba diversas modalidades de televisão, mediante a contrapartida do pagamento
pelo recebimento dos serviços. Trata-se de um novo mecanismo de financiamento da atividade
televisiva, que permite a prestação de um conjunto de serviços de informação, formação e
entretenimento, que possibilita a diversificação e individualização da oferta televisiva.223
Em garantia à cobrança pela prestação dos serviços, faculta-se às operadoras a
utilização da codificação do sinal de televisão, a fim de evitar que o mesmo seja captado
sem a respectiva assinatura do contrato de prestação de serviços. Portanto, para a recepção
220 Sobre a questão da constitucionalidade e legalidade do custeio do serviço público de televisão educativa mediante a cobrança de taxas, conferir: DALLARI, Adilson Abreu. Cobrança de taxa para custeio da TV Educativa. Revista de Informação Legislativa, nº.128, p.113-125, abr./jun. 1998.
221 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003, p.291.
222 Cf. Capítulo V.
223 Sobre a TV Paga (ou Pay-TV), conferir: MACHADO, Jónatas. Liberdade de Expressão ..., op. cit., p.350.
99
do sinal de televisão no domicílio do cliente exige-se a decodificação mediante um aparelho
específico. A fixação dos preços é variável conforme a oferta de canais aos consumidores,
a par dos canais básicos existem canais específicos, com preços diferenciados, prevalecendo
um regime de liberdade empresarial, havendo, porém, um sistema de controle do abuso de
poder econômico nos casos de violação às regras em favor da concorrência.224
Com a implantação da televisão digital no Brasil, surge a problemática em saber
sobre a possibilidade de cobrança pelos serviços de televisão por radiodifusão na forma
digital e pelos serviços auxiliares e (ou complementares), particularmente no âmbito do
serviço de televisão. Saber se será mantido ou não o conceito de televisão aberta no
ambiente digital. Tal questão será analisada no capítulo quinto.
No próximo capítulo, será apresentado o modelo de disciplina da televisão nos
Estados Unidos da América do Norte.
CAPÍTULO III
TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO NOS
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
1 MODELO DE TELEVISÃO NORTE-AMERICANA
O modelo de televisão nos EUA está baseado, hegemonicamente, na televisão privada
de caráter comercial, cujo financiamento provém de receitas do mercado publicitário225
224 Por exemplo, no caso do serviço de televisão a cabo, a previsão normativa encontra-se nos arts. 10, VI, e 23, § 7.o, da Lei n.o 8.977/95.
225 É interessante notar que não há limite para a quantidade de publicidade comercial relacionada aos programas de televisão, eis que se parte do pressuposto de que as forças do mercado é que devem definir
100
(televisão de acesso livre por radiodifusão) e a remuneração paga pelos assinantes (televisão
paga – cabo, satélite e outras).226
A televisão pública tem um aspecto marginal em relação à televisão privada,
sendo sua função a veiculação de conteúdos não-comerciais, que não competem com a
audiência das redes privadas de televisão, e seu financiamento decorre de fundos
gerenciados por diversas administrações, patrocínio de programas, vendas de produtos,
havendo a proibição da publicidade comercial.227
Praticamente, todas as modalidades de televisão encontram-se bastante desen-
volvidas nos EUA.
A televisão por radiodifusão ("broadcasting services"228) é a modalidade de
televisão pioneira nos EUA, sendo criada entre os anos de 1945 a 1955, com dez anos de
vanguarda em relação à televisão na Europa. Há um grande número de canais de televisão por
radiodifusão, em regra, dividido entre as grandes redes ou cadeias nacionais de televisão ABC
(American Broadcasting Company), NBC (National Broadcasting Company) e CBS (Columbia
Broadcasting System), FOX, WB (Warner Brothers) e UPN (United Paramount Network).229
o número e a quantidade de comerciais que podem ser veiculados pela televisão, excetuadas as limitações em termos de publicidade comercial, referentes aos programas destinados ao público infantil (MIDDLETON, Kent; LEE, William. The Law of Public Communication. 6.ed. atual. Boston: Pearson Education, 2006, p.363).
226 PAZ, Jose Carlos Laguna. Regimen juridico de la television privada. Madrid: Marcial Pons, 1994, p.87-88.
227 PAZ, op. cit., p.89.
228 Conforme definição legal do direito norte-americano o termo radiodifusão (broadcasting) significa a "disseminação de radiocomunicações destinada para ser recebida pelo público, diretamente ou por estações intermediárias de recepção e transmissão". Communications Act of 1934 (48 Stat. 1064, as amended, 47 U.S.C.A. § 151 et se. (as of April 1, 1996), Sec. 153 (47 U.S.C §153), (6). Por sua vez, o termo radiocomunicação ou comunicação por rádio significa "a transmissão por rádio de escritos, símbolos, sinais, imagens, e sons de todos os tipos, incluindo todos os mecanismos, equipamentos, aparelhos e serviços (entre outras coisas, de recepção, transmissão e entrega das comunicações) acompanhando tal transmissão". Communications Act of 1934 (48 Stat. 1064, as amended, 47 U.S.C.A. § 151 et se. (as of April 1, 1996), Sec. 153 (47 U.S.C §153), (33). Consultar: BARTON, T. Carter et al. The First Amendment and the Fourth Estate. The Law of Mass Media. Ninth Edition. New York: Fondation Press, 2005, p.1115-1116. A legislação norte-americana pode ser acessada no site da FCC: www.fcc.gov.
229 Em verdade, o mercado de televisão por radiodifusão norte-americano está dominado por cinco grandes grupos empresariais: General Electric (NBC), Disney (ABC), Viacom (CBS e UPN), News Corporation (FOX) e AOL Time Warner (WB) (BERNAL, Hugo Écija (Dir.). Hacia una nueva política audiovisual: Modelos de Televisión, Regulación de Contenidos y Consejos Audiovisuales en Espana, Europa y EEUU. Madrid: Écija & Asociados Abogados, 2005, p.324). Note-se que as primeiras três grandes redes de televisão (NBC, CBS e ABC) dominavam 90% do mercado de televisão, desde a década de 50 até a de 70, momento a partir do qual a rápida expansão da televisão por cabo interrompeu essa hegemonia. Ob. cit., p. 316. Acerca do tema, também, conferir: DIZARD JR., Wilson. A nova mídia: a comunicação de
101
As grandes redes nacionais de televisão por radiodifusão, que cobrem costa a
costa o território norte-americano, possuem e exploram diretamente um certo número de
estações emissoras de televisão (em regra, jamais superior a doze), denominadas "owned and
operated". Em geral, tais emissoras de televisão são instaladas nas maiores cidades que
configuram os centros de importantes recursos publicitários. Elas valem-se de contratos de
afiliação com um número ilimitado de estações privadas, fornecendo para elas programas
diversos, com a finalidade de angariar uma vasta audiência para os anunciantes.230
A televisão a cabo surgiu em território norte-americano, cuja geografia é vasta e
bastante acidentada (com a população espalhada em diversos estados), em razão da não-
recepção do sinal de televisão por radiodifusão em diversas localidades. A televisão a cabo
está associada à idéia de "narrowcasting" que se contrapõe à idéia de "broadcasting",
conforme acima referido.231 Ela surgiu na década de 70, beneficiando-se do desenvolvimento
dos satélites que permitiram a distribuição dos programas de televisão por diversos pontos
do território norte-americano.232
Inicialmente, o sistema de TV a cabo limitou-se à retransmissão dos sinais da
televisão por radiodifusão, o que ocasionou a briga com as redes nacionais de televisão.
Sua singularidade consiste no estabelecimento de um sistema de licenças para a criação de
empresas de televisão por cabo de competência dos governos locais. O desenvolvimento
dos serviços de televisão a cabo rompeu com a hegemonia das grandes cadeias nacionais
de televisão do setor de radiodifusão, sendo que seu alcance chega a, aproximadamente,
70% (setenta por cento) da população norte-americana. De fato, na década de 80, as
grandes redes de televisão hertzianas foram submetidas a uma concorrência direta com a
massa na era da informação. 2.ed. rev. e ampl. Trad. Edmond Jorge. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p.135-138. Cumpre salientar que o grupo News Corporation atua no Brasil no segmento de televisão por satélite, em parceria com as Organizações Globo, mediante a operadora Sky, sendo que, recentemente, adquiriram a operadora de televisão por satélite Directv. Acerca do tema, conferir: LIMA, Venício. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006, p.108-112.
230 Acerca do tema, BALLE, op. cit., p.256.
231 O conceito de "broadcasting" difere do conceito de "narrowcasting", eis que, enquanto aquele se refere à transmissão de sinais ao público em geral, este se refere à transmissão de sinais a uma audiência específica, como é o caso da TV a cabo e a TV por assinatura. Cf. ALMEIDA, A. M., op. cit., p.1.
232 Cf. CARTER et al., op. cit., p.892-955; ZUCKMAN, Harvey; CORN-REVERE, Robert L.; FRIEDEN, Robert M.; KENNEDY, Charles H. Modern Communications Law. (General Editor Harvey L. Zuckman), St. Paul, Minn: West Group, 1999, p.1053-1056 e BALLE, op. cit., p.258-259.
102
multiplicação da oferta de canais de televisão pelos operadores do serviço de televisão a
cabo.233
Na década de 80, pela primeira vez, foi autorizada a prestação de serviços privados
de distribuição de sinais de áudio e de vídeo por satélites com vocação internacional. No
final dos anos 90, afirma-se a televisão por satélite (DBS – Digital Broadcast Satellite), cuja
programação é recebida diretamente pelo usuário do serviço, mediante uma pequena
antena, sendo um dos primeiros meios de comunicação a adotar a técnica digital, o que
implicou na multiplicação do número de canais difundidos.234
Por sua vez, há a televisão de âmbito local de baixa potência, decorrente do
princípio do localismo, objetivo a ser buscado pelas políticas públicas encabeçadas pela
FCC. Em 1982, a FCC aprovou o início da televisão de baixa potência ou televisão local,
com a função de prestar serviços a pequenas comunidades, localizadas em áreas rurais ou
dentro de áreas urbanas das cidades. Sua criação é justificada para propiciar o oferecimento
do serviço de televisão aos telespectadores que, caso contrário, não contariam com o
serviço das estações de televisão de maior potência.235
O modelo norte-americano de televisão está baseado na Primeira Emenda da
Constituição que garante a liberdade de expressão. Tal dispositivo prevê que nenhuma lei
poderá restringi-la, o que configura uma importante proteção para aquele que pretende
divulgar notícias e (ou) opiniões e que dispõe da propriedade privada de uma estação de
televisão. Trata-se de uma liberdade que serve como base por intermédio da qual se
assentam as demais liberdades dos cidadãos norte-americanos.236 A partir dela, quanto aos
serviços de radiodifusão, a jurisprudência, as leis e a prática desenvolveram uma série de
outros sub-princípios: interesse público, pluralismo de vozes, mercado livre de idéias ou
233 BALLE, op. cit. p.269.
234 BALLE, op. cit. p.267.
235 CARTER et al. op. cit., p.688-689.
236 A Primeira Emenda à Constituição norte-americana de 1791 dispõe o seguinte: "O Congresso não legislará definindo uma preferência por uma religião ou proibindo-lhe o livre exercício, restringindo a liberdade de expressão, de imprensa ou o direito dos cidadãos de se reunirem pacificamente e dirigir ao Estado petições para obter reparação de prejuízos sofridos." (CARVALHO, op. cit., p.19). Acerca do tema Liberdade de Expressão e Mídia Eletrônica, ver: TEETER JR., Dwight; LOVING, Bill. Law of Mass Communications: Freedom and Control of Print and Broadcast Media. Eleventh Edition. New York: Foundations Press, 2004, p.697-715. Para análise do valor da expressão e a função da Primeira Emenda, conferir: NOWAK, John E.; ROTUNDA, Ronald D. Constitutional Law. Seventh Edition. St. Paul, MN: West Group, 2004, p.1147-1149.
103
igualdade de oportunidades ou certas fórmulas (doutrina da eqüidade, regra de ampla
utilização, discriminações positivas etc.).237
Portanto, a regra é a proteção à liberdade. A exceção à regra é a restrição pelo
poder público. Isto decorre da especial compreensão dos norte-americanos em torno do
papel do Estado em face do mercado e da sociedade que é diferente do entendimento
europeu e brasileiro.238 Ela só pode ser restringida quando houver a demonstração de que a
intervenção estatal será a miníma possível e cujo objetivo seja a satisfação do interesse
público. Assim, nesse contexto, a legislação dispõe que o poder público possui a
competência necessária para a outorga das licenças para o exercício da atividade de
televisão, bem como para corrigir as falhas de mercado, de modo a condicionar o exercício
da atividade ao atingimento do interesse geral.239
A intervenção pública sobre o setor de radiodifusão centra-se basicamente no
trabalho da Federal Commission Communication (FCC) que é uma agência encarregada
das políticas reguladoras relacionadas aos serviços de telecomunicações (inclusive serviços
de radiodifusão) oferecidos pelos mais variados meios: televisão, rádio, comunicações
privadas, telefones celulares, satélites terrestres e orbitais, cabo, etc. O modelo de televisão
exige o equilíbrio entre a necessidade de intervenção pública e a liberdade de mercado de
televisão, protegida pela Primeira Emenda da Constituição.
237 Cf. ALEXANDRINO, op. cit., p.270.
238 Cf. Venício Lima: "Em outros países como os Estados Unidos, por exemplo, a percepção dominante das noções de Estado e governo não os separa nitidamente como instituições representativas de interesses diferentes. Na verdade, os próprios analistas políticos americanos dificilmente se utilizam do conceito de Estado, que é, muitas vezes, substituído por governo. [...] Dessa forma, percebe-se o interesse público e o interesse privado, em particular das empresas privadas, como convergindo no governo." (LIMA, V. Mídia: teoria e política, p.118).
239 Importante destacar uma peculariedade do sistema constitucional dos EUA. É que, conforme explicam os autores John E. Nowak e Ronald D. Rotunda, "a maioria das proteções para os direitos e liberdades individuais contida na Constituição e nas respectivas Emendas aplica-se somente em relação às ações das entidades estatais". No caso de eventuais violações cometidas por particulares contra outros particulares, as regras constitucionais de proteção aos direitos e liberdades individuais não são aplicáveis. Nesse sentido, o fato de um ator privado ser regulado ou licenciado por uma agência não significa que seus atos são considerados como atos estatais e, por isso mesmo, não enseja a aplicação das regras de proteção aos direitos e liberdades individuais. Há inclusive precedente da Suprema Corte norte-americana no sentido de que as estações de rádio e televisão não são submetidas às restrições da Primeira Emenda, apenas pelo fato de serem objeto de licenciamento e regulação pela agência federal. Em outras palavras, os atos das estações radiodifusoras não são qualificados como ações estatais que justifiquem a submissão às limitações da Primeira Emenda (NOVAK; ROTUNDA, op. cit., p.549, 577 e 578). Trata-se do problema relativo ao não reconhecimento pelo direito constitucional norte-americano da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Ver: ALEXANDRINO, op. cit., p.281.
104
Trata-se de um paradigma à margem da idéia de serviço público que serve à
estruturação da televisão nos países europeus, inclusive o Brasil. Nos EUA a radiodifusão é
qualificada como uma "public utility"240; uma instituição que não se identifica com a noção
européia de serviço público, eis que diferentes os pressupostos sociais, políticos e
econômicos.241 O significado de "public utility" na língua portuguesa aproxima-se da idéia
de um serviço privado, mas de interesse público. Antigamente, era possível ver com maior
clareza a diferença entre as fronteiras da "public utility" e da noção de serviço público,
atualmente, elas não são tão nítidas.242 Apesar da complexidade na identificação das notas
diferenciadoras, as categorias possuem identidade própria.243
O serviço de televisão por radiodifusão é uma public utility totalmente diferente
das demais public utilities, eis que está diretamente atrelado à concepção democrática e à
liberdade de expressão. Em função disso, a "broadcasting regulation" implica sérias
questões, particularmente quanto ao acesso ao meio de comunicação, regulação do
conteúdo audiovisual e à produção e à veiculação de notícias de interesse público que
possibilitem o debate público.244
240 A noção de "public utilities" tem como pressuposto a categoria "business with a public interest", originando-se nos Estados Unidos, a fim de justificar a intervenção estatal, por meio do legislador, sobre a fixação de preços de serviços ou mercadorias em detrimento do proprietário. Para uma visão histórica da categoria de public utility como "business clothed with a public interest" nos Estados Unidos, à luz da jurisprudência da Suprema Corte, conferir: KAHN, Alfred E. The Economics of Regulation. Principles and Institutions. Introduction. New York: MITT Press; Massachusetts: Institute of Technology, 1988, Itens 3/I a 7/I.
241 Themístocles Cavalcanti, ao tratar da diferenciação entre os serviços públicos e os serviços de utilidade pública, explica o seguinte: "Essa distinção é mais comum nos Estados Unidos, onde as 'public utilities' obedecem a um regime peculiar. Naquele país, a intervenção do Estado não é grande, embora se tenha verificado, nos últimos anos, uma intromissão maior do Estado em certos serviços. Constituem-se, entretanto, grande parte dos serviços públicos, por iniciativa particular sob a denominação de 'public utilities', cuja definição, como vimos acima, depende de condições variáveis. Daí a afirmação de BIELSA que public utility é aquele serviço considerado como tal pelos tribunais." (CAVALCANTI, op. cit., p.59-60).
242 Gaspar Arino Ortiz promove a relativização da distinção entre os serviços públicos do Direito administrativo da tradição franco-germânica e as public utilities anglo-saxônicas, citando duas decisões em que foi afirmada a titularidade estatal sobre as public utilities, manifestando-se no seguinte sentido: "mesmo em um modelo teórico (a doutrina das "public utilities") que se diz mais afinado com as teses privatizadoras e liberais das atividades econômicas, a tese da titularidade estatal destas atividades essenciais chegou a ser igualmente formulada" (ORTIZ, Principios..., p.515-516).
243 Em postura de contestação, Alexandre Aragão entende que, embora tenha ocorrido em um ou outro acórdão proferido nos EUA uma manifestação episódica da titularidade estatal, "as diferenças básicas entre a sistemática anglo-saxônica e a franco-germânica são mantidas" (ARAGÃO, Alexandre. Regulamentação efetiva dos serviços de utilidade pública. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.59).
244 O foco do presente trabalho recai sobre o estatuto jurídico da televisão por radiodifusão. Nesse sentido, é importante esclarecer que a análise do direito norte-americano restringe-se à obtenção de dados úteis à
105
Nos EUA existem diversas concepções em torno da regulação dos meios de
comunicação, cujo eixo principal deriva da interpretação da liberdade de expressão
protegida pela Primeira Emenda à Constituição norte-americana.245 De um lado, há aqueles
que interpretam a Primeira Emenda no sentido de garantir a autonomia discursiva dos
indivíduos, exigindo a abstenção do Estado na esfera individual (teoria libertária). De outro
lado, há aqueles que a interpretam no sentido de ser um instrumento para a promoção da
diversidade na esfera pública, o que exigiria uma atuação positiva do Estado em favor da
ampliação do espaço a ser conferido a diversos grupos no debate democrático (teoria
democrática). Esta classificação é adotada pelo autor Owen Fiss.246
Em outras palavras, há uma divisão entre distintas concepções em termos de
interpretação da Primeira Emenda da Constituição norte-americana, há aqueles que
interpretam a liberdade de expressão de modo individual a proteger o autor do discurso; e
há aqueles que a interpretam de modo a favorecer os objetivos democráticos, privilegiando
os destinatários dos discursos.247
Segundo Cass Sustein, ao tratar das teorias sobre a liberdade de expressão,
existe a teoria referente ao "marketplace model", relacionada ao estabelecimento de regras
básicas em termos de propriedade privada e contrato, que parte do pressuposto que o
próprio mercado é que deve regular a oferta e demanda, razão pela qual o Estado deve
respeitar as forças econômicas. A liberdade de expressão é entendida em termos de
compreensão da temática, objeto do presente trabalho, daí porque apenas algumas regras é que serão analisadas. O direito norte-americano apresenta diversos níveis de aplicação da Primeira Emenda (Liberdade de Expressão) em relação às múltiplas tecnologias de comunicação. Como explicam Harvey Zuckmann e outros, a questão fundamental não é saber se existem diferenças técnicas entre os meios de comunicação, mas se tais diferenças justificam distinções constitucionais entre os diversos meios (ZUCKMANN et al., op. cit., p.157).
245 A título ilustrativo, Henri Geller explica que existem três modelos regulatórios: broadcasting (public-trustee concept) que justifica a intervenção estatal sobre o conteúdo da programação, incluindo a igualdade de acesso dos candidados que disputam o processo eleitoral e, até recentemente, a "fairness doctrine" relativa à cobertura de questões controvertidas de importância pública, imprensa (sem o conceito de public-trustee) em que há limitada intervenção estatal em relação aos aspectos de obscenidade e ofensas à honra e os serviços de "common carrier" em que há uma indiferença em relação ao serviço prestado ao público, eis que a atividade é operada em termos de preços não-discriminatórios (GELLER, Henry. Mass communication policy: where we are and where we should be going. In: LICHTENBERG, Judith (Ed.). Democracy and the Mass Media. New York: Cambridge University Press, 1995, p.291-291).
246 BINENBOJM, Gustavo e PEREIRA NETO, Caio Mário da Silva Pereira. Prefácio ao livro A Ironia da Liberdade de Expressão. Estado, Regulação e Diversidade na Esfera Pública (Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.2).
247 Idem.
106
competição no mercado, daí a utilização da metáfora "marketplace of ideas" enquanto fator
de explicação e legitimação do mercado e de restrição da intervenção estatal.248
A regulação estatal é admitida na hipótese de existirem falhas de mercado, isto é,
quando houver monopólios e (ou) oligopólios no setor econômico. Ademais, admite-se uma
regulação quanto ao conteúdo limitada aos casos de "obscenity, false ou misleading
commercial speech and libel".249
Por outro lado, o segundo modelo está baseado nos objetivos democráticos, os
quais preconizam a democracia deliberativa, sendo a liberdade de expressão um dos elementos
do sistema. Nesse caso, o mercado de informações não está imune ao controle estatal, daí
porque é necessária a lei para a organização do sistema operado pelos radiodifusores.250
É importante apontar alguns pontos em defesa da adoção da interpretação da
liberdade de expressão de modo a proteger a autonomia individual e a democracia, algo
que também se sustenta em face do direito brasileiro.
A propriedade privada pode ser também um perigo para o exercício da liberdade
de expressão, pois, não só o Estado representa essa ameaça. Um mercado sem regulação
representa um fator de risco para o exercício das liberdades de expressão. Nesse sentido, o
risco inerente ao poder da ação estatal deve ser reduzido, especialmente mediante a
limitação da regulação em relação aos novos meios de comunicação.251
Não se confundem as categorias liberdades de expressão e a de poder privado
das empresas de radiodifusão. Certamente, os direitos de propriedade são indispensáveis
para a liberdade e prosperidade, entretanto o exercício ilimitado pode comprometer os
248 SUSTEIN, Cass R. Democracy and The Problem of Free Speech. New York: The Free Press, 1993, p.255-256. Uma das conseqüências da adesão ao "market model" é, por exemplo, a propriedade privada servir para garantir o silêncio público, ao invés de assegurar o exercício da liberdade de expressão. A jurisprudência norte-americana aponta nesse sentido no caso das manifestações populares dentro de shopping centers, em que tais estabelecimentos comerciais podem proibir discursos em sua propriedade privada; o público deve-se limitar ao direito de comprar mercadorias (SOLEY, Lawrence. The Corporate Threat do Free Speech in the United States: Censorship Inc. New York: Monthly Review Press, 2002, 146-147).
249 SUSTEIN, Democracy..., p.255-256.
250 Idem.
251 BOLLINGER, Lee C. Public Regulation of The Media. In: LICHTENBERG, Judith (Ed.). Democracy and the Mass Media. New York: Cambridge University Press, 1995, p.365.
107
objetivos democráticos.252 Não é possível sustentar que os direitos de propriedade das
empresas que possuem os meios de comunicação sirvam à exclusão da liberdade de expressão
de pessoas, grupos e instituições que não possuem tais meios. Não é possível reduzir a
interpretação da Primeira Emenda em favor da liberdade de expressão tão-somente
daqueles que possuem recursos materiais ou dinheiro em relação àqueles que não
possuem.253
Segundo Owen Fiss: "Nada disso significa denegrir o mercado. Trata-se somente de
reconhecer suas limitações. Para mim a questão não se refere às falhas de mercado mas o
alcance do mercado. O mercado pode ser esplêndido para alguns propósitos mas não para
outros".254 Em termos constitucionais, o mercado relevante é o mercado da informação,
sendo que a "democracia exalta não é simplesmente a escolha pública, mas a escolha
pública feita, com informação integral e sob condições adequadas de reflexão".255
E, ainda, conforme o citado autor:
O propósito do Estado não é suplantar o mercado (como poderia acontecer em
uma teoria socialista) ou aperfeiçoar o mercado (como poderia acontecer em uma
teoria das falhas do mercado), mas, simplesmente, complementá-lo. O Estado
deve agir como um corretivo para o mercado, razão pela qual ele deve colocar na
agenda pública questões que são sistematicamente ignoradas e diminuídas, de
252 SUSTEIN, Democracy..., p.43-45.
253 SUSTEIN, Democracy..., p.39 e p.255. Além da censura estatal, outra preocupação dos norte-americanos refere-se à censura privada. A título ilustrativo, o próprio silêncio da mídia em torno da aprovação do "Telecommunication Act" é um exemplo de censura privada motivada por meras razões particulares. Em termos comparativos, o setor privado possui mais métodos à sua disposição para restringir a liberdade de expressão do que o governo. (SOLEY, Lawrence, ob. cit., p. 147). No Brasil, situação parecida ocorreu em relação às propostas de regulação da mídia, e inclusive em relação à implantação do sistema brasileiro de televisão digital, em que a mídia eletrônica e a escrita (esta salvo algumas exceções), simplesmente, ignoraram as questões de importância republicana e não as divulgaram perante a opinião pública.
254 FISS, Owen. Why State. Why the state? In: LICHTENBERG, Judith (Ed.). Democracy and the Mass Media. New York: Cambridge University Press, 1995, p.136-154. p.144. Ainda, segundo o autor: "O capitalismo ortodoxo visualiza uma separação estrita entre Estado e economia e demanda que a inteferência estatal sobre a atividade empresarial seja mantida num nível mínimo." (FISS, Owen. A ironia da liberdade de expressão: Estado, regulação e diversidade na esfera pública. Trad. Gustavo Binenbojm e Caio Mário da Silva Pereira Neto. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.100).
255 FISS, Owen. A ironia..., p.55 e 102.
108
modo a permitir ouvir vozes e pontos de vista que poderiam, caso contrário, ser
silenciados ou abafados.256
Por sua vez, Onora O'Neill apresenta um valioso argumento, a fim de justificar a
disciplina jurídica dos meios de comunicação, para além da tradicional liberdade de
expressão. Diz a autora: "os meios de comunicação são importantes, especialmente nas
democracias, não simplesmente porque eles são orgãos de auto-expressão (para a maioria
eles não são mais do que isso), mas principalmente porque eles são órgãos de comunicação".
Em razão da maior ênfase no aspecto da comunicação do que na expressão, há a melhor
colocação do problema relativo ao acesso à mídia.257
As questões constitucionais acima relacionadas que afetam a organização do
modelo de comunicação norte-americano, particularmente a televisão por radiodifusão, são
valiosas para a compreensão do modelo brasileiro, principalmente, porque auxiliam a
investigação sobre a obrigatoriedade (e não apenas possibilidade) de atuação estatal em
favor da diversidade da esfera pública, o que envolve o papel do Estado em face do
mercado e do sistema de comunicação social.258
O modelo de televisão dos EUA tem suas vantagens: regras em garantia da
efetiva competição entre os agentes econômicos, diversidade dos meios de comunicação,
independência da televisão pública em face do poder político, autoridade reguladora
independente, proteção ao conteúdo local, etc. Entretanto, tal modelo também tem algumas
desvantagens, principalmente, a hegemônica consideração das obras audiovisuais como
mercadorias e não como uma manifestação das culturas presentes na sociedade. Em outras
palavras, há uma excessiva valorização do mercado e, principalmente, do conteúdo audiovisual
voltado ao entretenimento.
A seguir serão analisadas algumas questões que decorrem do modelo norte-
americano259 e que contribuem para a compreensão do marco jurídico brasileiro (na forma
256 FISS, Owen. Why State. Why the state? Ob. cit., p. 136-154.
257 O'NEILL, Onora. Practices of toleration. In: LICHTENBERG, Judith (Ed.). Democracy and the Mass Media. New York: Cambridge University Press, 1995, p.155-185.
258 Cf. John Nowak e Ronald Rotunda: "Questões constitucionais na área da mídia eletrônica apresentam problemas especiais para as cortes em razão da singular influência da forma de comunicação." (NOWAK; ROTUNDA, op. cit., p.1193). Ver, também, BINENBOJM; PEREIRA NETO, op. cit., p.18.
259 Como será visto a seguir, o modelo norte-americano de regulação dos serviços de radiodifusão encontra-se inserido no contexto da regulação das comunicações em geral. Nesse sentido, uma mesma lei regula os
109
da Lei n.o 4.117/62)260, ainda mais pelo fato deste ter sido influenciado por aquele em suas
origens; e, também, porque ele é, com freqüência, citado pelos radiodifusores brasileiros
como um exemplo a ser seguido.
2 MARCO JURÍDICO DO SETOR TELEVISIVO: TELECOMMUNICATION
ACT DE 1996
A atual base legal de regulação dos serviços de telecomunicações nos EUA, aí
incluídos os serviços de televisão por radiodifusão, está no Telecommunications Act de
1996 que modificou o Communications Act of 1934, porém manteve a disciplina jurídica
das diversas modalidades de serviços de comunicação realizados pelos mais diversos
meios técnicos (radiocomunicação, radiodifusão, telefonia, cabo, satélite etc.).261
Tal diploma legislativo trouxe, não obstante, modificações substanciais no setor
à medida que contraria o conceito de monopólio natural no campo da telefonia e relativiza
a noção de escassez do espectro eletromagnético nos meios de "comunicação de massa",
diversos serviços de comunicações prestados pelos mais variados meios tecnológicos: fio, cabo, telefone, televisão, rádio, computador, satélite etc. Especialmente, a lei trata dos serviços "common carrier", "broadcasting services", "direct broadcast satellite service", "cable communications" e "internet". Há, inclusive, na lei a disciplina concernente às publicações eletrônicas, geralmente, são textos transmitidos pelas companhias telefônicas para os aparelhos de televisão.
260 Ver Capítulo III.
261 NUECHTERLEIN, Jonathan; WEISER, Philip. Digital Crossroads: American Telecommunications Policy in the Internet Age. Cambridge: MITT Press, 2005, p.2. Segundo os autores, no âmbito das indústrias de telecomunicações, como várias outras "indústrias de rede", o valor da rede para cada usuário aumenta ou decresce, respectivamente, com cada adição ou subtração de outros usuários em relação à rede. Em outras palavras, o valor da rede é diretamente proporcional ao número de usuários a ela conectados (p.5).
110
promovendo a flexibilização (apesar de não abolir por completo) entre as barreiras do
common carrier e os meios de comunicação, favorecendo a adoção de incentivos de
mercado, ao invés de uma mera regulamentação estrutural.262
Os serviços de radiodifusão (ponto – multipontos) distinguem-se, nitidamente,
em face das comunicações ponto a ponto (common carriers)263, como é o caso do
telefone, telégrafo e do satélite de comunicação, pois, nestes os operadores não controlam
o conteúdo das mensagens transmitidas, enquanto naqueles há essa possibilidade de
controle quanto ao conteúdo propagado.264
Do ponto de vista da definição legal do direito norte-americano, o termo "common
carrier" ou "carrier" designa qualquer pessoa encarregada como "transportador comum"
que utiliza, entre estados ou a comunicação internacional por fio ou rádio ou entre estados
ou a radiotransmissão de energia no estrangeiro, exceto onde a referência é feita no sentido
de que os "common carrier" não se sujeitam ao específico dispositivo normativo; mas a
pessoa encarregada da radiodifusão não deve ser considerada como "common carrier".265
A respeito das diferenças básicas entre os serviços de comunicação por "broadcasting"
e por "common carrier", explicam Dwight Teeter Jr. e Bill Loving que os serviços de
comunicações "common carrier" são aqueles que oferecem a entrega de mensagens para
uso público, estando sujeitos à regulação para garantir que eles ofereçam acesso público de
um modo não discriminatório, fornecendo todos os serviços necessários, com tarifas
razoáveis. Em relação aos serviços de radiodifusão não há a obrigação de garantir o acesso
público, gratuito ou pago, aos serviços das estações. Nesse caso, o radiodifusor licenciado
262 AUFDERHEIDE, op. cit., p.156.
263 Por muitos anos, não foi aplicada a Primeira Emenda aos "commons carriers", eis que sua natureza de simples condutor do discurso dos outros não justificava a proteção relativamente à liberdade de expressão. Contudo, tal entendimento tradicional foi revisto na década de 90 a partir do momento em que as cortes passaram a aplicar a Primeira Emenda no sentido de assegurar o direito das companhias telefônicas de entrar no mercado de televisão a cabo. Consultar: ZUCKMANN et al., op. cit., p.187. A título ilustrativo, o serviço de televisão a cabo não é um serviço "common carrier". Estes são serviços de comunicação cujo conteúdo é dado pelos usuários por intermédio de transmissão de mensagens de caráter privado. Já no serviço de TV por cabo os operadores possuem o controle editorial discricionário sobre o conteúdo da programação a ser destinada aos respectivos usuários (CHARRO, María Calvo. La Televisión por Cable. Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas Y Sociales, 1997, p.80-81).
264 "Telecomunicações é amplamente definida como a transmissão da informação por meios de sinais eletromagnéticos: sobre fios de cobre, cabo coaxial, fibra ótica, ou ondas aéreas." (NUECHTERLEIN; WEISER, op. cit., p.5).
265 Cf. BARTON, T. Carter et al., op. cit., p.1115-1116.
111
tem controle editorial completo sobre o conteúdo de cada mensagem transmitida, sendo
legalmente responsável pelo conteúdo de cada mensagem entregue ao público266
Por outro lado, cumpre salientar que a regulação acompanhou a evolução da
tecnologia. É certo que sempre houve historicamente uma distância temporal entre o
tratamento legislativo e a mudança tecnológica. Com o surgimento de novos meios de
comunicação houve a necessidade de adaptação do marco regulatório. Em princípio, as
diferenças entre os meios de comunicação justificaram diversas distinções regulatórias, ainda
que contidas no mesmo diploma legislativo. O método regulatório pautou-se, tradicionalmente,
pela utilização de analogias, isto é, um novo meio de comunicação é regulado a partir do
modelo aplicável ao meio historicamente antecedente.267
Por exemplo, com o aparecimento do serviço de televisão a cabo houve a discussão
em torno de sua classificação como "broadcasting" ou "common carrier". De um lado,
sustentou-se a tese de que o serviço de televisão a cabo não era nem "broadcasting", nem
"common carrier", logo não estava sujeito às restrições do Communications Act de 1934.
De outro lado, a Suprema Corte, no caso United States versus Southwestern Cable Company,
estendeu as regras aplicáveis aos serviços de radiodifusão aos serviços de televisão a cabo
na medida em as regras eram "razoavelmente auxiliares para a efetiva performance das
várias responsabilidades da comissão em relação à regulação da televisão por radiodifusão".
Tratava-se, portanto, de uma jurisdição ancilar da FCC em relação aos serviços de televisão
a cabo.268
Note-se que, atualmente, o estatuto da televisão a cabo é diferente do "broadcasting".
Com o Cable Communications Polity Act de 1984, o Congresso exigiu a garantia da oferta
de canais para uso público, educacional e governamental, proibindo-se que os operadores
266 TEETER; LOVING, op. cit., p.701.
267 A interpretação histórica revela que o desenho normativo do Communication Act de 1934 foi feito a partir de conceitos da lei sobre transportes. Em outras palavras, a regulação do setor de comunicações foi feita a partir de uma analogia com o setor de transportes. Em regra, o método de trabalho das cortes e dos legisladores, no que tange ao preenchimento dos vazios doutrinários é feito mediante o emprego de analogias, ao invés de construir novos conceitos. Nesse sentido, houve a tentativa de regular o broadcasting a partir do modelo da imprensa. Por sua vez, a disciplina dos serviços de televisão a cabo e por satélite espelhou-se também mediante a analogia com o broadcasting, E, ainda, tentou-se ordenar a internet com base no modelo do broadcasting. Contudo, em relação à internet, houve o rompimento desse método na medida que em que o meio representa a convergência das mais diversas tecnologias. Ela pode assumir, simultaneamente, as funções do correio, imprensa, do rádio, da televisão, do telefone etc. Daí porque ela é denominada de multimídia. Ver: ZUCKMAN et al., op. cit., p.201-205.
268 Cf. ZUCKMAN et al., op. cit., p.752-753.
112
de cabo exerçam controle editorial sobre a programação de televisão dos canais cedidos.269
Várias decisões das cortes judiciais entenderam que a regulação em termos de indecência é
inválida quando aplicadas à televisão a cabo, embora, a Suprema Corte tenha apontado que
algum nível de restrição seja possível, a fim de que os operadores controlem a indecência
nos canais cedidos a terceiros.270 Em outro exemplo, no caso dos serviços de televisão por
satélite (Direct Broadcast Satellites - DBS), inicialmente, embora o estatuto tratasse como
"broadcast service", a FCC classificou-os como serviços common carrier, eis que os
proprietários dos satélites limitam-se a ceder espaço para programadores, não exercendo
nenhum controle editorial sobre o conteúdo da programação oferecida pelos cedidos.
Contudo, a United States Court of Appeals do Distrito de Columbia decidiu, no caso
National Association of Broadcasters versus Federal Communications Commission, de modo
contrário ao entendimento da FCC, que, na medida em que os utilizadores dos serviços dos
satélites que oferecem programação são "broadcasters" na significação atribuída pelo
Communications Act; não há justificativa perante o estatuto para tratar um "broadcaster"
diferentemente de outro.271
Agora, em sendo o DBS um serviço de radiodifusão (em princípio, possui as
mesmas características que o "terrestrial broadcasting"), surge a questão da aplicação do
mesmo estatuto dos "broadcasting services". Na lei há a previsão de que 7% (sete por
cento) da capacidade de transmissão de canais seja destinada para a programação de
interesse público. A regulação em termos de indecência não tem sido aplicada,
permanecendo a situação do DBS próxima àquela da televisão a cabo.272 Segundo Harvey
Zuckman, ”enquanto as anomalias permanecem – tal como o status do DBS dentro da
classificação da radiodifusão – a diferença no tratamento constitucional para as entidades
classificadas como ´broadcasters´ é altamente significativa”.273
Além disso, tentou-se também interpretar extensivamente o conceito de "broadcasting"
para ser aplicado ao caso da internet, e, conseqüentemente, efetuar sua regulação de modo
269 ZUCKMAN et al., op. cit., p.138.
270 ZUCKMAN et al., op. cit., p.154.
271 ZUCKMAN et al., op. cit., p.754-755.
272 ZUCKMAN et al., op. cit., p.155.
273 ZUCKMAN et al., op. cit., p.176-177.
113
análogo. Entretanto, a Suprema Corte no caso Reno versus ACLU decidiu que os serviços
relacionados à internet não são serviços de broadcasting. A decisão dispõs que ela é
"dinâmica, multifacetada categoria de comunicação incluindo não somente a tradicional
imprensa e serviços de notícias, mas também áudio, vídeo e ainda imagens, de modo
interativo, um diálogo em tempo real", sendo "um único e completo novo meio de
comunicação mundial", cujo conteúdo é "tão diverso como o pensamento humano".274
O novo estatuto jurídico das telecomunicações promoveu a liberalização da
televisão à medida que submeteu as redes de televisão às regras de mercado, com exceção dos
limites à concentração setorial e as obrigações relativas ao conteúdo da programação.
Nesse contexto, o legislador permitiu a concentração econômica no mercado de televisão,
partindo do pressuposto de que a sinergia entre os diversos grupos empresariais possibilitaria
maiores eficiências econômicas, mediante a ampliação das ofertas de produtos e (ou)
serviços. A FCC nessa mesma linha de entendimento e, especialmente, em face de uma
diversidade na mídia sem precedentes históricos, defendia também a flexibilização nas
regras sobre propriedade.275
A justificação para regulação do setor de televisão por radiodifusão reside na
proteção ao interesse público276, mediante a execução de políticas públicas277 voltadas à
competição, à diversidade e ao localismo. Tais políticas públicas envolvem, também, um
dos aspectos fundamentais para a prestação do serviço de televisão concernente à utilização do
espectro eletromagnético pelas estações de televisão, cujo progresso tecnológico está a
possibilitar a otimização de seu uso, o que será visto logo a seguir.
Em uma visão crítica, entende-se que a desregulação promovida pela referida
lei, decorrente da atuação das forças do mercado, ocasionou a eliminação do sistema de
responsabilidade social existente no "Communication Act of 1934", o qual vinculava os
274 ZUCKMAN et al., op. cit., p.203. Em relação à questão da regulação do conteúdo da internet, já na época do governo Clinton havia o entendimento no sentido de que a regulação tradicional aplicada ao rádio e à televisão não deveria ser aplicada à internet, sob pena de impedir seu crescimento e sua diversidade (p.211).
275 Cf. NUECHTERLEIN; WEISER, op. cit., p.371-384.
276 Acerca do parâmetro relativo ao "public interest" que justifica a regulação dos serviços de televisão por radiodifusão, principalmente a evolução histórica de sua aplicação, consultar: ZUCKMAN et al., op. cit., p.1161-1171.
277 Note-se que, de certa forma, as tendências regulatórias em termos de políticas públicas de comunicações dos EUA influenciam os demais sistemas, inclusive o Brasil.
114
"broadcasters" à prestação de serviços baseados no critério "public interest, convenience,
and necessity", abrindo a porta para uma série de fusões e aquisições e permitindo a
concentração da mídia nas mãos de poucas corporações.278
A seguir será analisado o espectro eletromagnético em seu tratamento normativo
no direito norte-americano.
3 ESPECTRO ELETROMAGNÉTICO
A compreensão da organização do serviço de televisão por radiodifusão nos
EUA depende da análise do modelo regulatório em relação ao uso do espectro
eletromagnético. É que a prestação do serviço de televisão por radiodifusão pressupõe o
uso das freqüências, portanto, há uma articulação imanente entre os dois temas.
Antes de 1927, a alocação de freqüências estava em mãos inteiramente privadas
e o resultado era um verdadeiro caos em face das interferências causadas pelo uso sem
coordenação do espaço eletromagnético. Logo, tornou-se evidente a necessidade de, em
face de sua limitação natural, o Governo regular e racionalizar o respectivo uso, o que
primeiramente ocorreu com a edição do Radio Act de 1927. Conforme T. Carter Barton e
outros:
Sem o controle governamental, o meio seria de pouca utilidade porque a cacofonia
entre vozes competindo entre si, nenhuma das quais poderia ser claramente e
previsivelmente ouvida. Conseqüentemente, a Comissão Federal de Rádio foi
estabelecida para alocar as freqüências entre solicitantes competidores de modo
responsável em face da conveniência, interesse ou necessidade pública.279
O Congresso teria que decidir entre três alternativas: (i) a incidência da propriedade
privada no espectro de freqüências e permitir que as cortes solucionassem os conflitos, mediante
278 Cf. SOLEY, op. cit., p.192-193.
279 BARTON et al., op. cit., p.664.
115
processos envolvendo o direito de propriedade; (ii) adotar um sistema transparente de
propriedade pública ou (iii) criar um órgão administrativo de desenvolvimento e garantia
do sistema de alocação de freqüências que traria ordem no meio do caos. Esta última
alternativa foi a opção do Congresso Norte-Americano.280
O modelo histórico de regulação da radiodifusão nos Estados Unidos da América
fundamenta-se no trusteeship model, adotado pelo Communications Act of 1934, que
qualifica o espectro eletromagnético como um bem público de natureza limitada quanto à
transmissão dos sinais, daí porque os operadores atuam, após conseguirem as necessárias
licenças, como fiduciários do público, sob a fiscalização da Federal Communications
Commission.281
Note-se que houve a rejeição ao modelo calcado na idéia de sistema de mercado
em relação à alocação do espectro eletromagnético e no direito de propriedade sobre os
recursos do respectivo espectro. Conseqüentemente, as licenças de radiodifusão não
conferem a propriedade sobre as freqüências, mas tão-somente o privilégio de uso sobre
elas em período delimitado no tempo.282
A Suprema Corte no caso Red Lion Broadcasting versus FCC283 confirmou
que a limitação natural do espaço eletromagnético atuava como fundamento para a
regulação dos serviços de radiodifusão. Assim, a liberdade de expressão, protegida pela
Primeira Emenda da Constituição norte-americana, não se aplicava ao caso, eis que a
limitação do espectro eletromagnético, apesar de todos os avanços tecnológicos, permite
280 BARTON et al., op. cit., p.681.
281 Cf. TEETER; LOVING, op. cit., p.708-712.
282 Para uma análise completa a respeito das discussões em torno do espectro eletromagnético em face do direito norte-americano, ver: NUECHTERLEIN; WEISER, op. cit., p.225-260. Consultar, também, BARTON et al., op. cit., p.683.
283 No ano de 1969, a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou o caso Red Lion Broadcasting Company que tinha uma licença para operar uma estação de rádio na Pennsylvania. No ano de 1964, a estação de rádio transmitiu um programa de 15 minutos do Reverendo Billy James Hargis como parte de uma série de "cruzada cristã". Um livro do escritor Fred J. Cook chamado "Goldwaker – Extremist on the Right" foi discutido pelo reverendo, o qual disse que Cook tinha sido demitido de um jornal por fazer falsas acusações contra funcionários públicos municipais, e que Cook tinha trabalhado para uma publicação comunista. O escritor entendeu que tinha sido pessoalmente ofendido e demandou direito de resposta em igual tempo da ofensa. No entanto, a estação de rádio não deferiu o direito de resposta. A FCC entendeu que teria havido um ataque pessoal que justificaria o direito de reposta, sendo que a Red Lion descumpriu sua obrigação decorrente da "fairness doctrine". A discussão foi então, depois das instâncias ordinárias, parar na Suprema Corte (BARTON et al., op. cit., p.663).
116
que o governo imponha restrições aos licenciados em favor de outras pessoas, cujos pontos
de vista merecem expressão nessa forma de mídia, havendo direito supremo dos ouvintes e
dos telespectadores e não o direito dos radiodifusores.284
Nesse sentido, a Primeira Emenda protege aquele que é licenciado. Contudo, este
não tem o direito de ser o único a manter a licença ou monopolizar a radiofreqüência com a
exclusão dos cidadãos. Não há impedimento constitucional a que o Governo exija do
licenciado a divisão de sua freqüência com outros e agir como fiduciário com a obrigação
de apresentar pontos de vista e vozes representativos da comunidade, caso contrário, esses
seriam excluídos do acesso à radiodifusão.285
Em razão da escassez do espectro de radiofreqüências, está o Governo autorizado a
impor restrições aos licenciados em favor de outras pessoas cujos pontos de vista devem
ser expressos nesse único meio. O propósito da Primeira Emenda é o de preservar o
vigoroso mercado de idéias no qual a verdade prevalecerá ao final, ao invés de
simplesmente aprovar o monopólio desse mercado, seja da parte do Governo ou de um
licenciado privado.286
Conforme Kent Middleton e Wiliam Lee, tanto os radiodifusores quanto os editores
possuem direitos em face da Primeira Emenda, o que lhes confere a escolha quanto ao
conteúdo a ser divulgado amplamente perante o público, livre da ingerência estatal. Contudo,
as estações de televisão e rádio, por radiodifusão, encontram-se submetidas a maiores
restrições estatais pelo fato de operarem uma limitada banda eletromagnética que é possuída
pelo público e porque a radiodifusão gratuita é um meio mais invasivo que a imprensa, daí
porque devem prestar serviços em favor do interesse público.287
284 ALMEIDA, A. M., op. cit., p.16-19. Conforme o Juiz White: "[...] Diz-se que quando a demanda por espaço eletromagnético excede as freqüências disponíveis, ninguém invoca a Primeira Emenda em relação ao direito à radiodifusão de modo 'comparável ao direito de cada indivíduo de falar, escrever ou publicar'. Então, Black disse, o direito à liberdade de expressão não é violado quando a FCC age para garantir que o espectro seja utilizado em benefício do público. Ao mesmo tempo, White disse, aqueles que obtêm licenças para radiodifusão não têm direito à radiodifusão somente conforme suas próprias visões nas questões públicas das pessoas que concordam com elas" (MIDDLETON; LEE, op. cit., p.77).
285 Trata-se do entendimento manifestado pela Suprema Corte no caso Red Lion Broadcasting versus Federal Communications Commission (BARTON et al., op. cit., p.666-667).
286 BARTON et al., op. cit., p. 666-667.
287 The Law of Public Communication, p. 63-4. Segundo Cass Sustein: "The broadcast media are uniquely pervasive and intrusive. The Supreme Court has sometimes justified regulation of the broadcast media on the ground that they are distincly pervasive and intrusive." (SUSTEIN, op. cit., p.113). Reconhece-se que
117
A evolução da técnica permitiu a mais eficiente utilização do espectro de
freqüências, mas os seus respectivos usos têm também crescido rapidamente. Uma parte do
espectro deve ser reservada para usos vitais não conectados com a comunicação humana, tais
como: o auxílio à radionavegação usados por navios e aeronaves. Alguns conflitos têm
sido suscitados entre tais funções vitais relativas às posições de defesa e a experimentação
em métodos de prevenção de colisões aéreas através de avisos por rádio.288
Há diferentes opções de regulação do setor de comunicações. A definição do
modelo depende da tecnologia adotada, razão pela qual o modelo para os serviços de
common carrier não é o mesmo que aquele do setor de broadcasting, apesar de ambas as
regulações estarem presentes no mesmo diploma legislativo. Segundo T. Barton Carter e
outros:
O elemento chave da regulação do common carrier é que o 'conteúdo é separado do condutor'. Em outras palavras, diferentemente dos radiodifusores, os common carriers não possuem discrionariedade editorial. Ao invés disso, eles devem fornecer os serviços, em um modo não discriminatório, de transmissão da mensagem do consumidor.289
A introdução de novas tecnologias no cenário das comunicações implicou na
revisão das idéias tradicionais em termos de regulação, particularmente porque os novos
meios não se amoldam nas categorias "clássicas", por vezes ensejam uma classificação
híbrida.290 Em se tratando de um mercado dinâmico, é evidente a necessidade de adaptação
à evolução técnica, particularmente ensejando uma nova compreensão jurídica do
relacionamento das novas tecnologias e a Primeira Emenda.291 Nesse sentido, a regulação
os broadcasters constituem uma parte importante do setor de imprensa, daí a consagração de algumas liberdades básicas, especialmente em termos de liberdade editorial quanto ao preenchimento do conteúdo da programação. Segundo declaração do Presidente Bill Clinton: "Como se sabe, a distinção entre radiodifusão e imprensa em termos de Primeira Emenda está baseada no princípio da escassez. Os serviços de radiodifusão gratuitos continuarão sendo a parte vital de nossa mídia, e a disponibilidade de licenças continuará a ser limitada. Quando isso mudar, então a distinção entre radiodifusão e imprensa mudará também." (ZUCKMAN et al., op. cit., p.192).
288 Cf. BARTON et al., op. cit., p.670.
289 BARTON et al., op. cit., p.968. O texto original é o seguinte: "The key element of common carrier regulation is that the 'content is separated from the conduit'. In other words, unlike broadcasters, common carriers have no editorial discretion. Instead, they must provide, in a non-discriminatory manner, the facilities for transmission of the customer's message." [grifo nosso]
290 Cf. ZUCKMAN et al., op. cit., p.211.
118
há de ser feita, porém, de modo que o Congresso não privilegie determinada tecnologia, a
fim de imprimir seu particular ponto de vista sobre a questão. A título ilustrativo, tal
discussão no cenário norte-americano aconteceu sobre o "Cable Television Consumer
Protection and Competition Act", no ano de 1992.292
A seguir será objeto de estudo a televisão privada ou televisão comercial.
291 Nos EUA, discute-se a respeito de qual será a melhor forma de preservar a Primeira Emenda no contexto do século XXI. As opções variam entre o modelo da imprensa, radiodifusão ou cyberspace (ZUCKMAN et al., op. cit., p.211-212). Tal discussão em torno da regulação jurídica diferenciada, caso se trate dos "broadcasting services" ou "common carrier services" é importante para o contexto brasileiro, particularmente para se entender a controvérsia quanto ao âmbito de aplicação da nova categoria constitucional denominada "meios de comunicação social eletrônica" e a extensão de parte do regime jurídico da radiodifusão a esses meios (art. 221 da CF), conforme exposição no capítulo oportuno.
292 A discussão envolvia a aplicação das regras "must carry" que obrigava os operadores de cabo a transportar os sinais de televisão por radiodifusão. Em uma perspectiva, o propósito das referidas regras era o de beneficiar a "broadcasting industry". De outro lado, a finalidade era a de proteger os radiodifusores locais, especialmente garantindo a expressão dos pontos de vista sobre questões políticas locais. Tal problemática foi julgada pela Suprema Corte norte-americana. Acerca do tema, conferir: SUSTEIN, op. cit., p.258-264.
119
4 TELEVISÃO PRIVADA (TELEVISÃO COMERCIAL)
4.1 FUNDAMENTOS
O mercado audiovisual norte-americano é considerado como um dos mais
avançados do mundo, em razão da elevada produção de conteúdo audiovisual e,
respectivamente, do alto consumo de bens audiovisuais por sua população, como também
em relação à exportação para diversos países. Nesse contexto, também a televisão afirma-
se como uma das mais desenvolvidas sendo que seu modelo de organização tem influência
sobre os outros sistemas ao redor do mundo, servindo ao conhecimento das tendências e da
evolução do mercado mundial.
A liberdade de expressão, a propriedade privada, a liberdade de mercado
(liberdade de empresa) e a concorrência são as bases subjacentes ao modelo regulatório. A
atuação das empresas privadas rege-se, fundamentalmente, por princípios de mercado,
razão pela qual a competição econômica assume um valor fundamental no sistema norte-
120
americano. Em geral, a concorrência é uma conseqüência do caráter aberto do mercado,
isto é, há liberdade de entrada, sendo incontrolável o número de concorrentes potenciais.293
Entretanto, no mercado de radiodifusão, pelo fato de utilizar-se de um bem
econômico naturalmente limitado (o espectro eletromagnético), não há absoluta liberdade
de entrada, eis que o acesso está condicionado à obtenção de uma licença diante da agência
reguladora. Ademais, se prevalecessem as regras de mercado, simplesmente, haveria
verdadeiro caos quanto ao uso das freqüências para a prestação dos serviços de
radiodifusão, como já relatado anteriormente.294
Nos EUA, é importante destacar que, ao lado da regulação jurídica, coexiste a auto-
organização do mercado de radiodifusão. Nesse caso, funciona um mecanismo de
cooperação entre os agentes econômicos que possibilita a criação de determinadas
estruturas em defesa dos interesses de seu respectivo setor econômico. Tais interesses são
representados pela "National Association of Broadcasters" (NAB) que congrega as
emissoras de televisão e rádio que operam os serviços de radiodifusão.295
A configuração do modelo de televisão ocorre em razão de uma concepção singular
norte-americana em relação ao poder público.296 Apesar da atuação ser hegemonicamente
privada, isso não afasta a existência de critérios para a prestação dos serviços baseados no
interesse público. Não há que se entender a liberdade de mercado em termos absolutos a
ponto de vedar toda e qualquer regulação estatal sobre o setor.297
A visão tradicional norte-americana associa a liberdade de expressão com a
liberdade de mercado, embora a questão seja objeto de controvérsias. Em virtude disso, a
liberdade de expressão é a liberdade no "mercado de idéias"; uma metáfora utilizada pelos
293 FERRARESE, Maria Rosaria. Diritto e Mercato: Il Caso Degli Stati Unit. Torino: G. Gippichelli Editore, 1992, p.56.
294 Aqui, parte-se da premissa de que o mercado não consegue sobreviver como instituição sem uma adequada regulação jurídica que o proteja (FERRARESE, op. cit., p.72).
295 Realmente, é uma questão delicada a convivência entre a regulação jurídica e a auto-organização do mercado, eis que há o risco desta capturar aquela em favor dos interesses setoriais (FERRARESE, op. cit., p.72). É difícil encontrar o ponto de equilíbrio entre a regulação na forma do direito e do mercado. Acerca da atuação das forças de mercado na radiodifusão e a auto-regulação, conferir: ALMEIDA, A. M., op. cit., p.40-48.
296 BERNAL, op. cit., p.310.
297 Conforme explicação de Kent Middleton e Wiliam Lee: "Apesar da natureza da linguagem da Primeira Emenda, a liberdade de expressão não é protegida absolutamente." (MIDDLETON; LEE, op. cit., p.31).
121
norte-americanos para explicar o fenômeno.298 A Primeira Emenda protege a liberdade de
expressão contra a excessiva regulação estatal; e, os diversos meios de comunicação
desfrutam de diferentes níveis de proteção em razão do referido preceito constitucional, eis
que cada um possui distintas notas características o que implica em diversos problemas.299
Não há, conforme a visão tradicional (e oficial), um direito geral de acesso aos
meios de radiodifusão, conforme jurisprudência da Suprema Corte, especialmente em razão
da limitação natural do espectro eletromagnético. Nesse sentido, a legislação protege não
aquele que tenha interesse em falar, mas sim protege tudo aquilo que mereça transmissão
("not that everyone shall speak, but that everything worth saying shall be said").300
Em outras palavras, a liberdade de expressão não justifica o direito à radiodifusão,
conforme decisões nos precedentes da Suprema Corte dos EUA: National Broadcasting Co.
versus United States e Red Lion Broadcasting Co., Inc. versus United States.301 Tal questão,
também, é controvertida na medida em que parte da doutrina sustenta a obrigatoriedade de
o Estado atuar positivamente no mercado em favor da diversidade nas informações
disponibilizadas no espaço público, como já referido acima.302
4.2 RELAÇÃO ENTRE AS REDES DE TELEVISÃO E AS EMISSORAS
AFILIADAS
298 Trata-se de uma expressão apresentada pelo juiz Oliver Wendel Holmes da Suprema Corte. A teoria foi construída com base na premissa de que a Primeira Emenda proíbe ao governo a supressão de idéias porque a verdade de qualquer idéia só pode ser determinada no "marketplace" de idéias concorrentes (NOVAK; ROTUNDA, op. cit., p.1148).
299 Cf. ZUCKMAN et al., op. cit., p.156.
300 PAZ, op. cit., p.101.
301 É a posição oficial, inclusive, da FCC em resposta às inúmeras consultas que lhe são formuladas. Ver: www.fcc.gov/mb/audio/lowpwr.html. Acesso em: 20 dez. 2006.
302 Há uma outra questão digna de nota referente à liberdade econômica quanto à veiculação de matérias pagas, envolvendo o caso CBC versus DNC. A Suprema Corte decidiu pela possibilidade de uma emissora de radiodifusão recusar a divulgação de um "anúncio pago" que seja contrário à sua liberdade editorial. Nesse caso, ela entendeu que a Primeira Emenda foi formulada em termos negativos, daí porque não poderia obrigar a contratação compulsória contra a vontade da emissora. Ver FISS, Owen. A Ironia da Liberdade de Expressão ..., p. 113.
122
A organização do setor televisivo da radiodifusão ocorre mediante a noção de
redes nacionais de televisão (networks) em que há um contrato de afiliação entre a emissora
principal e as emissoras afiliadas espalhadas pelo território norte-americano. Em geral, cada
rede de televisão está associada a mais de duzentas emissoras afiliadas.303
O contrato de afiliação é que define as obrigações entre as partes. Contudo,
algumas regras foram editadas em proteção à autonomia das emissoras de televisão
afiliadas. Entre elas, tem-se a "Chain Broadcasting Rules" que é uma norma sobre a
radiodifusão em rede que impede a atribuição de privilégios desproporcionais pelas redes
em relação às afiliadas, como também proíbe práticas anti-competitivas. O objetivo é o
garantir a proteção às emissoras afiliadas em face do poder negocial das grandes redes de
televisão, assegurando-se uma autonomia mínima. Também, busca-se preservar a estrutura
de rede, mediante o estabelecimento de regras que disciplinam a relação entre as redes e as
emissoras afiliadas. 304
4.3 PROTEÇÃO À PRODUÇÃO AUDIOVISUAL INDEPENDENTE
Há uma singularidade em termos de modelo norte-americano de televisão que se
refere à existência de um efetivo e competitivo mercado de produção de conteúdo
audiovisual. Ele decorre do objetivo originário da regulação norte-americana no sentido de
proteger os produtores independentes em face das redes de televisão, interessadas em
produzir os programas que elas difundem como fonte de receitas.305
Na década de 70, foram criadas as regras denominadas "Network Financial
Interest and Syndication Rules" ("Fin-Syn") proibindo as três redes de televisão de vender
303 Cf. DIZARD JR., op. cit., p.139.
304 Cf. ALMEIDA, A. M., op. cit., p.79-121. Consultar, também: ZUCKMAN et al., op. cit., p.1209-1212. As "network rules" implicam no seguinte: proibição às emissoras afiliadas de transmitir programação de outra rede que não seja aquela contratada, vedação de contratos de afiliação com cláusula de exclusividade territorial (impedindo que outras estações transmitam programação da rede rejeitada pela afiliada), proibição de acordos em que a estação afiliada escolha o tempo de difusão da programação antes de a rede concordar com essa utilização ("option time"), garantia da possibilidade de as afiliadas posam rejeitar a programação da rede e substituir programas de televisão, afiliação com mais de uma rede é, em geral, proibida e as redes não podem exercer controle formal ou informal sobre os percentuais de publicidade comercial realizados pelas afiliadas e, finalmente, os acordos entre as redes e afiliadas devem ser arquivados junto à FCC. No ano de 1995, a FCC abandonou duas "network rules", especialmente a "network ownership rule" e a "secondary afiliation rule" (ZUCKMAN et al., op. cit., p.1211-1212).
305 Cf. BALLE, op. cit., p.256.
123
ou licenciar direitos sobre programas (que não eram produzidos pela própria rede) para o
mercado secundário de televisão (mercado de redifusão)306, isto é, para uma estação
independente, sendo que somente após quatro anos de exploração é que elas estariam
capacitadas à respectiva venda de seus produtos, e limitando o tempo de antena destinado à
veiculação de produção audiovisual própria.307 Tratava-se de promover a diversidade da
programação audiovisual, mediante restrições à operação de integração vertical em
proteção aos estúdios de produção de conteúdo.308
Depois, sobreveio a "Prime Time Acess Rule" (PTAR) em favor, também, dos
produtores independentes, no sentido de proibir que as estações afiliadas nos cinqüenta
primeiros mercados locais (em um universo de duzentos e dez) destinassem seu tempo de
televisão em relação às redes em mais de três horas durante as quatro horas do "prime
time" (horário nobre de televisão).309
Em razão dessas regras, o mercado de programas de televisão, a partir da produção
independente, desenvolveu-se em uma década. Nos anos 80, os produtores de conteúdo
audiovisual tornaram-se também os vendedores dos respectivos programas de televisão.310
Posteriormente, tais regras que restringiam a produção pelas próprias redes de
televisão e a respectiva veiculação em horário nobre foram flexibilizadas, a fim de permitir uma
importante fonte de receita, em regra com a exibição de programas de entretenimento.311
Além disso, por força de decisão judicial, que entendeu no sentido de que as "finsyn rules"
criavam uma barreira artificial para a entrada de novos produtores, em face das redes de
306 Conforme Joseph Straubhaar e Robert LaRose: “O mercado de varejo, ou syndication, envolve a locação ou licenciamento de produtos de mídia por seus produtores para transmissão, distribuição ou exibição por outras empresas de mídia”. (Comunicação, Mídia e Tecnologia. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004, p. 114).
307 Cf. NUECHTERLEIN; WEISER, op. cit., p.373.
308 Cf. NUECHTERLEIN; WEISER, op. cit., p.373. Ver, também: ZUCKMAN et al., op. cit., p.1212-1213.
309 Cf. NUECHTERLEIN; WEISER, op. cit., p.373.Consultar, também: ZUCKMAN et al., op. cit., p.1212.
310 Cf. NUECHTERLEIN; WEISER, op. cit., p.373.
311 Cf. DIZARD JR., op. cit., p.135.
124
televisão e do mercado de programação (não havendo demonstração de que elas poderiam
aumentar a diversidade no "marketplace of ideas"), a FCC abandonou-as.312
4.4. CONTROLE DA PROPRIEDADE PRIVADA
O Telecommunications Act of 1996, apesar de ter promovido certa liberalização do
setor, manteve várias regras sobre o controle da propriedade privada na mídia, para evitar a
concentração econômica.
Ele manteve a regra do duopólio de televisão (duopoly rule) que impõe o limite
a uma entidade quanto à propriedade de uma única estação por mercado, garantindo-se, no
entanto, a competência da FCC de suspender a regra do duopólio onde ela encontrar
circunstâncias compulsórias, sendo o afastamento da proibição aplicável aos 50 principais
mercados.313
Diante dessa autorização legal, a FCC flexibilizou os limites concernentes à
propriedade comum entre múltiplas estações de televisão, jornais e estações de rádio em
uma mesma comunidade singular. Primeiro, ela liberou a propriedade cruzada nos maiores
mercados (aqueles com nove ou mais estações de televisão), manteve as restrições nos
pequenos mercados (aqueles com três ou poucas estações de televisão), e adotou um
patamar intermediário em relaçãos aos mercados “médios” (situados entre os maiores e os
menores mercados). Segundo o órgão regulador, em razão das transformações no mercado
de mídia nos últimos vinte anos, incluindo o crescimento da internet, houve o oferecimento
aos telespectadores de uma diversidade de meios de comunicação sem precedentes, o que
justificaria a diminuição comedida das várias regras restritivas sobre propriedade.314
Também, ficou permitida a propriedade comum de redes de radiodifusão e
sistemas de cabo. Isto também permite a propriedade cruzada dos meios de comunicação
312 NUECHTERLEIN; WEISER, op. cit., p.374 e ZUCKMAN et al., op. cit., p.1213. Atualmente, o mercado de televisão norte-americano é dividido em duas categorias de programas. Primeira, há o “Off Network” que cobre o mercado de difusão de programas já exibidos semanalmente nos horários de grande audiência das redes que são revendidos às estações para uma nova difusão ao longo do dia ou parte da noite. Segunda, há a “First-Run” que se refere aos programas vendidos diretamente às estações sem ter sido anteriormente exibido por uma rede de televisão. (BALLE, ob. cit., p. 256-257).
313 TEETER, Dwight e LOVING, Bill. Law of Mass Communications. Freedom and Control of Print and Broadcast Media, p. 723.
314 NUECHTERLEIN; WEISER, op. cit., p. 381.
125
referente aos serviços de cabo e aos serviços sem fio, submetidos à exigência que o
operador de cabo atue em um ambiente competitivo. Houve, portanto, a partir de então, a
abertura do mercado de televisão a cabo à entrada das companhias telefônicas, bem como
do mercado de telefonia à entrada dos operadores do serviço de televisão a cabo.315
Uma regra de 1975 sobre a propriedade cruzada de emissoras de radiodifusão e
jornais permanece em vigor, aquela que define que uma mesma entidade não pode possuir
simultaneamente uma licença de radiodifusão e um jornal na mesma comunidade, isso para
mercados intermediários.316 Contudo, nos maiores mercados (aqueles com nove ou mais
estações de televisão) tal regra foi afastada.317
Em matéria de televisão, de acordo com a referida lei, o Congresso ampliou
de 25% para 35% o percentual de audiência nacional que uma única estação de televisão
poderia manter e, ao mesmo tempo, permitiu que a FCC fizesse pesquisas para saber se era
possível flexibilizar as restrições quanto à propriedade. Diante dessa abertura legal, a FCC
revisou suas regras e, assim, autorizou que uma única companhia poderia possuir duas
estações de televisão em um mercado, sujeita, no entanto, à restrição (entre outras) que
ambas as estações não estariam dentro do mercado das quatro maiores estações de
televisão.318
Em 2003, a FCC ampliou ainda mais os limites referentes à Media
Ownership à medida que permitiu que 45% do total do percentual da audiência nacional
poderia ser alcançada por uma estação de televisão. Em razão disso, existiram inúmeras
críticas à decisão da FCC de liberalização do setor em termos dos limites estabelecidos de
audiência nacional. Segundo Jonathan Nuechterlein e Philip Weiser:
“Quando essa questão é vista na luz fria da análise econômica, não há assim razão óbvia porquê deveria alarmar o levantamento do limite da propriedade nacional de 35% para 45%. Realmente, de uma perspectiva pura em termos de eficiência, o real debate é se tais limites são necessários de todo modo.
315 Cf. CARTER et al., op. cit., p. 723.
316 Cf. CARTER et al., op. cit., p. 723.
317 No Brasil, há a proibição de que empresas de telecomunicações explorem o serviço de televisão a cabo, sendo afastada na hipótese de desinteresse das empresas de televisão a cabo em operar o respectivo serviço. Não há, no entanto, nenhuma regra que proíba a propriedade cruzada entre as empresas jornalísticas e as empresas de televisão por radiodifusão. Em verdade, a partir da análise histórica do caso brasileiro, algumas das redes nacionais de televisão foram formadas a partir da propriedade sobre a mídia impressa.
318 NUECHTERLEIN; WEISER, op. cit., p. 378-379.
126
Como nós havíamos discutido, as questões da consolidação da mídia apresentam uma gama de preocupações não-econômicas que afastam a
análise formal econômica”. – gn -319
Tal decisão da FCC de flexibilização dos limites à propriedade privada
ocasionou a resposta do Congresso, em face da repercussão social da medida, e, com isso,
ele estabeleceu que um único proprietário de estação de radiodifusão de televisão poderia
possuir tão-somente 39% (trinta e nove por cento) da cobertura dos domicílios norte-
americanos.320
5 TELEVISÕES PÚBLICAS ("NONCOMMERCIAL BROADCASTING")
5.1 DEFINIÇÃO
A televisão pública norte-americana tem por característica essencial a ausência
de fins lucrativos, ocupando, entretanto, um lugar marginal em face do modelo hegemônico de
televisão comercial privada. Trata-se de uma televisão não-comercial, independente do
poder público (ainda que muitas sejam de titularidade de estados e municípios), submetida
à proibição de veiculação de publicidade comercial, cuja programação não compete com as
audiências das televisões privadas.321
A public broadcasting station é uma "estação de televisão ou rádio por radiodifusão
não-comercial possuída e operada por uma entidade pública ou fundação privada sem fins
lucrativos, cooperativa, ou associação" ou é "aquela possuída e operada por uma
319 NUECHTERLEIN; WEISER, op. cit., p. 380. Segundo Francis Balle, ao analisar a referida medida, para
Viacom e News Corp com, respectivamente, 39% e 38% de audiência depois de 2002, tratava-se de uma
mera regularização quanto as suas respectivas situações. Ob. cit., p. 266.
320 Cf. CARTER et al., op. cit., p. 723-724.
321 Cf. BERNAL, op. cit., p.318-320.
127
municipalidade e que transmite programas não-comerciais com propósitos
educacionais".322
O licenciamento da atividade de televisão por radiodifusão não-comercial pode
ser requerido por diversas pessoas: estados, municípios, escolas, universidades, organizações
privadas sem fins lucrativos, entre outras instituições.323 Também, a televisão não-comercial
nos EUA é operada por parte de entidades religiosas, o que tem ensejado movimentos
contrários da sociedade civil que pretendem negar o licenciamento de estações de televisão
às referidas entidades. No entanto, a FCC tem afirmado que não há nenhum óbice legal
ou constitucional que os grupos religiosos solicitem a licença para operarem estações
de televisão.324
Na visão tradicional, não é reconhecido o direito de acesso nem mesmo relação às
televisões públicas. Em princípio, sustenta-se que tais emissoras possuem discricionariedade
editorial em razão de suas obrigações jornalísticas e estatutárias.325
5.2 ESTRUTURAÇÃO
Em 1962, foi editada uma das primeiras legislações federais em termos de
oferecimento de auxílio financeiro para a televisão educativa (Educational Television
Facilities Act). Depois, foi editado o Public Broadcasting Act de 1967, o qual originou a
322 47 U.S.C § 397 (6) Communications Act. Conforme a Seção 73.621 referente "Comission's Rules", 47 C.F.R. § 73.621 há a seguinte disposição: "(a) ... noncommercial educational broadcast stations will be licensed only to nonprofit educational organizations upon a showing that the proposed stations will be used primarily to serve the educational needs of the community; for the advancement of educational programs; and to furnish a nonprofit and noncommercial television broadcast service. (…) (e) Each station shall furnish a nonprofit and noncommercial broadcast service [...]". Dado disponível em:: www.fcc.gov.
323 TEETER; LOVING, op. cit., p.777.
324 TEETER; LOVING, op. cit., p. 777.
325 Nos EUA, não há um direito constitucional de antena dos partidos políticos e candidatos, tal como existe no Brasil. Há apenas a garantia do "reasonable acess" durante as campanhas políticas, o que não significa que o tempo de televisão seja gratuito ou que o acesso seja efetivamente garantido diante das emissoras de televisão, sejam privadas, sejam públicas (ZUCKMAN et al., op. cit., p.1228-1229). O caso Arkansas Educational Television Comission versus Forbes referia-se à negativa da estação de televisão em permitir o acesso, ao então candidato à Presidência dos EUA Ralph Forbes, ao debate televisivo. A Suprema Corte decidiu, por maioria, conforme voto do juiz Kennedy, que a doutrina do fórum público não poderia ser transportada para o âmbito da televisão pública porque qualquer direito de acesso é anti-ético em relação à discrição que as emissoras devem exercer em cumprimento de suas obrigações jornalísticas e estatutárias (NOVAK; ROTUNDA, op. cit., p.1192-1193).
128
Corporation for Public Broadcasting (CPB).326 Segundo Owen Fiss: "A presunção foi que
o sistema de televisão público cobriria de uma forma geral as questões excluídas pelo
sistema comercial mas que, ainda assim, são vitais para autogovernança coletiva".327
As estações de televisão pública de emissão local podem estar afiliadas a redes
de televisão não-comercial, vinculando-se ao atendimento das necessidades da comunidade
onde estão localizadas, em particular estão associadas a uma das seguintes organizações:
Corporation for Public Broadcasting - CPB – entidade privada sem fins lucrativos criada
pelo Congresso que visa ao fomento público das atividades de programação audiovisual –
proíbe-se a propriedade e a operação de estações de televisão públicas e a produção e a
distribuição de programas de televisão públicos328 – relacionadas à atuação das estações
locais de televisão não-comercial, PBS, e produtores independentes de conteúdo e outros
distribuidores públicos329; Association of Public Television Stations - PTS – entidade de
326 TEETER; LOVING, op. cit., p.775. No ano de 1974, a CPB e seus membros que possuíam o respectivo licenciamento fizeram um plano cooperativo para garantir o controle local e a produção de programação não-comercial financiada pela CPB. O PBS é o coordenador nacional dentro desse esquema, não é uma rede no sentido da radiodifusão comercial, e não está encarregado da comunicação por fio ou rádio, com a exceção dos contratos para a prestação de serviços de interconexão (BARTON et al., op. cit., p.783). Esses últimos autores explicam: "O Programa Cooperativo entre as Estações (Station Program Cooperative) (SPC) é um conceito único na seleção de programas e financiamento das estações de televisão públicas. Embora a idéia de televisão pública como uma "quarta rede" tenha sido proposta diversas vezes, o plano de 1974 reverteu essa tentativa em relação à centralização. Sob o SPC, certas programações serão produzidas somente se as estações locais individualmente decidirem a produção junto ao fundo. Os licenciados locais serão financiados através do CPB e outras fontes; o financiamento de específicos programas serão na proporção de 4 a 5 (fundo da estação para o fundo nacional cooperativo). O auxílio dessa cooperativa é reforçar a responsabilidade do licenciado quanto à discrição na programação. Através desse plano as estações locais eventualmente assumirão responsabilidade para garantir a cooperativa e a Corporação concentrar-se-á no desenvolvimento de nova programação." (BARTON et al., op. cit., p.783).
327 FISS, A ironia..., p.106-107.
328 Tais proibições são adotadas, nos termos do Public Broadcasting Act, para garantir a neutralidade dos produtores e distribuidores de programas de televisão públicos em face da influência política. Consultar: www.pbs.org/aboudtpbs/aboutpbs_standards.html. Acesso em: 29 ago. 2006.
329 O Public Broadcasting Act (47 U.S.C. § 396 ET SE.) autoriza o CPB a: "facilitar o completo desenvolvimento das telecomunicações públicas o que inclui programas de alta qualidade, diversidade, criatividade, excelência, inovação, os quais são obtidos de fontes diversas, estarão disponíveis para as entidades de telecomunicações públicas, com adesão estrita à objetividade e balanceamento em todos os programas ou séries de programas de natureza controversa". Os PBS (Public Broadcasting Services) são governados pelos princípios da integridade editorial, qualidade, diversidade e autonomia da estação local. Especialmente quanto ao princípio da integridade editorial, quer-se garantir a independência dos processos de programação e desenvolvimento de conteúdo das influências impróprias das pressões políticas. No ano de 2004, o orçamento da PBS foi 333 milhões de dólares norte-americanos, integrado por receitas decorrentes de taxas cobradas das estações, repasses federais, royalties, taxas de licenças, serviços de satélite, rendas de investimentos, vendas de produtos educacionais e outros. A audiência do
129
apoio as suas associadas quanto às atividades de pesquisa e planejamento; e Public
Broadcasting Service - PBS – empresa privada, sem finalidade lucrativa que não produz
programas de televisão, excetuado a produção de conteúdo para difusão via internet, mas é
a responsável pela distribuição de programas educativos para outras emissoras locais,
mediante o sistema de satélites e de união entre todas as televisões públicas.330
5.3 FINANCIAMENTO PÚBLICO E AUTONOMIA EDITORIAL EM FACE DO
PODER POLÍTICO
O financiamento das televisões públicas decorre de receitas de diferentes
administrações públicas, contribuições de empresas privadas e de particulares, patrocínios, cotas
das emissoras afiliadas e as vendas de produtos educacionais, etc. Em contraste com as
televisões privadas, elas não podem obter receitas com publicidade comercial, daí a
necessidade de buscar outras fontes para o custeio de suas atividades.331
Há, também, a preocupação com a autonomia do setor público em face do poder
político, especificamente a influência do governo e do Congresso quanto à regulação do
conteúdo audiovisual difundido pelas televisões públicas. Quer-se de um lado, evitar a
interferência estatal sobre o conteúdo da programação de televisão oferecida pelas
televisões públicas, em garantia à liberdade de expressão; mas, de outro lado, quer-se
evitar uma autonomia completa que possa resultar em preconceitos ou abusos na
programação. Daí a procura de harmonização desse potencial conflito de interesses em
torno do conteúdo da programação das televisões públicas.332
serviço de radiodifusão pública (public broadcasting) é de, aproximadamente, 90 milhões de pessoas por semana, o que inclui o conteúdo difundido pela internet. Em seus estatutos há a proibição quanto à produção de programas para fins de radiodifusão, eis que sua finalidade é a de promover a distribuição de conteúdo a outras estações de televisão, excetuada a difusão de conteúdo online. Cf. FCC. Report of the PBS Editorial Standards Review Committee, june 14, 2005, p. 1-31.
330 BERNAL, op. cit., p.310 e p.319-320.
331 BERNAL, p.357.
332 Acerca do tema, ver: TEETER; LOVING, op. cit., p.774-775. Cabe destacar que, conforme explicação de John E. Nowak e Ronald Rotunda, quanto aos discursos e à propaganda do governo, a Suprema Corte não definiu diretamente e claramente os limites. Contudo, entende-se que se o governo resolver apoiar a criação e a manutenção de estações de televisão com recursos públicos, com o propósito de apresentar programas favoráveis às políticas públicas e sem a possibilidade de réplica, então a tentativa do governo de impedir a manifestação dos pontos de vista opostos será qualificada como uma ofensa à Primeira Emenda (NOVAK; ROTUNDA, op. cit., p.1160-1161).
130
No âmbito da Suprema Corte norte-americana, discutiu-se a respeito da liberdade
editorial das estações de televisão não-comerciais (caso FCC versus League of Women
Voters – 1984). O cerne da preocupação era evitar que o setor de "noncommercial broadcasting"
servisse como fórum para a exposição de ponto de vista do governo. A aplicação de recursos
públicos, com o oferecimento de suporte financeiro para a expansão e o desenvolvimento
das estações não-comerciais educacionais, não poderia justificar a quebra da tradição de
autonomia e da orientação para a comunidade da parte das estações locais.333
Nesse caso, a Suprema Corte analisou a questão da proibição da atividade editorial
das estações de televisão públicas que recebem recursos públicos das agências de
financiamento de programas de televisão. Segundo o governo, a proibição da liberdade
editorial era necessária para evitar que as estações de televisão servissem para a expressão
de pontos de vista políticos-partidário.334
Entretanto, a Suprema Corte decidiu que a vedação à liberdade editorial não se
justificava na medida que os interesses tutelados não estão expostos, claramente, para
restringirem a liberdade de imprensa. A lei não vedava a utilização das estações não-
comerciais para a apresentação de pontos de vista partidários em assuntos convertidos; o
que ela impedia é que ocorresse uma comunicação específica de tais pontos de vista de
modo parcial, apenas no interesse do radiodifusor. Tanto o Congresso quanto a FCC tem o
poder de regular o conteúdo, tempo, ou caráter do discurso das estações de radiodifusão
não-comerciais educacionais. Apesar disso, não existe razão jurídica forte o suficiente para
a supressão do discurso editorial efetuado pela administração da estação de televisão
pública.335
333 Federal Communications Comission versus x League of Women Voters of California. Supreme Court of the United States, 1984. 468 U.S. 364, 104 S.Ct. 3106, 82 L.Ed.2d 278, 10 Med.L.Rptr. 1937 (BARTON, et al., op. cit., p.784).
334 BARTON, et al., op. cit., p.784.
335 BARTON, et al., op. cit., p.795. Em outras palavras, a maioria da Corte entendeu que a restrição da lei era inválida porque suprimia uma forma de discurso protegida no núcleo central da Primeira Emenda. Ver, também: NOVAK; ROTUNDA, op. cit., p.1196-1197.
131
6 FEDERAL COMMUNICATION COMISSION (FCC)
6.1 ORGANIZAÇÃO
A FCC é uma agência reguladora constituída por cinco membros, indicados pelo
presidente e sujeitos à confirmação do senado. Um dos seus integrantes é escolhido pelo
presidente para ocupar a função de "chairman". Não mais que três podem pertencer ao
mesmo partido político e uma vez confirmados no cargo não podem ser destituídos durante
o mandato de cinco anos. Ela é integrada por vários órgãos com diversas funções, sendo
que um dos principais é o media bureau com a competência, entre outras, para outorgar
certas licenças e proceder à renovação das mesmas.336
336 Além do Media Bureau, a FCC é constituída pelo International Bureau, Wireless Telecommunication Bureau e Wireline Competition Bureau (BARTON et al., op. cit., p.682-3).
132
Uma de suas características essenciais é a independência, eis que existem limites
quanto à destituição pelo presidente do pessoal encarregado da direção da agência. A
independência significa a atribuição de autonomia na forma da lei quanto ao exercício de
competências em relação ao governo e aos partidos políticos. O objetivo originário era
evitar que ela fosse controlada por um único partido político, de modo que ele obtivesse
vantagens materiais ou eleitorais, daí a sua estruturação de modo a garantir um controle
recíproco entre os partidos políticos.337
O paradoxo de uma agência reguladora consiste no fato de que o objetivo originário
é o de garantir a tomada de decisões de forma autônoma em face de questões técnicas e
complexas, contudo, ela não é propriamente integrada em seu corpo diretivo por experts,
mas por membros indicados pelos partidos políticos e referendados pelo Presidente e o
Senado.338
Para o cumprimento de seus objetivos institucionais, atribui-se à FCC uma série
de competências a seguir analisadas.
6.2 COMPETÊNCIAS
A FCC dispõe de diversas competências, no que tange à regulação do setor de
comunicações. Segundo a referida lei quando trata da alocação dos serviços e os termos
das licenças: "A Comissão deve garantir a outorga de uma licença a qualquer solicitante
desde que haja conveniência, interesse e necessidade pública, nos termos da lei".339 A
agência reguladora norte-americana FCC detém a competência para regular em bloco o
337 Cf. SHAPIRO, Martin. Agenzie Indipendenti: Stati Uniti ed Unione Europea. CEDAM, v.1, p.667-697, 1996 e CARBONELL; MUGA, op. cit., p.47-52. Apesar desse fato, as agências independentes não atuam à margem da política pública em termos de comunicações traçada pelo Chefe do Poder Executivo e pelo Congresso. Em verdade, não há uma independência em relação à política na medida em que seus membros são nomeados pelo Presidente, como também os respectivos funcionários do gabinete. Além disso, a independência não afasta o controle efetuado pelo Congresso a respeito de suas atividades. Nesse caso, o poder legislativo tem o dever de identificar os erros e as responsabilidades em relação à gestão da agência federal, efetuando o controle político e o controle econômico-financeiro. (MUGA, op. cit., p.47-52).
338 Cf. SHAPIRO, op. cit., p.667-697.
339 Cf. Communications Act of 1934, alterado pelo Telecommunications Act de 1996 (Sec. 307. [47 U.S.C.A §307). (BARTON et al., op. cit., p.1132).
133
setor de comunicações; não havendo a fragmentação regulatória entre o setor de
telecomunicações e o setor de radiodifusão.
Ela ainda dispõe de competência normativa que lhe permite baixar normas de
regulação do setor de radiodifusão e para dispor sobre controvérsias.340
6.3 CRITÉRIO DO INTERESSE PÚBLICO E AS OBRIGAÇÕES DAS EMISSORAS
DE TELEVISÃO
A atuação da agência reguladora segue o critério do interesse público (public
interest standard). O serviço de radiodifusão deve servir ao interesse, à conveniência e à
necessidade do público. Compete à FCC exercer sua autoridade diante das empresas de
radiodifusão, com certa discricionariedade na aplicação do referido critério do interesse
público. Conseqüentemente, as licenças para o serviço de radiodifusão são expedidas para
o atendimento do público e não dos interesses privados dos indivíduos ou grupos,
englobando também aspectos para além dos parâmetros técnicos.341
Apesar de toda a tradição norte-americana de defesa da liberdade de expressão
calcada na Primeira Emenda de sua Constituição, a regulação sobre o serviço de televisão
por radiodifusão restringe a liberdade de programação das emissoras, mediante a
imposição de regras contidas na lei e nos atos baixados pelo órgão regulador, seja no
aspecto estrutural, seja no aspecto de conteúdo da programação de televisão.342
Quanto ao aspecto do conteúdo, é preciso fazer uma observação. A Suprema Corte,
freqüentemente, autoriza que o "government" possa estabelecer restrições em relação ao
"free speech", em termos de tempo, lugar e forma, desde que seja feita sem a consideração
340 (BARTON et al., op. cit., p.682).
341 A partir da atuação da FCC com base na conveniência, interesse e na necessidade pública foi criada a Fairness Doctrine para justificar a regulação estatal quanto à apresentação das questões públicas na programação das emissoras de radiodifusão, cuja elaboração se iniciou em 1949 com o trabalho da FCC, sendo desenvolvida posteriormente nas décadas de 60 e 70. Tratava-se de uma política pública de caráter regulatório que impunha às empresas de radiodifusão as obrigações: (i) de dedicar razoável tempo de programação para a discussão de questões públicas (ii) de apresentar a diversidade de pontos de vista em questões de interesse público. Tal doutrina foi gradualmente sendo abandonada nos EUA a partir da mudança nas ideologias a respeito do tema, permanecendo a sua aplicação em relação à igualdade de oportunidades comunicativas no campo político (MIDDLETON; LEE, op. cit., p.311-314).
342 Infelizmente, não há aqui espaço para o detalhamento das principais regras que tratam da restrição à liberdade de programação das estações de televisão, para fins de proteção a outros bens igualmente protegidos pelo direito norte-americano. Acerca do tema, consultar: BARTON et al., op. cit. e TEETER; LOVING, op. cit.
134
do conteúdo. Trata-se da denominada "content-neutral regulations". Em outras palavras,
como regra geral, o governo não pode efetuar a regulação de modo a restringir o conteúdo
da liberdade de expressão.343 Contudo, os "radiodifusores estão sujeitos a várias formas de
regulação do conteúdo sob o parâmetro do interesse público do Communications Act.".344
São inúmeras as obrigações das emissoras de televisão por radiodifusão nos
Estados Unidos. Entre elas, pode-se citar: as exigências de os radiodifusores garantirem
"acesso razoável" aos candidatos para os cargos eletivos federais e considerar a "igualdade
de oportunidades" para os candidatos a qualquer cargo público345, as exigências educacionais
quanto à programação destinada às crianças346, as restrições na veiculação de programação
indecente347, proibição de obscenidade348, as providências referentes à distribuição de
programação de vídeo, as regras de iguais oportunidades de emprego etc.349
343 Cf. NOVAK; ROTUNDA, op. cit., p.1132.
344 ZUCKMAN et al., op. cit., p.1213.
345 Conforme o Communications Act, uma vez permitida a participação de um determinado candidato a um cargo público, a estação deve esforçar-se para garantir iguais oportunidades para todos os outros candidatos ao mesmo cargo, não podendo, ainda, a estação censurar o conteúdo sobre o material objeto de radiodifusão. Exceções à regra, são os casos da eventual aparição incidental do candidato de boa fé em um noticiário, entrevista ou documentário e na cobertura de eventos produtores de notícias de boa-fé (inclusive convenções políticas e descrição de atividades incidentais). Documento da FCC, Media Bureau (EUA. Federal Communications Comission. The Public And Broadcasting. June 1999. Prepared by the Mass Media Bureau (now Media Bureau), Federal Communications Comission, Washington, DC 20554. Disponível em: <http://fcc.gov/mb/audio/decdo/public_and_broadcasting.html>. Acesso em: 1.o set. 2006.
346 Há a exigência de a programação de televisão oferecer para as crianças conteúdos educacionais e de informação, protegendo-as em face da excessiva publicidade comercial. Trata-se de uma exceção à regra de proteção à liberdade de programação das emissoras de televisão. Nesse sentido, as estações de televisão comerciais são obrigadas a veicular certa quantidade de programas com informações e conteúdo educacional destinado ao público infantil. Por sua vez, as estações não-comerciais não são obrigadas a veicular tais programas em termos quantitativos. Obriga-se que as estações de televisão comerciais apresentem relatórios sobre o atendimento do caráter educacional e informacional da programação destinada às crianças. O diploma básico que trata da proteção às crianças é o Children's Television Act of 1990 (ZUCKMAN et al., op. cit., p.1119-1220).
347 O "Indecent Speech" é protegido pela Primeira Emenda da Constituição americana, no entanto, proíbe-se sua exibição em horários em que haja o risco de crianças assistirem aos programas de televisão. O "Indecent Speech" é definido como "linguagem ou material que, no contexto, representa ou descreve, em termos ostensivamente ofensivos conforme os padrões contemporâneos da comunidade para o meio de radiodifusão, órgão sexual ou excretório, ou atividades". (www.fcc.gov/mb/audio/decdoc/public_and_ broadcasting.html. Acesso em 1.o set. 2006).
348 A obscenidade não é protegida pela Primeira Emenda da Constituição, razão pela qual o conteúdo obsceno não pode ser veiculado pela estação de televisão por radiodifusão em nenhum horário. O material obsceno é aquele com as seguintes características: "(i) uma pessoa mediana, conforme os atuais padrões da comunidade, deve achar o material, por inteiro, apelativo a um interesse sexual; (ii) o material deve apresentar ou descrever, em um modo ostensivamente ofensivo, uma conduta sexual especificamente
135
Contudo, a imposição de exigências específicas em torno da formatação dos
programas, decorrentes da regulação da radiodifusão, desfruta de um estado de suspeição
em face da Primeira Emenda. Nesse sentido, há decisão judicial reconhecendo que tais
deveres relacionados ao conteúdo dos programas significa um "elevado risco que tal
regramento refletirá no trabalho da Comissão em selecionar entre gostos, opiniões, e
julgamentos de valores, mais que em função de um reconhecido interesse público", e,
"deve ser examinado de perto em razão da possibilidade deles conduzirem a Comissão
longe demais na direção da censura proibida".350
A validação da utilização do critério referente ao interesse público foi garantida
pela Suprema Corte no ano de 1943. A Corte conclui que a negativa da licença para um
radiodifusor, fundamentada no interesse público, não violava a Primeira Emenda da
Constituição norte-americana. O juiz Felix Frankfurter na ocasião escreveu:
A questão aqui é simplesmente se a Comissão, anunciando que ela recusará licença
para pessoas que se engajaram em específicas práticas de constituição de redes ...
está negando portanto o direito constitucional à liberdade de expressão [...]
O sistema de licenciamento estabelecido pelo Congresso no Communications Act
of 1934 era um exercício próprio de seu poder sobre o comércio. O parâmetro
estabelecido para o licenciamento das estações era o 'interesse, conveniência ou
necessidade pública'. Negar uma licença a uma estação de radiodifusão nessa
base, se válida sob o Ato, não é negar a liberdade de expressão.351
Nesse sentido, ele ainda dispôs que a radiodifusão, diferentemente, de
outros meios, é um privilégio e não um direito porque "seus meios são limitados; eles não
estão disponíveis para todos aqueles que querem usá-los; o espectro de rádio
definida por uma lei aplicável; e (iii) o material, considerado em sua totalidade, deve faltar sério valor literário, artístico, político ou científico" (www.fcc.gov/mb/audio/decdoc/public_and_broadcasting.html. Acesso em 1.o set. 2006).
349 Conferir: 47 U.S.C. § 312 (a)(7), 47 C.F.R. §73.1944 (reasonable acess); 47 U.S.C. §315, 47 C.F.R. § 73.1941 (equal opportunities); 47 U.S.C. § 303 (b), 47 C.F.R §§ 73.671, 73.673, 73.3526 (children's educational programming); 18 U.S.C § 1464; 47 U.S.C §303, 47 C.F.R § 73.3999 (indecent programming); 47 U.S.C. § 303 (w) (rating of video programming); 47 C.F.R. § 73.2080 (equal employment opportunities).
350 Trata-se da decisão proferida pela United States Court of Appeals for the District of Columbia Circuit, citado em ZUCKMAN et al., op. cit., p.1216.
351 TEETER; LOVING, op. cit., p.709.
136
simplesmente não é grande o suficiente para acomodar todo mundo".352 Conforme
Dwight L. Teeter Jr. e Bill Loving,
essencialmente, a corte assentou que o privilégio do uso de uma limitada e valiosa fonte do espaço do espectro, cada radiodifusor licenciado também assumiu uma obrigação de exercer esse privilégio para o benefício do público; uma obrigação que a FCC tem a autoridade de exigir para o público.353
Como se observa, o uso de um bem público cria para os radiodifusores a
responsabilidade social quanto ao atendimento de determinadas obrigações em favor do
público destinatário da programação. No caso dos EUA, uma parte dessas obrigações foi
definida em lei, enquanto outra foi construída pela jurisprudência, particularmente os
precedentes judiciais, em razão da natureza de seu sistema jurídico. Também, algumas
dentre elas, surgiram em razão do trabalho da agência reguladora que, no exercício de suas
competências, vem a promover o detalhamento dos deveres impostos aos radiodifusores.
6.4 PROCEDIMENTO DE LICENCIAMENTO DO SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO
Explicam Harvey Zuckman e outros que a licença para radiodifusão é “nos termos
do Communications Act de 1934, a outorga de uma pequena parte do espectro
eletromagnético, objeto de controle público, por um período de tempo para o propósito de
radiodifusão de transmissões de rádio ou televisão para o público e de acordo com o
´interesse, a conveniência e necessidade públicos”.354 Por sua vez, no âmbito do
Telecommunications Act de 1996 não há propriamente uma definição de licença para
radiodifusão, o que existe é a previsão normativa de licenciado, o qual significa: “o
possuidor de uma licença outorgada para a estação de radiodifusão”. 355
O procedimento de outorga de licença para os operadores de radiodifusão é
efetuado pela FCC. A vigência da licença é de oito anos, podendo ser prorrogada por
352 TEETER; LOVING, op. cit., p.709.
353 TEETER; LOVING, op. cit., p.710.
354 ZUCKMAN et al., op. cit., p. 1171.
355 BARTON et al., op. cit., p. 1116.
137
períodos sucessivos; contudo, a renovação está condicionada à apresentação de um plano
referente à igualdade de oportunidades quanto à utilização do espaço eletromagnético.356
Existem diversos requisitos para a outorga da licença para a prestação do serviço
de radiodifusão, entre os quais: os referentes à cidadania, à nacionalidade da pessoa
(restrições à propriedade estrangeira357), caráter da pessoa, capacidade financeira e técnica,
propriedade das estações etc.358
Um dos critérios de natureza substancial levado em consideração pela FCC, para
fins de licenciamento, consiste no interesse público. Os radiodifusores são qualificados,
ainda que temporariamente como "trustees of the public's airwaves", razão pela qual devem
servir ao interesse público. A agência reguladora tem, tradicionalmente, interpretado que
os licenciados devem efetuar a programação de televisão, conforme os interesses e as
necessidades das comunidades onde atua o licenciado.359 Atualmente, a posição oficial é
356 Communications Act of 1934 alterado pelo Telecommunications Act of 1996 (Sec. 307 [47 U.S.C.A. §307 (c) (1).
357 Há uma regra geral no direito norte-americano que nenhuma empresa de radiodifusão licenciada pode ter mais de 25% de seu capital controlado direta ou indiretamente por corporações estrangeiras organizadas conforme a lei de seus respectivos países. No ano de 1995, ocorreu o questionamento quanto à violação a esse limite em razão da compra de outra emissora de televisão efetuada pela companhia australiana The News Corporation Ltda., do empresário Rupert Murdoch, possuindo, na prática, mais de 99% do capital da Fox Television Stations. Conferir: BARTON et al., op. cit., p.714-715.
358 Conforme o Communications Act of 1934 (Telecommunications Act of 1996 (Sec. 308 [47 U.S.C.A. §308, (b)): "All applications for station licenses, or modifications or renewals thereof, shall set forth such facts as the Comission by regulations may prescribe as to the citizenship, character, and financial, technical, and other qualifications of the applicant to operate the station; the ownership and location of the proposed station and of the stations; if any, with which it is proposed to communicate; the frequencies and the power desired to be used; the hours of the day or other periods of time during which it is proposed to operate the station; the purposes for which the station is to be used; and such other information as it may require." (BARTON et al., op. cit., p.1133).
359 O conceito de localismo é um dos pilares da regulação dos serviços de radiodifusão por décadas nos Estados Unidos, encontrando-se no Título III do Communications Act, e fundamenta inúmeras políticas públicas e regras adotadas pela FCC. Para um exame mais aprofundado do localismo nos EUA, conferir: Notice of Inquiry sobre o Localismo na Radiodifusão, adotado em 7 de junho de 2004, MB Docket n. 04-233, pela FCC. Em regra, a política da FCC consiste em estabelecer diretrizes mais procedimentais que substantivas, não identificando a quantidade nem a qualidade em relação à programação de televisão, em termos de garantia ao localismo, quando do procedimento de renovação das licenças (Cf. FCC. Notice of Inquiry ..., p.6). Em atendimento ao localismo, existem as televisões de baixa potência, cujo alcance da emissão do sinal é limitado, exatamente, em razão da baixa potência dos equipamentos de emissão, alcançando a faixa entre 10 a 15 milhas. A sua operação requer, em regra, a utilização de faixas de VHF e UHF, desde que seu sinal não interfira com os sinais de outras estações de radiodifusão. Também, é possível a ligação da televisão de baixa potência (LPTV – Lower Power TV), mediante o sistema de satélite e, conseqüentemente, a constituição de uma rede. Sua grande vantagem é a de oferecer uma programação com conteúdo da preferência dos interesses dos telespectadores locais. Entretanto, as emisssoras têm direito ao espaço eletromagnético em caráter
138
no sentido de que os licenciados são obrigados a determinar as necessidades e os interesses
da comunidade e então devem apresentar programas que satisfaçam tais necessidades
e interesses.360
Por vários anos, a FCC negou o direito à participação de cidadãos no processo
administrativo de licenciamento dos serviços de radiodifusão. Porém, no ano de 1996,
mediante uma decisão judicial, foi assegurado o direito à participação de grupos de
cidadãos no procedimento de outorga de licenças.361
Até o ano de 1996, se houvesse uma pluralidade de candidatos interessados na
obtenção da licença em relação a uma mesma freqüência, a FCC efetuava uma audiência
entre os potenciais interessados (comparative hearing), comparando as propostas entre si
com a finalidade de escolher qual seria o mais apto para servir ao interesse público. Os
pedidos de licenças eram processados no formato "first-come, first-served bases". Em um
período de trinta dias após a formulação do pedido de licenciamento os eventuais interessados
poderiam requerer a mesma faixa de freqüências.362 A escolha do licenciado era feita com
base em critérios, relacionados ao procedimento de comparação entre as propostas de
prestação do serviço de televisão por radiodifusão, que eram os seguintes: (i) a
secundário, haja vista que a prioridade é garantida às televisões comerciais, não havendo nenhuma garantia de proteção das LPTV contra as interferências das televisões comerciais, ao contrário, inclusive podem ser responsabilizadas pelos danos causados (BARTON et al., op. cit., p.688).
360 Em contraste, na década de 70, a Comissão impôs uma metodologia específica para determinar as necessidades e os interesses da respectiva comunidade. Contudo, na década de 80, tais regras foram eliminadas em face de um movimento de desregulação do setor, com exceção das diretrizes para a comercialização de programas destinados às crianças (BARTON et al., op. cit., p.717).
361 Office of Communication of United Church of Christ v. Federal Communications Comission, 359, F. 2d 994, 7 R.R. 2d 2001, 1 Med. L. Rprr. 1993 (D.C. Cir. 1966). O Juiz Burge expressou a seguinte decisão: "O argumento que um radiodifusor não é uma 'public utiliy' não é a questão. Verdade que ele não é uma 'public utility' no mesmo sentido como estritamente são regulados 'common carriers' ou fornecedores de energia elétrica, mas nem é uma empresa puramente privada como um jornal ou uma agência de automóveis. Um radiodifusor tem muito mais em comum com um editor de jornal, mas ele não está na mesma categoria em termos de obrigações públicas impostas pela lei. Um radiodifusor procura e é lhe outorgado o uso gratuito e exclusivo de uma parte limitada e valiosa do domínio público; quando ele aceita a licença então é ligado ao cumprimento de obrigações públicas. Um jornal pode ser operado segundo desejo ou o capricho de seus proprietários; uma estação de radiodifusão não pode. Depois de cinco décadas da operação da indústria de radiodifusão não parece ter compreendido o simples fato que uma licença para radiodifusão é um 'public trust` sujeita ao cancelamento por quebra de dever. [....] A participação do público é especialmente importante no procedimento de renovação, desde que o público esteja sendo exposto no mínimo há três anos à apresentação do radiodifusor, como pode não ser o caso quando a Comissão considerar a outorga inicial, ao menos o requerente tem o prévio histórico enquanto licenciado." (BARTON et al., op. cit., p.712).
362 Cf. ZUCKMAN et al., op. cit., p.1175.
139
diversificação no controle dos meios de comunicação; (ii) a participação integral pelos
proprietários na operação da estação; (iii) o serviço de programação proposto; (iv) o
histórico do prestador do serviço de radiodifusão; (v) o uso eficiente da frequência; (vi) o
caráter do prestador do serviço; e (vii) outros fatores.363
No mesmo ano, com o Telecommunications Act, houve a eliminação da regra que
exigia o processo administrativo de natureza comparativa de renovação da licença.364
O Congresso alterou a regra do licenciamento da atividade de radiodifusão de modo a
exigir da FCC a observância de procedimentos de competição nos casos de renovação
da licença.365
Depois, em 1997, o Congresso conferiu autoridade à FCC para que ela mantivesse
as licenças competitivas no caso das novas freqüências comerciais não-digitais, mediante
o procedimento de leilão, já a disputa pelas licenças de freqüências não-comerciais
(por exemplo: televisões públicas) e não-digitais seria feita mediante o procedimento de
sorteio. O procedimento de comparação entre a proposta de programação futura e a
programação em vigor não seria aplicado para as licenças de televisão digital, eis que tais
freqüências são reservadas para a garantia da existência da televisão por radiodifusão
terrestre.366
Por outro lado, a transferência da licença só pode ser efetuada com base no
interesse, conveniência e necessidade públicos. Em princípio, a FCC deve analisar somente
a condição do licenciado interessado na transferência, contudo, em se tratando de aquisição
do controle da corporação, que detém a licença por uma outra empresa, faz-se necessária a
verificação da situação da nova parte interessada. Também, assegura-se às pessoas
interessadas o direito de impugnar o ato. Segundo Harvey Zuckman e outros, o "mercado
363 BARTON et. al., op. cit., p.718-720. A FCC não monitora as transmissões de radiodifusão e, portanto, ao tempo de renovação da licença, tem que se valer da programação mantida por cada estação a fim de verificar se o radiodifusor cumpriu com a proposta de programação quando a licença foi pela última vez renovada (TEETER; LOVING, op. cit., p.717). Daí porque, em face da dificuldade de acompanhamento da programação de todas as emissoras de televisão por parte do órgão regulador, justifica-se a participação do público no procedimento de renovação da licença, para verificar o cumprimento das obrigações concernentes ao interesse público.
364 BARTON et al., op. cit., p.718-720.
365 BARTON et al., op. cit., p.739-740.
366 Cf. ZUCKMAN et al., op. cit., p.1175-1176.
140
de transferência das licenças de radiodifusão é um forte indicador que as licenças poderiam
ser alocadas inicialmente usando mecanismos de mercado".367
A seguir, será mostrado o processo de implantação dos serviços de televisão
digital nos EUA.
7 TELEVISÃO DIGITAL
7.1 DEFINIÇÃO DO PADRÃO TECNOLÓGICO DE TELEVISÃO DIGITAL
Como já referido no capítulo segundo, o formato analógico de televisão por
radiodifusão requer a utilização de um espaço de 6Mhz (seis mega hertz) de freqüências
em relação ao espaço eletromagnético. Com a tecnologia digital, é possível que o sinal de
televisão seja comprimido na faixa de 6MHz, inclusive permite a sua melhoria na recepção
no formato analógico (aparelho de televisão analógico). Em outras palavras, a digitalização
do sinal analógico permite a compressão de vários sinais dentro de uma única faixa de
6 MHZ. Conseqüentemente, os radiodifusores estavam preocupados, pois, eles adotariam a
HDTV, enquanto os consumidores preferiam o padrão tradicional no formato digital.368
367 ZUCKMAN et al., op. cit., p.1172 e p.1182-1183. Os mesmos autores afirmam que os potenciais investidores interessados em investir na indústria de radiodifusão enfrentam um dilema devido a intangível natureza da licença, vez que não há garantia de um verdadeiro direito de propriedade. Para eles, um dos maiores desafios da FCC é encontrar uma solução que possibilite aos investidores segurança nos negócios e, ao mesmo tempo, não deixar que os radiodifusores fiquem susceptíveis à influência dos investidores (p.1173).
368 BARTON et al., op. cit., p.691. No ano de 1993, o órgão regulador estimulou um acordo entre as companhias de bens eletrônicos, a fim de estabelecer uma grande aliança em favor da definição de um sistema de televisão digital. Uma das questões que precisava ser definida era a disputa entre a técnica de entrelaçamento de imagens e a de processamento progressivo por "scanner", o que afetava a qualidade da resolução da imagem. A disputa envolvia de um lado: (i) a indústria de computadores que defendia um enfoque baseado em uma arquitetura aberta, familiar aos produtores de computadores, mas, de todo modo, inconsistente com a arquitetura fechada do enfoque tradicional dos fabricantes de televisão; de outro lado, (ii) estavam os produtores de programas e as emissoras de televisão (nacionais e locais), os quais
141
Após, a apresentação e teste de cinco sistemas de ATV, a FCC decidiu fundir e
desenvolver um único sistema padrão de HDTV, convocando os três grupos finalistas para
tal tarefa.369 O sistema norte-americano seria um sistema digital, diferentemente dos sistemas
europeu e japonês que eram, originariamente, baseados na entrega de sinais analógicos por
satélites de radiodifusão direta até o domicílio. A decisão da FCC protegeu os interesses dos
consumidores proprietários dos aparelhos de televisão analógicos (ao estabelecer um período
de transição), os interesses das emissoras de televisão (transmissão simultânea do sinal
analógico e sinal digital) e os interesses da indústria de bens eletrônicos norte-americana
(preferência pelo sistema digital de televisão).370
Segundo Jeffrey Hart:
Finalmente, um importante aspecto da decisão de abril de 1997 era reafirmar a decisão prévia para permitir aos radiodifusores escolher entre a radiodifusão HDTV e mutiplexação SDTV, entre serviços passivos e interativos, nos seus canais digitais. O membro da comissão Hundt pensava que isso provava que a FCC tinha adotado uma 'orientação de mercado' que daria aos 'radiodifusores a flexibilidade de utilizar o espectro em resposta as oportunidades de mercado'. Os esforços de Hundt para ligar a alocação do espectro de DTV a novas exigências da parte dos radiodifusores, para avisos de utilidade pública e programação infantil, resultaram em uma indicação especial para a comissão se manifestar sobre o assunto.371 [grifo nosso]
argumentavam que o sistema progressivo aumentava os custos de produção relativos aos equipamentos e receptores sem necessariamente melhorar a qualidade das imagens. Ver: HART, op. cit., p.150-180.
369 É o que explica Jeffrey Hart: "(1) o sistema de Televisão Digital Avançada (ADTV) proposto pelo Consórcio de Pesquisas em Televisão Avançada feito por North American Philips Corporation, Thomson Consumer Electronics, NBC, Compression Labs, Inc., e David Sarnoff Research Center in Princeton, New Jersey; (2) o sistema Espectro Compatível (SC) proposto pela Zenith e AT&AT com a ajuda de Scientific-Atlanta; (3) o sistema Narrow MUSE proposta pela NHK; e (4) e dois sistemas "all-digital" proposto pela American Television Alliance (MIT e General Instrument." (HART, op. cit., p.115).
370 HART, op. cit., p.116. No ano de 1995, o Advisory Commitee on Advanced Television Services (ACATS) aprovou o padrão proposto pela grande aliança (grand alliance system), dispondo que o sistema de compressão MPEG-2 era superior aos outros quatro sistemas de compressão de vídeo (ATV) e selecionou o sistema de áudio Dolby AC-3. Contudo, o ATSC, na qualidade de comitê consultivo da FCC, rejeitou a proposição da ACATS, propondo a criação de um grupo de especialistas para efetuar a padronização nas seguintes áreas: vídeo, áudio, transporte, transmissão e recepção. Diante dessa complexidade tecnológica, afirma Jeffrey Hart: "O sistema da grande aliança (também chamado ACATS ou ATSC DTV system) era mais que um sistema HDTV porque adota um sistema de empacotamento e de transporte digital e internacionalmente aceito de compressão como MPEG-2." Ver: HART, op. cit., p.163.
371 HART, op. cit., p.177.
142
Note-se que a partir dessa decisão da FCC, tanto a Europa quanto o Japão, resolveram
implantar um sistema de televisão digital integral, sendo que cada um adotou um padrão técnico
diferente.372
7.2 BASE NORMATIVA
O quadro básico normativo que ampara a adoção da televisão digital encontra-se no
Telecommunications Act of 1996, acrescido da seção intitulada "Broadcast Spectrum Flexibility",
em relação ao Communications Act. 47 U.S.C.A. § 336. A lei dispõe que as licenças são
limitadas para os atuais licenciados do serviço de radiodifusão, permitindo, no
entanto, a atribuição de licença para aqueles que oferecem serviços auxiliares ou
complementares373, mediante os canais de ATV ("advanced television services").374
As taxas podem ser cobradas somente na extensão dos usos permitidos na
licença do canal ATV para entrega de serviços por assinatura ou serviços
para os quais o licenciado diretamente ou indiretamente recebe compensação de
uma terceira parte em contrapartida por transmitir material fornecido por ela
372 Ver: Digital television in Europe and Japan, capítulo do livro Technology, Television and Competition. The Politics of Digital TV (HART, op. cit., p.181-185).
373 A par dos serviços de radiodifusão propriamente ditos ("broadcasting"), o espectro eletromagnético pode ser utilizado para serviços auxiliares ou complementares que não interferem no sinal de radiodifusão prioritário. No contexto da digitalização, os radiodifusores podem oferecer serviços auxiliares ou complementares, tais como: programação de televisão por assinatura, distribuição de softwares, transmissão de dados, teletextos, serviços interativos, e sinais de áudio de modo a não interferir com a provisão de programação gratuita de televisão por radiodifusão.
374 Os serviços de televisão avançada ("advanced television services") significam "serviços de televisão utilizando tecnologia digital ou outra tecnologia avançada assim como definida pela Comissão, intitulando-se "Advanced Television Systems and Their Impact Upon the Existing Television Broadcast Services", MM Docket 87-268, adotados em 17 de setembro de 1992, e procedimentos subseqüentes". Segundo Jeffrey A. Hart: "A partir desse ponto (decisão da Suprema Corte a respeito das regras "must-carry" no contexto do serviço de televisão avançada), a maior parte das pessoas começa a falar sobre televisão digital (DTV) ou televisão avançada (ATV), ao invés de HDTV. O "grand alliance system" (também chamado ACATS ou ATSC DTV system) era mais que um sistema HDTV porque adotou o sistema de transporte e empacotamento digital e o padrão de compressão internacionalmente aceito como MPGE-2. Agora era possível pensar sobre a combinação de flexibilidade; e, ao mesmo tempo, alta e baixa resolução de vídeo (e outras coisas de informação digital) nos mesmos canais usando aparelhos de televisão 'inteligentes'. Isso era também possível pensar em DTV enquanto permitindo aplicação de vídeo passiva e interativa. Conferir: HART, op. cit., p.163.
143
(outras fontes além da publicidade comercial usada para manter a radiodifusão a
qual a taxa de assinatura não é requerida).375
Portanto, não há, em absoluto, proibição quanto ao estabelecimento de preço para
o oferecimento de serviços de televisão por radiodifusão digital e de serviços auxiliares
e (ou) complementares de radiodifusão.
7.3 LIBERDADE DE MERCADO QUANTO À DEFINIÇÃO DOS SERVIÇOS
Em 1997, a FCC adotou novas regras sobre a regulação do licenciamento, construção
e operação das estações de televisão digital. Os licenciados podem determinar seus próprios
serviços a serem oferecidos aos consumidores, tanto quanto eles podem transmitir
"serviços de programação de vídeo digital livre que é, no mínimo, comparável hoje ao
serviço transmitido durante os mesmos períodos de tempo do serviço analógico".376
No início, a Comissão não exigiu dos radiodifusores a transmissão em alta definição
da programação de televisão ou, inicialmente, a transmissão simultânea de sua programação
analógica no canal digital. Em outras palavras, a FCC permitiu uma solução de
mercado à medida que garantiu a escolha de cada estação entre a HDTV377 ou a
multiprogramação, garantindo a flexibilidade no uso do espectro eletromagnético,
conforme as oportunidades de mercado.378
Manteve-se o serviço de televisão por radiodifusão terrestre, na modalidade digital,
ofertado gratuitamente ao público em geral, porém abriu-se a possibilidade de oferecimento de
375 BARTON et al., op. cit., p.691.
376 BARTON et al., op. cit., p.692-696.
377 Conforme definição legal, o termo televisão de alta definição ("high definition television") refere-se ao "sistema que oferece aproximadamente o dobro de resolução vertical e horizontal dos aparelhos geralmente disponíveis na data da promulgação do Telecommunications Act of 1996, assim como definido nos procedimentos descritos no parágrafo (1) dessa subseção". Conforme Communications Act Of 1934, 48 Stat. 1064 (1934), as amended, 47 U.S.C.A.§ 151 et sequ. (as April1, 1996), Sec. 336 [47 U.S.C.A §336], (3) Broadcast Spectrum Flexibility. Para T. Barton Carter e outros: "HDTV é a televisão com aproximadamente o dobro das várias linhas transmitidas no padrão corrente dos Estados Unidos de 525 linhas. Associado com a mudança no aspecto da proporção (a proporção entre largura e comprimento da imagem) HDTV oferece vasta qualidade de imagem superior. Proponentes do novo serviço reivindicam que ela equivale em qualidade ao filme de 35mm." (BARTON et al., op. cit., p.689).
378 BARTON et al., op. cit., p.692. Conferir: HART, op. cit., p.177. Segundo Harvey Zuckman e outros: "Não é exigido dos radiodifusores oferecer serviço de alta definição, mas eles têm a opção de prestar multi-programação, distribuição de software, serviços interativos, transmissão de dados e outros serviços para o público." (ZUCKMAN et al., op. cit., p.1194).
144
outros serviços auxiliares ou complementares, mediante o pagamento de um preço, com a
opção para a emissora de televisão de escolher o sistema de multiprogramação (SDTV)379
ou o sistema de alta definição (HDTV), impondo-se a devolução após o término do período
de transição do canal então utilizado para a difusão do sinal analógico à entidade
reguladora para que a mesma possa efetuar nova alocação da faixa de freqüências.380
7.4. OBJETIVOS
Em 1995, a FCC adotou um aviso de proposta de normatização ("Notice of Proposed
Rulemaking") em matéria de televisão digital, o qual continha quatros objetivos primários:
[1] preservar a liberdade da nação, serviço universal de radiodifusão; [2] encorajar transição rápida e ordenada da tecnologia digital, a qual permitirá ao público receber os benefícios da televisão digital, incluindo HDTV; [3] eventualmente recobrir o espectro eletromagnético em blocos contínuos de costa-a-costa para os novos, ainda que sejam indefinidos os serviços, para permitir ao público o completo benefício de seu espectro; [4] garantir que o espectro será usado de modo que melhor possa servir ao interesse público.381 [grifo nosso]
Segundo T. Barton Carter e outros, a FCC indicou que poderia impor obrigações
baseadas no interesse público em relação ao licenciamento da televisão digital tal como
exigências quanto à destinação da programação para as crianças ou tempo livre para
379 A par dessas definições, há a definição padrão de televisão usado para a transmissão dos respectivos sinais, "Standard Definition" (SDTV), que "é o nível básico de qualidade do display e resolução para o sinal analógico e digital", "a transmissão de SDTV pode ser no formato de tela tradicional (4:3) ou no formato widescreen (16:9)". Conferir: www.dtv.gov/whatisdtv.html. Acesso em 02 set. 2006. Entre a definição do formato padrão e o de televisão digital, há um padrão intermediário, denominado "enhanced definition" que representa "um avanço em face da televisão analógica", podendo ser utilizado no formato "widescreen (16:9) ou tradicional (4:3) e oferecer melhor imagem que o sistema SDTV, mas não tão elevado como HDTV".
380 Em razão da flexibilidade na utilização do espectro eletromagnético, é possível que uma emissora de televisão transmita durante uma parte do dia programação em definição padrão e durante o horário nobre transmita em HDTV. Há a liberdade quanto à organização da forma de apresentação da programação de televisão. É o que reconhece a própria FCC: "Finally, we asked how we should take into account the fact that DTV broadcasters have the flexibility to vary the amount and quality of broadcast programming they offer throughout the day. For example, a broadcaster could air 4 SDTV channels from 8 a.m. to 3 p.m., switch to two higher definition channels from 3 p.m to 8 p.m., and finish with one HDTV channel for prime-time and late-night programming". Cf. FCC, Report and Order and Further Notice of Proposed Rule Making, adopted: Setember 9, 2004, MM Docket n. 00-67, In the Matter of Children. Disponível em: <www.fcc.gov>.
381 BARTON, op. cit., p.691.
145
candidatos em contrapartida ao gratuito espectro de freqüências recebido pelos
radiodifusores, entretanto, tal decisão em relação a esta última questão foi deixada para
procedimentos posteriores.382
Tanto o Congresso quanto a FCC reafirmaram o princípio de que os
"broadcasters" devem operar baseados no interesse público no novo ambiente digital.
Contudo, o modo pelo qual eles devem operar na era digital não está claramente definido,
daí a abertura para definição posterior das novas obrigações dos radiodifusores.383
Em 1998, o referido Comitê adotou dez recomendações quanto à execução do
sistema de televisão digital: a transparência das atividades de interesse público pelos
radiodifusores; adoção de parâmetros voluntários de conduta; exigências mínimas quanto
ao interesse público; melhoramentos na educação com a televisão digital; a flexibilidade e
interesse público; melhoria da qualidade do discurso político; as advertências sobre desastres
na era digital; o acesso facilitado à programação às pessoas portadoras de deficiência; a
diversidade na radiodifusão; novas considerações a respeito das obrigações de interesse
público no novo ambiente de televisão.384
7.5 APLICAÇÃO DAS REGRAS "MUST-CARRY"
Uma das maiores controvérsias quanto à televisão digital é o impacto da
televisão em face da televisão a cabo, especificamente em relação à aplicação das regras
"must-carry". Tais regras impõem o dever de os operadores do serviço de televisão a cabo
transmitirem os sinais analógicos da televisão por radiodifusão. Nos EUA, os operadores de
TV a cabo e os radiodifusores controvertem a respeito se, no período de transição, as estações
de televisão devem transmitir simultaneamente os sinais analógicos e os digitais e se os
382 Advanced Television Systems, 11 F.C.C.Rcl 12809, 7 C.R. 863 (1997) (BARTON, op. cit., p.693).
383 Quanto à problemática das obrigações em prol do interesse público, ficou adiada até o relatório do "Advisory Commitee on the Public Interest Obligations of Digital Television Broadcasters", composto por representantes da indústria de radiodifusão comercial e não-comercial, indústrias de computadores, produtores, instituições acadêmicas, organização de interesse público, e comunidade publicitária. Conferir: Executive Order 13038, 62 Fed. Reg. 12065 (Mar. 11, 1997) (BARTON, op. cit., p.693). O Comitê instalado pelo Presidente Clinton, sendo presidido pelo Vice-Presidente Al Gore recomendou que a FCC adotasse providências mínimas em relação às exigências de interesse público na radiodifusão digital, apesar de não ter alcançado consenso a respeito de quais específicos parâmetros deveriam ser estabelecidos (ZUCKMAN et al., op. cit., p.1168).
384 BARTON, ob. cit., p.694-695.
146
operadores de televisão a cabo devem ser forçados a reservar capacidade de transmissão
para ambos os sinais (analógico e digital).385
Sobre esse problema, a FCC afirmou que a exigência em relação aos operadores de
TV a cabo em transportar ambos os sinais pode violar a Primeira Emenda, porque colocaria, de
modo desnecessário, limites extensos em seus direitos editoriais na seleção de programação
para o funcionamento de seus sistemas, daí porque incentivou que as partes chegassem a
uma solução amigável de mercado, mas a questão ainda não é objeto de consenso.386
385 NUECHTERLEIN; WEISER, op. cit., p.400-402. Segundo os autores: "[...] os objetivos principais da transição consistem em garantir que, no mínimo, 85% dos norte-americanos continuem a receber localmente programas de radiodifusão mediante um meio ou outro e que o espectro até então dedicado a radiodifusão analógica seja destinado a outros valiosos usos tão logo quanto possível." (p.402).
386 NUECHTERLEIN; WEISER, op. cit., p.401. A Suprema Corte manifestou-se em certa ocasião a respeito da constitucionalidade das regras must-carry (transporte do sinal da televisão por radiodifusão pelos operadores do serviço de televisão a cabo), eis que as mesmas não são ofensivas à liberdade de expressão protegida pela Primeira Emenda da Constituição. Consultar: Turner Broad. Sys. x FCC, 520 U.S. 180 (1997). Ver: FISS, A ironia..., p.122-131.
147
CAPÍTULO IV
MODELO FRANCÊS DE TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO
1 APRESENTAÇÃO
Originariamente, a França adotou um modelo de organização dos serviços de
televisão por radiodifusão baseado no monopólio estatal e no regime de serviço público
acompanhado da concessão administrativa, porém com a exclusividade da gestão em mãos
de entidades criadas pelo Estado. Enfim, o fator de organização do setor televisivo era o
serviço público de televisão de âmbito nacional, acompanhando a tendência organizatória
européia fundamentada na idéia de televisão pública. Tal paradigma vigeu entre a década
de 50 e 80 do século passado.387
O Brasil, em certo aspecto, incorporou o modelo norte-americano para regular o
setor de radiodifusão; baseado na iniciativa privada, na hegemonia das redes nacionais de
televisão e na garantia da liberdade de expressão, esta, no entanto, foi solapada durante a
vigência do regime militar. Contudo, concomitantemente, em outro aspecto, o marco
jurídico brasileiro (Lei n.o 4.117/62) organizou o serviço de radiodifusão a partir de um
regime de serviço público e a utilização da concessão de serviço público (instituições
desconhecidas pelo direito norte-americano), permitindo a atuação da iniciativa privada.
Tal paradigma organizacional, de certa forma, é similar ao modelo clássico francês de
televisão por radiodifusão, na forma analógica, daí a utilidade da reflexão em torno deste
último.
387 Conforme explicação de Francis Balle, na Europa, não houve a escolha pelo tradicional modelo privado e de liberdade total aplicado ao regime da imprensa. Ao contrário, houve a escolha pelo controle público da radiodifusão e da televisão, particularmente em razão da raridade das freqüências e a necessidade de investimentos elevados em países empobrecidos pela Segunda Guerra Mundial. Aliás, a experiência com a "guerra de propaganda" feita mediante os meios de comunicação levou o poder político a assumir o controle sobre a televisão, tendo em vista sua importância para a formação da opinião pública e a realização de políticas culturais nacionais (BALLE, op. cit., p.204).
148
Na França, na década de 80, houve a quebra do monopólio, o que permitiu a
coexistência dos setores público e privado de televisão por radiodifusão, mantendo-se a
noção de serviço público, contudo com a delimitação de seu âmbito de aplicação, em
garantia da liberdade de comunicação social e do pluralismo de idéias e de opiniões. Em
virtude disso, ocorreu a transformação do sentido de serviço público de televisão, em
razão da criação do setor privado de radiodifusão, inclusive abandonou-se o instituto
clássico da concessão administrativa. Tal questão é de importância fundamental para a
análise do direito brasileiro como será visto no capítulo oportuno.
Nesse período surgem as primeiras emissoras de televisão por radiodifusão
privadas de âmbito nacional e local. A França, ao contrário dos EUA e do Brasil, não
adotou, inicialmente, um modelo de redes nacionais de televisão, caracterizadas pelos
contratos de afiliação entre a emissora de televisão principal e as emissoras afiliadas.
Ademais, o Estado era o proprietário das redes de difusão utilizadas para a transmissão dos
sinais de televisão, uma vez que em suas origens não havia a participação da iniciativa
privada na construção de tais infra-estruturas.
Além disso, aparecem novas modalidades de televisão a cabo e por satélite.388
Originariamente, a construção de redes de cabo esteve sob monopólio do Estado, somente, no
ano de 1986, permitiu-se a entrada de operadores privados, contudo, restringindo-se a
respectiva atuação de cada prestador a, no máximo, oito milhões de lares. E a partir de 2004,
em razão da incorporação ao direito interno da diretiva européia sobre telecomunicações,
ocorre a liberalização do mercado. Os canais temáticos da televisão a cabo passam a
contribuir com a produção de obras audiovisuais.389 Por sua vez, na França,
aproximadamente, existem quatro milhões de assinantes do serviço de televisão por satélite
que se dividem entre os dois operadores: Canal Sat e TPS. É um dos únicos países europeus
onde ainda coexistem duas ofertas de satélites pagas, nos demais países houve a fusão
388 Na França, atualmente, aproximadamente, 89% (oitenta e nove por cento) da audiência está concentrada em torno dos seis canais de televisão por radiodifusão, sendo três públicos (France 2, France 3, e France 5/Arte) e três privados (TF1, Canal + e M6) e os restantes 11% (onze por cento) concentram-se entre os serviços de televisão a cabo e satélite (THIBAULT, Mireille. Comprendre les Médias. Paris: Ellipses Édition Marketing, 2005. p.86). Em um universo populacional de, aproximadamente, sessenta e um milhões e oitocentas mil pessoas (61,8) e de vinte e quatro milhões e quinhentos mil lares (24,5) o serviço de televisão a cabo atinge 9,9% dos lares e por satélite 14,1% (BALLE, op. cit., p.311).
389 Cf. BALLE, op. cit., p.123-124
149
entre os operadores de satélite, o que resultou no oferecimento de uma única programação
de televisão.390
Há, ainda, o terceiro setor audiovisual; âmbito por excelência para o
desenvolvimento da televisão local associativa. Também, a análise dessa questão contribui
para a compreensão do setor de radiodifusão público não-estatal, previsto pela Constituição
brasileira.
E mais, em razão do processo de internacionalização da mídia, especialmente a
entrada do conteúdo audiovisual norte-americano, o sistema francês adota algumas regras
de proteção ao conteúdo audiovisual nacional e europeu, este em razão de exigência do
direito comunitário.391 Com isso, são criadas obrigações de programação, investimentos
em matéria de compra de obras audiovisuais pelos canais de televisão por via hertziana
terrestre, inclusive elas vinculam os serviços de televisão a cabo e por satélite.392
Por último, a organização da televisão digital na França contém alguns elementos
que auxiliam a formatação do modelo brasileiro.
A seguir serão vistos os principais aspectos do atual modelo de televisão por
radiodifusão.
390 Cf. THIBAULT, op. cit., p.90.
391 Conforme explicação de Emmaneul Derieux, a internacionalização da mídia traz vantagens e desvantagens. De um lado, ela permite a livre circulação da informação, a troca de conhecimentos e a abertura a outras culturas e civilizações. De outro lado, ela comporta o risco de uniformização do mundo, de dominação de uma única e poderosa civilização ... de pensamento único, de mercantilização da informação como produtos culturais, de predominância intelectual e comercial dos países ou grupos industriais os mais poderosos ou os mais ricos, e de perda da identidade cultural nacional ou regional [...] (DERIEUX, Emmanuel. Droit Européen et International des Médias. Paris: LGDJ, 2003. p.12).
392 Cf. BELLESCIZE; FRANCESCHINI, op. cit., p.224-232.
150
2 ELEMENTOS PRÉVIOS
2.1. ANTECEDENTES
Originariamente, os serviços de radiodifusão foram organizados em regime de
monopólio. Tal opção fundamentou-se, entre outras razões, por motivos técnicos, pois, a
intervenção estatal justificava-se na medida que era necessária a gestão da alocação das
freqüências do espaço radioelétrico, conforme as convenções internacionais. Ademais,
razões militares e de segurança nacional motivaram a sua adoção.393 Além disso, entendia-
se que o monopólio público era a melhor ferramenta para garantir a independência, a
objetividade, a diversidade e qualidade dos programas e proteger a expressão pluralista das
idéias e opiniões. Seus defensores sustentavam que o sistema de monopólio podia
assegurar o respeito dos usuários, a realização de missões de serviço público e apresentar
os meios de satisfação do público.394
Tal regime sobre o serviço de televisão por radiodifusão estende-se de 1945 a
1982, no entanto, incidiu tão-somente sobre a atividade de emissão, excluindo a existência
de emissoras privadas (só há o reconhecimento de televisões públicas), e cujo exercício foi
delegado a estabelecimentos públicos e a sociedades nacionais de programas, criados pelo
Estado francês. Contudo, tal monopólio estatal não foi absoluto, eis que ele foi aplicado
tão-somente à difusão e à programação de emissões audiovisuais, não se estendendo à
produção e à recepção dessas emissões. Quanto à produção prevaleceu o regime da livre
concorrência, havendo, também, a separação entre uma estrutura estatal autônoma de
produção em face de uma estrutura de programação audiovisual.395
393 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.40.
394 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.40.
395 DEBBASCH, Charles. Droit de le l'audiovisuel. 4.ed. Paris: Dalloz, 1995. p.97 e p.105. O monopólio da difusão, ligado a imperativos técnicos e defesa nacional, jamais foi verdadeiramente questionado. A
151
O regime de monopólio estatal aplicável ao setor de televisão fundamentou-se
na noção de serviço público, uma das categorias mais complexas no âmbito do direito
administrativo em face de sua ambigüidade e de sua evolução histórica. O serviço público
era considerado como um dos seus pilares de sustentação. Daí o surgimento da idéia de que
a melhor maneira para assegurar as regras de serviço público era reservar o monopólio da
radiotelevisão a um organismo público.396
Na década de 70, ocorreu a reforma do setor audiovisual que implicou em uma
forte polêmica a respeito da aplicação ou não do serviço público ao setor audiovisual. De
um lado, alguns sustentavam que ele era o melhor mecanismo para a defesa da liberdade de
expressão e do pluralismo.397 De outro lado, alguns defendiam que o melhor seria a
organização de um mercado competitivo, pois tanto o setor público quanto o setor privado
podiam satisfazer as demandas sociais.398 Em síntese, a visão clássica do serviço público
de televisão apóia-se em uma concepção ontológica (orgânica), fundada na definição
legislativa de gestão e estruturas, no contexto do regime de monopólio estatal. Ao
contrário, a visão contemporânea do serviço público está fundada em uma concepção
material, focada na importância da atividade para a realização do interesse geral, conforme
será visto a seguir399
2.2. CONCEITO DE SERVIÇO DE TELEVISÃO
crítica foi feita em relação ao monopólio da programação de televisão, implicando a negação da liberdade de escolher os programas difundidos.
396 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.40.
397 Conforme Luca Vespignani: "In questa prospettiva, a figura del servizio pubblico può risultare una minaccia contro le libertà nella misura in cui consente una crescita della presenza statale ed una connessa compressione di quella sfera intangibile che deve essere riconosciuta all'individuo nei confronti dello Stato." (VESPIGNANI, Luca. Telediffusione tra regime del servizio e servizio della libertà. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 1998, p.40).
398 MACHADO, Santiago Muñoz. Publico e Privado en el Mercado Europeo de la Televisión. Madrid: Civitas, 1993, p.103. Conforme Truchet, o serviço público seria uma simples etiqueta sem valor substancial (Label de service public et statut de service public, citado por VESPIGNANI, op. cit., p.39).
399 Antes da lei n.o 64-621 de junho 1964, sobre o estatuto do "Office de radiodiffusion-télévision française" e sobretudo da Lei n.o 72-553 de 3 de julho de 1972, a respeito do estatuto da radiodifusão francesa, as disposições legislativas sobre a radiotelevisão ocupavam-se tão-somente do modo de gestão e das estruturas. É somente, a partir do estatuto de 1964, que o legislador se preocupa com a precisão das missões de serviço público de televisão, sendo que, com o estatuto de 1972, ocorre uma etapa fundamental com a definição do serviço público de radiotelevisão pelo fim (MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.16).
152
Antes da análise do marco regulatório dos serviços de televisão por
radiodifusão, é importante a verificação do conceito de serviço de televisão que conforme
a legislação francesa é “todo serviço de comunicação ao público por via eletrônica
destinado a ser recebido simultaneamente pelo conjunto do público ou por uma categoria
de público e cujo programa principal é composto por uma seqüência ordenada de emissões
contendo (imagens) ou somente sons”.400
A comunicação eletrônica é o conjunto das “emissões, transmissões ou recepções
de signos, sinais, escritos, imagens ou sons, pela via eletromagnética”.401 Ademais, a
comunicação ao público por via eletrônica é a “colocação à disposição do público ou de
categorias de público, por um processo de comunicação eletrônica, de signos, sinais, escritos,
imagens, sons ou mensagens de toda natureza que não tem o caráter de uma correspondência
privada”.402
Segundo Diane de Bellescize e Laurence Franceschini, o elemento central da
definição normativa do serviço de televisão é a noção de “programa”, isto é, a seqüência
ordenada das emissões destinadas a ser recebidas simultaneamente pelo conjunto do
público ou por uma categoria de público.403
Conforme Francis Balle, nos termos da citada lei, a definição de serviços de
televisão exclui a hipótese de “emissões de imagens que consistam essencialmente em signos
gráficos ou numéricos ou imagens fixas”. Com isso, a lei não considera como serviços de
televisão “a difusão de documentos escritos mais ou menos ilustrados, que fornecem o
400 O texto legal em seu original é: "Article 2. [...] Est consideré comme service de télévision tout service de communication au public par voie électronique destiné à être reçu simultanément par l'ensemble du public ou par une catégorie de public et dont le programme principal est compose d'une suite ordonnée d'émissions comportant des images et des sons" [grifo nosso]. No âmbito do direito comunitário (Diretiva 89/552/CEE "Televisão sem Fronteiras" relativa à harmonização dos conteúdos), há a adoção do seguinte conceito de radiodifusão televisiva: "a emissão primária, com ou sem fio, por terra ou satélite, codificada ou não, de programas de televisão destinados ao público), da promoção da distribuição e produção de programas de televisão, proteção às obras européias, a publicidade e o patrocínio, a proteção de menores, o direito de réplica etc.".
401 Cf. art. 2.o da Lei n.o 86-1067 de 30 de setembro de 1986, modificado pela Lei n.o 2004-669 de 9 julho de 2004.
402 Cf. art. 2.o da Lei n.o 86-1067 de 30 de setembro de 1986, modificado pela Lei n.o 2004-669 de 9 julho de 2004.
403 BELLESCIZE; FRANCESCHINI, op. cit., p.137.
153
essencial do material da Internet”. Contudo, o enquadramento normativo de serviço de
televisão contempla a “difusão de serviços de rádio e de televisão pela Internet”.404
2.3. CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA E DIVERSIDADE DE REGIMES JURÍDICOS
DAS COMUNICAÇÕES ELETRÔNICAS
Importante destacar que a legislação francesa incorpora as diretrizes do direito
comunitário a respeito da regulação das tecnologias utilizadas para as comunicações.405 Nesse
sentido, um dos pressupostos do direito comunitário é a separação entre o tratamento da
infra-estrutura (redes eletrônicas de comunicação406) utilizadas para o transporte de dados e
os respectivos conteúdos (serviços de comunicação eletrônica407). Em razão do processo de
404 BALLE, op. cit., p.352.
405 Para Philippe Achilleás, o direito europeu substitui o termo "telecomunicações" por "comunicações eletrônicas", estabelecendo um conjunto normativo único para o conjunto das redes de transmissão e de serviços auxiliares. Segundo o autor, a função de transporte de conteúdos remete ao direito das telecomunicações, a partir de agora denominado "direito das comunicações eletrônicas", enquanto a função de edição e de fornecimento de conteúdos é regulamentada pelo "direito da comunicação audiovisual". Tal dicotomia decorre da diferente lógica subjacente aos dois conjuntos normativos: de um lado, a questão do transporte dos sinais está ligada ao direito da concorrência, de outro lado, a questão da edição em torno do conteúdo está ligada à manifestação da liberdade de comunicação e às exigências do pluralismo, bem como a luta contra os conteúdos ilícitos e nocivos. (ACHILLEÁS, Philippe. Le nouveau contexte juridique européen de la diffusion audiovisuelle. In Sous la direction de Thomas Paris: La libération audiovisuelle: enjeux technologiques, économiques et réglementaires. Paris: Dalloz, 2004, p. 108-109). 406 No âmbito do direito europeu, as redes de comunicações eletrônicas constituem: os sistemas de transmissão e, na hipótese, dos equipamentos de comutação e rotação e outros recursos que permitem o encaminhamento de sinais por cabo, por via hertziana, por meio ótico ou por outros meios eletromagnéticos, compreendendo as redes de satélites, as redes terrestres fixas (com comutação de circuitos ou de pacotes, e compreende internet) e móveis), os sistemas utilizando a rede elétrica, de modo que eles sirvam à transmissão de sinais, as redes utilizadas para a radiodifusão sonora e televisual e as redes de televisão a cabo, qualquer que seja o tipo de informação transmitida. Conforme Diretiva 2002/22/CE, do Parlamento europeu e do Conselho de 7 de março de 2002 relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicação (FRANCE. Communications électroniques et services de communication audiovisuelle. Paris: Les éditions des Journaux Officiels, 2004, p. 420). 407 No âmbito do direito europeu (Diretiva 2002/22/CE, do Parlamento europeu e do Conselho de 7 de março de 2002), há a seguinte definição de serviço de comunicação eletrônica: o serviço fornecido normalmente em contrapartida de remuneração que consiste inteiramente ou principalmente na transmissão de sinais sobre as redes de comunicações eletrônicas, e compreende os serviços de telecomunicações e os serviços de transmissão sobre redes utilizadas para a radiodifusão, mas que exclui os serviços que consistam no fornecimento de conteúdo de ajuda às redes e os serviços de comunicações eletrônicas ou que exerçam uma
154
convergência, entende-se que qualquer meio de comunicação pode vir a prestar, em princípio,
qualquer serviço de comunicação. O objetivo é o de promover a relativização das barreiras
entre os diversos meios de comunicação, para o fim de oferecer diversos serviços em um
regime competitivo, garantindo-se o pleno acesso às redes de comunicações eletrônicas.408
Parte-se aqui do pressuposto que há uma conexão de sentido essencial entre o
conceito de serviço de comunicação, aí incluído o conceito de televisão por radiodifusão,
e o regime jurídico aplicável à respectiva organização, gestão e controle do exercício
da atividade.
A definição ampla da comunicação audiovisual comprova, a par das diferenças
de utilização que justificam regimes jurídicos e modos de regulação distintos, que o
conjunto dos serviços colocados à disposição do público abrange os mesmos jogos de
conteúdos, notadamente em observância da formação das idéias e o acesso ao saber e à
cultura, e deve guardar respeito aos mesmos princípios (pluralismo, proteção de menores,
dignidade da pessoa, vida privada etc.).409
O princípio da neutralidade tecnológica é o guia da formulação dos diferentes
regimes jurídicos dos serviços de mesma natureza e conforme a apreciação de sua especificação
fundada sobre a escassez dos recursos radioelétricos. Diante disso, um primeiro nível de
neutralidade implica a aproximação entre os regimes jurídicos dos serviços audiovisuais
propostos ao público sobre os principais modos de difusão (hertziano terrestre, cabo e
satélite), permitindo notadamente a harmonização dos regimes jurídicos das televisões
locais hertzianas e os canais locais por cabo. Já um segundo nível de neutralidade implica a
consideração do conjunto dos modos de difusão, e compreende os serviços audiovisuais
online.
responsabilidade editorial sobre os conteúdos; ele não compreende os serviços da sociedade de informação na forma definida pelo artigo 1.o da diretiva 98/34/CE que não consistam inteiramente ou principalmente na transmissão de sinais sobre as redes de comunicação eletrônicas. Idem, p. 421.
408 Conforme explicação de Pierre Larouche, no âmbito do direito europeu, a evolução da regulação no contexto da convergência tecnológica apresenta três opções regulatórias: (i) construir um modelo baseado nas estruturas vigentes (o que não implica uma reforma substancial), (ii) desenvolver modelo regulatório separado para as novas atividades, de modo a coexistir com a regulação telecomunicações e a radiodifusão e (iii) progressivamente introduzir um novo modelo regulatório para cobrir integralmente os serviços existentes e os novos serviços (LAUROCHE, Pierre. Communications Convergence and Public Service Broadcasting. p.4. Disponível em: <http://www.infolab.kub.nl/uvtweb/bin.php3?id=00011353&mime= application/pdf&file=tilec/publications/larouche2.pdf>. Acesso em: 28.12.06). O referido autor questiona, ainda, a consistência desse parâmetro normativo de separação entre as redes e o conteúdo. Infelizmente, não há aqui tempo para detalhar esta questão, razão pela qual recomenda-se a consulta ao artigo acima referido.
409 CSA. Réponse du CSA à la consultation publique..., p.3.
155
A determinação do regime jurídico apropriado a cada espécie de serviço passa
por uma definição clara, que deve figurar na lei, dos critérios que permitem qualificar um
serviço de televisão. É útil uma definição que não se limite aos elementos técnicos mais
que diga respeito ao conteúdo e à finalidade do serviço e, notadamente, sobre a colocação à
disposição do público de imagens ou de sons, quaisquer que sejam as modalidades técnicas
de acesso aos respectivos serviços.
À frente será analisada a modelagem contemporânea do serviço de televisão por
radiodifusão no direito francês.
156
3 CONFIGURAÇÃO CONTEMPORÂNEA DA TELEVISÃO POR
RADIODIFUSÃO
3.1 BASES DO ESTATUTO DA RADIODIFUSÃO
A França possui um sistema de direitos fundamentais peculiar, eis que o mesmo
se encontra fora do texto de sua Constituição. Não há, assim, um catálogo extensivo dos
direitos fundamentais no texto constitucional, tal como ocorre no sistema brasileiro. Nesse
aspecto, o Preâmbulo da Constituição de 1958 faz remissão aos direitos definidos na
Declaração de 1789. A jurisdição constitucional é que tem contribuído para a evolução do
sistema de direitos fundamentais.410
Compete ao legislador a implantação dos direitos garantidos pela Constituição
francesa. Nesse sentido, a lei sobre a comunicação audiovisual de 20 de julho de 1982
garantiu, pela primeira vez, a comunicação audiovisual livre e pluralista. Depois, o referido
dispositivo foi alterado pela lei 30 de setembro de 1986 que se estendeu ao conjunto das
telecomunicações.411 E, ainda, posteriormente, houve a evolução legislativa no sentido de
410 Acerca do tema, consultar: MORANGE, Jean. Direitos humanos e liberdades públicas. 5.ed. rev. e ampl. Trad. Eveline Bouteiller. Barueri: Manole, 2004, p.67-72. Também, a respeito do processo de constitucionalização dos direitos e a expansão do direito constitucional, ver: CHEVALLIER, Jacques. L'État de Droit. Quatrième édition. Paris: Montchrestien, 2003, p.104.
411 A lei de 30 de setembro de 1986, ao disciplinar o conjunto das telecomunicações, manteve a noção de comunicação audiovisual. Segundo Charles Debbasch: "A especificidade da noção de comunicação audiovisual é garantida não pelo conteúdo das transmissões ou dos meios empregados, mas pelos destinatários da comunicação. A noção compreende toda colocação à disposição do público ou de categorias de públicos, sinais, mensagens, etc. não tendo um caráter de correspondência privada. Dessa maneira permanecem excluídos da comunicação audiovisual os serviços de mensagens, os serviços de caráter bancário, os serviços internos a um organismo. A noção engloba uma parte dos serviços de telemática." (DEBBASCH, op. cit., p.128).
157
adaptar a regulação, conforme o avançar do estado da técnica, tratando das comunicações
eletrônicas.412
Importante colocar a problemática em torno do serviço público de televisão em
face da Constituição da França de 1958 que, ao contrário de sua antecessora, não consagra o
princípio da criação e supressão de serviços públicos pelo legislador, pois tal matéria não
figura entre aquelas reservadas à competência legislativa. Também, não qualifica
diretamente o serviço de televisão como uma modalidade de serviço público. De qualquer
forma, é o Estado Francês que detém a competência para a criação de serviços públicos a
partir da avaliação do interesse geral.413
Além disso, o Conselho Constitucional não apresenta critérios seguros para a
determinação de um "serviço público constitucional". Malgrado isso, em certa ocasião, ele
decidiu que a televisão por via hertziana não é um "serviço público constitucional"414,
manifestou-se, também, em outro momento, que a televisão por radiodifusão tem por
objeto, principalmente, a comunicação de idéias e informações.415
O serviço público de televisão relaciona-se diretamente com a liberdade de
comunicação e o pluralismo de idéias e opiniões. Trata-se de uma garantia colocada pelo
legislador em favor dos dois referidos valores constitucionais protegidos pelo ordenamento
jurídico francês.
412 Trata-se da Lei n.o 2004-669 de 9 de julho de 2004, que alterou a Lei n.o 86/1067 de 1986 que introduziu novos conceitos no campo da comunicação que serão vistos no momento oportuno.
413 Cf. Jacquelin Morand-Deviller: "Antes da Constituição de 1958, a criação e a supressão de serviços públicos do Estado pertenciam ao domínio legislativo. O artigo 34 não menciona esta competência entre as matérias reservadas ao legislador e é, portanto, o poder regulamentar que a herda. O Parlamento mantém sua competência nos casos seguintes: restrição às liberdades fundamentais, criação de nova categoria de estabelecimentos públicos, nacionalização de empresas privadas." (MORAND-DEVILLER, Jacqueline. Cours de Droit Administratif. Sixième édition. Paris: Montchrestien, 1999, p.479). Em sentido análogo, outro autor, Joël Carbajo, explica que, antes da Constituição de 1958, entendia-se que a criação de serviços públicos nacionais era de competência do legislador, seja a criação, seja a autorização para a criação pela autoridade administrativa, o que implicava na limitação das liberdades individuais. A partir da Constituição de 1958, o autor entende que a autoridade administrativa não pode criar serviços públicos, independentemente de lei. É o legislador que detém a competência para criar serviços públicos, respeitando as regras de valor constitucional, em particular a livre iniciativa e a liberdade de comércio e indústria (CARBAJO, Joël. Droit des Services Publics. Troisième edition. Paris: Dalloz, 1997, p.30).
414 MARAIS, op. cit., p.81.
415 Conforme explicação de Charles Debbasch: "Na França, a Constituição de 4 de outubro de 1958 não contém nenhuma disposição especial relativa ao rádio e à televisão, mais o Conselho Constitucional reconhece que a radiodifusão-televisão françesa tem por objeto, notadamente, a comunicação de idéias e de informações e que ela implica uma liberdade pública." (DEBBASCH, op. cit., p.336).
158
Portanto, em termos de comunicação social, existem, basicamente, dois
princípios fundamentais: o da liberdade e do pluralismo a seguir analisados, especialmente
em sua relação com o serviço de televisão.
3.1.1 Princípios Fundamentais da Comunicação Audiovisual
3.1.1.1 Liberdade de Comunicação
A lei sobre a comunicação audiovisual de 1982 declarou que a “comunicação
audiovisual é livre”, expressão mantida na lei posterior relativa ao mesmo assunto de 1986.
Contudo, a própria legislação prevê que a liberdade de comunicação apenas pode
ser limitada na medida requerida para a proteção de outros princípios. Daí a necessidade de
compatibilização de seu exercício com outras liberdades públicas também protegidas pelo
direito francês, especialmente em face do respeito à dignidade da pessoa humana, direito
de propriedade, caráter pluralista da expressão das correntes de pensamento e de opiniões,
defesa da ordem pública, as necessidades de defesa nacional, exigência do serviço público
e a necessidade de desenvolvimento de uma indústria nacional de produção audiovisual.416
A França foi um dos países pioneiros na proclamação legislativa e no desenvolvimento
do conceito jurídico de liberdade de comunicação e do direito à comunicação.417 Trata-se
de um princípio de valor constitucional, ainda que não reconhecido expressamente pela
Constituição francesa, mas recepcionado pela Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789, comparável à liberdade de expressão da Primeira Emenda à Constituição
416 DEBBASCH, Charles, ob. cit., p. 128-130.
417 Cf. Laurence Franceschini: "A liberdade de comunicação enquanto manifestação da liberdade de expressão, foi qualificada como liberdade fundamental tanto na França, sua terra de origem, quanto em nível internacional." (FRANCESCHINI, Laurence. Droit de la Communication. Paris: Hachette Livre, 1996, p.7).
159
norte-americana.418 Além disso, a doutrina inclusive sustenta a existência do direito do
audiovisual e (ou) do direito da comunicação audiovisual, enquanto disciplina jurídica
autônoma em face dos demais ramos do direito.419
Aqui, há uma diferença substancial entre os modelos da França e do Brasil em
termos de organização do setor de televisão.
É que o direito francês (sequer contempla em sua Constituição a exigência da
prestação do serviço público de televisão), embora possua um regime de direitos fundamentais
fora do texto constitucional, estruturou o setor de radiodifusão, na forma da lei, a partir da
da liberdade de comunicação e do pluralismo.
Por sua vez, no direito brasileiro, em que pese a existência de um catálogo
extenso de direitos fundamentais no texto constitucional (inclusive contém a exigência da
prestação do serviço público de televisão), a organização da televisão por radiodifusão, na
forma da Lei n.o 4.117/62, não está devidamente estruturada a partir dos direitos, liberdades e
garantias fundamentais.
A seguir será visto o princípio do pluralismo em termos de organização do setor
televisivo.
3.1.1.2 Pluralismo
O princípio do pluralismo, apesar de não possuir assento constitucional, é reco-
nhecido pela legislação francesa no setor audiovisual. Serve como um importante fator de
organização setorial dos serviços de televisão, atuando como fundamento para a imposição
de obrigações para o setor público e privado de televisão, eis que se trata de um objetivo de
valor constitucional, conforme a doutrina francesa.420
418 Acerca do princípio da liberdade de comunicação no direito francês, ver: DERIEUX, Emmanuel. Droit des Médias. Paris: Dalloz, 1995, p.10-23. Sobre a problemática em torno da definição do direito à comunicação, conferir: BALLE, op. cit., p.207-208 e ALEXANDRINO, op. cit., p.282-287.
419 Conforme Bernard Stirn: "Direito recente, o direito da comunicação audiovisual é ainda instável. Mais pouco à pouco os princípios se afirmam, imperativo do respeito ao pluralismo das correntes de expressão socioculturais, regime de autorização para o conjunto dos serviços de comunicação audiovisual e limites à concentração, poder sancionador do Conselho Superior do Audiovisual. Sob as modalidades ainda susceptíveis de evolução, essas linhas diretrizes marcam o direito novo que se constroi." (STIRN, Bernard. Les Libertès en Question. Cinquième édition. Paris: Montchrestien, 2004, p.17-118). Ver, ainda, DEBBASCH, op. cit., p.5-7 e BELLESCIZE; FRANCESCHINI, op. cit., p.1-5.
420 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.104-118.
160
Sua evolução acompanha a noção de serviço público. Em um primeiro momento
histórico, o pluralismo encontra-se associado à figura do serviço público. Em um segundo
momento, o pluralismo encontra-se dissociado da mesma figura. Além disso, o serviço
público de televisão, ora aparece como uma garantia da liberdade de comunicação
audiovisual, ora como fator de sua negação.421
A lei de 1982 atende as reivindicações quanto à organização pluralista do
audiovisual. Isso decorre do direito dos cidadãos a uma comunicação audiovisual livre e
pluralista, razão pela qual o legislador pôs fim ao regime do monopólio estatal. Com o
reconhecimento de tal direito (à comunicação livre e pluralista), o pluralismo ficou no
mesmo nível da liberdade, tornando-se um dos aspectos da própria liberdade consagrada
na lei.422
Contudo, com o estatuto de 1986, a noção de pluralismo é submetida a uma
outra forma de relação com a liberdade de comunicação audiovisual, aparecendo como um
limite à referida liberdade, a par de outros princípios.423
No contexto da lei de 1982, o setor privado é considerado como de caráter
complementar do setor público. Não há, no entanto, uma fronteira nítida entre os dois
setores, mas, independentemente disso, a idéia de serviço público domina a comunicação
audiovisual. A sujeição do setor privado é fundamentada no interesse geral, se bem que o
pluralismo permanece atrelado ao serviço público, ou melhor, às missões de serviço público.424
Em verdade, o pluralismo encontra-se associado à noção material ou funcional
de serviço público, identificando-se com uma obrigação de serviço público, imposta
421 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.36-53.
422 Cf. art. 5 da lei de 29 de julho de 1982.
423 Segundo Begoña Chuliá, a análise jurídica do Convênio Europeu dos Direitos Humanos e das legislações nacionais permite extrair duas características do conceito de pluralismo: a) limitação do alcance da liberdade de expressão e b) garantia da diversidade informativa. Ela ainda aduz que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos considera o pluralismo como uma exceção do princípio da liberdade de expressão. Cf. El régimen jurídicio del sector audiovisual y de las telecommunicaciones. Un desafío para Europa. Granada: Editorial Comares, 2002, p. 509. E mais, conforme Marsden, o conceito de pluralismo têm várias acepções, em regra, associadas a três objetivos. Primeiro, a pluralidade ou diversidade do conteúdo. Segundo, a pluralidade ou diversidade da fonte, isto é, a a variedade de produtores de programas, editores ou proprietários. Terceiro, a pluralidade ou diversidade de encargos que se referem à variedade de serviços oferecidos em função da audiência (Cf. Convergence in European Digital Regulation, p.142, citada por CHULIÁ, op. cit., p.508).
424 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.60.
161
justamente em razão da execução de missões de serviço público. A noção de serviço
público permanece em vigor, contudo, abrangendo a abertura às iniciativas privadas.425
Nesse contexto, a organização do pluralismo e o acesso ao espaço radioelétrico
inserem-se nos quadros do serviço público; ele aparecendo como uma das garantias do
pluralismo e da liberdade de expressão em matéria audiovisual.426
Com o estatuto jurídico de 1986, há a passagem da denominação de serviço
público à noção de setor público, permanecendo a dimensão orgânica do serviço público.
A noção de pluralismo deve necessariamente evoluir e se emancipar da noção funcional de
serviço público, para se unir à liberdade de comunicação audiovisual afirmada pela lei.427
O desenvolvimento do pluralismo é, a partir de então, buscado fora dos quadros
do serviço público. O pluralismo dissocia-se da noção de serviço público para constituir
um limite necessário à liberdade de comunicação, um limite à lógica concorrencial
presente na lei. Tal concepção aparece na decisão do Conselho Constitucional relativa à lei
de 29 de julho de 1982.428
A partir da privatização do canal francês de televisão público TF1 (um fato
inédito na Europa), permitida pela referida lei, houve um novo delineamento para o
pluralismo que congrega duas acepções: o pluralismo externo (pluralidade de operadores
dos serviços de televisão) e o pluralismo interno (a diversidade na programação
audiovisual). Nesse sentido, a abertura do setor audiovisual e a constituição do setor
privado tornam-se imperativos prioritários decorrentes do pluralismo. Tanto o pluralismo
externo quanto o pluralismo interno visam indiretamente ao conteúdo, mais precisamente a
preservação da diversidade do conteúdo.429
Segundo Jean Morange:
Na realidade, a liberdade de expressão que se manifestará sobretudo pelo viés do
pluralismo, no setor privado, no modelo da liberdade da imprensa, desembocará
425 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.60.
426 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.61.
427 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.61.
428 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.61-62.
429 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.62
162
no setor público em um pluralismo mais limitado, temperado por uma certa
neutralidade e por um respeito das opiniões e das crenças.430
3.2. SETOR PRIVADO
3.2.1 Fim do Monopólio Estatal sobre os Serviços de Televisão por Radiodifusão
A partir da reforma legislativa de 1982, há o fim do monopólio estatal e a
inauguração de uma concorrência parcial no setor de televisão, com a afirmação da
liberdade de comunicação audiovisual. Contudo, isso não significa, de modo algum, a
garantia da livre iniciativa aos agentes econômicos em matéria de comunicação
audiovisual, eis que a entrada no mercado de televisão depende de um ato estatal.431 De
fato, o abandono do monopólio do Estado não representa, portanto, que a liberdade de
empresa seja, a partir de então, reconhecida em matéria audiovisual.432
A lei de 1982 permite a emergência do setor privado433, mas, ao mesmo tempo,
pretendeu reforçar o serviço público da comunicação audiovisual por televisão, tornando-
se um meio de expressão livre e pluralista. As condições de funcionamento do serviço público
da comunicação audiovisual encontravam-se ao lado das condições de acesso às infra-
estruturas e instalações de comunicação audiovisual e a Alta Autoridade como uma das
garantias da liberdade de comunicação audiovisual e dos respectivos direitos dela
decorrentes. Assim: “o conceito de serviço público permanece um dos fundamentos
essenciais para a organização da comunicação audiovisual”.434 A lei apoiava-se sobre
430 Cf. MORANGE, op. cit., p.351.
431 DEBBASCH, Charles, ob. cit., p. 119.
432 CHEVALLIER, Jacques. Constitution et communication, D. 1991, Chronique, p.251, citado em MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.63.
433 DELCROS (B.); VODAN (B.). Le régime des autorisations dans la loi relative à la liberté de communication. RFDA, p.386, 1987, citado em MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.52.
434 DERIEUX, Emmanuel. Le nouveau statut de la communication. RDP, p.340, 1987, citado por VESPIGNANI, op. cit., p.51. Apesar disso, há quem proclame que o serviço público é a partir então "uma estrela morta, isto uma estrela cuja luz chega ainda, mas que é morta". Cf. LEOTARD, François, Sénat 26 juin, in J.O. déb 2013, citado por VESPIGNANI, op. cit., p.51.
163
a idéia de que a liberdade de comunicação e o pluralismo somente poderiam ser
assegurados no marco do serviço público, com uma sólida televisão pública.435
O fim do monopólio estatal sobre o setor de radiodifusão decorreu do progresso
técnico que ampliou a oferta do número de programas, com o surgimento de novos meios
técnicos de distribuição de programas (cabo, satélite etc.). Além de razões técnicas, o seu
questionamento é feito com base no próprio princípio pluralismo. É que tal estatuto que
estava assimilado à empresa governamental era considerado como um obstáculo à
diversidade de opiniões. A garantia da qualidade dos programas e a diversidade da
expressão, suas principais justificativas, também constituíam para seus opositores os
motivos para sua abolição. A opinião pública requeria uma organização pluralista da
comunicação audiovisual.436
Diante disso, o regime de concorrência, que favorece muito mais a diversidade
das fontes de programas de televisão e a coexistência de canais privados e públicos, seria
mais benéfico à multiplicidade e às possibilidades de escolha. Nesse contexto, o público
destinatário da comunicação audiovisual não é mais visto exclusivamente sob o olhar de uma
concepção unificadora e homogênea (público-massa), mas sim uma concepção individualizante
haja vista a pluralidade dos públicos.437
Em seguida, será apresentada a evolução do regime de concorrência no direito
francês.
3.2.2 Adoção do Regime da Concorrência
435 ROSSINELLI, M., La liberté de la radio-télévision en droit comparé, p.103, citado por PAZ, op. cit., p.69.
436 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.54.
437 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.54-55. Jean Rivero afirma: "com a radiotelevisão a ótica muda; a liberdade de expressão, mais que um fim em si, aparece como um instrumento subordinado a uma liberdade mais fundamental; aquela que tem o telespectador de formar uma idéia autônoma" (Les libertés publiques. Paris, 1977, p.263, citado por VESPIGNANI, op. cit., p.44).
164
O regime de monopólio do setor audiovisual é substituído por um modelo de
concorrência. Em uma primeira fase, a concorrência é limitada (lei de 1982). Em uma
segunda fase (lei de 1986), ela é efetiva. A preocupação do legislador é proteger o
pluralismo, eis que ele é visto como protetor da dimensão local da comunicação social,
razão pela qual são elaboradas regras destinadas a impedir o reagrupamento das empresas
em vastas redes privadas, para evitar uma posição dominante no mercado, como também
exigindo a garantia de uma porcentagem mínima de programas próprios, ou seja, e não
comprados de terceiros, daí a identificação do pluralismo com o princípio da
descentralização.438
Com a lei de 30 de setembro de 1986, instala-se um estatuto jurídico de
concorrência total no setor de televisão. Os três objetivos principais eram: democrático –
garantir a independência da informação e do audiovisual em relação ao poder político, com
a criação de uma autoridade independente com competências reforçadas (Comissão
nacional da comunicação), em substituição à Alta Autoridade; objetivo cultural – a
instauração de um regime de concorrência entre o setor privado e público no campo do
audiovisual francês, com a minimização do papel estatal, mediante a privatização de um
canal público de televisão (TF1), e a redistribuição de canais de televisão privados (Canal
5 e TV 5), para desenvolver a criação audiovisual francesa; e, finalmente, o objetivo
econômico – a modernização e o estabelecimento da concorrência em matéria de
telecomunicações, mas sendo mantido e desenvolvido o setor público audiovisual.439
A referida lei objetivou o estabelecimento de uma competição efetiva no setor
de radiodifusão, reduzindo o peso do setor público audiovisual. Suprime-se o regime de
concessão de serviço público em proveito do regime de autorização administrativa,
finalizando a distinção entre serviços nacionais e locais. Esse novo regime representa
o abandono da concepção do setor audiovisual como um serviço público por sua
própria natureza e aceita a possibilidade de reconhecimento do pluralismo, conforme
diferentes modalidades, seja no setor público, seja no setor privado.440
438 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.59-60.
439 DEBBASCH, Charles, ob. cit., p.123.
440 MARCANGELO-LEOS, ob. cit., p.62.
165
O serviço público não é mais considerado uma garantia exclusiva da liberdade –
que agora repousa na livre iniciativa privada e na competição – senão uma exigência que
pode servir como um mecanismo de limitação da iniciativa privada.441
Os dispositivos da lei de 1986 sobre anticoncentração econômica foram julgados
insuficientes pelo Conselho Constitucional em termos de pluralismo, daí porque houve a
necessidade de uma nova lei para corrigir a falha da lei anterior.442 A lei foi submetida à
apreciação do referido órgão julgador haja vista as preocupações quanto à criação da
Alta Autoridade, o regime jurídico de utilização das freqüências hertzianas, a
privatização do canal TF1 e o pluralismo nos serviços de comunicação audiovisual.443
Sustentou-se a inconstitucionalidade da lei, afirmando-se que o espaço hertziano pertence
ao domínio público e que o serviço de comunicação audiovisual por sua própria natureza é
um serviço público que atende às exigências constitucionais. A lei que permitia a criação
de canais de televisão por via hertziana, sob o regime de autorização administrativa, era
inconstitucional, porque ao serviço de televisão só poderia ser aplicado o regime da
concessão de serviço público.444
O Conselho Constitucional considerou em parte constitucional a referida lei
(declarou a inconstitucionalidade, sob o aspecto do pluralismo, pela falta de regras
adequadas para a evitar a concentração econômica), eis que competia ao legislador:
conciliar ... o exercício da liberdade de comunicação tal qual ela resulta do artigo 11 da Declaração dos direitos do homem, com, de uma parte, as restrições técnicas inerentes aos meios de comunicação audiovisual e, de outra parte, os objetivos de valor constitucional que são a salvaguarda da ordem pública, o respeito da liberdade dos outros e a preservação do caráter pluralista das correntes de expressão socioculturais” ... “qualquer que seja a natureza jurídica do espaço hertziano, é permitido ao legislador submeter o setor privado da comunicação audiovisual a um
441 ROSSINELLI, M., La liberté de la radio-télévision en droit comparé. Publisud, 1991, p.108, citado por PAZ, op. cit., p.70.
442 CHULIÁ, op. cit., p.511.
443 Íntegra da Decisão n.o 86-217, de 18 de setembro 1986, do Conselho Constitucional Francês. Disponível em: <www.conseil-constitutionnel.fr/decision/1986/86217dc.htm>. Acesso em: 28 set. 2006.
444 Idem.
166
regime de autorização administrativa, sob a reserva da garantia dos objetivos de valor constitucional.445 [grifo nosso]
A seguir será apresentado o estudo sobre o setor público da comunicação social e
sua relação com o conceito de serviço público de televisão.
3.3 SETOR PÚBLICO
3.3.1 O instrumento preferencial para a execução do serviço público de comunicação
audiovisual
A lei francesa de 30 de setembro de 1986, que trata da liberdade de comunicação,
consagra o serviço público da comunicação audiovisual. Em verdade, em razão da crise
que afetou a noção de serviço público foi abandonada a concepção subjetiva (associação
da noção de serviço público com a idéia de Estado), permanecendo a concepção
material que jamais foi criticada.446 A par disso, a lei estabelece o setor público da
comunicação audiovisual como o instrumento privilegiado e preferencial para a execução
do serviço público da comunicação audiovisual, uma noção subjacente na lei.447
Conforme Charles Debbasch, as duas noções “serviço público de comunicação
audiovisual” e “setor público da comunicação audiovisual” foram assimiladas. Apesar de
não haver na lei de 1986 (ao contrário, a lei de 1982 referia-se à expressão “serviço público
de comunicação audiovisual”) uma referência expressa à noção de serviço público da
comunicação audiovisual, reconheceu-se o setor público da comunicação audiovisual como
uma fórmula capaz de agrupar as estruturas ligadas organicamente ao Estado (sociedades
em que o Estado detém a totalidade do capital), conforme discussão parlamentar sobre a
nova lei.448
Segundo o mesmo autor, a natureza do serviço público não foi especificada pelas
referidas leis. Contudo, extrai-se, a partir desses mesmos diplomas legais, a evidência de que
445 Idem.
446 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.66.
447 O setor público da comunicação audiovisual está regulado no Título III (artigos 43 a 57) da Lei n.o 86-1067 de 30 de setembro de 1986, alterada depois pela Lei n.o 2004-669 de julho de 2004.
448 DEBBASCH, op. cit., p.225.
167
o serviço público de comunicação audiovisual mantém sua natureza industrial e comercial.
No entanto, ele observa que, entre os anos de 1945 a 1964, o serviço de televisão por
radiodifusão foi simplesmente qualificado como serviço público administrativo.449
Atualmente, conforme a jurisprudência, a definição de serviço público exige a
conjunção de três critérios. Primeiro, o critério finalista ou funcional que implica a busca
de uma finalidade ou missão de interesse geral. Segundo, o critério material para o qual
existem prerrogativas de “puissance publique”, atribuídas a um organismo encarregado
dessa missão. Terceiro, um critério institucional que exige o controle exercido pela “puissance
publique” em função de uma necessidade social, sobre as modalidades de execução do
serviço público. Em razão disso, define-se serviço público como ”uma atividade de interesse
geral (primeiro critério), submetido a um regime jurídico particular (segundo critério) e
exercido sob o controle da ´puissance publique´” (terceiro critério).450
A identidade do serviço público de televisão é mutável, conforme o contexto em
que se encontra. Na visão clássica, ele está associado à televisão generalista. Entretanto,
na visão contemporânea, a noção de serviço público não é abandonada, ao contrário,
evolui a ponto de ser aplicada ao sistema audiovisual em que há a oferta de multi-
serviços e multicanais, gratuitos e pagos. De qualquer modo, a identidade da televisão
pública, encarregada, preferencialmente, de executar as missões de serviço público, tem como
referência os objetivos de qualidade, diversidade, pluralismo, transparência e inovação.451
3.3.2 “Missões de Serviço Público”
449 DEBBASCH, op. cit., p.227.
450 MARAIS, op. cit., p.79. Uma definição de serviço público similar é dada por Jacqueline Morand-Deviller: "On donnera du service public la définition suivante: c'est une activité d'intérêt général (1 critère), assurée soit par une personne publique, soit par une personne privée rattachée à une personne publique (2 critère) et soubmise à un régime juridique particulier (3 critère.)" (MORAND-DEVILLER, op. cit., p.468). O serviço público da comunicação audiovisual, como todo serviço público, está submetido aos princípios: da objetividade (evitar tomar partido em favor de uma tese ou de uma posição sobre uma questão controvertida – garantia de uma autoridade independente), igualdade (garantia de acesso igual ao meio de expressão, não se reduzindo apenas aos usuários do serviço), continuidade (garantia de um serviço mínimo à população) e adaptação (mudança do serviço em face da evolução tecnológica) (BELLESCIZE; FRANCESCHINI, op. cit., p.228-229).
451 MISSIKA, Jean-Louis. Les entreprises publiques de télévision et les missions de service públic. Rapport de mission au ministre de la culture et de la communication. Décembre 1997. p.19. p.29-33. Esta questão, também, será objeto de análise em face do direito brasileiro. Ver Capítulo V.
168
A noção de serviço público é uma das mais controvertidas no âmbito da
dogmática do direito administrativo. Entretanto, apesar desse fato, o direito francês não a
abandonou.452 Em verdade, em razão da complexidade em se precisar o conteúdo da noção
de serviço público, o legislador francês vale-se da expressão “missões de serviço público”,
enquanto mecanismo para aplicar o regime jurídico do serviço de televisão,
preferencialmente ao setor público.453
As grandes linhas que inspiram o legislador em sua definição das “missões do setor
público de televisão” são estas: a difusão de programas de televisão de cunho generalista
que informam, educam e divertem; o favorecimento da criação e da produção de obras
originais, e a expansão da oferta de programas e o desenvolvimento de novas técnicas de
produção e de difusão.454
A presença do serviço público audiovisual está contemplada em seu sentido
material na medida em que há a garantia da organização de serviço mínimo com a
referência às obrigações ou missões de serviço público.455
Ao contrário da lei de 1982, a lei de 1986 não estabeleceu um rol enumerativo
das missões que incumbem ao serviço público de comunicação audiovisual. Faz-se referência
às “missões de serviço público” das sociedades criadas pelo Estado francês (objeto de
análise logo a seguir), especialmente seu compromisso com a diversidade e o pluralismo, o
respeito aos direitos da pessoa e aos princípios democráticos definidos constitucionalmente.
Em razão dessas “missões de serviço público”, é que o setor público de comunicação
452 Para Guy Braibant e Bernard Stirn: “O serviço público, como todo direito administrativo, evolui em função de um contexto geral e a lista atual de exemplos concretos de serviços públicos não é a mesma que a do século XIX”. (Le Droit Administratif français, septième édition revue. Paris: Presses de Sciences PO et DALLOZ, 2005, p. 162).
453 Acerca do tema, ver: BELLESCIZE; FRANCESCHINI, op. cit., p.162-164, DEBBASCH, op. cit., p.227 e MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.71-78.
454 Cf. La politique de l'audiovisuel (1980-2004) – Le secteur public de l'audiovisuel. Disponível em: <www.vie-publique.fr/politiques-publiques/politique-audiovisuel/audiovisuel-public/>. Acesso em: 25 set. 2006. Segundo a doutrina, entre as obrigações de serviço público estão: a emissão de forma obrigatória de determinadas mensagens de utilidade social ou de interesse para a Administração do Estado; reservar parte do tempo total de emissão a grupos políticos e sociais significativos; respeitar cotas de emissão de programas de ficção europeus e de produtores independentes; destinar uma percentual das receitas ao financiamento de obras de ficção francesas; respeitar os limites temporais de emissão de publicidade mais restritos que os aplicados aos operadores privados (BERNAL, op. cit., p.213).
455 DEBBASCH, Charles. Ob. cit., p. 226-227.
169
audiovisual beneficia-se de um direito de prioridade quanto à necessidade e acesso
das freqüências suplementares ao cumprimento de suas missões.456
Além disso, faz-se referência que as sociedades nacionais de programas estão
submetidas às obrigações contidas em seus “cahiers des charges”457, “obrigações ligadas à
sua missão educativa, cultural e social”. Conforme Charles Debbasch:
Portanto, em seu funcionamento, aos serviços audiovisuais do setor público são atribuídas três missões principais: educativa, cultural e social que parecem bem constituir as missões de serviço público e que são consagradas pelos cahiers des charges.458
3.3.3 Mutação do Conceito de Serviço Público de Televisão e a Necessidade de Revisão
da Dogmática
Conforme a jurisprudência do Conselho Constitucional, nem a noção de
serviço público, nem a concessão administrativa são regimes jurídicos obrigatoriamente
aplicáveis à televisão, pois, não há nenhuma regra constitucional que promova tal
exigência.459
Segundo Santiago Muñoz Machado, a noção de serviço público não serviu para
impor maiores encargos sobre os canais públicos, conforme a jurisprudência européia. É
imprescindível que as necessidades comerciais dos canais privados sejam respeitadas para
que eles possam sobreviver no mercado. Daí porque as missões de serviço público têm de
ser compatibilizadas com o interesse privado, estando os operadores públicos à margem
dessa tensão.460
A França, a pátria da dogmática do serviço público, admitiu, por via legislativa,
o abandono da noção de serviço público no sentido de gestão de uma atividade de
456 BELLESCIZE; FRANCESCHINI, op. cit., p.159. O direito positivo brasileiro contempla solução parecida na medida em que consagra ao setor estatal o acesso prioritário das freqüências necessárias à realização dos serviços de televisão por radiodifusão.
457 O "cahier des charges" é o documento oficial que contém as obrigações ligadas à missão educativa, cultural e social, assim como aos imperativos de defesa nacional, da segurança pública e da comunicação governamental em tempos de crise (Cf. disposição do art. 98 da referida lei).
458 DEBBASCH, Charles. Ob. cit., p.227.
459 MACHADO, Santiago Muñoz. Servicio público y mercado. Madrid: Civitas, 1998. p.108.
460 MACHADO, Santiago Muñoz, ob. cit., p.149.
170
titularidade administrativa mediante a fórmula da concessão. Contudo, o país manteve, em
sua legislação e jurisprudência, a noção de serviço público em outro sentido jurídico, qual
seja, a indicação das missões educativas, culturais, de preservação e fomento do
patrimônio audiovisual francês.461
O surgimento da televisão privada operou uma verdadeira “mutação genética”
no conceito de serviço público de televisão. A par disso, acarretou também uma profunda
modificação na teoria do serviço público à medida que surgem novas televisões
comerciais que se valem de novas tecnologias, como é o caso do cabo e do satélite (que
não estão limitados ao espaço eletromagnético).462
Como já referido o setor público é o instrumento preferencial para a execução do
serviço público de radiodifusão. Resta saber as diferenças entre os regimes jurídicos dos
serviços de televisão por radiodifusão em relação aos setores público e o privado, o que
será visto a seguir.
3.3.4 Diferenciação entre os Regimes Jurídicos das Emissoras de Televisão dos Setores
Público e Privado: a Idéia de Pluralismo Cultural
Em sua concepção tradicional, a televisão pública está associada às missões de
serviço público de informar, educar e distrair. Ocorre que o desenvolvimento dessas missões
de serviço público, em um regime de concorrência, torna complexa a tarefa de delimitar a
distinção entre os canais de televisão públicos e os privados.463 Daí a questão: compete à
461 Idem.
462 VESPIGNANI, op. cit., p.173.
463 Segundo Jean-Louis Missika, em uma situação de monopólio estatal, há uma identidade entre a missão de serviço público e a entidade encarregada de sua execução. Em compensação em um regime de concorrência, uma empresa pública pode intervir sobre o mercado sem assumir ou assumindo ainda que parcialmente as missões de serviço público, sendo que tais missões podem ser regulamentadas e impostas às empresas privadas. Desse modo, a formulação de "missões específicas de serviço público" deve garantir a identidade das televisões públicas. Historicamente, no regime de monopólio estatal, o serviço público de televisão se afirmou, mediante a oferta de uma programação de caráter generalista para todos os públicos, como fator de unidade nacional e coesão social, sendo que seu modo de financiamento público repousa sobre a igualdade de todos. Entretanto, a segmentação temática e a busca de clientelas particulares constituem inovações estranhas à sua cultura originária. Nesse sentido, as televisões públicas são confrontadas com o desenvolvimento de atividades que elas não foram iniciadas ou jamais tiveram como referência. No contexto de um mercado organizado de serviços, a oferta temática, consideravelmente expandida graças ao desenvolvimento da técnica digital, impede que seja possível distinguir um espaço específico para as missões de serviço público (MISSIKA, op. cit., p.19).
171
autoridade reguladora do setor audiovisual definir as “regras gerais da programação de
televisão” dos canais de televisão privados em termos absolutamente idênticos aos canais
públicos, a fim de permitir aos telespectadores a “distração, a informação e a educação”?464
O setor público de televisão por radiodifusão deve distinguir-se do setor
privado de televisão pela maior preocupação com o pluralismo cultural em relação ao
pluralismo da informação.465 Ele tem por missão a promoção da elevada qualidade dos
programas, procurando alcançar um nível superior na difusão de diferentes gêneros,
promovendo as diferentes culturas, programas educativos e favorecendo o acesso ao maior
número de pessoas. Ainda, respondendo ao seu papel, no que tange ao desenvolvimento da
indústria audiovisual européia, assegurando a vida democrática, mediante o acesso dos
grupos políticos, encorajando o debate, a expressão de diferentes correntes de pensamento etc.466
O perfil do setor público de televisão deve aproximar-se de duas noções, a de
qualidade e a de diversidade de programas de televisão, mesmo com a fidelização de
amplas audiências e, também, o atendimento às minorias.467
Enfim, a legitimidade da televisão pública por radiodifusão, cuja questão do
conteúdo afeta a dimensão comunitária, depende da definição precisa das missões e
obrigações que a ela devem ser impostas. Somente uma abordagem específica do serviço
público permite romper a assimilação da televisão pública à programação comercial.
A intenção de tornar claras as missões do setor público, dando-se uma definição funcional,
parece ser uma afirmação ou reafirmação da noção material de serviço público. Daí a
necessidade de se repensar a oferta do setor público, notadamente pelo desenvolvimento de
464 MISSIKA, op. cit., p.19.
465 Evidentemente que há uma base normativa comum aos regimes jurídicos aplicáveis à televisão pública e à televisão privada. É que existem valores constitucionais que devem ser respeitados tanto pelas televisões públicas quanto pelas televisões privadas. O pluralismo, por exemplo, como uma das condições fundamentais da democracia, impõe-se aos meios de comunicação tanto públicos quanto privados. Trata-se de uma obrigação comum aos operadores públicos e aos operadores privados de televisão. O pluralismo passa pelo equilíbrio entre os setores público e privado, sendo que a coexistência de ambos os setores aumenta as escolhas para os telespectadores, desde que haja, obviamente, a não identificação entre os canais de televisão público e privado (MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.71-72).
466 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.71-72.
467 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.72.
172
uma oferta temática e a experimentação de novos serviços, com a modernização de seu
funcionamento.468
As missões gerais do setor público são detalhadas e referem-se à noção de
pluralismo, qualidade dos programas de televisão e inovação. O princípio do
pluralismo é identificado como uma missão do serviço público, em verdade, trata-se da
identidade material do setor público. Trata-se de uma noção mais ampla de pluralismo, eis
que compreende o pluralismo cultural, lingüístico, o pluralismo de informação, das correntes
de pensamento e de opinião. Nesse sentido, há convicção da parte do legislador que a
diversificação dos conteúdos exige um setor público forte; presente e atuante no
desenvolvimento de novas tecnologias.469
O serviço público tem inúmeros papéis a cumprir em face da digitalização terrestre,
a fim de permitir o acesso ao maior número pela cobertura do território ou pela gratuidade
dos novos canais e a garantia de criação de televisões de proximidade (tal questão será
objeto de tratamento específico mais à frente).470
3.3.5 Estruturação
O setor público da comunicação audiovisual francês é composto por diversas
entidades públicas e privadas, criadas pelo Estado Francês.471
A “France Télévisions” tem a função de definir as orientações estratégicas,
ordenar e promover as políticas em torno dos programas audiovisuais e a oferta de
serviços, objetivando a realização de ações de integração de novas técnicas de difusão e a
produção, cuidando do gerenciamento das demais sociedades que integram o setor público do
audiovisual. Trata-se de uma sociedade holding que agrupa outras sociedades de capital
integralmente estatal, cuja finalidade é a de produzir emissões de televisão pública,
468 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.74.
469 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.75.
470 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.76.
471 As entidades integrantes do setor público da comunicação audiovisual estão previstas no art. 44 da Lei nº 86-1067, de 30 de setembro de 1986, alterada pela Lei nº 2004-669. Acerca do tema, consultar: DEBBASCH, op. cit., p.226-265, BELLESCIZE; FRANCESCHINI, op. cit., p.159-162.
173
mediante a utilização de um meio técnico de emissão que são as ondas terrestres de cobertura
nacional.472
A “France 2” é uma sociedade nacional de programas de televisão encarregada da
produção e emissão de uma programação generalista para todo o território metropolitano,
voltada ao favorecimento da criação de produção de programas de televisão originais e a
garantia de uma informação nacional e internacional. A sua programação matinal de
domingo está reservada às emissões de caráter religioso dos principais cultos praticados na
França.473
A “France 3” tem por missão a concepção e programação de emissões de sinais
de televisão de âmbito nacional, regional e local, destinadas a todo ou a parte do território
metropolitano, em garantia a uma informação de proximidade, especificamente de
cobertura de eventos regionais e locais.474
A “France 5” está encarregada da concepção e da programação de emissões de
sinais de televisão de caráter educativo, de modo a favorecer o acesso ao conhecimento, à
formação e ao emprego, destinadas ao conjunto do território metropolitano, como também
à educação sobre a mídia.475
A “Réseau France outre-mer” volta-se à produção e à programação de
emissões de televisão e de rádio destinadas às coletividades francesas situadas em
territórios franceses de Ultramar e da Nova Caledônia.476
Por sua vez, a sociedade “ARTE-France” está encarregada de criar e fornecer
programas e meios necessários ao exercício do grupo europeu de interesse econômico
472 BERNAL, op. cit., p.209-211. A administração da "France Televisions" é feita por um Conselho de Administração que é composto por quatorze membros: dois parlamentares designados pela Assembléia Nacional e pelo Senado, cinco representantes do Estado e cinco personalidades qualificadas e nomeadas pelo Conselho Superior do Audiovisual (uma, no mínimo, do movimento sindical, outra, no mínimo, do mundo da criação ou produção audiovisual ou cinematográfica, e outra procedente do Ultramar francês) e dois representantes do pessoal escolhidos em conformidade com a lei de democratização do setor público. Idem.
473 BERNAL, op. cit., p.209-211.
474 Idem.
475 Idem.
476 Idem.
174
ARTE, decorrente do Tratado de outubro de 1990, a fim de instituir e manter um canal
cultural europeu, de caráter internacional.477
As relações entre o Estado francês e cada uma das entidades acima mencionadas
são regidas por contratos de objetivos e de meios, cuja duração varia entre três a
cinco anos. Tais contratos prevêem a observância das “missões de serviço público” para
cada sociedade ou estabelecimento público; especificamente determinam as prioridades em
termos de diversidade e inovação na criação audiovisual, o custo estimado no exercício
financeiro, o montante de recursos públicos afetados na execução dos serviços, a estimativa
de receitas próprias e as perspectivas econômicas em razão do retorno pelo pagamento
por serviços.478
3.3.6 Financiamento do Serviço Público
A França adota um modelo misto para o financiamento do serviço de televisão
executado pelo setor público. Destarte, ele apóia-se nas taxas pagas pelos cidadãos por
possuírem aparelhos de televisão e as receitas decorrentes da publicidade junto ao mercado
publicitário.479
As diversas restrições à obtenção de receitas publicitárias impostas às sociedades
nacionais de programação, que atendem as necessidades do serviço público, são
compensadas pela garantia da fonte de financiamento, mediante o recebimento de valores,
a título de taxas cobradas pelo Estado. Acontece que, freqüentemente, as televisões
públicas buscam priorizar a receitas no mercado publicitário, mediante a concorrência com
as televisões privadas, o que compromete as funções de serviço público.480
477Idem. A par das sociedades encarregadas da produção e difusão de programas de televisão, há o Instituto Nacional do Audiovisual, um estabelecimento público do Estado dedicado à preservação do patrimônio audiovisual nacional.
478 BELLESCIZE; FRANCESCHINI, op. cit., p.164-165. 479 BERNAL, op. cit., p.348-349. A cada ano, o Parlamento, quando da votação da lei orçamentária, autoriza arrecadação da taxa pelo uso do “direito à imagem” e aprova a repartição das receitas públicas entre as referidas sociedades e o estabelecimento público acima mencionado. Nesse momento, pode ocorrer a fiscalização do atendimento dos contratos plurianuais firmados com as sociedades de programação, verificando-se o cumprimento dos objetivos e definindo-se novos meios econômicos.
480 BERNAL, op. cit., p.348-349..
175
Por outro lado, com a ampliação do número de canais de televisão devido à
digitalização, põe-se a questão crucial quanto aos meios financeiros colocados à disposição
do setor público. A lei mantém o financiamento, mediante a cobrança de um imposto, e,
também, prevê a restrição às receitas publicitárias. Garante-se, portanto, o auxílio público
de caráter financeiro, evitando-se a submissão do setor público a critérios relativos à
audiência e considerações comerciais dela decorrentes.481
3.4 TERCEIRO SETOR AUDIOVISUAL: A TELEVISÃO LOCAL ASSOCIATIVA
3.4.1 Delimitação do Sentido pela Doutrina
Não há propriamente uma definição legislativa do que seja televisão associativa
local (“télévision associative locale”), na qualidade de espécie do serviço de televisão local.
É possível, entretanto, apontar algumas idéias ligadas à expressão “televisão associativa
local” acompanhando as lições da doutrina francesa. Em verdade, a interpretação a respeito
do “serviço de vocação local” é objeto de controvérsias, o que acarreta problemas na aplicação
da legislação do setor audiovisual.482
Para Karine Favro, “a televisão de proximidade é o meio de valorizar a informação,
a cultura local e a regional, em uma dimensão pluralista distinta daquela que se encontra
sobre os canais nacionais, permitindo às correntes de pensamento socioculturais minoritárias
acessar à televisão”.483 A autora ainda aduz:
a proximidade procede então do vínculo que ela estabelece com o telespectador
tratando o conteúdo dos programas a respeito das questões que lhe preocupam. A
consideração da dimensão cidadã pela televisão de proximidade resulta da
manutenção do vínculo social mediante a mensagem difundida.484
481 BERNAL, op. cit., p.76.
482 A legislação francesa, a par de não definir expressamente o serviço de televisão local, não prevê um setor público local com a missão de atender o interesse geral, a expressão e a formação das opiniões. Entretanto, a lei sobre as comunicações eletrônicas de 9 de julho de 2004 garante às coletividades territoriais a possibilidade de explorar os canais locais de televisão a cabo. Sobre isso, consultar: MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.171.
483 FAVRO, op. cit., p.329.
484 FAVRO, op. cit., p.329.
176
Outro autor francês, Philie Marcangelo-Leos, explica:
a noção de ‘proximidade’ aplicada ao audiovisual reflete uma diversidade de
aproximações e significações. Ela pode ser compreendida como uma proximidade geográfica, mas principalmente como uma proximidade com o público e suas expectativas.485[grifo nosso]
A proximidade da televisão com o público decorre das transformações advindas
do desenvolvimento tecnológico (conceito de interatividade) que dão ao telespectador a
possibilidade de agir sobre a grade de programação e que contribuem à sua respectiva
participação, o que implica uma programação mais personalizada e à modificação dos modelos
de consumo da mensagem audiovisual. Assim, a proximidade inclui o fenômeno das televisões
locais, constituindo em melhor mecanismo para a abertura aos meios de expressão, a
confrontação das idéias e opiniões e a participação dos telespectadores.486 As televisões
locais podem ter um papel de formação e de integração, constituindo uma alternativa às
dimensões lúdicas e espetaculares das mídias nacionais.487
Existem diversos critérios que podem ser utilizados para a caracterização
da televisão de âmbito local: geográfico, vínculo sociocultural ou caráter local do
serviço ou dos programas de televisão. A televisão local parece ajustar-se às diversas
concepções dadas à noção de proximidade, sendo essa a “expressão de uma comunidade
algumas vezes geográfica, social e cultural, suscetível de corresponder a formas novas de
participação dos cidadãos”.488 Segundo o CSA, as televisões de proximidade “podem ser
criadoras de vínculo social e instrumento da cidadania, e a esse título assumir projetos
sociais e educativos realizados localmente”.489
O terceiro setor do audiovisual diferencia-se do primeiro setor (setor público) e
do segundo setor (setor privado). Daí porque se diz que a televisão associativa local
pertence ao terceiro setor audiovisual, eis que sua atividade é sem fins lucrativos (não é
485 FAVRO, op. cit., p.329.
486 MARCANGELO-LEOS, ob. cit., p.163-164.
487 MARCANGELO-LEOS, ob. cit., p.173.
488 MARCANGELO-LEOS, ob. cit., p.164.
489 CSA, Les télévisions de proximité. Les Études du CSA, juin 1996, p.10, citado em MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.164.
177
uma atividade de mercado) e não é explorada por uma empresa e (ou) órgão administrativo
criados pelo Estado (não é uma atividade estatal).490
Em verdade, o modelo de televisão associativa local não se identifica com o
modelo de serviço público (televisão pública estatal) e nem com a televisão comercial.
Trata-se de um espaço na paisagem audiovisual francesa aberto às novas formas de
participação e expressão dos cidadãos que decorre da repartição democrática de
freqüências. Com efeito, como visto, o elemento central para a sua definição é a presença
de uma associação encarregada da gestão e controle de um canal de televisão por
radiodifusão. Ela não se confunde com o setor privado de radiodifusão, onde há a
possibilidade de inserção de conteúdos locais na programação das redes nacionais de
televisão e a previsão de emissoras de televisão de âmbito local, porém com fins lucrativos.
3.4.2 Participação de Associações e Necessidade de Flexibilização do Regime Jurídico
As televisões locais permanentes obedecem a um regime jurídico similar às
televisões nacionais. Entretanto, esse alinhamento dos estatuto é muito rígido a ponto de
conciliar-se mal com as iniciativas locais. Por exemplo, as televisões locais hertzianas
difundidas na forma analógica e no modo digital são submetidas ao mesmo procedimento
de seleção de candidatos.491
Somente a partir de 2002 é que foram respeitadas as iniciativas populares das
associações, mais próximas dos cidadãos, de acesso ao procedimento de autorização.
Diante desse problema de equiparação dos regimes jurídicos, defende-se, a fim de
permitir uma maior expansão da televisão local, a modificação da legislação com a
diferenciação dos regimes jurídicos do serviço de televisão local em face do nacional.492
A lei prevê que:
O CSA cuida, sobre o conjunto do território, a que uma parte suficiente dos
recursos de freqüências seja atribuído aos serviços editados por uma associação e
acompanhando uma missão de comunicação social de proximidade, entendida
490 Para uma visão completa, sobre essa questão conferir: MARCANGELO-LEOS, ob. cit., p. 163-174, e
FAVRO, ob. cit., p. 319-338.
491 FAVRO, op. cit., p.334, 335 e 336.
492 FAVRO, op. cit., p.334-338.
178
como em termos de favorecimento das trocas entre os grupos sociais e culturais,
a expressão das diferentes correntes socioculturais, a sustentação do desenvolvimento
local, a proteção do ambiente ou a luta contra a exclusão.493 [grifo nosso]
Em função do bloqueio quanto ao florescimento da televisão local de caráter
associativo, a lei de agosto de 2002 introduziu dispositivos específicos favoráveis ao
desenvolvimento da televisão local associativa. A lei abre a possibilidade para as
associações explorarem uma televisão local permanente (não limitando mais a autorização
para sociedades comerciais), no contexto de um procedimento de seleção pública dos
candidatos que é conduzido pelo CSA.494 A abertura legal às associações para se
candidatarem à atribuição de freqüências hertzianas terrestres é uma forma de
democratizar o acesso aos meios de expressão e que assegura um passo decisivo para
a emergência de um terceiro setor.495
Além disso, o artigo 30 da lei conclama o CSA a levar em consideração:
“as necessidades do recurso radiolétrico próprio a assegurar o desenvolvimento da
televisão na forma digital e a necessidade de desenvolvimento em particular dos serviços
de televisão de vocação local”. E mais, o artigo 30-1 define as condições de desenvolvimento
da televisão digital terrestre e, em particular, os canais locais digitais:
O Conselho superior do audiovisual define as categorias de serviços e lança um
chamado aos candidatos, cuja zona geográfica equivale ao conjunto do território
metropolitano para os serviços de vocação nacional. Para os serviços de vocação
local, as zonas geográficas são previamente determinadas pelo Conselho superior
do audiovisual.496
493 Cf. art. 29 da Lei n.o 86-1067, de 30 de setembro de 1986, alterada pela Lei n.o 2004-669 de julho de 2004.
494 Texto do CSA denominado Le développement des télévisions locales encontrado em: <www.ddm.gouv.fr/ article.php3?id_article=636>. Acesso em: 27 out. 2006.
495 É o que manifesta Philie Marcangelo-Leos: "En ouvrant la possibilité aux associations de se porter candidates à l'attribution de fréquences hertziennes terrestres, le législateur démocratise l'accés aux moyens d'expression et franchit un pas décisif pour l'emergence d'un tiers secteur." (MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.166).
496 Cf. art. 30-1 da Lei n.o 86-1067, de 30 de setembro de 1986, alterada pela Lei n.o 2004-669 de julho de 2004.
179
No procedimento de outorga das autorizações o CSA deve cuidar para “favorecer
os serviços de vocação local, notadamente aqueles que consistam na retomada dos serviços
locais convencionados no art. 33-1”.497
Nesse contexto, o CSA reconhece a legitimidade da televisão local associativa
que responde à exigência essencial do pluralismo e que serve à democracia de proximidade
e à vida na cidade. O papel do CSA é o de, na medida do planejamento das freqüências,
alocar os recursos radioelétricos necessários para o desenvolvimento dos serviços locais
por zona de cobertura. A partir daí ele deve realizar uma convocação pública das
associações potencialmente interessadas na prestação do serviço de televisão de vocação
local. Sua importante função é, portanto, garantir a concretização do pluralismo das
correntes de idéias e de opiniões, mediante o adequado desenvolvimento das televisões
locais associativas.498
3.4.3 Financiamento
Um dos principais obstáculos ao desenvolvimento da televisão local é a questão
relativa ao financiamento, pois, a lei não prevê os recursos necessários. Ao contrário, a lei
interdita a publicidade para o setor de distribuição, e permite de modo restrito a participação
das coletividades locais no processo de criação e exploração de um canal local.499 Entretanto, a
fim de garantir o desenvolvimento das televisões locais, o governo optou pela abertura da
publicidade televisiva ao setor de distribuição, mas de modo parcial, eis que limitada aos
canais locais por cabo e por satélite, excluídos os canais de televisão por radiodifusão.500
Em relação a esse aspecto, uma das alternativas é a criação de um fundo estatal
de ajuda quanto à produção local. Sobre isso, o CSA avaliou que “a emergência de um
setor de televisão local e de proximidade, responde a uma expectativa forte, justifica a
497 Cf. Lei n.o 86-1067 de 30 de setembro de 1986, atualizada pela Lei n.o 2004-669 de 9 de julho de 2004. Por último, o art. 59 da lei de agosto de 2000 exige do governo que "em um prazo de um ano a entregar ao Parlamento um relatório que apresentará as possibilidades de desenvolvimento das televisões cidadãs de proximidade". [grifo nosso]
498 Texto Interventions publiques. Quel avenir pour les télévisions associatives?, encontrado em: <www.prod-csa.integra.fr/actualite/interventions/interventions_detail.php?id+5923&chap=1948>. Acesso em 27 out. 2006.
499 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.169.
500 MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.170.
180
criação de um fundo de financiamento específico”. Acontece que tal sistema de subvenção
pode ocasionar riscos em termos de instrumentalização da televisão para fins de propaganda
eleitoral. A questão essencial gira em torno do tipo de televisão local, isto é, saber se as
televisões locais têm “os meios de desenvolver uma especificidade em seus programas, de
desenvolver uma comunicação autenticamente local, de conquistar a independência
econômica, financeira e política”.501
A seguir será analisada a função do Conselho Superior do Audiovisual no
sistema regulatório francês em relação aos serviços de televisão por radiodifusão.
3.5 CONSELHO SUPERIOR DO AUDIOVISUAL
3.5.1 Organização
A idéia de garantir a independência do setor de comunicação audiovisual em face
do poder político, mediante a instituição de uma autoridade reguladora independente foi
concretizada, originariamente, no ano de 1982, com a criação da Haute Autorité
encarregada da proteção ao princípio da liberdade de comunicação social, incluindo a
regulação tanto da comunicação audiovisual quanto das telecomunicações.502 Com a lei de
1986, foi criada a Comission nationale de la communication et des libertés - CNCL, como
sucessora da Haute Autorité, e diferentemente desta, incompetente para tratar do setor de
telecomunicações, mas tão-somente para tratar do setor audiovisual, especificamente a
competência para outorgar autorizações.503
501 LAFRANCE (J.-P), SIMON (J.-P). Les télévisions locales en France, Pouvoirs, n.51, PUF, 1989, p.72, citado em MARCANGELO-LEOS, op. cit., p.173. A televisão local sofreu um processo de consulta pública lançada pelo CSA em outubro de 2005 para a utilização de freqüências na região de Paris, recebendo trinta e cinco contribuições. A sua evolução e consolidação é uma prioridade para o Conselho Superior do Audiovisual.
502 DEBBASCH, op. cit., p.211.
503 VESPIGNANI, op. cit., p.37. Observe-se que na França, atualmente, também há uma autoridade administrativa reguladora do setor de telecomunicações e dos serviços postais (originariamente, L'Autorité de Régulation des Télécommunications (ART) que, mediante a lei de 1996, foi transformada na Autorité de Régulation des Communications Electroniques et des Postes – ARCEP) e uma outra autoridade reguladora do
181
Em 1989, é instituído o Conselho Superior do Audiovisual (CSA – em substituição ao
CNCL), uma autoridade administrativa independente encarregada da regulação do setor
audiovisual na França, composta por nove membros nomeados por decreto do Presidente
da República (três membros designados pelo Presidente da República, três pelo Presidente
da Assembléia Nacional e pelo Presidente do Senado), cujo mandato é de seis anos
irrevogáveis e não renováveis. 504
3.5.2 Competências
O Conselho Superior do Audiovisual é uma autoridade reguladora independente
que tem por função a garantia do exercício da liberdade de comunicação, o respeito pelos
editores de princípios fundamentais (dignidade da pessoa humana, ordem pública e
expressão pluralista das correntes de opinião, honestidade da informação), a proteção da
infância e da adolescência, a comunicação publicitária, tele-compras, patrocínio, regime de
difusão de obras cinematográficas e audiovisuais, defesa da língua francesa, a utilização
das freqüências radioelétricas etc.505
O CSA tem, entre outras, as seguintes competências: nomeação de cinco
personalidades qualificadas no conselho de administração da France Télévisions, como
espectro radioelétrico (Agence Nationale des Fréquences – ANFR, criada pela lei de telecomunicações de 26 de julho de 1996).
504 DEBBASCH, Charles, ob. cit., p.347. A independência dos membros do CSA é garantida, além do mandato, pelo regime de incompatibilidade com mandato eletivo, emprego público e qualquer outra atividade profissional. Eles não podem receber honorários (salvo aqueles anteriores ao exercício do mandato no CSA), nem deter interesses em uma empresa de audiovisual, cinema, imprensa, publicidade ou telecomunicações. Até cinco anos após o exercício do mandato, os ex-membros do CSA não podem receber participações por trabalho, conselho ou capitais nas empresas audiovisuais ou na imprensa escrita.
505 BALLE, op. cit., p.353. Com a criação do Conselho Superior do Audiovisual Francês há certo retrocesso em relação à fórmula originária da Comissão nacional de comunicação e liberdades, haja vista a diminuição de seus poderes e a respectiva transferência ao governo. Não lhe foi atribuído, portanto, competência regulamentar tendo em vista restrição imposta pela jurisprudência do Conselho de Estado (VESPIGNANI, op. cit., p.38). Conferir, também, BELLESCIZE; FRANCESCHINI, op. cit., p.149. A competência do CSA quanto à disciplina da utilização do espectro radioelétrico, para fins de prestação de serviços de comunicação audiovisual, não se confunde com a competência da Agência Nacional de Freqüências (Agence Nationale des Fréquences – ANFR). Esta última agência reguladora é a responsável pela coordenação do espectro radioelétrico entre os diversos entes, aos quais se tenha atribuído freqüências para a emissão, como é o caso do CSA. Entre outras funções, compete à ANFR: garantir a gestão eficaz do espectro radioelétrico e elaborar propostas de melhoria de sua utilização, coordenação o posicionamento francês nas negociações internacionais relativas ao uso do espaço radioelétrico, coordenar a implantação no território nacional de estações radioelétricas, organização e coordenar o controle de utilização de freqüências, manter um fundo de gestão do espaço radioelétrico para facilitar a evolução no uso das freqüências (BERNAL, op. cit., p.479).
182
também promove nomeações em outros estabelecimentos públicos do setor audiovisual,
elaboração de regras sobre sua organização administrativa, das condições técnicas de
utilização das freqüências, exercício do direito de réplica, emissões de expressão direta, o
código deontológico aplicável a seus membros, monitoramento do conteúdo da prestação
do serviço de televisão, como também tem um papel consultivo em relação ao parlamento
e ao governo, na proposição de leis ou regulamentos em matéria de radiodifusão, e a
aplicação de diversas sanções aos operadores, distribuidores e editores dos serviços de rádio e
de televisão etc.506
Também, a autoridade reguladora tem por competência a atribuição de autorização
para o uso de bandas de freqüências para os serviços de comunicação audiovisual difundidos
por via hertziana terrestre (rádios locais, televisões nacionais e locais).507
Importante destacar que, com o novo marco jurídico, houve a unificação do
regime de distribuição de serviços (redes de cabo, satélites e demais operadores de TV por
ADSL) com o regime do serviço de rádio e televisão. Nesse contexto, a lei confere a
competência ao CSA para regular esses diferentes tipos de serviços de comunicação
audiovisual. A sua atuação incide sobre os difusores de rádio e de televisão do setor
privado e do público, como também os distribuidores dos serviços de rádio e de televisão.
Sua competência limita-se, no entanto, aos “verdadeiros” serviços de rádio e de televisão,
independentemente do meio técnico adotado para a difusão do sinal. É possível que o CSA
autorize a utilização de uma “freqüência audiovisual” para a prestação de serviços de
comunicação eletrônica (principalmente, telefonia), depois de aviso conforme a ARCEP
(autoridade de telecomunicações e serviços postais).508
Todos os distribuidores de serviços de comunicação que fazem uso de uma rede
de comunicação eletrônica, que não utiliza as freqüências radioelétricas, estão submetidos
a um regime de declaração prévia, excetuado o caso dos serviços que servem menos de
cem lares que estão dispensados dessa exigência. Pôs-se fim ao regime de autorização para
506 BALLE, op. cit., p.349.
507 BALLE, op. cit., p. 351-352.
508 BALLE, op. cit., p.352.
183
a instalação de redes de cabo em comunidades, substituído por um regime de declaração
prévia junto à ARCEP.509
3.5.3 Regime Jurídico das Autorizações
3.5.3.1 Autorização como ato administrativo
Com a edição de um novo marco jurídico, as concessões para a execução do serviço
de televisão foram convertidas em autorizações administrativas.510 De fato, apesar de a lei
ter reconhecido a liberdade de comunicação, isso não afastou a intervenção administrativa
sobre o serviço de televisão, com a imposição da autorização como título jurídico de
habilitação da emissão de sinais de televisão, mediante o uso das freqüências
radioelétricas.511
Com efeito, a nova lei do setor audiovisual de 1986 modificou o estatuto dos canais
de televisão hertzianas de âmbito nacional à medida que adotou o regime de autorizações
administrativas. Daí houve a necessidade de adaptação dos contratos de concessão então
509 BALLE, op. cit., p.356.
510 Cf. Lei n.o 86-1067 de 30 de setembro 1986, modificada pela Lei n.o 2004-669 de 9 de julho de 2004.
511 Conforme explicação de André de Laubadère e Jean-Claude Venezia: “Diferentemente da declaração prévia, a autorização prévia deixa, em princípio, a autoridade administrativa livre para apreciar se a atividade poderá ou não ser exercida. Ela apresenta um caráter notadamente restritivo do exercício de liberdades públicas e representa uma das técnicas preventivas”. Segundo, ainda, os referidos autores: “Os regimes de autorização prévia são muito diversificados no momento atual e não oferecem todos as mesmas respostas às três questões que impõe a autorização prévia: aquela referente à sua outorga, aquela de seu conteúdo e aquela de sua transferência”. (Droit Administratif, tome 3, sexième édition. Paris: Librairie générale de droit et jurisprudence, 1997, p. 22-23)
184
vigentes em face das modificações legais supervenientes. Sobre o assunto, Francis Balle
ensina:
[...] De outra parte, a lei de 1986 suprime o regime da concessão de serviço público, elemento fundamental da lei de 1982, para a substituir por uma competência geral de autorização de exploração, atribuída pela CNCL (hoje CSA), para todos os serviços difundidos por via hertziana, nacionais como locais, terrestres como por satélite. O regime de autorizações escapa totalmente do governo, pois pressupõe a adoção de um procedimento sistemático de concurso público (art. 29 et s).512
Na tradição francesa, o regime de autorização se inscreve no regime geral do ato
administrativo unilateral. Entretanto, tal regime oferece menos garantias ao operador
privado do que o contratual. Ademais, a autorização para a execução do serviço de
televisão refere-se a uma atividade privada, não se confundindo com a autorização para a
execução de um serviço público.513
3.5.3.2 Direito de Uso de Freqüência
O titular de uma autorização administrativa não é proprietário de uma freqüência
radioelétrica, não possuindo o direito definitivo de ocupar uma determinada freqüência,
mas tão-somente o direito à sua utilização em certo período de tempo. Ele se encontra na
situação jurídica de ocupante do domínio público, submetido à lei que trata dos respectivos
princípios gerais de utilização.514
A autorização administrativa para a ocupação do domínio público, referente à
utilização das freqüências radioelétricas, é regida conforme os princípios da precariedade e
mutabilidade. Não há, portanto, um direito definitivo à ocupação da freqüência necessária
à realização do serviço de televisão. Ela é precária e revogável, razão pela qual pode ser
512 BALLE, op. cit., p.346.
513 Existem dois regimes em torno da autorização. Primeiro, o regime de polícia econômica que está encarregado de regulamentar uma atividade dos particulares para garantir a manutenção da ordem pública. Segundo, o regime de autorizações para a execução de serviço público em que a autoridade pública considera uma atividade como serviço público, no entanto, não justifica a execução direta pelo poder público. Explica Bertrand du Marais que a distinção entre o poder de polícia econômica e a execução do serviço público, segundo um regime de autorização, tende a desaparecer em face da evolução atual em torno da regulação dos mercados mediante a atuação de um regulador independente. Sobre esse assunto e as diferenças entre o regime de autorização e o regime contratual no direito francês, conferir: MARAIS, op. cit., p.450-453.
514 Cf. art. 22 da Lei n.o 86-1067 de 30 de setembro de 1986.
185
cancelada antes do prazo final por motivos de interesse geral. Nessa hipótese, o titular da
autorização pode obter uma reparação pelo prejuízo que venha a sofrer em razão do ato de
cancelamento da respectiva autorização.515
O Conselho Superior do Audiovisual promoveu, no ano de 2002, a modificação
da alocação de freqüências disponibilizadas para a execução dos serviços de televisão na
forma analógica hertziana. Tal medida conduziu à discussão de sua legalidade pelos canais
TF1 e M6 junto ao Conselho de Estado que, ao final, decidiu:
resulta das disposições [artigos 21, 22 e 25 da lei de 30 de setembro de 1986],
assim como dos princípios relativos às ocupações privativas do domínio público,
que compete ao Conselho Superior do Audiovisual, agindo, sob o controle do
juiz administrativo, mediante decisões unilaterais, distintas das ‘convenções’
previstas no artigo 28 da lei de 30 de setembro de 1986, outorgar as autorizações
para a utilização de freqüências radiolétricas, adaptar as obrigações apropriadas
e, se for o caso, modificá-las.516
As freqüências radioelétricas constituem um dos elementos do espaço hertziano,
sendo utilizadas para a propagação de diversos sinais, entre eles: o de televisão. Na França,
a natureza jurídica do espaço hertziano ficou durante longo tempo indefinida em razão de
assimilação da radiodifusão ao telégrafo e à aplicação da noção de serviço público. O
progresso técnico renovou as discussões em torno das concepções jurídicas a respeito do
domínio público.
Nesse sentido, há a controvérsia doutrinária sobre a questão, eis que, de um lado,
afirma-se que o espaço hertziano é uma res communis, isto é, uma coisa que não pertence a
515 DEBBASCH, op. cit., p.141. O caráter precário da autorização decorre do fato de que se trata de uso de domínio público, o qual é regido pelos princípios da inalienabilidade e imprescritibilidade e garantido pelo princípio de valor constitucional de proteção ao patrimônio público. Tais princípios referentes ao domínio público não impedem a realização de transações sobre o domínio público ou sobre os ativos sobre ele situados (MARAIS, op. cit., p.572). Em regra, no direito francês os titulares de autorização ou licenças beneficiam-se do princípio da intangibilidade dos atos individuais criadores de direito. Ocorre que, no caso da autorização para uso do domínio público, não há, propriamente, a criação de um direito definitivo à utilização da freqüência necessária à prestação do serviço de televisão. Ao contrário, há, certamente, a criação de um direito à utilização do espaço radioelétrico com duração limitada no tempo. Um ato individual mesmo criador de direito pode ser retirado, conforme decisão do Conselho de Estado. Cf. CE, Dame Cachet, novembro de 1992, Commune de Plubennec, 4 de fevereiro de 1983, e Ville de Charleville-Mézières, outubro de 1991. Sobre o regime das autorizações, conferir: MARAIS, op. cit., p.452. Conferir, também, www.ddm.gouv.fr/article.php3?id_article=803. Acesso em: 24 set. 2006.
516 A partir do esclarecimento do quadro jurídico de realocação das freqüências radioelétricas, o Conselho de Estado condenou as sociedades TF1 e M6 a cumprir as decisões do CSA, sob pena ser imposta multa por cada dia de atraso no cumprimento. Conferir: <www.ddm.gouv.fr/article?id_article=803>. Acesso em 24 set. 2006.
186
ninguém, cujo uso pertence a todos e a utilização é regulamentada pelas leis de polícia; de
outro lado, afirma-se que essa tese não foi adotada pela lei de 17 de janeiro de 1989, eis
que ela permite o uso privativo pelos titulares das autorizações de freqüências
radioelétricas disponíveis, o que constitui o uso privativo do domínio público.517
A natureza jurídica do espaço radiolétrico tem reflexos sobre o regime
jurídico de organização do setor. Daí porque a natureza de domínio público é mais
favorável à concessão de serviço público e a natureza res communis omnium é mais
próxima da autorização.518
O legislador francês tomou como ponto de partida o pertencimento do espectro
radioelétrico ao domínio público estatal e, diante disso, criou uma instituição pública para
ordenar a atribuição de freqüências: a Agência Nacional de Freqüências, na forma da Lei
de Telecomunicações de 26 de julho de 1996, número 96-659, em seu título VII.519
3.5.3.3 Procedimento
O procedimento de outorga da autorização inicia-se com a publicação pelo
Conselho Superior do Audiovisual da relação das áreas e freqüências disponíveis. Há um
chamamento do público interessado para o oferecimento de propostas para a prestação do
serviço audiovisual. A partir do recebimento das propostas, o Conselho decidirá conforme
517 O jurista Charles Debbasch apresenta a controvérsia em torno do próprio dispositivo legislativo em questão: "Selon M. Delcros, le législateur a affirmé la domanialité publique de l'espace hertzien dans la mesure ou les ondes radioélectriques se déplacent dans l'espace aérien qui releve de la domanialité publique (la domanialité publique de l'espace aérien fait elle-même l'objet de discussion). Pour M. Truchet, ce texte n'apporte rien d'essentiel au régime de la communication audiovisuelle: 'La domanialité publique de l 'espace hertzien m'apparaît comme une affirmation politique qui presente, en droit et en fait, plus d'inconvénients que d'avantages."( DEBBASCH, op. cit., p.133).
518 VESPIGNANI, op. cit., p.30-31.
519 No âmbito do direito comunitário, a decisão do Parlamento e do Conselho Europeu sobre o espectro radioelétrico afirma a necessidade de se criar um marco jurídico e político que permita a coordenação das ações políticas tendo em vista a disponibilidade e o uso eficiente do espectro radioelétrico. Entre outras questões, a decisão dispõe que a política do espectro radioelétrico na Comunidade deve contribuir à liberdade de expressão, incluída a liberdade de opinião e a liberdade de receber e difundir informação e idéias, para além das fronteiras, como também a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação (Decisão nº 676/2002/CE do Parlamento europeu e do Conselho de 7 de março de 2002, relativos ao quadro regulamentar para a política em matéria de espectro radioelétrico na Comunidade européia. Consultar: Communications électroniques et services de communication audiovisuelle, ob. cit., p. 357-369).
187
os critérios definidos em lei, atribuindo a outorga àquele que melhor possa satisfazer o
interesse geral.520
3.5.3.4 Critérios
Existem determinadas condições para a obtenção das autorizações. Dentre os
critérios para a entrega da autorização, deve-se levar em conta a garantia do pluralismo das
correntes de expressão socioculturais, a diversidade de operadores, a necessidade de evitar o
abuso de posição dominante, bem como práticas nocivas ao livre exercício da concorrência.521
Além disso, são examinadas a experiência do candidato em termos de prestação
de serviços audiovisuais, o financiamento e as perspectivas de exploração do serviço, as
participações diretas e indiretas detidas pelo candidato no capital de uma ou várias empresas
publicitárias, ou no capital de empresas jornalísticas ou editoriais, a contribuição à produção de
programas produzidos localmente. A multiplicidade de critérios utilizados para a seleção
dos candidatos torna complexo e difícil o trabalho do CSA.522
3.5.3.5 Contrato
O beneficiário da autorização tem que celebrar contrato com o Conselho Superior
do Audiovisual, a fim de concretizar diversos aspectos do regime jurídico da atividade: a
duração e características da programação, garantias para a independência dos produtores
em face dos difusores dos serviços de televisão, a educação dos consumidores, difusão ao
exterior, tempo máximo de publicidade e patrocínio, proteção à criança e ao adolescente,
percentual de difusão de obras audiovisuais e cinematográficas etc.523
A convenção define as prerrogativas que dispõe o CSA para assegurar o respeito
das obrigações pactuadas. Trata-se das sanções contratuais que ele deve impor ao operador
do serviço de televisão no caso de descumprimento contratual. Além disso, existem as
520 BELLESCIZE; FRANCESCHINI, op. cit., p.170-171.
521 BELLESCIZE; FRANCESCHINI, op. cit., p.170-171.
522 BELLESCIZE; FRANCESCHINI, op. cit., p.171.
523 O conteúdo da convenção está no art. 28 da referida lei, entretanto, a lista não é exaustiva, o que permite que a CSA exerça sua prerrogativa legal e, assim, promova o detalhamento do conteúdo do contrato.
188
obrigações legais, cujo descumprimento enseja outras sanções, como é o caso do cancelamento
da autorização. Esta medida só pode ser aplicada por violação da lei, exigindo o respeito das
garantias de procedimento administrativo.524
5 TELEVISÃO DIGITAL POR VIA HERTZIANA TERRESTRE
5.1. Marco Jurídico
O marco jurídico da televisão digital é definido pela Lei n.o 2000/719, de 1 de
agosto de 2000, modificada pela Lei n.o 86/1067, de 30 de setembro do mesmo ano.
Posteriormente, a Lei n.o 2004/669, de 9 de julho, relativa às comunicações eletrônicas e aos
serviços de comunicação audiovisual, também regulou o regime jurídico da televisão digital.
Segundo Michel Boyon, o projeto francês sobre a televisão digital, definido pelo
legislador, e completado pelo Conselho Superior do Audiovisual, trata, entre outros, dos
seguintes aspectos: a reserva de freqüências somente aos canais generalistas então existentes,
com a exclusão dos canais difundidos por satélite, a constituição de uma oferta de
programas, seja inteiramente gratuita, seja inteiramente paga, a atribuição do uso dos recursos
radioelétricos aos operadores de multiplex, reagrupando vários programas e não aos editores
dos canais, a previsão da televisão de alta definição, a estruturação da rede ao redor da
tecnologia iso-freqüência e a implementação da transmissão da internet de alta
velocidade.525
5.2. Padronização Técnica
524 BELLESCIZE; FRANCESCHINI, op. cit., p.176-177.
525 BOYON, Michel. La Television Numerique Terrestre. Rapport établi à la demande du Premier Ministre. Octobre 2002. p.5.
189
A definição do padrão técnico corresponde a dois imperativos: a concorrência –
no passado a escolha servia ao fechamento do mercado, no presente, serve à abertura à
competição e à interoperabilidade das redes e equipamentos acessíveis ao público. Nesse
contexto, o quadro jurídico não é estabelecido em função da técnica, mas sim em razão da
comunicação garantida pelo meio técnico.526
A instituição de uma padronização digital no setor europeu de televisão foi marcada
pelo enfrentamento da aliança internacional capitaneada pelo Japão que estava voltado para
que seu padrão (HI-VISION que não era integralmente digital) fosse o padrão global. Por outro
lado, a Europa surpreendeu-se com a decisão da FCC norte-americana em adotar um padrão de
digitalização integral. Tanto a proposta técnica européia quanto a japonesa estavam
baseadas em sistemas que combinavam a forma analógica com a digital.527
Ao final, a Europa adotou o padrão de transmissão digital terrestre – DVB-T; um
modelo de digitalização integral do sistema de televisão.528 Com isso, o sistema de
televisão digital exigia um novo formato do aparelho de recepção fundado em 1250 linhas
de resolução, ao invés das tradicionais 625 linhas do aparelho analógico. A implantação do
novo formato demandou uma modificação substancial da estrutura dos televisores, o que
prejudicava consideravelmente os fabricantes e os consumidores, os quais deviam,
respectivamente, deixar de fabricar o modelo antigo e adquirir novos aparelhos.529
526 Sobre a questão da batalha dos standards técnicos conferir: BALLE, op. cit., p.418-422. Na Europa, a livre circulação de programas de televisão era dificultada pela existência de sistemas de emissão e recepção de sinais na forma analógica de televisão em cores diferentes entre os diversos países (PAL – Phase Alterned Line, desenvolvido pela empresa alemã AEG-Telefunken, e SECAM - Séquentie Couleur à Memoire, desenvolvido na França), o que também impedia a constituição de uma indústria audiovisual comum no setor audiovisual. A falta de harmonização de regras técnicas relativas à utilização do espaço audiovisual europeu ensejava a fragilidade da indústria audiovisual européia, em face da indústria norte-americana de conteúdos audiovisuais e da indústria japonesa de bens eletrônicos. A padronização das regras técnicas era um pressuposto para a eliminação dos obstáculos à difusão de programas de televisão, bem como à adoção de uma norma única para a televisão de alta definição (HDTV) (CHULIÁ, op. cit., p.123 e HART, op. cit., p.128-130).
527 Cf. HART, op. cit., p.181.
528 As principais características do padrão europeu de TV Digital - DVB-T são as seguintes: padrão de transmissão (DVB-T nos modos 2k e 8k), codificação de vídeo (MPEG-2), codificação de aúdio (MPEG), largura de banda dos canais (8 Mhz), qualidade da imagem (SDTV), múltiplos programas (com simulcasting), mobilidade e portabilidade, serviços complementares (ainda indefinido, provavelmente interatividade). Conferir Relatório CRP Telecom & IT Solutions, p.86.
529 CHULIÁ, op. cit., p.135. O projeto Digital Video Broadcasting (DVB) incluiu mais de 220 organizações, e mais de 30 países, sendo instituído com o objetivo de propiciar as condições técnicas necessárias para a implantação da televisão digital na Europa. Tal projeto está articulado em torno de operadores de
190
Nesse contexto, foi editada a Diretiva 2002/21/CE relativa a um quadro regu-
lamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrônicas (Diretiva-Quadro).
A Comissão concluiu que não se justificava a imposição de normas para a televisão interativa,
propondo a criação de um grupo de trabalho para verificação da aceitação do mercado de
normas MHP (Multimedia Home Platform). Mas, posteriormente, em razão da necessidade
de estabelecer-se a interoperabilidade técnica da futura televisão de alta definição, houve a
recomendação no sentido de adotar a norma MPEG-2 em todos os equipamentos de recepção
de alta definição e com o sistema avançado de codificação com compressão MPEG-4.530
5.3 Opção em Favor de Novos Canais de Televisão: o Pluralismo de Mídias
A França adotou uma estratégia em termos de organização da televisão digital
terrestre voltada ao favorecimento da pluralidade de mídias. No contexto de mais de 30
(trinta) canais de televisão disponíveis, seis foram atribuídos aos atuais editores de canais
hertzianos, atribuindo-se a cada um canal suplementar; os canais remanescentes foram
atribuídos a novos editores, ausentes da difusão hertziana, sendo que vários canais serão
editados por novos operadores no mercado, e, originariamente, três canais suplementares
foram reservados para os canais locais.531
A política audiovisual francesa em torno da implantação da televisão digital
apoiou-se no lançamento de novos canais de televisão de difusão hertziana (transmissão
de múltiplos canais de TV, no formato SDTV – Standard Definition Television532 e não
televisão e de rede, fabricantes de equipamento, instituições acadêmicas e organismos reguladores do setor. Conferir: <www.dvb.org/about_dvb/history.> Acesso em: 26 out. 2006.
530 Cf. Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comitê Econômico e Social Europeu e ao Comitê das Regiões, Bruxelas, 02.02.2006 COM (2006) 37 final. O sistema de televisão digital apoia-se nas normas de decodificação digital, ora denominadas MPEG. Tais normas técnicas permitem, após a codificação das imagens, a sua respectiva modificação, manipulação ou transformação. Também, possibilitam a transmissão em alta velocidade e com excelente aproveitamento do espaço radioelétrico, com a entrega dos sinais de vídeo e áudio de excelente qualidade, mediante uma ampla infra-estrutura de redes diferentes (com fios, sem fios, ou terrestres), sejam redes tanto de difusão quanto de infra-estruturas terrestres.
531 Para uma visão completa do assunto, conferir: BALLE, op. cit., p.152.
532 O Standard Definition television (SDTV) é: "[...] digital television whith improved reception capability when compared to the existing analog service. SDTV will be in widescreen format, provide enhancements and multichannelling, and eliminate ghosting and other errors found in analog transmissions. The aspect ratio of SDTV is either 4:3 or 16:9". Conferir: DTT Resources, texto publicado pelo Digital Terrestrial Television Action Group, acessado no sítio eletrônico: www.digital.org/DTTResources/Q&A.html.
191
originariamente no formato HDTV – High Definition Television533), ao invés de apoiar-se
no aproveitamento dos canais de televisão por cabo e satélite.534
5.4 Sujeitos
A implantação do serviço de televisão por radiodifusão na forma digital rompe
com paradigma originário de organização do setor, eis que divide as atividades inerentes à
operação dos serviços entre diversos atores com funções especializadas. Nesse contexto,
ela é integrada por diversos sujeitos: editores (responsáveis pelo conteúdo difundido ao
público), gestores do multiplex (administradores das freqüências radioelétricas), difusores
técnicos (encarregados da difusão do conteúdo audiovisual pelas redes de comunicação
eletrônica) e os distribuidores de serviços (comercializadores dos produtos, especialmente,
os vendedores dos pacotes de programação audiovisual).535
5.5 Critérios para a Seleção dos Operadores
533 O High Definition television (HDTV) é: "[...] the premium version of digital television, offering picture and sound quality which is much better than today's analog television. In fact, it is closer to cinema quality than what we are used to as television. The reason is that it offers up to twice the vertical and horizontal resolution of a traditional analog (PAL) signal. The higher resolution picture is particularly suited to large screen television displays. This means that the benefits of HDTV are particularly noticeable on larger screen sets and when using projection equipment. HDTV will be in widescreen format and provide cinema-quality viewing with Dolby surround sound". Conferir: DTT Resources, texto publicado pelo Digital Terrestrial Television Action Group, acessado no sítio eletrônico: www.digital.org/DTTResources/Q&A.html.
534 É o que expõe Francis Balle: "Des interrogations subsistent pourtant: fallait-il à tout prix, à l'inverse des États-Unis, associer le passage au numérique hertzien, assurément inéluctable et indispensable, au lancement de nouvelles chaînes, alors que déjà les quelques 100 chaînes de complément – celles du câble et du satellite – sont déficitaires, pour plus de 90 parmi elles? En second lieu, por opérer ce passage, ne faudrait-il pas compter davantage sur les chaînes publiques, et moins sur les nouveaux entrants, quelle que soit leur détermination à conquérir une audience, suivant ainsi l'exemple britannique?" (BALLE, op. cit., p.153, grifo nosso).
535 Art. 2-1 da Lei n.o 86-1067 de 30 de setembro de 1986, relativa à liberdade de comunicação, na versão consolidada pela Lei n.o 2004-669, de 9 de julho de 2004.
192
A lei estende os critérios de seleção aplicáveis aos operadores analógicos aos
serviços no formato digital, ademais impõe parâmetros exclusivos aos operadores digitais,
no que tange à atribuição de freqüências, o CSA favorece os programas de televisão
propostos gratuitamente aos telespectadores.536 Os procedimentos de atribuição das
frequências diferem, conforme sejam serviços com “missões de serviço público” ou sejam
serviços com finalidades comerciais. Os serviços com “missões de serviço público” são
beneficiados com um procedimento de atribuição prioritária de frequências.537
Os critérios aplicáveis, independentemente do modo de difusão utilizado, são os
seguintes: a diversificação dos operadores, a necessidade de evitar o abuso de posição
dominante, assim como as práticas que prejudicam a concorrência, a experiência adquirida
pelo candidato na atividade de comunicação e a contribuição à produção de programas
realizados localmente.538
Por outro lado, os critérios aplicáveis especificamente aos serviços no formato digital
são os seguintes: a necessidade de favorecer, na medida de sua viabilidade econômica e
financeira, principalmente em face da fonte publicitária, os serviços gratuitos contribuindo
para reforçar a diversidade dos operadores, os engajamentos do candidato em matéria de
cobertura do território, de produção e de difusão de obras audiovisuais e cinematográficas
francesas e européias, a coerência das proposições formuladas pelo candidato em matéria
de reagrupamento técnico e comercial com outros serviços e em termos de escolha de
distribuidores de serviços e a necessidade de favorecer os serviços de vocação local,
notadamente consistindo na retomada dos serviços locais convencionados, a título de sua
distribuição sobre redes de cabo.539
5.6. Regimes Jurídicos Público e Privado
536 Art. 30-1 da mesma lei.
537 Conforme art. 30-1 da citada lei.
538 Conferir: Les critéres de sélection des operáteurs, texto encontrado no sítio eletrônico: <www.ddm.gouv.fr/article.php3?id_article=806>. Acesso em: 14 out. 2006. Sobre o assunto, consultar: BELLESCIZE; FRANCESCHINI, op. cit., p.170-171.
539 Idem.
193
A lei estabelece dois regimes jurídicos que dizem respeito, respectivamente, ao
setor público e privado de televisão por radiodifusão. De um lado, ela reconhece ao setor
público um direito de acesso prioritário ao recurso radioelétrico, no que for necessário para
que as sociedades nacionais de programas cumpram suas “missões de serviço público”.540
Em razão desse direito legal de prioridade, o Conselho Superior do Audiovisual reservou
oito canais de televisão digital terrestre para garantir a difusão de France 2, France 3,
France 5, Arte e o Canal parlamentar (compartilhado entre a Assembléia Nacional e o
Senado). O objetivo é o de garantir a atribuição de freqüências ao setor público e, ao mesmo
tempo, que o setor privado, a fim de permitir que os canais públicos de televisão digital
terrestre fossem lançados juntamente com os canais privados. Os canais públicos de
televisão digital estão agrupados em torno de um mesmo multiplex.541
De outro lado, a lei estabece o procedimento de outorga das autorizações para a
prestação dos serviços privados; um chamamento público aos candidatos interessados,
serviço por serviço, seguida de uma convenção de exploração do serviço celebrada com o
CSA, permitindo uma autorização de uso do recurso radioelétrico (canal sobre uma
freqüência digital, alocação sobre uma rede de multiplex). O chamamento público refere-se
aos serviços de televisão, mas é possível que haja o chamamento de serviços interativos ou
serviços de transmissão de dados em complementação à programação de televisão.542
No regime privado, há, evidentemente, maior liberdade para a configuração dos
serviços de televisão. Daí porque os serviços de televisão podem ser: de tempo integral ou
tempo compartilhado, generalistas ou temáticos, gratuitos ou pagos. Os canais privados de
televisão digital estão agrupados em torno de diversos multiplex.543
540 Art. 25 da Lei n.o 86-1067 de 30 de setembro de 1986, relativa à liberdade de comunicação, na versão consolidada pela Lei n.o 2004-669
541 Cf. Le droit de priorité du service public, texto publicado pela Direction du développement des médias, órgão vinculado ao Conseil Supérieur de l'Audiovisuel encontrado no sítio eletrônico: <www.ddm.gouv.fr/ article.php3?id_article=807>. Acesso em 14 out. 2006.
542 Cf. Public-privé: deux regimes différentes, texto publicado no sítio eletrônico do CSA: <www.csa.fr/infos/autorisations/autorisations_tnt_select_nat.php>.
543 Idem.
194
CAPÍTULO V
A NOÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO E OS SISTEMAS DE
RADIODIFUSÃO: ANÁLISE CRÍTICA DOS SERVIÇOS DE
TELEVISÃO
1 APRESENTAÇÃO
O primeiro capítulo versou sobre o conceito de televisão por radiodifusão,
comparando-o e diferenciado-o diante dos demais serviços de televisão (TV por assinatura)
e de telecomunicações. A partir da delimitação conceitual do serviço de televisão por
radiodifusão é imprescindível estabelecer o seu regime jurídico, o que será feito mais à
frente.
195
A compreensão da noção de serviço público está atrelada à evolução histórica do
Estado, sendo que este é um sistema regulador na sociedade (e não da sociedade)544, razão
pela qual ele cumpre um papel essencial quanto à sua respectiva disciplina e organização
em favor da realização dos direitos fundamentais. Estes, ao invés de ser garantidos pelo
aparelho estatal, podem ser ameaçados por ele, como também pelos próprios meios de
comunicação. Daí a necessária função do ordenamento jurídico em proteger os referidos
direitos fundamentais.545
Aqui, não se descarta o provimento estatal de serviços públicos. Contudo, tal
tarefa há de ser devidamente delimitada. Tal atividade deve conviver ao lado das funções
de regulação e de fomento às iniciativas privada e social na comunicação por radiodifusão.
Nesse sentido, o Estado regulador atua diante dos serviços públicos e das atividades
econômicas em sentido estrito.
A categoria serviço público no âmbito doutrinário é construída com base em três
critérios: o subjetivo, o objetivo e o formal.546 Partindo-se desse enfoque será apresentada a
releitura à interpretação clássica que qualifica o serviço de televisão por radiodifusão como
uma modalidade de serviço público privativo do Estado, cuja prestação pode ser direta pela
União ou, indireta, mediante concessão, permissão ou autorização.547 É necessária a
relativização deste conceito tradicional de serviço público, para adaptá-lo à evolução
544 SOARES, R. G. E., op. cit., p.126.
545 Este é um tema conexo à eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ver: SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005, p.52-53.
546 Ver BANDEIRA DE MELLO, Curso..., p.641-652, DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, op. cit., p.112-113. Para Odete Medauar: "os elementos comuns às atividades qualificadas de serviço público são os seguintes: a) vínculo orgânico com a Administração. ... a.1) presunção de serviço público - quando a atividade prestacional é exercida pelo poder público presume-se que se trata de serviço público; a.2) relação de dependência entre a atividade e a Administração ou presença orgânica da Administração; ... b) quanto ao regime jurídico, a atividade de prestação é submetida total ou parcialmente ao direito administrativo, mesmo que seja realizada por particulares...". (MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.315).
547 Cf. Odete Medauar: "No tocante ao serviço público, o saber quando e por que uma atividade é considerada serviço público, se coloca no plano da concepção política dominante, da concepção sobre o Estado e seu papel; é o plano da escolha política que pode estar fixada na Constituição, na lei, na tradição." (MEDAUAR, Odete. Serviço público. Revista de Direito Administrativo – RDA, nº.189, p.109, jul./set. 1992). Ainda conforme a autora: "Portanto, diferentemente do que Vedel considerou para o direito francês, a noção de serviço público no Brasil, é noção de relevo, sobretudo pelo tratamento conferido pela Constituição Federal ao tema. Assim, tem uma base constitucional." (p.113).
196
histórico-social e tecnológica, mostrando os seus respectivos contornos perante os serviços
de televisão, especialmente diante da Constituição.
A tese consiste na proposição de um novo modelo de serviço de televisão por
radiodifusão, orientado pelo princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão
privado, público e estatal, previsto no art. 223 da Constituição Federal, que dispõe o
seguinte:
Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão
e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens,
observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. (grifo nosso)
Sustenta-se que o serviço de televisão é uma atividade compartilhada entre o Estado,
a sociedade e o mercado. Não deve ocorrer a qualificação, em caráter exclusivo, do serviço de
televisão como uma das modalidades de serviço público privativo do Estado. Ao contrário,
defende-se a possibilidade de delimitação do âmbito de aplicação do conceito de televisão, da
seguinte maneira: serviço público privativo do Estado, serviço público não privativo, atividade
econômica em sentido estrito e o exercício, de modo direto, dos direitos fundamentais pelos
próprios cidadãos. Portanto, ao invés de um olhar singular sobre tema, apresenta-se uma visão
plural a respeito da organização dos serviços de televisão por radiodifusão.548
Nesse sentido, inexiste uma única modalidade de serviço de televisão, mas
diversas espécies submetidas a vários regimes jurídicos que se manifestam
diferenciadamente nos sistemas privado, público e estatal. Em outras palavras, a técnica de
serviço público é uma das modalidades de organização do setor televisivo, contudo, ela
548 A Constituição é um sistema aberto de normas e princípios, sendo que sua estrutura encontra-se em interação com a realidade, razão pela qual ela está capacitada à percepção das mudanças que acontecem ao seu redor (Ver: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7ª ed., Coimbra: Edições Almedina, 2003, p. 1159). Trata-se da categoria “abertura” da Constituição, cujo sentido corresponde ao “deixar conscientemente por regular certas tarefas (incompletude material), ao optar por uma técnica normativa de normas abertas, princípios e cláusulas (estrutura aberta das normas constitucionais) e ao aceitar a mudança ou mutação constitucional como fenómeno inerente à própria historicidade da vida constitucional (abertura ao tempo) ...”. (Ver: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 147). E, ainda, conforme Canotilho: “Como irá ver-se, ao discutir-se o problema da discricionariedade legislativa e da liberdade de conformação do legislador, muitas das conclusões do presente trabalho acabam, nos seus resultados práticos, por se mostrar concordantes com uma das ideias centrais da ´abertura´ constitucional: a impossibilidade teórica, metódica e prática de reduzir a legislação a uma contínua e reiterada tarefa de ´execução constitucional`” (Conferir: Constituição dirigente e vinculação do legislador ..., ob. cit., p. 147).
197
não é a única alternativa autorizada pela Constituição para a regulação de todos os três
sistemas de radiodifusão. Há, ainda, a possibilidade de sua aplicação (no caso do sistema
de radiodifusão estatal) quanto classificar o serviço de televisão como uma atividade
econômica em sentido estrito (sistema de radiodifusão privado).549
Faz-se necessária a flexibilização do regime jurídico então utilizado ao serviço
de televisão por radiodifusão, para permitir, por via de revisão do marco regulatório550, a
coexistência do regimes público e privado. Vale dizer, a doutrina clássica promoveu a
generalização da idéia de "reserva de estatalidade" no campo da radiodifusão.551 Em
função disso, o propósito deste trabalho é o de defender a relativização da aplicação do
conceito de serviço público de televisão, a partir de sua incidência em relação aos três
sistemas de radiodifusão, delimitando-se os seus contornos.
A seguir será apresentado o entendimento clássico a respeito da classificação do
serviço de televisão por radiodifusão como serviço público privativo do Estado.
549 Conforme Marçal Justen Filho: “O conceito de atividade econômica em sentido estrito delineia-se, portanto, sobre os princípios da exploração empresarial, da livre iniciativa e da livre concorrência. Pressupõe que os sujeitos possam organizar os fatores da produção para obtenção de resultados não predeterminados pelo Estado, com apropriação privada do lucro”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003, p. 32).
550 Segundo Alexandre Aragão: "O marco regulatório dos serviços públicos, portanto, dentro desta perspectiva, não visa a evitar mudanças nas regras que o compõem, mas sim a estabelecer os direitos básicos das partes, os requisitos, as instituições (preferencialmente autônomas em relação ao poder político) e procedimentos pelos quais estas mudanças deverão se operar". (ARAGÃO, Alexandre. O Marco Regulatório dos Serviços Públicos. Porto Alegre: Revista Interesse Público nº 27, 2004, p. 74).
551 Trata-se de expressão utilizada pelo Ministro Celso Melo do STF. Ver: ADIN nº 561-9.
198
2 CONCEPÇÃO CLÁSSICA DO SERVIÇO DE TELEVISÃO POR
RADIODIFUSÃO COMO SERVIÇO PÚBLICO PRIVATIVO DO ESTADO
2.1 MARCO LEGISLATIVO (LEI N.º 4.117/62)
A Lei n.o 4.117/62, ao tratar da classificação dos serviços de telecomunicações
quanto aos seus fins, dispõe o seguinte:
Art. 6º. Quanto aos fins a que se destinam, as telecomunicações assim se classificam:
a) serviço público, destinado ao uso do público em geral;
b) serviço público restrito, facultado ao uso dos passageiros dos navios, aeronaves,
veículos em movimento ou ao uso do público em localidades ainda não
atendidas por serviço público de telecomunicações;
c) serviço limitado, executado por estações não abertas à correspondência
pública e destinado ao uso de pessoas físicas ou jurídicas nacionais.
Constituem serviço limitado entre outros: 1) o de segurança, regularidade,
orientação e administração dos transportes em geral; 2) o de múltiplos
destinos; 3) o serviço rural; 4) o serviço privado;
d) serviço de radiodifusão, destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral, compreendendo a radiodifusão sonora e televisão;
199
e) serviço de rádio-amador ...;
f) serviço especial, relativo a determinados serviços de interesse geral, não
abertos à correspondência pública ...”552 [grifos nossos]
Como se observa, a legislação distingue entre os serviços públicos e os serviços
de radiodifusão. Aliás, em várias ocasiões ela emprega as expressões "serviços públicos de
telecomunicações" (art. 29, letra "e"), serviços públicos de telégrafos, de telefones
interestaduais e de radiocomunicação (art. 10, I, letra "b") e "serviços de radiodifusão", não
havendo a utilização do termo "serviço público de radiodifusão".
O serviço de televisão é uma modalidade de serviço de radiodifusão de
competência da União, "destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em
geral", podendo ser executado diretamente por ela ou, indiretamente, por outros entes estatais
ou empresas privadas, mediante concessão, permissão ou autorização.
O modelo brasileiro de TV por radiodifusão prevê as seguintes espécies de
serviços de televisão por radiodifusão: televisões comerciais com fins lucrativos (integradas
pelos serviços de radiodifusão de sons e de imagens e retransmissão e repetição de
televisão) e as televisões educativas sem fins lucrativos (integradas pelos serviços de
radiodifusão de sons e de imagens e de retransmissão de sinais de televisão).553
A seguir serão apresentadas algumas reflexões relacionadas ao entendimento
tradicional sobre a qualificação do serviço de televisão por radiodifusão como serviço
público.
2.2 ENFOQUE DOUTRINÁRIO
O ponto de partida da análise reside na consideração do aspecto subjetivo do
serviço público de televisão por radiodifusão, isto é, a questão em torno da titularidade554
sobre a atividade de transmissão e de programação de televisão por ondas hertzianas.555
552 Ver Lei n.o 4.117/62.
553 Ver: site na internet do Ministério das Comunicações: <www.mc.gov.br>. Acesso em: 02 dez. 2006.
554 Para Fábio Konder Comparato: "A titularidade, em direito, é uma relação de pertença, posse ou dominação. O termo 'titular', que não figura nos dicionários tradicionais da língua, parece uma criação do meio brasileiro, quando significa, justamente, senhor ou possuidor. Mas, já na linguagem jurídica lusitana atual a titularidade se define como 'o nexo de pertença efectiva de um direito a certa pessoa [...]. Na relação de titularidade, o título não é uma causa jurídica qualquer de exercício de direitos, mas a pertença desses direitos a alguém. Titular, ou possuidor legítimo, por conseguinte, é somente o senhor e possuidor desses direitos." (COMPARATO, Fábio
200
Em regra, na visão clássica, o serviço público está associado à titularidade
estatal, ou seja, à competência do Estado relativa à organização, à gestão e ao controle de
um serviço público.556 Nesse caso, a iniciativa privada até pode executar o serviço público,
desde que em regime de concessão, permissão ou autorização. O poder público não é
obrigado a delegar o serviço público à iniciativa privada; o ato de delegação, em princípio,
é discricionário.557 Como explica Celso Antônio Bandeira de Mello: "Não se deve confundir
a titularidade do serviço com a titularidade da prestação do serviço. Uma e outra são
realidades jurídicas visceralmente distintas".558
Há relativa discricionariedade legislativa quanto à criação de novos serviços
públicos, ainda que não previstos pela Constituição, todavia, esta tarefa encontra-se
vinculada aos parâmetros constitucionais, sob pena de violação ao princípio da livre
iniciativa e ao princípio da subsidiariedade da ação estatal.559
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello:
Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p.70). Em que pese o respeitável entendimento, aqui, a expressão titularidade será empregada para designar o fenômeno que envolve o exercício de competências estatais, pois, entende-se que o Estado é titular de competências na forma da Constituição, porém não sendo titular de direitos subjetivos e (ou) direitos fundamentais.
555 Cf. Segundo José Afonso da Silva: "...O serviço público é, por sua natureza estatal. Tem como titular uma entidade pública. Por conseguinte fica sempre sob o regime de direito público. O que, portanto, se tem que destacar aqui e agora é que não cabe titularidade privada nem mesmo sobre serviços públicos de conteúdo econômico, como são, por exemplo, aqueles referidos no art. 21, XI e XII, que já estudamos quando comentamos o conteúdo desses dispositivos". (Curso de direito constitucional positivo. 16.ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.775-776). Para Gaspar Ariño Ortiz, o conceito tradicional de serviço público implica a reserva da atividade enquanto tal em favor do Estado (ou de outra Administração Pública), desde o momento mesmo de sua declaração como serviço público; a atividade deixava de ser privada para converter-se em tarefa pública (ORTIZ, Principios..., p.538).
556 Trata-se da recepção no direito brasileiro da idéia de serviço público decorrente da cultura européia. Cf. Dinorá Grotti: "Serviço público e publicatio (passagem à titularidade do Estado) aparecem, assim, indissoluvelmente ligados na cultura jurídica européia de raiz francesa, diferentemente do que sucederá nos países anglo-saxões." (GROTTI, op. cit., p.25).
557 Como explica Odete Medauar: "A competência para prestação de serviços públicos decorre da repartição de competências previstas na Constituição Federal. Além dos serviços públicos de competência exclusiva, há serviços concorrentes (por exemplo, assistência médica) e serviços passíveis de delegação" (MEDAUAR, Direito administrativo moderno, p.317).
558 Ver Curso..., op. cit., p.651.
559 Há quem sustente que a criação de novos serviços públicos depende de uma emenda constitucional, vedando-se ao legislador tal tarefa (AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p.129).
201
[...] são elas (as emissoras de radiodifusão de sons e imagens e não as operadoras
de serviços de televisão por assinatura) as colhidas por um regime que, de
direito, as encaixa em um quadro típico de serviço público, por força do qual o
Estado brasileiro dispõe de base normativa para enquadrá-las devidamente nada
mais requerendo senão a vontade política de fazê-lo.560
Uma das conseqüências diretas da qualificação da atividade como serviço
público é a seguinte: "Quando se afirma tratar-se de serviço público deve ficar claro que o
Estado jamais pode dele se desligar, ficando a seu cargo, eternamente, a tarefa de fiscalizar
o seu satisfatório cumprimento."561 Outro reflexo é apontado por Marçal Justen Filho: "Daí
decorre que o serviço público, por ser de titularidade pública, será prestado nas condições
estabelecidas pelo ente político que for seu titular."562
Há os seguintes modos de gestão: estatal (aquela efetuada por organizações de
direito público que integram a administração pública – exemplos: orgãos administrativos
ou autarquias) e privada (aquela efetuada por organizações de direito privado ou
organizações privadas do setor público – exemplos: fundações e sociedades comerciais).563
Quanto ao aspecto objetivo, o serviço público "é atividade indispensável à
consecução da coesão social e sua noção há de ser construída sobre as idéias de coesão e de
interdependência social".564 Tal idéia aplica-se ao caso dos serviços de televisão por
radiodifusão. Entende-se que esta modalidade de televisão serve "às necessidades de toda a
coletividade – e não de um ínfimo segmento dela que se encontra no ápice da pirâmide
social".565 Trata-se de um serviço de interesse nacional com finalidade educativa, cultural,
informativa e artística.566 Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, o serviço de televisão
por radiodifusão serve à
560 Parecer publicado na Revista do Instituto Brasileiro de Estudos das Relações de Concorrência e de Consumo, v.8, n.7, p.124-125, 2001.
561 BASTOS, Celso Riberto; TAVARES, André. As tendências do direito público no limiar de um novo milênio. São Paulo: Saraiva, 2000, p.660.
562 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003, p.39.
563 GONÇALVES, Pedro. A concessão de serviços públicos. Coimbra: Livraria Almedina, 1999, p.38.
564 GRAU, Eros. A ordem econômica na constituição de 1988. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.138.
565 BANDEIRA DE MELLO, Parecer, p.124-125.
566 Cf. VALLE, op. cit., p.85.
202
valorização do que é nacional (representado pelos interesses das empresas brasileiras
em face das empresas pertencentes a grupos estrangeiros) e o empenho no
desenvolvimento nacional, cuja garantia, aliás, está expressamente referida como
um dos objetivos fundamentais da República (art. 3.o, II).567
Para Eros Roberto Grau, o serviço de televisão serve à promoção da "universalização
da identidade sócio-cultural brasileira, a comunicação social viabilizada pelas empresas de
radiodifusão sonora e de sons e imagens é, em última instância, instrumental da concreção
da soberania nacional".568
Quanto ao aspecto formal, aplica-se o regime jurídico-administrativo. O Estado, a
partir do quadro constitucional, no exercício da competência legislativa (atuação do
Parlamento) e da competência regulamentar (Presidente da República e Ministério das
Comunicações), é quem define o marco regulatório do setor de televisão por radiodifusão.
Entretanto, o referido regime pode ser derrogado parcialmente por regras de direito
privado.569
A Constituição do Brasil contempla um regime especial para o setor de
radiodifusão, integrando-o no capítulo dedicado à comunicação social (arts. 220, § 3.o, II,
§ 5.o, 221, 222, 223 e 224). Em virtude da importância da matéria para a sociedade
brasileira e para o Estado Democrático de Direito é que resolveram os constituintes
destinar um conjunto de regras e princípios para o setor de radiodifusão. Segundo Eros
Grau: "[...] essa atividade é prestada mediante delegação do Poder Público, ademais
estando a um regime jurídico especial, demarcado pela própria Constituição".570
Em síntese, para o entendimento clássico, como o serviço de televisão por
radiodifusão é um serviço público privativo do Estado, então, sua execução por agentes
567 Cf. o autor: "Assim, a defesa dos interesses das empresas genuinamente nacionais em confronto com interesses de empresas pertencentes a grupos estrangeiros é um consectário natural de uma ordem jurídica soberana. De resto, é o que fazem todos os países desenvolvidos do mundo e até mesmo os subdesenvolvidos que mantêm um mínimo de consciência de seu próprio existir como povo independente." (BANDEIRA DE MELLO, Parecer, p.128).
568 GRAU, op. cit., p.139. E mais, segundo Celso Bastos e André Tavares, "Considera-se como serviço público essencial, que é então repassado aos particulares, por meio de concessão, permissão ou autorização estatal." "[...] esse serviço desempenha uma função pública, no sentido de que há de contribuir para a formação de opiniões dos cidadãos de maneira objetiva" – (As tendências do direito público no limiar de um novo milênio. São Paulo: Saraiva, 2000, p.660).
569 MEDAUAR, Direito administrativo moderno, p.316.
570 GRAU, A ordem..., p.139-140.
203
particulares depende de um ato de delegação: a concessão, a permissão ou a autorização.
Mais à frente será examinada a necessária flexibilização do regime jurídico no contexto da
proposição de um novo modelo de ordenação dos serviços de televisão.
O foco da doutrina brasileira tradicional em torno do estatuto do serviço de televisão
por radiodifusão está centralizado na competência privativa da União para legislar sobre o
setor de radiodifusão (arts. 22, IV, 48, XII, da CF) e em sua competência administrativa
para "explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços
de radiodifusão sonora e de sons e imagens" (arts. 21, XII, e 49, XII CF). E mais, o
entendimento ampara-se na regra que assegura ao "[...] Poder Público, na forma da lei,
diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a
prestação de serviços públicos" (art. 175, CF).
A visão clássica merece revisão, justamente porque se fundamenta
exclusivamente na compreensão sobre o serviço de televisão a partir das competências
estatais. É importante a interpretação sistemática do texto constitucional que considere
todas as normas que afetam a regulação da atividade de televisão por radiodifusão. Não é
admissível o entendimento no sentido de que as normas relativas às competências são
hierarquicamente superiores às demais normas, especialmente, aquela que trata do princípio
da complementaridade dos sistemas de radiodifusão (art. 223, CF).571
Pelo contrário, é imprescindível a ponderação das normas que defendem
interesses conflitantes, para o fim de dar cumprimento aos objetivos do Estado
Democrático, garantindo o desenvolvimento de novas tecnologias, o aparecimento de
novos canais de comunicação social e a atuação harmônica e equilibrada dos operadores
estatais, públicos e privados, na oferta de programação de televisão para os cidadãos
brasileiros.
A seguir será analisada a jurisprudência tradicional a respeito do tema, a partir
de alguns julgados do STF, do STJ e do TSE, que abordam a questão referente aos serviços
públicos, análise importante para a intelecção do novo modelo proposto.
571 Nesse aspecto, a tarefa legislativa de disciplina dos sistemas de radiodifusão é imprescindível para a concretização dos direitos fundamentais, pois estes requerem organização jurídica para se tornarem eficazes, tarefa essa essencial da parte do legislador (HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p.247).
204
2.3 JURISPRUDÊNCIA: JULGADOS DO STF, STJ E TSE
2.3.1 Supremo Tribunal Federal
Em verdade, existem poucos julgados na jurisprudência brasileira sobre os
serviços públicos no âmbito das instâncias especiais; o número é ainda menor em se
tratando da classificação do serviço de televisão por radiodifusão como serviço público.
No STF, pode-se citar, mesmo no contexto anterior à atual Constituição, o voto do
Ministro Relator Célio Borja, proferido na Representação n.o 1.320-1 – Mato Grosso do
Sul, no sentido de qualificar o serviço de radiodifusão como uma das modalidades de
serviços públicos privativos da União:
A radiodifusão sonora e a de sons e imagens (televisão) compreendem-se no
âmbito das telecomunicações, cuja exploração compete com exclusividade à
União (Constituição, art. 8.o, XV, "letra a"). Trata-se, portanto, de um serviço
público federal, que pode ser executado diretamente ou delegado a empresas
privadas.572
O STF decidiu na ADIN n.o 561-8 (Distrito Federal), Rel. Ministro Celso de Melo,
em 23 de agosto de 1995, que a noção conceitual de telecomunicações prevista na Lei
n.o 4.117/62 foi recepcionada pela Constituição. Nesse sentido, o voto do relator tem o
seguinte teor:
Tenho para mim, presentes essas considerações, que a noção conceitual de
telecomunicações – não obstante os sensíveis progressos de ordem tecnológica
registrados nesse setor constitucionalmente monopolizado pela União Federal –
ainda subsiste com o mesmo perfil e idêntico conteúdo, abrangendo, em
conseqüência, todos os processos, formas e sistemas que possibilitam
transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens,
sons e informações de qualquer natureza. Em uma palavra: o conceito técnico-
jurídico de serviços de telecomunicações não se alterou com o advento da nova
ordem constitucional.573
572 STF. Tribunal Pleno. Representação n.o 1.320-1 – Mato Grosso do Sul, Rel. Célio Borja, julgado em 17.09.86, decisão publicada no DJ de 14.11.86.
573 STF. ADIN n.o 561-8, Distrito Federal, Rel. Min. Celso Mello, Requerente: Partido dos Trabalhadores, Requerido: Presidente da República, julgamento em 23.08.95, decisão publicada no DJ 23.03.2001. Disponível em: <htpp://www.stf.gov.br>. Acesso em: 13 dez. 2006. A título ilustrativo o art. 21, XI, em sua formulação originária, previa o seguinte: "Art. 21. Compete à União:... XI – explorar, diretamente ou mediante concessão a empresas sob o controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações, assegurada a prestação de
205
Além disso, a referida decisão faz expressa diferenciação entre a noção de
serviço público e a de serviço de radiodifusão, presente na Lei n.o 4.117/62. Eis parte do
voto:
A Lei n.o 4.117/62, como visto, ao mencionar os serviços de telecomunicações,
classificou-os – quanto aos fins a que se destinam – em serviço público, serviço
público restrito, serviço limitado, serviço de radiodifusão, serviço de
radioamadores e serviço especial. Vê-se, daí, que a classificação legal dos
serviços de telecomunicações claramente distinguiu e destacou, do serviço
público, o serviço limitado, conceituando este último como aquele 'executado
por estações não abertas à correspondência pública e destinado ao uso de pessoas
físicas ou jurídicas nacionais...' (art. 6.o, c).
O STF esclarece, ainda na mesma ADIN n.o 561-8, que a "reserva de
estatalidade" atinge tão-somente os serviços públicos de telecomunicações. Eis a
fundamentação da decisão:
É por essa razão que a nossa melhor doutrina – CAIO TÁCITO, MIGUEL
REALE, IVES GANDRA DA SILVA MARTINS e MANOEL GONÇALVES
FERREIRA FILHO –, ao sustentar, a uma só voz, que a Lei n.o 4.117/62 e os
atos que a regulamentaram foram recebidos pela nova Constituição, com a qual
guardam a necessária relação de compatibilidade material e formal (e com o que
subsistem vigentes as próprias formulações conceituais que enunciam e contêm),
também acentua, especialmente em face do que prescreve o art. 6.o do Código
Brasileiro de Telecomunicações, e tendo presente a reserva de estatalidade fixada
pelo art. 21, XI, da Carta Federal, que, para esse específico efeito, serviço
público de telecomunicações não abrange senão aquele que é destinado ao uso
das pessoas em geral, excluídos, portanto, de sua disciplina restritiva, os serviços
limitados, cuja natureza periférica os remete ao tratamento jurídico mais aberto,
consagrado pelo art. 21, inciso XII, a, da Carta da República.574
Daí a conclusão do relator no sentido de limitar a "reserva de estatalidade" tão-
somente aos serviços públicos de telecomunicações, da seguinte forma:
Foi por essas razões que o Presidente da República – tendo presente a reserva de estatalidade proclamada exclusivamente para a hipótese contemplada no art. 21, XI, da Constituição, e objetivando implementar, mesmo em se tratando de exploração de serviços públicos de telecomunicações, a possibilidade de intervenção de empresas meramente privadas – formalizou, perante o Congresso Nacional, mas sem qualquer reflexo sobre o tratamento normativo mais favorável dispensado aos serviços limitados de estatalidade nos domínios da ordem econômica – quer porque não se integram ou
serviços de informações por entidades de direito privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela União"; [grifo nosso]
574 Idem.
206
vinculam à pessoa política da União, quer porque não se subsumem à noção doutrinária de duplo do Estado – apenas incide na hipótese única, de radical singularidade, pertinente à exploração dos serviços públicos de telecomunicações, tais como definidos na Lei n.o 4.117/62 (art. 6.o, a) e referidos no preceito inscrito no art. 21, XI, do texto constitucional.
Esta decisão será importante quando do exame crítico da qualificação tradicional
do serviço de televisão por radiodifusão como um serviço público privativo do Estado,
conforme exposição mais à frente. Isto porque o STF destacou que a "reserva de
estatalidade" está assegurada pela Constituição tão-somente aos serviços públicos de
telecomunicações e não aos serviços de radiodifusão. Ainda mais, "a reserva de
estatalidade" no campo da radiodifusão é afastada em função do princípio da
complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal, razão pela qual
a presente tese propõe uma nova visão sobre o modo de disciplina dos serviços de televisão
por radiodifusão.
2.3.2 Superior Tribunal de Justiça
No julgamento do Mandado de Segurança n.o 5.307/DF, o STJ decidiu que os
serviços das denominadas "televisões educativas" são serviços públicos. Eis parte de sua
decisão, expressa por sua ementa:
Os serviços de radiodifusão sonora de sons e imagens e demais serviços de
telecomunicações constituem, por definição constitucional, serviços públicos a
serem explorados diretamente ou pela União ou mediante concessão ou
permissão, cabendo à lei dispor sobre a licitação, o regime das empresas
concessionárias e permissionárias e o caráter especial do respectivo contrato (art.
175, parágrafo único, I, da C. Federal).
[...]
As TVs educativas, cujos serviços que exercem são regidos por normas de
direito público e sob regime jurídico específico, não desenvolvem atividades
econômicas sob regime empresarial e o predomínio da livre iniciativa e da livre
concorrência e não estão jungidas ao sistema peculiar às empresas privadas, que
é essencialmente lucrativa. Não se inclui no conceito de atividade econômica, ainda
que potencialmente lucrativa (v.g. serviços de radiodifusão sonora), mas, se
sujeita a uma disciplina cujo objetivo é realizar o interesse público.575
575 STJ. Primeira Seção. MS nº 5.307/DF (97.0054287-4), Rel. Ministro Demócrito Reinaldo, Impetrante: Associação Nacional de Televisões Educativas e Comunitárias – ANTEC, Impetrado: Ministro de Estado das Comunicações. Acórdão publicado no DJ em 02 de agosto 1999.
207
2.3.3 Tribunal Superior Eleitoral
Além disso, no âmbito do TSE, o atual Ministro do STF Sepúlveda Pertence, na
qualidade de Procurador-Geral Eleitoral, manifestou-se mediante parecer no sentido da
qualificação dos serviços de televisão como serviços públicos privativos do Estado. O
entendimento assim se expressa:
É que as telecomunicações – inclusive a radiodifusão, que compreende a
televisão (art. 32. C. Br. Telec.) – constituem, no Brasil como no mundo todo, um
serviço público. Não o descaracteriza a admissão, entre nós, da sua exploração
privada, que se faz 'mediante autorização ou concessão' federal (art. 8.o, XV, a,
CF). Concessionárias, as emissoras de radiodifusão – ao contrário das empresas
jornalísticas –, ainda na área da divulgação noticiosa, não exercem atividade
privada, de liberdade garantida, mas sim, ainda que mediante delegação, uma
atividade estatal, dado que erigida em serviço público, por disposição
constitucional explícita. Cuidando-se de um serviço público, parece indisputável
possa a União restringir a liberdade de informação do concessionário, tanto mais
quanto a restrição se oriente no sentido de garantir valor constitucional eminente,
qual a preservação do regime democrático contra o abuso do poder econômico,
tanto mais de reprimir, quanto seja praticado no exercício de atividade estatal
delegada.576
Uma vez apresentada a compreensão tradicional, nos âmbitos da legislação,
doutrina e jurisprudência, cumpre, demonstrar a proposição de um novo modelo de
televisão, com a relativização da aplicação do conceito de serviço público ao setor de
televisão e, conseqüentemente, mostrando os novos contornos para a categoria.
576 TSE. Consulta nº 7.441 – Classe 10ª - Espírito Santo. Resolução nº 12.384, de 22 de outubro de 1985, Rel. Ministro Carlos Velloso. Publicado no Diário da Justiça de 7.11.1985. Cuida lembrar que o uso abusivo dos meios de comunicação social por candidatos ou partidos políticos pode implicar na cassação do registro do candidato ou cassação de seu diploma se porventura for eleito. Freqüentemente, a Justiça Eleitoral depara-se com representações e ações contra a expedição de diploma de candidatos eleitos sob o fundamento do uso abusivo dos meios de comunicação social, com a potencialidade de influenciar o processo eleitoral e causar o desequilíbrio entre os candidatos, na forma do art. 22 da Lei Complementar nº 64/90.
208
3 RELATIVIZAÇÃO DA APLICAÇÃO DO CONCEITO DE SERVIÇO
PÚBLICO AO SERVIÇO DE TELEVISÃO E SEUS NOVOS CONTORNOS
3.1 EXPRESSÕES "ATIVIDADE ECONÔMICA" E "SERVIÇO PÚBLICO" NO
TEXTO CONSTITUCIONAL
Uma parte da doutrina entende que o serviço público é uma modalidade de
atividade econômica, sendo esta um gênero que contempla também a atividade econômica
em sentido estrito. Não há, é importante destacar, uma oposição absoluta entre os dois
fenômenos, pelo contrário, ambos possuem natureza comum.577
577 Cf. GRAU, op. cit., p.103-104. Para Almiro do Couto e Silva: "Sempre me pareceu discutível a distinção radical que muitos administrativistas brasileiros fazem entre prestação, pelo Estado, de serviços públicos e de atividade econômica. Os primeiros estariam regidos pelo art. 175 da Constituição e a última pelo art. 173. Ora, essa separação absoluta – que melhor seria dizer oposição absoluta – entre as duas noções talvez tenha existido no século XIX". (COUTO E SILVA, Almiro do. Privatização no Brasil e o novo exercício de funções públicas por particulares. Serviço Público "À Brasileira"? Revista de Direito Administrativo, nº. 230, p.45-74, out./dez. 2002). Em sentido contrário, encontra-se Odete Medauar, segundo a qual: "A nosso ver, não parece adequado ao ordenamento brasileiro, considerar o serviço público como atividade econômica". (Serviços públicos e serviços de interesse econômico geral. In: FIGUEIREDO NETO, Diogo de (Coord.). Uma avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.125).
209
Tal diferenciação parte das expressões constantes do texto da Constituição do
Brasil.
De um lado, a Constituição dispõe que "incumbe ao Poder Público, na forma da
lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a
prestação de serviços públicos" (art. 175). [grifo nosso]
De outro lado, a Carta preceitua: "ressalvados os casos previstos nesta
Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida
quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo,
conforme definidos em lei" (art. 173) [grifo nosso]. E mais, a Constituição define as
hipóteses excepcionais de monopólio estatal sobre a atividade econômica em sentido
estrito (art. 177).
Além disso, há o dispositivo que prevê o seguinte: "é assegurado a todos o livre
exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos
públicos, salvo nos casos previstos em lei" (art. 170, parágrafo único).
Por sua vez, a expressão "serviço público" é encontrada na parte referente à
disciplina da administração pública (art. 37, § 3.o, I), ao sistema tributário (art. 145, II) e à
saúde (art. 198) e no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (arts. 2.o, § 1.o -
"meios de comunicação de massa cessionários de serviço público" e 66 – "serviços
públicos de telecomunicações". E, ainda a Constituição, quando trata da saúde, refere-se ao
termo "serviços de relevância pública" (art. 197).
Para além do sentido jurídico da expressão "serviço público" referida na Carta
Constitucional, cuida apontar que o termo "serviço" é proveniente da ciência econômica578
e designa uma atividade de produção e de prestação de utilidades para os consumidores. Já
a palavra "público", ora representa os destinatários dessas respectivas prestações efetuadas
por pessoas que desempenham as atividades econômicas, ora representa a figura do Estado
responsável pelo cumprimento do serviço.
A junção desses dois elementos para formar a expressão "serviço público"
assume uma significação particular no campo jurídico, eis que implica na adoção de um
578 Segundo Renato Alessi: "A noção de serviço, em verdade, é sem dúvida alguma originária do campo da ciência econômica, na qual essa cumpre a função de designar, e enumerar os elementos produtores de utilidade, qual atividade e prestações pessoais que são em termos produtivos em oposição aos bens naturais." (ALESSI, Renato. Le Prestazioni Admministrative: Rese Ai Privati. Seconda edizione riveduta. Milano: Giuffré Editore, 1956, p.7).
210
regime especial para os serviços de televisão por radiodifusão. Em verdade, quando a
Constituição refere-se às expressões televisão (arts. 220, § 3.o, II, 221) e radiodifusão (arts.
222 e 223), em nenhum momento, há a associação com o termo "serviço público". Nem
mesmo no texto da Lei n.o 4.117/62 há essa conexão direta entre os dois termos, pois, em
nenhuma parte ela emprega o vocábulo "serviço público de radiodifusão" ou "serviço
público de televisão".
A doutrina e a jurisprudência brasileira tradicionais promovem a classificação
do serviço de televisão por radiodifusão como serviço público privativo do Estado, por
entenderem que a norma contida no art. 21, XX, letra “a”, da Constituição estabelece a
reserva de titularidade dos serviços públicos ao Estado.
Com o devido respeito à referida posição, sustenta-se que não deve ocorrer a
reserva absoluta de todas as modalidades de serviços de televisão em titularidade da União.
Em virtude disso, a seguir será demonstrado que os serviços de televisão não
configuram uma atividade exclusiva do Estado, o que se faz a partir do desenvolvimento
do princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal.
3.2 PRINCÍPIO DA COMPLEMENTARIDADE DOS SISTEMAS DE
RADIODIFUSÃO: SERVIÇO DE TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO COMO
UMA ATIVIDADE COMPARTILHADA ENTRE ESTADO, SOCIEDADE E
MERCADO
O princípio579 da complementaridade dos sistemas de radiodifusão (privado,
público e estatal), contido no art. 223 da Constituição, exige um novo modelo de disciplina
dos serviços de televisão para além do paradigma clássico voltado unicamente ao serviço
público de televisão por radiodifusão, associado à reserva da atividade em favor do
Estado.580
579 Aqui, entende-se os princípios como mandamentos de otimização, nos termos da formulação de Robert Alexy. Ver Teoria de los derechos fundamentales. Centro de Estudios Constitucionales. Madrid, 1997, p.86-87.
580 A título ilustrativo, o Senador Artur da Távola, "deputado constituinte", comenta a respeito da inclusão do princípio da complementaridade no texto da Constituição de 1988: "...Parecia-me que, havendo um equilíbrio na concessão, se alcançaria o pressuposto da democratização nos meios de comunicação. Então, criei ali a figura da complementaridade do sistema. Eu era Relator e criei esta figura, que a autorização, a concessão, a permissão para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens observasse o princípio de uma complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Estávamos
211
O novo modelo, que ora se defende, considera que os serviços de televisão
devem ser classificados como: (i) serviço público privativo do Estado (sistema de
radiodifusão estatal), (ii) serviço público não privativo (sistema de radiodifusão público) e
(iii) atividade econômica em sentido estrito (sistema de radiodifusão privado).
A Constituição impõe a complementaridade entre os setores de televisão por
radiodifusão privado, público e estatal, o que, evidentemente, implica harmonia e
colaboração entre as estruturas de comunicação social. Em outras palavras, garante-se o
equilíbrio apropriado entre os campos de comunicação social com funções diferenciadas,
porém, complementares, haja vista as diferenças de fundamentos, evitando-se, assim,
distorções arbitrárias no processo de comunicação social.581
Trata-se de uma manifestação particular do princípio do pluralismo no campo da
comunicação social por meio da radiodifusão em prol da estruturação policêntrica do
sistema de radiodifusão, isto é, em favor da diversidade das fontes de informação e da
multiplicidade de conteúdos audiovisuais para a sociedade brasileira. Vale dizer, a
interpretação da referida norma constitucional deve ser feita com base no princípio do
pluralismo nos seus âmbitos quantitativo (pluralidade de estruturas organizacionais
comunicativas) e qualitativo (pluralidade de conteúdo audiovisual diverso). Assim deve ser
porque tal norma tem por função a oferta equilibrada de programas de televisão nos setores
inovando, a meu ver, em primeiro lugar, para a criação do sistema público que até então não existia configurado em lei. Havia o privado e havia o estatal. Ao mesmo tempo, eu tinha na mente, não era digamos assim, assunto do conhecimento específico dos demais Constituintes, porque não estavam trabalhando diretamente sobre a matéria, eu tinha em mente, como eu era o Relator também do capítulo de educação e cultura, de que lá no capítulo da educação, criamos, para o conceito de escola pública, algo que escapasse ao exclusivo conceito de escola estatal como definição de escola pública. [....] a idéia da instituição pública que não é necessariamente estatal, desde que sem fins lucrativos, desde que comunitária, desde que filantrópica. [...] o modelo privado, com sua energia, com seu marketing etc; o modelo estatal, com obrigações de uma política estatal na comunicação; não necessariamente com a atual política do Governo; e o modelo público, que justamente teria dentro de si um conjunto, uma pluralidade de natureza ideológica a controlar-lhe as emissões; [...] Parecia-me que a complementaridade garantiria a oferta. Mas, infelizmente, até hoje, nenhum governo observou esse princípio. [...] Sintetizando, a Lei Maior, ao criar a complementaridade dos sistemas, deu o instrumento que o Poder Executivo não utiliza. Ele não tem feito outorgas do ponto de vista da complementaridade do sistema. Que universidades, instituições da sociedade e organizações ligadas a profissionais do setor têm ganho? Nada". (SENADO FEDERAL. Comissão de Educação. Subcomissão de Rádio e Televisão. Ata da 4.a Reunião Ordinária, da 1.a Sessão Legislativa Ordinária da 51.a Legislatura, realizada em 9 de setembro de 1999).
581 A palavra complementaridade decorre do verbo complementar, o qual decorre do latim "complementum", cujo significado originário é completar (CUNHA, Antônio Geraldo. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa. 2.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p.201).
212
privado, público e estatal, cabendo ao Estado a adoção de normas e procedimentos para cumprir
tal tarefa, que logo a seguir serão expostos.582
A organização dos sistemas de televisão por radiodifusão há de ser feita pelo
Estado, no exercício de sua função regulatória (art. 174), conforme os objetivos da
regulação.583 Há, aqui, uma forte conexão entre o princípio da complementaridade dos
sistemas de radiodifusão e o conceito de regulação.584 A idéia de complementaridade
representa a negação de uma relação de hierarquia entre os sistemas de radiodifusão; e, por
conseqüência, requer a funcionalidade integrada dentro do sistema de comunicação social.
O princípio da complementaridade exige, ainda, a fixação de critérios de
facilitação do acesso prioritário às freqüências do espaço eletromagnético pelo setor
público e pelo setor estatal. Isto porque, em face da hegemonia da radiodifusão privada em
nosso País, há o dever de que as freqüências disponíveis para uso de canais de televisão
sejam, preferencialmente, outorgadas aos setores estatal e público (aqueles responsáveis
pela prestação de serviços públicos privativos e não privativos do Estado), pois em relação
aos mesmos existem maiores exigências em favor dos interesses públicos e das obrigações
constitucionais. Trata-se de uma medida de correção das oportunidades comunicativas no
interior da comunicação social, sendo que a própria noção de regulação é que ampara tal
582 Acerca das possíveis significações do princípio do pluralismo, ver item específico no capítulo quarto sobre o direito francês.
583 Cf. Vital Moreira, o conceito operacional de regulação econômica é estruturado a partir das idéias de "estabelecimento e a implementação de regras para a actividade económica destinadas a garantir o seu funcionamento equilibrado, de acordo com determinados objectivos públicos" (MOREIRA, op. cit., p.34).
584 Acerca do tema, Floriano de Azevedo Marques Neto explica o seguinte: "A moderna noção de regulação conduz à idéia de equilíbrio dentro de um determinado sistema regulado. Como já dito, a regulação busca equilibrar os interesses internos com um sistema econômico (um setor ou uma atividade econômica). No entanto, o equilíbrio que busca a regulação também poderá envolver a introdução de interesses gerais, externos ao sistema, porém que deverão ser processados pelo regulador de forma que sua consecução não acarrete a inviabilidade do setor regulador." (MARQUES NETO, Entes reguladores..., p.13). A partir das lições do autor, é importante considerar que a regulação em questão deve considerar todos os interesses dos sistemas de radiodifusão (privado, público e estatal). E, também, verificar os interesses externos ao setor de radiodifusão, particularmente os interesses dos usuários, consumidores, cidadãos, produtores de conteúdo audiovisual, setores de imprensa e de edição, sistema de ensino etc. Ademais, o sistema de radiodifusão deve se relacionar com o sistema político, a fim de garantir devidamente o pluralismo político em relação aos meios de comunicação social.
213
medida de planejamento administrativo quanto à gestão do espaço radioelétrico, voltada ao
equilíbrio entre os sistemas.585
Enfim, a atribuição prioritária de freqüências justifica-se em razão da prestação
do serviço público. Este, é importante destacar, não se limita à correção das falhas
estruturais e (ou) conjunturais do sistema de radiodifusão privado (mercado de televisão).
A sua função consiste em atuar mesmo quando o sistema comercial, hipoteticamente,
funciona bem. Vale dizer, a existência do regime de serviço público de televisão não está
atrelada às falhas do mercado (um paradigma liberal); ao contrário, sua causa originária
encontra-se em razões que o transcendem, alcançando bens não-econômicos que
necessitam de difusão perante o público em geral, daí a exigência do desempenho da
função estatal de distribuição dos bens, por exemplo, culturais.
Os serviços públicos consistem em importante mecanismo de garantia dos
direitos fundamentais.586 Alerte-se, contudo, que não se trata do único meio de satisfação
dos mesmos. Nesse sentido, o serviço público de televisão é uma das formas de realização
dos direitos à liberdade de expressão, liberdade artística, informação (inclusive informação
jornalística), culturais, à educação e à comunicação social, entre outros.587
585 Em uma perspectiva restrita da regulação, que aqui não se adota, segundo Floriano de Azevedo Marques Neto, "a regulação buscaria exclusivamente garantir o equilíbrio do mercado, coibindo práticas distorcidas dos agentes econômicos. Buscaria apenas corrigir as chamadas 'falhas do mercado'. Portanto, sua função seria apenas assegurar o equilíbrio interno ao sistema regulado, evitando abusos ou distorções que, em última instância, pudessem comprometer o próprio funcionamento do setor sujeito à regulação" (MARQUES NETO, Entes reguladores..., p.14). Uma conseqüência natural dessa perspectiva seria regular o setor de radiodifusão, mediante apenas o estabelecimento de regras de combate à concentração econômica, para garantir a concorrência no mercado. No presente trabalho, adota-se uma posição que a edição de regras anti-trust é uma condição necessária, porém insuficiente para regular o mercado, eis que a comunicação social por radiodifusão exige a consideração de valores fundamentais para um Estado Democrático de Direito, particularmente a garantia da livre formação da opinião pública, mediante os veículos de comunicação social, que é uma das condições fundamentais para o adequado funcionamento da democracia.
586 Conforme explica José Alberto de Melo Alexandrino: "A existência de um serviço público de televisão não constitui um bem em si mas apenas um bem de relação, um instrumento, revestido de um sentido objectivo, para a defesa de verdadeiros bens jurídicos: os direitos fundamentais da pessoa e os valores e princípios que dele decorrem." (op. cit., p.202). Antigamente, não havia a associação entre o serviço público e o regime de direitos fundamentais. Aos poucos alguns doutrinadores brasileiros estão promovendo essa conexão. É o caso, por exemplo, de JUSTEN FILHO, Curso ..., p. 487-497.
587 Como bem expõe Vírgilio Afonso da Silva, o direito à informação além de ser um direito individual é um valor protegido pela Constituição que, inclusive exige que o Estado se abstenha de impedir seu exercício, bem como aja para sua realização dentro das condições fáticas e jurídicas possíveis (SILVA, V. A. da. A constitucionalização..., p.78).
214
No sistema de radiodifusão estatal, há maior espaço para a realização do direito
dos cidadãos à informação de caráter institucional e, ao mesmo tempo, de cumprimento do
dever do Estado em termos de comunicação institucional. Isto implica na possibilidade de
criação e manuteção de canais de televisão para atendimento da referida obrigação.
Já o sistema de radiodifusão público possibilita a concretização dos direitos à
educação e à cultura, por intermédio das televisões educativas, e especialmente, no caso das
televisões comunitárias, o exercício direto pelos cidadãos das liberdades de expressão e de
comunicação social. Vale dizer, o sistema público é o âmbito, por excelência, para a
realização dos direitos sociais relacionados à educação e à cultura.
Por sua vez, no sistema privado há maior autonomia privada das emissoras de
televisão quanto à execução dos aludidos direitos em função de sua liberdade de radiodifusão
e, conseqüentemente, sua liberdade de programação. Os princípios constitucionais catalogados
no art. 221 da CF, relacionados à produção e à programação das emissoras de rádio e
televisão consistem em manifestação especial dos direitos fundamentais à liberdade de
expressão artística, à educação, à cultura e à informação jornalística, livre iniciativa e
dignidade da pessoa humana, o que será visto mais à frente em item específico.588
O eixo de estruturação dos três sistemas de radiodifusão consiste na liberdade de
comunicação. Esta manifesta-se, de modo especial, no campo da comunicação social (arts.
220 a 224, da CF), no entanto, não se confunde com a liberdade de comunicação pessoal ou
de âmbito coletivo (art. 5.o, IX, CF). Com efeito, é sintomático que o princípio da
complementaridade esteja contemplado no capítulo constitucional dedicado à
Comunicação Social. Portanto, em virtude disso, os "sistemas de comunicação de massa"
atuam como mecanismos de realização das liberdades comunicativas asseguradas aos
cidadãos e à sociedade. Tais liberdades servem tanto à autodeterminação individual quanto à
autodeterminação democrática do povo brasileiro. Daí a imprescindibilidade da pluralidade
588 O foco do presente trabalho consiste na análise da aplicação da noção de serviço público aos serviços de televisão por radiodifusão à luz do princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal no contexto do direito administrativo. Em razão disso, o estudo sobre os direitos fundamentais será feito somente na medida necessária para a demonstração da presente tese, sob pena de abrir-se demasiadamente o âmbito do estudo em prejuízo do objeto principal em exame. Para uma análise mais aprofundada sobre a relação entre a atividade de televisão e os direitos fundamentais, recomenda-se a seguinte leitura: ALEXANDRINO, José Alberto de Melo. Estatuto constitucional da actividade de televisão. Coimbra: Coimbra Editora, 1998.
215
das fontes de informação em um País proclamado como Estado Democrático de Direito em
garantia da livre formação da opinião pública.589
A Constituição faz referência aos serviços de radiodifusão. Isto, porém, não quer
significar que todos os serviços de radiodifusão possam ser qualificados como serviço
público de radiodifusão. A simples previsão da atividade em determinado artigo
constitucional não implica necessariamente em sua classificação como serviço público.590
A Carta Magna assegura a competência do poder público para organizar e
prestar serviços públicos (art. 175) e, de outro lado, ela confere competências à União, de
natureza legislativa (arts. 22, IX, 48, XII) e administrativa (arts. 21, XII, letra "a", 49, XII).
Nesse contexto, compete à Administração Pública a outorga das concessões,
permissões e autorizações para prestação dos serviços de televisão por radiodifusão, sendo
589 Para Jorge Miranda: "a liberdade de comunicação social congloba a liberdade de expressão e a liberdade de informação, com três notas distinas: a) a pluralidade de destinatários, o caráter coletivo ou de massas, sem reciprocidade; b) o princípio da máxima difusão (ao contrário da comunicação privada ou correspondência, conexo com a reserva da intimidade da vida privada e familiar); c) a utilização de meios adequados – hoje, a imprensa escrita, os meios audiovisuais e a cibernética. (MIRANDA, op. cit., p.460). Ressalte-se que o direito à comunicação afirma-se gradativamente em razão das críticas feitas à liberdade de expressão e ao direito à informação. Sobre esse processo histórico, consultar: FISCHER, op. cit., p.15-24.
589 No Brasil, Edilsom Farias, em estudo detalhado sobre o tema, é quem defende a tese de que houve a qualificação constitucional da comunicação social enquanto garantia institucional da liberdade de expressão e comunicação. Cf. FARIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação: teoria e proteção constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.31-34 (parte teórica sobre as garantias institucionais) e p.196-197 (aplicação da figura jurídica à comunicação social). Ele ainda adverte a respeito das controvérsias teóricas a respeito da relação entre as garantias institucionais e os direitos fundamentais, explica que não há uma resposta pacífica a respeito da divergência sobre a questão, a saber: se as garantias servem ao reforço ou ao enfraquecimento dos direitos fundamentais e se as garantias conduzem a uma funcionalização dos direitos fundamentais (p.33).
E, ainda, a existência do direito de comunicar no âmbito da "comunicação massiva" é atestada por vários doutrinadores. A título ilustrativo, citam-se os seguintes autores que tratam do tema: Orlando Soares (Direito de Comunicação), Aluízio Ferreira (Direito à informação. Direito à comunicação. Direitos fundamentais na Constituição Brasileira); FARIAS, BITELLI, Marcos Alberto Sant'Anna (O Direito da Comunicação e da Comunicação Social), André Ramos Tavares (Liberdade de expressão-comunicação. Em Direito Constitucional Contemporâneo, p.46-64), Fernando Luiz Ximens Rocha (Liberdade de Comunicação e Dignidade Humana. Em Direito Constitucional Contemporâneo, p.159-172), Celso Ribeiro Bastos e André Ramos Tavares (As Tendências do Direito Público no Limiar de um Novo Milênio), entre outros.
Para uma visão crítica sobre a existência do direito à comunicação, ver: ALEXANDRINO, op. cit., p.282-287.
590 Cf. Para Marçal Justen Filho: "No Brasil, tem sido orientação doutrinária comum afirmar que a Constituição Federal, ao discriminar competências dos diversos entes federados ou ao estabelecer atribuições do Estado, aludiu a certos serviços como públicos. O art. 21, por exemplo, contém diversas previsões acerca de serviços públicos (incs. X, XI e XII). Essa solução redacional conduziu parte substancial da doutrina a reconhecer tais atividades como serviços públicos por inerência, sem possibilidade de qualificação diversa em virtude de lei ordinária. Quanto a eles, não haveria margem de qualquer inovação ou modificação por parte do legislador infracontitucional." (FILHO JUSTEN, Teoria geral..., p.44).
216
que a concessão depende da colaboração do Congresso Nacional (art. 223 e 49, XII, CF). Há
um vínculo orgânico entre a noção de serviço público e a administração pública, inafastável
mesmo na hipótese de delegação estatal da execução à iniciativa privada.591 Compete à
Administração, ainda, a correta ordenação das freqüências radioelétricas, a fim de
assegurar o respectivo uso pelos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal, sendo
que essa tarefa hoje é atribuída à ANATEL, nos termos da Lei n.o 9.472/97 (art. 157).
Tais normas relativas às competências estatais devem ser interpretadas sob o ângulo
do princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal,
contido no art. 223 da CF.592
Para Celso Bandeira de Mello, o Estado tem a obrigação de prestar e de
conceder o serviço de televisão:
Isto porque o art. 223 determina que, na matéria, seja observado o princípio da
complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Se esta
complementaridade deve ser observada, o Estado não pode se ausentar da atuação
direta em tal campo, nem pode deixar de concedê-los, pena de faltar um dos
elementos do trinômio constitucionalmente mencionado.593
O reconhecimento do serviço de televisão por radiodifusão como serviço
público privativo do Estado não implica, necessariamente, em execução estatal. Se quiser,
o Estado pode delegá-lo à iniciativa privada. Não há, no entanto, obrigatoriedade de
transferência da prestação aos particulares, conforme a Lei nº 4.117/62 (art. 10).
Quanto à participação do poder público em relação às comunicações por televisão
Marçal Justen Filho destaca:
O Estado não pretende (nem nunca pretendeu) assumir direta e imediatamente o
desempenho das comunicações televisivas. A atuação estatal brasileira no âmbito
dos serviços de televisão é absolutamente secundária. O que se verifica (e muito
tenuamente) é uma intervenção regulatória destinada a restringir o poder
produzido a partir do controle dos meios de comunicação de massa.594
591 Sobre a questão do vínculo orgânico com a Administração como elemento de caracterização do serviço público, ver MEDAUAR, Direito administrativo moderno, p.315.
592 Cf. art. 223, CF.
593 BANDEIRA DE MELLO, Curso..., p.660.
594 FILHO JUSTEN, Teoria geral..., p.35.
217
O art. 21 da Constituição, ao prever as competências materiais privativas da
União não trata apenas de serviços públicos, pois engloba inclusive atividades
econômicas.595 Há a abertura do texto para que a lei discipline o setor de radiodifusão,
dividindo-o adequadamente entre os três sistemas de radiodifusão e, também,
estabelecendo as hipóteses de serviços públicos e de atividades privadas de radiodifusão.
Alguns serviços de televisão por radiodifusão devem ser qualificados como serviços
públicos privativos do Estado, enquanto outros não se sujeitam a essa classificação
jurídica.596
No âmbito do STF, pode-se citar como paradigmático o caso concernente à
conclusão no sentido de que a mera referência constitucional a uma determinada atividade
não significa a sua qualificação como serviço público. Tratava-se do julgamento sobre uma
questão envolvendo serviços de transporte aquaviário, disciplinado pelo art. 21, XII, letra
"d", da Constituição Federal. Ao interpretar o referido dispositivo o Ministro Nelson Jobim
relatou: "A CF não obriga a União a essa exploração. A norma constitucional é de distribuição
de competência federativa. Não é uma regra que crie dever ou obrigação".597
E mais, como demonstrado acima, o STF decidiu na ADIN n.o 561-9 que a
Constituição de 1988 assegurou a "reserva de estatalidade" aos serviços públicos de
telecomunicações (texto original do art. 21, XI), porém, não em relação aos serviços de
radiodifusão. Em razão disso, é que foi editada a Emenda Constitucional nº. 08/95
rompendo o monopólio quanto à prestação dos serviços de telecomunicações e
distinguindo-o dos serviços de radiodifusão.
595 Cf. ALMEIDA, Fernando Dias. Aspectos constitucionais da concessão de serviços públicos. In: MEDAUAR, Odete (Coord. e co-autora). Concessão de serviços públicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p.33.
596 Alexandre Aragão adota um conceito de serviço público que promove a relativização da idéia de "reserva de estatalidade". Para ele: "serviços públicos são as atividades de prestação de utilidades econômicas a indivíduos determinados colocadas pela Constituição ou pela Lei a cargo do Estado, com ou sem reserva de titularidade, e por ele desempenhadas diretamente ou por seus delegatários, gratuita ou remuneradamente, com vistas ao bem-estar da coletividade" (ARAGÃO, Alexandre. A dimensão e o papel dos serviços públicos no estado contemporâneo. Tese (Doutorado). - Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2005, p.146-147).
597 STF. Segunda Turma. Recurso Extraordinário nº. 220.999-7, Pernambuco. Rel.: Min. Marco Aurélio, Recorrente: União Federal, Recorrida: Inove – Indústria Nordestina de Oléos Vegetais S/A. Acórdão Publicado no DJ de 24.11.2000. Tal acórdão é analisado em detalhes por GRAU, Eros Roberto. Constituição e serviço público. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Wilis Santiago (Orgs.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides, op. cit., p.249-267.
218
Passa-se a discorrer sobre alguns dispositivos da nova Lei Geral de
Telecomunicações que são fundamentais para a compreensão do novo modelo de televisão
por radiodifusão, que ora se propõe. Trata-se de um paradigma de referência para a
presente tese, razão pela qual é justificado seu estudo analítico.598
A nova Lei Geral de Telecomunicações (Lei n.o 9.472/97) superou o modelo
clássico de organização do setor na medida que não se pautou na noção de serviço público
de teleco-municações. Pelo contrário, o dispositivo contém o conceito de serviço de
telecomunicações (art. 60), para então estabelecer as suas respectivas modalidades
conforme os interesses atendidos (serviços de interesse coletivo e serviços de interesse
restrito conforme seu art. 62). A lei ainda delega poderes ao Poder Executivo para, entre
outras disposições, por meio de decreto "instituir ou eliminar a prestação de modalidade de
serviço no regime público, concomitantemente ou não com sua prestação no regime
privado" (art. 18).
Além disso, ela prevê que os serviços de telecomunicações podem ser prestados nos
regimes: público, privado e concomitantemente no regime público e privado (art. 65,
incisos I a III).
O regime público dos serviços de telecomunicações refere-se "àquele prestado
mediante concessão ou permissão, com atribuição a sua prestadora de obrigações de
universalização e de continuidade" (art. 63, parágrafo único). Tal regime é aplicável aos
"serviços de telecomunicações de interesse coletivo, cuja existência, universalização e
continuidade a própria União compromete-se a assegurar (art. 64). Contudo, ele não incide
nos serviços de telecomunicações de interesse restrito (art. 67).
O regime privado dos serviços exige a observância dos princípios gerais que regem
a atividade econômica (art. 126), sendo que a sua respectiva prestação depende de prévia
autorização administrativa, esta um ato vinculado à observância de condições objetivas e
subjetivas previstas na lei (arts. 131 a 133).
Por sua vez, conforme a mesma lei, é possível a coexistência da aplicação do
regime público e privado aos serviços de telecomunicações (art. 65, II), nos âmbitos
598 Segundo Floriano Azevedo Marques Neto: "O serviço essencial, portanto, o serviço que vai ser prestado no regime público ou o serviço que será entendido como serviço público (embora a lei não utilize o conceito de serviço público, até para fugir dessa polêmica), será aquele que o Poder Executivo diga ou a União se proponha a oferecer à sociedade com o compromisso de universalização e continuidade". In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p.310-311.
219
nacional, regional, local ou em áreas determinadas (art. 65, § 2.o), desde que assegurada a
viabilidade econômica de sua prestação no regime público (art. 66).
Além disso, ela dispõe o seguinte: "As modalidades de serviço serão definidas pela
Agência em função de sua finalidade, âmbito de prestação, forma, meio de transmissão,
tecnologia empregada ou de outros atributos" (art. 69).
Vários dispositivos da Lei n.o 9.472/97 foram objeto de questionamento quanto a
sua constitucionalidade junto ao STF, por intermédio da Medida Cautelar em ADIN
n.o 1.668-5. Tal decisão é extremamente útil para o presente trabalho na medida em que foi
reconhecida a possibilidade da aplicação dos regimes público e privado aos serviços de
telecomunicações, reconhecendo-se a viabilidade jurídica da utilização da autorização
enquanto ato administrativo vinculado.
Quando ao art. 18, inc. I, da lei que prevê a competência do Poder Executivo para
tratar, por intermédio de decreto, da modalidade de serviço no regime público,
concomitantemente ou não com sua prestação no serviço público, o STF, por maioria de
votos, entendeu pela constitucionalidade do artigo, eis que não haveria violação à
competência legislativa assegurada à União para tratar da matéria (arts. 21, inc. XI e 48,
inc. XII, da CF).599
Quanto ao art. 65, III, da mesma lei, que trata da possibilidade de coexistência dos
regimes jurídicos público e privado, o então Ministro Nelson Jobim afirmou o seguinte:
[...] não vejo inconstitucionalidade alguma no fato de cada modalidade de
serviço estar destinada à prestação exclusivamente no regime público, do regime
privado, ou, concomitantemente, a ambos os regimes, sem qualquer exclusão. A
Agência poderá definir, e, em alguns casos concretos, há o interesse público no
sentido de que um serviço possa ser, ao mesmo tempo, privado – forma pela qual
poderá ser financiado – e aberto ao público.600
O referido entendimento foi acompanhado pelo Ministro Sepúlveda Pertence que
lavrou seu voto nos seguintes termos:
599 Em sentido contrário, votou o Ministro Sepúlveda Pertence: "Parece-me extremamente plausível a alegação de que se invadiu matéria reservada à lei pelo texto reformado do inciso XI do art. 21 da Constituição. Remeteu-se à lei estabelecer, aqui, a opção entre exploração direta 'mediante autorização, concessão ou permissão', o que implica a decisão prévia sobre o regime público ou privado em que serão explorados os serviços, sempre públicos, de telecomunicações. A meu ver, ao primeiro exame, ante a reserva constitucional à lei, não era dado à própria lei, delegar ao Presidente da República essa opção fundamental." (Idem).
600 Idem.
220
Não me parece, à vista da alteração constitucional do inciso XI do art. 21 da
Constituição, que haja a impossibilidade essencial de que o serviço, por ser de
interesse coletivo, seja prestado em regime público, como está na lei, e,
concomitantemente, em regime privado. É esta, má ou boa, a inspiração da
revisão constitucional.601
Quanto ao art. 69 da lei, o Ministro Nelson Jobim manifestou-se no sentido de que
a norma não é uma espécie de delegação legislativa. Eis suas palavras:
Não se está criando modalidade nova ou definindo-se juridicamente, mas
tecnicamente, tendo em vista o âmbito da prestação, o universo de personagens, 'a
forma, meio de transmissão, tecnologia empregada ou de outros atributivos', a
definição se aquele tipo de serviço terá de ser prestado no sentido de acesso
global ou público, se será possível fechar-se privadamente ou se poderá ser
concomitante de ambos.602
Enfim, os apontados artigos da Lei Geral de Telecomunicações que interessam,
para os fins do presente trabalho, foram declarados constitucionais pelo STF, assegurando a
validade do novo modelo de organização do setor de telecomunicações, com a coexistência
do regime público e privado.
Em síntese, a nova Lei Geral de Telecomunicações rompeu com vários dogmas
jurídicos em relação à teoria dos serviços públicos. O primeiro, em relação à abertura do
setor de telecomunicações à atuação dos agentes econômicos privados e a possibilidade de
aplicação do regime de competição. O segundo, referente a não qualificação de todos os
serviços de telecomunicações como serviços públicos, com o reconhecimento de serviços de
telecomunicações em caráter privado. O terceiro, pertinente à flexibilidade do regime jurídico
aplicável às modalidades de serviços de telecomunicações: privado, público e misto,
conforme decisão do órgão competente. O quarto, concernente à utilização da concessão
para a prestação de serviços no regime público e da autorização no regime privado, esta
sendo qualificada como um ato administrativo vinculado.603
601 Idem.
602 Idem.
603 A título exemplificativo, no regime público incluem-se as diversas modalidades do serviço telefônico fixo comutado (art. 64, parágrafo único, da Lei nº. 9.472/97). Por sua vez, no regime privado encontra-se o serviço móvel pessoal (art. 2º, da Resolução nº. 321/2002, da ANATEL) e o serviço de comunicação multimídia (art. 10 da Resolução nº. 272/2001, da ANATEL).
221
Importante destacar que a entrada em vigor da Lei n.o 9.472/97 despertou forte
polêmica no cenário brasileiro, especialmente com a utilização da figura da autorização
para a prestação de serviços de telecomunicações. De um lado, há aqueles que defendem
que os serviços públicos somente podem ser prestados, mediante o regime de concessão e
(ou) permissão, daí a inadmissibilidade do uso da autorização. De outro lado, há aqueles
que sustentam que a lei não adotou um modelo estatal e monopolista na exploração dos
serviços de telecomunicações, razão pela qual podem ser prestados no regime de direito
público e (ou) no regime de direito privado. A questão específica do uso da autorização no
campo dos serviços de radiodifusão será vista mais à frente.604
Defende-se aqui que o serviço de televisão por radiodifusão deve ser qualificado
como um serviço público privativo do Estado em relação ao sistema estatal de radiodifusão,
aquele voltado à realização, basicamente, da comunicação institucional, porém não
unicamente.
Contudo, no caso do sistema de radiodifusão público, os serviços de televisão
são compartilhados, sendo a titularidade comum entre o Estado e as entidades sociais, sem fins
lucrativos.
A doutrina tem reconhecido alguns casos de serviços públicos não privativos,
como é o caso da saúde e da educação. Segundo Eros Roberto Grau, em sua interpretação
originária, trata-se de atividade econômica que tanto pode ser desenvolvida pelo Estado,
como serviço público, quanto pelo setor privado. Quando os serviços forem prestados pela
iniciativa privada, tratar-se-á de atividade econômica em sentido estrito. Por sua vez,
quando forem prestados pela União, Estados ou Municípios, então, será a hipótese de
serviço público.605
Posteriormente, o autor reviu seu entendimento para afirmar que a distinção
entre os serviços públicos não privativos dos serviços públicos privativos reside no fato de
que os "primeiros podem ser prestados pelo setor privado independentemente de concessão,
permissão ou autorização, ao passo que os últimos apenas poderão ser prestados pelo setor
privado sob um desses regimes". Segundo ele, "há, portanto, serviço público mesmo nas
604 Acerca da controvérsia, consultar: GROTTI, op. cit., p.162-168. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a Lei Geral de Telecomunicações operou uma verdadeira privatização dos serviços de telecomunicações, vedada pela Constituição. Ver: (DI PIETRO, Parcerias..., op. cit., p.135-139).
605 Cf. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p.143-144.
222
hipóteses de prestação dos serviços de educação e saúde pelo setor privado", e, "seja como
for, temos serviços de educação e saúde, em qualquer hipótese, quer estejam sendo
prestados pelo Estado, quer por particulares, configuram serviço público – serviço público
não privativo."606
Nesse sentido, o serviço público de televisão aproxima-se do regime dos
serviços sociais, especialmente aqueles relacionados à educação e à cultura. As atividades
educacionais e culturais não são atividades exclusivas de Estado, razão pela qual há a plena
abertura à participação da iniciativa privada (em verdade, iniciativa da sociedade), mediante
organizações integrantes do terceiro setor.
Por exemplo, a Constituição prevê a competência comum da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios para "proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação .."
(art. 23, V). Contudo, ela não impede a participação da iniciativa privada no campo cultural e
educacional.
No que se refere à educação, a Carta Magna especialmente estabelece que "o ensino
é livre à iniciativa privada, atendidas a seguintes condições: cumprimento das normas gerais da
educação nacional e autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público” (art. 209, I, II).
Quanto à cultura, a Constituição dispõe a respeito do dever do Estado em garantir o
exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, com o apoio e incentivo à
valorização e a difusão das manifestações culturais (art. 215), estabelecendo que a lei criará o
Plano Nacional de Cultura com vistas ao desenvolvimento cultural do País e à integração das
ações do poder público, para os seguintes fins: defesa e valorização do patrimônio cultural
brasileiro, produção, promoção e difusão de bens culturais, formação de pessoal qualificado
para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões, democratização do acesso aos bens de
cultura e valorização do acesso aos bens de cultura (art. 215, § 3.o, incisos I a IV).607 Ademais,
606 Cf. GRAU, A ordem..., 11.ed., p.123-125. Em sentido análogo quanto à existência de serviços públicos não privativos do Estado posiciona-se Marçal Justen Filho, segundo o qual: "Essa formulação deve ser complementada para apontar a tendência à afirmação da prestação do serviço público por entidades não estatais, que atuam em nome próprio e não por delegação pública. Surgem serviços públicos não estatais, o que não significa o desaparecimento de serviços públicos privativos do Estado. Alguns dos mais relevantes serviços públicos continuam a ser de titularidade exclusiva do Estado." (JUSTEN FILHO, Curso..., p. 491).
607 Cumpre observar que o § 3.o e seus respectivos incisos do art. 215 da CF foram introduzidos por intermédio da Emenda Constitucional n.o 48, de 10 de agosto de 2005.
223
prevê que o próprio mercado interno integra o patrimônio nacional608 e será incentivado para
viabililizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico e o bem-estar da população (art.
219).
No presente trabalho, são apresentadas as seguintes proposições em relação aos
serviços de televisão por radiodifusão: (i) sistema de radiodifusão estatal (serviço público
privativo do Estado – serviços de comunicação institucional), (ii) sistema de radiodifusão
privado (televisões comerciais – atividade econômica em sentido estrito) e, finalmente, (iii)
sistema de radiodifusão público (televisões educativas e televisões comunitárias – serviço
público não privativo e atividade voltada ao exercício, de modo direto, de direitos
fundamentais).
A assertiva é no sentido de que o serviço de televisão por radiodifusão não deve
ser considerado como uma atividade exclusiva do Estado e qualificada unicamente como
serviço público privativo. Ao lado dessa modalidade, há ainda, o serviço público não
privativo integrante do sistema de radiodifusão público.
Além disso, propõe-se que o sistema de radiodifusão de natureza comercial seja
qualificado pelo legislador como uma atividade econômica, regida pelo regime privado.609
A "publicatio" não é passível de generalização a ponto de alcançar o sistema de
radiodifusão privado.610
608 Para Marçal Justen Filho, posição à qual se adere, “o conceito de atividade econômica em sentido estrito delineia-se, portanto, sobre os princípios da exploração empresarial, da livre iniciativa e da livre concorrência. Pressupõe que os sujeitos possam organizar os fatores da produção para obtenção de resultados não predeterminados pelo Estado, com apropriação privada do lucro”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público, ob. cit., p. 32).
609 Na mesma linha de entendimento, Alexandre Aragão explica: "É, então, a letra da Constituição (ao se referir à 'autorização' no art. 21), somada à sua necessária evolução e aos paradigmas da hermenêutica constitucional, que nos leva a afirmar haver serviços de telecomunicações, e outros enumerados nos incisos X a XII do art. 21, que podem, observado o princípio da proporcionalidade, em seus aspectos omissivo e comissivo, ser despublicizados, tornando-se atividades econômicas privadas de interesse público.". (ARAGÃO, Alexandre. A dimensão e o papel dos serviços públicos ..., op. cit., p.214).
610 Cf. Na visão tradicional a respeito do termo "publicatio", segundo Gaspar Ariño Ortiz: "El acto de declaración de una actividad o un sector 'público', como servicio público, es lo que VILLAR PALASÍ ha llamado 'publicatio', 'acto de publicatio', y significa que tal actividad queda incorporada al que hacer del Estado y excluida de la esfera de actuación de los particulares sin previa concesión." (ORTIZ, Principios..., p.538).
Para maior detalhamento da presente proposição, ver item 3.6 intitulado Atividade Econômica em Sentido Estrito (Sistema de Radiodifusão Privado) do presente capítulo.
224
Isto porque o regime de serviço público não corresponde mais à evolução
histórico-social. Desde as suas origens, o serviço de televisão por radiodifusão tem sido
caracterizado como uma espécie de serviço público. Contudo, tal regime não impediu a
prática constante de abusos do poder político e poder econômico, e a configuração de um
estado de falta de democratização da mídia, conforme visto no capítulo primeiro. Daí a
necessidade de revisão desse histórico paradigma.
As emissoras de televisão comerciais adotam pressupostos de mercado, eis que
seu mecanismo de financiamento consiste em receitas derivadas da publicidade comercial.
Elas, além do poder econômico, desfrutam de um poder simbólico capaz de afetar
significativamente a sociedade.
A mudança de enfoque (substituição do modelo de serviço público pelo de
atividade econômica regida pelo regime privado) não é uma mera troca palavras. Pelo
contrário, o objetivo é o de justamente possibilitar o equilíbrio entre o poder do Estado e o
poder da mídia, por intermédio do ordenamento jurídico. Se há um mercado, então, deve
ser a ele aplicado um regime voltado à sua eficiência. Mas não só, eis que, para além das
preocupações econômicas, existem valores não econômicos que precisam ser tutelados na
comunicação social, mediante os serviços de televisão.
Com isso, pretende-se evitar o uso indiscriminado da noção de serviço público a
todas as modalidades de serviços de televisão, em detrimento do equilíbrio entre os
sistemas de radiodifusão no contexto de uma sociedade plural e comunicativa, adotando-se
um regime mais adequado à dinâmica do mercado.611
A proposta de um novo modelo visa garantir a estruturação policêntrica do sistema
de radiodifusão, mediante os três pólos de difusão de conteúdo audiovisual: as televisões
comerciais, estatais e públicas. Nesse contexto, para evitar a referida sobrevalorização do
"reserva de estatalidade" do setor radiodifusão, busca-se a compreensão do serviço público,
considerando-se o aspecto subjetivo plural, de valorização equilibrada do Estado, da
sociedade e do mercado em relação à comunicação social por radiodifusão.
611 Cf. Pablo Salvador Coderch e César Sans Pérez: "Los cambios en los condicionamentos técnicos – por las mejoras tecnológias y en valores sociales pueden suponer una revisión de la justificación de los límites que supone la publicatio, tanto en la constitucionalidad de la titularid estatal como en los límites a la gestión privada del servicio, que el legislador está obligado a realizar [...]." (Ver: Televisión Pública y Televisión Privada en la Jurisprudencia del Tribunal Constitucional Español: Comentario a la Sentencia del Tribunal Constitucional de 5 de mayo de 1994, sobre la Ley núm. 10 de 3 de mayo de 1988, de Televisión Privada. Revista Jurídica da Universidad de Puerto Rico. v.64, n.3, p.627-653, 1995).
225
Segue-se nos tópicos seguintes os desdobramentos das referidas propostas.
3.3 SERVIÇO PÚBLICO PRIVATIVO DO ESTADO (SISTEMA DE
RADIODIFUSÃO ESTATAL)
3.3.1 Panorama Geral
A conhecida "televisão pública ", gênero que abrange as "televisões educativas",
tradicionalmente, está vinculada, aos poderes públicos, em regra, à União e aos Estados.
Sua forma jurídica é diversificada, conforme seu âmbito, se federal ou estadual (em geral:
autarquias e (ou) fundações). Na visão clássica, elas são elementos constitutivos do sistema de
radiodifusão estatal, sem a necessária autonomia em relação ao governo. Além disso, o seu
paradigma está baseado na centralização de poderes em mãos da União em detrimento das
demais instâncias federativas.
A seguir, será delimitado o sistema de radiodifusão estatal em seus diversos
âmbitos: federal, estadual e municipal, demonstrando-se a necessária instituição de um
novo marco jurídico que assegure o espaço adequado para a transmissão de canais de televisão
para a realização da comunicação institucional dos poderes públicos da República
Federativa do Brasil.
À frente será visto um dos fundamentos do sistema de radiodifusão estatal, qual
seja, a comunicação institucional.
3.3.2 A Comunicação Institucional como um dos Fundamentos dos Setores Estatais de
Radiodifusão: Federal, Estadual e Municipal
Uma das finalidades do setor estatal de radiodifusão é a realização da
comunicação social de interesse público.612 Seu fundamento específico encontra-se na
regra constitucional que garante a realização da publicidade institucional pela administração
pública com a divulgação dos "atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos
612 Conforme explica Floriano de Azevedo Marques Neto: "O sistema estatal é aquele voltado à informação institucional do Estado (por exemplo o que ocorre nas TVs legislativas, na TV Justiça ou nos horários dedicados a informações institucionais – horário eleitoral ou Hora do Brasil)" (MARQUES NETO, Concessão de serviço público sem ônus para o usuário, p.335-336).
226
públicos" com "caráter educativo, informativo ou de orientação social", em observância do
princípio da impessoalidade (art. 37, § 1.o).613
A comunicação institucional, além de abranger o Poder Executivo, alcança o
Poder Legislativo e o Poder Judiciário. Trata-se de um dever de Estado, o que inclui,
obviamente, os três poderes republicanos.614 Sustenta-se, aqui, caso haja viabilidade
técnica e interesse público, que todos os poderes públicos republicanos possam receber a
outorga para a prestação de serviço de radiodifusão. Não se admite que a outorga restrinja-
se apenas ao Poder Executivo, o que implicaria em violação ao princípio da harmonia e
colaboração entre os poderes.
No âmbito federal, há a previsão do sistema de comunicação social da
administração pública, o qual inclui a RADIOBRAS – Empresa Brasileira de Comunicação,
pessoa jurídica de direito privado, organizada sob a forma de sociedade por ações, estando
vinculada à Presidência da República, cuja diretoria é nomeada pelo Presidente da
República (sendo seus integrantes demissíveis ad nutum) e os membros do Conselho de
Administração dependem de aprovação prévia do Chefe do Poder Executivo, tendo a
empresa como um de seus objetivos: "divulgar as realizações do Governo Federal nas áreas
econômicas, política e social e difundir para o exterior conhecimento adequado da
realidade brasileira, bem como implantar e operar emissoras e explorar serviços de
radiodifusão do Governo Federal", conforme Decreto n.o 2.958/99 (art. 1.o e 5.o). Entre
outras atividades, a RADIOBRAS também tem por função o gerenciamento de canais de
televisão: TV Nacional de Brasília (difusão de notícias sobre a capital federal), TV NBR
613 Evidentemente não há que se confundir a legítima publicidade institucional efetuada com fundamento no art. 37, §1º, da CF, com a ilícita atividade de propaganda governamental de caráter preponderantemente persuasivo, limitando-se a divulgar material elogioso ao governo e ao governante, em desfavor do princípio da impessoalidade, isonomia e do pluralismo político.
614 No âmbito da organização do serviço de televisão a cabo, a lei criou a obrigação para a operadora de televisão reservar canais de televisão para o Poder Legislativo e Poder Judiciário. Ademais, no campo da radiodifusão, tem-se como exemplo histórico da comunicação institucional dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário no plano federal o programa de rádio "Voz do Brasil", obrigação esta que não foi imposta às emissoras de televisão comerciais. Ora, a imposição de tranmissão compulsória do programa radiofônico “Voz do Brasil” é, no meu entender, inconstitucional, eis que contrária à liberdade de comunicação social. Se o Estado brasileiro pretende transmitir tal programa, então, ele que se utilize de seus próprios canais de comunicação institucional ou torne facultativa a transmissão do referido programa para as emissoras de rádio.
227
(transmissão de notícias sobre o Poder Executivo Federal) e TV Brasil (divulgação de
notícias brasileiras dos três Poderes da República no âmbito internacional).615
O Decreto n.o 4.799/2003, ao tratar da comunicação do governo do Poder
Executivo Federal, aponta os objetivos da comunicação institucional: disseminar
informações sobre assuntos dos mais diferentes interesses sociais, estimular a sociedade a
participar do debate e da definição de políticas públicas essenciais para o desenvolvimento
do País, realizar ampla difusão dos direitos do cidadão e dos serviços colocados à sua
disposição, explicar os projetos e políticas de governo propostos pelo Poder Executivo nas
principais áreas de interesse da sociedade, promover o Brasil no exterior, atender às
necessidades de informação de clientes e usuários das entidades integrantes da
administração pública.616
A comunicação social de caráter institucional não é uma tarefa exclusiva da
União, pois abrange a República Federativa do Brasil, a qual tem a importante missão de
levar ao conhecimento da sociedade assuntos de interesse público, e que implica na
organização da comunicação social em consideração também aos Estados e Municípios.
Afinal, a organização político-administrativa da República compreende a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos com autonomia constitucional (art. 18).
Assim, as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas devem definir as tarefas e a
organização do setor estatal de comunicação social, respectivamente, dos Estados e dos
Municípios.617
Além disso, o Sistema Brasileiro de Televisão Digital prevê que a União poderá
explorar os serviços de radiodifusão de sons e imagens em tecnologia digital, mediante
615 Ver: <htpp.www1.radiobras.gov.br, e a Lei n.o 6.301, de 15 de dezembro de 1975, que instituiu a política de exploração de serviço de radiodifusão de emissoras oficiais, autoriza o Poder Executivo a constituir a Empresa Brasileira de Radiodifusão – RADIOBRAS, e dá outras providências. Conferir: Decreto n.o 2.958, de 8 de fevereiro de 1999, que aprova a consolidação do Estatuto da Radiobras.
616 Consultar: Decreto n.o 4.799/2003.
617 Nesse aspecto, é impressionante o grau de federalismo em relação ao setor de radiodifusão alcançado na República da Alemanha. Lá, os Estados-membros ("Länder") possuem competência para organizar e prestar o serviço de televisão, inclusive o primeiro canal nacional de televisão somente surgiu na década de 60 em razão de acordo entre eles, e que resultou depois de sentença da Corte Constitucional que confirmou a competência dos "Länder" e não da União. No final dos anos 70, a maior parte dos Estados passou a editar leis para garantir o funcionamento de estações privadas de televisão, em regime de coexistência com as estações de televisão estatais. Trata-se de um modelo integralmente federativo de organização do setor de radiodifusão (MACHADO, Santiago Muñoz. Publico e Privado en el Mercado Europeo de la Televisión. Madrid: Civitas, 1993, p.28-32).
228
normas de operação compartilhada a serem fixadas pelo Ministério das Comunicações,
especialmente para assegurar um Canal do Poder Executivo (para transmissão de atos,
trabalhos, projetos, sessões e eventos do Poder Executivo) e um Canal de Cidadania (para
transmissão de programações das comunidades locais, bem como para a divulgação de
atos, trabalhos, projetos, sessões, e eventos dos poderes públicos federal, estadual e
municipal), conforme disposto no art. 13 do Decreto n.o 5.820/2006.
3.3.3 As Televisões Educativas: o Tradicional Enquadramento no Sistema de Radiodifusão
Estatal
A Constituição do Brasil atribui à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a
competência comum para: "proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação à
ciência" (art. 23, VI). Em virtude desse dispositivo, uma outra finalidade do sistema de
radiodifusão estatal, é a de promover a educação, mediante a atuação das televisões
educativas, operadas pela União, Estados e Municípios, originariamente previstas pelo
Decreto-lei n.o 236/67.
Além disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ao tratar da
modalidade de ensino à distância, estabelece a "concessão de canais com finalidades
exclusivamente educativas” (art. 80 da Lei n.o 9.394/96).
E mais, no âmbito do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, um dos seus
objetivos é a "criação de rede universal de educação à distância" (art. 1.o, II, do Decreto
n.o 4.901/2003). Ele prevê que a União poderá explorar os serviços de radiodifusão de sons
e imagens em tecnologia digital, mediante normas de operação compartilhada a serem
fixadas pelo Ministério das Comunicações, especialmente para assegurar um Canal de
Educação (para transmissão destinada ao desenvolvimento e aprimoramento, entre outros,
do ensino à distância de alunos e capacitação de professores, e um Canal de Cultura (para
transmissão destinada a produções culturais e programas regionais), conforme disposto no
art. 13 do Decreto n.o 5.820/2006.
Após essa breve exposição a respeito da televisão educativa, cumpre apontar os
seus respectivos modelos de organização presentes nos planos federal e estadual. Vale
dizer, aqui será analisada a experiência brasileira para fins de crítica e enquadramento
diante do princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão.
229
3.3.3.1 Âmbito Federal: a abertura ao modelo das organizações sociais
Com o processo de Reforma do Estado618, houve a reformulação de sua
organização e repasse de certas atividades para a execução por particulares. Nesse
contexto, foram criadas as organizações sociais, "figuras" integrantes do denominado
terceiro setor, na forma da Lei n.o 9.637/98.
Em razão disso, no âmbito federal, por exemplo, a Fundação Roquete Pinto
(originariamente uma organização integrante da administração pública indireta),
encarregada da operação do canal de televisão TVE, foi extinta, na forma da Lei
n.o 9.637/98, sendo sucedida pela Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto –
ACERP, esta qualificada como organização social, na forma do Decreto n.o 2.442/97, e que
celebrou um contrato de gestão com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da
República. Nesse caso, o repasse dos recursos públicos está condicionado ao cumprimento das
metas estabelecidas pelo poder central.
Ora, as organizações sociais não pertencem ao primeiro setor (Estado), nem ao
segundo setor (mercado), mas elas encontram-se no terceiro setor (sociedade civil) e
desempenham serviços qualificados como não-exclusivos do Estado, daí porque não
podem ser enquadradas no sistema de radiodifusão estatal, mas tão-somente no sistema de
radiodifusão público (terceiro setor). Em outras palavras, por uma questão de unidade e
coerência do ordenamento jurídico, uma vez qualificada uma entidade como organização
social, então, ela passará a integrar o terceiro setor e não mais o âmbito da administração
pública. Evidentemente que isto não afasta a responsabilidade estatal quanto à execução da
política pública em termos de educação, por intermédio do sistema de radiodifusão
público.
3.3.3.2 Âmbito estadual: os casos do Rio Grande do Sul e de São Paulo
No âmbito dos estados, as televisões educativas, em geral, ora assumem a forma
de fundações ou autarquias, sendo a exceção a qualificação como organizações sociais.
O padrão é o controle do Estado-membro sobre a organização administrativa
encarregada da gestão da "televisão educativa". Nesse caso, a lei estadual autoriza a
618 Para uma análise completa do tema, conferir: AMARAL FILHO, Marcos Jordão Teixeira. Privatização no estado contemporâneo. São Paulo: Ícone, 1996.
230
criação do ente administrativo, sendo a supervisão feita por uma das secretarias vinculadas
ao Chefe do Poder Executivo. Em regra, é o Governador do Estado quem nomeia o
Presidente da fundação ou da autarquia encarregada da execução do serviço de televisão.
Nesse sentido, destaca-se o precedente envolvendo a comunicação social do
Estado do Rio Grande do Sul que apresenta alguns contornos importantes para a
compreensão do sistema estatal de radiodifusão, em razão de sua Constituição
originariamente conter um artigo que previa a independência dos órgãos oficiais de
comunicação social em face do governo e demais poderes públicos e um outro que
assegurava o direito de antena a partidos políticos e organizações sociais. Em outras
palavras, ela serve como paradigma em torno da discussão sobre a delimitação do grau de
autonomia das emissoras de televisão estatais perante o próprio Estado.619
O STF, ao apreciar a ADIN n.o 821-8, em 05.02.93, Relator Ministro Octavio
Galotti, julgou procedente a ação, para o fim de declarar a inconstitucionalidade do art. 238
da Constituição do Rio Grande do Sul que garantia a independência dos órgãos de
comunicação social do Estado (inclusive fundações e quaisquer entidades sujeitas direta ou
indiretamente ao controle econômico estatal), em face do Governo Estadual e demais
Poderes Públicos, e para assegurar "possibilidade de expressão e confronto de diversas
correntes de opinião". Além disso, a norma impugnada garantia a existência de um
Conselho de Comunicação Social, em cada órgão de comunicação social do Estado,
integrado por representantes da Assembléia Legislativa, das Universidades, dos órgãos
culturais e de educação do Estado e do Município, bem como da sociedade civil.620
619 Os dispositivos da Constituição gaúcha preceituavam o seguinte: "Art. 238 – Os órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado, às fundações instituídas pelo Poder
Público ou a quaisquer entidades sujeitas direta ou indiretamente, ao controle econômico estatal serão utilizados de modo a salvaguardar sua independência perante o Governo Estadual e demais Poderes Públicos, e a assegurar a possibilidade de expressão e confronto de diversas correntes de opinião. Parágrafo único – Para os efeitos do disposto neste artigo, cada órgão de comunicação social do Estado será orientado pelo Conselho de Comunicação Social, composto por representantes da Assembléia Legislativa, Universidades, órgãos culturais e de educação do Estado e do Município, bem como da sociedade civil e dos servidores, nos termos dos respectivos estatutos.
Art. 239 – Os partidos políticos e as organizações sindicais, profissionais, comunitárias, culturais e ambientais dedicadas à defesa dos direitos humanos e à liberdade de expressão e informação social, de âmbito estadual, terão direito a espaço periódico e gratuito nos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado, de acordo com sua representatividade e critérios a serem definidos em lei".
620 STF. Tribunal Pleno. ADIN n.o 821-8 – Rio Grande do Sul, Relator: Ministro Octávio Galloti, Requerente: Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Decisão publicada no DJ de 07.05.93.
231
Também, foi declarada a inconstitucionalidade do art. 239 da referida
Constituição Estadual que assegurava aos partidos políticos, organizações sindicais,
profissionais, comunitárias e ambientais dedicadas à defesa dos direitos humanos e à
liberdade de expressão e informação social, no âmbito estadual, "direito a espaço periódico
e gratuito nos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado, de acordo com sua
representatividade e critérios a serem definidos em lei".621
E, ainda, a Lei estadual n.o 9.726/92 foi declarada inconstitucional na medida em
que instituiu a figura do Conselho de Comunicação Social, integrado por vinte e três
membros, entre os quais três indicados pelo Governador, e por demais entidades da
sociedade civil.622
O STF entendeu que a independência conferida pelos dispositivos impugnados
aos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado ofenderia o princípio da
separação e da harmonia dos Poderes, com a usurpação da competência substancialmente
administrativa do Poder Executivo. E mais, também violaria a norma da Constituição
Federal que prevê a competência da União para legislar sobre radiodifusão e explorar ou
conceder tais serviços e as garantias constitucionais da liberdade de expressão e da
isonomia em razão da discriminação de segmentos representativos da sociedade.623
O Ministro Relator Otávio Galotti expressou seu voto no seguinte sentido:
Dentre essa pletora de proposições, parecem-me bastarem – a fim de emprestar
relevo à fundamentação jurídica do pedido – as questões vinculadas à separação
dos Poderes e à exclusividade de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, bem
como à competência privativa deste para exercer a direção superior e dispor
sobre a organização e o funcionamento da administração.624
Com o devido respeito à decisão acima referida, dela discorda-se quanto ao seu
mérito. Os dispositivos atacados da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul
constituem importantes garantias em termos de democratização dos órgãos de
621 Idem.
622 Idem.
623 Idem.
624 Idem.
232
comunicação social do setor estatal. O Estado-membro no exercício de sua autonomia
constitucional disciplinou em sua Constituição a estruturação do sistema estatal de
comunicação social. Não há regra na Constituição Federal que vede tal espécie de norma
impugnada.625
Em razão dessa decisão, no Rio Grande do Sul mantém-se um modelo de televisão
estatal, ainda que aberto à participação da sociedade civil em sua organização interna, cuja
análise se impõe para melhor delineamento da problemática em torno dos limites do sistema de
radiodifusão estatal, especialmente a autonomia da entidade executora dos serviços de
televisão. A TVE-RS – Fundação Cultural Piratini tem por finalidade a "promoção de
atividades educativas, culturais e informativas", nos termos de seu estatuto, aprovado pela
Lei n.o 10.535/95. A sua estrutura interna é composta por um Conselho Deliberativo (com
a missão, entre outras, de "estabelecer as diretrizes da programação e da produção de
acordo com as finalidades da Fundação" – art. 21, V, de seu Estatuto) e por uma Diretoria
Executiva (com a função, entre outras, de "cumprir e fazer cumprir as deliberações e
recomendações do Conselho Deliberativo" – art. 28, VI, do Estatuto). Há, ainda, a figura
do Conselho Curador encarregado da fiscalização das atividades efetuadas pela
organização administrativa, cujos membros são de livre nomeação e exoneração pelo
Governador do Estado (art. 36).626 O Conselho Deliberativo é integrado por vinte e seis
membros, sendo três representantes do Estado do Rio Grande do Sul (Secretaria de
Educação, Secretaria da Cultura e Assembléia Legislativa) e os demais representantes da
sociedade civil (reitores, imprensa, jornalistas, trabalhadores das empresas de radiodifusão,
músicos, estabelecimentos de ensino, etc.), conforme disposição da Lei estadual n.o
10.536/95.627
O Presidente da Fundação "será escolhido dentre personalidades de alto nível
intelectual e cívico, com serviços prestados à causa da cultura e da educação" (art. 25,
625 É de ser reconhecido, no entanto, que um dos argumentos principais que embasou a decisão na ADIN nº 821/93 consistiu na questão formal na competência privativa do Governador do Estado quanto à iniciativa de projeto de lei relativo à estruturação da administração pública.
626 Ver Lei estadual n.o 10.535, de 08 de agosto de 1995, que altera a estrutura organizacional e a denominação da Fundação Rádio e Televisão Educativa.
627 Ver Lei estadual n.o 10.536, de 08 de agosto de 1995, que dispõe sobre o Conselho Deliberativo da Fundação Cultural Piratini – Rádio e Televisão e dá outras providências.
233
§ 2.o, do Estatuto), sendo que o "Governador do Estado submeterá a escolha do Presidente
da Fundação ao Conselho Deliberativo" (art. 25, § 1.o, do referido ato), mas cuja
investidura no cargo, diga-se, estranhamente, "dependerá de prévia autorização do
Ministério das Comunicações" (art. 26 do mesmo ato normativo). Também, a investidura
dos demais administradores da Fundação deverá ser "precedida de expressa aprovação pelo
Ministério das Comunicações" (art. 18, parágrafo único do Estatuto).628
Em seu estatuto, há dispositivos em garantia ao pluralismo ideológico,
especialmente a proibição de sua utilização "para fins político-partidários" (art. 9.o). E
mais, há a seguinte previsão: "na produção e veiculação do material jornalístico, as
emissoras da Fundação Piratini observarão a pluralidade de versões em matéria
controversa, ouvindo as partes envolvidas em polêmicas sobre fatos da atualidade e
interesse público" (art. 13).
Por outro lado, é ilustrativa a comparação do modelo gaúcho com o paradigma
de organização paulista da TV Cultura, para verificação do grau de autonomia do veículo
de comunicação social perante o governo do Estado.629
O caso da TV Cultura de São Paulo, gerida pela Fundação Padre Anchieta, é sui
generis. Trata-se de uma emissora de televisão criada pelo Estado de São Paulo, e
financiada com recursos do orçamento estadual, porém de âmbito nacional, cuja finalidade
é a "promoção de atividades educativas e culturais através de rádio e da televisão", com a
autonomia jurídica, administrativa e financeira, sob a forma de fundação de direito
privado, e a previsão de um Conselho Curador, com quarenta e sete membros, que exercem
mandatos gratuitos, sendo uma de suas missões "estabelecer as diretrizes da programação de
acordo com as finalidades da fundação", na forma do art. 14, IV, do Decreto Estadual
n.o 25.117/1986, constituído por representantes da sociedade, nos moldes do modelo da
628 Ver Lei estadual n.o 10.535, de 08 de agosto de 1995.
629 No âmbito da Constituição do Estado de São Paulo há a seguinte previsão normativa quanto ao capítulo destinado à Comunicação Social:
"Art. 273 - A ação do Estado, no campo da comunicação, fundar-se-á sobre os seguintes princípios: I - democratização do acesso às informações; II – pluralismo e multiplicidade das fontes de informações; III - visão pedagógica da comunicação dos órgãos e entidades públicas.
Art. 274 - Os órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado, as fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público ou a quaisquer entidades sujeitas, direta ou indiretamente, ao seu controle econômico, serão utilizados de modo a assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião".
234
BBC de Londres, integrado por reitores de universidades, secretários do governo estadual e
municipal e de diversos segmentos sociais.630
Do ponto de vista formal, apesar de ser uma fundação da administração pública
indireta, não é o Governador do Estado quem nomeia o Presidente da Fundação Padre
Anchieta (o candidato deve ser preferencialmente um dos conselheiros, mas não
necessariamente), mas sim o Conselho Curador. Ao lado do referido órgão, há a previsão
de uma Diretoria Executiva, cujo Presidente também é indicado após a eleição efetuada
pelos membros do Conselho Curador.
Comparando-se ambos os modelos de televisão, tem-se os seguintes pontos em
comum: tanto a "TVE" do Rio Grande do Sul quanto a "TV Cultura" de São Paulo
adotaram a forma jurídica de fundação, a presença de representantes do Estado, a figura de
um Conselho aberto à participação da sociedade e a dependência do financiamento público
por intermédio do orçamento estadual.
Um dos pontos de diferenciação consiste na nomeação do Presidente da instituição.
No exemplo gaúcho, ele é indicado pelo Governador à aprovação do Conselho Deliberativo
e sua investidura depende de prévia autorização do Ministério das Comunicações. No caso
paulista, ele é eleito pelo Conselho Curador, não dependendo de ato do Governador do
Estado.631
Os modelos gaúcho e paulista de "televisão pública" foram expostos para
demonstrar a problemática da autonomia da gestão perante os respectivos governos
630 Acerca da problemática da composição do Conselho Curador da TV Cultura, ver: COUTINHO, Josmar Brandão. O dilema da TV Educativa enquanto um instrumento oficial do governo ou um canal de representatividade da sociedade civil. Disponível em: <htpp:\\www.reposcom.pontcom.intercom.org.br>.. Acesso em: 14 dez. 2006. Ver, também, SANTOS, Suzi. O dono do mundo: o Estado como proprietário de televisão no Brasil. Disponível em: <htpp:\\www.reposcom.pontcom.intercom.org.br>. Acesso em: 14 dez. 2006. e LEAL FILHO, Laurindo. Por uma rede nacional de televisão. Disponível em: htpp:\\www.portaldovoluntario.org.br/site/pagina.php?idartigo=30&idmenu=46>. Acesso em: 15 dez. 2006.
631 Apesar da autonomia da TV Cultura do ponto de vista formal, ela é freqüentemente comprometida pelas pressões exercidas pelo governo quanto ao repasse de recursos públicos originários do orçamento estadual. Sobre o assunto, conferir: DEORSOLA, Lívia e PONTES, Nádia Costa. As relações perigosas da TV Cultura. Revista Adusp, p.29-33, set. 2006. Daí o surgimento da proposta para a criação de uma taxa específica sobre seu custeio. Ver: DALLARI, Adilson Abreu. Cobrança de taxa para custeio da TV educativa. Revista de Informação Legislativa, n.138, p.113-125, abr./jun. 1998. Para Adilson Dallari ao tratar do caso da TV Cultura: "o certo e indiscutível é que se trata indubitavelmente de um serviço público e de um serviço público estadual, na medida em que o Governo do Estado de São Paulo, por lei estadual, decidiu levá-lo a efeito, criando uma entidade especialmente habilitada para fazê-lo" (DALLARI, op. cit., p.115).
235
estaduais.632 Cuida destacar que um dos objetivos maiores a ser defendidos em relação à
"televisão pública" é a sua independência em face do poder público, valor substancial
protegido nos sistemas norte-americano e francês, consoante análise nos capítulos terceiro
e quarto. Em razão disso, propõe-se o definitivo enquadramento no sistema de radiodifusão
público, mediante a retirada das emissoras de "televisão educativas" do âmbito da
administração pública (sistema de radiodifusão estatal), e, conseqüentemente, a sua
qualificação como organizações sociais e (ou) organizações civis de interesse público.
3.3.4 Âmbito municipal
Registre-se que será feito, no momento, um estudo analítico do direito positivo
em torno da comunicação institucional em relação aos municípios.
No âmbito regulamentar federal, havia a previsão do Serviço de Retransmissão
Institucional (RTVI) que "é a modalidade de Serviço de RTV destinada a retransmitir, de
forma simultânea ou não-simultânea, os sinais oriundos de estação geradora de serviço de
radiodifusão de sons e imagens (televisão), explorado diretamente pela União" (art. 6.o,
XVI, do Decreto n.o 5.371/2005).
Houve inclusive a previsão, no apontado decreto, da possibilidade de realização
de comunicação institucional pelos Municípios brasileiros, mediante os serviços de
repetição dos sinais de radiodifusão. O referido ato normativo estabelecia que a
autorização para a execução do Serviço de Retransmissão Institucional é outorgada pelo
Ministério das Comunicações somente a pessoa jurídica de direito público interno
municipal (art. 11). Em outras palavras, o citado decreto previu, inicialmente, no âmbito do
sistema de radiodifusão estatal, a possibilidade de criação de "televisões municipais".
Estabeleceu-se, inclusive, a faculdade de inserções de programação de responsabilidade
do ente federativo em, no máximo, quinze por cento do total de horas de programação
retransmitida, com "finalidades institucionais, educativas, artísticas, culturais e informação,
em benefício do desenvolvimento e interesse geral da municipalidade", garantindo-se o
tempo de programação na seguinte proporção: um terço para a divulgação das atividades
do Poder Executivo Municipal, um terço para a divulgação das atividades do Poder
632 Acerca da significação da autonomia no campo do direito público, consultar: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito administrativo e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, p. 78-79.
236
Legislativo do Município, preferencialmente, para a transmissão de suas sessões e um terço
para entidades representativas da comunidade, sem fins lucrativos, assegurada a
pluralidade de opiniões e representação dos diversos segmentos sociais, com a
possibilidade de apoio institucional para o financiamento de seus respectivos custos (art.
34, § 1.o, § 2.o, § 3.o e art. 35, do Decreto nº 5.371/2005).
Além disso, previa-se que as pessoas autorizadas a executar o Serviço de
Retransmissão Institucional deveriam constituir um conselho de programação com a
finalidade de definir diretrizes, acompanhar a inserção de programação e de publicidade,
com a participação de representantes indicados pelo Poder Executivo municipal, pelo
Poder Legislativo municipal e um representante da comunidade residentes ou domiciliados
no Município onde estiver instalada a estação retransmissora (art. 36).
Contudo, os dispositivos que garantiam o acesso do Município e de entidades
comunitárias à atividade de televisão por radiodifusão, bem como a previsão de um
conselho de programação foram revogados pelo Decreto n.o 5.413/2005, o que configura
um verdadeiro retrocesso em termos de democratização do setor de radiodifusão.
Por outro lado, o Decreto n.o 5.820/06, que trata dos serviços de televisão
digital, contempla um Canal de Cidadania (para transmissão de programações das
comunidades locais, bem como para divulgação de atos, trabalhos, projetos, sessões, e
eventos dos poderes públicos federal, estadual e municipal). Ou seja, um mesmo canal de
televisão serve ao propósito da comunicação institucional e à afirmação da cidadania.
Entende-se que se trata de um dispositivo importante para a afirmação da cidadania,
contudo, isto não dispensa o dever de o poder público criar, mediante lei, as televisões de
âmbito comunitário que integrarão o sistema de radiodifusão público, conforme exposição
abaixo.
3.4 PROPOSIÇÕES
3.4.1 Operacionalização do Sistema de Radiodifusão Estatal
O funcionamento do sistema de radiodifusão estatal requer a existência de estruturas
organizacionais que podem estar dentro ou fora do aparelho do Estado. Em outras palavras,
237
a prestação dos serviços de televisão pode ser feita tanto pela administração pública direta
ou indireta, ou inclusive mediante a atuação de empresas particulares.
Suas finalidades básicas consistem na execução de tarefas voltadas à
comunicação institucional, como também em relação ao provimento de prestação em
termos de educação e cultura, mediante os serviços de radiodifusão.
Em outras palavras, muito embora possa ocorrer a integração das "televisões
educativas" no campo do sistema de radiodifusão público, mediante a criação de estruturas
fora do aparelho estatal, isto não quer significar o abandono do Estado quanto à sua
responsabilidade em definir políticas públicas sobre a matéria. Nesse caso, o governo traçará as
diretrizes em termos de educação e cultura, mas a respectiva execução ficará a encargo de
entidades privadas de interesse público, como é o caso das organizações sociais ou
organizações da sociedade civil de interesse público. Com isso, haverá a necessária
articulação entre os sistemas de radiodifusão estatal e público, em favor dos interesses
públicos em termos de comunicação social. Nesse caso, a responsabilidade estatal não é
mais pela execução direta do serviço de televisão por radiodifusão, mas sim indireta, com o
apoio às organizações sociais.
Além disso, não se sustenta aqui uma divisão absoluta entre as tarefas de
comunicação social e o dever quanto às prestações em termos de educação e cultura. Não
há a imposição constitucional da adoção de canais de televisão estatais que transmitam
exclusivamente comunicação institucional dos poderes públicos. Ao contrário, é possível
conciliar uma programação de televisão, combinando o conteúdo relacionado a
informações institucionais, com finalidades educacionais e culturais.
Vale dizer, o sistema estatal tem como uma de suas missões a realização da
comunicação institucional. Entretanto, além dessa tarefa, ele deve estar orientado para a
prestação de serviços de televisão em atendimento ao princípio constitucional da
“preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”, contido no art.
221, I, da Constituição Federal.
3.4.2 Parâmetros para a Conceituação da Televisão Estatal
238
A televisão estatal por radiodifusão constitui uma modalidade de serviço público
privativo do Estado, sendo que uma de suas finalidades é assegurar a comunicação social
de caráter institucional, nos termos do art. 37, §1º da CF, a respeito dos atos e (ou) fatos
relacionados ao Poder Executivo, ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário.
Ademais, o poder público tem deveres a cumprir no que tange à educação e à
cultura. Em razão disso, a televisão estatal não se reduz à realização da comunicação
institucional. Nesse sentido, é possível que um canal de televisão integrante do sistema
estatal veicule tanto conteúdos relacionados à informação institucional quanto à educação e
à cultura.633
Por outro lado, a conceituação da televisão estatal deve estar vinculada à
titularidade exclusiva e o controle do Estado sobre a programação. Com efeito, o núcleo de
sua definição corresponde às idéias de competência estatal quanto à organização e
prestação do serviço de televisão por radiodifusão. Daí a incompatibilidade entre a livre
iniciativa e o sistema estatal.
Por sua vez, a gestão pode direta ou indireta. Em outras palavras, tanto o poder
público pode executar o serviço de televisão por órgãos administrativos ou pessoas
especialmente criadas para esse propósito quanto a execução pode ser realizada por
empresas privadas, mediante licitação.
3.4.3 Necessária Desvinculação das Televisões Educativas no Sistema Estatal
633 Isso ainda não impede a constituição de televisões educativas fora do sistema estatal e dentro do sistema
público de radiodifusão.
239
As televisões educativas encontram-se, em sua grande maioria, no âmbito da
estrutura da administração pública.634
Em função disso, elas estão sob a influência dos governos que procuram
imprimir uma determinada visão ideológica quanto ao conteúdo da programação de
televisão. Para evitar isto, faz-se necessária a independência dessas estações de televisão
para se tornarem de fato e de direito televisões públicas não-estatais, não vinculadas à
esfera governamental.
Daí porque um dos caminhos para essa garantia de autonomia é a sua respectiva
transformação em organizações sociais (exemplo: Associação de Comunicação Educativa
Roquette Pinto – ACERP que possui contrato de gestão com a União) ou organizações civis
de interesse público (exemplo: Associação de Desenvolvimento da Radiodifusão de Minas
Gerais que possui termo de parceria com a Fundação TV Minas Cultural e Educativa), as
quais integram o terceiro setor, voltado à execução de atividades não-exclusivas do Estado,
justamente, os serviços sociais relacionados à educação e à cultura.
3.4.4 Gestão Associada dos Serviços Públicos de Comunicação Institucional mediante a
TV por Radiodifusão
Com a Emenda Constitucional n.o 19/98 foi alterado o art. 241 das Disposições
Gerais da Carta Republicana, de modo a constitucionalizar a figura dos consórcios
públicos e os convênios de cooperação entre os entes federativos, para fins de gestão
associada de serviços públicos. Trata-se de um importante mecanismo de fortalecimento da
federação brasileira e de respeito ao princípio da eficiência e da economicidade em relação
à execução de serviços públicos.
Nesse caso, por exemplo, os Municípios, com interesses comuns, poderão
constituir uma pessoa jurídica especializada na organização e gestão do serviço público de
comunicação institucional, repartindo custos e tarefas em termos de produção de conteúdo
audiovisual e de transmissão dos sinais de televisão. A título ilustrativo, os municípios
poderão constituir um canal de televisão vocacionado à difusão do potencial turístico da
634 Ver: I Fórum Nacional de TV's Públicas. Diagnóstico do campo público de televisão. Caderno de debates. Brasília: Ministério da Cultura, 2006, p.45-46.
240
região onde estão situados, para fins de desenvolvimento social e econômico, em
atendimento ao art. 180, da Constituição Federal.
Com a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, a possibilidade
de compartilhamento de canais de televisão torna-se concreta à medida que a tecnologia
envolve o conceito de multi-programação, isto é, um mesmo canal de televisão pode
transmitir, concomitantemente, diversas programações de responsabilidade editorial de
diversas entidades federativas.
Saliente-se, contudo, que o Decreto nº. 5.820/06, que trata do referido sistema,
não aponta os critérios para o uso compartilhado do Canal de Cidadania que, entre outras
funções, está destinado a divulgação de atos, trabalhos, projetos, sessões e eventos dos
poderes públicos federal, estadual e municipal. Em verdade, a previsão de um único canal
para as três esferas federativas é uma medida insuficiente para atender as necessidades dos
mais diversos interesses em termos de comunicação social.
3.5 SERVIÇO PÚBLICO NÃO PRIVATIVO DO ESTADO (SISTEMA DE
RADIODIFUSÃO PÚBLICO)
3.5.1 Caracterização
Defende-se no presente trabalho que o "terceiro setor" da comunicação
audiovisual ampara-se na cidadania (art. 1.o, II, CF) e na liberdade de associação que
assiste aos cidadãos brasileiros (art. 5.o, XVII, CF). É uma proteção à auto-organização da
sociedade relativa à comunicação social. Consiste em um mecanismo de realização
cooperada dos direitos fundamentais relacionados à comunicação social, especialmente a
liberdade de expressão, informação, comunicação e direitos culturais. Sua tarefa básica é a
de assegurar uma comunicação social de interesse público.635 Cuida-se, ademais, de uma
verdadeira garantia em favor do acesso dos cidadãos e dos grupos ao meio de comunicação
social na modalidade televisão por radiodifusão.636
635 Cf. André Martinez: "O conceito de Terceiro Setor tem se mostrado extremamente abrangente em sua delimitação, pois vem sendo constituído a partir de uma herança multifacetada de lógicas institucionais que variam conforme a origem." (MARTINEZ, A., op. cit., p.64).
636 Como destaca Floriano de Azevedo Marques Neto: "[...] o sistema público é aquele voltado às finalidades de interesse público, educativas e culturais, desvestidas das finalidades econômicas,
241
A inovação constitucional reside na diferenciação entre os sistemas de radiodifusão
público e estatal. Na perspectiva da tradição do direito público brasileiro, o elemento estatal é
identificado com o público. O público é o âmbito estatal (referente ao Estado), assim como o
estatal está associado com a idéia de público. Ocorre que com as transformações sociais
verificadas nas últimas décadas, passou-se a diferenciar o público do estatal, não mais se
adotando o âmbito estatal como sinônimo de público, daí a emergência de um setor público
não-estatal.637
Pode-se afirmar que, atualmente, o termo "público" é o gênero que compreende
as seguintes espécies: estatal (âmbito destinado ao Estado em que há a atuação dos poderes
públicos) e o não-estatal (setor da sociedade em que há a ação de organizações fora do
aparelho estatal em afirmação à cidadania, assegurando a redistribuição do poder político e
do poder social). Tal diferenciação serve à expressão do pluralismo social, como fator de
organização do sistema de radiodifusão, pois a unidade política do Estado pressupõe a
pluralidade inerente à sociedade.638
O ponto em comum entre o público-estatal e o público não-estatal consiste no
fato de ambos os setores estarem atrelados ao que é de "todos e para todos", ou seja, eles
defendem e promovem os interesses públicos sem fins lucrativos. Aqui, adota-se a concepção
contemporânea de interesse público, fundada em uma pluralidade de interesses públicos
que expressam a diversidade de interesses sociais classificados em interesses especiais e
mercantis, como ocorre com as TVs educativas ou as TVs organizadas por OCSCIPs [...]" (MARQUES NETO, Concessão..., p.336).
637 A afirmação do público não-estatal no Brasil decorreu do processo de Reforma do Estado. Acerca do tema, PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Entre o estado e o mercado: o público não-estatal. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; GRAU, Nuria Cunill (Orgs.). O público não-estatal na reforma do estado. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p.15-48. Para Vital Moreira, o setor público, o privado e o estatal referem-se a uma tripartição entre os setores econômicos, sendo que o terceiro setor um híbrido entre os setores público e privado (MOREIRA, Vital Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra: Livraria Almedina, 1997, p.33). Para Gustavo Henrique Justino de Oliveira, terceiro setor é "o conjunto de atividades voluntárias desenvolvidas por organizações privadas não-governamentais e sem ânimo de lucro (associações e fundações), realizadas em prol da sociedade, independentemente dos demais setores (Estado e mercado), embora deles possa firmar parcerias e receber investimentos (públicos e privados)" (O contrato de gestão na Administração pública brasileira, p. 465, citado por VIOLIN, Tarso Cabral. Terceiro setor e as parcerias com a administração pública: uma análise crítica. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p.117).
638 Acerca da questão sobre a unidade política e ordem jurídica como tarefa do Estado, ver: HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p.33-34.
242
interesses difusos.639 Em um sentido amplo, o termo "público" refere-se tanto ao Estado
quanto à sociedade, sendo que os interesses públicos não são mais objeto de "monopólio
estatal". A nota diferenciadora reside em que o público-estatal diz respeito à figura do
Estado (e, respectivamente, ao exercício de poderes estatais), enquanto o público não-
estatal designa a figura da sociedade civil (vocábulo público em sentido restrito).
Com efeito, a organização da gestão do setor público de radiodifusão comporta
múltiplos arranjos institucionais, tais como: associações civis e fundações, sem fins
lucrativos, organizações sociais, organizações civis de interesse público, em que prevalece
a noção de propriedade pública (coletiva) e não de propriedade privada. Trata-se de um
espaço para a ação cooperada dos cidadãos em favor da prestação de serviços de televisão
por radiodifusão para a comunidade, assegurando-se a auto-gestão das respectivas
atividades pelos próprios cidadãos e (ou) usuários.
3.5.2 Televisões Comunitárias
Um dos elementos do sistema de radiodifusão público é a televisão comunitária
que, no entanto, sequer existe na realidade normativa; há tão-somente as rádios
comunitárias que enfrentam sérios problemas para sua consolidação democrática em nosso
País, principalmente em razão da demora da administração pública em apreciar os pedidos
de autorizações para funcionamento.640 Por enquanto existem apenas projetos de lei
relativos à criação e à operação de televisões comunitárias.641
639 Sobre a distinção entre interesses públicos especiais e difusos, conferir: MARQUES NETO, Regulação..., p.160-163.
640 Em defesa da afirmação dos sistemas estatal e público, cf. Venício Lima: "outra alternativa talvez a mais importante – é a mídia estatal, já existente (Radiobrás, Rede Brasil, TVE's, Rádios Educativas, e a mídia pública, que está ainda por ser construída. Buscar o equilíbrio entre os sistemas privado, estatal e público é não só uma exigência constitucional (art. 223), mas provavelmente, a principal alternativa à hegemonia da mídia privada e comercial no Brasil" (LIMA, V. Mídia: crise política..., p.173.
641 É o caso, por exemplo, do PLS n.o 575/99 que trata da televisão comunitária, conceituando como "emissoras de cobertura restrita destinadas ao atendimento dos interesses de determinada comunidade (Bairro/Vila), de baixa potência e com alcance limitado a 1km". Cf. texto do projeto de lei no site da ANATEL: www.anatel.gov.br. É problemático o alcance definido no referido projeto para a cobertura da televisão comunitária, eis que deveras restritivo para a democratização das comunicações sociais em nosso País. Será que uma comunidade circunscreve-se ao perímetro de 1KM? Será que o interesse comunitário não ultrapassa essa faixa geográfica?
243
Em respeito ao princípio democrático que exige a democratização do setor
audiovisual, impõe-se a extensão do regime aplicável às rádios comunitárias, com as óbvias
e necessárias adaptações, à organização do setor de televisão por radiodifusão de âmbito
comunitário.
Tal modalidade televisiva constitui um instrumento a serviço da realização de
direitos fundamentais, dentre outros: a liberdade de expressão, direitos culturais, liberdade da
informação, comunicação, etc.
De acordo com a Lei n.o 9.612/98, o serviço de radiodifusão comunitária tem
por finalidade o atendimento à comunidade beneficiada, sendo os seus objetivos os seguintes:
dar oportunidade à difusão de idéias, elementos de cultura, tradições e hábitos sociais da
comunidade; oferecer mecanismos à formação e integração da comunidade, estimulando o
lazer, a cultura e o convívio social; prestar serviços de utilidade pública, integrando-se aos
serviços de defesa civil, sempre que necessário; contribuir para o aperfeiçoamento profissional
nas áreas de atuação dos jornalistas com a legislação profissional vigente; e permitir a
capacitação dos cidadãos ao exercício do direito de expressão da forma mais acessível
possível.642
Contudo, a atividade de radiodifusão desempenhada pelas associações de cidadãos
não pode ser qualificada pelo legislador como um serviço público. É que esta noção está
intimamente ligada à figura do Estado. Ora, a atividade realizada pela administração
pública não se confunde com o exercício de direitos fundamentais, mediante os serviços de
televisão por radiodifusão. O serviço público é uma das atividades assumidas pelo Estado,
servindo precipuamente à concretização dos direitos fundamentais. Todavia, ele, em
relação à televisão comunitária, deve limitar-se à realização das atividades de fomento e de
polícia administrativa.
Em relação às televisões comunitárias há uma incompatibilidade congênita entre o
modo de exercício direto de direitos fundamentais pela atividade de distribuição de sinais
de TV para a comunidade com a noção de serviço público. Os direitos fundamentais não são
objeto de delegação estatal; situação totalmente diferente é a exigência de uma autorização
administrativa para permitir o acesso à atividade de radiodifusão e, por conseqüência,
viabilizar o seu respectivo exercício. Em outras palavras, não deve ser confundido o
642 Cf. art. 3.o da Lei n.o 9.612/98.
244
suporte técnico para a realização direta dos direitos fundamentais pelos próprios cidadãos
(serviço de televisão por radiodifusão) com a atividade estatal.
Além da necessária previsão legislativa, evidente que a implantação do serviço
de TV Comunitária depende de sua viabilidade técnica e econômica. Certamente, haverá
mais espaço no espectro eletromagnético para a sua instalação fora das capitais brasileiras,
eis que estas encontram-se bastante congestionadas. Daí porque, provavelmente ela
encontrará terreno propício para florescimento nas cidades de médio e pequeno porte. E
mais, deve-se definir o âmbito de cobertura de seu sinal de modo adequado e proporcional,
com a proteção contra as interferências de outros sinais, sob pena de não ser alcançada a
sua finalidade substancial que é a de assegurar a comunicação social de alcance
comunitário. Ainda, deve-se garantir um regime de financiamento, com a possibilidade de
publicidade comercial atrelada às receitas advindas do comércio local, juntamente com
fundos públicos de apoio ao seu desenvolvimento.643
O fator de identidade da radiodifusão comunitária é a titularidade, a gestão e o
controle da parte da sociedade civil, de forma independente do Estado; daí a necessidade
de, por exemplo, previsão estatutária de um Conselho Comunitário composto por diversos
representantes da comunidade local, independentemente de entidades religiosas, familiares,
governamentais e político-partidárias ou comerciais, nos moldes das rádios comunitárias.
Nesse caso, deve ser proibida a participação de representantes do poder público em sua
gestão e controle, razão pela qual não pode ser qualificada como televisão comunitária uma
organização social, eis que ela, por força da legislação, necessariamente há de contar com
agentes estatais.644
643 Na mesma linha de entendimento, NAZARENO, Cláudio. Viabilidade Técnica e Econômica da Criação do Serviço de TV Comunitária, incluindo Análise do Projeto de Lei em tramitação 2701/97, Estudo, março/2004. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados.
644 Nesse aspecto, é ilustrativa a lei sobre as rádios comunitárias que dispõe o seguinte: "Art. 8.o A entidade autorizada a explorar o Serviço deverá instituir um Conselho Comunitário, composto, por no mínimo, cinco pessoas representantes de entidades da comunidade local, tais como associações de classe, beneméritas, religiosas ou de moradores, desde que legalmente instituídas, com o objetivo de acompanhar a programação da emissora, com vista ao atendimento do interesse exclusivo da comunidade e dos princípios estabelecidos no art. 4.o desta Lei". Ademais, a referida lei dispõe que: "Art. 11. A entidade detentora de autorização para execução do Serviço de Radiodifusão Comunitária não poderá estabelecer ou manter vínculos que a subordinem ou a sujeitem à gerência, à administração, ao domínio, ao comando ou à orientação de qualquer outra entidade, mediante compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-partidárias ou comerciais".
245
Em síntese, o Estado brasileiro, até o momento, omite-se quanto à disciplina das
televisões comunitárias; sequer há sinal de sua respectiva criação no decreto que trata do
Sistema Brasileiro de Televisão Digital, enquanto em outros países ela já é uma realidade.
3.5.3 Proposições
3.5.3.1 Medidas de operacionalização e articulação do sistema de radiodifusão público
Um dos caminhos apontados para assegurar maior autonomia às televisões educativas
perante os governos é a sua qualificação como organizações sociais e, respectivamente, o
seu enquadramento no sistema público não-estatal de radiodifusão. Contudo, atualmente,
não há como obrigar do ponto de vista do direito positivo, que as unidades federativas que
possuem as televisões educativas promovam tal transformação. Daí a proposta de "lege
ferenda" para que um novo marco regulatório imponha a respectiva operação ou, ao
menos, estimule-a.
Cuida salientar que a finalidade do sistema público de radiodifusão pode ir além
das emissoras de televisão públicas. Em outras palavras, ela pode ser realizada, mediante a
previsão legislativa da obrigatoriedade de cessão de tempo de televisão das atuais empresas
privadas de radiodifusão para as organizações sociais sem fins lucrativos, com o
estabelecimento benefícios fiscais para a execução de tal obrigação. Tal medida é
justificada porque a freqüência do canal de televisão não é de propriedade privada, ao
contrário, como visto, trata-se de um bem público de uso da sociedade brasileira. Nesse
caso, o sistema privado estará participando e colaborando com a efetivação do sistema
público de radiodifusão em favor da democratização da mídia.645
645 Conforme explicação de Fábio Konder Comparato: "Daí a exigência atual de se reconhecer, senão a todo indivíduo, pelo menos às entidades representativas dos setores mais numerosos e importantes da sociedade civil, uma legitimação a usar dessas organizações já instaladas de comunicação social, para transmitir livremente suas mensagens." (COMPARATO, É possível..., p.306). Nesse aspecto, a Constituição da Espanha de 1978 reconhece o direito de acesso aos meios de comunicação dos grupos sociais e políticos significativos, em respeito ao pluralismo da sociedade. O dispositivo constitucional prevê o seguinte: "A lei regulará a organização e o controle parlamentar dos meios de comunicação social dependentes do Estado ou de qualquer ente público e garantirá o aceso a referidos meios aos grupos sociais e políticos significativos, respeitando o pluralismo da sociedade e das diversas línguas da Espanha" (Art. 20.3). Dado encontrado em: <www.constitucion.rediris.es/legis/1978/ce1978html>. Acesso em: 29 dez. 2006. Para aprofundamento do tema, consultar: SABAU, José Ramón. Libertad de Expresión y Derecho de Acesso a los medios de comunicación. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
246
3.5.3.2 Conceito de televisão pública
Em razão do exposto, a televisão pública é uma das modalidades de serviço de
televisão, integrante do sistema de radiodifusão público, caracterizada como um serviço
público não-privativo do Estado, cuja função primordial é a execução de serviços sociais
relacionados à educação, à cultura e à informação, realizado por organizações
independentes do Estado, com a participação e o controle social, que não integram a
administração pública e que não possuem fins lucrativos, submetidas a um regime de direito
público de modo preponderante.
3.5.3.3 Revisão do conceito de televisão educativa
Do ponto de vista do direito positivo, faz-se necessária a revisão do conceito de
televisão educativa, eis que desatualizado diante do processo de evolução histórico-social.
O Decreto-lei nº. 236/67 dispõe que a “televisão educativa se destinará à divulgação de
programas educacionais, mediante a transmissão de aulas, conferências, palestras e
debates” (art. 13).
Evidentemente que não é possível limitar o papel educativo de uma emissora de
televisão à veiculação de “aulas, conferências, palestras e debates”, sob pena de
comprometer a própria finalidade educacional. Daí porque tal regra há de ser revisada para
garantir a autonomia à emissora de televisão para definir os meios pelos quais atenderá ao
conteúdo educacional.
Constitucionales, 2002. Em Portugal, na sua Constituição há o reconhecimento os direitos de antena não só aos partidos políticos, mas também as organizações sindicais, profissionais e representativas das atividades econômicas, conforme sua relevância e representatividade, em relação ao serviço público de rádio e televisão (art. 40, 1, da Constituição Portuguesa). Ver: CANOTILHO, José Joaquim; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa: lei do tribunal constitucional. 8.ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p.33.
247
Além disso, defende-se que as televisões educativas no âmbito da radiodifusão não
devem se restringir às universidades, tal como ocorre no modelo dos serviços de TV a
cabo.646 Pelo contrário, é imprescindível estender a faculdade de prestação de serviços às
instituições de ensino superior. Em que pese a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional tratar, de modo diferenciado, as duas entidades, não existe razão jurídica que
justifique a exclusão delas do sistema de radiodifusão público. Em outras palavras, a
finalidade educacional, mediante a atividade de televisão por radiodifusão, pode ser
atendida tanto pelas universidades quanto pelas instituições de ensino superior. 647
3.5.3.4 Compreensão de televisão comunitária
Por sua vez, a televisão comunitária é uma das modalidades de serviço de
televisão, integrante do sistema de radiodifusão público, de baixa potência nos termos
definidos em lei, cuja finalidade é a de assegurar a realização de uma comunicação de
âmbito comunitário, em afirmação à cidadania e os direitos à liberdade de expressão,
informação e de comunicação social, por organizações independentes do Estado, sem
compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-partidárias ou
comerciais.
3.5.3.5 Forma jurídica das entidades sociais: alguns critérios essenciais
Embora o direito positivo preveja a figura das organizações sociais, em relação
ao serviço público não privativo de televisão por radiodifusão associado às televisões
educativas, não há obrigatoriedade de adoção de tal modelagem. Contudo, se os Estados
mantiverem as referidas estações de televisão no âmbito de sua organização interna
646 A Lei nº 8.977/95, quando trata dos canais básicos de utilização gratuita nas operações dos serviços de televisão a cabo, dispõe sobre a garantia de oferta de “um canal universitário, reservado para o uso compartilhado entre as universidades localizadas no município ou município da área de prestação do serviço” (art. 23, I, letra “e”).
647 Ver, principalmente os arts. 45, 51 e 52 da Lei nº. 9.394/96. Para uma análise mais aprofundada a respeito das imprecisões terminológicas da referida lei e a apresentação de um estudo sistemático, conferir: RANIERI, Nina Beatriz. Educação Superior, Direito e Estado na Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº. 9.394/96). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Fapesp, 2000, p. 182-196.
248
(exemplos: autarquias ou fundações públicas648), então elas integrarão o sistema de
radiodifusão estatal e não o sistema de radiodifusão público.
O critério essencial para o ingresso no sistema público é a independência diante
do poder público, assegurada mediante a participação e o controle social, particulamente o
poder de auto-organização interna com a indicação de seus administradores e, sobretudo, a
nomeação de seu Presidente.
Em princípio, é admitida a participação de membros diretos do governo, uma
vez que o seu respectivo funcionamento dependerá de recursos públicos. Contudo, a
presença de representantes estatais deve ser em caráter minoritário, assegurando-se o
assento majoritário no conselho às entidades representativas da sociedade (exemplo:
organizações sociais). Exceção à proposição da regra geral, é o caso das televisões
comunitárias em que deve ser proibida a participação de representantes dos poderes
públicos, para garantir a efetividade de sua autonomia.
Quanto ao aspecto organizacional, defende-se a adoção de um Conselho
Consultivo da Programação, com representantes de segmentos representativos da
sociedade, em garantia da pluralidade de idéias e de opiniões e a participação democrática
em termos de programação de televisão.649
Em sendo adotada a figura da organização social, necessariamente a relação
entre o Estado e a televisão educativa será regida mediante os contratos de gestão. Este
consiste em um mecanismo que assegura o atendimento do princípio da eficiência da
atuação da administração pública, com a otimização dos meios e recursos públicos
voltados à prestação da referida atividade. Garante-se maior grau de liberdade na gestão,
com o controle posterior dos resultados em termos de qualidade da programação de
televisão.
648 A respeito dos reflexos do novo Código Civil sobre a criação de fundações públicas pelos entes federativos, consultar: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito administrativo e o novo Código Civil, p. 125-130.
649 Não se desconhece, no entanto, da problemática atual em tornar efetiva a participação da cidadania dos procedimentos de âmbito coletivo. Daí porque, com o advento do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, sugere-se a adoção de mecanismos de participação eletrônica, mediante a utilização maciça da internet.
Por outro lado, não se pode esquecer o risco da adoção de um modelo corporativo tal como o do Conselho de Comunicação Social, o qual é contrário ao princípio democrático e ao princípio da plena participação popular da cidadania.
249
Por sua vez, em sendo utilizada a forma da organização da sociedade civil de
interesse público, a referida relação será disciplinada pelos termos de parceria, documento
onde constará as responsabilidades e obrigações das partes signatárias.
3.5.3.6 Financiamento das televisões públicas: educativas e comunitárias
Outra dificuldade é o financiamento do custeio das atividades das televisões
públicas que, em regra, dependem de repasses orçamentários efetuados pelo governo.
Propõe-se, aqui, um sistema de financiamento misto. De um lado, a utilização de
recursos orçamentários (federal, estaduais e municipais, dependendo da modalidade de
serviço de televisão por radiodifusão), mediante a criação de fundos públicos especiais
para a criação, manutenção e operação das atividades.650
Ao lado das fontes estatais, deve-se prestigiar outros meios como, por exemplo,
a cobrança de taxas sobre o consumo de aparelhos de televisão vendidos no País, a
flexibilização nas regras de restrições à publicidade comercial, incentivo aos investimentos
privados na programação educativo-cultural relacionados à sua responsabilidade social e a
receita proveniente da remuneração paga pelas empresas comerciais pelo uso das
freqüências, licenciamento de produtos, prestação de serviços etc.651
Quanto ao aspecto tributário, a fonte de financiamento para o desenvolvimento
da atividade televisiva pública pode ser ainda uma contribuição sobre uma parcela das
receitas auferidas pelas televisões privadas com a venda do espaço audiovisual para
publicidade ou um imposto sobre a venda de televisores.652
650 No mesmo sentido quanto à criação de fundos especiais, ver: I Fórum Nacional de TV's Públicas, op. cit., p.63.
651 Em sentido análogo em defesa dessa modalidade de tributação, conferir: FARACO, Difusão..., p.117.
652 Quanto à produção audiovisual, já existem mecanismos de apoio à atividade cultural, mediante a legislação federal de incentivo à cultura e as legislações estaduais e municipais no mesmo sentido. É necessário apenas articular a atividade de fomento à produção audiovisual com a operacionalização dos serviços prestados pelo sistema de radiodifusão público. A título ilustrativo, há, por exemplo, a Lei n.o 11.437, de 28 de dezembro de 2006, que trata da destinação das receitas decorrentes para a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional – CONDECINE, criando, ainda, uma dotação orçamentária específica denominada Fundo Setorial do Audiovisual, utilizado para o financiamento de programas e projetos voltados para o desenvolvimento das atividades audiovisuais.
250
3.6 ATIVIDADE ECONÔMICA EM SENTIDO ESTRITO (SISTEMA DE
RADIODIFUSÃO PRIVADO)
3.6.1 Liberdade de Radiodifusão
Em uma visão liberal, a liberdade econômica até pode ser considerada como um
fim em si, servindo aos interesses capitalistas dos proprietários e (ou) controladores da
empresa. Nesse contexto, a regulação estatal serve apenas para tratar das falhas do
mercado, especialmente quando surgem monopólios e (ou) oligopólios. Contudo, tal
entendimento sequer é o majoritário, mesmo em um dos países de acentuada tradição
liberal como é o caso dos EUA.653
No contexto de um Estado Democrático de Direito, a regulação estatal tem que
garantir o justo equilíbrio entre o poder econômico das organizações da mídia e o poder
político, sob pena de a liberdade dos meios de comunicação social tornar-se um fator de
domínio da sociedade e de estrangulamento do sistema político. Aqui, a liberdade de
comunicação deve não só favorecer os proprietários dos meios de comunicação, como
também o público destinatário dos respectivos serviços, na qualidade de consumidores e de
cidadãos.
A atividade de produção de conteúdo audiovisual pertence à livre iniciativa, ao
passo que os serviços de distribuição dos sinais de televisão até o domicílio dos telespectadores
por radiodifusão é classificado pela doutrina tradicional como uma das modalidades de
serviço público privativo do Estado. Entretanto, propõe-se aqui um reexame da questão,
com a adoção do regime privado para a exploração dos serviços de televisão por
radiodifusão de natureza comercial, integrantes do sistema privado.
A proposta consiste na instituição de um regime de mercado favorável à liberdade
de radiodifusão, esta compreendida como uma faculdade de desenvolver a atividade de
transmissão de sinais de televisão pertencente aos agentes econômicos em um ambiente
competitivo, com regras de proteção à concorrência, de combate aos monopólios e (ou)
653 Ver Capítulo III.
251
oligopólios e de fomento à produção independente regionalizada, em regime de
autorização administrativa.654
A Lei n.o 4.117/62 faz expressa referência à liberdade de radiodifusão,
estabelecendo que os abusos em seu exercício serão punidos (art. 52). Ela prevê uma lista
de hipóteses de configuração de abusos (art. 53). E, ainda, dispõe: "a autoridade que
impedir ou embaraçar a liberdade de radiodifusão ou de televisão, fora dos casos
autorizados em lei, incidirá, no que couber, na sanção do art. 322 do Código Penal" (art.
72).
Se, de um lado, é imprescindível evitar os abusos praticados pela liberdade
radiodifusão, também é necessário restringir os abusos estatais contra ela cometidos. Daí o
importante papel da função regulatória desempenhada por uma agência reguladora
autonôma, para evitar o abuso do poder econômico e do poder político, em garantia do
pluralismo econômico e político e do equilíbrio entre os sistemas de radiodifusão. Nesse
sentido, uma das propostas aqui sustentadas é a atribuição a uma agência especializada da
competência para regular o setor de radiodifusão, conforme exposição logo abaixo.
A liberdade de radiodifusão não assegura o direito de acesso às freqüências
necessárias para a prestação dos serviços de televisão. Trata-se de uma liberdade condicionada
às referidas restrições constitucionais e à reserva da lei definidora de seu marco regulatório.
Compete ao Estado a imposição do regime jurídico para a entrada e a saída dos operadores
privados (afinal, o uso das freqüências dos canais de televisão não pode ser eternizado nas
mãos das mesmas empresas comerciais, havendo necessidade de renovação no cenário
audiovisual). No presente trabalho, propõe-se que o regime aplicável à atividade
econômica de televisão por radiodifusão no sistema privado seja o da autorização
administrativa.
A liberdade de radiodifusão funciona como um dos pilares de sustentação de
uma sociedade democrática pluralista aberta, com a garantia da difusão plural do poder e
da livre iniciativa individual e coletiva, enquanto fatores de dinamização dos vários
sistemas sociais. De um lado, a sua dimensão negativa ou defensiva revela-se em face de
ingerências estatais, assegurando-se a independência diante do poder político, mas também
abrange a defesa contra interferências do poder econômico e social. De outro lado, a sua
654 Como bem lembra Eros Grau: "Repito: o mercado – além de lugar e princípio de organização social – é instituição jurídica (=institucionalizado e conformado pelo direito posto pelo Estado)". Op. cit., p.37.
252
dimensão positiva implica a adoção de um marco legislativo adequado para seu respectivo
exercício, com a previsão de regras materiais, de organização e procedimento.655
Por sua vez, a liberdade de programação de televisão, que decorre da liberdade
de radiodifusão, abrange a faculdade de organizar seqüencialmente os conteúdos e os
formatos dos programas audiovisuais destinados ao público. Vale dizer, ela compreende a
liberdade de exibir dentro da programação de televisão quaisquer programas (de natureza
informativa, formativa e de entretenimento), sendo que a decisão quanto ao conteúdo
audiovisual compete à empresa de radiodifusão.
Evidentemente, o exercício da liberdade de programação pode ser limitado em
razão da proteção garantida a outros bens. Entre as restrições, pode-se citar: o direito de
resposta (art. 5.o, inc. V, CF), o direito de antena dos partidos políticos (art. 17, § 3.o, CF), o
exercício da classificação indicativa dos programas de televisão conforme os horários, em
defesa do público infantil e adolescente (art. 21, XVI, CF), limites à publicidade comercial
(art. 220, § 4.o), etc.656
3.6.2 Aplicação do Regime de Mercado ao Serviço de Televisão por Radiodifusão:
Fundamentos e a Necessária Regulação Estatal
A Constituição refere-se ao sistema privado de radiodifusão no art. 223, quando
trata do princípio da complementaridade entre os sistemas de radiodifusão.657
Considerando-se esse ponto de partida, será apresentada a proposta interpretativa de
alteração do marco regulatório, a fim de ser reconhecida a autonomia do sistema privado
655 No mesmo sentido, MACHADO, J. E. M., Liberdade de expressão..., p.623-624.
656 A Lei n.o 4.117/62 contém poucas obrigações em termos de programação de televisão, como é o caso do art. 38, letras "d" – finalidade educativa e cultural do serviço de radiodifusão - e "h" – cumprimento da finalidade informativa com um mínimo de 5% de transmissão de serviço noticioso. Por sua vez, o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto n.o 52.795/63) especifica as obrigações em termos de organização da programação, conforme seu art. 28, 12, letras "a" e item "17".
657 Para Dinorá Grotti: "A definição de sistema estatal ou privado é simples. A exploração de qualquer área pela iniciativa privada significa o desenvolvimento de atividades por empresas sem vinculação com o Estado, as quais buscam precipuamente o lucro guiadas pela lógica de mercado. O sistema estatal é aquele explorado exclusivamente pelo Estado, por meio de órgãos ou organizações estatais." (op. cit., p. 99).
253
de radiodifusão658, isto é, a configuração de uma verdadeira televisão privada, ainda que
dependente de um ato de outorga estatal (no caso, a autorização administrativa), que
explora uma atividade econômica em sentido estrito, com o objetivo de lucro, sob o regime
de mercado, porém objeto de regulação estatal efetuada por uma agência reguladora.659
Os fundamentos básicos constitucionais do sistema de radiodifusão privado são:
a livre iniciativa (art. 170, caput, parágrafo único), a propriedade privada (art. 170, II) e o
mercado interno como elemento integrante do patrimônio nacional (art. 219).
A Constituição no art. 21, XII, da CF não promove diretamente o enquadramento
de todas as modalidades de serviços por radiodifusão no âmbito normativo do conceito de
serviço público. Pelo contrário, há plena margem de conformação legislativa quanto aos
serviços de televisão que devem ser qualificados como serviços públicos privativos do
Estado ou não privativos, bem como aqueles que podem ser classificados como atividades
econômicas em sentido estrito. Aqui, parte-se do pressuposto de que não há uma oposição
absoluta entre as categorias serviço público e atividade econômica em sentido estrito. Elas
não se excluem mutuamente, ao contrário, possuem uma forte atração recíproca, cuja
diferenciação reside no regime jurídico aplicado sobre os serviços por parte do legislador.
Em outras palavras, assiste ao legislador a escolha entre a qualificação da
atividade como serviço público ou submetê-la aos princípios gerais da atividade
econômica. Defende-se a submissão do serviço de televisão do sistema de radiodifusão
privado à regulação estatal mais intensa do que em relação às demais atividades
econômicas em geral, justamente em razão de seu regime especial (arts. 221, 222 e 223 da
CF).
Com isso, se, de um lado, a lei tem que respeitar a norma que trata da
competência do poder público para prestar serviços públicos (art. 175), de outro lado, ela
658 Entende-se que deve ser garantida a autonomia do sistema de radiodifusão privado, impedindo-se sua desfiguração pelo legislador. Vale dizer, o princípio constitucional da livre inicativa no campo do sistema de radiodifusão privado funciona como um limite à competência legislativa. Sobre os direitos fundamentais, autonomia privada, competências e não-competências, ver: SILVA, V. A. da., A constitucionalização..., p.151.
659 Aqui, adota-se a expressão atividade econômica em estrito estrito, nos moldes da classificação proposta por Eros Roberto Grau que divide a atividade econômica em sentido amplo em serviços públicos e atividade econômica em sentido restrito. A diferença é que para o autor o serviço de radiodifusão é um serviço público privativo do Estado, enquanto a presente tese pretende demonstrar a existência diversas modalidades de serviços de televisão por radiodifusão em razão do princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão que exigem regimes jurídicos diferenciados. Cf. GRAU, A ordem..., p.102-126.
254
deve atender o núcleo essencial da livre iniciativa, protegido pela Constituição (art. 170,
caput, parágrafo único). Então, compete ao legislador adotar uma medida de equilíbrio e de
ponderação entre os bens constitucionais, sob pena de incorrer em excessos e desfigurar
uma das duas categorias, qualificando os serviços prestados no âmbito do sistema privado
como uma das modalidades de atividade econômica, com potencial lucrativo. Vale dizer, a
norma que protege a livre iniciativa impede uma leitura expancionista, de modo a evitar a
generalização da matriz clássica de serviço público para as mais diversas espécies de
serviços de televisão.
Do ponto de vista técnico, o serviço de radiodifusão é uma das modalidades de
telecomunicações, todavia, na dimensão jurídica há a distinção entre os dois setores por
força da Emenda Constitucional n.o 08/05.
Com a Lei Geral de Telecomunicações houve a relativização do conceito de
serviço público de telecomunicações; na medida em que ela, em nenhum momento,
emprega a expressão "serviço público de telecomunicações", mas tão-somente vale-se das
expressões "regime público" (art. 63) e "regime privado" (art. 126), logo nada mais
razoável do que a flexibilização da aplicação do conceito de serviço público à atividade de
televisão por radiodifusão, estabelecendo os seus respectivos contornos. E mais, isto se
justifica porque a própria Lei n.o 4.117/62 também não se utiliza do vocábulo "serviço
público de radiodifusão".
Desde suas origens, o serviço de televisão por radiodifusão prestado
gratuitamente à população pelas "televisões comerciais", apóia-se no financiamento do
mercado publicitário. Há, portanto, um dado da realidade inegável: a presença da figura do
mercado em relação aos serviços de televisão.660 Aliás, a universalização da radiodifusão
no País deu-se, justamente, pela atuação das forças econômicas privadas e não pela ação
estatal. A análise da história brasileira, consoante apresentação feita no capítulo primeiro,
mostra que o Estado sequer regula o setor de radiodifusão, de modo a prestigiar o princípio
do Estado Democrático de Direito. Em verdade, falta a necessária disciplina do setor
televisivo para que o mesmo funcione, ao menos, segundo as regras do mercado. Para além
660 Aqui, o elemento histórico é ilustrativo a respeito da classificação do serviço de televisão por radiodifusão. Já, na década de 30, o deputado paulista Berto Condé sustentava que: “o serviço de radiocomunicação é, como o telégrafo e o correio, um serviço público pela necessidade intrínseca que dêle tem os povos modernos, ao passo que a radiodifusão é um serviço, apenas, de interesse público, dado que a sua utilidade não implica em imprescindibilidade” (SAINT-CLAIR ..., p. 46).
255
disso, é preciso democratizar o setor audiovisual, no sentido de serem ampliadas as
estruturas de comunicação e a diversificação do conteúdo na programação de televisão. Em
uma verdadeira democracia não há liberdade absoluta de mercado; ao contrário, cumpre ao
Direito a tarefa de regulá-lo, a fim de compatibilizar seu funcionamento conforme as
demais liberdades e direitos.661
Por outro lado, não é mais admissível sustentar a tese da eliminação da
propriedade privada dos meios de radiodifusão, eis que vedada pela própria Constituição.
Esta qualifica a propriedade como direito fundamental (art. 5.o, caput) que não pode ser
objeto de Emenda Constitucional (art. 60, § 4.o, IV).662
Porém, é perfeitamente legítimo o exercício da função reguladora do Estado, na
forma do art. 174, da CF, com a edição de normas sobre os procedimentos de outorga das
freqüências, parâmetros técnicos, obrigações em favor do interesse público e a fiscalização de
seu respectivo cumprimento, com o objetivo de assegurar o equilíbrio do sistema privado
de radiodifusão, especialmente prevendo as condições de entrada e de saída, como também
os standards para a atuação dos agentes econômicos que prestam serviços de televisão de
natureza comercial.
Aliás, a constitucionalização do setor de radiodifusão impõe um estatuto especial de
restrição à livre iniciativa e à propriedade privada (arts. 220, II, 221, 222, 223), passível
ainda de detalhamento por parte do legislador quando da revisão marco regulatório, nos
termos ora propostos.
661 Não se desconhece que a mera pluralidade de agentes econômicos que prestam serviços de televisão não assegura, necessariamente, a diversificação do conteúdo da programação audiovisual. Apesar disso, a pluralidade de empresas em ação no mercado é a condição sem a qual torna-se-ia impossível a multiplicidade na oferta de programas de televisão. Daí porque a regulação deve ser feita não só em atenção à concorrência setorial, voltada à eficiência econômica, como também em relação ao pluralismo em termos de conteúdo audiovisual.
662 A proibição da propriedade privada no sistema de televisão por radiodifusão é defendida pelo professor Fábio Konder Comparato, para quem a existência da propriedade privada acaba por negar a própria liberdade de expressão, eis que a lógica de mercado impede o acesso aos meios de comunicação. Daí ele sustenta um sistema de comunicação social baseado em entidades sem fins lucrativos. Ver: A democratização dos meios de comunicação de massa. In: A televisão aos 50: criticando a televisão brasileira no seu cinqüentenário. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000, p.183-201. Por sua vez, Paulo Bonavides defende a constitucionalização da mídia como um dos poderes da República, tornando-se democrática e legítima. Para o autor, a liberdade dos meios de comunicação só existe em favor das classes dominantes; há o bloqueio à efetivação da democracia participativa, isto é, a efetiva participação do povo no processo de exercício do poder político (BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa: Por um Direito Constitucional de Luta e Resistência. Por uma Nova Hermenêutica. Por uma Repolitização da Legitimidade. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.13-49).
256
Reprise-se que a não qualificação do serviço de televisão comercial por
radiodifusão como uma espécie de serviço público privativo do Estado não ocasiona o
afastamento do Estado de sua responsabilidade quanto à adequada regulação do setor,
inclusive mais intensa do que em relação aos demais serviços privados, justamente porque
se utiliza de um bem público (freqüências radioelétricas) e sua prestação envolve caros
valores constitucionais.
3.6.3 Disciplina da Propriedade Privada
Quanto à questão específica da disciplina da propriedade privada, a Lei n.o 4.117/62
dispõe que uma mesma pessoa não pode participar da administração ou da gerência de
mais de uma concessionária, permissionária ou autorizada do mesmo tipo de serviço de
radiodifusão, na mesma localidade. Também, há a proibição do exercício da função de diretor
ou gerente de concessionária, permissionária e autorizada do serviço de radiodifusão quem
esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial. Esta regra, no entanto, não
impediu, na prática, que parlamentares fossem proprietários de inúmeras emissoras de
rádio e televisão em nosso País.663
Em relação à concentração econômica, em verdade, há um limite legal, um tipo
de multiple ownership rule (regra sobre propriedade cruzada) do direito norte-
americano664, contido no Decreto-lei n.o 236/67, em relação às estações radiodifusoras de
som e estações radiodifusoras de som e imagem. Contudo, ao contrário da regra originária
do direito norte-americano, aqui é possível a acumulação por uma mesma entidade de
emissoras de rádio e de televisão, dentro dos limites legais.665
663 Para uma análise da dominação histórica do setor por grupos familiares e elites políticas consultar LIMA, V., Mídia: teoria e política, p.104-110.
664 Ver: ALMEIDA, A. M., op. cit., p.108-109.
665 Especialmente, quanto à televisão, o referido diploma normativo dispõe: "Art. 12. Cada entidade só poderá ter concessão ou permissão para executar serviço de radiodifusão, em todo o País, dentro dos seguintes limites: [...] II – Estações radiodifusoras de sons e imagens – 10 em todo o território nacional, sendo no máximo 5 em VHF e 2 por Estado." Em outro lugar, o mesmo diploma legal ao mesmo tempo dispõe que "não serão computadas, para os efeitos do presente artigo, as estações repetidoras e retransmissoras de televisão, pertencentes às estações geradoras" (art. 12, § 2.o). Além disso, o referido Decreto-lei dispõe que não podem obter concessão ou permissão entidades das quais faça parte acionista ou cotista que integre o quadro social de outras empresas executantes do serviço de radiodifusão (art. 12, § 3.o). E mais, as concessionárias e permissionárias de serviço de radiodifusão não podem estar subordinadas a outras entidades que se constituem com a finalidade de estabelecer direção ou
257
Em outras palavras, o próprio dispositivo normativo não impediu a concentração
da propriedade privada, com a formação de grandes redes em território nacional, sendo que
o limite legal jamais foi respeitado.666 Na prática, as restrições legais não foram aplicadas em
função da interpretação dada pelo Ministério das Comunicações que considera como
entidade a "pessoa física", desconsiderando o parentesco e ignorando as "redes" integradas
com a "afiliação" contratual de emissoras que constituem subordinação "com a finalidade de
estabelecer direção ou orientação única". Desse modo, oficialmente, entendeu-se válido o
fato de um único grupo ter participação direta no controle de, ao menos, 32 emissoras de
televisão, como é o caso das Organizações Globo.667
Curiosamente, a Lei n.o 4.117/62 adotou parte do modelo norte-americano sem,
no entanto, incorporar as regras de controle da concentração econômica da propriedade de
emissoras de radiodifusão e de disciplina da influência das redes de TV sobre as emissoras
afiliadas, em garantia do regime de competição e da diversidade de idéias. A referida lei
não previu um órgão regulador nos moldes da Federal Communication Comission com
autonomia suficiente para normatizar e exercer a fiscalização do setor de radiodifusão. No
Brasil, tem-se um modelo muito mais liberal em relação ao dos Estados Unidos da
América do Norte, em termos de controle da propriedade privada dos meios de
radiodifusão.668
Conforme explicação de André Almeida, o Brasil, apesar de ter incorporado
originariamente no Código Brasileiro de Telecomunicações, o trustsheep norte-americano
quanto à disciplina do espectro eletromagnético, não contemplou a maioria das regras
norte-americanas que disciplinam a concentração da propriedade privada, para fins de
orientação, mediante cadeias ou associações de qualquer espécie (art. 12, § 7.o). Em havendo excessos aos limites impostos da parte dos concessionários e permissionários do serviço de radiodifusão, haverá a necessidade de adaptação no prazo máximo de dois anos, na ordem de 50% ao ano (art. 12, § 4.o). No caso da constituição da Rede Globo de Televisão comenta Sérgio Souza: "Na monopolização de audiências inteiras nos quatros cantos do País, anos depois, a Rede Globo de Televisão não precisou usufruir de todas as vantagens generosas proporcionadas pelo artigo e seu parágrafo; à parte as estações de propriedade da Rede, bastou a ela transferir comercialmente sua programação para várias emissoras regionais e locais de outros empresários, que funcionariam instantânea e livremente como retransmissoras do padrão global homogeneizador das heterogeneidades culturais brasileiras (SOUZA, Sérgio Euclies Braga Leal. Concessões de radiodifusão no Brasil: a lei como instrumento de poder (1932-1975). Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, Brasília, 1990, p.175).
666 AMARAL, O ordenamento..., p.476.
667 CAPPARELLI; LIMA, op. cit., p.43.
668 Acerca do direito norte-americano, ver Capítulo III.
258
garantia do regime de competição, bem como a diversidade das fontes de informações. O
modelo legal dos EUA de regulação do setor de radiodifusão possui regras rígidas para
evitar a concentração econômica das propriedades privadas, as quais ao longo do tempo, tendo
em vista as mudanças no cenário tecnológico e econômico, foram gradualmente sendo
relativizadas.669
Assim, o atual marco regulatório conduz às seguintes situações: (i) o
proprietário de uma emissora de rádio ou TV pode ser dono de jornal diário na mesma área
geográfica; (ii) esse mesmo radiodifusor pode ser ainda proprietário de mais uma emissora
de TV em UHF (respeitado o limite de duas por Estado) ou pode acumular a propriedade de
emissoras de rádio AM-FM, na mesma área geográfica; (iii) não há limitação para a duração
dos contratos de afiliação, sendo possível às redes inserir quaisquer cláusulas nos
respectivos contratos que lhes outorguem poder para controlar índices de audiência das
afiliadas, não havendo regra de controle da programação durante o horário nobre, nem
mesmo regra que vede a participação das redes na produção e comercialização de
programas.670
A ausência de regras de controle do poder econômico no sistema de radiodifusão,
com o objetivo de assegurar a concorrência saudável no mercado e o pluralismo de expressão
de idéias e opiniões, é um sintoma do atraso brasileiro na democratização da comunicação
669 No direito norte-americano, apesar de toda sua tradição em defesa da liberdade de expressão, existiam algumas regras, tais como: (i) Duopoly Rule – norma do duopólio (proibição que um operador de radiodifusão seja proprietário de mais de uma emissora do mesmo tipo no mesmo mercado); (ii) One-to-a-Market – norma um por mercado (um radiodifusor não pode ser proprietário no mesmo mercado de mais de uma emissora de TV em UHF ou de emissoras de rádio AM/FM); (iii) Cross-Ownership Rule - norma sobre a propriedade múltipla (um radiodifusor não pode ser proprietário de um jornal diário numa mesma área geográfica); (iv) Chain Broadcasting Rules – norma sobre radiodifusão em rede (as redes não podem ter nos contratos de afiliação determinados privilégios em face das emissoras afiliadas, bem como são proibidas práticas anti-competitivas); (v) Prime Time Acess Rule (PTAR) – norma com o objetivo de limitar o controle das redes de TV sobre a programação transmitida durante o horário nobre e (vi) Financial Interest and Syndication Rules (Fin-Syn Rules) – normas sobre interesse financeiro e da distribuição de programas que proíbem as redes de TV de possuírem interesses financeiros na programação por elas transmitida e vedação de acesso das redes ao mercado de distribuição de programas de TV (syndication business), com exceção na distribuição no mercado internacional (ALMEIDA, A. M., op. cit., p.79-121). Algumas das regras citadas foram mantidas, outras foram revogadas. Ver: Capítulo III.
670 Para um estudo mais detalhado das referidas regras à luz do direito norte-americano em comparação com o direito brasileiro, conferir: ALMEIDA, A. M., op. cit., p.79-120.
259
social, comparativamente em relação aos países desenvolvidos.671 Por essa razão, também,
serão apresentadas algumas propostas concretas em relação a esse problema.
3.6.4 Participação Estrangeira na Mídia
A Constituição brasileira de 1988 em seu texto originário garantia o direito de
propriedade privada das empresas de radiodifusão exclusivamente a brasileiros,
restringindo-se inclusive a propriedade de pessoa jurídica. A única exceção à regra consistia
na participação societária de partido político ou de sociedade comercial, cujo capital
pertencesse exclusiva e nominalmente a brasileiros. Competia, exclusivamente, aos
brasileiros a responsabilidade pela administração e orientação intelectual da empresa de
radiodifusão.672
Em razão da crise econômico-financeira da mídia nacional (jornais e emissoras
de televisão), foi permitida a entrada do capital estrangeiro, mediante a aprovação da
Emenda Constitucional n.o 36/2002, que alterou o art. 222. O novo dispositivo
constitucional prevê a propriedade das empresas de radiodifusão por brasileiros ou de
pessoas jurídicas constituídas sob a égide das leis brasileiras e que possuam sede no Brasil.
Garante-se que, pelo menos, 70% (setenta por cento) do capital social total e do votante
deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros, os quais deverão exercer
obrigatoriamente a gestão das atividades e a definição do conteúdo da programação.673
671 Como explica Juarez de Freitas: "A omissão passa a ser tão violadora dos direitos fundamentais como os excessos. Em certo sentido, para assegurar os direitos fundamentais é que existe o Estado, ao menos legitimamente: toda interpretação deve ser leal às exigências da totalidade dos direitos fundamentais, consorciados com os deveres". (FREITAS, Juarez. A melhor interpretação constitucional "versus" a única resposta correta. In: SILVA, Virgílio Afonso da (Org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p.344).
672 O texto originário do art. 222 da CF previa o seguinte: "A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, aos quais caberá a responsabilidade por sua administração e orientação intelectual. § 1.o É vedada a participação de pessoa jurídica no capital social de empresa jornalística ou de radiodifusão, exceto a de partido político e de sociedades cujo capital pertença exclusiva e nominalmente a brasileiros. § 2.o A participação referida no parágrafo anterior só se efetuará através de capital sem direito a voto e não poderá exceder a trinta por cento do capital".
673 Na tarefa de regulamentação do referido dispositivo constitucional, foi editada a Lei n.o 10.610/2002 que trata das normas de controle societário das empresas jornalísticas e de radiodifusão e a previsão de sanções para a hipótese de descumprimento.
260
As empresas estrangeiras podem, em princípio, ser titulares de direitos
fundamentais relacionados às liberdades comunicativas. Ocorre que existem bens protegidos
constitucionalmente que justificam a restrição à presença da participação estrangeira na mídia
brasileira. Entre eles, pode-se citar: a soberania nacional, a diversidade do patrimônio
cultural brasileiro, a integração do mercado interno ao patrimônio nacional, os
consumidores, a cidadania, a redução das desigualdades regionais e sociais etc.
Por isso tais bens não justificam uma intervenção estatal destinada ao
fechamento do Brasil em relação às comunicações estrangeiras (ao conteúdo audiovisual
estrangeiro) como ocorria no passado, em defesa da independência da pátria e segurança
nacional. Contudo, é justificável um regime de maior restrição ao capital e à programação
estrangeiros, em razão da proteção de valores culturais e políticos da sociedade. Por
exemplo, a fixação de cotas de importação de programas de televisão é admissível para fins de
proteção à indústria audiovisual nacional e a adoção de um regime de cotas, tal como faz o
modelo francês.674
3.6.5 Proposições
A proposta de qualificação do serviço de televisão por radiodifusão de natureza
comercial como uma espécie de atividade econômica em sentido estrito, ainda que
submetida ao regime de autorização administrativa, justifica-se na medida em que procura
garantir o desenvolvimento do mercado audiovisual brasileiro. Não é admissível a
disciplina do serviço de televisão por radiodifusão sem a reflexão em torno da produção
audiovisual. Trata-se de assegurar a proteção ao mercado interno em prol do
desenvolvimento cultural e sócio-econômico do País, contribuindo com a realização dos
objetivos da República Federativa do Brasil, nos termos do art. 3.o, CF.
Atualmente, não há como adotar-se um regime de mercado, submetido ao
princípios gerais da atividade econômica, sem a aprovação de uma agência reguladora
especializada no tema. No Brasil, a tradição das "televisões comerciais" é a de buscar, por
meio de lobby, a imunidade em face do controle estatal, conforme já relatado no primeiro
674 Acerca da titularidade de empresas de comunicação por estrangeiros, conferir: MACHADO, J. E. M., Liberdade de expressão..., p.406-407. Não é de se esquecer que a Constituição, quando trata da ordem econômica e financeira, dispõe que "a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros" (art. 172). A respeito das cotas de importação de programas de televisão, consultar: PAZ, op. cit., p.191.
261
capítulo. Considerando o que se expôs, defende-se aqui um novo marco regulatório que
contemple a possibilidade de exploração dos serviços de televisão por radiodifusão no
regime público e no regime privado, este desenvolvido em favor da liberdade de
radiodifusão no campo econômico.
É imprescindível que a legislação esteja voltada à garantia da competição no
setor de radiodifusão, com a facilitação do acesso de novos competidores, assegurando-se a
diversificação do conteúdo audiovisual. Assim deve ser porque o direito não pode criar
eternas reservas de mercado para os atuais concessionários de serviços públicos. O serviço
público não pode servir como um título justificador de um regime de reserva de mercado
para poucos e grandes competidores. E mais, deve ser fomentada a criação de novos
fornecedores de conteúdo audiovisual. Somente com a ampliação do mercado é que serão
criadas novas alternativas para os consumidores e cidadãos brasileiros, ainda mais agora no
contexto da operação dos serviços de televisão baseados na técnica digital.
Sugere-se, aqui, a adoção de restrições legais à propriedade cruzada de diversos
meios de comunicação social, isto é, evitar que um grupo econômico detenha vários
veículos de comunicação (exemplos: rádio, TV, mídia impressa, telefonia, provimento de
conteúdos, internet, etc.), bem como o acúmulo de estações de televisão por um mesmo
proprietário, baseado no critério da audiência (evitar a concentração horizontal que ocorre
dentro do mesmo setor).675
As relações entre as redes nacionais de televisão e as emissoras afiliadas devem
ser disciplinadas no novo marco regulatório, para evitar que as primeiras abusem de seu
poder econômico perante as segundas (evitar concentração vertical de integração entre as
etapas de produção e de distribuição).676
São necessárias medidas de fomento à produção independente, de caráter
regional, com a imposição de um regime de tempo mínimo de programação, de incentivos
fiscais, linhas de financiamento oficial, constituição de um fundo financeiro de apoio a
novos projetos audiovisuais, entre outras.677
675 Em sentido similar, ver: I Fórum Nacional de TV's Públicas, ob. cit., p. 63.
676 Para maior aprofundamento da questão da concentração de propriedade vertical e horizontal, consultar: LIMA, V., Mídia: teoria e política, p.98-101.
677 Ver: I Fórum Nacional de TV's Públicas, op. cit., p.63.
262
Além disso, é preciso aprofundar as potenciais sinergias entre a televisão e o
cinema nacional, de modo a permitir uma maior entrada de filmes brasileiros na
programação das emissoras de televisão, com medidas de cooperação entre ambos os
setores, com o fortalecimento do mercado interno, e a competição no mercado externo.678
Nesse sentido, a adoção de um regime de cotas tem o condão de concretizar a realização
desse objetivo de facilitar a conexão entre os dois setores de distribuição de conteúdo
audiovisual.
Por outro lado, faz-necessária a proteção do mercado audiovisual nacional contra os
produtos importados, o que pode ser feito mediante a tributação e incentivos fiscais à empresas
brasileiras que mais exibam conteúdo nacional. Alerte-se que não se trata de defender o
fechamento do País à entrada de conteúdo audiovisual estrangeiro. Mas, sim, de sustentar o
equilíbrio no mercado brasileiro, especialmente diante da presença maciça dos filmes
estrangeiros na televisão por radiodifusão.
É imprescindível que a agência reguladora, cuja existência aqui se defende (no caso
defende-se que a ANATEL desempenhe a atividade regulatória sobre o campo da
radiodifusão), promova o equilíbrio entre a programação nacional das redes nacionais de
televisão e a defesa do conteúdo local, tal como ocorre nos modelos francês e norte-
americano. A excessiva centralização na produção do conteúdo audiovisual deve ceder
espaço para a descentralização do processo produtivo pelas mais diversas regiões do País,
tudo isso visando a diversificação na oferta audiovisual. Daí porque, novamente, um
regime de cotas imposto em proteção à produção audiovisual independente, de caráter
regional, é um dos mecanismos sugeridos para o cumprimento dos princípios
constitucionais relacionados à produção e à programação de televisão, especialmente
aquele que trata da “promoção da cultura nacional e regional e estímulo da produção
independente que objetive sua divulgação” (art. 221, II) e o que dispõe sobre a
678 Este era um dos objetivos originários do projeto de lei relativo à criação da ANCINAV. Para maior detalhamento sobre o assunto, conferir: FORNAZARI, Fabio Kobol. Instituições do estado e políticas de regulação e incentivo ao cinema no Brasil: o caso Ancine e Ancinav. Revista Administração Pública, v.40, n.4, Rio de Janeiro, jul./ago. 2006. Disponível em: <htpp:www.scielo.br/scielo.php?script= sci_arttex&pid=S0034-761220060004000081ng=esnrm=i>. Acesso em: 05 jan. 2006.
263
“regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais
estabelecidos em lei” (art. 221, III).679
Por último, é fundamental a oxigenação do sistema de radiodifusão privado com
a implantação de um procedimento adequado de renovação do ato de atribuição do direito
à exploração do serviço de televisão por radiodifusão, com a participação dos usuários do
serviços e demais cidadãos interessados. Atualmente, por força do disposto no art. 223,
§2º, da CF, a não-renovação da concessão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois
quintos do Congresso Nacional, em votação nominal. Na prática, ocorre a renovação
automática das concessões para a prestação do serviço de radiodifusão, sem qualquer
controle sobre o desempenho da atividade pela emissora de televisão.680 Daí porque
sugere-se a revogação do referido dispositivo constitucional, desconstitucionalizando a
matéria, tornando-a passível de tratamento por lei, a fim de possibilitar o maior e o melhor
sobre controle sobre a atividade de televisão.681 Nesse sentido, a renovação do
679 O professor José Afonso da Silva aponta para esse problema: “A Rede Globo continua produzindo seus programas da central do Rio de Janeiro e não dá preferência alguma às finalidades educativas, artísticas e culturais, como exige o inciso I do artigo I do artigo, nem faz promoção da cultura nacional ou regional, a não ser esporadicamente”. (Cf. SILVA, José Afonso da. Ordenação Constitucional da Cultura. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 95).
680 Conforme explicação de Fábio Konder Comparato: “Não é preciso grande acuidade de julgamento para perceber que os constituintes nada mais fizeram do que aumentar a vinculação dos atos de concessão aos interesses mútuos do presidente e dos congressistas, numa institucionalização do ´é dando que se recebe`”, em seu artigo intitulado É possível democratizar a televisão? publicado no livro Rede Imaginária. Televisão e Democracia, p. 304.
681 O Decreto-Lei nº 236/67, que modificou a Lei nº 4.117/62, em seus arts. 53 e 64, disciplina a aplicação da pena de cassação à emissora de televisão por radiodifusão titular da concessão nos seguintes casos: incitar a desobediência às leis ou decisões judiciais, divulgar segredos de Estado ou assuntos que prejudiquem a defesa nacional, ultrajar a honra nacional, fazer propaganda de guerra ou de processos de subversão da ordem política e social, promover campanha discriminatória de classe, cor, raça ou religião, insuflar a rebeldia ou a indisciplina nas forças armadas ou nas organizações de segurança pública, comprometer as relações internacionais do País, ofender a moral familiar pública, ou os bons costumes, caluniar, injuriar ou difamar os Poderes Legislativos, Executivo ou Judiciário ou os respectivos membros, veicular notícias falsas, com perigo para ordem pública, econômica e social, colaborar na prática de rebeldia, desordens ou manifestações proibidas, reincidência em infração anteriormente punida com suspensão, interrupção do funcionamento por mais de trinta dias consecutivos, exceto quando tenha obtido autorização do órgão competente, superveniência da incapacidade legal, técnica, financeira ou econômica para execução dos serviços da concessão ou permissão, não ter corrigido dentro do prazo estipulado as irregularidades motivadoras da suspensão anteriormente imposta e não cumprir as exigências e prazos estipulados até o licenciamento definitivo da estação.
É inegável a possibilidade de aplicação da sanção de cancelamento da concessão em casos de abusos da liberdade de radiodifusão. Contudo, é preciso olhar a temática com muito cuidado, a fim de serem evitados excessos do poder estatal. Observe-se que o referido diploma foi expedido no contexto do regime autoritário, carecendo muitos de seus dispositivos de validade em face da Constituição de 1988 que reinaugurou o Estado
264
licenciamento deve ser compreendida em termos republicanos de modo a acompanhar o
processo de atualização tecnológico e publicístico do setor de radiodifusão. Deve-se evitar
o perigo de cristalização do status quo do campo da comunicação social, o que atua como
entrave ao surgimento de novos atores comunicativos e a conseqüente atribuições de
privilégios ilegítimos aos operadores existentes.682
4 REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS TELEVISÃO
4.1 REGIMES PÚBLICO E PRIVADO
Na atual momento histórico, não deve prevalecer uma estrutura do Direito
rígida, ao contrário exige-se a sua flexibilidade para acompanhar a dinâmica social, ainda
mais nos setores que abrangem a evolução tecnológica. No passado, via-se o direito
público e o direito privado como universos separados e incomunicáveis. Atualmente,
considera-se a interpenetração entre ambas as esferas; as suas fronteiras encontram-se
abertas à influência recíproca, sendo imprescindível a comunicação entre os dois regimes
Democrático de Direito e protegeu amplamente a liberdade de comunicação social. Infelizmente, não há aqui espaço para o desenvolvimento da temática.
682 Para maior aprofundamento da problemática, conferir: MACHADO, Jónatas. Liberdade de expressão ..., p. 963.
265
jurídicos. Vale dizer, ao invés de distanciamento, há a aproximação entre os dois ramos do
direito que não pode passar despercebida pela doutrina.683
A tese propõe-se a demonstrar a viabilidade jurídica da aplicação dos regimes
público e privado aos serviços de televisão, em termos similares àquela efetuada pela Lei Geral
de Telecomunicações, conforme exposta anteriormente.684
Em razão dessa assertiva, é importante ainda um estudo analítico de uma das
propostas para a regulação dos serviços de radiodifusão e demais serviços de comunicação
eletrônica de massas685, preparada pela ANATEL, que previa o seguinte: "serviços de
comunicação eletrônica de massa poderão ser prestados no regime jurídico público ou privado"
(art. 11). Em seguida dispunha que os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens
enquadravam-se no regime público, mediante a outorga de concessão, permissão,
autorização ou consignação de freqüência (art. 44).
Além disso, o mesmo ato estabelecia as modalidades de serviços de
radiodifusão: serviço de radiodifusão comercial (aquele que pode ser prestado com
finalidade lucrativa), serviço de radiodifusão não-comercial (prestado por entidade sem
fins lucrativos (art. 48, § 1.o, § 2.o).
683 Como explica Jean Rivero a solução, quando trata do problema da separação entre o direito público e o direito privado, não é nem a publicização do direito privado, nem a privatização do direito público, mas a interpenetração entre os dois ramos jurídicos. (RIVERO, Jean. Le régime des entreprises nationalisées et l'evolution du Droit administratif, 1952, citado por FALLA, Fernando Garrido. Las transformaciones del régimen administrativo. 2.ed. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1962. p.157). Para Fernando Garrido Falla, ao abordar a crise da noção de serviço público diante da intervenção do Estado sobre as atividades econômicas: " Ahora sigue siendo el interés público el que immediatamente se persigue, pero se considera que su satisfácion es posible con técnicas privatísticas. Puede decirse que a la publización evidente que aquela al Derecho privado hay que oponer una indiscutible privatización técnica de Derecho Público". (FALLA, Las transformaciones..., p.159-160).
684 Na visão tradicional, o regime jurídico é um elemento importante para a identificação de uma atividade como serviço público, especialmente para saber se há um vínculo orgânico com o Estado. (Cf. MEDAUAR, Direito administrativo..., op. cit., p.315). Nesse sentido, o regime jurídico é o fator de identificação do serviço público e da atividade econômica. (Ver: JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público ..., p. 30). Na matriz clássica, afirma-se que o serviço público somente pode ser prestado no regime de direito público (BANDEIRA DE MELLO, Curso..., p.647). Em sentido contrário, há quem afirme a possibilidade de aplicação do regime privado aos serviços públicos, como é o caso da incidência da concorrência. (COUTO E SILVA, op. cit., p.47).
685 De acordo com o projeto de lei, em seu art. 1.o, parágrafo único, os serviços de comunicação eletrônica de massa são os serviços de telecomunicações que possuem simultaneamente as seguintes características essenciais: I– distribuição ou difusão dos sinais ponto-multiponto ou ponto-área; II – fluxo de sinais predominantemente no sentido prestadora-usuário; III – conteúdo das transmissões não gerado ou controlado pelo usuário; IV – escolha do conteúdo das transmissões realizadas exclusivamente pela prestadora do serviço, salvo nos casos estabelecidos em lei". Texto do projeto de lei consultado em: PODESTÁ, op. cit., p.220.
266
Esta última modalidade subdivide-se nas seguintes: serviços de radiodifusão
educativa (aquele prestado com finalidade educativa), serviço de radiodifusão institucional
(aquele prestado com a finalidade de divulgar as atividades desenvolvidas pelos diversos
poderes do Estado) e serviço de radiodifusão comunitária (aquele definido no art. 1.o da
Lei n.o 9.612, de 19 de fevereiro de 1998), tudo conforme o art. 48, § 2.o, I, II e III.
Por sua vez, o referido projeto quando trata da prestação dos serviços dispõe: "os
serviços de radiodifusão comercial serão prestados mediante a outorga de concessão,
aplicadas as disposições constitucionais pertinentes e as destas lei" (art. 49). Em seguida,
ele prevê: "os serviços de radiodifusão institucional e educativa serão prestados mediante
outorga de permissão, aplicadas as disposições da lei" (art. 50). E, quando for o caso de
prestação direta pela União haverá a consignação de freqüência (art. 52).
E, a mesma proposta trata dos serviços prestados no regime privado que são os
seguintes: difusão de sinais via satélite, TV a Cabo, distribuição de sinais multicanal terrestre,
distribuição de sinais multicanal via satélite e retransmissão de televisão" (art. 100).
Por último, a autorização no regime privado é conceituada da seguinte forma:
"autorização de serviço de comunicação eletrônica de massa no regime privado é o ato
administrativo vinculado, expedido no exercício do poder de polícia, que permite a
prestação de modalidade desse serviço desde que preenchidas as condições objetivas e
subjetivas necessárias" (art. 104).
Pelas razões acima apontadas, entende-se que o novo marco regulatório deve
definir a escolha do regime jurídico, se público ou privado, aplicável às diversas
modalidades de televisão.
A matriz clássica do serviço público de televisão está alicerçada em torno dos
seguimentos elementos: universalidade do serviço, produção e distribuição de conteúdo
diversificado686, gratuidade, e, finalmente, ampla audiência.
Nesse contexto, os parâmetros para o regime público são, basicamente, os
seguintes: concessão e (ou) permissão, gratuidade (em princípio), obrigações de
686 A diversificação do conteúdo audiovisual é apontada como um dos elementos-chave do serviço público de televisão de matriz clássica pela doutrina européia (Ver: LAUROCHE, Pierre. Communications Convergence And Public Service Broadcasting. Disponível em: <http://www.infolab.kub.nl/uvtweb/bin.php3?id=00011353&mime=application/pdf&file=tilec/publications/larouche2.pdf>. Acesso em: 15.12.06.).
267
universalidade e continuidade da prestação, programação generalista, distribuição de
conteúdos diversificados, acesso prioritário às freqüências, entre outros.687
Em razão da aplicação da tecnologia digital, faz-se necessária a adaptação ao
novo cenário audiovisual, com a flexibilização do regime jurídico de serviço público,
especialmente com a possibilidade de pagamento e segmentação da audiência e maiores
garantias em torno do pluralismo cultural.688
Por outro lado, o regime privado caracteriza-se pelos seguintes elementos:
autorização (como ato vinculado), princípios gerais da atividade econômica (exemplos:
cobrança de preço e concorrência), programação segmentada, entre outros. Evidentemente
que é necessária a realização de licitação para a obtenção das freqüências. Aqui, sugere-se
a alteração da legislação para o fim de incluir a modalidade leilão como um dos
mecanismos para a outorga das freqüências e a flexibilização do procedimento de
transferência das autorizações.
Embora a digitalização implique a revisão dos conceitos e dos paradigmas
regulatórios, ela não pode representar uma igualdade estatutária entre a televisão pública e a
televisão comercial. Conforme explicam, ao tratar do futuro do serviço público por difusão
na era digital, Mónica Ariño e Christinan Ahlert:
A distinção entre radiodifusores públicos e comerciais torna-se crucial para a
compreensão dos regimes de pluralismo. Assuntos referentes ao pluralismo e
diversidade são dirigidos diferentemente dependendo da natureza do radiodifusor.
Maiores exigências podem ser mais legitimamente impostas em relação ao
radiodifusores que prestam serviço público (dimensão interna do pluralismo), mas
687 A título ilustrativo, no direito português há a previsão legislativa dos princípios específicos do serviço público de televisão: independência, pluralismo, diversidade, qualidade, inovação, valorização da cultura e da identidade nacionais, proteção das minorias e indivisibilidade. Ver Direito da Comunicação Social, ob. cit., p. 172-186. Ainda no contexto português, a doutrina aponta os seguintes princípios estruturantes do serviço público de televisão: universalidade, igualdade, pluralismo, democrático e coesão social e da inclusividade (MACHADO, J. E. M., Liberdade de expressão..., p.650-651).
688 No Brasil, em razão de sua dimensão continental, a diversificação do conteúdo audiovisual não é
suficientemente garantida pelos setores estatal e privado. Destaque-se que a mera pluralidade de emissoras de televisão não é uma garantia suficiente do pluralismo quanto ao conteúdo audiovisual. A respeito do pluralismo cultural na Constituição, consultar: SILVA, José Afonso da. Ordenação Constitucional da Cultura. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 76.
268
podem ser dificilmente aplicadas aos radiodifusores comerciais que são
inevitavelmente constrangidos por suas necessidades em termos de audiência.689
A seguir será verificada a visão crítica a respeito da aplicação do instituto da
concessão ao serviço de televisão por radiodifusão, no âmbito da televisão comercial.
4.2 REFLEXÃO SOBRE A UTILIZAÇÃO DA CONCESSÃO DE SERVIÇO
PÚBLICO AO SISTEMA DE RADIODIFUSÃO PRIVADO
Os primeiros serviços públicos de natureza econômica surgiram com o
progresso técnico e a primeira Revolução Industrial. Os dogmas liberais funcionavam como
um obstáculo a que o Estado assumisse diretamente a execução dos serviços públicos, eis
que seu papel se limitava à garantia do livre e espontâneo desenvolvimento da iniciativa
privada.690
O direito brasileiro inspirou-se no modelo francês de concessão de serviço
público, no contexto histórico do século XX. Isso não quer significar que o direito
brasileiro restringiu-se a reiterar, ao longo dos anos, a concepção francesa; ao contrário,
houve a construção própria do instituto em nosso País.
As raízes históricas da concessão remontam às idéias de natureza da prestação
(delegação de serviço público) e a forma de remuneração do particular.691 Uma peculiariedade
tradicional do direito francês era o caráter intuitu personae da concessão de serviço
público, o que justificava a discricionariedade na seleção do concessionário, sem qualquer
689 Cf. ARIÑO, MÓNICA e CHRISTIAN, AHLERT. The Digital Future of Public Service Regulation, Prometheus, v.22, n.4, December 2004, Carfax Publishing Taylor & Francis Group, p.401. Para os autores, convencionalmente, havia um esforço de assimilar o serviço público de televisão para a garantia da esfera pública, enquanto a televisão comercial representava uma ameaça a ela. Contudo, na era digital, em face dos imperativos de mercado, a própria função do serviço público de televisão encontra-se em crise, em razão da possibilidade de fragmentação da audiência ocasionada pelos novos serviços digitais (p.402). Eles afirmam, ainda, que a definição do serviço público de radiodifusão é baseada na falsa dicotomia entre o serviço público de radiodifusão e a radiodifusão comercial, daí o questionamento de sua função complementar em relação aos radiodifusores comerciais, eis que eles poderiam ser, em verdade, protagonistas nas mudanças da esfera pública (p.405).
690 Segundo Gaspar Ariño Ortiz, a tensão decorrente da urgência na satisfação de novas necessidades públicas – exigências de uma sociedade urbana e industrial - e as concepções ideológicas no contexto do século liberal foi resolvida mediante um mecanismo genial: a concessão administrativa (ORTIZ, Principios..., p.537).
691 JUSTEN FILHO, Teoria geral..., p.78-79.
269
procedimento de licitação pública.692 Em verdade, atualmente, na França, não se adota o
regime da concessão de serviço público em relação ao setor privado de televisão por
radiodifusão, mas sim o regime de autorização.693
Conforme a tradição jurídica brasileira, um dos instrumentos para a delegação
do serviço público de televisão por radiodifusão à iniciativa privada é a concessão de
serviço público.694 Em sendo qualificada a atividade de televisão por radiodifusão como
serviço público, então é aplicável o regime da concessão. Há uma associação direta entre o
instituto da concessão e a noção de serviço público.695 As concessões são formalizadas por
meio de Decreto do Presidente da República, em conformidade com o art. 29 do
Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto nº. 1.720/95) e, em seguida,
encaminhadas para apreciação pelo Congresso Nacional. Ela é qualificada como um
contrato administrativo, cujo objeto é a delegação de um serviço público aos
particulares.696
692 PORTO NETO, Benedicto. Concessão de serviço público no regime da lei n. 8.987/95: conceitos e princípios. São Paulo: Malheiros, 1998, p.77.
693 Cf. Capítulo IV do presente trabalho.
694 Tal entendimento decorre da interpretação do art. 21, XII, e art. 175 da CF. Tanto a concessão de serviço de televisão por radiodifusão quanto a concessão para o serviço de televisão a cabo são modelos de concessão que não se amoldam ao modelo clássico em alguns aspectos (MEDAUAR, Odete. A figura da concessão. In: _____ (Coord.). Concessão de serviço público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p.16-17). Para os fins do presente trabalho, a análise concentrar-se-á no instituto da concessão, eis que o mesmo é o utilizado no caso dos serviços de televisão por radiodifusão. Também, será analisada a questão da autorização administrativa, verificando-se a viabilidade jurídica de sua adoção no sistema de radiodifusão. Desse modo, ficará fora do objeto do presente estudo o caso da utilização do instituto da permissão em relação aos serviços de televisão por radiodifusão. Para um estudo mais aprofundado desta última, remete-se ao trabalho de SARDINHA, Luciana. Ob. cit. p. 82-85. Ver, também, FREITAS, Juarez. Estudos de direito administrativo. 2ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 44-46.
695 Conforme Pedro Gonçalves, a concessão é definida como sendo um contrato que cria direitos novos para o particular que presta o serviço público, ainda que derivados de "direitos próprios" da administração pública (GONÇALVES, A concessão..., p.71).
696 Ver: MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit., p. 231. Cuida destacar que, em verdade, há controvérsia na doutrina a respeito da natureza jurídica das concessões. Em sentido contrário à natureza contratual da concessão, posiciona-se Celso Antônio Bandeira de Mello para o qual a concessão é um ato-condição que instaura uma relação jurídica complexa entre o poder concedente e o concessionário (Curso de direito administrativo ..., ob. cit., p. 682). Nos termos do direito positivo, a Lei nº 8.987/95 adota a seguinte definição para a concessão de serviço público: “a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado” (art. 2º, inc. II). Saliente-se que a referida lei dispõe sobre a concessão e a permissão de serviços públicos, não tratando, porém da figura da autorização para a prestação de serviços públicos.
270
Anteriormente à Constituição de 1988, houve na história jurídica brasileira a
controvérsia em torno da aplicabilidade do instituto da concessão e da autorização no âmbito
dos serviços de radiodifusão, em relação ao anteprojeto de lei sobre radiodifusão,
elaborado pela então Comissão Técnica de Rádio, na década de 50.697
Em defesa da aplicação da concessão de serviço público no setor de radiodifusão
encontrava-se Saint-Clair Lopes, elencando os seguintes argumentos: (i) a natureza do serviço
de radiodifusão exige que o governo imponha obrigações aos prestadores; (ii) o ajustamento de
tais obrigações se faz melhor pela modalidade contratual; e (iii) é necessário um prazo
adequado em razão dos investimentos de capitais na execução do serviço para a montagem
e a operação de instalações técnicas, mantendo-se a estabilidade do negócio privado.698
Segundo o autor, o serviço de radiodifusão não é um direito originário do indivíduo,
mas sim do governo, razão pela qual, no exercício de prerrogativas administrativas, são
impostas determinadas obrigações ao prestador do serviço. Para Saint-Clair Lopes:
o serviço de radiodifusão, por sua natureza, sofre restrições de tôda sorte; o
poder público exerce constantemente sua ação sôbre a radiodifusão, ora através
dos órgãos policiais na censura dos programas, ora por intermédio dos
organismos técnicos que zelam pelo cumprimento da fiel execução do serviço de
acôrdo com as prescrições aprovadas e com as normas internacionais adotadas
pelo Brasil. 699
E, ainda, conforme o mesmo autor "o serviço de radiodifusão não está condicionado,
apenas, ao exercício de um direito; exige obrigações importantíssimas do usuário para com
697 Naquela época, o Brasil encontrava-se em um dilema regulatório quanto à disciplina jurídica dos serviços de radiodifusão. De um lado, estava o modelo europeu continental fundado na idéia de televisão pública, serviço público, monopólio estatal, técnica da concessão administrativa, etc. De outro lado, estava o modelo norte-americano baseado na idéia de televisão comercial de natureza privada, serviço de utilidade pública, técnica da licença administrativa, agência reguladora, etc. Daí a justificativa para a adoção de fórmula de síntese, combinando elementos de ambos os sistemas regulatórios. Nesse sentido, o Código Brasileiro de Telecomunicações contemplou um modelo híbrido; a coexistência de um modelo misto, isto é, a garantia de atuação da iniciativa privada, mediante o regime de delegação estatal, sob a forma de concessão, e (ou) permissão e autorização, e a gestão direta pelo Estado.
698 Cf. LOPES, S-C, op. cit., p.185-195. O autor sustenta seus argumentos a partir de lições específicas sobre o conceito de autorização de Themistocles Brandão Cavalcanti e Carvalho Mendonça (p.191). E, segundo ele: "O que os concessionários reclamam é maior soma de garantias para os capitais investidos. Essas garantias advirão com a ampliação do prazo da concessão ou permissão." (p.192).
699 Idem.
271
o Poder Público, já que a natureza do serviço a executar é nitidamente de interêsse público".700
Ele prossegue no seguinte sentido: "A autorização, criando um direito que não existe em
potencial no indivíduo porque não é condição dêle e sim do Estado, não se coaduna com a
importância da radiodifusão, mesmo que o ato do Executivo venha acompanhado de cláusulas e
condições". Apesar de todos os argumentos lançados em defesa da tradicional concessão,
para Saint-Clair Lopes o referido anteprojeto de lei não alterava os princípios fundamentais
do setor de radiodifusão. Ele disse que "era forçoso reconhecer que a modificação do
sistema, entretanto, não alterava os princípios fundamentais da concessão, nem no tempo
nem no espaço. Concessão ou autorização, qualquer delas seria outorgada a prazo certo".701
Em sentido contrário, encontrava-se Odilon de Andrade sustentando a aplicação da
autorização aos serviços de radiodifusão, considerados por ele como "serviços de utilidade
pública"702, defendendo o regime de autorização administrativa, com prazos determinados
e variáveis, conforme a complexidade técnica e o volume de investimentos privados
necessários à execução do serviço.703 Ele era favorável à autorização no caso do serviço de
radiodifusão porque uma das características essenciais da concessão era a fixação de tarifas
maiores que as cobradas pela União por serviços similares; como não havia determinação
de tarifas a serem percebidas dos usuários no caso dos serviços de radiodifusão não haveria
como aplicar a concessão.
Por sua vez, na década de 70, Vicente Greco Filho salientou que, no âmbito
internacional, a doutrina defendia o direito de utilização das freqüências do espectro
700 Idem.
701 LOPES, S-C, op. cit., p.187.
702 Segundo Odilon de Andrade: "o serviço público tem sido o escolho onde naufragam todos os mestres do direito Administrativo" (Serviços públicos e de utilidade pública, p.36, citada por FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Os serviços de utilidade pública. Curitiba: Empreza Gráfica Paranaense, 1940, p.7). Para Manoel de Oliveira Franco Sobrinho: "A distinção costumeira que se tenta estabelecer entre serviços públicos e os de utilidade pública é apenas, como vimos, questão de simples classificação doutrinária." (p.27). E, ainda, conforme Themístocles Cavalcanti: "Talvez a distinção tenha mais razão de ser na técnica administrativa dos Estados Unidos, sob o regime da PUBLIC UTILITIES." (CAVALCANTI, op. cit., p.720).
703 O autor, ao analisar o anteprojeto de lei sobre a radiodifusão no âmbito da Comissão de Rádio, dizia: "Destarte, pelo anteprojeto, perde a característica de concedido o serviço de radiodifusão para se situar no regime da autorização por prazo variável entre cinco a quinze anos, em função do investimento efetuado nas instalações técnicas [...], conservando-se as autorizações a título precário, sem prazo definido, para o serviço de radiodifusão de muito pequeno alcance como os dos estabelecimentos de educação, assistência e outros, sem objetivo econômico e destinado, tão-somente, aos respectivos recintos." (Serviços públicos e de utilidade pública, p.33, citado em SOUZA, op. cit., p.243).
272
eletromagnético como um direito originário da humanidade que preexiste ao reconhecimento
formal feito pelo Estado. Tratar-se-ia de direito de comunicar-se, inerente à pessoa
humana.704 Em razão disso, ele afirmou que a doutrina dominante no direito administrativo
era no sentido de que o regime aplicável à ordenação da utilização das freqüências
radioelétricas deveria ser sempre o da autorização e não o da concessão ou permissão.705
Para o autor, o Estado soberano apropriou-se do espectro eletromagnético
necessário à prestação dos serviços de radiodifusão, razão pela qual a concessão seria o
instituto adequado à delegação da execução à iniciativa privada. Em outras palavras, ele
reconhecia a importância do direito ao uso das freqüências, para fins de prestação do
serviço de radiodifusão, como um direito originário da humanidade, entretanto, concluía
que o Estado pode, em razão de sua soberania, disciplinar a organização do setor de
radiodifusão, mediante o instituto da concessão de serviço público.706
Além da controvérsia doutrinária apresentada, é importante destacar que já na
década de 70, no âmbito regulamentar da radiodifusão, houve o rompimento com a
tradição do direito administrativo brasileiro ao tratar diferenciadamente os institutos da
concessão, permissão e autorização.707 É que o Regulamento Geral do Código Brasileiro de
704 Conforme o autor: "as freqüências seriam, então, um patrimônio comum da humanidade. Sua natureza jurídica seria de de 'res communis' podendo ser apropriada em seus fragmentos desde que convenha à sua natureza. Como, porém, o espectro eletromagnético é limitado, houve a distribuição internacional das faixas de atuação de cada Estado. Estes, por sua vez, regulamentariam o seu uso, determinando, em virtude de sua soberania, de que maneira serão utilizadas, por organismos do Estado ou por particulares" (GRECO FILHO, op. cit., p.54).
705 Cf. Vicente Greco Filho: "As figuras da concessão e da permissão seriam impróprias porque ninguém pode dar mais do que tem e sendo o espectro eletromagnético patrimônio comum da humanidade, não poderia o Estado concedê-lo porque não lhe detém o domínio. Acrescenta-se, outrossim, que os atos internacionais têm usado o termo 'autorização'." (GRECO FILHO, op. cit., p.54).
706 Cf. o referido autor: "Admitimos que as freqüências pertencem à espécie de 'res communis', mas quem se apropriou do espectro eletromagnético foi o Estado soberano, o qual aceitou a regulamentação internacional porque um fato físico impede o seu uso indiscriminado, dadas as interferências recíprocas. Daí falarem os atos internacionais em autorização, termo correto no que se refere ao Estado soberano, porque este considera o titular do direito preexistente a utilizar as freqüências a ele atribuídas no acordo de respeito às faixas divididas com os outros. Aí, então, o Estado pode explorá-las diretamente, concedê-las, permitir sua utilização e até, transferir seu domínio para os cidadãos, adotando o regime, então, da autorização." (GRECO FILHO, op.cit., p.54).
707 Cf. Gaspar Vianna: "O Direito de Telecomunicações, embora tenha-se utilizado da teoria geral das concessões e permissões, não obedeceu aos conceitos tradicionalistas do Direito Administrativo. Criou uma modalidade própria, partindo daquele instituto, com elementos próprios e de serventia específica." (VIANNA, Direito..., p.66). Na década de 90, com a edição da Lei Geral de Telecomunicação novamente a ruptura com a tradição do direito administrativo na medida em que foi adotada a figura da autorização para a prestação de serviços de telecomunicações.
273
Telecomunicações, aprovado pelo Decreto n.o 52.795/63, dispunha que o conceito de
autorização engloba a concessão (serviços de radiodifusão sonora de caráter nacional ou
regional e de televisão) e a permissão (serviço de radiodifusão de cárater local).708
Em síntese, as visões opostas na tradição doutrinária, quanto à aplicação da
concessão ou da autorização em relação aos serviços de radiodisão, reside no seguinte: (i)
de um lado, o instituto da concessão está associado à idéia de um contrato, em que se
transfere um "direito" do Estado para a iniciativa privada, o qual contém obrigações para
ambas as partes (poder concedente e concessionário); porém garante a estabilidade das
relações econômico-financeiras do empreendimento; (ii) de outro lado, a autorização está
ligada à idéia de um ato administrativo de natureza precária e unilateral que permite o
exercício de uma atividade privada.709
Além disso, a problemática envolve os fundamentos e os limites de atuação do
Estado em relação à organização e à prestação dos serviços de televisão por radiodifusão
em face da sociedade, algo já analisado em item anterior.
Segundo Pedro Gonçalves, na ótica do direito português, a doutrina tradicional
parte da tese do condicionamento da técnica da concessão à prévia "monopolização estatal"
da atividade. A premissa é a de que ou a atividade é objeto de monopólio estatal ou
a atividade é do setor privado. Ocorre que tal binônimo não é correto na medida em que há
tarefas administrativas, isto é, atividades públicas, que, por força de lei, a Administração:
tem de exercer, mas que não lhe estão reservadas, não são um exclusivo seu – tais situações de concorrência, subsidiariedade ou complementaridade pública são aliás frequentes: é o que se passa com as actividades de televisão ou de radiodifusão, em que se exige uma presença pública em concorrência com o sector privado [...]. [grifo nosso]710
708 Segundo Sérgio Souza, a utilização pelo direito das telecomunicações de institutos tradicionais do direito administrativo aponta para o desvirtuamento jurídico desses institutos com o objetivo de atingimento de fins políticos e econômicos estritamente particulares (SOUZA, op. cit., p.240).
709 Cf. Sérgio Euclides Braga Leal de Souza: "A grande vantagem do concessionário, negada pelos institutos clássicos da autorização e da permissão no Direito Administrativo, consiste na estabilidade de sua concessão, garantida por contrato. Neste caso, há limites claros para as intervenções do poder público – e, vale destacar, não apenas para as ações de caráter arbitrário, dependendo da pertinência das cláusulas estabelecidas." (SOUZA, op. cit., p.247).
710 GONÇALVES, A concessão ..., p.58.
274
No Brasil, como já afirmado, o instituto da concessão está associado a um
serviço público privativo do Estado. Contudo, em razão da proposição da configuração do
sistema de radiodifusão privado como uma atividade econômica em sentido estrito (e não
mais como serviço público), a concessão torna-se com ele incompatível.
Por outro lado, em princípio, o concessionário é uma pessoa de direito privado
dotado de liberdade empresarial. Entretanto, a concessão de serviço público tem sido
utilizada para delegar a execução das atividades a pessoas públicas, integrantes da
administração pública. De certa forma, tal prática corresponde ao desvirtuamento da
finalidade originária da concessão que é justamente a de atrair a iniciativa privada e seus
respectivos capitais. Pode-se dizer que se trata de uma "concessão atípica". Em verdade, tal
mecanismo representa uma forma de cooperação ou coordenação entre organizações
pertencentes à Administração Pública e não uma forma de colaboração entre o poder
público e a iniciativa privada.711
Conforme explicação de Calixto Salomão Filho, a tradição do direito brasileiro,
tal como o direito continental europeu, é a de utilizar a técnica de serviço público como
principal instrumento de regulação da economia, acompanhado do regime de direito público,
este na forma da concessão de serviço público. A idéia de concessão nasce da
impossibilidade material de o Estado prestar todos os serviços públicos (em regra, por falta
de recursos econômicos); daí decorre o chamamento da iniciativa privada a partir do
pressuposto da viabilidade de os agentes econômicos servirem ao interesse público e de o
Estado controlá-los, mediante o regime de direito público.
Assim, supõe-se que o regime de direito público oferece mais vantagens do que
o regime de mercado, com o estabelecimento de fins públicos para os agentes particulares.
Entretanto, a experiência brasileira tem mostrado que a eficácia da ação dos particulares
711 GONÇALVES, A concessão..., p.129. Para José Alberto de Melo Alexandrino, o referido contrato de
concessão, entre dois entes estatais deveria ser denominado convenção, na forma dada pelo Direito italiano ou belga. Em rigor, ainda, conforme ele, nem convenção deveria existir, mas simples bases da concessão ou cadernos de encargos. No âmbito do direito português, o contrato de concessão será classificado no gênero de contrato de direito público, mas não será propriamente um contrato administrativo (ALEXANDRINO, op. cit., p.208). À luz do direito brasileiro, aqui sustenta-se que a figura do consórcio público e os acordos de cooperação são os mais adequados nessa hipótese de prestação dos serviços de televisão por radiodifusão pelos entes federativos.
275
prestadores de serviços públicos é limitada e o controle estatal sobre a concessão é
insuficiente.712
Existem fortes razões jurídicas para a flexibilização do modelo de concessão de
serviço público aplicado como regra geral no âmbito dos serviços de televisão por
radiodifusão (sistema privado), o que se afirma a partir da interpretação sistemática do
ordenamento jurídico, em conformidade com a evolução histórico-social.
Na interpretação clássica, a finalidade da concessão de serviço público é a de
transferir uma atividade estatal potencialmente lucrativa à iniciativa privada, para que a
mesma por sua conta e risco, mediante a cobrança de tarifa dos usuários, execute a
prestação dos serviços ao público em geral; contudo, no serviço de televisão por
radiodifusão não há essa cobrança de preço diretamente dos usuários.713
A concessão do serviço público de televisão por radiodifusão não se amolda ao
instituto clássico da concessão, pois a existência de prerrogativas administrativas em favor da
organização, da disciplina e da fixação do conteúdo do serviço, naturais à concessão, é
incompatível com o exercício da liberdade de comunicação social pelas emissoras de
televisão. Em sendo o poder público o titular do serviço público, em caráter exclusivo, na
concessão há o poder de fixar o conteúdo da prestação material, disciplinando inclusive a
organização interna da gestão, daí a referida incompatibilidade congênita entre a concessão
e o serviço de televisão por radiodifusão no âmbito do sistema de radiodifusão privado.714
Além disso, tome-se, por exemplo, a hipótese de uma ação de indenização por
danos morais (ofensa aos direitos da personalidade) proposta contra a União por ato de
veiculação de programa televisivo veiculado por "concessionária". É legítimo e razoável
condenar a União pelos atos das emissoras de televisão comerciais que violem direitos da
personalidade? Sustenta-se que não, pois é razóavel essa responsabilização quando se trata
de televisões estatais e televisões educativas, mas não em relação às televisões privadas
que estarão submetidas ao sistema privado de radiodifusão em um novo marco regulatório.
712 Cf. SALOMÃO, Calixto Filho. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2001, p.18-21.
713 O modelo clássico de concessão de serviço público ampara-se na idéia de prestação de utilidades individuais contra o pagamento de um preço. Entretanto, o modelo da concessão de televisão por radiodifusão não há "utentes" uti singuli. (GONÇALVES, A concessão..., p.106).
714 Cf. LOPES, V. M. de O. N., O direito..., p.293-298; SARDINHA, op. cit., p.115-116; ROCHA, C. L. A., op. cit., p.175.
276
Ademais, cuida salientar que a Lei de Concessões de Serviços Públicos não se
aplica aos serviços de radiodifusão porque há disposição expressa nesse sentido (art. 41 da
Lei nº. 8.987/95). Ora, o serviço de televisão por radiodifusão, em sendo objeto de
concessão administrativa, não deveria se submeter à lei geral das concessões de serviços
públicos? Mesmo em se tratando de uma "concessão especial" os serviços de radiodifusão
deveriam estar contemplados na lei geral sobre concessões, contudo não o foram.
Poder-se-ia objetar que, ao invés da superação da concessão de serviço público de
televisão, o melhor seria o seu aperfeiçoamento e sua reestruturação, mediante um controle
eficaz, com o estabelecimento de novas regras e a fiscalização eficiente de sua aplicação ao
setor de radiodifusão. Porém, como aqui se propõe a qualificação legislativa dos serviços de
televisão do sistema de radiodifusão privado como uma atividade econômica em sentido
estrito, a aplicação da figura da concessão de serviço público torna-se com ela incompatível.
A referida categoria jurídica é fruto de um determinado contexto histórico no
qual foi construída, bem como utilizada em setores econômicos relacionados à infra-
estrutura material do País (ex: ferrovias, portos, transportes, geração de energia elétrica,
estradas, etc.). O setor de comunicação social por radiodifusão tem natureza especial
porque trata de aspectos imateriais relacionados à soberania nacional, à identidade cultural,
à educação, à informação, à afirmação da cidadania etc., totalmente dissociados do uso
clássico que se fez da concessão administrativa.
A seguir, serão vistas as razões que justificam a utilização do instituto da
autorização aos serviços de televisão por radiodifusão.
4.3 APLICAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA NO SISTEMA DE
RADIODIFUSÃO PRIVADO
Propõe-se aqui a flexibilização legislativa do modelo clássico de utilização da
concessão de serviço público no âmbito do sistema de radiodifusão privado. Tal
proposição não pressupõe que sejam errôneos os conceitos, ora vigentes, na doutrina e na
legislação brasileira. O objetivo é o de apresentar uma contribuição ao ordenamento
jurídico, de modo a promover a dinamização do sistema de comunicação social por
radiodifusão.
Tradicionalmente, a doutrina brasileira defende que a autorização é um ato
administrativo praticado pela Administração Pública, unilateral, discricionário e precário e
277
que, em regra, remove o obstáculo ao exercício de uma atividade material ou à prática de um
ato jurídico, com vistas a atender a um interesse do autorizado ou a um interesse público.715
Em verdade, cumpre salientar que o termo autorização é utilizado com os mais
variados significados. Trata-se de uma palavra polissêmica que exige, por essa razão, a
delimitação de seu sentido, sob pena de comprometer a aplicação do próprio direito.
Sob determinado enfoque, sustenta-se a utilização da autorização para a
execução de serviços públicos. Por exemplo, o caso dos serviços de fácil execução de
incumbência da Administração que são transferidos aos particulares, porém em regra não
condicionados à remuneração por tarifas (exemplo: manutenção de praças).716
Já sob outro ângulo, há o entendimento de sua aplicação quanto ao uso de bens
públicos. Por exemplo, a utilização de uso privativo de uma parte da via pública para a
instalação de uma banca de revistas e jornais.717
Além disso, há aqueles que sustentam seu emprego nas hipóteses de exercício de
liberdades e (ou) direitos, submetidos ao regime da polícia administrativa.718
O ponto em comum na doutrina é a classificação da autorização como um ato
administrativo unilateral, precário e discricionário.719
715 Cf. POMPEU, op. cit., p.95-102 e p.173-174. Para o autor, o conceito de autorização administrativa é definido da seguinte forma: "Ato administrativo discricionário, pelo qual se faculta a prática de ato jurídico ou de atividade material, objetivando atender diretamente a interesse público ou privado, respectivamente, de entidade estatal ou de particular, que sem tal outorga seria proibida." (p.173). Para Hely Lopes Meirelles: "Autorização é o ato administrativo discricionário e precário pelo qual o Poder Público torna possível ao pretendente a realização de certa atividade, serviço ou utilização de bens particulares ou públicos, de seu exclusivo ou predominante interesse, que a lei condiciona à aquiescência prévia da Administração, tais como o uso especial de bem público, o porte de arma, o trânsito por determinados locais etc.". (MEIRELLES, Hely. Direito administrativo brasileiro, 23.ed., 2.a tiragem, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1998, p.167).
716 Ver: MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno, ob. cit., p. 327. Portanto, na hipótese de serviços eventuais seria justificada a autorização de serviços públicos, conforme explicação de Cármen Lúcia Antunes Rocha: “Serviços públicos autorizados somente poderiam ser aqueles que tivessem uma condição de prestação eventual, necessária em face de uma situação não permanente, incomum, ou aqueles que, conquanto ofertados permanentemente pela entidade competente pelo regime de prestação indireta, não pudessem, em determinado momento, ou sob certa condição, ter a sua continuada prestação sem o auxílio do particular autorizado; é o que se teria numa situação de greve no serviço público ...”. (ROCHA, Carmen Lúcia. Estudo sobre concessão e permissão de serviço público no direito brasileiro, p. 176).
717 Sobre as autorizações de uso de bem público, ver: MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno, ob. cit., p. 245.
718 Para um estudo mais aprofundado do tema, conferir: CAVALCANTI, Themistocles. Ob. cit., p. 11-15.
278
No âmbito jurisprudencial, o pensamento no sentido da precariedade da autorização
é ratificado pelos Tribunais, a exemplo do acórdão no julgamento do Recurso Ordinário em
Mandado de Segurança n.o 22.665-3 – Distrito Federal, Relator Originário: Min. Marco
Aurélio, Relator para o Acórdão: Min. Nelson Jobim, Recorrente: Cabotec Ltda.,
Recorrida: União Federal).720
Especialmente, no campo da radiodifusão, a Lei n.o 4.117/62 prevê o uso da
figura da autorização, contudo, ela não apresenta uma definição do instituto.721
No âmbito regulamentar, é que houve a definição da figura da autorização e da
concessão. O Decreto n.o 52.795/63, ao aprovar o Regulamento dos Serviços de
Radiodifusão, dispõe o seguinte:
Autorização – é o ato pelo qual o Poder Público competente concede ou permite
a pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, a faculdade de
executar ou explorar, em seu nome ou por conta própria, serviços de
telecomunicações, durante um determinado prazo (art. 5.o, 01).
Por sua vez, com redação estranha, o citado ato normativo estabelece o seguinte:
"Concessão – é a autorização outorgada pelo poder competente a entidades executadoras
de serviços de radiodifusão sonora de caráter nacional ou regional e de televisão" (art. 5.o,
03). Ademais, ele dispõe: "A outorga de autorizações para a execução de serviços de
radiodifusão será feita através de concessões ou permissões" (art. 17). Também, há a
719 Ver: MEDAUAR, Odete. Direito administrativo ..., p. 245 e 327; MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit., p. 167. Se bem que em alguns ordenamentos setoriais não há a adoção do sentido clássico. É o caso, por exemplo, do setor de transportes disciplinado pelas Leis nº 8.630/93 e 10.233/01 em que se classifica a autorização como um contrato de adesão. Atualmente, aos poucos o caráter da precariedade tradicional associado à autorização vem sendo abandonado em prol do princípio da segurança jurídica tão necessária aos investimentos privados para o desenvolvimento econômico-social do País. Assim, também a unilateralidade do ato cede espaço para a consensualidade, revendo-se a postura clássica em termos de ato administrativo. Para detalhamento da questão, consultar: FREITAS, Juarez. Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Princípio da Segurança Jurídica – Exigência de Menor Precariedade Possível das Relações de Administração – Terminais Portuários de Uso Privativo, in Revista Interesse Público, vol. 20, 2003.
720 STF. 2.a Turma. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n.o 22.665-3 – Distrito Federal, Relator Originário: Min. Marco Aurélio, Relator para o Acórdão: Min. Nelson Jobim, Recorrente: Cabotec Ltda., Recorrida: União Federal, julgado em 14.03.06.
721 Em verdade, a lei também não define a concessão. Sobre o assunto, eis o que explica Themistocles Cavalcanti: “Em primeiro lugar, procura-se em vão na lei (Lei nº 4.117/62), as definições ou a conceituação ou mesmo a indicação dos casos de concessão, autorização. Somente para a permissão há referência explícita no art. 33, §6º ...”. (Ver: Tratado de Direito Administrativo, ob. cit., p. 195).
279
previsão no sentido de que "todos os municípios têm direito de postular a concessão de
radiodifusão, desde que haja viabilidade técnica " (art. 3.o, § 2.o).
Quando se trata dos serviços de retransmissão de sinais de TV e repetição de
sinais de TV, a legislação refere-se à figura da autorização tanto para o caso das televisões
comerciais ou educativas, na forma do art. 8.o do Decreto n.o 5.371/2005. Em outras
palavras, as pessoas jurídicas de direito público interno e as pessoas privadas com
finalidades lucrativas para executarem os serviços de retransmissão e de repetição dos sinais
de TV dependem de uma autorização, formalizada em ato do Ministério das Comunicações
(art. 16 do referido decreto).
Além disso, quanto à prestação de serviços de retransmissão e repetição de
sinais de televisão pelo setor estatal, há o seguinte dispositivo normativo: "As outorgas a
Estados e Municípios serão deferidas mediante atos de autorização pelo Presidente da
República ou pelo Ministro de Estado das Comunicações, conforme o caso, e serão
formalizadas por meio de convênio a ser firmado no prazo de sessenta dias" (art. 1º, 10, do
Decreto nº. 2.108/96 que altera o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, aprovado
pelo Decreto nº. 52.795/63).
Vale dizer, o referido Decreto nº. 52.795/63 careceu de técnica ao fazer a confusão
entre as definições de autorização e concessão.722
No presente trabalho, propõe-se a aplicação da autorização no âmbito do sistema
de radiodifusão privado, cujo significado está atrelado à idéia de ato administrativo
vinculado aos pressupostos legais para a sua expedição (requisitos objetivos e subjetivos),
garantindo a segurança jurídica para a realização de investimentos privados para a
execução dos serviços, conforme modelo adotado pela Lei Geral de Telecomunicações.
Nesse sentido, esta lei prevê a seguinte definição: "autorização de serviço de
telecomunicações é o ato administrativo vinculado que faculta a exploração, no regime
722 Conforme explicação de André Mendes de Almeida: "Existem dois tipos de licenças no Brasil: a concessão (outorgada para a radiodifusão sonora nacional ou regional e para a radiodifusão de sons e imagens e a permissão (outorgada para a radiodifusão sonora local)."(ALMEIDA, A. M., op. cit., p.75-76). Conferir, também, POMPEU, Cid Tomanik. Autorização administrativa: de acordo com a Constituição federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p.127-128. Segundo o Decreto n.o 52.795/63: "Art. 16. [...] § 10.o - As outorgas a Estados e Municípios serão deferidas mediante atos de autorização pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado das Comunicações, conforme o caso, e serão formalizados por meio de convênio a ser firmado no prazo de 60 (sessenta) dias".
280
privado, de modalidade de serviço de telecomunicações, quando preenchidas as condições
objetivas e subjetivas necessárias" (art. 131, § 1.o).723
A introdução do acima citado artigo da Lei nº 9.472/97 inaugurou forte polêmica
no direito administrativo brasileiro.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro sustenta que a autorização para a prestação de
serviços de telecomunicações não pode ser um ato vinculado, eis que a noção de serviço
público é incompatível com a natureza vinculada da outorga efetuada pela administração
pública. Ela, ainda, entende pela possibilidade de uma autorização para a prestação de
serviço outorgada no interesse do executor. Nesse caso, ela afirma que rigorosamente não
se trata de um serviço público. Daí porque a autora, inclusive defende a
inconstitucionalidade do referido dispositivo normativo.724
Mas, há aqueles que defendem a legitimidade da utilização da autorização no
campo dos serviços de telecomunicações. É o caso de Almiro do Couto e Silva, segundo o
qual, o artigo da lei que assegura a autorização como ato vinculado encontra-se em perfeita
harmonia com a Constituição. Para ele, "não se deve, entretanto, confundir a 'autorização',
ato de delegação de serviço público, com 'autorização' de certas atividades que, embora
possam ter a aparência de serviço público, não implicam satisfação de interesses gerais ou
coletivos (e, por isso mesmo não é serviço público), mas visam a atender, exclusiva ou
principalmente, interesses privados".725
Para Marçal Justen Filho: "concedem-se serviços públicos; autorizam-se serviços
privados. Obviamente, são distintos entre si os regimes jurídicos de autorização, permissão
723 A Lei Geral de Telecomunicações dispõe sobre os requisitos objetivos para se alcançar a autorização no seguinte sentido: "Art. 132. São condições objetivas para a obtenção da autorização de serviço: I – disponibilidade de radiofreqüências necessária, no caso de serviços que a utilizem; II – apresentação de projeto viável tecnicamente e compatível com as normas aplicáveis". E, ainda, prevê os requisitos subjetivos para a obtenção da autorização: "Art. 133. São condições subjetivas para obtenção da autorização de serviço de interesse coletivo pela empresa: I - estar constituída segundo as leis brasileiras, com sede e administração no País; II – não estar proibida de licitar ou contratar com o Poder Público, não ter sido declarada inidônea ou não ter sido punida, nos dois anos anteriores, com a decretação da caducidade de concessão, permissão ou autorização de serviço de telecomunicações, ou da caducidade de direito de uso de radiofreqüência; III – dispor de qualificação técnica para bem prestar o serviço, capacidade econômica-financeira, regularidade fiscal e estar em situação regular com a Seguridade Social; IV – não ser, na mesma região, localidade ou área, encarregada de prestar a mesma modalidade de serviço".
724 Cf. Parcerias..., p.132-139.
725 COUTO E SILVA, op. cit., p.71.
281
e concessão".726 Segundo o autor, a autorização é incompatível com a existência de um
serviço público.727
Em que pese a respeitável opinião do autor, entende-se que é possível, em
princípio, a coexistência do serviço público com o regime de autorização. É o caso, por
exemplo, de serviços administrativos de fácil execução realizados por particulares.728
Todavia, em relação à específica questão do uso da autorização quanto aos serviços
de televisão por radiodifusão algumas observações precisam ser feitas.
Como já afirmado acima, a tese consiste em negar a qualificação dos serviços de
televisão no sistema de radiodifusão privado como serviço público privativo do Estado.
Diante disso, trata-se de uma modalidade de serviço de televisão por radiodifusão que não
é necessariamente um serviço público, e cuja atuação por particulares submete-se a uma
fiscalização estatal mais rigorosa, no regime privado, caracterizado pela autorização
administrativa.
Tal proposição serve ao objetivo de garantir a dinamização do mercado, com a
adequada regulação dos serviços de televisão por radiodifusão e o fomento à produção
audiovisual, para fins de diversificação dos operadores dos respectivos serviços e a
multiplicidade dos programas oferecidos aos consumidores e cidadãos brasileiros,
reforçada, ainda, pela implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital.
A utilização da autorização, aqui defendida, justifica-se ainda mais pelo fato de
a execução dos serviços de televisão por radiodifusão envolver a utilização de freqüências
integrantes do espaço eletromagnético, um bem público por força de qualificação
legislativa (art. 157 da Lei nº. 9.472/97). Por essa razão, entende-se mais adequada esta
figura do que a concessão administrativa. E mais, outro motivo consiste na estruturação de
um ordenamento jurídico voltado à realização de direitos do que ao exercício de
prerrogativas estatais.729
726 Cf. Teoria geral..., p.130.
727 JUSTEN FILHO, Curso ..., p.494.
728 Ver: MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno, ob. cit., p. 327.
729 É importante salientar que existem limites ao controle estatal sobre o uso das freqüências do espaço eletromagnético, para fins de proteção ao exercício da liberdade de expressão. É o caso, por exemplo, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969), aprovada pelo Decreto nº. 678/92 que dispõe o seguinte: “3. Não se pode restringir o direito de
282
A seguir, será analisada a incidência dos princípios relacionados à produção e à
programação das emissoras de rádio e de televisão por radiodifusão, aos outros meios de
comunicação social eletrônica.
4.4 EXTENSÃO DOS PRINCÍPIOS DA PRODUÇÃO E PROGRAMAÇÃO DA
RADIODIFUSÃO À TV POR ASSINATURA E AOS DEMAIS SERVIÇOS DE
TELEVISÃO
Com a Emenda Constitucional n.o 36/2002, foi estendida aos "meios de
comunicação social eletrônica" a aplicação dos princípios originariamente relacionados à
produção e à programação do setor de radiodifusão.
O dispositivo diz o seguinte: "os meios de comunicação social eletrônica, indepen-
dentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os
princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a
prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais" (§ 3.o do art.
222, CF).
Tal norma está vinculada ao caput do art. 222 que preceitua o seguinte:
A propriedade de empresas jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e
imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez)
anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham
sede no País.
Diante do novo dispositivo constitucional resta saber se a expressão "meios de
comunicação social eletrônica" aplica-se à televisão por assinatura e aos outros meios de
comunicação que transmitam programação de TV, para fins de verificação da incidência
dos princípios do art. 221 da CF.
Em uma interpretação ampla, a expressão "meios de comunicação social eletrônica"
designa todo e qualquer meio de comunicação social que adote uma técnica eletrônica
incluindo, além dos meios clássicos de radiodifusão (rádio e televisão), os diversos
veículos de comunicação, como, por exemplo, as empresas jornalísticas que exibam
expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controle oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões” (art. 13).
283
conteúdo audiovisual, as empresas de acesso à internet, empresas de TV por assinatura
(cabo, DTH, MMDS etc.) e as empresas de telecomunicações que ofereçam conteúdo
análogo ao da programação de televisão tradicional.
Por outro lado, é possível uma interpretação restrita do termo "meios de comunicação
social eletrônica". Para tanto, é necessária a delimitação do alcance da referida norma, restringindo-
se o universo dos meios de comunicação social que podem ser qualificados como "meios de
comunicação social eletrônica", afastando-se o estado de insegurança jurídica na aplicação do
direito.
Para eliminar o quadro duvidoso quanto ao alcance do dispositivo
constitucional, foi elaborada a Proposta de Emenda n.o 55/2004, de autoria do Senador
Maguito Vilela, com o objetivo de alterar o art. 222, a fim de equiparar o regime jurídico
das empresas jornalísticas e de radiodifusão, com as empresas de acesso à internet e de
empresa que explore a produção, programação ou o provimento de conteúdo de
comunicação social eletrônica dirigida ao público brasileiro, por qualquer meio e
independentemente dos serviços de telecomunicações. Contudo, tal emenda foi arquivada
ao final da legislatura.730
Diante da problemática, uma das possíveis soluções quanto à aplicação dos
princípios relativos à produção e à programação das emissoras de rádio e de televisão (art.
221, CF) é a utilização de uma interpretação por analogia. Nesse sentido, todos os serviços
análogos à atividade de radiodifusão, esta caracterizada pela transmissão de programas e
de programação de televisão, estarão submetidos aos referidos princípios constitucionais.
Todos os serviços de televisão assemelhados aos serviços de televisão por
radiodifusão, que envolvam a "comunicação de massa" ou "comunicação social", e que sejam
executados por intermédio de uma programação de televisão, estariam submetidos ao mesmo
estatuto. Por questões de isonomia haveria a igualdade na aplicação do direito aos serviços
de televisão análogos. Como explica Luis Roberto Barroso: "[...] se outras plataformas
730 A adoção de uma interpretação ampla era o escopo da Proposta de Emenda Constitucional n.o 55, de 2004, de autoria do Senador Maguito Vilela, a fim de incluir na referida restrição constitucional em favor do conteúdo a "empresa de acesso a Internet e de empresa que explore a produção, programação ou provimento de conteúdo de comunicação social eletrônica dirigida ao público brasileiro, por qualquer meio e independentemente dos serviços de telecomunicações de que façam uso [...]". O objetivo da proposta é a "defesa soberana e da identidade nacionais, bem como o desenvolvimento da cultura e proteção do patrimônio cultural brasileiros". Segundo o parecer do Conselho de Comunicação Social a proposta é legítima na medida em que o objetivo primordial é a defesa do conteúdo brasileiro em face do estrangeiro, independentemente da plataforma tecnológica adotada. Conferir: Parecer n.o 2, de 2005, do Conselho de Comunicação Social, Relator: Paulo Tonet Camargo.
284
oferecem os mesmos serviços, suscitam automaticamente as mesmas preocupações
associadas à radiodifusão, referentes à soberania nacional, à opinião pública, à cultura
nacional e à responsabilização".731
Entende-se que a extensão do regime originário da radiodifusão relacionado aos
princípios do art. 221 aos serviços de televisão por assinatura é razoável, eis que ambos
tratam da atividade de televisão, ainda que seja diferente a tecnologia adotada. O ponto em
comum é o conceito restrito de televisão, conforme mencionado no capítulo primeiro. O
objetivo constitucional de proteção ao conteúdo voltado à apresentação de programas com
"preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas" deve alcançar não
só a televisão aberta, como também a televisão por assinatura. Não importa o meio
tecnológico utilizado para a difusão da programação de televisão, mas sim as finalidades
substanciais que justificam a incidência do referido catálogo de princípios.732
Portanto, a televisão por assinatura, em se tratando de um "meio de comunicação
social eletrônica", encontra-se submetida aos mesmos princípios aplicáveis à radiodifusão
(art. 221 da CF), instituídos em defesa do "conteúdo brasileiro" na programação de
televisão, editado em razão da soberania nacional em termos culturais perante a
programação estrangeira.733
731 Cf. BARROSO, Luis Roberto. Constituição, comunicação social e as novas plataformas tecnológicas. In:_____. Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.103. Em sentido contrário, Walter Ceneviva conclui: "... obrigar estas empresas (internet, TV por assinatura, empresas jornalísticas on line) à observância dos princípios arrolados no art. 221, não tem consistência prática nem coerência com a sua realidade atual. A AMPLITUDE DO CONCEITO 'MEIO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL ELETRÔNICA' PODERÁ TRAZER SÉRIOS PROBLEMAS PARA SUA APLICABILIDADE, QUE PODERÃO NÃO SER SOLUCIONADOS AINDA QUE COM A EDIÇÃO DE LEI ESPECÍFICA". Cf. Serviços de Radiodifusão, texto publicado no site da Associação Brasileira de Direito da Informática e Telecomunicações em <www.adbi.org.br/artigos.php?artigo=23>. Acesso em: 2 nov. 2006.
732 Nos EUA, sempre que surgia um novo meio de comunicação a tendência era enquadrá-lo no regime da radiodifusão, mediante o emprego de analogias. Em outras palavras, a agência reguladora promovia o enquadramento positivo ou negativo e, posteriormente, ocorria a discussão judicial em torno da qualificação ou desqualificação do novo serviço como radiodifusão. Ocorre que, com o surgimento da internet, simplesmente, houve a ruptura com esse padrão de analogia, em razão de sua própria natureza multimídia. Ver Capítulo III.
733 A preocupação com a proteção ao conteúdo nacional no setor de radiodifusão é antiga. Cf. Adriano Ribeiro: "Muitas foram as tentativas com o intuito de estabelecer certa proporcionalidade entre a transmissão de programas envolvendo obras estrangeiras e nacionais, com a projeção compulsória de um filme nacional por semana, criada pelo Decreto n.o 52.286 de 23.01.1963. Contudo, ainda, hoje, o espaço ocupado pelo produto estrangeiro, principalmente nas emissoras de canal fechado, ainda é muito grande." (RIBEIRO, A. C. P., op. cit., p.34).
285
Por outro lado, a extensão desse regime à internet, às empresas jornalísticas on
line e às empresas de telecomunicações, não é de todo adequada em função das diferenças
técnicas e do alcance social de cada veículo. Em princípio, tais empresas transmitem
conteúdo audiovisual por diversos meios: computador, redes de telefonia e aparelhos de
telefones celulares etc.
Todavia, não é possível confundir o serviço de distribuição de vídeo com os
serviços de televisão, sendo que estes estão baseados nos conceitos de programas e
programação, conforme apontado no primeiro capítulo.
Além disso, por exemplo, a distribuição de programas ou programação de televisão
pelos aparelhos celulares, cuja característica básica é a mobilidade, não possui as mesmas
condições de recepção que a prestação dos serviços de televisão pelo aparelho tradicional,
logo não se justifica o mesmo regime. Assistir programação de TV por celular não é a
mesma situação que assistir à programação em casa pelo aparelho convencional!
Todavia, em se tratando de transmissão de programação de televisão por outros
meios que não a técnica da radiodifusão (e não os serviços de distribuição de vídeos) a
extensão do regime da radiodifusão afigura-se, em princípio, aplicável haja vista os
objetivos constitucionais (art. 221 da CF).
Com efeito, em virtude da finalidade substancial relacionada à produção e à
programação de conteúdo audiovisual, é razoável supor que todos os meios que prestem
serviços de televisão estejam a ela vinculados. Contudo, é imprescindível a flexibilidade
quanto à aplicação do regime jurídico, sob pena de comprometimento do desenvolvimento
e universalização das novas tecnologias. Daí porque se defende que o futuro marco
regulatório defina parâmetros mínimos para que a autoridade reguladora promova a
aplicação do regime aos novos meios de prestação de serviços de televisão.
Além do aspecto quanto à proteção ao conteúdo audiovisual, é importante
destacar que um dos motivos principais para a restrição mais intensa dos serviços de
televisão por radiodifusão é a utilização de freqüências radioelétricas; um bem público
naturalmente escasso. Logo, todos os novos meios de comunicação que não dependam do
espaço eletromagnético devem, em tese, receber menos restrições às suas respectivas
atividades.
Em termos estruturais, a regulação desses serviços de televisão pelos novos meios
de comunicação social há de ser feita não nos mesmos moldes daqueles atribuídos à
radiodifusão em sua dimensão tradicional, especialmente quanto ao conteúdo audiovisual.
286
Não é possível comparar a natureza e o alcance desses veículos com os clássicos meios de
radiodifusão, daí porque a analogia deve ser feita com muita cautela sob pena de restringir
excessivamente a liberdade de iniciativa. Toda e qualquer restrição estatal em relação às
novas tecnologias há de observar o princípio da proporcionalidade. E mais, saliente-se que
a eficácia do § 3.o, do art. 222, da CF, está condicionada à edição de lei específica para
definir os contornos para sua aplicação.
4.5 CONCRETIZAÇÃO DA EXIGÊNCIA DE MEIOS LEGAIS EM DEFESA DA
PESSOA E DA FAMÍLIA DIANTE DA PROGRAMAÇÃO DE TELEVISÃO E
EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PRODUÇÃO E PROGRAMAÇÃO DE
TELEVISÃO (ARTS. 220, § 1.o E 221, INCISOS I A IV, CF)
Não obstante quase 20 anos da promulgação da Constituição do Brasil, até o
momento, não foi regulamentado o artigo 220, § 1.o, que trata do dever legislativo de
estabelecer os meios legais em defesa da pessoa e da família perante programas ou
programações de televisão, nem o art. 221 que abrange os princípios da produção e
programação das emissoras de televisão que são os seguintes: preferência a finalidades
educativas, artísticas, culturais e informativas, promoção da cultura nacional e regional e
estímulo à produção independente que objetive sua divulgação, regionalização da produção
cultural, artística e jornalística, conforme percentuais definidos em lei e respeito aos
valores éticos e sociais da pessoa e da família.734
Nesse aspecto, a legislação do setor (Lei n.o 4.117/62) é insuficiente para atender
aos objetivos constitucionais, razão pela qual o presente trabalho apresenta algumas
proposições quanto à alteração da legislação para a concretização das referidas normas
constantes no art. 220, §1º e 221, incs. I a IV, da CF.
Quanto à efetivação da garantia de meios legais de proteção à pessoa e à família
perante os serviços de televisão (art. 220, § 1.o, CF), propõe-se o seguinte:
734 Em que pese a destacada atuação do Ministério Público, notadamente com a propositura de ações civis públicas contra as emissoras de televisão em razão de abusos cometidos na programação, e a existência do Estatuto da Criança e do Adolescente, entende-se pela necessidade de novas medidas legais em defesa da pessoa e da família perante a programação audiovisual. É certo que existem organizações sociais bastante atuantes em favor da democratização da mídia em nosso País como é o caso do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e o Coletivo Intervozes.
287
(a) estabelecimento em lei dos direitos e deveres dos usuários, tal como já ocorre
na lei que trata dos serviços de televisão a cabo e na lei geral de
telecomunicações, no âmbito dos três sistemas de radiodifusão;
(b) fomento do poder público à formação de associações de cidadãos em defesa
dos direitos relacionados a uma programação de televisão de qualidade,
mediante a atuação em procedimentos administrativos e processos judiciais;
(c) imposição de canais de comunicação entre as emissoras de televisão e os
telespectadores (exemplo: a figura do ombusdmann735);
(d) estímulo à participação procedimental (exemplos: a consulta pública para a
elaboração do plano de alocação de freqüências, procedimentos de outorga
e renovação etc.) e a participação perante os órgãos voltados à execução e à
regulação de serviços relacionados ao setor de radiodifusão (exemplos:
televisões públicas, estatais e privadas, CONAR, agência reguladora etc.),
especialmente com a otimização da própria internet;
(e) transformação do Conselho de Comunicação Social em verdadeiro fórum
republicano para a discussão dos temas sensíveis relacionados à
democratização da mídia brasileira, com a alteração da lei que o instituiu, a
fim de ampliar a presença de grupos da sociedade, modificando, portanto, a
sua modelagem atual de cárater corporativo;
(f) extensão do direito de resposta para a proteção de bens coletivos e
interesses sociais a entidades legítimas, em sentido análogo ao art. 82 do
Código de Defesa do Consumidor (exemplo: Administração Pública,
Ministério Público, Organizações não-governamentais);736
(g) incentivo à adoção pelas emissoras de televisão de códigos deontológicos
quanto ao exercício profissional, particularmente no campo da informação
735 Sobre o tema, é essencial a leitura da obra O Ombudsman e o controle da administração. São Paulo: EDUSP/Ícone Editora, 1994, de Marcos Jordão Teixeira do Amaral Filho. Não se desconhece, por óbvio, a falta de tradição de ativivismo cidadão em nosso País correspondente a estados de apatia política (falta de estímulo à participação), abulia política (não querer participar) e acracia política (não poder participar). Conferir: MODESTO, Paulo. Participação popular na administração pública: mecanismos de operacionalização. Revista eletrônica Direito do Estado nº 2, abril-junho/2005, encontrável em www.direitodoestado.com.br.
736 Nesse particular, adere-se à proposição originária do professor Fábio Konder Comparato. A democratização dos meios de comunicação de massa. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (Orgs.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p.165-166.
288
jornalística (exemplo: garantia da imparcialidade e o princípio da
presunção de inocência do acusado no tratamento de notícias envolvendo
fatos de repercussão criminal);
h) a especialização no âmbito dos Ministérios Públicos estaduais para tratamento
dos meios de comunicação social, em moldes similares ao grupo de
trabalho sobre comunicação social criado pelo Ministério Público Federal
(Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos).
Por outro lado, quanto à efetivação do art. 221, incisos I a IV, da, CF, são
apresentadas as seguintes proposições:
(a) quanto à preferência da produção e programação das emissoras de
televisão por finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
(a.1) previsão de um regime de tempo mínimo para a difusão de conteúdo
educacional737, artístico, cultural e informativo;
(a.2) a diminuição dos custos de transmissão para programas educacionais,
artísticos, culturais e informativos nas televisões comerciais, com regras de
incentivo fiscal;
(a.3) incentivos para a exibição de programas educacionais vocacionados à
educação infanto-juvenil, com a imposição de quotas mínimas de exibição
desse conteúdo e a realização de programas de educação para a mídia;
(b) promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção
independente que objetive sua divulgação;
(b.1) imposição de um regime de quotas obrigatórias de exibição em obras
audiovisuais de valorização à cultura brasileira e de caráter regional, com a
fixação do dever de realizar investimentos mínimos na compra de
conteúdo audiovisual de produção por terceiros e abertura de espaços na
programação para a difusão de filmes nacionais;
737 Nesse aspecto, observe-se que a Lei nº 9.795/99, que trata da educação ambiental, dispõe sobre o dever dos meios de comunicação de colaborar ativamente na disseminação de informações e práticas educativas sobre meio ambiente.
289
(c) regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme
percentuais estabelecidos em lei;
(c.1) sugestão similar ao item anterior, com a adoção de um regime de quotas
mínimas obrigatórias em termos de produção de conteúdo audiovisual de
caráter cultural, artístico e jornalístico, voltadas à correção do
desequilíbrio do setor audiovisual, acentuadamente centralizado no
Sudeste, com a imposição de percentuais de produção própria, de âmbito
local e regional, pelas redes nacionais de televisão e emissoras afiliadas;
(c.2) articulação da disciplina jurídica da televisão com o aproveitamento da
legislação de fomento à cultura, com a produção regional da parte das
próprias emissoras de televisão e produtoras independentes;
(c.3) investimentos estatais diretos no processo de produção de conteúdo
audiovisual (exemplo: fomento ao turismo);
(c.4) criação de fundos especiais de investimento na produção e na distribuição
de conteúdo audiovisual regional;
(c.5) limitação à participação estrangeira na mídia, com o estabelecimento de
produção mínima de programação em território nacional, com a
contratação de profissionais brasileiros;
(d) respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família;
(d.1) previsão em lei de determinados bens a serem protegidos que estejam em
direta conexão com o princípio da dignidade da pessoa humana, como, por
exemplo, restrições aos programas com cenas de violência e sexo, e
programas de caráter sensacionalista, para fins de especial atenção ao
público infanto-juvenil, como também o estímulo à adoção de códigos de
conduta pelas emissoras de televisão.
Todos os princípios acima mencionados aplicam-se aos três sistemas de
radiodifusão. Contudo, a incidência não é homogênea em virtude da natureza de cada um
dos referidos sistemas.
Por exemplo, certamente a norma que impõe o respeito aos valores éticos e
sociais da pessoa e da família aplica-se às televisões comerciais, públicas e estatais.
Todavia, o princípio que trata da preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e
informativas deve ser respeitado com mais rigor no sistema público e estatal que em
290
relação à televisão comercial. É que esta, em razão de sua própria natureza, depende para
sua sobrevivência da publicidade mercantil. Logo, um dos mecanismos para atrair a
atenção da audiência é a veiculação de programas com entretenimento. Assim, sem dúvida
alguma, ela está obrigada às referidas finalidades constitucionais, porém não no mesmo
grau de vinculação que as outras televisões, eis que possui maior grau de autonomia
privada em relação à liberdade de programação.
Outro exemplo consiste no descabimento de exigir das televisões comunitárias,
cuja vocação é o âmbito local, o cumprimento da regionalização da produção cultural,
artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei.
Por essas razões, compete à lei a definição do marco regulatório adequado para a
concretização dos referidos princípios.
A seguir, será verificada a proposição concernente à necessária instituição de
uma agência reguladora dos serviços de televisão por radiodifusão.
4.6 ATRIBUIÇÃO DA COMPETÊNCIA REGULATÓRIA SOBRE OS SERVIÇOS
DE TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO À ANATEL
Renove-se a assertiva de que um dos principais problemas do Brasil em termos
de democratização da televisão é a deficiente regulação estatal, eis que o interesse setorial,
em articulação com o poder político, sobrepuja o interesse da sociedade brasileira.
Conforme lições do professor Fábio Konder Comparato: "...a regulação do sistema de
comunicação como um todo, incluindo nesta era de multimedia o conjunto dos canais de
telecomunicação por via telefônica, tornou-se, no presente, uma matéria constitucional por sua
própria natureza".738
Em função disso torna-se necessária a respectiva regulação, por intermédio de
uma agência autônoma dos serviços de televisão por radiodifusão, em relação ao poder
político (especialmente, o poder do governo – Presidente e Ministério das Comunicações)
738 COMPARATO, A democratização ..., p.163.
291
e do poder econômico (empresas de mídia nacionais e internacionais e agências de
publicidade).739
Aqui, adota-se uma postura crítica diante da separação promovida de modo
circunstancial pela Emenda Constitucional n.o 08/95, entre os setores de telecomunicação e
radiodifusão, defendendo-se a modificação do ordenamento jurídico, para atribuir a
competência regulatória à ANATEL sobre os serviços de televisão por radiodifusão. Deste
modo, permite-se a relativização da separação entre os dois universos, promovendo alguns
passos em direção à aproximação recíproca.
A medida, ora proposta, justifica-se pelas seguintes razões: (i) o processo de
convergência de tecnologias e de prestação de serviços em matéria de comunicações
eletrônicas requer a unidade regulatória, (ii) evita-se a confusão entre a atribuição de
competências entre distintas entidades, o que compromete a segurança jurídica, (iii)
aproveita-se a experiência da ANATEL em termos de regulação setorial sobre os serviços
de telecomunicações, (iv) facilita a adoção de uma política nacional de comunicações
diante da internacionalização da mídia e (v) a implantação do Sistema Brasileiro de
Televisão Digital, em razão de sua própria dinâmica requer um órgão especializado no
tratamento das questões técnicas que lhe são subjacentes, e, finalmente, (vi) os demais
serviços de televisão por assinatura já se encontram sob a jurisdição da referida agência.
Nesse contexto, algumas alterações no direito positivo precisam ser feitas tanto
na Constituição Federal quanto na legislação infraconstitucional.
Defende-se, aqui, a proposta de modificação do ordenamento jurídico brasileiro,
na forma de emenda constitucional, alterando-se o art. 223, § 1.o, § 2.o, § 3.o, § 4.o, e o art.
49, XII, da CF, para atribuir as competências então conferidas ao Poder Executivo e ao
Poder Legislativo (ato de outorga, ato de renovação e ato de não-renovação) e ao Poder
Judiciário (ato de cancelamento do ato de outorga), à ANATEL, dotada de plena autonomia
em face do poder político e do poder econômico, com a participação da cidadania brasileira
nos procedimentos de outorga, renovação, entre outros. A atribuição de competência
regulatória à referida agência em relação ao setor de radiodifusão só tem sentido se ela
dispor do poder de outorga, normatização e fiscalização em relação às emissoras de
televisão por radiodifusão.
739 Nesse sentido, é de se fazer a justa homenagem ao professor Fábio Konder Comparato que há tempos sustenta a necessidade de um órgão administrativo autônomo para cuidar da regulação e fiscalização do setor de comunicação social (COMPARATO, A democratização..., p.164).
292
Além disso, deve-se alterar a Lei Geral de Telecomunicações, a fim de incluir tal
competência à ANATEL, transformando-a em uma Agência Nacional de Comunicações.
Ora, se há um Ministério das Comunicações nada mais razoável do que a existência de uma
agência especializada em matéria de comunicações, independentemente da tecnologia
adotada. Ao Ministério competirá a elaboração da política pública em matéria de
comunicações, enquanto à agência caberá a definição e a execução da política regulatória.
Nesse sentido, o modelo, ora proposto, aproxima-se da experiência da Federal
Communications Comission dos EUA, sob análise no capítulo terceiro, que tem por objeto
justamente todas as modalidades de serviços de comunicações, independentemente da
plataforma tecnológica adotada.
No atual momento histórico, entende-se como inconveniente a criação de mais
uma agência especializada unicamente no setor audiovisual.
De fato, o conteúdo audiovisual é objeto de tratamento especial pela
Constituição, razão qual ela impõe um estatuto específico. Contudo, isto não exige
necessariamente uma agência especializada somente no setor da comunicação audiovisual.
Portanto, é perfeitamente possível atribuição à ANATEL a regulação em termos
de conteúdo audiovisual. É que a separação entre a regulação da infra-estrutura e do
conteúdo audiovisual acaba enfraquecendo a própria proteção a este último. Em regra,
quem detém os meios de comunicação é que determina quais os conteúdos que serão
veiculados pelas redes de difusão. No Brasil, a disciplina das redes há de ser feita em harmonia
com o tratamento dos conteúdos audiovisuais, sob pena de ineficiência. Um dos
mecanismos para neutralizar o poder dos proprietários e (ou) controladores das redes é a
promoção da regulação, em conjunto, em favor da produção do conteúdo audiovisual. Com
isso, minimiza-se o risco de o controlador da rede impor condições excessivas para o
transporte de conteúdo audiovisual de outros concorrentes.740
Sintetizando-se, ao invés de separação entre os setores de telecomunicações e
radiodifusão, deve ocorrer uma aproximação entre os mesmos, justamente em razão do
processo de convergência tecnológica, ainda mais acentuado pela implantação do Sistema
Brasileiro de Televisão Digital.
740 Um dos fundamentos para a restrição do poder dos proprietários dos meios de comunicação consiste justamente na função social da propriedade. A esse respeito, consultar: MALUF, Carlos Alberto Dabus Maluf. Limitações ao direito de propriedade. 2ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, e BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito administrativo ..., p. 152-166.
293
5 REFLEXOS DO SISTEMA BRASILEIRO DE TELEVISÃO DIGITAL SOBRE
O REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS DE TELEVISÃO POR
RADIODIFUSÃO
5.1 AUSÊNCIA DE PREVISÃO NORMATIVA DO CONCEITO DE SERVIÇO DE
TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO DIGITAL
O Decreto n.o 5.820/06741 trata da implantação do Sistema Brasileiro de
Televisão Digital Terrestre – SBTVD-T na plataforma de transmissão e retransmissão de
sinais de radiodifusão de sons e imagens. Ele não contempla, em verdade, um conceito de
serviço de televisão digital, apenas estabelece a seguinte definição de Sistema Brasileiro de
Televisão Digital Terrestre – SBTVD-T: "conjunto de padrões tecnológicos a serem
adotados para transmissão e recepção de sinais digitais terrestres de radiodifusão de sons e
imagens". E, ainda, faz referência aos "serviços integrados de radiodifusão digital terrestre"
(ISDB-T – Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial) (art. 2.o).
741 Ao contrário de outros países desenvolvidos que adotaram uma lei tratando da televisão digital, o Brasil por um mero Decreto regulamentou o padrão de televisão digital, fato esse que viola a competência do Congresso Nacional para apreciar a matéria. Esta entre outras questões, é levantada pela Ação Civil Pública n.o 2006.38.00.026780-0/Classe 7100, com pedido de suspensão liminar do decreto, proposta pelo MPF perante a 20.a Vara Federal de Minas Gerais contra a União, em face da invalidade do referido decreto que criou o Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Contudo, o juízo sentenciou e indeferiu a petição inicial por entender que ela é inepta. A íntegra do texto da ação pode ser localizada no site www.intervozes.org.br e da decisão no site www.fndc.org.br. Acesso em: 29 dez. 2006.
294
O referido ato normativo em seu art. 4.o dispõe: "o acesso ao SBTVD-T será,
assegurado, ao público em geral, de forma livre e gratuita, a fim de garantir o adequado
cumprimento das condições de exploração objeto das outorgas".
Não há, no entanto, identificação de quais são os "serviços integrados de radiodifusão
digital terrestre".
No modelo tradicional, uma emissora de televisão, em razão de obter um ato de
outorga, presta serviços de radiodifusão de sons e imagens. Ela não presta serviços de
acesso à internet, eis que estes não são classificados como radiodifusão, mas como
serviços de telecomunicações. Resta saber se o novo marco regulatório da televisão digital
permitirá que a própria operadora dos serviços de televisão ofereça novos serviços ou se
ela estará proibida de fazê-lo. Portanto, é essencial a distinção entre o serviço básico de
televisão por radiodifusão e as outras aplicações decorrentes da televisão digital.742
Isso tudo pressupõe a adoção de um conceito normativo de televisão, tal como
visto no capítulo primeiro, a fim de definir, de forma adequada e proporcional, o regime
jurídico incidente sobre a atividade de radiodifusão.
5.2 DEFINIÇÃO DO OBJETO DO ATO DE OUTORGA: A QUESTÃO DOS
SERVIÇOS DE TELEVISÃO DIGITAL DE ALTA DEFINIÇÃO E (OU) DE
DEFINIÇÃO PADRÃO
Uma questão central na definição do marco jurídico de ordenação do Sistema
Brasileiro de Televisão Digital consiste no objeto da outorga que afeta o conteúdo do
regime da concessão, permissão ou autorização.
Conforme a legislação em vigor, o objeto do ato de outorga do serviço de
radiodifusão na forma analógica, inclui o direito de uso da faixa de frequências de 6MHz,
742 Para além da questão jurídica, trata-se de um ponto essencial em termos de disputa pelo mercado de serviços de comunicações eletrônicas entre emissoras de televisão e empresas de telecomunicações, especialmente a transmissão de conteúdo audiovisual pelos telefones celulares. Em verdade, a problemática acentuou-se quando da elaboração pela ANATEL da Resolução sobre os Serviços de Comunicação Multimídia, o que ensejou a edição da Súmula ANATEL nº. 006, de 24 de janeiro de 2002, vindo a ratificar a distinção entre os serviços de comunicação multimídia e os serviços de radiodifusão e os de TV por assinatura. Um dos fatores em discussão era a separação entre o mercado corporativo do mercado residencial em termos de serviços de comunicação. Ver: MEDEIROS, Gierck Guimarães. A convergência e o novo marco regulatório no âmbito da União Européia. Disponível:<<http.www.anatel.gov.br/biblioteca/Publicação/Pesquisas/Normativo_Anatel_gierck/ArtigoGirck_26.6.2004.pdf>. Acesso em: 19 dez. 2006.
295
o que permite a transmissão de uma única programação pela emissora de televisão.
Evidentemente que, havendo necessidade em razão do interesse público na realocação das
freqüências, não há que se falar em "direito adquirido" ao uso do bem público.
Por outro lado, com a aplicação da técnica digital, por intermédio dessa mesma
faixa de freqüências, torna-se possível a transmissão de múltiplas programações de
televisões.743
O Decreto n.o 5.820, de 29 de junho de 2006, prevê a transmissão digital em alta
definição (HDTV) e em definição padrão (SDTV).744
O problema que se coloca consiste no fato de a transmissão digital em alta
definição ocupar uma faixa muito maior de freqüências do espectro eletromagnético. Quer
dizer, quanto melhor a qualidade da imagem no receptor, maior a utilização da capacidade de
transmissão do espectro de freqüências. Ademais, a recepção do sinal na forma HDTV
depende de um aparelho televisor digital, cujo custo hoje é ainda elevado no Brasil, o que é
um fator impeditivo do acesso à maioria da população brasileira.
A utilização da transmissão HDTV permite uma excelente qualidade de imagens
e sons para os respectivos usuários, contudo ela acaba impedindo a utilização da faixa de
freqüências de 6 MHz para os outros usos possíveis voltados à democratização da comunicação
743 Cf. A questão é abordada no Relatório do CRP Telecom & It Solutions referente sobre a Política Industrial: Panorama Atual, do Projeto Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Modelo de Implantação. Eis o que explica o relatório: "Com o advento da TV Digital, é possível transportar na mesma banda de 6MHz de radiodifusão terrestre cerca de 19 Mbit/s, o que abre novas oportunidades quanto à oferta de sinais com qualidade superior de imagem e som. Se a opção for pela alta definição, pode-se utilizar tecnologias que necessitem entre 8 Mbit/s e 18-20 Mbit/s (H.264 e MPE-2, respectivamente). Por outro lado, se a opção for pela definição padrão, serão empregadas taxas inferiores àquelas exigidas pelo H.264 para a alta definição. Dessa forma, dependendo da tecnologia que for adotada, nem toda a capacidade de transporte de informações disponível será efetivamente usada. Em relação aos aspectos regulatórios, essa situação entra em conflito com a legislação existente no aspecto do uso eficiente do espectro de radiofreqüências. Há também que se considerar que a freqüência consignada a uma concessionária é de propriedade da União e que o seu melhor uso, inclusive àquele gerado pelo processo técnico-científico, pode ser disciplinado de maneira diferente do usualmente adotado." (op. cit., p.20-21).
744 A diferença entre as modalidades de transmissão digital reside, basicamente, na qualidade dos sons e das imagens: definição padrão (imagem no formato 4:3 - largura versus altura e resolução de 408 linhas, com 704 pontos cada uma, sendo uma tecnologia mais simples e barata) e alta definição (imagem com o formato 16:9 e recepção em aparelhos com 720 linhas de 1.920 pontos, sendo uma tecnologia mais complexa e cara). Na prática, a transmissão SDTV permite a recepção do sinal de televisão em melhor estado do que comparativamente em relação à transmissão analógica, eis que permite a eliminação das interferências, enquanto a transmissão digital HDTV permite a recepção em qualidade análoga à do cinema, em termos de vídeo e áudio. Um outro modo de transmissão digital que não foi levado em consideração pelo referido Decreto consiste na forma EDTV, uma definição intermediária entre as duas outras acima referidas que possibilita a utilização de aparelhos com 720 linhas de 1.280 pontos, cuja resolução é próxima ao DVT, dependendo da técnica de compressão do sinal digital.
296
social, particularmente para a prestação de outros serviços de interesse público ou interesse
coletivo. Ao invés da realização da complementaridade dos sistemas público e estatal na
radiodifusão, o governo omite-se em adotar medidas para criar alternativas diante da
hegemonia das televisões privadas.
Uma vez que lhes foi conferida a faixa de 6 MHz, as emissoras de televisão
privadas estão fazendo investimentos em favor da transmissão de suas programações no
padrão HDTV em detrimento de eventual utilização do padrão SDTV.
A transmissão digital no padrão SDTV garante um cenário de multiprogramação,
o que favorece a maximização da diversidade de conteúdos audiovisuais. De fato, tal
modalidade de transmissão promove a alocação do recurso radioelétrico para um número
maior de operadores e de programações audiovisuais.
A análise da experiência estrangeira demonstra a adoção de uma fase de
transição caracterizada pela transmissão simultânea na forma analógica e digital e a
possibilidade do formato HDTV. Nos EUA, a escolha quanto à forma de transmissão de
televisão digital encontra-se no âmbito da liberdade empresarial das emissoras de televisão
por radiodifusão. Na França, há também a forma HDTV, porém lá a política pública em
torno da televisão digital voltou-se ao pluralismo da mídia, mediante a entrada de novos
operadores privados e públicos, assegurando-se, ainda, ao setor público o acesso prioritário
ao recurso radioelétrico.745
Aqui, em razão dos objetivos da República Federativa do Brasil, do regime de
direitos fundamentais (liberdade de expressão, informação, comunicação, direitos culturais
etc.), soberania nacional, defesa do patrimônio cultural brasileiro, interesses dos consumidores,
redução das desigualdades regionais, vedação ao oligopólio e monopólio dos meios de
comunicação social, princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão, não é
admissível a priorização, em caráter absoluto, da transmissão digital no padrão HDTV. Não
é razoável que a televisão digital seja reduzida à HDTV, sob pena de perder-se uma
oportunidade histórica para a democratização do acesso de novos operadores e a abertura da
diversificação do conteúdo audiovisual, protegidos pelos princípios constitucionais
relativos à produção e à programação das emissoras de televisão, especialmente para
assegurar a efetivação dos sistemas de radiodifusão estatal e público.
745 Ver: Capítulos III e IV.
297
Compete à lei a definição do marco regulatório de modo a compatibilizar a
transmissão digital no padrão HDTV com as necessidades da sociedade de acesso aos
meios de comunicação que possibilitem o exercício das liberdades comunicativas,
estabelecendo-se os respectivos limites. Até porque os benefícios decorrentes da
implantação de uma nova tecnologia devem ser compartilhados pela sociedade, não podendo
ser apropriados exclusivamente pelas empresas de radiodifusão. Daí a imperiosa harmonização
com a permissão da liberdade empresarial em escolher o padrão HDTV ou SDTV, porém
obrigando-se a ceder parte de sua capacidade excedente de transmissão para que outras
entidades ofereçam diversos serviços (educacionais, informativos, tele-medicina etc.).746
Certamente, a entrada de novos competidores no mercado de televisão por
radiodifusão no cenário digital significará uma maior disputa em relação às receitas
decorrentes do mercado publicitário. É um fator a ser considerado no novo marco
regulatório do setor em razão da necessidade de investimentos para a implantação do
Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Entretanto, isso não significa a outorga de
privilégios para as atuais empresas de radiodifusão, pois conforme disposto na própria
legislação em vigor, "as concessões de autorizações não têm caráter de exclusividade".747
É inadmissível em um Estado Democrático de Direito que haja a reserva, seja
por decreto, seja por lei, do mercado de televisão por radiodifusão aos atuais "concessionários".
Aqui, o princípio da concorrência incide com toda sua força normativa e exige a regulação
do mercado de modo a permitir, dentro do máximo possível, o acesso de novos
competidores, especialmente, a participação de operadores públicos e estatais no cenário
audiovisual brasileiro.748
746 Cf. FREITAS, Igor Vilas Boas de. Televisão digital: que imagem terá o modelo brasileiro? Texto publicado pela Consultoria Legislativa do Senado Federal, Brasília, dez. 2004. p.49-51. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/fiquePorDentro/Temasatuais/tvdigital/ textoseletronicos.html>. Acesso em: 15.10.06.
747 Art. 35 da Lei n.o 4.117/62.
748 Segundo Jónatas Machado: "Do mesmo modo, não existe uma garantia de jure contra a concorrência por parte de terceiros, não podendo os operadores existentes invocar prováveis danos económicos resultantes da atribuição de novas licenças em virtude da escassez do mercado publicitário." (MACHADO, J. E. M., Liberdade de expressão..., p.949).
298
5.3 INSTITUIÇÃO DO OPERADOR DA REDE DE DIFUSÃO: A DISTINÇÃO
ENTRE AS ATIVIDADES DE TRANSPORTE DE SINAIS E DE PROGRAMAÇÃO
AUDIOVISUAL
Na visão tradicional, o serviço de televisão por radiodifusão envolve as
atividades de produção de conteúdo audiovisual, a transmissão do sinal de televisão (áudio
e vídeo) e a recepção do sinal por aparelhos de televisão. O paradigma de organização é a
concentração das atividades de produção de conteúdo audiovisual, transmissão dos sinais
(operação da rede de difusão) e programação audiovisual (edição dos programas de televisão)
em poder da "concessionária". Tais atividades pressupõem, ainda, a adoção de técnicas
específicas para a realização da comunicação de um ponto para milhares de pontos
espalhados pelo território nacional, o que se faz mediante a emissão e a transmissão do
sinal por antenas terrestres e satélites, com a utilização do espectro eletromagnético.749
Com a digitalização, é possível fragmentar o setor de radiodifusão em atividades
especializadas, isto é, separar o serviço de transporte de sinais de televisão e a atividade de
programação audiovisual. Em razão da mutação tecnológica, torna-se viável o rompimento do
paradigma tradicional e instaurar um novo modelo fundado na fragmentação das atividades
do setor de radiodifusão, conforme suas especificidades. Com isso, separam-se as atividades de
produção audiovisual, operação da rede de difusão e programação audiovisual.750
A operação e o funcionamento do serviço de televisão por radiodifusão depende
de uma infra-estrutura material de transmissão configuradora de uma rede de difusão. Em
relação a essa questão existem duas possíveis soluções.
A primeira consiste em deixar cada prestador do serviço de televisão encarregar-
se da construção de sua própria rede para transmitir o conteúdo audiovisual para a área de
cobertura. Trata-se da alternativa tradicional adotada na transmissão analógica de televisão
que está articulada em torno das emissoras de televisão e as estações afiliadas, repetidoras
e retransmissoras.
749 A televisão por radiodifusão adota um conceito de rede de difusão unidirecional em que a informação parte de um ponto da rede em direção aos receptores espalhados em deteminada área de cobertura, sendo que os receptores, em princípio, não têm capacidade para interagir com o emissor (FARACO, Regulação..., p.23).
750 Acerca do novo modelo de regulação dos serviços públicos a partir da noção de desintegração do setor e a separação das atividades, consultar: ORTIZ, Principios..., p.610-613.
299
A segunda consiste na criação da figura do operador de rede como o responsável
pela infra-estrutura de transmissão (pública ou privada, esta, porém, cujo uso esteja
condicionado ao interesse público); e, conseqüentemente, pela oferta de capacidade de
transporte de sinais (alternativa adotada na Europa para a transmissão digital de
televisão).751
Com a configuração de um operador de rede, cada emissora de televisão recebe
o espaço necessário para veicular seu conteúdo, e, como a tecnologia viabiliza a
diminuição do espaço utilizado, o excedente é automaticamente redistribuído para a
entrada de novas emissoras. Nesse contexto, as emissoras transmitem seu sinal para uma
única antena titularizada e gerida por uma empresa independente, sem ligação com as
emissoras, e fortemente fiscalizada pela agência reguladora, que combinará os sinais no
espaço disponível e os transmitirá em um único feixe para as residências daquela área de
cobertura. Em tese, pode-se proibir que uma empresa de telecomunicações ofereça esse
tipo de serviço, a fim de evitar que ela prejudique a concorrência no setor.
A importante função do operador de rede consiste em assegurar o fracionamento
do canal de 6 MHz, a fim de colocar várias programações de diferentes estações de
televisão, no espaço que hoje é ocupado pela programação de uma única emissora. O
serviço prestado volta-se exclusivamente ao transporte de programações de terceiros, sendo
vedada ao operador de rede a veiculação de programação audiovisual própria. A
remuneração decorre da prestação de serviço de transporte de sinais caracterizadores de
programações audiovisuais dos diversos operadores que atuam no setor de radiodifusão.752
Nessa modelagem, a rede de difusão configura, na terminologia da doutrina,
uma "essential facilities" para a prestação de serviços de televisão digital. Garante-se o
acesso integral à rede pelos diversos operadores no mercado, assegurando-se uma efetiva
competição na oferta de serviços. O titular da rede está obrigado a franquear o acesso às
empresas interessadas no transporte dos sinais de televisão e de outros sinais, permitindo o
751 Para aprofundamento da questão relacionada à gestão do patrimônio público radioelétrico, ver: FREITAS, I. V. B. de., op. cit., p.45.
752 Cf. Contribuição do Ministério da Cultura à implantação do sistema brasileiro de televisão digital intitulado Projeto SBTVD – Questões Centrais para uma Tomada de Decisão (p.19).
300
oferecimento das diversas programações ao público. Assim, a rede, embora possa ser de
titularidade privada, é qualificada como de uso público.753
Adota-se o princípio "open network provision", isto é, o princípio básico de
funcionamento das redes públicas como redes abertas a todos os prestadores de serviços,
inclusive operadores estatais e públicos. Trata-se de um princípio que assegura o compar-
tilhamento do uso da infra-estrutura para fins de transmissão dos sinais de televisão.754
Deve-se obrigar que o operador de rede carregue (regras "must carry"), sem qualquer
cobrança, os sinais de televisão emitidos por operadores públicos e estatais, reduzindo o
custo global do funcionamento dessas emissoras, e garantindo, na prática, o princípio da
complementaridade entre os sistemas de radiodifusão.
Aqui, propõe-se, em favor da concretização do princípio da complementaridade
dos sistemas de radiodifusão, a separação da atividade de transporte do serviço de
programação audiovisual, e a adoção pelo futuro marco regulatório da figura do operador
de rede.
753 A respeito, consultar: NUSDEO, Ana Maria de. A regulação e o direito da concorrência. In ______. Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2002, p.171. FARACO, Regulação..., p.296-307.
754 Acerca do tema, conferir: ORTIZ, Principios..., p.615-617.
301
CONCLUSÕES
É o momento de apresentar as respostas às indagações formuladas na introdução do
presente trabalho que justificaram a pesquisa sobre a aplicação da noção de serviço público
e de seu respectivo regime jurídico nos âmbitos dos sistemas de radiodifusão privado,
público e estatal.
a) qual o conceito de serviço de televisão?
O serviço de televisão é a atividade de emissão e transmissão de uma seqüência
ordenada de sons e imagens que configura um programa vinculado à programação de
conteúdo audiovisual, realizada por redes de difusão, destinada ao público em geral ou a
determinada categoria de público, com a possibilidade de pagamento ou não,
independentemente da tecnologia adotada. Este é um conceito amplo que abrange tanto a
televisão por radiodifusão quanto a televisão por assinatura.
b) há base no ordenamento jurídico brasileiro para a aplicação da noção de
serviço público ao serviço de televisão por radiodifusão?
302
Sim. No Brasil há fundamento constitucional para os serviços públicos, por força
do art. 175 e art. 21, inc. XII, letra “a”, da Constituição Federal. Considerando-se tais
dispositivos a doutrina e a jurisprudência manifestam-se no sentido de classificar o serviço
de televisão como um serviço público privativo do Estado. Entretanto, com o devido
respeito àqueles que defendem a matriz clássica, aqui, sustentou-se a sua revisão para
aplicá-la tão-somente ao sistema de radiodifusão estatal e público, como será melhor
detalhado a seguir.
c) O serviço de televisão por radiodifusão deve ser considerado como um
serviço público privativo do Estado em relação aos três sistemas de
radiodifusão: estatal, público e privado?
A resposta é negativa. A visão tradicional no sentido da qualificação em bloco
como serviço público privativo do Estado em relação aos serviços de televisão por
radiodifusão ampara-se no art. 21, XII, letra “a”, e no art. 175, da Constituição Federal.
Todavia, a generalização da aplicação do modelo clássico a todos os sistemas de
radiodifusão é obstada pelo princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão
privado, público e estatal, o que exige uma releitura da concepção da reserva da
estatalidade do setor de radiodifusão, garantindo-se a estruturação policêntrica em termos
de titularidade, gestão e controle dos respectivos serviços de televisão.
A aplicação da noção de serviço público, baseada na idéia de titularidade exclusiva
do Estado, limita-se ao sistema de radiodifusão estatal, o qual se destina, basicamente, à
realização da comunicação institucional dos três Poderes da República. Alerte-se, porém,
que a televisão estatal pode realizar outros objetivos no campo da educação e da cultura.
Em relação ao sistema de radiodifusão público, duas situações precisam ser
diferenciadas.
De um lado, no caso das televisões educativas, propôs-se o seu afastamento do
setor estatal e sua respectiva integração no sistema de radiodifusão público, tratando-se de
um serviço público não privativo do Estado, eis que compartilhado com a sociedade.
De outro lado, no caso das televisões comunitárias, não há que se falar em serviço
público, eis que se trata de um modo de exercício direto pelos cidadãos dos direitos
fundamentais à liberdade de expressão, informação e comunicação, entre outros.
303
Por sua vez, em relação ao sistema privado, sustentou-se que os serviços de
televisão por radiodifusão de natureza comercial devem ser qualificados como uma
atividade econômica em sentido estrito, afastando-se a aplicação da noção de serviço
público a esse setor.
Sintetizando-se, os serviços de televisão por radiodifusão constituem atividades que
devem ser compartilhadas pelo Estado (sistema estatal), pela sociedade (sistema público) e
pelo mercado (sistema privado).
d) Qual a função do serviço público de televisão por radiodifusão nos sistemas
de radiodifusão estatal e público?
O serviço público de televisão serve como importante mecanismo de realização dos
direitos fundamentais, especialmente os direitos à liberdade de expressão, à educação, à
cultura, à liberdade de expressão artística, à informação e à comunicação social, etc. Neste
aspecto, ele difere das televisões comunitárias nas quais o exercício dos referidos direitos
se faz diretamente pelos cidadãos.
Além disso, o serviço público de televisão atua como fator de resposta às falhas do
mercado. Mas, seu papel vai além da manutenção do equilíbrio do mercado, na medida em
que não se restringe à sua respectiva complementação. Uma outra missão consiste em ser
um efetivo protagonista no setor audiovisual, com uma programação de qualidade,
inovadora e plural, com maior vinculação em relação, principalmente, às finalidades
educativas, artísticas, culturais e informativas, previstas no art. 221, inc. I, da CF.
Importante destacar que a manifestação do serviço público é diferenciada nos
sistemas de radiodifusão estatal e público.
Na primeira hipótese, ele volta-se ao cumprimento do dever de realização de
comunicação institucional que incumbe ao poder público, consoante determinação do art.
37, §1º, da Constituição Federal e, ao mesmo tempo, à satisfação do direito à informação
da parte dos cidadãos brasileiros sobre os fatos e (ou) atos relacionados ao governo e à
administração pública.
Na segunda hipótese, a expressão do serviço público se destina à realização de
prestações materiais em termos educacionais e culturais. As televisões educativas
constituem o âmbito, por excelência, para a realização dos direitos sociais, especialmente à
cultura e à educação.
304
Por último, é preciso lembrar que a matriz clássica do serviço público de televisão
(estruturada com base na universalidade do serviço, na produção e na distribuição de
conteúdo diversificado, na gratuidade, e na ampla audiência) deve ser atualizada diante da
aplicação da técnica digital, com a flexibilização de seu regime jurídico, especialmente
para possibilitar o pagamento, a segmentação da audiência, bem como maiores garantias
em relação ao pluralismo cultural.
e) Por que qualificar os serviços de televisão no sistema de radiodifusão
privado como atividade econômica em sentido estrito?
A proposta de enquadramento dos serviços de televisão no sistema de radiodifusão
privado como atividade econômica em sentido estrito objetiva promover a adequação entre
o direito e a realidade.
Há décadas tem ocorrido a generalização da aplicação da noção de serviço público
em relação aos sistemas de radiodifusão. Contudo, a ordem infraconstitucional carece de
ferramentas regulatórias adequadas para disciplinar os serviços de televisão em favor dos
consumidores e da cidadania.
O instituto da concessão de serviço público empregado no serviço de televisão por
radiodifusão tem servido muito mais aos interesses dos concessionários e ao seu propósito
lucrativo do que ao interesse público. Vale dizer, a concessão e o respectivo regime de
serviço público contribuiu muito mais à formação de reservas de mercado e à concentração
de poder econômico do que aos interesses dos usuários dos respectivos serviços.
Ainda, a concessão tem favorecido aos interesses políticos, havendo uma
politização excessiva no processo de outorga e renovação de emissoras de televisão. Nesse
aspecto, o direito não tem sido eficaz o suficiente para impedir o cometimento de abusos
do poder político, a exemplo da propriedade de inúmeras emissoras por agentes políticos.
Daí porque se propõe a disciplina dos serviços de televisão por radiodifusão sob o
ângulo do mercado. A adoção do regime privado pelo ordenamento jurídico é mais
adequada à sua respectiva dinâmica, particularmente em um setor sob constante evolução
tecnológica. A relativização da utilização da noção de serviço público e a flexibilização do
regime jurídico justificam-se também em virtude das transformações decorrentes da
utilização da técnica digital no setor de radiodifusão.
305
O Estado, seja por ação, seja por omissão, não pode impedir o desenvolvimento
tecnológico, ao contrário, ele deve ser o principal ator do cenário de transformações
capitaneadas pelo mercado. Nesse sentido, ele não pode legitimar um modelo de
estruturação de reserva de mercado, em favor dos interesses dos radiodifusores, em
detrimento dos interesses da sociedade. Pelo contrário, sua missão é a de promover um
regime de competição voltado à eficiência e ao pluralismo no campo da radiodifusão.
E mais, a proposição serve à democratização do cenário audiovisual, assegurando-
se a existência de estruturas de comunicação e a diversificação do conteúdo na
programação de televisão, mediante o desenvolvimento da liberdade de radiodifusão
pertencente aos agentes econômicos.
O serviço de televisão configura uma atividade de distribuição de conteúdo
audiovisual. Evidente que sua prestação requer a disponibilidade desse mesmo conteúdo
audiovisual. Portanto, a utilização do regime privado é um fator de adequação entre as
ofertas de produção e de distribuição de conteúdo audiovisual.
O novo enfoque proposto permitirá a gestão mais eficiente das freqüências do
espectro eletromagnético, com a racionalização de seu uso entre os agentes privados,
públicos e estatais. Nesse sentido, faz-se necessária a repartição das freqüências em
diversas categorias de utilização, a saber: usos comerciais e usos não-comerciais,
assegurando-se, porém, o acesso prioritário aos sistemas estatal e público.
Igualmente, em um ambiente de convergência tecnológica, com a possibilidade de
prestação dos serviços de televisão por diversas plataformas, o novo modelo, ora proposto,
impõe-se diante da tendência de entrelaçamento entre o mercado de serviços televisão por
radiodifusão e o de serviços de telecomunicações. Aqui, adota-se uma posição crítica
diante da separação entre os dois setores, conduzida pela Emenda Constitucional nº 08/95,
razão pela qual se defende uma aproximação entre os mesmos e a necessária modificação
do ordenamento jurídico, quer por Emenda Constitucional, quer por lei ordinária.
O reconhecimento pelo ordenamento jurídico da lógica de mercado possibilitará a
melhor repartição dos benefícios decorrentes da técnica digital entre as empresas, a
sociedade, os consumidores, os cidadãos etc., desde que, é claro, seja atribuída a
competência regulatória sobre os serviços de televisão por radiodifusão a uma agência
reguladora, no caso, a ANATEL, com a função de assegurar o equilíbrio interno no
mercado nacional e o equilíbrio externo em face dos demais sistemas de radiodifusão.
306
Atualmente, já prevalece a lógica de mercado no sistema de radiodifusão privado,
porém a doutrina e a jurisprudência tratam, ainda, como serviço público privativo do
Estado. Um conceito só se justifica se ele refletir a realidade dos fatos e do direito. Mostra-
se inadequado insistir na manutenção da utilização de uma noção clássica, sendo que as
realidades constitucional, social e tecnológica apontam para a necessária atualização de seu
sentido. Assim, o conceito do passado deve ser transformado e adaptado conforme as
circunstâncias do presente, com vistas à regulação setorial que produzirá efeitos para o
futuro. De um lado, possibilita-se a sua permanência (no âmbito dos sistemas de
radiodifusão estatal e público), de outro lado, viabiliza-se a sua mudança (com o seu
afastamento do sistema de radiodifusão privado).
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