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    Porto Alegre, v.15, n.1, jan./jun. 2012. INFORMTICA NA EDUCAO: teoria & prticaISSN impresso 1516-084X ISSN digital 1982-1654

    1 Introduo

    Recentemente, foram publicados na Fran-a trs novos livros de Gilbert Simondon,com cursos ministrados, em sua maio-ria, na Sorbonne nos anos 60: Cours sur la

    perception -1964-1965 (SIMONDON, 2006),Imagination et invention 1965-1966 (2008)e Communication et information Cours et confrences (SIMONDON, 2010). At entoinditos, esses cursos que agora vieram luz indicam o interesse crescente que a obrade Simondon vem despertando no mbito dapsicologia e da filosofia. A publicao do cur-so Imagination et invention , por iniciativa deJean-Yves Chateau, traz ao pblico um GilbertSimondon professor de psicologia e leitor me-ticuloso das contribuies cientficas de suapoca. O curso revela uma preocupao coma apresentao de diferentes perspectivas te-ricas sobre o tema em questo, em relaos quais opera uma anlise e um uso marcadopor suas prprias idias. Neste sentido, embo-

    O Ciclo Inventivo da Imagem

    The Inventive Cycle of the Image

    Virginia KastrupFilipe Herkenhoff CarijMaria Clara de Almeida

    Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Resumo:O objetivo do artigo expor e discutir algumas das prin-cipais ideias desenvolvidas por Gilbert Simondon emseu livro Imagination et invention (SIMONDON, 2008).Simondon defne imaginao e inveno a partir de umaconcepo dinmica da imagem. Para ele, imagem e in-veno no se equivalem, mas formam um ciclo, queconsiste em um incessante processo de transduo,composto por quatro fases distintas: imagem motora,imagem perceptiva, imagem a posteriori ou smbolo einveno. A partir da idia da inveno como a ltimafase do ciclo da imagem, destacamos a refer ncia a umacausalidade circular, que leva ao questionamento da di-cotomia entre imagem material e imagem mental, quepassam a ser consideradas como fases de um mesmoprocesso transdutivo. Em seguida, analisamos as res-sonncias entre a concepo de Simondon e o conceitode cognio inventiva (KASTRUP, 2007).Palavras-chave: Simondon. Imaginao e inveno.Cognio autopoitica.

    Abstract:The aim of this article is to prese nt and discuss some of the core ideas developed by Gilbert Simondon in his bookImagination et invention (SIMONDON, 2008). Simondondefnes imagination and invention based on his dynamicconception of the image. According to him, imaginationand invention are not equivalent to each other, but rath-er form a c ycle consisting of an unceasing transductionprocess and comprising four different phases: motorimage, perceptual image, a posteriori image or symboland invention. Drawing on the idea that invention is thelast phase of the image cycle, we highlight the reference

    made to a circular causality. This leads to a questioningof the dichotomy between material image and mentalimage, which are now considered to be phases of a sin-gle transductive process. We then analyze the resonancebetween Simondons account and the concept of inven-tive cognition (KASTRUP, 2007).Key-words: Simondon. Imagination and invention. In-ventive cognition.

    KASTRUP, Virginia; CARIJ, Filipe Herkenhoff; ALMEIDA,Maria Clara de. O ciclo inventivo da imagem. Informtica naEducao : teoria & prtica, Porto Alegre, v. 15, n. 1, p. 59-74, jan./jun. 2012.

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    ra distinto dos livros Le mode dexistence des

    objets tecniques (SIMONDON, 1989),Lindividuet sa gense physico-biologique (SIMONDON,1995) e Lindividuation psychique et collective (SIMONDON, 2007), onde suas teses originaisocupam o primeiro plano e so indicadas nosprprios ttulos, o curso as apresenta numaespcie de plano de fundo, deixando um cami-nho de entendimento a ser traado pelo pr-

    prio leitor.O objetivo deste artigo apresentar algu-mas das idias de Simondon no livro Imagi-nation et invention (SIMONDON, 2008) , ondeimaginao e inveno so entendidas nocontexto de um ciclo, marcado pelo carterdinmico da imagem. Segundo Simondon,a imagem possui uma dinmica e um ciclo,

    composto de quatro fases: imagem motora,imagem perceptiva, imagens com contedoafetivo-emotivo ( a posteriori ou simblica) einveno. A partir da considerao da inven-o como a ltima fase do ciclo da imagem,destacamos a referncia a uma causalidadecircular, que leva desmontagem da dicoto-mia imagem material-imagem mental. A partir

    da, analisamos as ressonncias entre a an-lise de Simondon e o conceito de cognio in-ventiva (KASTRUP, 2007).

    2 A imagem como ciclo

    Na linguagem comum, o termo imagem polissmico, podendo referir-se a uma s-

    rie de fenmenos diferentes. Uma pintura ouuma fotografia, por exemplo, so imagens.Uma lembrana, idem. Um sonho uma arti-culao de imagens. Diz-se que alguns livros,como 1984 , de George Orwell, apresentamuma imagem do futuro. A percepo nas suasdiferentes modalidades viso, audio, tato,etc. produzem imagens. O problema da ima-

    gem estudado por diversas disciplinas, comoa psicologia, a neurofisiologia, a comunicao,

    a histria e a semiologia. Apesar da multiplici-

    dade de espcies de imagem, comum dividi-las em dois grandes grupos: as imagens ma-teriais e as imagens mentais. Teramos, de umlado, a pintura, a fotograf ia, a udio-gravao,a pgina impressa; do outro, a percepo, alembrana, o sonho, a alucinao.

    Um curso sobre imaginao e inveno po-deria discorrer sobre alguns desses tipos de

    imagem, rejeitando os outros como algo paraalm de seu domnio. Seria possvel realizarum estudo limitado imagem perceptiva ou imagem fotogrfica. Ora, um dos aspec-tos mais originais do curso de Simondon no tomar, como comum, os muitos tiposde imagens como realidades separadas e in-dependentes, mas como fases de um mesmo

    ciclo, por ele denominado de ciclo de gneseda imagem. Sem pretender reduzir as ima-gens a um denominador comum nem atribuira elas uma mesma natureza, reconhece nasimagens uma complexidade irredutvel. Aosexemplos que mencionamos, acrescenta ain-da a imagem motora, a imagem-desejo e osmbolo, entre outros. Ao abarcar diferentes

    imagens, Simondon prope uma teoria pauta-da num ciclo de transformaes da imagem.Com ela, busca explicar como uma imagem setorna outra imagem (como uma imagem mo-tora d lugar a uma imagem perceptiva, porexemplo) at a ltima fase do ciclo a in-veno onde uma imagem mental sofre umprocesso de materializao, tornando-se um

    objeto no meio externo, como um objeto tc-nico e uma obra de arte, por exemplo. Essatransformao arremata o ciclo, mas no pefim ao processo, j que, como veremos, a l-tima fase de um ciclo tambm a primeira dociclo seguinte. Enfim, imaginao e invenoformam um ciclo que Simondon chama deciclo de gnese da imagem.

    Para entender o desenvolvimento desse ci-clo, falaremos de uma dmarche transdutiva.

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    O conceito de transduo define a operao

    pela qual uma atividade se propaga gradual eprogressivamente no interior de cer to domnio.Isso significa que a propagao se apia sobrecerta estruturao desse domnio. Cada regioda estrutura que constituda ou individuadaserve de princpio de constituio da regioseguinte. Passa-se de uma regio a outra portransferncia, ou seja, um sistema passa a ser

    organizador do seguinte (SIMONDON, 2007).Quando aplicado ao domnio das imagens, oconceito de transduo indica que uma etapaou fase do ciclo da imagem o princpio deconstituio da fase seguinte. Para Simondon,uma lembrana, uma obra de arte, um objetotcnico, um movimento corporal, um romance,um desejo, um filme, uma expectativa, so to-

    das imagens. Por outro lado, cada uma delaspossui seu estatuto prprio, pois uma fasedistinta de um ciclo transdutivo.

    3 A positividade do conceito deimagem

    Embora o ttulo do livro seja Imaginao e

    inveno , Simondon reconhece, de sada, queo termo imaginao problemtico, pois por-ta uma referncia subjetiva muito acentuada.A imaginao geralmente concebida comoum processo psicolgico responsvel pelotrabalho com imagens. A psicologia do scu-lo XIX e do incio do sculo XX deu ao temaum destaque especial, propondo tanto uma

    tipologia como mecanismos para seu enten-dimento. Para Ribot (1926), a imaginao oequivalente, no plano intelectual, da vontade.Ela assume formas diversas, como na imagi-nao motora, cientfica e mstica. Opera porassociao, dissociao e sntese de imagens,podendo ser reprodutora ou criadora. Trata-sede um processo pessoal e subjetivo, condicio-

    nado por fatores emocionais e afetivos, cons-cientes e inconscientes.

    Aps o eclipse provocado pela hegemonia

    do behaviorismo, na dcada de 70 o tema daimagem ressurge em estudos experimentais,que apontam que o sujeito pode descrever es-ses objetos mentais e controlar sua prpriaexperincia imagtica. Por um ato de vonta-de, pode evocar essa ou aquela imagem men-tal e tambm transform-la. O conceito deimaginao d lugar ao de imagerie ou ima-

    gery, que remete ao processo de produo deimagens e no tm uma traduo exata emportugus, sendo por vezes traduzido comoimageamento. Um exemplo so os estudos derotao mental de imagens, como os de She-pard e Metzler (1971).

    Para Simondon, longe de curvar-se von-tade, a imagem dotada de autonomia. Ela se

    impe ao sujeito, muito mais do que se sub-mete a seu controle. As imagens esto a meiocaminho entre o subjetivo e o objetivo. Elaspossuem um tipo de objetividade e autonomiaem relao unidade pessoal da conscincia.H uma espcie de exterioridade primitiva daimagem em relao ao sujeito. Ela como umintruso que invade a cena sem ser convida-

    do, como uma espcie de apario. capaz deresistir ao livre arbtrio e dotada de forasprprias. Enfim, o conceito de imagem noequivale mera representao mental volun-tria de um estado de coisas. Tambm no a marca deixada por um objeto anteriormentepercebido, no mais presente. Sonhos, aluci-naes, desejos, obras de arte, lembranasinvoluntrias e obsesses so imagens. pr-prio da imagem se apresentar como uma for-a estranha conscincia subjetiva, no comoum produto da vontade. Mesmo a evocaovoluntria revela uma imagem que, se por umlado obedece ao sujeito, por outro resiste: oesforo mnmico frustrado quando a ima-gem insiste em permanecer obscura ou opa-ca. Assim, o sonho, a obsesso e o delrio socasos extremos de uma transformao relati-

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    vamente autnoma da imagem . Sem dvida,

    essas imagens se modificam no sujeito, masno como funo de sua atividade consciente,e sim segundo a sua fora e vida prprias. Seo sujeito chega a controlar a imagem, ape-nas indiretamente.

    Eis assim uma primeira aproximao com apositividade da imagem em Simondon: orga-nismo estranho, dotado de dinmica prpria,

    ela exterior ao sujeito, ainda que exista nele,como uma espcie de parasita que o habita eprecisa dele para se desenvolver. Simondonintroduz, com essa metfora, a idia de que aimagem, mesmo a imagem mental, dotadade certa objetividade; se no inteiramenteobjetiva, tampouco subjetiva ocupa, an-tes, uma posio singular, entre o subjetivo e

    o objetivo1

    . Aqui j se anuncia o desmancheda separao entre imagem mental e imagemmaterial que discutiremos adiante.

    Nem a imaginao nem a inveno, por-tanto, devem ter por princpio explicativo aatividade da conscincia e de um sujeito. Oque explica o ciclo da gnese da imagem uma tendncia da imagem a ultrapassar-se

    e a sair de si mesma (tal como coloca Cha-teau, em sua introduo ao curso, (CHATEAU,2005, p. XII)). A dinmica processual umacaracterstica essencial da imagem. No osujeito que determina o movimento da ima-gem; a imagem possui um movimento que lhe prprio. A imagem resulta de um proces-so de individuao (SIMONDON, 2007, 1964).Com o conceito de processo de individuao,Simondon prope uma reverso da maneiratradicional de pensar, presente tanto na psi-cologia quanto na filosofia. A idia pensara forma no como algo dado e existente emsi mesmo, mas sim a partir de um processo

    1 Neste ponto, nota-se a influncia de Bergson (1896/1990),

    para quem a imagem surge como uma realidade existenteno mundo.

    de individuao. Isso bastante diferente de

    pensar a mudana processual a partir das ca-tegorias de forma e substncia, como propeo modelo hilemrfico. Para Simondon (2007),as formas se individuam a partir de um planoontolgico pr-individual. Enquanto forma in-dividuada, a imagem resulta de um processode individuao. Por outro lado, ela conser-va, numa zona de adjacncia, uma dimenso

    pr-individual, compreendida por energias epotenciais, que responde por suas transfor-maes subseqentes e pela continuidadedo ciclo da imagem. Simondon nomeia estatenso entre o individuado e o pr-individualde defasagem. O ser intrinsecamente defa-sado. A fase uma resoluo dessa tensoimanente ao ser, que abarca duas dimenses

    heterogneas e coexistentes. Nesta medida,podemos dizer que o processo de individuaode uma imagem no conduz a uma totalizaoou a um fechamento, mas cada fase mantmuma defasagem intrnseca, que assegura acontinuidade do processo.

    H um segundo sentido importante da po-sitividade da imagem. Ele diz respeito re-

    lao entre imagem e percepo e, mais es-pecificamente, ao questionamento da idia deque a imagem mental seria uma espcie depercepo esmaecida. Tanto nas abordagensempiristas-elementaristas associacionistasquanto nas abordagens fenomenolgicas-gestaltistas, a imagem no se distingue dapercepo seno por sua intensidade d-bil na imagem, forte na percepo. Em certosentido, poderamos mesmo dizer que a ima-gem seria um caso da percepo, ou entouma quase-percepo. Mas, para Simondon, aimagem no explicada pela percepo. Pelocontrrio, a percepo que se explica pelaimagem. Assim, nem toda imagem remete auma percepo anterior; tampouco a imagem uma percepo esmaecida. Chateau destacaque as imagens no se remetem sempre a

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    um objeto j percebido, do qual lembraramos

    e que reproduzimos de modo mais ou menosdeformado e recomposto, nem a um objetoque imaginamos de modo criativo (produtivo,e no mais reprodutivo), mas algumas vezesa um objeto que vamos realizar materialmen-te na exterioridade [obra de arte, objeto tc-nico] (CHATEAU, 2005, p. XII). Nos termos deSimondon, nem toda imagem a posteriori ,

    isto , posterior experincia.Ao longo do curso, fica claro que o inte-resse de Simondon no refutar nem as teo-rias psicolgicas da imagem ento existentes(Ribot, Freud, Lacan, Piaget), nem as concep-es filosficas de sua poca (Sartre, Husserl,Bachelard). No entanto, como comenta Jean-Yves Chateau, suas idias o afastam de Sar-

    tre, para quem imaginao e percepo soduas grandes atitudes da conscincia, distin-tas, irredutveis e mutuamente excludentes ou bem se imagina, ou bem se percebe. ParaSartre (2008), a percepo seria a funo doreal, enquanto a imaginao seria uma funoirrealizante, que daria o objeto como ausente.A imagem irrealizaria o objeto, dando lugar aofenmeno da nadificao, e existir em imagemseria o oposto de existir de fato. A concepode Simondon, pelo contrrio, recusa tal oposi-o. Afinal, como j vimos, ele no s conce-be a percepo como dependente da imagem(concepo que no admite que algum per-ceba sem, ao mesmo tempo, imaginar), comoentende que objetos como obras de arte eobjetos tcnicos (objetos reais, portanto) soimagens. Para Simondon, a imagem no irre-aliza, mas fundamentalmente realiza, j quea inveno, que materializa objetos no meioexterno, o pice do ciclo da imagem.

    Em suma, Simondon lana mo de um con-ceito original de imagem que, ao invs de fazerdela um produto da imaginao, ou mesmo dapercepo, faz da imaginao e da percepofunes da imagem. Nem a imaginao nem a

    percepo explicam a imagem. Numa opera-

    o conceitual original, a imagem, tomadaem sua positividade e em seu dinamismo, quevai dar lugar a novas concepes sobre a ima-ginao, a percepo e a memria, a afetivida-de e o desejo. Segundo Chateau (SIMONDON,2008, p. VII), o curso de Simondon apresen-ta uma teoria da imagem luz da noo deinveno e, ao mesmo tempo, uma teoria da

    inveno luz da noo de imagem.4 O ciclo inventivo da imagem

    4.1 Imagem motora

    O ciclo da imagem composto de quatrofases: imagem motora, imagem perceptiva,

    imagem afetivo-emotiva (onde se incluem asimagens-lembrana e os smbolos), e imageminveno. A primeira fase a imagem motora.Para Simondon, a percepo precedida emesmo possibilitada por imagens motoras,que so antecipaes do objeto. Como essasimagens condicionam a prpria experincia,so chamadas de imagens a priori . Esquemas

    inatos de comportamento pertencem a essaclasse de imagens. Nesse ponto, a influnciada Etologia sobre Simondon clara. Valendo-se de estudos empricos realizados no domniodo comportamento animal, ele mostra como noincio da vida possvel observar um leque detendncias motoras e comportamentos geneti-camente programados. Esses comportamentos

    possuem a peculiaridade de no serem respos-tas a estmulos, isto , de no serem desenca-deados em funo do reconhecimento de umobjeto no meio; pelo contrrio, eles parecemrecrutar um objeto que nem mesmo est pre-sente. Assim, se o objeto percebido surge, porque responde a essa espcie de chamadomotor, e no o movimento que responde a ele.

    O par estmulo-resposta encontra-se invertido.O movimento, nesses casos, pode ser dito em

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    direo a um objeto mais que em consequn-

    cia dele. No ciclo da imagem, portanto, h umaprimazia da motricidade em relao senso-rialidade, correlata de uma primazia da vidaem relao conscincia.

    Diversos exemplos podem ser encontra-dos nos trabalhos de etlogos como KonradLorenz (1975) e Jakob von Uexkll (s/d). Umcaso claro de comportamento que antecipa o

    objeto o dos chamados comportamentos novazio ou que utilizam estmulos substitutivos(EIBL-EIBESFELDT, 1974). Por exemplo, umgato que vive num apartamento pode fazermovimentos circulares em torno de si mesmo,antes de se deitar, como faria para afofar arelva do terreno. O mesmo gato pode realizarmovimentos de correr, brincar e espreitar a

    presa, que ocorrem sem estmulos desenca-deadores. So todas aes espontneas, queconfiguram antes antecipaes (de predado-res, de alimento, etc.) do que respostas. Ou-tro exemplo o fenmeno de imprinting empssaros, estudado por Lorenz (ver a anliseem HESS, 1958). Lorenz notou que o filhote doganso, logo ao nascer, segue o primeiro ob-

    jeto que v passar andando. Se esse objeto a me, ento ele segue a me; se o pr-prio Lorenz, ele segue Lorenz. Trata-se de umcomportamento que no responde presenae identificao da me, mas que antecipa eproduz uma me.

    Como se v, a imagem motora no osimples movimento corporal, mas o esquemade ao, espontneo e regular, que antecipao objeto. Ela exige um mnimo de constnciae organizao do movimento. Eis ento umprimeiro elemento definidor da imagem, queajuda a traar os limites do conceito: enquan-to forma individuada, a imagem traz consigoa organizao e a regularidade. No entanto,esta forma defasada em relao a si mesma,o que garante a processualidade da imagem jnum patamar biolgico e hereditrio.

    Outros exemplos de imagem motora podem

    ser retirados do trabalho de Uexkll. Aqui, ainfluncia sobre Simondon ainda mais cla-ra, porque Uexkll invoca justamente a ima-ginao (em oposio percepo) para ex-plicar certos comportamentos animais. Comoos pssaros migratrios, por exemplo, sabemque rota seguir atravs dos continentes? Elesno aprendem esse caminho necessariamente

    com os seus pais. Antes, parecem executarum trajeto inato. De acordo com Uexkll, ospssaros se deslocam antes em um espaomotor do que em um espao perceptivo, isto, eles sabem que movimentos fazer, emborano conheam as marcas do caminho. O queguia a ao uma imagem motora, no umpercepto. De forma semelhante, a fmea do

    inseto enrolador-de-folhas corta na folha dabtula uma linha curva; essa curva lhe permi-te mais tarde enrolar a folha, fazendo dela umfunil onde far a postura dos ovos. A folha noparece fornecer qualquer indicao ao insetodo caminho onde ser feito o corte; e, como oinseto nunca realizou essa ao antes, pareceque a rota seguida to inata quanto a dospssaros migratrios. J que os animais noconhecem por meio da experincia perceptivao caminho a seguir, esse caminho deve ser co-nhecido, argumenta Uexkll, pela imaginao.Este se apresenta imaginao do inseto deuma maneira perfeitamente ntida (VON UE-XKLL, s/d, p. 123).

    Tambm encontramos hoje em dia, nostrabalhos de Antnio Damsio e Francisco Va-rela, a idia de que a imagem constitudacom base nas aes e nos esquemas sensrio-motores dos organismos. Para esses autores,cuja abordagem se aproxima nesse ponto dade Simondon, a imagem no deriva de uma re-alidade pr-existente e exterior a ela. Dam-sio recusa a idia de uma realidade absolutaque seria representada pelas imagens. Consi-dera que as imagens mentais no so armaze-

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    nadas como coisas ou fotografias das coisas.

    Evocar, por exemplo, exige a construo deuma nova verso da lembrana. As versesevoluem. Imagens so construes moment-neas de padres cognitivos j experimentadose frequentemente so passageiras, impreci-sas e incompletas. As imagens no so cpiasdos objetos, mas imagens de interaes entreo organismo e os objetos (DAMSIO, 2000).

    Para Varela (s/d) a cognio enativa, o quesignifica que ela pe mundo ao invs de repre-sent-lo. A ao a base da enao do mun-do, bem como a do sistema cognitivo. So asaes do organismo e a histria de seus aco-plamentos que configuram a cognio. A cria-o das imagens um caso de enao, sendoexplicada em funo das interaes e da con-duta efetiva do organismo.

    4.2 Imagem e percepo

    A segunda fase do ciclo das imagens dizrespeito s imagens intra-perceptivas, ouimagens a praesenti . Estas imagens relacio-nam-se diretamente com a atividade percep-tiva, mas no podem ser explicadas por ela.Pelo contrrio, a percepo que deve ser ex-plicada pela atividade endgena das imagensintra-perceptivas. Deste modo, no certoafirmar que percebemos imagens, mas simque percebemos segundo uma imagem, comoveremos adiante.

    O trabalho perceptivo de identificao deobjetos supe a presena de uma imagem quelhe auxiliar, e sem a qual a percepo noocorreria. Toda imagem intra-perceptiva umconjunto de possibilidades, de potencialida-des perceptivas. A percepo atua reduzindoos possveis contidos nas imagens intra-per-ceptivas. Por exemplo, ao se aproximar de umgrupo de abelhas visando atac-las, uma ves-pa ( philante ) no as identifica imediatamen-te como abelhas; antes, ela realiza uma srie

    de categorizaes sucessivas que especificam

    cada vez mais o objeto. Assim, inicialmente avespa percebe o grupo de abelhas na catego-ria de objetos voadores. A partir da, podeoperar uma classificao daqueles objetos vo-adores segundo uma nova categoria. Trata-seaqui, segundo Simondon, de uma conduta per-ceptiva instintiva, em que a tomada de umaposio em relao ao meio exige uma ao

    imediata baseada em uma conjectura opera-tria sobre a natureza do objeto, que classi-ficado segundo uma das categorias existentesno sistema de ao do animal. Na percepoinstintiva, a imagem intra-perceptiva o con-

    junto de categorias para as quais o indivduopossui esquemas de ao (por exemplo, a ves-pa possui, entre outros, um esquema de aodesencadeado pela categoria objetos voado-res). Como o dado sensorial atualiza apenasuma dessas categorias, Simondon diz que apercepo uma reduo dos possveis con-tidos na imagem intra-perceptiva. A condutado animal se realiza em etapas, e cada etapase funda sobre um esboo de percepo, que exatamente a imagem. A imagem intra-per-ceptiva , assim, essencial para a ao, mas aprpria percepo (de abelhas como abelhas)no dada seno ao fim da atividade a vespano pode esperar para reunir todas as informa-es necessrias, pois esta espera significaria,certamente, perder a oportunidade de ataque.A conduta da vespa perceptivo-motora pro-gressiva, pois se baseia em ondas sucessivasde tomada de informao e de reaes moto-ras que modificam a relao entre o organis-mo e o meio. Cada onda de dados sensoriaisdispara uma reao definida que permite re-ceber uma nova onda de dados, fornecida poroutro sentido, at que se alcance uma sntesesensorial que permite a identificao do obje-to. A percepo seria uma espcie de reduodos possveis contidos nestas imagens, j queatualiza uma das muitas compossibilidades.

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    No exemplo da percepo instintiva, os obje-

    tos no so reconhecidos individualmente e asimagens aparecem como antecipaes per-ceptivas de potencialidades, sendo mais geraisque os objetos individuais.

    Quando a atividade perceptiva deixa de serinstintiva e torna-se, antes de tudo, diferencial, o ndice da diferena entre o que j se sabedo objeto (sua forma, cor, dimenses, etc.) e

    aquilo que efetivamente novo em relao aele que se torna importante para a percep-o. Na percepo diferencial, a imagem umsistema de compossibilidades de estados dedeterminado objeto, e a informao inciden-te intervm como elemento de deciso nesteconjunto de possveis. Atravs da experinciacom determinada pessoa, situao ou obje-to, o percebedor constri um esquema inter-no que permite perceber seu estado atual emcomparao com este esquema. Trata-se deuma dimenso do individual como sistema decompossibilidades de certo nmero de esta-dos interligados, que compem uma imagem.Por exemplo, uma me capaz de dizer, antesde um mdico, que seu filho est doente, poispossui uma imagem intra-perceptiva da com-possibilidade de estados da criana que mui-to mais rica que aquela possuda pelo mdico.

    Para explicar a percepo diferencial, Si-mondon recorre ao exemplo da imagem intra-perceptiva que um pastor tem de seu rebanho:graas a ela, ele pode perceber, imediatamen-te, que uma ou mais ovelhas esto faltando.No preciso, entretanto, cont-las para sa-b-lo. Tambm no possvel que o pastorconte suas ovelhas atravs da imagem quetem delas. Simondon afirma que as imagensintra-perceptivas s desempenham um papelna percepo, a praesenti , no existindo, por-tanto, como uma representao independen-te, como realidade enumervel e manipulvel.O pastor percebe a falta das ovelhas por umaespcie de defasagem entre a imagem e os

    dados perceptivos incidentes que lhe apare-

    cem com nitidez. Tais imagens mentais, comfrequncia possuem este carter no deta-lhvel, no manipulvel e no descritvel. preciso que o objeto esteja presente paraque estas imagens tornem-se ativas; elas ja-mais o substituem. Assim, Simondon defineas imagens intra-perceptivas como modosde acolhimento do objeto, uma espcie de

    antecipao em curto prazo de seus estadospossveis (SIMONDON, 2008, p. 79). A per-cepo diferencial, ento, porque somenteos erros e as no correspondncias entre aimagem e os dados incidentes so transmiti-dos ao percebedor.

    4.3 Imagem de contedo afetivo-emotivo ou a posteriori

    Em terceiro lugar no ciclo vem as imagensa posteriori , isto as imagens que ocorremaps a experincia perceptiva. Chegamos,aqui, ao domnio psicolgico das imagens pro-priamente mentais: ps-imagens, lembran-as, sonhos, etc. Como o processo de gnese transdutivo, as fases anteriores imagemmental so sua condio, formando o solo so-bre o qual ela se desenvolve. Assim, ainda quea percepo no deva explicar a totalidade dociclo da imagem, ela necessria para a com-preenso da formao das imagens mentais.Mais especificamente, a imagem-lembrana ea imagem-smbolo consistiriam em transfor-maes de experincias perceptivas e tam-bm em seu ultrapassamento.

    A primeira das imagens a posteriori aimagem consecutiva, cujo nome mais comum ps-imagem, e que se forma por saturaoou adaptao do sistema perceptivo. Apsolhar-se por um certo tempo para um objetoluminoso (para o cu emoldurado pela janela,por exemplo), fechar os olhos produz a ex-perincia de uma ps-imagem retiniana, que

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    persiste por alguns segundos antes de desa-

    parecer. Da mesma forma, desviar o olhar emdireo a uma parede branca, aps se ter fixa-do a vista por tempo suficiente em um objetoverde, far surgir uma ps-imagem na formadaquele objeto, mais fraca e de cor vermelha.A imagem consecutiva caracterizada pelotempo de sua apario: ocorre logo em segui-da percepo. Mas h imagens mentais quepodem aparecer aps maior lapso de tempo eque possuem durao varivel, como o casodas imagens-lembrana. Juntamente com asimagens eidticas, so habitualmente nome-adas de imagens mentais. Mas preciso dis-tinguir as duas. Quando algum diz que v um objeto ou cena em sua mente, est, geral-mente, referindo-se a uma imagem-lembran-a. J a imagem eidtica uma imagem muitodetalhada, que se presta, muito mais que alembrana, explorao mental ( esse tipode imagem mental que produzido por enxa-dristas experientes quando, como no exem-plo fornecido por Taine em De lintelligence ecitado por Simondon, jogam xadrez de olhosvendados). Para que a imagem-lembrana seforme, preciso que a atividade perceptivatenha uma valncia afetivo-emotiva suficien-temente forte. Lembramo-nos de coisas esituaes relativamente s quais nossa mo-tivao intensa; e a imagem-lembrana,conseqentemente, tambm uma imagemafetivo-emotiva. Objetos impregnados ( im-

    printed ) de valncias afetivas so, portanto,os nicos capazes de gerar imagens-lembran-a, que no existem seno em ligao comessas valncias. Ora, o termo imprinting noaparece aqui por acaso. Simondon evoca ex-perincias como a do ganso recm-nascido,que segue Lorenz por este ter sido o primeiroser vivo a cruzar-lhe o caminho. A impregna-o por valncias um processo que ocorreem perodos crticos, como uma aprendiza-gem afetiva e mormente precoce.

    A partir da, Simondon constri uma con-

    cepo original a respeito da formao dasimagens mentais gerais. Contra Berkeley, de-fende que as imagens so antes gerais do queparticulares. Ele se ope, no entanto, teseempirista da formao das imagens gerais porinduo, que advogada, por exemplo, porTaine: tendo visto muitas araucrias, abstrai-ramos, por induo, uma imagem geral dearaucria. O processo equivaleria a uma de-cantao de experincias perceptivas, e seuresultado seria uma imagem em que figura-riam as propriedades comuns a muitas arau-crias, mas no as propriedades particularesdessa ou daquela. Para Simondon, que pensaa formao da imagem mental em termos deimprinting , isso desconsiderar que as expe-rincias perceptivas possuem pesos emotivosdiferentes. Determinado encontro com umaaraucria pode ter sido afetivamente maiscarregado, e ento a contribuio dessa ex-perincia de impregnao para a formaoda imagem ser mais importante. Assim, umnico encontro com uma araucria (a primeiraque eu vi na vida, p.ex.) pode ser suficien-te para a produo de uma imagem mental;basta que tenha havido impregnao. A indu-o, como se v, no participa do processo.E, mesmo que o meu encontro com outrasaraucrias venha a alterar a minha imagemde araucria, no ser por induo, mas porramificao . Isso porque a imagem mentalse desenvolve justamente como a rvore doexemplo. A primeira impregnao produz umtronco: imagem primordial, que servir comoum modelo relativamente ao qual as outrasrepresentaro desvios. Impregnaes subse-qentes transformam essa imagem pelo sur-gimento de novos galhos e ramos, mas nopodem reconfigur-la completamente. Simon-don lembra que, por muito tempo, acreditou-se que todos os cisnes fossem brancos. Des-cobriu-se ento que, na Austrlia, h cisnes

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    negros. A induo nos obriga, sem dvida, a

    declarar falsa a proposio todo cisne bran-co; mas a imagem do cisne ainda a de umanimal branco. O cisne negro experinciatardia e marginal encarado como um des-vio, uma bizarrice.

    Dando seqncia ao ciclo, a imagem men-tal propriamente dita pode vir a tornar-se ima-gem-smbolo, que uma forma mais abstratada imagem. J vimos que as imagens mentaispodem comportar tenses internas. Em outroexemplo, a imagem da me a da boa me,ainda que conheamos mes ms. H umatenso, portanto, interna imagem mental;seu equilbrio metaestvel. Mas essa tenso assimtrica, pois um dos termos do par sempre afetivamente mais importante do queo outro: o cisne branco, mais que o negro; ame boa, mais que a me m. O smbolo sur-ge quando esse equilbrio assimtrico trans-formado em equilbrio simtrico. Isso s podeocorrer atravs de uma operao que des-situa a imagem, tornando-a mais geral, tendendomesmo universalizao. O smbolo tem porcaracterstica essencial ser um objeto abso-luto, destacvel da situao emprica em queaparece. A imagem-lembrana situada, masno o smbolo. Uma arma, por exemplo, saparece como um smbolo quando ultrapassaa situao lembrada: eu vi algum empunhan-do uma arma (forma-se ento uma imagem-lembrana assimtrica, em que h algumque ataca e algum que se defende), mas aarma enquanto smbolo no empunhada porningum e pode s-lo por todos (com o fim daassimetria, a arma serve tanto para o ataquequanto para a defesa).

    As imagens-lembrana podem ainda quede maneira limitada, porque a imagem umorganismo com vontade prpria ser trans-formadas pelo sujeito. A partir da imagem-lembrana de uma situao, posso mudar,por exemplo, a cor de determinado objeto. Os

    smbolos, por sua vez, frequentemente con-

    sistem em objetos materiais, fazendo a pontedo mental ao material. Por exemplo, os per-tences de uma pessoa so smbolos dela; eum punhado da gua de um rio um smbolodaquele rio. As lembranas e os smbolos doseqncia ao processo transdutivo e formamo solo para a inveno.

    4.4 Inveno

    A inveno a quarta fase do ciclo da ima-gem. A inveno a materializao de ima-gens na forma de objetos separados ou obrascom existncia independente, que so trans-missveis e sujeitos participao coletiva. Osdispositivos tcnicos e as obras de ar te so in-venes. Segundo Simondon, quase todos osobjetos produzidos pelo homem so objetos-imagem, enquanto so portadores de signifi-caes latentes (SIMONDON, 2008, p.13). Noentanto, ao abordar a quarta fase deste ciclo,Simondon fala da inveno stricto sensu ou doque Chateau chama de inveno propriamen-te dita.

    Evitando explicar a inveno pela imagi-nao, Simondon vai remontar ao papel damotricidade. Mais uma vez lanando mo deestudos de psicologia animal, a inveno maiselementar vai ser entendida como um proces-so de enfrentamento e soluo de problemas,quando obstculos se interpem entre o or-ganismo e a meta a ser atingida. A situao dita problemtica quando ela corta ou in-terrompe a ao, impedindo sua continuida-de. Sob tal perspectiva, o comportamento dedesvio (dtour ) entendido como uma inven-o. Exemplos clssicos so encontrados nosestudos de W. Khler (1927, 1978) e analisa-dos por G. Viaud (1964). Se uma galinha temo acesso ao alimento impedido por uma cercade arame, ela deve afastar-se da meta, numprimeiro momento, para em seguida reaproxi-

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    mar-se e ser capaz de alcan-la. O compor-tamento de insight dos chimpanzs , envolven-do a construo de instrumentos, tambm descrito como um caso de inveno. Nos doisexemplos, esto presentes a colocao deproblemas e a soluo por meio de compor-tamentos que restabelecem a compatibilidadecom o meio e concorrem para sua estrutura-o como territrio. Simondon ressalta que aproximidade da meta e a intensidade da mo-tivao so foras que concorrem para a cria-o de um campo de gradientes que entra eminterao com toda a populao de imagensmentais, condensando a experincia passadanaquele momento (SIMONDON, 2008, p.151).Em outras palavras, a combinao da fora dameta com a experincia passada atrai e modu-la uma populao de imagens, resultando emaes de explorao e manipulao que tor-nam mais fcil ou mais difcil a inveno. Comisso Simondon aponta que a inveno no sefaz apenas por associao de idias passadas,mas remonta a condies dinmicas mais am-plas, envolvendo imagens motoras do presen-te, imagens-lembrana do passado e imagensantecipatrias do futuro. Ao final, podemosdizer que houve inveno quando, com a colo-cao do problema e sua soluo, foi possvelidentificar uma ampliao da percepo e umaexpanso do territrio habitado.

    Todavia, seria incorreto dizer que a inven-o se faz para atender a uma meta ou realizarum comportamento cujos efeitos poderiam serantecipados de antemo. Ela surge em funode um problema, mas os efeitos de uma in-veno ultrapassam a resoluo do problema.Existe, na verdadeira inveno, um salto, umpoder amplificador que ultrapassa a simplesfinalidade e a busca limitada de adaptao. Averdadeira inveno vai alm de seu objeti-vo. A inteno de solucionar um problema apenas um gatilho para colocar o sistema emmovimento (SIMONDON, 2008, p.171).

    Grande parte da contribuio de Simondonsobre inveno incide sobre os objetos tcni-cos, onde surge o prprio conceito de trans-duo. A contribuio de Simondon para ocampo da tcnica tem sido objeto de diversase profundas anlises (CHABOT, 2002, CHATE-AU, 2005, ESCSSIA, 1999), o que nos leva aabrir mo de apresent-la aqui. , entretanto,curioso notar que, no curso de 1965-1966, aoproceder ao exame da obra de arte como in-veno, Simondon acaba por dar a ela umainflexo que destaca alguns de seus aspectostcnicos2. Ao deter-se sobre o problema dainveno artstica, sublinha que ela consistenum processo de formalizao que atende lgica dos gneros e das diferentes formas dearte. O cinema, por exemplo, em princpiouma formalizao da viso do movimento. Po-rm, para alm dessa formalizao, e ao longode sua histria, a arte cinematogrfica recrutae incorpora outros elementos, como o som, acor e, hoje em dia, o vdeo, criando modos decompatibilidade de imagens heterogneas atento isoladas. Explorando tambm os casosda arquitetura do sc. XVII, que integra a es-cultura, a pintura e as artes da jardinagem,bem como a literatura dos scs. XVIII e XIX,que incorpora o desenho e a pintura no objetolivro, Simondon ressalta a importncia da artecomo sistema de produo de compatibilida-des e de ampliao de modos de apario darealidade. O progresso das invenes tcnicasdesempenha a papel de destaque, afetandotanto o recrutamento das imagens quanto apossibilidade de compatibilidade.

    Embora a inveno esteja contida, virtu-

    2 Segundo A. Aumont (2002), a contribuio de Simondonno campo da tcnica comparvel de Etienne Souriau(2007) no campo da esttica. A autora aponta afinidadeshistricas entre os autores e tece aproximaes entre eles,que defendem, cada qual sua maneira, a idia de dife-rentes modos de existncia. Analisa tambm seus pontos

    de afastamento referentes s nuances entre os conceitos deindividuao e instaurao.

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    almente, nas etapas anteriores, esta fase daimagem tem um modo de existncia peculiar.A imagem no se mantm como uma partedo equipamento mental, mas expande seuslimites espao-temporais. Cada objeto criado um sistema de acoplamento entre o orga-nismo e seu meio, um ponto duplo no qual omundo subjetivo e o mundo objetivo se comu-nicam (SIMONDON, 2008, p. 186). Sem colo-car destaque nas diferenas entre o animal eo homem, Simondon aponta que em espciessociais como a nossa esse ponto triplo, poisele constitui tambm uma via de relao entreos indivduos, organizando funes e relaesrecprocas, que funcionam em sinergia. Cabesublinhar tambm que Simondon no fala ape-nas de invenes excepcionais, que se propa-gam em larga escala pela sociedade, mas re-conhece que elas existem no tecido contnuodas pequenas reorganizaes, que algumasvezes no chegam a ser difundidas, mas ti-veram seu papel, de maneira distribuda, aolongo da execuo de uma obra.

    A inveno produz uma mudana na orga-nizao do sistema vivo, no sentido em queele passa a abordar o meio com novas anteci-paes. Nesta medida, ela fecha um ciclo, aomesmo tempo em que abre outro. Em outraspalavras, a inveno opera o recomeo do ci-clo da imagem, garantindo seu renascimentoe produzindo, ao mesmo tempo, constrangi-mentos em relao s formas e tendnciasque sero configuradas no futuro. A invenotcnica e artstica produz novas imagens mo-toras, bem como novas imagens percepo eimagens afetivo-emotivas. Podemos dizer queelas so fonte de movimentos e de percepescomplexas, despertando cognies, afecese emoes. Neste sentido, elas tornam inequ-voca a idia de que a imaginao pode ser umafuno de criao de realidade, uma funo derealizao, exercendo um papel na criao demundos. A imagem sai do mundo mental e ga-

    nha o meio, promovendo sua expanso.As idias de Simondon no curso de 1965-

    1966 encontram forte ressonncia com o con-ceito de cognio inventiva (KASTRUP, 2007).Segundo tal abordagem, a inveno no umprocesso psicolgico especial, alm da mem-ria, da percepo, da linguagem e da aprendi-zagem. A inveno uma maneira de colocaro problema da cognio. Do ponto de vista dainveno, falamos de uma memria inventiva,de uma percepo inventiva, de uma aprendi-zagem inventiva, de uma linguagem inventivae assim por diante. A inveno a potnciaque a cognio possui de diferir de si mesma.A formulao do conceito reconhece que falarda inveno dentro de parmetros cientficosno tarefa simples, j que no h uma te-oria da inveno. A prpria idia de uma teo-ria da inveno seria uma contradio de ter-mos. Por no ser submetida a leis gerais, ainveno no est sujeita previsibilidade. Oconceito tambm no busca dar conta apenasdas grandes invenes, sejam elas tcnicas,artsticas ou cientficas, mas procura apontarque ela permeia nossa vida cotidiana, todaela perpassada por pequenas invenes, queirrompem e quebram a continuidade e a ba-nalidade da vida. Assim como em Simondon,que compe a rede de intercessores evocadospara a formulao do conceito, h um fortedilogo com a psicologia e as cincias cogni-tivas, que surge no apenas na forma de cr-ticas e distines, mas tambm de alianas ecomposies.

    A abordagem da cognio inventiva deuorigem a estudos sobre diversos processos,como a aprendizagem e a ateno, mas athoje no havia abordado o tema da imagem,to presente nos dias atuais. O livro de Simon-don, pelo ttulo, e pela investigao detalhadaque realiza, suscita novas idias e instiga acomparao. De sada, possvel constatarque a operao semelhante, mas o ponto

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    de partida outro. O ponto de partida de Si-mondon aqui a imagem, e no a cognio. Ocampo de combate distinto. Por outro lado,o ciclo da imagem sem dvida um ciclo in-ventivo. Ao invs de formular o problema dainventividade da cognio, Simondon fala dainventividade da imagem. Pelo estudo da ima-gem ele chega inveno, embora guardandoeste termo para as invenes stricto sensu .

    Os conceitos de transduo, pr-individual emetaestabilidade esto presentes todo o tem-po, embora nem sempre de modo explcito.No entanto, eles do o tom do curso, onde en-contramos ao final uma importante novidade,capaz de englobar e lanar uma nova perspec-tiva sobre toda uma srie de estudos sobreimagem, que se multiplicam na atualidade.

    Enfim, aprendemos com Simondon que a ima-gem no apenas inventada, mas tambminventiva, ou seja, ela possui uma inventivida-de intrnseca.

    5 Imagem material e imagemmental: desmontando umadicotomia

    Embora Simondon fale de fases e mesmode etapas , no seria justo entend-las comoum ciclo de desenvolvimento da imagem,como em Jean Piaget. A passagem de umafase a outra obedece a um percurso transdu-tivo, ou seja, h estruturas prvias que fun-cionam como plataformas ou condies paraas transformaes subseqentes. A idia deum percurso ou trajeto transdutivo signifi-ca que no h inveno ex-nihilo, a partir donada, mas tambm que as transformaesda imagem no seguem um caminho neces-srio, como, por exemplo, na teoria piage-tiana do desenvolvimento cognitivo (PIAGET;INHELDER, 1978, KASTRUP, 2007). Trata-se,antes, de um percurso que se faz como uma

    trama contnua, dotada de relaes comple-xas e circulares, que produzem giros, laose amarraes diversas, mas tambm pontosde bifurcao, chegando a resultados que nopodem ser previstos de antemo. Essa tramacontnua, marcada por idas e vindas, onde ointerior e o exterior se interpenetram o tem-po todo, bastante distinta de um processoevolutivo linear, pautado em conservaes eultrapassagens previsveis. Como a invenoproduz novas imagens, o ciclo no se fechasobre si mesmo.

    Os dois sentidos do termo imagem aquiloque possui um suporte material e aquilo que um objeto mental deixam de ser um par di-cotmico. Eles se transformam e se co-engen-dram no ciclo dinmico da imagem. A noode inveno como ponto duplo evoca a no-o de causalidade circular. As noes de re-lao e mesmo de interao organismo-meioso insuficientes. A diferena diz respeito aoentendimento que Simondon prope das no-es de organismo e meio, e mais diretamentede sua ontologia pr-individual. A conexo e oacoplamento organismo-meio so tecidos porforas, vetores, tendncias, polaridades e po-tenciais das imagens. Ao serem produzidas, asinvenes so relanadas e devolvidas ao pla-no de produo, passando a integrar o ciclo daimagem. Isso significa que h uma relao decausalidade entre a ltima fase e as demais,que compem o ciclo. Todavia, no se trata a de causalidade linear nem tampouco de umacausalidade circular de tipo ciberntico, onde,por um sistema de retroalimentao, o efeitoretroage como causa. No caso da cibernti-ca, os efeitos de retroao so controlveis eprevisveis, o que no se aplica ao ciclo inven-tivo da imagem. Aqui as causas se atualizamem efeitos inventivos e os efeitos tambm seatualizam em causas, de modo igualmente in-ventivo e marcado pela diferenciao e pelaimprevisibilidade.

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    A noo de inveno como ponto triplo nos lembra que mesmo as imagens mentaisque parecem mais ntimas e pessoais contmalgo de social. Nesta medida, o trabalho deSimondon constitui um antdoto contra todotipo de mentalismo e de individualismo aindamuito presentes na psicologia atual. Ao apon-tar que a imagem no apenas mental, mastambm motora, no apenas humana, mastambm est presente nos animais, que saida interioridade e se materializa em produtose instituies, e que se propaga nas mltiplasconexes, Simondon aponta que a subjetivi-dade sempre coletiva. Sabemos que ao fazerpsicologia estamos constantemente tratandocom imagens. A novidade aqui so as mlti-plas pistas que so lanadas de que para en-tender o sentido das imagens que habitam asubjetividade, mesmo daquelas que parecemessencialmente mentais, ntimas e pessoais,devemos perceber a a presena das inven-es coletivas. Nessa direo, o estudo e asprticas de produo de subjetividade nocampo da clnica, da arte, da educao e dastecnologias requer a transversalizao dediferentes disciplinas, como a psicologia, a so-ciologia, a comunicao e a esttica.

    Depois de sermos levados a fazer um gran-de mergulho no tema da imagem, vemos des-montar-se a dicotomia entre imagens mentais percepes, lembranas, sonhos, desejos,alucinaes e imagens materiais fotografia,cinema, pintura, publicidade, udio-gravao,televiso. Na operao de tal desmontagem,no somos conduzidos a um movimento depsicologizao das imagens da arte, da publi-cidade e da televiso. No se trata de operarum reducionismo subjetivante. Numa outradireo, a desmontagem da dicotomia segueo caminho da exteriorizao. Nesse sentido, ocurso de Simondon uma grande aula sobre aexterioridade da imagem, de como ela j nos exterior mesmo quando parece habitar o fun-do de nossa alma. A, onde ela j mostra suadimenso de exterioridade, a imagem possi-bilita no apenas a importante sensao deestranhamento, mas tambm uma promessade inveno e de resistncia em relao aosregimes totalitrios da subjetividade contem-pornea. Sadas dessa interioridade j exte-rior, as imagens inventadas e desde sempreinventivas ganham o mundo, espalhando seualcance e aguando nossa ateno para seussutis e poderosos efeitos.

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    VON UEXKLL, J.Dos animais e dos homens . Lisboa: Livros do Brasil, s/d.

    Recebido em: 27 de maio de 2012 Aprovado para publicao em: 13 de junho de 2012

    Virginia KastrupProfessora Associada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Filosofia e Cincias Humanas,Departamento de Psicologia Geral e Experimental. Rio de Janeiro/RJ, Brasil. E-mail: [email protected]

    Filipe Herkenhoff CarijMestrando do Programa de Ps-Graduao em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio deJaneiro/RJ, Brasil. E-mail: [email protected]

    Maria Clara de AlmeidaMestranda do Programa de Ps-Graduao em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio deJaneiro/RJ, Brasil. E-mail: [email protected]