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II REUNIÃO ORDINÁRIA CONJUNTA CAOSAÚDE, CAOINFÂNCIA e CAODHC ROTEIRO 2 INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES Data: 21 de novembro de 2014 Horário: 8h às 12h Local: sala T-15 “A dependência de substâncias é uma condição patológica que traz consequências negativas para a pessoa. Mas, nem por isso, justifica o alijamento da sua autodeter- minação, exceto se confirmado o comprometimento do seu juízo crítico em tempo ul- terior ao efeito imediato da droga. E mesmo nestas hipóteses, a solução não é simplista, muitíssimo pelo contrário.” 1 “É preciso sempre considerar que uma passagem por um hospital psiquiátrico, mesmo que por um curto período, terá sempre o sentido de um estigma, de uma in- capacidade momentânea decorrente de uma ruptura do laço social, para quem quer que seja, em todas as idades. Cabe oferecer à criança, ao adolescente e à família a possibilidade de falar de seu sofrimento, de minimizar sua angústia, oferecendo-lhes um lugar de novas opções e a possibilidade de crescimento pessoal, familiar e social, independentemente do diagnóstico.” 2 INTRODUÇÃO Os aspectos gerais da Rede de Atenção Psicossocial (RAPs) e da Internação Psiquiátrica encontram-se no Roteiro 1, exposto e debatido na I Reunião Ordinária Conjunta entre Promotores e Procuradores de Justiça da Cidadania e Infância, realizada em 16 de maio de 2014. O presente roteiro é um desdobramento das discussões da primeira reunião e foi construído a partir de estudos e reflexões de um grupo formado com essa finalidade e integrado pelos Coor- denadores dos Centros de Apoio Operacional dos Direitos Humanos e do Cidadão, da Saúde e da Infância e Juventude (CAOINFÂNCIA), pela Técnica em Medicina Jaqueline Luvisotto Marinho (CATEP), pelo Promotor de Justiça, Dr. José Augusto de Figueiredo Falcão, e pela Procuradora de Justiça, Dra. Estela de Freitas Rezende. Os estudos do mencionado grupo redundaram na elaboração do presente documento, Ro- teiro 2 – internação psiquiátrica de crianças e adolescentes, e do Roteiro 3 – internação psiquiátrica de incapazes adultos e interdição. 1 1 Referência: GESSER, Wagner Pinheiro; MENEZES, Joyceane Bezerra de Menezes. A autonomia privada do paciente dependente de substância no Brasil. In: MENEZES, Joyceane Bezerra de (Org.). Dimensões Jurídicas da Personalidade na Ordem Constitucional Brasileira. Florianópolis: Conceito Editorial. 2010. p. 545. 2 Referência: CARVALHO, Luciana Nogueira de. Internação em Psiquiatria da Infância e Adolescência. In: ASSUMPÇÃO Jr., Fran- cisco Baptista; KUCZYNSKI, Evelyn. Tratado de Psiquiatria da Infância e Adolescência. São Paulo: Atheneu, 2003. p. 759.

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II REUNIÃO ORDINÁRIA CONJUNTACAOSAÚDE, CAOINFÂNCIA e CAODHC

ROTEIRO 2

INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Data: 21 de novembro de 2014Horário: 8h às 12hLocal: sala T-15

“A dependência de substâncias é uma condição patológica que traz consequênciasnegativas para a pessoa. Mas, nem por isso, justifica o alijamento da sua autodeter-minação, exceto se confirmado o comprometimento do seu juízo crítico em tempo ul-terior ao efeito imediato da droga. E mesmo nestas hipóteses, a solução não ésimplista, muitíssimo pelo contrário.” 1

“É preciso sempre considerar que uma passagem por um hospital psiquiátrico,mesmo que por um curto período, terá sempre o sentido de um estigma, de uma in-capacidade momentânea decorrente de uma ruptura do laço social, para quem querque seja, em todas as idades. Cabe oferecer à criança, ao adolescente e à família apossibilidade de falar de seu sofrimento, de minimizar sua angústia, oferecendo-lhesum lugar de novas opções e a possibilidade de crescimento pessoal, familiar e social,independentemente do diagnóstico.” 2

INTRODUÇÃO

Os aspectos gerais da Rede de Atenção Psicossocial (RAPs) e da Internação Psiquiátricaencontram-se no Roteiro 1, exposto e debatido na I Reunião Ordinária Conjunta entre Promotorese Procuradores de Justiça da Cidadania e Infância, realizada em 16 de maio de 2014.

O presente roteiro é um desdobramento das discussões da primeira reunião e foi construídoa partir de estudos e reflexões de um grupo formado com essa finalidade e integrado pelos Coor-denadores dos Centros de Apoio Operacional dos Direitos Humanos e do Cidadão, da Saúde e daInfância e Juventude (CAOINFÂNCIA), pela Técnica em Medicina Jaqueline Luvisotto Marinho(CATEP), pelo Promotor de Justiça, Dr. José Augusto de Figueiredo Falcão, e pela Procuradora deJustiça, Dra. Estela de Freitas Rezende.

Os estudos do mencionado grupo redundaram na elaboração do presente documento, Ro-teiro 2 – internação psiquiátrica de crianças e adolescentes, e do Roteiro 3 – internação psiquiátricade incapazes adultos e interdição.

1

1 Referência: GESSER, Wagner Pinheiro; MENEZES, Joyceane Bezerra de Menezes. A autonomia privada do paciente dependentede substância no Brasil. In: MENEZES, Joyceane Bezerra de (Org.). Dimensões Jurídicas da Personalidade na Ordem ConstitucionalBrasileira. Florianópolis: Conceito Editorial. 2010. p. 545.2 Referência: CARVALHO, Luciana Nogueira de. Internação em Psiquiatria da Infância e Adolescência. In: ASSUMPÇÃO Jr., Fran-cisco Baptista; KUCZYNSKI, Evelyn. Tratado de Psiquiatria da Infância e Adolescência. São Paulo: Atheneu, 2003. p. 759.

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Conforme se observará, este roteiro pretende propor uma atuação balizada nas diretrizesantimanicomiais, no respeito à dignidade da pessoa humana, à sua liberdade e autonomia, sobre-tudo no tocante às pessoas com transtorno (ou deficiência) mental, sem descurar de aspectos prá-ticos determinantes para a tomada de decisões nos casos concretos.

QUESTÕES PRELIMINARES

CONCEITO CRIANÇA/ADOLESCENTE E CAPACIDADE CIVIL

Normativas Específicas da Área da Infância e Juventude

Nos termos do Decreto nº 99.710, de 21/11/90, que promulgou a Convenção sobre os Direitosda Criança, considera-se como Criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade, a nãoser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.

Disciplinando a questão, o Estatuto da Criança e do Adolescente, conceitua Criança, comoa pessoa de até 12 anos de idade incompletos, e Adolescente como aquele entre 12 e 18 anos deidade (art. 2º).

Ainda nos termos do Estatuto, dentre os princípios que regem a aplicação das medidas es-pecíficas de proteção (sendo uma delas o tratamento médico psiquiátrico), encontra-se o da oitivaobrigatória e participação (art. 100, parágrafo único, XII), segundo o qual “a criança e o adolescente,em separado ou na companhia dos pais, de responsável ou de pessoa por si indicada, bem comoos seus pais ou responsável, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da me-dida de promoção dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente considerada pela au-toridade judiciária competente, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 28 desta lei” (incluídopela Lei nº 12.010/09).

E, em relação a este último dispositivo legal, cumpre registrar que o mesmo se encontra in-serido no capítulo “Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária”, especificamente nas disposi-ções gerais a respeito “Da Família Substituta”, cuja natureza, a exemplo do tratamento médicopsiquiátrico, é a de medida específica de proteção (art. 101, IX).

Pois bem. Conforme disciplina o § 1º, do art. 28, “sempre que possível, a criança ou o ado-lescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desen-volvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião

devidamente considerada” (incluído pela Lei nº 12.010/09) – grifos nosso.Já o § 2º, do mesmo artigo, determina que “tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será

necessário seu consentimento, colhido em audiência” (incluído pela Lei nº 12.010/09) – grifos nosso.Assim, diante de referidas previsões legislativas, ao invocar, dentro dos princípios gerais, o teor

dos §§ 1º e 2º, do art. 28, do ECA, até então atrelado a uma medida de proteção específica (colocaçãoem família substituta), forma-se uma corrente de entendimento no sentido de que o legislador pretendeuestender a todas as medidas específicas de proteção a imprescindibilidade de oitiva da criança ou ado-lescente, bem como a necessidade de consentimento quando se tratar desse último.

A presente conclusão encontra, inclusive, respaldo na própria Convenção sobre os Direitosdas Crianças, segundo a qual “os Estados Partes assegurarão à criança, que estiver capacitada aformular seus próprios juízos, o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os as-suntos relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, emfunção da idade e maturidade da criança” (art. 12).

E, somado a esse princípio geral e ratificando a conclusão acima exposta, invoca-se, ainda,o princípio do melhor interesse, sob a égide da doutrina da proteção integral, determinando a pri-mazia das necessidades da criança e do adolescente como critério de interpretação da lei, deslinde

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de conflitos, ou mesmo para elaboração de futuras regras.Como visto então, segundo referida corrente de entendimento, constitui direito do referido público

(criança e adolescente) ser ouvido a respeito de qualquer medida a ser aplicada em relação a ele. E, es-pecificamente quando se tratar de adolescente, o respectivo consentimento é obrigatório (necessário),demonstrando, portanto, que a opinião deste último deve ser levada em consideração.

É oportuno destacar, ainda, que enquanto o § 2º do mencionado artigo de lei prevê que oconsentimento do adolescente será colhido em audiência, inexiste semelhante previsão para a oitivada criança ou adolescente, em relação à qual estabelece-se apenas que, sendo possível, eles serãopreviamente ouvidos por equipe interprofissional, para posterior consideração da autoridade judi-ciária competente (art. 100, parágrafo único, XII).

Em outras palavras, da análise dos mencionados dispositivos legais, entende-se que não sefaz necessária a instauração de procedimento judicial para a oitiva de criança ou de adolescente, aser realizada, como visto, preferencialmente por equipe interprofissional, podendo, inclusive, ser ada própria Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), haja vista que, especificamente nessa passagem,o legislador não se referiu à mencionada equipe como sendo aquela vinculada ao Poder Judiciário,a exemplo de outros dispositivos estatutários (arts. 166, § 2º; 197-C, caput e § 2º, etc).

Ademais, ainda que não seja essa a conclusão final – extensão do disposto nos §§ 1º e 2º, do art.28, do ECA, a todas as demais medidas específicas de proteção – não se pode deixar de considerar atrajetória das normativas na área da infância e juventude, sendo cada vez mais presente a ideia do pro-tagonismo juvenil, conferindo relevância à sua capacidade de autodeterminação.

Cite-se, como exemplo, além da Convenção sobre os Direitos das Crianças, as próprias pre-visões do Estatuto da Criança e do Adolescente, dentre elas aquelas dos arts. 3º, 15, 16, incisos IIe VI, determinando que se assegure a participação ativa da criança e do adolescente nas questõesque lhe dizem respeito, seja no âmbito familiar, comunitário ou político.

Tanto é verdade que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CO-NANDA), ao editar a Resolução nº 113, de 19 de abril de 2006, dispondo sobre os parâmetros paraa institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adoles-cente, estabeleceu que referido “sistema procurará assegurar que as opiniões das crianças e dosadolescentes sejam levadas em devida consideração, em todos os processos que lhes digam

respeito” (art. 2º, § 4º).Diversa não é a orientação do mesmo colegiado, ao estimular o citado protagonismo juvenil

nas conferências dos direitos da criança e do adolescente, garantindo a efetiva participação dessepúblico, inclusive, na própria organização dos eventos (Resolução nº 149, de 26/05/11).

Importante ressaltar, ainda, a incidência do princípio da intervenção precoce (art. 100, pa-rágrafo único, VI, do ECA), segundo o qual a atuação das autoridades competentes deve se darlogo que a situação de perigo seja conhecida. Assim, cabe ao Poder Público priorizar o atendimentoà população infantojuvenil, de modo a obter a prestação mais célere e efetiva possível, já que a de-mora no atendimento, por si só, seria passível de enquadramento nas disposições dos arts. 208 e216, ambos do ECA.

Por fim, considerando a necessidade e o direito de que as crianças e adolescentes recebamo tratamento e acompanhamento adequados para as doenças/agravos/transtornos que porventuraapresentem e a necessidade de se garantir a proteção destas de modo apropriado, precisa-se en-fatizar a expressividade da estigmatização da pessoa diante de um diagnóstico de transtorno mentalou de transtorno relacionado ao uso de drogas e em decorrência de uma internação psiquiátrica3,visto que este processo de estigmatização tende a gerar efeitos prejudiciais às pessoas apresen-tando transtorno mental em diversas dimensões de suas vidas e impactos negativos no contexto

3 Referência: LIMA, R. C. Saúde Mental na Infância e Adolescência. In: JORGE, M. A. S.; CARVALHO, M. C. A.; SILVA, P. R. F. Po-líticas e Cuidado em Saúde Mental: contribuições para a prática profissional. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2014. p. 229-254.

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da saúde mental, inclusive funcionando como mais uma barreira na busca por acompanhamentoem serviços de saúde e na realização do tratamento de modo adequado4.

Desse modo, faz-se imprescindível que o diagnóstico seja realizado de modo criterioso, con-siderando a pessoa em seus âmbitos biológico, psicológico, emocional, familiar, cultural, social eespiritual, não visando a um simples enquadramento classificatório, baseado em concepções redu-cionistas. Nesse sentido, faz-se necessário também que o tratamento na modalidade de internaçãopsiquiátrica se restrinja às situações em que seja realmente necessária e que seja utilizada apenasquando os recursos extra-hospitalares se apresentarem insuficientes, e que a criança ou adoles-cente, em relação às avaliações, acompanhamentos e tratamentos de sua saúde, receba as infor-mações de modo adequado, que seja ouvida e suas opiniões sejam devidamente consideradas, deacordo com sua capacidade de compreensão5.

Normativas Não Específicas

Por outro lado, não se pode deixar de considerar o fato de que, ao tratar da capacidade e in-capacidade jurídicas, em razão da idade, o Código Civil, em seu art. 3º, estabeleceu que os menoresde 16 anos são absolutamente incapazes, enquanto que os menores de 18 anos e maiores de 16anos são relativamente incapazes.

Da mesma forma, cumpre relembrar o próprio recorte etário apresentado pelo Código Penal, nocapítulo dos Crimes Sexuais contra Vulnerável, ao estabelecer tratamento específico aos “menores de14 anos de idade”, afastando a validade do respectivo consentimento, atribuindo, portanto e a contrariosenso, a mencionada capacidade aos maiores de 14 anos e não só a partir dos 16 anos de idade.

Ainda em relação a esse tema, há de se considerar os estudos produzidos no campo da Bio-ética6 (assentimento e consentimento informado/livre e esclarecido7), dos quais decorre o surgimento

4 Referências: SILVEIRA, P. S.; et al. Revisão sistemática da literatura sobre estigma social e alcoolismo. Estudos de Psicologia, v.16, n. 2, p. 131-138, 2011. /// FELICISSIMO, F. B.; et al. Estigma internalizado e autoestima: uma revisão sistemática da literatura.Revista Psicologia: Teoria e Prática, v. 15, n. 1, p. 116-129, 2013. /// RONZANI, T. M.; FURTADO, E. F. Estigma social sobre o usode álcool. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v. 59, n. 4, p. 326-332, 2010. /// RONZANI, T. M.; NOTO, A. R.; SILVEIRA, P. S. Reduzindoo estigma entre usuários de drogas: guia para profissionais e gestores. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2014 (Disponível em:<http://www.editoraufjf.com.br/ftpeditora/site/reduzindo_o_estigma_entre_usuarios_de_drogas.pdf>). /// ABELHA, L.; et al. Atitudesda comunidade em relação aos doentes mentais. In: BANDEIRA, M.; LIMA, L. A.; BARROSO, S. (Orgs.). Avaliação de serviços deSaúde Mental. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. p. 241-259.5 No cuidado à saúde de crianças e adolescentes, precisam ser observados determinados princípios, como:• de que são sujeitos singulares, não devendo ser reduzidos a um diagnóstico psiquiátrico, sendo necessário que o processo de for-mulação de um diagnóstico médico seja articulado a um diagnóstico situacional amplo, em que se considere aspectos em amplitude,como o contexto pessoal, familiar, cultural e escolar, a história de vida e familiar;• de que são sujeitos de direitos, devendo ser cuidados de modo singular e ouvidos durante seu acompanhamento, não devendo ser vistoscomo um simples objeto de intervenções mecanicistas e tecnicistas, precisando que também sejam escutados seus pais/responsáveis;• de que o tratamento deve objetivar a inclusão e ampliação de laços sociais, a redução do sofrimento e do estigma, não focalizandoem uma adaptação da criança ou do adolescente a um padrão estabelecido de suposta 'normalidade', e não consentindo com suareclusão em espaços de exclusão;• do acolhimento universal, devendo os serviços acolher e escutar a todos que os procurem, mesmo que não seja necessária a rea-lização do projeto terapêutico no serviço demandado;• do encaminhamento implicado, havendo a continuidade de responsabilidade durante o encaminhamento para um outro serviço,disponibilizando o acompanhamento necessário e também cuidando-se para que não ocorra uma ausência de assistência até o de-vido acolhimento por outro serviço;• do cuidado interprofissional, preferencialmente no território geográfico e emocional do usuário, envolvendo ações em rede intra eintersetorial, com o envolvimento de diversos equipamentos sociais;• da promoção da saúde mental, com ações em políticas sociais, e visando a minimização de fatores de risco e ampliação de fatoresde proteção (Referência: LIMA, Rossano Cabral. Saúde Mental na Infância e Adolescência. In: JORGE, M. A. S.; CARVALHO, M. C.A.; SILVA, P. R. F. Políticas e Cuidado em Saúde Mental: contribuições para a prática profissional. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz,2014. p. 229-254).6 No campo da Bioética, consideram-se quatro princípios básicos – beneficência, não maleficência, respeito à autonomia (autode-terminação), e justiça (equidade).7 Em relação à Ética em Pesquisa, a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), referente às diretrizes e normas re-gulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, dispõe sobre o “assentimento livre e esclarecido” e sobre o “consentimento

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de uma nova espécie de capacidade jurídica, a saber, a capacidade para consentir.Segundo o Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra André Gonçalo

Dias Pereira8, a Professora Livre-Docente em Direito pela USP Judith Martins-Costa9 e o Professorde Direito da PUC/SP Giovanni Ettore Nanni10, o surgimento dessa nova modalidade se justificapelo simples fato de que a capacidade negocial regrada pelo Código Civil está fundamentalmenteligada à prática de um negócio jurídico patrimonial, porquanto quando criada e desenvolvida, a pro-priedade era o grande bem digno de proteção.

Ocorre que, paralelamente a essa concepção, em consonância com o princípio da dignidadeda pessoa humana, insculpido na Constituição Federal, como primordial preceito a ser tutelado,passou-se a exigir uma modificação da tradicional visão patrimonialista (“despatrimonialização” doDireito Civil, sustentada por Pietro Perlingieri11), surgindo, assim, uma categoria de capacidade es-pecialmente adaptada à gestão daqueles bens de personalidade.

Diante disso, chegou-se à conclusão que os institutos de direito patrimonial devem reger osnegócios jurídicos patrimoniais, ao passo que em relação às situações jurídicas existenciais umanova disciplina passa a ser desenvolvida, assegurando, dessa forma, um exame teórico distinto aosnegócios jurídicos extrapatrimoniais12.

Assim, a capacidade para consentir, como espécie autônoma apta a propiciar uma mani-festação de vontade negocial, estaria ligada ao direito ao desenvolvimento da personalidade e aodireito à autodeterminação13nos cuidados de saúde, representando a atribuição para manifestar oconsentimento esclarecido pelo paciente, autorizando intervenções na integridade física e psíquicaou nos direitos da personalidade, a fim de legitimar a intervenção médica.

Tudo isso porque a capacidade de discernimento associa-se a aspectos individuais e sociais do indivíduo,constituindo as experiências adquiridas ao longo da vida em elementos determinantes para sua análise.

E, por óbvio, analisar a capacidade de discernimento da criança ou adolescente em depen-dência de drogas envolve intensa complexidade, ensejando a atuação de equipe interprofissional,capaz de analisar os aspectos individuais de modo singularizado e em interação com os aspectosrelevantes do contexto social e cultural, para então estabelecer o grau de comprometimento da ca-

livre e esclarecido” (A Resolução 466/212 revogou a Resolução 196/96, que já havia disposto sobre o “consentimento livre e esclarecido”).8 Referência: PEREIRA, André Gonçalo Dias. A capacidade para consentir: um novo ramo da capacidade jurídica. In: Comemoraçõesdos 35 anos do Código Civil e dos 25 da reforma de 1977: volume 2: a parte geral do código e a teoria geral do direito civil. Coimbra:Coimbra Editora, 2006, p. 199-219.9 Referência: MARTINS-COSTA, Judith. Capacidade para consentir e esterilização de mulheres tornadas incapazes pelo uso de dro-gas: notas para uma aproximação entre a técnica jurídica e a reflexão bioética. In: MARTINS-COSTA, Judith; MÖLLER, LetíciaLudwig (org.). Bioética e responsabilidade. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 320-330).10 Referência: NANNI, Giovanni Ettore. A capacidade para consentir: uma nova espécie de capacidade negocial. Letrado IASP, v.96, p. 28-29, set/out 2011.11 Referência: PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro:Renovar, 2008, p. 121-123.12 No campo da Bioética, para os autores Marcia Mocellin Raymundo e José Roberto Goldim, corresponderia a um enfoque limitadoa equiparação da noção de personalidade e da capacidade de tomar decisões sobre a sua própria pessoa com a capacidade jurídica,relacionada à esfera patrimonial (Referência: RAYMUNDO, Marcia Mocellin; GOLDIM, José Roberto. Do consentimento por procu-ração à autorização por representação. Bioética, v. 15, n. 1, p. 83-99, 2007).13 No campo da bioética, ao lado do princípio da beneficência, o princípio da autonomia/autodeterminação no maior âmbito possíveltem como diretriz considerar ao máximo a capacidade do indivíduo em participar de um processo de escolha/decisão, sendo quepode haver, conforme o caso, a necessidade da assistência de um grupo imparcial de especialistas para auxiliar nesta escolha/de-cisão. Assim, somente em casos de ausência ou de mínima capacidade de autodeterminação é que a heterodeterminação assumiriamaior peso no processo de escolha/decisão, salientando-se que a incapacidade de um indivíduo não pode ser considerada paratodos os âmbitos de sua vida, pois a pessoa pode apresentar ausência de capacidade para escolhas/decisões em determinadoscampos de atuação ou situações e apresentar capacidade para tal em outros. Entretanto, nas situações de ausência ou diminuiçãoda capacidade de autodeterminação, sempre devem ser considerados os princípios da beneficência e da não-maleficência, sendoque qualquer medida interventiva deve ser realizada em proveito da pessoa incapaz de consentir ou para proteção de bens jurídicosde alta relevância (Referências: MARTINS-COSTA, Judith. Capacidade para consentir e esterilização de mulheres tornadas incapazespelo uso de drogas: notas para uma aproximação entre a técnica jurídica e a reflexão bioética. In: MARTINS-COSTA, Judith; MÖLLER,Letícia Ludwig (org.). Bioética e responsabilidade. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 320-330./// MUÑOZ, Daniel Romero; FORTES,Paulo Antonio Carvalho. O Princípio da Autonomia e o Consentimento Livre e Esclarecido. In: CFM. Conselho Federal de Medicina.

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pacidade de discernimento da pessoa em dependência de drogas e a necessidade, ou não, do su-primento de sua capacidade de autodeterminação por terceiros14.

Por fim e apenas a título de registro, contextualizando as questões acima ventiladas, é oportunodestacar, resumidamente, as diretrizes adotadas pelo Conselho Federal de Medicina, bem comopela Sociedade Brasileira de Pediatria15, sobre o assunto, a saber:

–O adolescente deve ser considerado como progressivamente capaz, devendo-se rea-lizar os atendimentos de modo diferenciado;–O adolescente identificado pelo profissional médico/equipe interprofissional como apre-sentando capacidade de avaliação de seus problemas de saúde e de atuação por seuspróprios meios no sentido de solucionar esses problemas, podem (tem o direito) de seravaliado (atendido) sem a presença dos pais/responsáveis, possibilitando a confiden-cialidade e a realização dos procedimentos diagnósticos, profiláticos e terapêuticos queforem necessários, considerando o direito de escolha do adolescente. O Código de ÉticaMédica determina, inclusive, que é vedado ao médico “revelar sigilo profissional rela-cionado a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes legais,desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelaçãopossa acarretar dano ao paciente” (art. 74);–A ausência dos pais/responsáveis não deve impossibilitar a realização da avaliaçãomédica das crianças e adolescentes16 em condições de comparecimento espontâneoao serviço, devendo-se, no caso das crianças, ser estabelecido contato com os respon-sáveis simultaneamente à realização do atendimento, e no caso dos adolescentes ocontato com os responsáveis somente será realizado se for necessário;–Já em situações consideradas de risco (como gravidez, abuso de drogas, não adesãoa tratamentos recomendados, doenças graves, risco a sua própria vida ou de terceiros)e de realização de procedimentos de maior complexidade (como biópsias e cirurgias),necessária se faz a participação e o consentimento dos pais/responsáveis, além do as-sentimento da criança/adolescente, conforme sua compreensão, embora esse últimonão seja preponderante/decisivo;–Para realização de quaisquer procedimentos e tratamentos para crianças e adoles-centes, é recomendável, conforme a capacidade de entendimento de cada paciente, aobtenção de seu assentimento17, diferenciando-se do consentimento esclarecido, que,

Iniciação à Bioética. Brasília: CFM, 1998, p. 53-70). Afinal, consentir no lugar de uma criança ou adolescente deveria compreenderconsentir em interesse destes, considerando indicações médicas realmente necessárias, além de seu possível benefício e não ma-lefício (Referência: RAYMUNDO, Marcia Mocellin; GOLDIM, José Roberto. Do consentimento por procuração à autorização por re-presentação. Bioética, v. 15, n. 1, p. 83-99, 2007).14 Referências: BISCHOFF, Juliana. Aspectos jurídicos de internações psiquiátricas compulsórias para crianças, adolescentes ejovens dependentes em crack: a experiência do município do Rio de Janeiro. Monografia (Bacharelado em Direito). Faculdade deCiências Jurídicas e Ciências Sociais. Brasília, 2002./// MARTINS-COSTA, Judith. Capacidade para consentir e esterilização de mu-lheres tornadas incapazes pelo uso de drogas: notas para uma aproximação entre a técnica jurídica e a reflexão bioética. In: MAR-TINS-COSTA, Judith; MÖLLER, Letícia Ludwig (org.). Bioética e responsabilidade. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 320-330.15 Referências: Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1931/2009 (Aprova o Código de Ética Médica)./// Parecer do CFMnº 25 de 2013./// Atualização Bibliográfica: “Aspectos Éticos do Atendimento Médico do Adolescente”, dos Departamentos de Bioética eAdolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo e da Sociedade Brasileira de Pediatria. Revista Bioética, v. 7, n. 2, 1999./// HIRS-CHHEIMER, Mário Roberto; CONSTANTINO, Clóvis Francisco; OSELKA, Gabriel Wolf. Departamento de Bioética da Sociedade de Pe-diatria de São Paulo. Consentimento informado no atendimento pediátrico. Revista Paulista de Pediatria, v. 28, n. 2, p. 128-133, 2010.16 Para a Organização Mundial da Saúde, a adolescência compreenderia dos 10 a 19 anos de idade, dividindo em adolescência inicial(10 a 14 anos), média (14 a 17 anos) e final (Referências: OPAS/OMS. Organización Panamericana de la Salud/ Organización Mundialde la Salud. Recomendaciones para la Atención Integral de Salud de los y las Adolescentes, com énfasis em salud sexual y reproduc-tiva. Buenos Aires: OPAS, 2000. /// OMS. Organización Mundial de la Salud. La Salud de los Jóvenes: un desafio para la sociedad.Ginebra: OMS, 1986. /// EISENSTEIN, Evelyn. Adolescência: definições, conceitos e critérios. Adolescência & Saúde, v. 2, n. 2, 2005).17 Fortalecendo a importância do assentimento por crianças e adolescentes, no campo da bioética, os autores Marcia Mocellin Ray-mundo e José Roberto Goldim, em relação ao consentimento fornecido pelos pais ou responsáveis pela criança ou adolescente,

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segundo a doutrina, seria obtido de pacientes adultos e capazes;–Havendo divergências de decisões entre a criança/adolescente e os pais/responsáveis,e não se tratando de situação com risco de morte que exija atuação urgente/emergen-cial, deve-se expandir o diálogo para outros integrantes da equipe interprofissional, bemcomo da própria família, no sentido de se tentar obter a compreensão da importânciada avaliação/procedimento/tratamento;–Porém, no caso de insucesso do diálogo e permanência do não consenso, ou que po-deria haver risco de morte, de sofrimento prolongado, de perda de função ou de quali-dade de vida, deverá ser solicitada judicialmente a proteção da criança/adolescente;–Nas situações de urgência/emergência, deve ser realizado o atendimento dacriança/adolescente, mesmo na ausência dos pais/responsáveis, procurando comunicaresses últimos o mais rápido possível.

Assim, da interpretação conjugada das normativas, conceitos e diretrizes acima transcritos,no tocante à consideração/necessidade do consentimento do adolescente (em especial de 12 a 15anos de idade), é possível que surjam, ao menos, dois posicionamentos a seguir retratados, resu-midamente, um considerando a prevalência da Lei Especial (ECA) e o outro a aplicação conjugadado ECA e do código Civil.

SITUAÇÕES QUE NÃO CONFIGURAM URGÊNCIA OU EMERGÊNCIA:

1º) PREVALÊNCIA DA LEI ESPECIAL (ECA):

1.1 Crianças (0 a 11 anos de idade) – a oitiva é obrigatória (considerando-se o res-pectivo estágio de desenvolvimento e grau de compreensão), embora o consentimento não seja.

1.2 2 Adolescentes (12 a 18 anos de idade) – tanto a oitiva quanto o consentimentosão obrigatórios, em que pese a possibilidade deste último não prevalecer, nas hipóteses de umapossível internação psiquiátrica, desde que preenchidos os requisitos legais.

2º) APLICAÇÃO CONJUGADA DO ECA E DO CÓDIGO CIVIL:

2.1 Crianças (0 a 11 anos de idade) – a oitiva é obrigatória (considerando-se o res-pectivo estágio de desenvolvimento e grau de compreensão), embora o consentimento não seja.

2.2 Adolescentes (12 a 15 anos de idade) – a oitiva é obrigatória (considerando-se orespectivo estágio de desenvolvimento e grau de compreensão), embora o consentimento não seja,por se tratar de absolutamente incapaz, nos termos da lei civil.

2.3 Adolescentes (16 a 18 anos de idade) – tanto a oitiva quanto o consentimento sãoobrigatórios, em que pese a possibilidade deste último não prevalecer nas hipóteses de uma possívelinternação psiquiátrica, desde que preenchidos os requisitos legais

E, antes de adentrar às hipóteses, modalidades e fluxogramas de internação psiquiátricapara o público infantojuvenil, é oportuno relembrar que, seja qual for a espécie de internação, indis-cutível a necessidade de laudo médico circunstanciado (art. 6º da Lei nº 10.216/01), o que, por

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óbvio, enseja a submissão do paciente a uma avaliação médica, conforme a seguir retratado.Por outro lado, cabe registrar também que, embora a Lei nº 10.216/01 não estabeleça como

requisito indispensável a análise do paciente por uma equipe interprofissional, conforme acimadestacado, a participação de referidos técnicos é de fundamental importância nesse processo, prin-cipalmente para auxiliar na identificação da capacidade de discernimento da criança ou adolescenteem dependência de drogas.

Assim, imprescindível que a criança/adolescente seja avaliado por um médico e, de preferência,também por uma equipe interprofissional (que pode não se resumir a uma única consulta/encontro/sessão,pois poderá ser necessário um acompanhamento por determinado período), para então se verificar asmodalidades de tratamentos e acompanhamentos necessários, considerando a singularidade de cadapessoa e contexto, e no sentido de construção de um projeto terapêutico singular 18 19.

A respeito dessa questão – avaliação também por uma equipe interprofissional – cabe regis-trar, especificamente em relação aos adolescentes em conflito com a lei, a existência de expressaprevisão legislativa nesse sentido.

Nos termos da Lei nº 12.594/13, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioedu-cativo (SINASE), em seu Capítulo V – Da Atenção Integral à Saúde de Adolescentes em Cumpri-mento de Medida Socioeducativa, Seção II – Do Atendimento a Adolescentes com Transtorno Mentale com Dependência de Álcool e de Substância Psicoativa, “o adolescente em cumprimento de me-dida socioeducativa que apresente indícios de transtorno mental, de deficiência mental, ou asso-ciadas, deverá ser avaliado por equipe técnica multidisciplinar e multissetorial” (art. 64, caput).

E mais, “as competências, a composição e a atuação da equipe técnica de que trata o caput de-verão seguir, conjuntamente, as normas de referência do SUS e do Sinase, na forma do regulamento” (§1º), devendo referida avaliação subsidiar “a elaboração e execução da terapêutica a ser adotada, a qualserá incluída no PIA do adolescente, prevendo, se necessário, ações voltadas para a família” (§ 2º)

Assim, em que pese a ausência de previsão legislativa na legislação pertinente (Lei nº 10.216/01),pelos motivos acima aduzidos, dentre eles a previsão expressa em normativa específica na área da in-fância e juventude (Sinase), aplicável analogicamente, reforça-se a ideia da importância da avaliação emquestão não se limitar apenas à área médica, estendendo-se também a outros profissionais.

O fluxograma apresentado na sequência ilustra as possibilidades de conduta a partir da rea-lização da avaliação médica/interprofissional, conforme a seguir esquadrinhado.

Havendo necessidade de tratamento/acompanhamento de saúde do paciente, primeiro deveráser verificado se os recursos extra-hospitalares se apresentam insuficientes na situação específica.

Caso sejam suficientes, o tratamento/acompanhamento deve ser realizado em serviços extra-hospitalares (CAPS, ESF/NASF, ambulatórios, entre outros).

Na hipótese de os recursos extra-hospitalares se apresentarem insuficientes, pode ser ne-cessária, conforme as condições de saúde do paciente, a internação hospitalar não psiquiátrica oua internação psiquiátrica.

consideram que “ninguém pode exercer plenamente o direito de consentir por outra pessoa, pois este é um ato individual, indelegável.O representante legal poderia permitir, isto é, ter uma delegação de autoridade para decidir no melhor interesse desta pessoa, masnão substitui a decisão da própria pessoa”. Inclusive, “crianças, assim como adultos, devem ter o direito de decidir sobre os problemasque os afetam mais diretamente. Portanto, devem ser fornecidas informações adequadas ao nível de compreensão das crianças, vi-sando sua participação no processo de obtenção do consentimento. A capacidade de decisão das crianças depende, pelo menosem parte, da idade. Mas, também, depende se foi dada a elas a real possibilidade de escolha” (RAYMUNDO, Marcia Mocellin; GOL-DIM, José Roberto. Bioética em pesquisas em crianças: proteção ou precaução? Revista HCPA, v. 23, n. 3, p. 5-8, 2003).18 Conforme a Portaria nº 3.088/2011 do Ministério da Saúde republicada, dentre as diretrizes da Rede de Atenção Psicossocial(RAPS), inclui-se o desenvolvimento da lógica do cuidado para as pessoas com sofrimento ou transtorno mental, apresentando comoeixo central a construção do projeto terapêutico singular (Art. 2º, XII).19 O Projeto Terapêutico Singular se constitui em um instrumento de organização do cuidado, para um sujeito individual ou coletivo,construído entre a equipe de saúde e a pessoa (e também sua família), com propostas de condutas terapêuticas articuladas, consi-derando as singularidades e complexidades envolvidas (Referência: Ministério da Saúde. Caderno de Textos Cartilhas da PolíticaNacional de Humanização. Brasília, 2010).

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Se houver a necessidade de internação hospitalar não-psiquiátrica em decorrência de con-dições clínicas, esta poderá ocorrer enquanto forem necessários os cuidados hospitalares, sendoimportante que, após a alta, seja disponibilizado o acompanhamento/tratamento nos serviços extra-hospitalares necessários.

Havendo necessidade de internação psiquiátrica, esta deverá ocorrer pelo menor tempo possível,de preferência em hospitais gerais ou CAPS20, e excepcionalmente em hospitais/clínicas psiquiátricas,sendo igualmente essencial que, após a alta, ocorra a continuidade do acompanhamento/tratamento nosserviços extra-hospitalares.

Situações que não configuram urgência ou emergência:

20Torna-se importante destacar o disposto no documento do Ministério da Saúde "Cadernos de Atenção Básica: Saúde Mental" (BRASIL, 2013, p. 101):"alguns pressupostos devem ser considerados como norteadores para fundamentar a organização da rede na perspectiva de acolher,abordar e cuidar de pessoas em situação de crise no território:

• Evitar a internação psiquiátrica e sustentar o usuário no seu contexto de vida com o apoio da Rede de Atenção Psicossocial (Raps).• Potencializar e qualificar todos os pontos da Rede de Atenção Psicossocial para desenvolver intervenção nas situações

de urgência/ emergência e no cuidado longitudinal.

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E, em que pese entendimento divergente, diante de todo o exposto, entende-se que a pre-valência dos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente naquilo que, eventualmente,se contraponha ao disposto no Código Civil, representa, de fato, a mens legis não só das demaisnormativas nacionais, como também das internacionais, primando pelo efetivo protagonismo juvenil,além, é claro, do próprio espírito da Lei nº 10.216/01, que dispõe sobre a proteção e os direitos daspessoas com transtornos mentais, redirecionando o modelo assistencial em saúde mental.

De qualquer forma e para que haja coerência com o que até o momento foi apresentado,cumpre destacar que, a depender do posicionamento a ser adotado, nos casos de indicação mé-dica/interprofissional de internação psiquiátrica, pode-se concluir que:

1º) Prevalência do ECA

CRIANÇAS (0 A 11 ANOS DE IDADE)

• A exclusão de hospital psiquiátrico do circuito assistencial, anulando a oferta de leitos e a valorização da existência deserviços de urgência e emergência psiquiátrica nesta instituição.

• A internação precisa ser considerada como último recurso e quando necessária, como instrumento do Projeto TerapêuticoSingular (PTS) e não como resposta a uma situação específica. Devendo também, quando necessário, ser realizada prioritariamente

nos Caps, com a lógica do acolhimento integral, e nos hospitais gerais de forma articulada com a rede."Considerando também o disposto na Portaria nº 3.088/2011 do Ministério da Saúde republicada, o CAPS (Centro de Atenção

Psicossocial) faz parte da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e tem a função de acolhimento também nas situações deurgência/emergência/crise, devendo apresentar estrutura apropriada e contar com o devido suporte de SAMU, pronto-socorro geral,hospital geral, UPA, CAIS, etc., articulando este suporte em rede. A atuação dos CAPS nestas situações contribuiria para a manu-tenção e reforço do vínculo do usuário com a equipe do CAPS.

Ademais, conforme o disposto pelo Ministério da Saúde, quando necessária, a internação psiquiátrica, deverá ser realizadaprioritariamente nos CAPS, com a lógica do acolhimento integral, e nos hospitais gerais. Portanto, os CAPS III fariam internação na mo-dalidade de acolhimento integral, devendo-se nesse caso também ocorrer a comunicação ao MP. Desse modo, estes serviços tambémdevem contar com estrutura apropriada à realização de internação na modalidade de acolhimento integral, incluindo o atendimento emsituações de intercorrências clínicas e psiquiátricas durante o acolhimento/internação, assim como contar com o suporte/retaguarda deoutros serviços, de modo a estarem articulados em rede, como SAMU, pronto-socorro geral, hospital geral, UPA, CAIS, hospital psiquiá-trico, etc, para atender às necessidades de saúde do usuário, conforme a complexidade e demanda por cuidados em cada situação.

De acordo com a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.057/2013, os CAPS são considerados serviços de as-sistência psiquiátrica, sendo que nos CAPS III pode se observar "a prescrição e administração de medicamentos com períodos depermanência que podem alcançar pernoites e dias consecutivos para prescrições medicamentosas, como previsto nas portarias mi-nisteriais com a presença de leitos específicos para esta internação", devendo portanto apresentar estrutura apropriada, conformeindicado na referida resolução.

Em relação a estes aspectos, cabe ressaltar o seguinte escrito: "se o CAPS, que trabalha na lógica do modelo substitutivo,não der conta da atenção à crise, não se responsabilizar por atender a essas situações, acabará por gerar dois resultados: primei-ramente, o hospital psiquiátrico atenderá essa demanda e em segundo lugar, uma consequência do primeiro, reforçará o sentido so-cial de que é necessária a existência do hospital psiquiátrico" (WILLRICH et al, 2014, p. 100-101).Referências: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de AtençãoBásica: Saúde Mental. Brasília: Ministério da Saúde, 2013. Disponível em <http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/ca-derno_34.pdf> /// Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.057/2013 (Publicado no D.O.U. de 12 de nov. de 2013, SeçãoI, p. 165-171) /// CAMPOS, P. Crise, Rede e Hospitalidade: uma abordagem para a reforma psiquiátrica. In: JORGE, M. A. S.; CAR-VALHO, M. C. A.; SILVA, P. R. F (Orgs.). Políticas e Cuidado em Saúde Mental: contribuições para a prática profissional. Rio de Janeiro:Editora Fiocruz, 2014. p. 161-199. /// JARDIM, K.; DIMENSTEIN, M. Risco e crise: pensando os pilares da urgência psiquiátrica. Psi-cologia em Revista, v. 13, n. 1, p. 169-190, 2007. /// PEREIRA, M. O.; SÁ, M. C.; MIRANDA, L. Um olhar sobre a atenção psicossociala adolescentes em crise a partir de seus itinerários terapêuticos. Cadernos de Saúde Pública, v. 30, n. 10, p. 2145-2154, 2014. ///WILLRICH, J. Q.; et al. Da violência ao vínculo: construindo novos sentidos para a atenção à crise. Revista Brasileira de Enfermagem,v. 67, n. 1, p. 97-103, 2014. /// BRASIL. Ministério da Saúde. Caderno de Textos Cartilhas da Política Nacional de Humanização. Bra-sília: Ministério da Saúde, 2010. /// FERIGATO, S. H.; CAMPOS, R. O.; BALLARIN, M. L. G. S. O atendimento à crise em saúdemental: ampliando conceitos. Revista de Psicologia da UNESP, v. 6, n. 1, p. 31-44, 2007 /// LIMA, M.; et al. Signos, significados e prá-ticas de manejo da crise em Centros de Atenção Psicossocial. Interface Comunicação Saúde Educação, v. 16, n. 41, p. 423-434,2012. /// BOTEGA, N. J. (Org.). Prática Psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012.

1 Criança deseja se internar Pais/Responsáveis também Internação Involuntária

2 Criança NÃO deseja se internar Pais/Responsáveis desejam Internação Involuntária

3 Criança deseja se internar Pais/Responsáveis NÃO desejam Internação Compulsória

4 Criança NÃO deseja se internar Pais/Responsáveis também NÃO Internação Compulsória

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1 – Em que pese a manifestação do paciente (criança) e dos respectivos pais/responsáveis,no sentido daquele se submeter ao tratamento, mais especificamente à internação psiquiátrica, aesta última se atribuirá a modalidade de Involuntária, porque o consentimento da criança juridica-mente não é válido, considerando-se, portanto, apenas o requerimento realizado por terceiro (nocaso familiar).

De qualquer forma, é importante destacar que ainda que juridicamente o consentimento dacriança não seja válido, conforme estudos no campo da Bioética, à criança deve ser assegurado odireito de participação nas ações que envolvam suas vidas, tanto no campo da pesquisa clínicacomo na atenção assistencial à saúde, através de seu assentimento, conforme sua capacidade deentendimento.

Ademais, atribuindo-se à internação psiquiátrica em questão a modalidade de Involuntária, nostermos do art. 8º, § 1º, da Lei nº 10.216/01, assegura-se a obrigatoriedade de comunicação no prazo de72 horas, ao Ministério Público, a quem compete a fiscalização do direito individual indisponível em ques-tão, principalmente por se tratar de criança, cuja maior vulnerabilidade (comparada com a do adolescente)é reconhecida pela própria legislação, ante ao tratamento diferenciado dispensado.

2 – Da mesma forma, na referida hipótese, em que pese a necessidade de oitiva do paciente(criança), preferencialmente por equipe interprofissional, sendo caso de indicação médica de inter-nação psiquiátrica, havendo requerimento dos respectivos pais/responsáveis, esta também se darána modalidade Involuntária, com as mesmas consequências legais acima apontadas.

3 – Nesse caso, diante da manifestação de vontade da própria criança em se submeter à interna-ção psiquiátrica, porém ante a omissão e/ou negativa dos respectivos pais/responsáveis, ou seja, ausentea figura do terceiro, a única modalidade que se vislumbra é a da Internação Compulsória.

A princípio, entende-se que não há que se falar em eventual ação de suprimento de consen-timento, com pedido de autorização judicial para fins de internação psiquiátrica involuntária, primeiro,porque nessa última hipótese haveria a necessidade da figura do “terceiro” (no caso o familiar, que,como visto, inexiste ou se posicionou contrariamente); segundo, porque referida modalidade deação judicial (suprimento judicial do consentimento), a princípio, abrange apenas casos específicosenvolvendo adolescentes.

4 – De igual maneira, na hipótese de negativa tanto do paciente (criança) quanto dos res-pectivos pais/responsáveis (ou da omissão/ausência destes), havendo indicação médica, após aten-dimento por equipe interprofissional, aplica-se também a modalidade de Internação Compulsória.

Por fim, não é demais relembrar que, diante da exigência legal (art. 6º, caput, da Lei nº10.216/01), além do recomendável atendimento por equipe interprofissional, seja qual for a moda-lidade de internação psiquiátrica, é imprescindível laudo médico circunstanciado que caracterize osrespectivos motivos.

ADOLESCENTES (12 A 18 ANOS DE IDADE)

1 – Diante da manifestação positiva de vontade de ambos os envolvidos (paciente e respon-sável), levando-se em consideração o consentimento do adolescente, não há que se falar em inter-nação psiquiátrica involuntária, mas sim em Voluntária.

2 – Nessa hipótese, considerando a manifestação do adolescente/paciente, no caso negativa,

1 Adolescente deseja se internar Pais/Responsáveis também Internação Voluntária

2 Adolescente NÃO deseja se internar Pais/Responsáveis desejam Internação Compulsória

3 Adolescente deseja se internar Pais/Responsáveis NÃO desejam Internação Compulsória

4 Adolescente NÃO deseja se internar Pais/Responsáveis também NÃO Internação Compulsória

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entende-se que a única forma dessa última não preponderar, desde que haja indicação médica deinternação psiquiátrica, com aquiescência dos respectivos pais/responsáveis, é justamente submeterreferida apreciação à autoridade judiciária, interpondo ação para fins de Internação Compulsória.

Cumpre registrar que, embora a presente situação poderia configurar eventual hipótese deinternação psiquiátrica involuntária (sem o consentimento do paciente, no caso o adolescente, e apedido de terceiro, seus pais/responsáveis), entende-se que, justamente por considerar a vontadedo adolescente, externada de forma negativa, esta não poderá ser substituída pela vontade de seuspais/responsáveis, daí a necessidade de intervenção judicial.

Talvez, a maior dificuldade prática no presente caso se apresente na fase antecedente, ouseja, na submissão do paciente (adolescente) à avaliação médica para fins de averiguação de even-tual indicação de internação psiquiátrica, sugerindo-se, neste caso, também a interposição de açãojudicial para tal finalidade, conduzindo o adolescente até a presença do profissional médico e equipeinterprofissional.

3 – Apesar dessa hipótese se mostrar rara no mundo fático, diante da manifestação de von-tade do adolescente em se internar, com indicação médica nesse sentido, através de laudo circuns-tanciado, face à omissão/ausência/negativa dos respectivos pais/responsáveis, outra não se mostraa opção senão a incidência da Internação Compulsória.

Na presente situação, a princípio, poderia se cogitar da interposição de eventual açãode suprimento judicial de consentimento para fins de internação psiquiátrica voluntária. Porém,por questões práticas, não se vislumbra a exequibilidade dessa última, haja vista que referidaação se extinguiria tão logo a supressão fosse concedida e, no caso de eventual necessidadede outras intervenções posteriores, tantas quantas deveriam ser as demandas judiciais nessesentido, também para fins de autorização judicial, eis que “ausente” o consentimento dospais/responsável.

Em outras palavras, considerando que na presente hipótese, a internação psiquiátrica, regu-larmente indicada, ocorreu contra a vontade dos pais/responsáveis ou, ao menos, diante da res-pectiva omissão, pressupõe-se que, diante de posteriores e necessárias intervenções (ex:procedimentos cirúrgicos), referida resistência dos pais/responsáveis também se apresentaria, en-sejando a solicitação de autorização judicial, a qual, ao invés de ser instrumentalizada em tantasações quanto necessárias, poderá ser obtida em sede da própria ação proposta para a internaçãopsiquiátrica compulsória, que permaneceria suspensa, durante todo o tratamento.

4 – Diante da negativa de ambas as partes envolvidas – paciente (adolescente) e seuspais/responsáveis (ou da omissão/ausência destes) – preenchidos os requisitos legais, a única mo-dalidade de internação psiquiátrica que se vislumbra é também a Compulsória.

Nessa situação, entende-se que não caberia a interposição de ação de suprimento judicialde consentimento para fins de internação psiquiátrica involuntária (apesar dessa modalidade sermais recomendável do que a compulsória), pois em que pese estar presente um de seus elementos(“sem o consentimento do usuário”), o outro (“a pedido de terceiro”) não se encontraria na mesmasituação, eis que inexiste a figura do “terceiro”, para se responsabilizar pelo tratamento.

Cumpre registrar, por fim, que nos termos do exposto até o presente momento, verifica-seque a regra para o público infantojuvenil, quando tecnicamente indicada, será a incidência da Inter-nação Psiquiátrica em sua modalidade Compulsória, o que se justifica, inclusive, pelo disposto noparágrafo único, do art. 153, do Estatuto da Criança e do Adolescente, porquanto, em última análise,a internação em questão implicaria no afastamento da criança ou do adolescente de sua família deorigem demonstrando, mais uma vez, a adequação do procedimento judicial.

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DA AVALIAÇÃO MÉDICA

Conforme acima destacado, nos termos da legislação pertinente, para que ocorra eventualinternação psiquiátrica, é imprescindível que o paciente, ainda que criança ou adolescente, se sub-meta a uma avaliação médica, a qual, relembre-se, não necessariamente se limitará a uma únicasessão/encontro. Inclusive, faz-se importante que a avaliação da situação de saúde da criança ouadolescente e da necessidade de tratamento e internação psiquiátrica seja realizada por equipe in-terprofissional, em que se inclui o profissional médico.

Assim, vislumbram-se as seguintes situações:

Ideal – que a equipe do CAPS21 e/ou da ESF (inclusive o profissional médico), eventualmentecom o apoio do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF)22, realize a avaliação médica/interpro-fissional da criança/adolescente.

Não havendo recusa para realização da avaliação por parte do paciente (criança/adolescente)e de seus pais/responsável, a avaliação poderá ser realizada em um dos equipamentos acima men-cionados (CAPS ou ESF). Especificamente no caso dos adolescentes (12 a 18 anos), ainda que hajarecusa por parte dos pais/responsável, mesmo assim é possível que seja realizada a avaliação, reco-mendando-se, caso necessário, que a equipe faça um contato posterior com os pais/responsável.

Havendo recusa do paciente (criança/adolescente) e de seus pais/responsável em se dirigiraté o equipamento, recomenda-se que a equipe do CAPS ou ESF se dirija até a residência dacriança/adolescente e, ali, realize a avaliação médica/interprofissional. Conforme o caso, mesmoapós a realização da avaliação na residência, poderá ser necessário que ocorra a continuidadedesta avaliação nos serviços de saúde, para realização das intervenções diagnósticas necessáriasde modo adequado.

Provisória ou Excepcional – havendo resistência das equipes do CAPS e/ou da ESF, tantoem atender no respectivo equipamento, quanto em se dirigir até a residência do paciente, reco-menda-se judicializar o respectivo pedido, assegurando que referidos profissionais se disponham arealizar a avaliação, a depender da hipótese, no próprio equipamento ou na residência dacriança/adolescente.

Situação diversa mas que também pode acontecer é o fato do paciente estar diante da equipedo CAPS ou ESF (no equipamento ou em sua residência) e se recusar em se submeter, total ouparcialmente, à avaliação médica propriamente dita. Nesse caso, duas são as situações.

21 Conforme a Portaria nº 3.088/2011 do Ministério da Saúde republicada, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), em suas di-ferentes modalidades (I, II, III ou AD ou CAPS i), fazem parte do componente “Atenção Psicossocial” da Rede de Atenção Psicossocial(RAPS), e “são serviços de saúde de caráter aberto e comunitário”, sendo “constituído por equipe multiprofissional que atua sob aótica interdisciplinar e realiza prioritariamente atendimento às pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e às pessoascom sofrimento ou transtorno mental em geral, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outrasdrogas, em sua área territorial, seja em situações de crise ou nos processos de reabilitação psicossocial”. Nos CAPS, o cuidado “édesenvolvido por intermédio de Projeto Terapêutico Singular, envolvendo em sua construção a equipe, o usuário e sua família”.22 As Unidades Básicas de Saúde (UBS) ligadas à Estratégia de Saúde da Família (ESF), anteriormente denominada de Programade Saúde da Família (PSF), e os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) fazem parte do componente “Atenção Básica emSaúde” da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

As unidades da ESF apresentam as Equipes de Saúde da Família, compostas no mínimo por um médico, um enfermeiro,um auxiliar ou técnico de enfermagem e os agentes comunitários de saúde. O NASF é composto por profissionais de saúde de di-ferentes áreas, atuando no apoio matricial às Equipes de Saúde da Família.

No “apoio matricial” (ou “matriciamento”), ocorre a responsabilização compartilhada entre a equipe do NASF e as equipesde Saúde da Família no acompanhamento dos casos necessários, proporcionando o apoio especializado na construção dos projetosterapêuticos e havendo um cuidado compartilhado de modo longitudinal, pois o paciente não deixa de ser acompanhado pela equipede Saúde da Família quando estiver em acompanhamento pelo NASF, modificando assim a rotina tradicional de referência a um es-pecialista e contrarreferência.

Os CAPS (I, II, III, AD e CAPS i) também poderão autuar no apoio matricial às equipes de Saúde da Família.

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Em se tratando de adolescente (12 a 18 anos de idade), não se recomenda a realização daavaliação contra a vontade do paciente, devendo a equipe da ESF ou mesmo do CAPS construir orespectivo vínculo, com visitas periódicas, na perspectiva de convencimento da importância da ava-liação que se pretende e de disponibilização do suporte necessário23.

Já no caso da recusa da criança (0 a 11 anos de idade) em se submeter à avaliação, seuspais/responsáveis poderão autorizar a realização da intervenção. No entanto, inclusive considerandoa importância de colaboração da criança durante esta avaliação24, faz-se necessário que sejam uti-lizadas estratégias adequadas para a realização cuidadosa do exame de modo a não provocardanos emocionais e físicos, buscando-se, conforme as condições de saúde e desenvolvimento dacriança e de seu modo de compreensão e de expressão de sua vontade, promover a participaçãoda criança, a criação de vínculo, a disponibilização de explicações adequadas sobre as condiçõesde saúde e as intervenções diagnósticas e terapêuticas, assim como a obtenção doassentimento/consentimento para a realização dos procedimentos, respeitando-se, no maior graupossível, a autonomia da criança, mas considerando-se a beneficência e a não-maleficência, demodo a assegurar seu direito à saúde e à vida25.

Assim, durante a realização das avaliações e/ou tratamentos necessários, deve-se reservarpara situações excepcionais, e em que haja indicação médica, a utilização de imobilização, conten-ção física ou contenção química/medicamentosa, realizando-as, quando for o caso, de modo ade-quado e criterioso, restritas exclusivamente ao tempo necessário, e no sentido de proteção dacriança ou adolescente26.

Cabe registrar, entretanto, que mesmo nas hipóteses de submissão à avaliação médica/in-terprofissional propriamente dita, é possível que esta não seja conclusiva, ensejando o contínuoacompanhamento pela equipe da ESF ou do próprio CAPS, visando fortalecer o necessário vínculopara posteriores intervenções, e buscando-se a construção de um projeto terapêutico singular.

OBS: A depender dos desdobramentos pós avaliação médica, é importante que se registrea necessidade de participação direta dos pais/responsáveis ou mesmo de terceiros, a exemplo doConselho Tutelar, quando, inexistindo indicação de internação psiquiátrica, haja encaminhamentopara tratamento junto aos recursos extra-hospitalares.

23 Salienta-se que a avaliação médica não se restringe aos aspectos psiquiátricos, havendo necessidade de anamnese e exames fí-sicos completos, sendo que para uma adequada avaliação médica podem ser necessários mais de um encontro/sessão/consulta.24 A avaliação médica da criança inclui a anamnese, o exame físico, o exame psíquico, além de, se for necessário, a realização deexames complementares.25 Referências: MARCO, M. A. O exame físico do paciente: aspectos psicológicos. In: MARCO, M. A.; et al. Psicologia Médica: abor-dagem integral do processo saúde-doença. Porto alegre: Artmed, 2012. p. 124-127. /// ASSUMPÇÃO Jr., F. B. (Org.). Psiquiatria daInfância e da Adolescência: casos clínicos. Porto Alegre: Artmed, 2014. /// JACINTHO, A. C. A.; et al. Urgências e Emergências emPsiquiatria Infantil e de Adolescentes. In: REIS, M. C.; ZAMBON, M. P. (Eds.). Manual de Urgências e Emergências em Pediatria. 2.ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2010. p. 547-551. /// LIMA, R. C. Saúde Mental na Infância e Adolescência. In: JORGE, M. A. S.; CAR-VALHO, M. C. A.; SILVA, P. R. F. Políticas e Cuidado em Saúde Mental: contribuições para a prática profissional. Rio de Janeiro: Edi-tora Fiocruz, 2014. p. 229-254. /// RAYMUNDO, Marcia Mocellin; GOLDIM, José Roberto. Bioética em pesquisas em crianças:proteção ou precaução? Revista HCPA, v. 23, n. 3, p. 5-8, 2003. /// MUÑOZ, Daniel Romero; FORTES, Paulo Antonio Carvalho. OPrincípio da Autonomia e o Consentimento Livre e Esclarecido. In: CFM. Conselho Federal de Medicina. Iniciação à Bioética. Brasília:CFM, 1998, p. 53-70). /// RAYMUNDO, Marcia Mocellin; GOLDIM, José Roberto. Do consentimento por procuração à autorizaçãopor representação. Bioética, v. 15, n. 1, p. 83-99, 2007. /// ASSUMPÇÃO Jr., F. B. (Org.). Psiquiatria da Infância e da Adolescência:casos clínicos. Porto Alegre: Artmed, 2014.26 Referências: CARLOTTI, A. P. C. P.; et al. Particularidades da observação clínica de crianças e adolescentes. In: MARTINEZ, J.B.; et al. Semiologia Geral e Especializada. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. p. 321-373. /// JACINTHO, A. C. A.; et al. Ur-gências e Emergências em Psiquiatria Infantil e de Adolescentes. In: REIS, M. C.; ZAMBON, M. P. (Eds.). Manual de Urgências eEmergências em Pediatria. 2. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2010. p. 547-551. /// JACINTHO, A. C. A.; et al. Agitação Psicomotora eComportamento Agressivo. In: REIS, M. C.; ZAMBON, M. P. (Eds.). Manual de Urgências e Emergências em Pediatria. 2. ed. Rio deJaneiro: Revinter, 2010. p. 553-560. /// PINTO, J. P.; et al. Agressividade e Agitação Psicomotora. In: QUEVEDO, J.; CARVALHO, A. F.Emergências Psiquiátricas. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. p. 100-115. /// DIAS, T. G. C.; et al. Emergências psiquiátricas em criançase adolescentes. In: QUEVEDO, J.; CARVALHO, A. F. Emergências Psiquiátricas. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. p. 204-224.

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2º) Aplicação conjunta do ECA e do Código Civil

CRIANÇAS (0 A 11 ANOS DE IDADE)

Aplicam-se, aqui, as mesmas regras e conclusões estabelecidas anteriormente, ao tratar daprevalência do ECA, em relação às crianças, salvo no tocante a submissão à avaliação médica,que será abaixo tratada.

ADOLESCENTES (12 A 15 ANOS DE IDADE)

1 e 2 – Por ser considerado “absolutamente incapaz”, nos termos da lei civil, ainda que hajaa manifestação de vontade do paciente (adolescente de 12 a 15 anos de idade), favorável ou des-favorável, essa não será considerada, aplicando-se, dessa forma, em ambas as hipóteses, a mo-dalidade da Internação Involuntária.

Conforme se depreende da conclusão acima, o tratamento dispensado em ambos os casosse apresenta diverso daquele conferido a esse mesmo público, se houvesse tão somente a preva-lência do ECA, pois, como visto, a partir dos 12 anos de idade, o consentimento do adolescentedeve ser considerado.

3 e 4 – Nessas duas situações, diante da negativa/omissão/ausência dos pais/responsáveisdo paciente (adolescente “absolutamente incapaz” e portanto sem consideração da respectiva von-tade), a hipótese que se apresenta é a Internação Compulsória, suprimindo a atuação dos pais/res-ponsáveis.

ADOLESCENTES (16 A 18 ANOS DE IDADE)

Aplicam-se, aqui, as mesmas regras estabelecidas anteriormente ao tratar da prevalênciado ECA em relação aos adolescentes (12 a 18 anos de idade), vez que, diversamente do item an-terior, está-se diante de pessoas consideradas, pela lei civil, como “relativamente incapazes”.

DA AVALIAÇÃO MÉDICA

No tocante a submissão à avaliação médica, sob a ótica acima exposta e pelos mesmos fun-damentos, há de se fazer a seguinte distinção:

a) Nos casos de crianças (0 a 11 anos) e de adolescentes “absolutamente incapazes” (12 a15 anos), havendo recusa à avaliação, em virtude da desconsideração legal das respectivas von-tades, os pais/responsáveis poderão autorizar a intervenção médica.

1 Adolescente deseja se internar Pais/Responsáveis também Internação Voluntária

2 Adolescente NÃO deseja se internar Pais/Responsáveis desejam Internação Compulsória

3 Adolescente deseja se internar Pais/Responsáveis NÃO desejam Internação Compulsória

4 Adolescente NÃO deseja se internar Pais/Responsáveis também NÃO Internação Compulsória

1 Adolescente deseja se internar Pais/Responsáveis também Internação Involuntária

2 Adolescente NÃO deseja se internar Pais/Responsáveis desejam Internação Involuntária

3 Adolescente deseja se internar Pais/Responsáveis NÃO desejam Internação Compulsória

4 Adolescente NÃO deseja se internar Pais/Responsáveis também NÃO Internação Compulsória

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b) No caso de adolescentes “relativamente incapazes” (16 a 18 anos), havendo recusa dopaciente em se submeter à avaliação médica, aplicam-se as mesmas regras estabelecidas ante-riormente ao tratar da prevalência do ECA, inclusive, a respectiva observação.

SITUAÇÕES QUE CONFIGURAM URGÊNCIA OU EMERGÊNCIA27:

Considerando a amplitude e complexidade das situações de urgência e emergência, as con-dutas diagnósticas e terapêuticas precisarão ser estabelecidas de modo singularizado, focalizandona pessoa em suas diversas dimensões, realizando o adequado acolhimento das demandas, ana-lisando-se também os aspectos clínicos, éticos, legais e bioéticos envolvidos, além das relaçõescom a rede social, familiar e de saúde e com o sofrimento psíquico/transtorno mental, em cada si-tuação e contexto28.

Desse modo, as possibilidades de condutas terapêuticas não podem se relacionar a mode-los/vertentes manicomiais, se restringindo a premências por internações psiquiátricas, visto que assituações de urgência-emergência em saúde mental exigem uma atenção em rede, com serviçosdiversificados atuando em interação e com acessibilidade e acolhimento adequados, possibilitandoa continuidade do cuidado e a integralidade da atenção à saúde, considerando as estratégias tera-pêuticas como integradas a um projeto terapêutico singular, o que vai muito além de uma pontualindicação de internação psiquiátrica e de uma atuação focalizada exclusivamente em supressão dedeterminados sintomas29.

Assim, de acordo com as possibilidades de discernimento e de expressão de vontade e dascondições de saúde da criança e do adolescente em cada situação, faz-se necessário que recebamas informações apropriadas em relação à situação de urgência-emergência vivenciada e que sejapromovida a participação destes e/ou de seus pais/responsáveis nas escolhas e decisões sobre ascondutas diagnósticas e terapêuticas, em conformidade com o contexto singular apresentado, in-cluindo a obtenção adequada do assentimento e consentimento no caso de necessidade de inter-nação psiquiátrica30.

Nas situações de recusa em se submeter a determinados tratamentos, devem ser prestadasas explicações necessárias e promovida a criação de vínculos de confiança, atentando-se para asocorrências de necessidade de intervenção médica em que não haja tempo para tal.

E, de acordo com cada situação, deve-se buscar um equilíbrio entre a autonomia do pacientee a beneficência e não-maleficência, utilizando-se de estratégias adequadas para a realização das

27 Conforme a Resolução nº 1451/1995 do Conselho Federal de Medicina, “define-se por URGÊNCIA a ocorrência imprevista deagravo à saúde com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata”, e “define-se por EMER-GÊNCIA a constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem em risco iminente de vida ou sofrimento intenso,exigindo portanto, tratamento médico imediato”.28 Referências: CAMPOS, P. Crise, Rede e Hospitalidade: uma abordagem para a reforma psiquiátrica. In: JORGE, M. A. S.; CAR-VALHO, M. C. A.; SILVA, P. R. F (Orgs.). Políticas e Cuidado em Saúde Mental: contribuições para a prática profissional. Rio de Ja-neiro: Editora Fiocruz, 2014. p. 161-199. /// LIMA, R. C. Saúde Mental na Infância e Adolescência. In: JORGE, M. A. S.; CARVALHO,M. C. A.; SILVA, P. R. F (Orgs.). Políticas e Cuidado em Saúde Mental: contribuições para a prática profissional. Rio de Janeiro:Editora Fiocruz, 2014. p. 229-254.29 Referências: CAMPOS, P. Crise, Rede e Hospitalidade: uma abordagem para a reforma psiquiátrica. In: JORGE, M. A. S.; CARVALHO,M. C. A.; SILVA, P. R. F (Orgs.). Políticas e Cuidado em Saúde Mental: contribuições para a prática profissional. Rio de Janeiro: EditoraFiocruz, 2014. p. 161-199. /// JARDIM, K.; DIMENSTEIN, M. Risco e crise: pensando os pilares da urgência psiquiátrica. Psicologia emRevista, v. 13, n. 1, p. 169-190, 2007. /// FERIGATO, S. H.; CAMPOS, R. O.; BALLARIN, M. L. G. S. O atendimento à crise em saúdemental: ampliando conceitos. Revista de Psicologia da UNESP, v. 6, n. 1, p. 31-44, 2007 /// LIMA, M.; et al. Signos, significados e práticasde manejo da crise em Centros de Atenção Psicossocial. Interface Comunicação Saúde Educação, v. 16, n. 41, p. 423-434, 2012.30 Referências: MOTA, J. A. C.; NORTON, R. C. Aspectos éticos dos cuidados com a criança e o adolescente em situações de emer-gência. In: MELO, M. C. B.; VASCONCELLOS, M. C (Orgs.). Atenção às urgências e emergências em pediatria. Belo Horizonte: Es-cola de Saúde Pública de Minas Gerais, 2005. p. 387-392. /// LIMA, R. C. Saúde Mental na Infância e Adolescência. In: JORGE, M.A. S.; CARVALHO, M. C. A.; SILVA, P. R. F (Orgs.). Políticas e Cuidado em Saúde Mental: contribuições para a prática profissional.Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2014. p. 229-254.

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intervenções diagnósticas e terapêuticas de modo a não provocar danos emocionais e físicos, re-servando para situações de real necessidade e com indicação médica a utilização da imobilização,contenção física ou contenção química/medicamentosa, realizando-as de modo adequado e crite-rioso, e no sentido de proteção da criança ou adolescente31.

Apesar da recomendação da internação psiquiátrica compulsória em determinadas circuns-tâncias no sentido de preservação do direito da criança ou adolescente de ser ouvido e ter sua opi-nião devidamente considerada, tendo em vista que a internação compulsória e o tempo detramitação da medida judicial podem não ser compatíveis com determinadas situações de urgênciae emergência em que for indicada a internação psiquiátrica, poderá ser utilizada a internação invo-luntária com comunicação ao MP, com o intuito de proteção da criança ou adolescente e preservaçãode seu direito à saúde e à vida32.

1º PASSO:

Ideal – atendimento direto pelo SAMU, sem necessidade de intervenção do Ministério Públicoou do Poder Judiciário.

Sugere-se que seja realizada uma reunião/recomendação ao coordenador regional da uni-dade do SAMU, justamente para reforçar a imperatividade da atuação imediata dessas unidadesnos casos de urgência e emergência33, conforme determinado pelo artigo 2º, inciso I, da Portaria doMinistério da Saúde nº 1.010, de 21/05/12, sob pena, inclusive, de omissão de socorro34.

Intermediária – havendo recusa/resistência do SAMU, nada impede que o PJ requisite dire-tamente, via ofício, o respectivo atendimento, ante a emergência ou urgência do caso (artigo 2º, in-ciso I, da Portaria do Ministério da Saúde nº 1.010, de 21/05/12), sob pena, inclusive, de omissãode socorro.

31 CARLOTTI, A. P. C. P.; et al. Particularidades da observação clínica de crianças e adolescentes. In: MARTINEZ, J. B.; et al. SemiologiaGeral e Especializada. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. p. 321-373. /// MARCO, M. A. O exame físico do paciente: aspectos psi-cológicos. In: MARCO, M. A.; et al. Psicologia Médica: abordagem integral do processo saúde-doença. Porto alegre: Artmed, 2012. p. 124-127. /// ASSUMPÇÃO Jr., F. B. (Org.). Psiquiatria da Infância e da Adolescência: casos clínicos. Porto Alegre: Artmed, 2014. /// JACINTHO,A. C. A.; et al. Urgências e Emergências em Psiquiatria Infantil e de Adolescentes. In: REIS, M. C.; ZAMBON, M. P. (Eds.). Manual de Ur-gências e Emergências em Pediatria. 2. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2010. p. 547-551. /// JACINTHO, A. C. A.; et al. Agitação Psicomotorae Comportamento Agressivo. In: REIS, M. C.; ZAMBON, M. P. (Eds.). Manual de Urgências e Emergências em Pediatria. 2. ed. Rio deJaneiro: Revinter, 2010. p. 553-560. /// PINTO, J. P.; et al. Agressividade e Agitação Psicomotora. In: QUEVEDO, J.; CARVALHO, A. F. Emer-gências Psiquiátricas. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. p. 100-115. /// DIAS, T. G. C.; et al. Emergências psiquiátricas em crianças e ado-lescentes. In: QUEVEDO, J.; CARVALHO, A. F. Emergências Psiquiátricas. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. p. 204-224. /// SABBI, E. H.;JORNADA, L. K.; QUEVEDO, J. Atendimento domiciliar e remoção psiquiátrica emergencial. In: QUEVEDO, J.; CARVALHO, A. F. Emer-gências Psiquiátricas. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. p. 245-258. /// LIMA, R. C. Saúde Mental na Infância e Adolescência. In: JORGE,M. A. S.; CARVALHO, M. C. A.; SILVA, P. R. F. Políticas e Cuidado em Saúde Mental: contribuições para a prática profissional. Rio de Janeiro:Editora Fiocruz, 2014. p. 229-254. /// RAYMUNDO, Marcia Mocellin; GOLDIM, José Roberto. Bioética em pesquisas em crianças: proteçãoou precaução? Revista HCPA, v. 23, n. 3, p. 5-8, 2003. /// BOTEGA, N. J. (Org.). Prática Psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emer-gência. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012.32 No caso de necessidade de internação involuntária, os pais/responsável estão abrangidos no conceito de terceiro, podendo então responderpelo consentimento, conforme o contexto.No entanto, diante da ausência/recusa/omissão dos pais/responsável e de indicação médica de internação psiquiátrica, e da configuraçãode necessidade de intervenção premente, no sentido de proteção da criança ou adolescente, incluindo as situações de risco de morte, aequipe técnica de saúde, em que se inclui o profissional médico, poderá se constituir como terceiro para a internação involuntária.Ressalta-se que, de acordo com a Lei 10.216/2001, a internação psiquiátrica, em qualquer de suas modalidades, somente poderá ser rea-lizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os motivos para tal intervenção terapêutica (Art. 6º), sendo que “a internaçãovoluntária ou involuntária somente será autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina – CRM do Estadoonde se localize o estabelecimento” (Art. 8º).33 As situações de urgência-emergência não se referem exclusivamente aos transtornos psiquiátricos e aos transtornos mentais relacionadosao uso de drogas psicoativas. Afinal, por exemplo, os pacientes que apresentam transtorno mental relacionado ao uso de drogas psicoativaspodem apresentar situações de urgência-emergência em decorrência de agravos à saúde de naturezas diversas, incluindo os relacionadosa transtornos psiquiátricos, ao uso indevido de substâncias psicoativas, e a doenças clínicas (como agravos à saúde cardiológicos, nefroló-gicos, neurológicos, hepatológicos, etc.).34 Conforme a Resolução nº 2.057/2013 do Conselho Federal de Medicina, “nenhum estabelecimento de hospitalização ou de assistênciamédica em geral, público ou privado, poderá recusar atendimento médico sob a alegação de que o paciente seja portador de doença mental”.

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Provisória e excepcional – havendo recusa/resistência após requisição ministerial, ingressarcom ação cautelar (inominada), a fim de se obter a tutela judicial para assegurar a assistência mé-dica necessária.

O atendimento pelo SAMU, via de regra35, poderá ser realizado no próprio local de abordageme/ou com eventual condução, pela mesma unidade, até o estabelecimento de saúde com estruturapara atendimento de urgências e emergências (exs: Pronto-socorro local, UPAs 24 horas, CAIS 24horas, CAPS III36, ou o próprio hospital37), para fins de avaliação e tratamento.

2º PASSO:

Na sequência, será realizada avaliação médica do paciente a fim de verificar se é caso deinternação psiquiátrica (não necessariamente por médico psiquiatra).

E, para tanto, sugere-se que o laudo técnico circunstanciado seja elaborado em conjunto:

1) Solução Ideal: pela equipe do estabelecimento de urgência ou emergência + equipe doCAPS (I, II, III ou AD ou CAPS i);

2) Solução intermediária: pela equipe do estabelecimento de urgência ou emergência +equipe da Estratégia de Saúde da Família (ESF), eventualmente com o apoio do Núcleo de Apoioà Saúde da Família (NASF);

3) Solução provisória: somente pela equipe do estabelecimento de urgência ou emergência.

3º PASSO:

Realizada a avaliação médica, poderão surgir as seguintes situações:

1) NÃO INDICAÇÃO de Internação – nesse caso, deve-se valer de recursos extra-hospita-lares, ou seja, do tratamento junto ao CAPS (I, II, III ou AD ou CAPS i) ou mesmo às ESF/NASF38.

35 Conforme a Portaria 1.010/2012 do Ministério da Saúde, o SAMU 192 é o “componente assistencial móvel da Rede de Atençãoàs Urgências que tem como objetivo chegar precocemente à vítima após ter ocorrido um agravo à sua saúde (de natureza clínica,cirúrgica, traumática, obstétrica, pediátrica, psiquiátrica, entre outras) que possa levar a sofrimento, à sequelas ou mesmo à morte,mediante o envio de veículos tripulados por equipe capacitada, acessado pelo número "192" e acionado por uma Central de Regu-lação das Urgências”. Dentre as Unidades Móveis do SAMU, há a “Unidade de Suporte Básico (USB)” e a “Unidade de SuporteAvançado (USA)”. A USB é utilizada para atendimento pré-hospitalar de pacientes com risco mas que não tenham sido classificadospelo médico regulador do SAMU com potencial de necessitar de intervenção médica no local e/ou durante transporte até o serviçode destino, sendo tripulada por no mínimo um condutor de veículo de urgência e um técnico ou auxiliar de enfermagem. A USA éutilizada para o atendimento pré-hospitalar de alto risco, sendo tripulada por no mínimo um médico, um enfermeiro e um condutorde veículo de urgência (Portarias nº 2.048/2002, 1.600/2011 e 1.010/2012 do Ministério da Saúde).Diz-se “via de regra” porque a situação será analisada pelo médico regulador do SAMU durante o atendimento telefônico, competindoa ele a decisão sobre o encaminhamento da unidade móvel até o local ou a orientação para se dirigir a um estabelecimento de saúde.36 Conforme a Portaria nº 3.088/2011 do Ministério da Saúde republicada, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), em suas di-ferentes modalidades, fazem parte do componente “Atenção Psicossocial” da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), e “são serviçosde saúde de caráter aberto e comunitário”, sendo “constituído por equipe multiprofissional que atua sob a ótica interdisciplinar erealiza prioritariamente atendimento às pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e às pessoas com sofrimento outranstorno mental em geral, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, em sua áreaterritorial, seja em situações de crise ou nos processos de reabilitação psicossocial”. Nos CAPS, o cuidado “é desenvolvido por in-termédio de Projeto Terapêutico Singular, envolvendo em sua construção a equipe, o usuário e sua família”. A modalidade CAPS III“proporciona serviços de atenção contínua, com funcionamento vinte e quatro horas, incluindo feriados e finais de semana, ofertandoretaguarda clínica e acolhimento noturno a outros serviços de saúde mental, inclusive CAPS AD”.37 Conforme a Portaria nº 3.088/2011 do Ministério da Saúde republicada, “os pontos de Atenção de Urgência e Emergência sãoresponsáveis, em seu âmbito de atuação, pelo acolhimento, classificação de risco e cuidado nas situações de urgência e emergênciadas pessoas com sofrimento ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outrasdrogas”. De acordo com esta mesma Portaria, “os pontos de atenção da Rede de Atenção Psicossocial na Atenção de Urgência eEmergência deverão se articular com os Centros de Atenção Psicossocial, os quais realizam o acolhimento e o cuidado das pessoasem fase aguda do transtorno mental, seja ele decorrente ou não do uso de crack, álcool e outras drogas, devendo nas situaçõesque necessitem de internação ou de serviços residenciais de caráter transitório, articular e coordenar o cuidado”.38 As Unidades Básicas de Saúde (UBS) ligadas à Estratégia de Saúde da Família (ESF), anteriormente denominada de Programa

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2) INDICAÇÃO de Internação – nessa hipótese, é imprescindível que constem do laudo mé-dico os motivos da internação a ser aplicada, valendo-se da internação psiquiátrica compulsóriasomente quando a rede não promover a internação voluntária (adolescentes de 12 a 18 anos deidade) ou involuntária (crianças e adolescentes), observando-se o que foi exposto acima em rela-ção à prevalência do Estatuto da Criança e do Adolescente.

E, independentemente da modalidade de internação psiquiátrica que vier a ser aplicada –voluntária (só para adolescentes a partir dos 12 anos de idade), involuntária (crianças e adolescen-tes) ou compulsória (crianças e adolescentes) – a mesma poderá ser executada em:

→ Leitos em Hospital Geral39 40 (público ou conveniado);

→ CAPS III (atendimento 24 horas)41;

→ Clínicas Psiquiátricas42 43.

É importante registrar, ainda, que em decorrência das condições de saúde da criança/adolescente,em determinada situação, pode ser necessária a intervenção médica imediata, objetivando a sua proteção,o que, entretanto, não deve representar a desconsideração de eventual manifestação de vontade.

Em outras palavras, mesmo nas hipóteses de urgência/emergência, após a necessária e eventualintervenção médica, assim que haja condições de compreensão e manifestação de vontade, ainda quenecessário o decurso de certo tempo, faz-se necessário que a criança/adolescente seja devidamente in-formado, ouvido e tenha suas opiniões consideradas para outras eventuais abordagens terapêuticas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

1. Em que pese a distinção feita pelo Código Civil em relação aos absoluta e relativamenteincapazes, em especial no que tange aos adolescentes de 12 a 15 anos de idade, entende-se quedeve prevalecer, na íntegra, as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, por se tra-tar de lei específica, em consonância, inclusive, com as normativas internacionais.

de Saúde da Família (PSF), e os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) fazem parte do componente “Atenção Básica emSaúde” da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).As unidades da ESF apresentam as Equipes de Saúde da Família, compostas no mínimo por um médico, um enfermeiro, um auxiliarou técnico de enfermagem e os agentes comunitários de saúde. O NASF é composto por profissionais de saúde de diferentes áreas,atuando no apoio matricial às Equipes de Saúde da Família.No “apoio matricial” (ou “matriciamento”), ocorre a responsabilização compartilhada entre a equipe do NASF e as equipes de Saúde daFamília no acompanhamento dos casos necessários, proporcionando o apoio especializado na construção dos projetos terapêuticos e ha-vendo um cuidado compartilhado de modo longitudinal, pois o paciente não deixa de ser acompanhado pela equipe de Saúde da Famíliaquando estiver em acompanhamento pelo NASF, modificando assim a rotina tradicional de referência a um especialista e contrarreferência.Os CAPS (I, II, III, AD e CAPS i) também poderão autuar no apoio matricial às equipes de Saúde da Família.39 A preferência é para as internações de curta permanência, conforme o caso.40 Em consonância com a Portaria nº 3.088/2011 do Ministério da Saúde republicada, fazem parte do componente “Atenção hospitalar”da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).41 Conforme a Portaria nº 336/2002 do Ministério da Saúde, no CAPS III, “a permanência de um mesmo paciente no acolhimento no-turno fica limitada a 7 (sete) dias corridos ou 10 (dez) dias intercalados em um período de 30 (trinta) dias”. Já no CAPS AD III, con-forme a Portaria nº 130/2012 do Ministério da Saúde republicada, “a permanência de um mesmo usuário no acolhimento noturno doCAPS AD III fica limitada a 14 (catorze) dias, no período de 30 (trinta) dias”.42 Nos casos de encaminhamento para clínicas situadas em Goiânia, há a necessidade de se fazer a triagem junto ao Hospital Psi-quiátrico “Wassily Chuc”, com prévio agendamento.43 Conforme a Portaria nº 3.088/2011 do Ministério da Saúde republicada, “o hospital psiquiátrico pode ser acionado para o cuidado daspessoas com transtorno mental nas regiões de saúde enquanto o processo de implantação e expansão da Rede de Atenção Psicossocialainda não se apresenta suficiente, devendo estas regiões de saúde priorizar a expansão e qualificação dos pontos de atenção da Redede Atenção Psicossocial para dar continuidade ao processo de substituição dos leitos em hospitais psiquiátricos” (Art. 11, § 2º).

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2. A incidência da internação psiquiátrica, nos casos que envolvam crianças e adolescentes,ainda que conte com a aquiescência do paciente menor, poderá se efetivar na modalidade compul-sória, diante da necessidade de uma decisão judicial, visando, inclusive, respeitar a manifestaçãode vontade do paciente. Em outras palavras, a aplicação da internação psiquiátrica compulsórianão representa, necessariamente, para o público infantojuvenil, uma intervenção judicial con-tra a vontade desse último.

3. Com a prevalência do Estatuto da Criança e do Adolescente, às crianças se aplicam asInternações Psiquiátricas nas modalidades Involuntária e Compulsória, enquanto que para os ado-lescentes incidem as modalidades Voluntária e Compulsória, salvo quando se tratar de situaçãode urgência ou emergência, hipótese em que incidirá a modalidade Involuntária.

4. A exemplo do público adulto, nos termos da legislação e normativas pertinentes, para finsde tratamento de uma criança ou adolescente, a internação psiquiátrica somente deverá ser utilizadacom objetivo terapêutico e apenas quando as demais possibilidades terapêuticas e de recursosextra-hospitalares se apresentarem insuficientes, devendo ser realizada com a menor duração tem-poral possível, conforme indicação médica adequada (Portaria nº 2.391/02, do Ministério da Saúde).

5. Não compete ao Promotor de Justiça, nem ao Juiz, indicar o período da internação psi-quiátrica, já que esta perdurará até a alta clínica44.

6. A fim de assegurar maior efetividade ao tratamento dispensado à criança e ao adolescente,inclusive para averiguação da respectiva capacidade de discernimento/entendimento, é fundamentalque esses sejam atendidos também por uma equipe interprofissional, além, por óbvio, do próprioprofissional médico.

7. Esgotadas todas as possibilidades de solução da questão na esfera extrajudicial, sendo ne-cessário valer-se das vias judiciais, recomenda-se que seja proposta uma ação requerendo a aplicaçãodo tratamento adequado em relação à criança/adolescente, especificando, se for o caso, a incidênciada internação compulsória, com ou sem acompanhante (a depender das circunstâncias).

Recomenda-se também que seja acionado o Secretário Municipal de Saúde, por entenderque compete a ele (com o auxílio da respectiva equipe) indicar o local a se efetivar a internaçãocompulsória (conforme regulação da RAPS), bem como operacionalizá-la, providenciando desde otransporte/deslocamento até a eventualmente disponibilização de acompanhante.

Sugere-se, ainda, que, após a desinternação do paciente (criança/adolescente), seja reque-rida a continuidade do acompanhamento do caso, oficiando-se às equipes da rede de proteção ede atenção, extinguindo-se o procedimento judicial, por atingir sua finalidade.

8. Com relação à competência para processar e julgar referidas ações judiciais, é oportunodestacar a existência de posicionamento sustentando que na hipótese de pedido formulado pelospróprios pais/responsáveis ou quando se tratar de autorização judicial formulada pelo menor, emoposição aos genitores, competiria às Varas de Família a respectiva análise. Já em qualquer outrahipótese de internação psiquiátrica, que não envolva requerimento dos pais/responsáveis, segundoo mesmo entendimento, a ação deverá ser julgada pelo Juízo da Infância e Juventude.

Cabe mencionar, também, a existência de julgados45 que consideram como critério definidorda competência a existência ou não de situação de risco/vulnerabilidade da criança ou do adoles-cente, de forma que a competência seria do Juízo da Infância e Juventude somente se presente si-tuação de risco ou abandono.

Entretanto, em que pese os posicionamentos acima expostos, entende-se que por se tratarde justiça especializada, diante do disposto no inciso IV, do artigo 148, do Estatuto da Criança e

44 Nesse sentido, inclusive, expresso é o Provimento nº 04/2010, do Conselho Nacional de Justiça, em seu art. 3º, § 2º, segundo oqual: “A atuação do Poder Judiciário limitar-se-á ao encaminhamento do usuário de drogas à rede de tratamento, não lhe cabendodeterminar o tipo de tratamento, sua duração, nem condicionar o fim do processo criminal à constatação de cura ou recuperação”.45 TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0145.13.001241-5/001, Relatora: Des.(a) Hilda Teixeira da Costa, 2ª Câmara Cível, julgamentoem 25/02/2014.

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Page 21: II REUNIÃO ORDINÁRIA CONJUNTA CAOSAÚDE, … · O presente roteiro é um desdobramento das discussões da primeira reunião e foi construído ... considera-se como Criança todo

do Adolescente (ação fundada em interesse individual), a Justiça competente será sempre a daInfância e Juventude.

Outrossim, caberia o argumento de que ao fazer uso de álcool ou outras drogas, a própriacriança ou adolescente, em razão de sua conduta, se coloca em uma situação de risco, ensejandoa intervenção do juízo especializado, independentemente da incidência do inciso II, do artigo 98,do ECA.

No entanto, especialmente diante de possíveis dificuldades práticas na averiguação da existênciade situação de risco/vulnerabilidade por quaisquer das hipóteses previstas no artigo 98, do Estatuto daCriança e do Adolescente, entende-se que este é apenas um complemento a justificar a competência daJustiça especializada.

Da mesma forma e por idênticas razões – justiça especializada e provável situação de risco– entende-se que ainda que o Poder Público (a exemplo do Secretário Municipal de Saúde) figureno polo passivo de eventual ação judicial, a competência continua sendo a do Juízo da Infância eJuventude e não da Vara de Fazendas Públicas.

Nesse sentido, inclusive, já decidiram o Superior Tribunal de Justiça46 e outros Tribunais, aexemplo dos Estados do Rio Grande do Sul47 e de Minas Gerais48, em casos semelhantes (dispensado tratamento adequado, com o fornecimento de medicamentos necessários), cujos fundamentos,dentre eles, o fato de tratar-se de proteção de interesse individual afeto à criança e adolescente (art.148, IV, do ECA), sem sombra de dúvida, podem ser invocados, por analogia, à presente situação.

Por fim, em relação a outros aspectos processuais, envolvendo as ações de internação com-pulsória, recomenda-se a leitura de tópico específico, constante do Roteiro 3.

46 Processual Civil. Competência. Vara da Infância e Juventude - EDcl no Agravo Em Recurso Especial nº 24.798 - SP (2011/0090442-6).47 Conflito de Competência – 22ª Câmara Cível – nº 70059008201 (nº CNJ 0093383-37.2014.8.21.7000) – Comarca de Pelotas.48 Reexame Necessário e Apelação Cível – 5ª Câmara Cível – nº 1.0024.12.129154-6/001 (1291546) – Comarca de Belo Horizonte.

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