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Ernesto Bozzano Fenômenos de Bilocação (Desdobramento) Título do original italiano: Dei fenomeni di bilocazione

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  • Ernesto Bozzano

    Fenmenos de Bilocao

    (Desdobramento)

    Ttulo do original italiano:

    Dei fenomeni di bilocazione

  • Contedo resumido

    O termo bilocao utilizado para denominar o fenmeno supranormal em que um mesmo indivduo aparece simultanea-

    mente em dois lugares distintos. Na realidade, o que ocorre nesse

    fenmeno a separao temporria, nos seres encarnados, entre o esprito e o seu corpo fsico.

    Nesta obra Ernesto Bozzano expe, classifica e comenta os vrios tipos de fenmenos de bilocao. O autor demonstra que o

    ser humano possui um corpo etreo que pode, em certas circuns-

    tncias, afastar-se do corpo fsico e retornar aps realizar alguma tarefa ou apenas ter feito um pequeno passeio.

    O autor procura demonstrar que o fenmeno de bilocao um dos mais propcios a evidenciar a independncia da alma em

    relao ao corpo fsico. Provado que o Esprito no est definiti-

    vamente preso ao organismo, fcil compreender que esse esprito possa, no final da vida, desligar-se para sempre do seu

    envoltrio carnal, para continuar a viver fora dele, nessa fase

    intrmina da existncia, a que chamamos morte, mas que, na verdade, simplesmente a continuao da vida e da evoluo

    infinitas.

  • Sumrio

    Algumas palavras .......................................................................... 4

    Introduo ................................................................................... 10

    Primeira categoria Das sensaes de integridade nos amputados e das impresses de desdobramento nos hemiplgicos .......... 13

    Segunda categoria Casos em que o sujet percebe seu prprio duplo,

    conservando plena conscincia (autoscopia) .................... 26

    Terceira categoria Casos em que a conscincia pessoal se acha transferida para o fantasma ................................................................. 35

    Quarta categoria Casos em que o fantasma desdobrado s percebido

    por terceiros ...................................................................... 78

    Concluses ................................................................................ 144

  • Algumas palavras

    Em tempos idos, jovem ainda, com encargos nas revistas es-pritas, julguei que essas revistas deviam transmitir aos seus

    leitores o que se passava pelo mundo com referncia aos fatos

    espritas. Era preciso que estivssemos a par de todo o movimen-to que dizia respeito doutrina que perfilhamos e aceitamos,

    diante da imponncia de suas provas.

    Era necessrio, porm, mostrar que essas provas existiam, dar uma idia do que o Espiritismo, visto como a grande maioria

    de nossos peridicos deixavam de tomar conhecimento das duas partes componentes do grandioso edifcio, para ocupar-se quase

    exclusivamente da terceira, embrenhando-se nos textos escritu-

    rsticos; uns procuravam coment-los de maneira a aproxim-los das lies dos Espritos, outros procuravam ajeit-los de qual-

    quer modo, dentro dessas lies, quando eles muito se afastavam

    delas.

    Por maneira que, como ainda hoje vemos, a doutrina esprita

    dir-se-ia simplesmente, um ramo do Cristianismo, a par das Igrejas Catlica e Protestante, ficando merc da exegese pesso-

    al, produto de opinies e fantasias, onde os elementos de prova, que convencem, e os de filosofia, que esclarecem, iam sendo

    postos margem.

    Nada havia que admirar, pois que viemos todos de um passa-do em que essas religies dominavam e deveramos ter sido seus

    apaixonados proslitos.

    Foi nessa ocasio que encontrei prestimoso rapaz, estudioso e

    ainda estudante, na flor de uma operosa juventude, hbil, conhe-cedor de vrios idiomas, de cativante simplicidade e extraordin-

    ria simpatia, com idias muito lcidas, liberto de quaisquer

    fanatismos, e rodeado de revistas estrangeiras, o que me deixou estarrecido. Na ocasio fazia tradues para um de nossos peri-

    dicos. Esse moo era Francisco Klrs Werneck.

    Pouco conhecido, apesar de sua grande atividade e do que tem feito pela doutrina, justo que digamos alguma coisa a seu

    respeito.

  • Fluminense, nascido em Icara, na cidade de Niteri, a com-pletou todos os seus estudos, formando-se em Direito. Ingressou

    no Espiritismo em 1929, com 25 anos de idade. Foi por essa poca que eu o trouxe para o Reformador, e nessa revista ele fez

    a crnica estrangeira at 1934, sendo muito apreciado e estimado

    pelo ento diretor do citado peridico e da Federao Esprita Brasileira, o Dr. Lus Olmpio Guillon Ribeiro.

    Mudando-se para o Rio de Janeiro, depois Estado da Guana-bara, foi convidado pelo Comandante Joo Torres para secretari-

    ar a Revista Esprita do Brasil, de que tambm foi diretor pelo

    licenciamento do Comandante Torres.

    Pertenceu s diretorias da Liga Esprita do Brasil, da Confe-

    derao Esprita Pan-Americana, quando sediada no Rio de Janeiro, e faz parte atualmente da Sociedade de Medicina e

    Espiritismo do Rio de Janeiro.

    Foi membro da Comisso Organizadora do I Congresso Bra-sileiro de Jornalistas e Escritores Espritas, da do II Congresso da

    Confederao Esprita Pan-Americana, ambos realizados no Rio de Janeiro, da I Exposio Estadual de Jornais, Revistas e Obras

    Espritas, em Porto Alegre.

    Atualmente pertence Ordem dos Advogados do Brasil, se-o da Guanabara, conselheiro do Instituto Genealgico Brasi-

    leiro, sediado em So Paulo, correspondente da Seo de Hist-ria da Associao dos Arquelogos Portugueses, com sede em

    Lisboa, e Benemrito do C. E. Paz, Amor e Caridade, de So

    Paulo.

    autor de vrios trabalhos, entre os quais podemos destacar

    as Crnicas Espritas, a Histria e Genealogia Fluminense, e de tradues em alemo, italiano, ingls e francs de obras como

    as de Ernesto Bozzano, Oliver Lodge, Paulo Bodier, Jos

    lHomme, Louis Jacolliot, Haraldur Nielsson, para s falar nas principais.

    Eis o nosso apresentado, com os pouqussimos dados que consegui apanhar.

    Como se v, durante muito tempo, o jovem Werneck prestou desinteressadamente os seus servios Federao Esprita Brasi-

  • leira, como veio prestar a vrias entidades e vrias revistas,

    sempre sem qualquer idia de recompensa.

    Creio que, por sentimento de amizade, selada pelo tempo, que ele se lembrou de pedir-me este prefcio, para uma das mais

    importantes obras de Ernesto Bozzano, direi mesmo, uma das mais teis, seno a mais proveitosa que o inesquecvel e saudoso

    filsofo legou posteridade.

    O fenmeno de bilocao um dos mais prestantes em mat-ria psquica, porque evidencia a independncia da alma em

    relao ao corpo. Provado que o Esprito no est servilmente preso ao organismo, que no um simples escravo das funes

    orgnicas, que tem seus momentos de fuga, desprendendo-se ou

    libertando-se, ainda que momentaneamente, das amarras fsicas, fcil compreender que esse esprito possa, no final da vida,

    desligar-se para sempre do seu envoltrio carnal, para continuar

    a viver fora dele, nessa fase intrmina da existncia, fase a que chamamos morte.

    Da importncia do fenmeno, dizamos h pouco ao Profes-sor Henrique Rodrigues, quando ele, como diretor de um pro-

    grama de televiso, interrogava uma jovem que se apresentara ao

    mesmo programa, voluntariamente. Narrava ela, sem achar explicao para o fato, o que lhe sucedia, isto , o sentir-se fora

    do corpo, o de flutuar acima dele, vendo-o afastado, inerte, como

    se estivesse morto, no leito em que se achava.

    No um caso inslito, antes um fato ameudado, com as

    mesmas caractersticas, que se reproduz em pessoas de religies diversas, sem nenhum conhecimento de psiquismo. Essa unifor-

    midade, como acentua Bozzano, de grande valor terico e

    prtico, a demonstrao da regularidade e autenticidade do fenmeno, que se apresenta, provando patentemente a dualidade

    corpo e esprito, e ainda mais, de que no se trata de duas partes

    indissoluvelmente ligadas, perecendo uma quando a outra pere-ce.

    Se pouco se conhece do fenmeno, se no o vemos constan-temente divulgado, pelo receio que tm os pacientes de passar

    por desequilibrados. Disso fui especialmente testemunha, quando

  • durante dez anos lidei com pessoas que procuravam o tratamento

    espiritual para as suas enfermidades de ordem mental, para esses

    desequilbrios que tm levado tanta gente aos sanatrios, porque a causa da molstia ou do fenmeno ainda no foi percebida pela

    Academia.

    Tive ocasio de ouvir a descrio de casos semelhantes ao da moa televisionada. Os doentes, que como tal se supunham,

    contavam os seus casos muito em segredo, confiantes em minha discrio, porque at da famlia escondiam o que com eles se

    passava. Temiam ser tidos por malucos, receavam as medidas

    paternas ou de seus familiares, mas o caso que se viam separa-dos do corpo, eles num ponto, o corpo noutro; s vezes supu-

    nham-se mortos, o que lhes causava indescritvel terror. Eu lhes

    explicava ento o fenmeno, mostrava-lhes a naturalidade do fato, convencia-os de que no havia por que temer.

    s vezes, os passes medinicos, as preces, o desenvolvimento do mediunismo por parte do sensitivo, ou o autodomnio, pu-

    nham termo ao fenmeno. E quando ele no se extinguia, a nossa

    exposio do que se tratava era bastante para acalmar a pessoa; ela encarava o desprendimento com serenidade e em vez de

    impedi-lo, procurava examin-lo com curiosidade. Em geral, tais

    fatos no so renitentes. Tendem a esvanecer com o tempo, com a fora de vontade do paciente, com o seu desejo para que ele

    no se reproduza e at com o revigoramento do corpo, revigora-

    mento esse que contribui para melhorar a situao dos desequili-brados.

    H poucos dias, ainda, tivemos a visita de uma jovem, cujo nome no apresentamos, apesar de sua autorizao, por no saber

    se isso agradaria famlia, mas temos aqui os dados disposio

    do estudioso ou do duvidoso que os quiser examinar.

    a senhorita E. B. A., moradora nesta cidade de Niteri, on-

    de eu moro e onde nasceu Werneck; sua residncia fica rua Marqus de Olinda. Tem ela 27 anos de idade. Possua grande

    desequilbrio nervoso, que a Medicina chama neurose de angs-tia. Fora submetida ao processo teraputico dos choques e nessas

    ocasies via-se subitamente fora do organismo; no mais sentia

    qualquer abalo fsico ou mental e percebia o corpo imvel,

  • estendido no leito, como se estivesse desacordada. Percebia as

    pessoas que lhe estavam perto e o que se fazia ao redor. Ficava

    excessivamente surpresa e tomava o corpo cheia de temores.

    Como no conhecia o fenmeno, narrava-o muito admirada e

    tomava-o como conseqncia de sua doena. Tive que explicar-lhe no haver propriamente uma relao entre o fenmeno e a

    doena, seno o desprendimento de seu esprito, devido talvez

    aos choques. Expliquei-lhe ainda que existiam vrios casos dessa natureza, sem que os pacientes sofressem de abalos nervosos.

    Ela possuiria apenas o dom de abandonar a casca, isto , de

    afastar-se do corpo fsico, e ao contrrio de outros e outras, percebia o fenmeno e recordava-o.

    Lembro-me ainda que, na minha infncia, ouvia o Professor Amaro Barreto, um genial pianista, contar, admirado, que depois

    de certa doena, ou durante a mesma, via-se no espao a con-

    templar o que se passava no quarto, e o mais interessante que notava achar-se ele tambm na cama. Eram dois Amaros,

    explicava ele a meu pai, que era mdico, isto rindo-se muito do

    jocoso incidente. No me recordo das explicaes que meu pai apresentou, que no poderiam diferir muito das conhecidas

    alucinaes.

    Deixei de registrar os casos semelhantes, observados na FEB, porque era princpio naquela instituio no tomarmos anota-

    es, visto que, diziam os dirigentes, no s no nos compete esse registro de casos particulares, como porque no temos aqui

    fins de estudo, seno simplesmente o da caridade, alm do que o

    interesse da observao e da pesquisa poder desvirtuar nosso verdadeiro alvo.

    No concordei l muito com a prescrio, mas, disciplinado, submeti-me e assim perdeu-se um substancioso manancial ou um

    grande acervo de provas.

    uma srie de fenmenos dessa natureza que Ernesto Bozza-no relata em sua monografia, estudando o assunto ab ovo e encarando-o pelas diversas fases em que ele se apresenta.

    Bozzano parte da idia de integridade nos amputados, que tm a sensao perfeita da existncia da parte do corpo que lhes

  • foi retirada; a dos hemiplgicos, que percebem no lado paralisa-

    do a seo correspondente do duplo, isto , do corpo etreo ou

    perisprito, com a integridade sensorial subtrada; o desdobra-mento autoscpico em que o indivduo v o segundo eu, que o

    seu duplo, o seu fantasma. Essa viso pode estar no corpo, e dele

    v-se o fantasma, ou estar no fantasma, o duplo, e dele v-se o corpo.

    H casos mais amplos em que o indivduo se transporta a grandes distncias e finalmente o desprendimento do leito mor-

    turio, onde o Esprito vai deixando lentamente o corpo at o seu

    completo desenlace, que a inteira liberdade pela morte.

    Tais fenmenos se realizam em momentos de crise fsica e

    podem acontecer no sono comum, na hipnose, na sncope, na letargia, nas intoxicaes e at no coma.

    Tal o vigoroso estudo que Francisco Klrs Werneck tradu-ziu, aumentando destarte a sua j extensa bagagem literria.

    um inestimvel servio prestado Causa, visto que os livros de

    Bozzano so pouco conhecidos, dificilmente encontrados em nossas livrarias, estando j esgotadas as obras originais. Acresce

    que a importao do livro estrangeiro hoje problema de difcil

    soluo, pois que atinge a propores astronmicas o seu preo.

    Em suma, o trabalho do companheiro e velho amigo, sem ne-

    nhuma lisonja, vem faz-lo subir mais um degrau na longa escada da espiritualidade.

    Niteri, 10/01/1969.

    Carlos Imbassahy

  • Introduo

    Os fenmenos de bilocao tm uma importncia decisiva pa-ra a demonstrao experimental da existncia e da sobrevivncia

    do esprito humano. E isto porque provam que existe no corpo

    somtico um corpo etreo que, em raras circunstncias de minorao vital sono ordinrio, hipntico, medinico, xtase,

    desmaio, efeitos narcticos, coma capaz de se afastar tempo-

    rariamente do corpo somtico durante a existncia terrestre. Da a concluso lgica de que, se o corpo etreo ou perispri-

    to capaz de se afastar temporariamente do corpo somtico,

    levando consigo, freqentemente, a conscincia individual, a memria integral e as suas propriedades sensoriais, dever-se-ia

    reconhecer ento que, quando dele se separa, definitivamente,

    pelo processo da morte, o esprito individual (exatamente: indi-vidualizado) continuar a existir em condies de ambiente

    apropriado, o que equivale a admitir que a existncia de um

    corpo etreo em um corpo somtico e, conseqentemente, de um corpo etreo, demonstra que a sede da conscincia e da

    inteligncia o corpo etreo, o qual constitui o invlucro

    supremo, imaterial, do esprito desencarnado.

    De vinte anos para c, muitos metapsiquistas bem conhecidos se ocuparam, de modo especial, dos fenmenos de bilocao,

    consagrando monografias e volumes a esta importante questo.

    Recordo apenas trs obras notveis publicadas na Frana: uma devida a Gabriel Delanne, outra a Henri Durville e a terceira ao

    Coronel de Rochas. Na Itlia, o Prof. Lombroso lhe dedicou um

    captulo em seu livro; na Alemanha o Dr. E. Mattiesen lhe consagrou recentemente longa monografia na qual tratou do

    rduo problema de modo magistral.

    De minha parte, j em 1910 publiquei longa monografia inti-tulada Consideraes e hipteses sobre os fenmenos de biloca-

    o (Luce e Ombra, 1911), mas os fatos desta natureza depois continuaram a se avolumar em to grande nmero que hoje

    encontro minha disposio importante material bruto capaz de

    levar a concluses de ordem geral, precisas e seguras, extradas

  • do valor cumulativo dos referidos documentos. Segue-se que, se,

    em minha primeira monografia, eu conclu declarando, pruden-

    temente, que as provas cumulativas dos fatos por mim relatados ainda no pareciam suficientes para lhes conferir valor cientfico,

    hoje, pelo contrrio, diante da imponente quantidade de novos

    casos recolhidos e classificados, considero chegado o momento de me pronunciar sobre o problema de modo explcito e afirma-

    tivo.

    Assim sendo, volto a desenvolver o mesmo tema, retocando completamente a minha primeira monografia, duplicando-lhe o

    volume. Terei, todavia, o cuidado de citar pouco dos fatos extra-dos das obras supracitadas e isto porque a documentao que

    ajuntei to copiosa que serei forado a utilizar-me de pequena

    parte dos casos j narrados. Parece-me, pois, acertado renunciar a fatos j levados ao conhecimento pblico, por mais interessan-

    tes e demonstrativos que sejam para a teoria que sustento. Por

    outro lado, proponho-me adotar um plano esquemtico prprio, a fim de evitar o risco de cair no encadeamento de idias que me

    podem impedir de formular, com clareza, o resultado de minhas

    investigaes pessoais.

    Indico, assim, a todos os que tenham a inteno de aprofun-

    dar depois o assunto, as obras de Delanne, de Rochas e Lombro-so.

    Do ponto de vista do plano esquemtico da presente classifi-cao, observo que os fenmenos de bilocao (termo usado

    pelos telogos e que sintetiza as manifestaes multiformes ditas

    de desdobramento fludico, correspondente s outras expres-ses de corpo etreo, corpo astral, perisprito) podem

    subdividir-se em quatro categorias, apresentando uma importn-

    cia terica diversa:

    na primeira inscrevem-se os casos de sensao de integri-dade nos amputados e de desdobramento nos hemiplgi-

    cos, casos teoricamente muito mais importantes do que ge-

    ralmente se supe;

    na segunda categoria enquadram-se os casos em que o sujet percebe o seu prprio fantasma, mas conservando sua plena

    conscincia;

  • na terceira, os casos em que a conscincia se acha transferi-da ao fantasma exteriorizado;

    enfim, na ltima, os casos em que o duplo de um vivo ou de um morto s percebido por terceiros.

    Do ponto de vista psicolgico, convm notar que os fenme-nos de bilocao apresentam esta caracterstica altamente sugestiva de sua perfeita uniformidade substancial de exteriori-

    zao a despeito das modalidades diversas e numerosas que

    assumem segundo as circunstncias, uniformidade substancial que persiste, invarivel, em todos os tempos, em todos os luga-

    res, em todas as raas (inclusive os povos selvagens), de modo a

    tornar-se como o centro de convergncia da demonstrao de sua existncia positivamente objetiva. Ainda se pode observar que

    eles so to numerosos que no bastaria um grande volume para

    conter todos os fenmenos que colecionei. Em parte isto provm do fato ele mesmo altamente sugestivo de que, de um lado, o

    seu campo se estende at formar o substrato necessrio de quase

    toda a fenomenologia medinica de efeitos fsicos, inclusive os fenmenos de materializao (pelos quais a existncia dos fatos

    deveria ser reconhecida tambm pelos adversrios da hiptese

    esprita) e que, de outro lado, eles vo at se infiltrarem, em grande nmero, nos casos at aqui considerados como de origem

    teleptica.

    No desenvolvimento da presente classificao, limitar-me-ei a expor um nmero suficiente de casos tpicos que analisarei e

    comentarei resumidamente, reservando-me para formular consi-deraes de ordem geral no captulo das concluses.

  • Primeira categoria

    Das sensaes de integridade nos amputados

    e das impresses de desdobramento nos hemiplgicos

    A significao do fenmeno denominado de sensao de in-tegridade nos amputados exprime-se claramente pelas prprias

    palavras. Com efeito, consiste no fato curioso, h muito bem

    conhecido dos fisiologistas, de que certo nmero de amputados de um brao ou de uma perna afirmam, grandemente surpresos,

    experimentar a sensao precisa de ainda possurem o membro

    que lhes falta e mesmo acrescentam que ainda podem mov-lo vontade. O que espanta os mutilados, tanto quanto os que os

    escutam, o fato de estarem eles em condies de provar expe-

    rimentalmente que tm conscincia do contato de um corpo estranho introduzido, sem o saberem, na poro do espao em

    que deveria mover o membro cortado. E no s isso, mas afir-

    mam ainda que, se algum introduzir uma pequena chama em tal ponto, sentem a dor aguda da queimadura. Enfim, quase todos

    esto acordes em assegurar que, medida que os dias se passam,

    assistem ao encolhimento, lento e gradual, de seus membros fludicos, at o dia em que so completamente reabsorvidos e

    integrados no corpo.

    H a notar tambm que certos invlidos, em conseqncia de ataque hemiplgico, asseguram, por sua vez, experimentar

    sensaes anlogas, ainda que em relao com a natureza diversa de sua enfermidade, que a paralisia duma metade do corpo.

    Ver-se- mais adiante quo racionais so as suas impresses de

    desdobramento incipiente, do ponto de vista que nos ocupa.

    Os curiosos fenmenos em apreo jamais foram causa de

    perplexidade terica para os fisiologistas, pois so susceptveis de serem interpretados de modo plausvel com indues legti-

    mas de ordem psicofisiolgica. E j se compreende que se no

    existissem as atuais investigaes metapsquicas sobre os fen-menos de exteriorizao da sensibilidade, indo at concretizar

    um fantasma dico desdobrado, ningum teria pensado, por um s momento, em por em dvida as concluses dos fisiologis-

  • tas sobre as causas que determinam as sensaes subjetivas que

    experimentam os amputados e hemiplgicos. Mas, incontesta-

    velmente, a questo muda de aspecto com o advento de novas pesquisas, em virtude das quais somos levados a considerar, de

    outro ponto de vista, as impresses em causa, que se mostram

    anlogas s que so estudadas no grupo dos fenmenos de bilo-cao e logicamente foram a renunciar s hipteses dos fisio-

    logistas que reconhecem, nas sensaes de integridade dos

    amputados e nas de desdobramentos dos hemiplgicos, casos iniciais ou principiantes de manifestaes pertencentes ao grupo

    dos fenmenos de bilocao, manifestaes que, por sua

    natureza rudimentar, concorrem admiravelmente para provar, de um ponto de vista inesperado e sugestivo, a realidade da existn-

    cia de um corpo etreo no corpo somtico.

    A Dra. Pelletier, resumindo os resultados aos quais chegaram Bernstein, Pitres e Weir Mitchell em seus inquritos sobre as

    sensaes de integridade nos amputados, assim se exprime:

    As iluses dos amputados so um fato normal; com efei-

    to, para Riset, que fez suas investigaes entre soldados do

    1 Imprio, de 450 amputados somente 14 no apresentaram

    o fenmeno do membro fantasma; para Pitres, a iluso so-mente faltava uma vez em 30 casos... Quase sempre a iluso

    sobrevinha logo aps a operao, todavia, algumas vezes vi-

    nha mais tarde, mas sempre em tempo bastante prximo. Num caso citado por Pitres, ela apareceu no terceiro dia e,

    em um outro, depois de seis semanas.

    Mas em que consiste precisamente esse membro fantas-ma? Algumas vezes o membro sentido totalmente: o en-

    fermo o percebe com a forma, o volume, a temperatura, a posio e a mobilidade que efetivamente possua, mas bem

    freqentemente a percepo era muito menos ntida. Em cer-

    tos casos, somente sentiam as extremidades dos dedos, sen-do o resto do membro de suave impresso. Por vezes tam-

    bm a percepo era ntida; somente o membro era sentido como menor ou maior ao que havia sido. Um paciente de Pi-

    tres, amputado de uma mo, afirmava que sua mo fantasma

    era menor, tal como a de uma criana de doze anos; outro

  • sentia a mo contrada, mais redonda do que a outra. Em ou-

    tro caso do mesmo autor, a mo fantasma era, ao contrrio,

    sentida como mais grossa do que a outra, mas sobre o que todos os enfermos se mostravam unnimes era a realidade

    das sensaes que experimentavam. Eu s digo a verdade,

    diz um paciente do Dr. Weir Mitchell, afirmando que estou mais certo do membro que perdi do que daquele que conser-

    vei. preciso que eu aplique o raciocnio dizia outro ,

    para que me convena da irrealidade da sensao que expe-rimento.

    A observao publicada, h sete anos, por Marie e Vigou-roux, nos descrever a intensidade de tais sensaes, de mo-

    do surpreendente. Trata-se de uma enferma da qual foi pre-

    ciso amputar uma das coxas. Ela se sentia fatigada, contun-dida, mas no tinha nenhuma conscincia da mudana que

    lhe sobreviera. Foi somente no dia seguinte que, compare-

    cendo sua me, lhe informou esta que, em sua queda, fra-turara a perna e preciso lhe fora amputar a coxa. Ela se lem-

    bra de que o anncio dessa triste notcia foi para ela mais

    surpresa do que emoo, porque completa era a iluso de es-tar perfeita a sua perna. Quando, alguns dias aps, a levanta-

    ram para conduzi-la a Sainte-Anne, no se recordava da mu-

    tilao e rolou por terra, ao querer levantar-se sozinha do seu leito. Depois de dezoito meses ainda lhe ocorriam momentos

    de distrao: caa, querendo andar sem o aparelho.

    Certos doentes podem mover, em imaginao, o seu membro fantasma; outros, ao contrrio, no o conseguem... Por vezes a sensao do membro fantasma perdura por longos anos, mas em

    muitos casos pde-se verificar o seu desaparecimento. Esse

    desaparecimento faz-se, em alguns, repentinamente; em outros, ao contrrio, produz-se progressivamente: pouco a pouco, o

    membro ilusrio diminui de volume ao mesmo tempo em que se

    aproxima do coto e, por fim, parece ao paciente que seu membro desapareceu na cicatriz como uma sombra que entra no corpo,

    segundo a expresso de Weir Mitchell. (Dra. Pelletier, em Bulle-

    tin de lInstitut Gnral Psychologique, 1905, pg. 280).

  • O Prof. William James tambm publicou longa memria so-bre a questo (Proceedings of the American S. P. R., 1885-1889,

    pg. 249), em resultado de um inqurito por ele mesmo feito, mandando circulares a grande nmero de amputados cujos

    endereos obteve por intermdio dos vendedores de membros

    artificiais. Conseguiu, assim, estabelecer relaes epistolares, e muitas vezes pessoais, com amputados.

    As dedues que tira dos fatos concordam com o que se afir-ma no artigo da Dra. Pelletier, todavia ele acrescenta que, se as

    concluses da anlise comparada lhe fornecessem indicaes

    teis e interessantes para as futuras investigaes, nada, ou quase nada, sairia de definitivo, do ponto de vista das causas. Isto dito,

    continua nestes termos:

    Com relao freqncia das sensaes de integridade,

    observo que, na ocasio do meu inqurito, tais sensaes a-inda eram experimentadas por quase 3/4 dos pacientes inter-

    rogados. Os que as sentiram eram em maior nmero, mas, na

    poca em que responderam ao meu questionrio, haviam deixado de experiment-las. Em alguns casos, a sensao

    de integridade cessara quase logo; em outros, uma ou duas

    horas aps a amputao; porm, em muitos mutilados havia perdurado semanas, meses ou anos. O caso mximo de dura-

    o foi o de certo homem amputado em uma das coxas aos

    13 anos e que aos 70 ainda sentia seu p, e isso to realmen-te quanto o outro. As mos e os ps so os nicos nitidamen-

    te sentidos, o que quer dizer que a sensao da parte inter-

    mediria do membro parece ter desaparecido. Assim, por exemplo, um homem amputado de um brao me dizia sentir

    sua prpria mo sair diretamente do seu ombro. Essa sensa-

    o de encurtamento no , todavia, geral. Muitos pacientes relatam incidentes que lhes ocorrem por querer andar muito

    depressa, acreditando ainda possuir as suas pernas, ou por

    terem saltado de um bonde em conseqncia da mesma ilu-so. Outros acrescentam que por vezes, automaticamente,

    levaram a mo para esfregar o p faltante, que lhes causava comicho. Um deles me escreveu ter maquinalmente apa-

    nhado a tesoura para cortar as unhas do p ausente, to viva

  • era a sensao especial experimentada. Uma houve que me

    escreveu sentir constantemente a ao do vesicatrio que lhe

    fora aplicado no calcanhar, no momento da interveno ci-rrgica, e outro me informou ressentir ainda o prurido e a

    inchao das frieiras de que sofria quando lhe foi amputado

    o brao.

    Tambm so freqentemente ressentidas nos membros au-

    sentes as mudanas aparentes de temperatura. Assim, por exemplo, se o coto se esfria ou se esquenta, numerosos muti-

    lados experimentam a sensao de frio ou de calor no p i-

    nexistente. Passando uma corrente de ar frio sobre o coto, provoca-se a mesma sensao fria no p cortado. E por ve-

    zes o p que falta combina com o p restante no sentido de

    tambm sofrer o primeiro quando o segundo vem a sentir frio. Um amputado me escreve que, se lhe acontece atraves-

    sar uma poa dgua e molhar o p restante, com o p que

    falta igualmente sente o contato da gua.

    O Prof. William James cita em seguida um extrato de um li-vro do fisiologista alemo Valentin, segundo o qual se pode

    admitir que as sensaes de integridade tambm existem nos

    casos de deformao congnita de membros, como por exemplo:

    Certa mocinha de 15 anos e um homem de 40, os quais

    s tinham uma mo normal, sendo que a outra apresentava,

    em lugar de dedos, ligeiras proeminncias carnudas, sem os-

    sos, nem msculos, tinham a sensao precisa de dobrar os dedos inexistentes todas as vezes que dobravam o coto in-

    forme. Paralelamente, pessoas nascidas com um brao mais

    curto do que o outro asseguravam que, a julgar pelas sensa-es experimentadas, o comprimento do membro atrofiado

    no lhe parecia mais curto do que o outro. Um aleijado, ao

    qual faltava quase todo o antebrao, de sorte que a mo atro-fiada parecia ligar-se diretamente ao cotovelo, tinha a sensa-

    o de possuir um brao normal, cujo comprimento em nada

    era inferior ao outro brao.

    No que se refere s interpretaes tericas dos fatos, William James nada mais faz que desenvolver, com maior amplitude

  • analtica, as teses de seus predecessores: Bernstein, Pitres e Weir

    Mitchell. De resto, nada mais se poderia dizer sobre o assunto,

    visto que somente examinando o tema luz reveladora das pesquisas psquicas que se pode entrever novas interpretaes.

    Assim sendo e em homenagem ao desejo de ser breve e de no repetir as longas argumentaes analticas do Prof. James,

    limitar-me-ei a citar um trecho muito claro de Bernstein, no qual

    est proposta a mesma hiptese psicofisiolgica formulada pelo primeiro. Escreve ele:

    No coto do membro amputado, encontram-se troncos

    nervosos, cortados, que fornecem filetes sensveis a todo o

    membro. Ora, na cicatriz curada, existem, freqentemente, causas de irritao para os troncos nervosos e, como essa

    excitao nervosa projetada ao crebro, ela produz certa

    sensao e, ao mesmo tempo, desperta, pelo hbito, por as-sim dizer, a imagem da parte do corpo onde se terminavam

    naturalmente. Ento, o crebro leva, pelo hbito adquirido,

    essa sensao ao membro do corpo onde partem os nervos excitados, mesmo quando j no existe o membro.

    Repito que esta explicao parece satisfatria e legtima, to-davia se considerarmos os casos em questo, do ponto de vista

    das novas investigaes sobre os fenmenos de exteriorizao da sensibilidade, no podemos deixar de sentir-nos perplexos,

    verificando, de uma parte, tal particularidade inconcilivel com a

    hiptese perifrica e, de outra parte, os fatos tendentes a provar a existncia real do membro fantasma nos amputados.

    Assim, a respeito da hiptese perifrica, no podemos deixar de refletir que, se na cicatriz curada existem, de ordinrio, causas

    de irritao para os troncos nervosos, no ficou dito que essas

    causas existem em permanncia.

    Vimos, alm disso, que bem freqentemente o mutilado expe-

    rimenta sensaes dificilmente redutveis hiptese mencionada, mas, ao contrrio, explicvel com a da existncia real do mem-

    bro fantasma. Tal seria, por exemplo, a sensao da integrida-

    de de um amputado que, ao atravessar uma poa dgua e molhar o p que lhe resta, sente tambm o contato da gua com o

  • p faltante, caso em todos os pontos anlogo ao que cita o Dr.

    Pitres, de um amputado que ressente impresso de frio no mem-

    bro fantasma sempre que a extremidade de sua perna de pau mergulhava ngua (Dr. Pelletier, ob. cit., pg. 284). Torna-se

    claro que no se poderia invocar as irritaes perifricas, visto

    que os cotos de ambos os mutilados no entravam em contato com a gua, mas s a perna de pau.

    Sobre o assunto, mais sugestivos ainda so os casos prece-dentemente citados e estudados pelo Prof. Valentin, nos quais

    pessoas nascidas com mutilaes congnitas dos membros,

    igualmente experimentam sensaes de integridade nos dedos inexistentes de uma mo ou no brao anormalmente curto, o

    qual, de acordo com as impresses recebidas, parece ser to

    comprido quanto o outro. Parece, agora, evidente que, em tais circunstncias, no se pode suspeitar que:

    O crebro transporta ento, pelo hbito adquirido, essa

    sensao ao membro do corpo de onde partem os nervos

    sensveis, mesmo quando tal membro no mais existe.

    E mesmo ainda poderia afirmar-se o fato de que, nos casos em questo, os centros cerebrais de inervao possam ter adqui-

    rido o hbito de transmitir sensaes de integridade a membros

    que jamais existiram integralmente.

    Caso 1 A hiptese perifrica parece ainda menos sustent-

    vel em face do caso que se segue, no qual um amputado percebe sensaes de dor em membro inexistente.

    O Comandante Darget, cujas experincias sobre a fotografia do pensamento so conhecidas de todos, comunicou La Revue

    Scientifique et Morale du Spiritisme (1913, pg. 304) o seguinte

    episdio por ele mesmo verificado, durante o vero de 1913. Escreveu ele:

    Estando de visita a Vretz (Indreet-Loire), vi um moo

    maneta (brao direito), chamado Sicos, passar diante de ca-

    sa. Alguns dias depois encontrei-me com a sua me, que me relatou o acidente de seu filho, cujo brao fora esmagado por

    uma engrenagem.

  • O que de mais estranho h disse-me ela que meu fi-lho sente a presena de seu brao que falta, cujos dedos, a-

    firma, pode mover vontade.

    Eu lhe disse ento: Diga a seu filho que ele estenda seu

    brao faltante sobre a chama de uma vela, de modo que a chama o percorra desde o ombro at a ponta dos dedos e tal-

    vez ele venha a sentir a queimadura.

    Dois dias depois ouvi o moo chamar-me na rua para me dizer o seguinte: Ah!, o senhor me pregou uma boa pea e

    me fez queimar os dedos.

    Ento me explicou que estendera seu brao ausente sobre

    a chama da vela, fazendo com que ela o percorresse at a ponta dos dedos, e que somente neles havia sentido a quei-

    madura, ao passo que no brao nada experimentara.

    Ainda me disse que podia torcer o brao ausente vonta-de, mas no completamente e s em ngulo reto, cuja figura

    me fez com o brao existente.

    Fui ento sua casa, vendei-lhe os olhos e, agindo sobre o

    seu brao, ora percorrendo-o com a chama de uma vela, ora passando sobre ele a minha mo, convenci-me de que me

    havia dito a verdade.

    Bem sei que a medicina j observou casos semelhantes, mas os atribuiu a uma causa diversa da presena do perisp-

    rito, no qual ela no acredita...

    A narrao foi subscrita pelo prprio mutilado, Fernando Si-cos, com a assinatura reconhecida pelo secretrio da Prefeitura,

    Sr. Gaucher, que lhe aps o selo da repartio.

    Noto que, no caso exposto, h uma circunstncia que exclui toda possibilidade de auto-sugesto nas sensaes experimenta-

    das pelo amputado: a em que Sicos afirma no ter experimen-tado sensao alguma no brao fludico inteiro exposto chama,

    mas ter ressentido de repente a dor que produz uma queimadura,

    quando a chama chegava onde deveriam achar-se os dedos da mo ausente. Certo de impresso dolorosa consecutiva de um

    fenmeno de auto-sugesto, ele deveria experimentar a queima-

  • dura em qualquer lugar do brao submetido chama e no

    exclusivamente nos dedos.

    Eliminada a hiptese da auto-sugesto, cai igualmente a hip-tese perifrica, formulada pelos fisilogos para explicar, de

    qualquer maneira, o estranho fenmeno. E a hiptese da persis-tncia temporria de um brao fludico em tais circunstncias

    parece a mais legtima para explicar os fatos chamados sensa-

    es de integridade nos amputados.

    Caso 2 Resta-me, enfim, mostrar que se chegou a obter tambm a fotografia do brao fludico de um amputado e isso

    graas ao magnetizador Alphonse Bouvier, clebre pelas nume-

    rosas curas magnticas que realizou e algumas das quais so dignas de ser levadas em boa considerao.

    No Journal du Magnetisme (julho de 1917), publicou ele lon-ga relao sobre o modo pelo qual chegou a fotografar um

    membro amputado, relao essa ilustrada com um bom clich,

    onde aparece a sombra fludica de um brao ausente.

    Tomo revista Psychica (1931, pg. 129) os documentos que

    reproduzo aqui, especialmente uma carta pessoal que Bouvier escreveu diretoria daquela revista, Sra. Borderieux, na qual diz

    ele:

    Partindo da hiptese de que, dando a anlise espectral

    vestgios dos gases os menos densos e, nestes, os mais rare-feitos, no espectro, por traos obscuros correspondentes: tra-

    o de absoro, ou por traos brilhantes, se os gases so le-

    vados alta temperatura em determinadas condies de e-misso, da induzimos que o duplo magntico deveria ele

    prprio marcar a sua presena. O fato vem confirmar a hip-

    tese, mas, em lugar de marcar exatamente os traos e deter-minar-lhes o comprimento das ondas, fomos surpreendidos

    por formas, ora formas de eflvios desprendendo-se das

    mos, ora de membros amputados, tal como a mo fantasma de que lhe falei.

    A fotografia que lhe remeto mostra o mutilado cujo brao, amputado a 13 cm do ombro, est estendido, fazendo uma

    diagonal de cerca de 33 graus, o antebrao e a mo se ele-

  • vando a 23 e 25 graus sobre o plano horizontal, tomada ao

    nvel do ombro. O comprimento do brao mais ou menos

    de 63 cm; de resto, este o comprimento do brao esquerdo.

    Quando foram batidas as fotografias, nada de particular

    vimos sobre o cran, como quando obtemos simples radia-es magnticas ou outras; na revelao das chapas que

    aparecem os objetos.

    Quando colocamos o membro amputado de um mutilado no espectro, experimenta ele certa sensao que se modifica

    segundo os raios que o atravessam; cada dor do espectro d uma sensao distinta, mas sempre anloga para todos os

    que o fazem, o que implica a ao, sobre os membros fludi-

    cos, de uma diferena no comprimento das ondas, coisa que os nossos fsicos podem verificar se se derem ao trabalho de

    estudar esses fenmenos.

    Alphonse Bouvier refora a validade de suas experincias pessoais com uma descrio minuciosa dos mtodos emprega-dos, precaues tomadas, modalidades segundo as quais se

    desenvolveram as mesmas; enfim, deu todas as indicaes

    tecnicamente necessrias e importantes, que me abstenho de relatar para ser breve.

    Como se v, com estas ltimas experincias, achamo-nos em presena de concludentes provas de fato quanto demonstrao

    da existncia real, sob forma fludica, do membro amputado, o

    que equivale, de maneira no menos concludente, a demonstrar a existncia imanente de um corpo etreo no corpo somtico.

    Da a importncia terica que assumem os fenmenos de sensa-

    es de integridade nos amputados para soluo do grande problema aqui considerado, o qual reveste importncia funda-

    mental para a demonstrao da existncia e sobrevivncia do

    esprito humano. neste ponto evidente que certos homens de cincia, sistematicamente contrrios sobrevivncia humana,

    aps terem convenientemente estudado os fenmenos psquicos,

    reconheceram publicamente a realidade de quase toda a fenome-nologia metapsquica, mas... se recusam ainda a admitir a exis-

    tncia de um corpo etreo imanente no corpo somtico e

  • isso, evidentemente, porque tal aceitao for-los-ia a renunciar

    a convices filosficas pessoais e sinceras. O ltimo dentre

    eles, o Prof. Barnard, recentemente publicou um grosso volume intitulado Le supranormal, no qual reconhece a realidade de

    quase toda a fenomenologia metapsquica, salvo o espantoso

    fenmeno de bilocao, fenmeno que implica a existncia de um corpo etreo capaz de se separar temporariamente do

    corpo somtico, com as conseqncias que da decorrem.

    Assim estando as coisas, desejvel que outros experimentado-res no tardem a retomar as importantes experincias de Alphon-

    se Bouvier, de modo a conferir-lhes o valor de fatos devidamente

    conquistados para a cincia.

    E aqui, a ttulo de observaes complementares, convergindo

    para concluses idnticas, cito ainda exemplos de sensitivos que, encontrando-se com pessoas amputadas de um membro, espon-

    taneamente declaram perceber o membro faltante sob a forma

    fludica. O Dr. Kerner conta a respeito da clebre vidente de Prevorst o seguinte:

    Quando ela encontrava uma pessoa que perdera um

    membro qualquer, continuava a v-lo ainda ligado ao corpo.

    Quer dizer ento que via a forma do membro produzida pela projeo do fluido nervoso, do mesmo modo pelo qual via as

    formas fludicas de pessoas mortas. Talvez nos permita esse

    interessante fenmeno explicar as sensaes experimentadas pelas pessoas que ainda sentem o membro amputado. A in-

    visvel forma fludica do membro ainda est em relao de

    continuidade com o corpo visvel e isso nos prova, suficien-temente, que, aps a destruio do invlucro visvel, a forma

    conservada pelo fluido nervoso. (Dr. Kerner, A Vidente

    de Prevorst, pg. 47).

    Passando rpida exposio de impresses anlogas de pes-soas atacadas de hemiplegia, observo, a propsito, quanto a

    hiptese perifrica se torna sempre mais problemtica e insusten-

    tvel, considerando que tais enfermos asseguram sentir e ver bem perto de si, e precisamente do lado paralisado, uma outra

    pessoa que vem como reproduo exata delas mesmas, e tm a

  • impresso de que goza ela da inteira sensibilidade que lhe foi

    tirada.

    O Dr. Sollier expe tais fatos no Bulletin de lInstitut Gnral Psychologique (1902, pg. 45, e 1904, pg. 539) e os explica

    recorrendo a uma variante da hiptese perifrica, a saber: como projees alucinatrias de origem sinestsica. Devemos,

    contudo, observar que, se para os amputados, as duas hipteses

    so legtimas por se conservarem inteiros, nos amputados, os centros de inervao perifrica e o sentido sinestsico, no se

    poderia afirmar a mesma coisa para os hemiplgicos, cujos

    centros de inervao, correspondentes ao lado paralisado, esto destrudos e cujo sentido sinestsico est mais ou menos enfra-

    quecido. No seria lcito falar, aqui, de sensaes de desdobra-

    mento consecutivo a excitaes perifricas, transmitidas a centros inexistentes, como tambm haveria contradio em falar

    de uma hipertrofia do sentido sinestsico indo at provocar uma

    objetivao alucinatria, ao mesmo tempo em que o sentido em questo se acha enfraquecido e diminudo, em conseqncia de

    leses traumticas centrais, e no de desordens funcionais, o que

    seria outra coisa.

    Et per converso no existiria contradio, e os fatos se conci-

    liariam com a teoria quando, nas pesquisas psquicas de hoje sobre os fenmenos de exteriorizao da sensibilidade, se

    sustentaria a tese do desdobramento nos casos de hemiplegia,

    fazendo notar como, por efeito da paralisia sobrevinda, os liames que uniam o duplo fludico a uma metade do organismo pro-

    vavelmente desapareceram e assim determinaram uma separao

    parcial de um do outro.

    Concluo e resumo: o fenmeno das sensaes de integrida-

    de nos amputados e o outro, conexo, das impresses de desdo-bramento nos hemiplgicos, bastam por si ss para provar, de

    um ponto de vista inesperado, a existncia de um corpo etreo

    imanente no corpo somtico. E esta a prova fundamental indispensvel demonstrao cientfica da existncia e da sobre-

    vivncia do esprito humano. Alm disso, como os fenmenos em questo representam o grau inicial dos fenmenos de bilo-

    cao, concorrem eles, admiravelmente, para completar as

  • provas experimentais necessrias demonstrao cientfica

    destes ltimos, os quais, em seu pleno desenvolvimento (quando

    ento so transferidas ao fantasma desdobrado a conscincia, a inteligncia, a memria integral e as faculdades sensoriais supra-

    normais) fazem emergir uma circunstncia muito importante, a

    saber, que a sobrevivncia do esprito humano morte do corpo evidencia um fato experimentalmente demonstrvel, mesmo que

    algum queira limitar-se aos fenmenos de bilocao.

  • Segunda categoria

    Casos em que o sujet percebe seu prprio duplo,

    conservando plena conscincia (autoscopia)

    Boa parte dos fatos que se enquadram na presente categoria so, indubitavelmente, de origem psicoptica, circunstncia que

    no implica devam ser considerados como tais todos os fenme-

    nos em estudo, assim como a existncia de vises alucinatrias no exclui a existncia de numerosas alucinaes verdicas.

    Estas concluses parecem mais do que legtimas quando se

    considera que a realidade da existncia dos fenmenos de bilo-cao subentende e torna teoricamente verossmeis as manifes-

    taes iniciais dessa natureza.

    fato que existe grande nmero de vises autoscpicas nas quais tudo concorre para demonstrar a existncia de algo de

    objetivo, projetado no espao. De qualquer forma, reconheo que todos os fatos, ou quase todos, pertencentes a esta categoria no

    apresentaro, por si ss, aprecivel valor metapsquico, mas

    existem outros episdios anlogos, de carter positivamente objetivo, que ser impossvel separar, em virtude de terem eles

    sua parte de valor terico.

    Isto dito, limitar-me-ei a uma breve enumerao de fatos des-se gnero.

    Caso 3 E, para comear, eis um exemplo de viso de du-plo, provavelmente de origem psicoptica:

    Em junho de 1889, entre 8 e 9 horas da noite, estao e

    hora em que ainda claro na Esccia, vi chegar a mim uma

    pessoa que reconheci ser o meu prprio duplo quando ela

    se aproximou, com a diferena de que o rosto dessa forma sorria, ao contrrio do meu. Assim como eu, vestia roupa

    branca, mas suas mos pareciam cobertas de alguma coisa

    escura, como se estivessem caladas de luvas, o que eu no trazia. Ento caminhei pelas ruas do jardim e estendi a mo

    para a forma, a qual desapareceu instantaneamente. Eu con-

    tava 24 anos, gozava de perfeita sade e no era presa de

  • tristezas nem de preocupaes sobre o futuro. (Ass. Srta. A.

    B. O., Proceedings of the S. P. R., vol. X, pg. 75).

    Ainda que parea temerrio estabelecer, em um ramo de in-vestigaes iniciadas h pouco, um critrio de prova para sepa-

    rar os fenmenos presumidos verdicos dos fenmenos alucinat-rios, no possvel faz-lo, apesar de tudo, todas as vezes que se

    queira empreender um trabalho de desembarao de materiais brutos e assim marcar o primeiro passo para uma classificao

    orgnica dos fatos, o que equivale a dizer, para uma compreen-

    so progressiva dos fatos em si. Isto dito, observo que um pri-meiro critrio a empregar, com este fim, poder ser estabelecido

    sobre uma base comum aos casos mais notveis de desdobra-

    mento em estado de viglia. Consistiria em que o sujet tenha ao mesmo tempo conscincia de estar submetido a uma diminuio

    de suas foras vitais, quer sob a forma de uma sbita sensao de

    torpor e de frio, quer pela invaso de uma sonolncia irresistvel, quer ainda pela sensao de uma espcie de vcuo interior, quase

    sempre localizado no crebro, e assim por diante, sensaes

    todas que confirmariam, em certo sentido, a existncia de algo vital que efetivamente saiu do organismo.

    Aplicando, pois, esse critrio ao exemplo citado, em que a percipiente vislumbra o seu prprio duplo, ainda que se ache

    em condies fisiolgicas normais, concluir-se-ia que se trata,

    em tais circunstncias, de pura alucinao psicoptica.

    Ao contrrio, no caso que se segue, encontram-se as sensa-

    es subjetivas que vimos de falar. Est resumido, nestes termos, na Crtica das alucinaes, publicada pela Society for Psychical

    Research.

    Caso 4 Eis o caso a que me referi acima:

    Em outra circunstncia, a percipiente Srta. I. B., ento

    criana, viu aparecer seu prprio duplo, sentado ao seu la-

    do. O fenmeno se repetiu diversas vezes e em cada uma a forma aparecia sentada perto dela, reproduzindo, ao mesmo

    tempo, os movimentos que fazia. Essa viso era sempre pre-cedida de uma sensao de extremo torpor. O caso se reno-

  • vava durante os perodos em que estava seriamente indispos-

    ta. (Proceedings of the S. P. R., vol. X, pg. 199).

    Aqui esto reunidas as sensaes de frio e o estado de lassi-do profunda, consecutivas a toda viso de duplo, o que justi-

    ficaria a concluso de exteriorizao provvel de algo de vital fora dos limites do corpo.

    Apresso-me, todavia, a observar a este propsito que salien-tar, como fao, a importncia terica de tais sensaes subjetivas

    em relao aos presumidos fenmenos de desdobramento no significa que eu os considere como um critrio suficiente para

    estabelecer a existncia do fenmeno, mas apenas como uma

    condio necessria para estabelecer esta concluso cada vez que se verifica, ao mesmo tempo, outras circunstncias de fato,

    tendentes a tornar provvel o desdobramento.

    A ttulo de segundo critrio de prova, assinalarei esta outra circunstncia de fato que, quando muito, no momento em que o

    percipiente v seu prprio duplo, ele se acha sob condies de anestesia e analgesia parciais ou totais, circunstncia que, neste

    caso, implicaria a existncia provvel do fenmeno correspon-

    dente de exteriorizao da sensibilidade e, portanto, a possibi-lidade da formao real de um fantasma dico no qual se teria

    concentrado a sensibilidade, possibilidade que j no se pode

    esquecer depois das famosas experincias do Coronel de Rochas, do Dr. Luys, do Dr. Joire e do Dr. Durville.

    O Dr. Sollier costumava encontrar, de modo preciso, a exis-tncia da anestesia nos processos do fenmeno de autoscopia.

    Caso 5 Eis os fatos por ele narrados:

    Trata-se de uma mulher de 28 anos, morfinmana de al-

    tas doses. No momento da privao da droga, apresentou ela,

    como acontece freqentemente, fenmenos histeriformes

    que nunca teve antes. No dia seguinte, noite, parecia a-dormecer, mas na realidade se achava em estado ligeiramen-

    te catalptico, como se pde verificar quando era modificada a posio dos membros. Repentinamente lamenta-se ela e

    faz o gesto de repelir algum. E ento conta que tem a seu

  • lado uma pessoa que absolutamente igual a ela, que est

    deitada a seu lado, sendo ela obrigada a afastar-se para lhe

    dar lugar.

    aborrecido diz ela ter essa forma ao lado...

    Ao fim de alguns minutos desta cena, tendo abertos os o-lhos e parecendo desperta, tive a idia, verificando que con-

    tinuava insensvel, de lhe soprar nos olhos, ordenando-lhe energicamente, que despertasse. Ela se sobressalta, olha-me

    e apenas parece ver-me: Ol! Bom dia, estava a?, disse-

    me ela. E muito menos sente o seu duplo, a seu lado. Ento insisto, fecho-lhe os olhos e de novo sopro neles, ordenando-

    lhe que acorde. Ela estira os membros e o corpo, boceja e

    tem o olhar bem mais claro. Ainda v o seu duplo, mas no v os seus braos e nem os seus ps. Ora, verifico que ela

    comea a recuperar a sensibilidade dos braos e das pernas e

    que agora sente quando a belisco, mas o tronco e a cabea ainda esto anestesiados... Na manh seguinte, em seguida a

    uma crise de contraes, fao-a despertar, isto , recuperar

    mais a sua sensibilidade. Esta reaparece nos membros e na maior parte do tronco, s permanecendo insensveis a parte

    superior do peito e a cabea. Assim, ela quase no v seu

    duplo, que se acha em estado vaporoso e plana acima dela... Dois dias depois, voltou completamente a sensibilidade,

    mesmo na cabea, depois do que jamais se reproduziu a alu-

    cinao. (Dr. Sollier, Bulletin de lInstitut Gnral Psycho-logique, 1902, pg. 48).

    Segundo o Dr. Sollier, as circunstncias indicadas demonstra-riam, saciedade, que os fenmenos de autoscopia no so

    mais que concretizaes alucinatrias causadas por perturba-es de ordem sinestsica (quer dizer, desse conjunto de sensa-

    es vagas que levam noo da existncia pessoal).

    A meu ver, pelo contrrio, as circunstncias acima descritas s provam, saciedade, uma coisa: a correspondncia perfeita,

    matemtica, existente entre os fenmenos de autoscopia e as perturbaes da sinestesia. De modo algum da resulta que os

    primeiros no sejam seno concretizaes alucinatrias, de-

  • terminadas pelo segundo. Para resolver o caso, preciso seria que

    o dito doutor tratasse de se certificar se acaso a anestesia da

    paciente no correspondia ao fenmeno de exteriorizao da sensibilidade localizada no ponto em que ela via seu prprio

    duplo. Nesse caso a hiptese por ele proposta se teria revelado

    insuficiente para explicar a razo dos fatos, visto que as desor-dens sinestsicas, em vez de serem a causa efetiva do fenmeno

    de alucinao autoscpica, se teriam reduzido a sintomas

    atestando a existncia de algo de objetivo nos fenmenos de autoscopia.

    Caso 6 Neste novo caso , ao contrrio, o prprio sujet que, percebendo o seu duplo a distncia, verifica que a sensibilida-

    de perifrica se transferiu para o duplo. O caso foi narrado pelo Dr. Lemaitre e o extraio do citado volume de Delanne, pg.

    388:

    Certo colegial, que chamaremos Boru, inteligente, livre

    de qualquer nevrose, bem como a respectiva famlia, aconte-ceu ter, aos dezoito anos e quando se preparava para o exa-

    me de literatura francesa, um caso de autoscopia de admir-

    vel nitidez. Ocorreu ele na tarde de 22 de janeiro de 1901, no momento em que o jovem fazia o paralelo entre os carac-

    teres de duas peas cornelianas: Polyeucta e o Cid. E eis

    como relatou o caso:

    Eu estava bastante atarefado, em traje caseiro, quando,

    em meio da anlise de uma cena do Cid, tive necessidade de uma informao. Levantei-me e fui ao aposento prximo

    buscar o volume de que necessitava. Como se deu o fato?

    Sempre preocupado com esse mnimo detalhe, achei-me no umbral da porta do meu quarto e ao lado da cabeceira do

    meu leito, com um livro na mo e a outra segurando a maa-

    neta da porta. Estava nessa posio, quando de repente me vi em traje caseiro a escrever, na minha mesa, a frase em que

    pensava e criava mentalmente. No sei quanto tempo isso

    durou, mas nenhum detalhe faltava nessa viso, nem o lam-pio com a sua faixa verde, nem a pequena biblioteca acima

    da minha cabea, nem os cadernos, nem o tinteiro, etc. Coisa

  • curiosa: tinha conscincia perfeita de estar em p diante da

    porta e sentia o frio metlico da maaneta que eu segurava,

    mas, ao mesmo tempo, experimentava a sensao de estar sentado na cadeira e de exercer, com os meus dedos, a pres-

    so necessria para escrever. Eu via um Boru sentado, me-

    lhor ainda, eu via e lia a frase que ele escrevia e contudo ele estava distante dois a trs metros da porta. Depois fui mesa

    e nada mais subsistiu dessa duplicata. Boru 1 e 2 talvez se

    fundiram em um s.

    Os casos de dupla conscincia, anlogos a este, so teori-camente importantes, porque servem para provar, baseado em

    fatos, que os fenmenos de autoscopia representam efetiva-

    mente uma fase inicial dos fenmenos de bilocao, nos quais a conscincia j no bipartida, mas integralmente transferida,

    com a inteligncia e as faculdades sensoriais supranormais, para

    o corpo etreo exteriorizado, enquanto que o corpo somtico est estendido em condies de sono sonamblico profundo ou

    em catalepsia.

    No caso citado, a conscincia do sujet permanece e reside no organismo corporal, enquanto que a sensibilidade parece ter

    emigrado para o fantasma; no caso que se segue, o fenmeno de dupla conscincia se repete com maior preciso e se evidencia

    um dos mais probantes do nosso ponto de vista. Com efeito,

    neste caso a pessoa tem plena conscincia de se achar sentado em seu prprio lugar, ao mesmo tempo em que, simultaneamen-

    te, sente-se existir tambm no fantasma exteriorizado, donde v

    seu prprio corpo estendido e inerte sobre o div, do que resulta poder ser considerado este ltimo episdio como um exemplo de

    transio, graas ao qual se assiste a um dos fenmenos de

    autoscopia, os quais se infiltram e se confundem com os de bilocao, nos quais a conscincia da pessoa est integralmen-

    te transferida para o fantasma, casos que sero examinados na

    categoria seguinte.

    Observo, finalmente, que o fato que passo a relatar anlogo

    ao precedente por uma curiosa coincidncia: trata-se de outro estudante que, preparando-se para os seus exames, passa, por sua

  • vez, pelo fenmeno de autoscopia. Dir-se-ia que o esforo

    intelectual favorece o desdobramento fludico.

    Caso 7 Tiro-o do Journal of the S. P. R. (1894, pg. 287).

    O Dr. C. E. Simons conta que, em janeiro de 1890, aos 25 anos de idade e quando estudava medicina, aconteceu-lhe certo

    dia passar por um fenmeno estranho, e isso quando, com outros

    colegas, se preparava para os exames na Faculdade. Escreve ele:

    ... Achava-me na situao de algum presa de um pesade-

    lo. Sentia-me incapaz de mover-me em uma ou outra direo

    e experimentava a sensao de estar ligado de ps e mos. Somente podia mover os olhos para todos os lados, mas no

    conseguia abrir ou fechar as plpebras. Tinha plena consci-

    ncia do que ocorria em meu derredor. Via as horas 3:49 da tarde; olhava o caderno em que escrevia o meu amigo H.,

    observando que tomava notas do tratado de Matemtica

    Mdica. Permaneci assim por trs minutos, contados no re-lgio minha frente. Durante esse tempo, tive a sensao de

    uma fora desconhecida que paralisava os meus movimen-

    tos, e essa fora parecia concentrar-se atrs de mim, dis-tncia de um metro pouco mais ou menos, ao nvel dos meus

    ombros.

    Quando me perguntava se estaria acordado ou no, de re-pente tive a conscincia de me dividir em dois seres distin-

    tos, e foi a fora em apreo que produziu o fenmeno. Um dos dois seres jazia inerte sobre o div; o outro estava livre e

    se deslocava num crculo restrito, donde podia, vontade,

    contemplar o segundo. Entre ambos existia uma fora els-tica que impedia o rompimento do lao que os unia. von-

    tade podia eu obter que o ser, diante de mim, se estendesse

    no cho ou circulasse no quarto, a pouca distncia do outro. Quando a distncia entre ambos atingia certo limite, a fora

    elstica que os unia se estirava. Alm desse limite (que agia

    entre os dois seres) nenhum esforo de vontade de minha pessoa conseguia distanciar mais o ser fludico e, atingido o

    limite, eu experimentava forte sensao de resistncia nos

    dois corpos.

  • Esse fenmeno de desdobramento durou mais de cinco minutos. Em seguida pareceu comear a fuso dos dois se-

    res, qual eu resistia, percebendo poder impedi-lo vonta-de. Finalmente, por curiosidade, para saber o que poderia

    acontecer, deixei efetuar-se a unio, que foi rpida, sem in-

    cidentes. De novo tentei ento provocar a separao, mas a mesma fora que, a princpio, havia paralisado os meus

    movimentos, agora me impedia de repetir o desdobramento.

    Nenhuma sensao tive ao despertar. As condies em que me achava dissiparam-se simplesmente, pouco a pouco.

    Convm notar que, no perodo de desdobramento, jamais cessei de me interrogar sobre o que me estava acontecendo,

    cuidando em observar o que se passava em volta de mim,

    com o propsito de verificar, em tempo til, se as observa-es feitas correspondiam verdade, e tudo se confirmou

    minuciosamente exato.

    Exero a profisso de mdico h muitos anos e, por toda parte, sempre investiguei para descobrir se outros haviam

    passado por fenmenos anlogos ao meu, mas no obtive re-sultado algum. por isto que me decidi comunicar este caso

    Society for Psychical Research. (Ass. Dr. C. E. Simons).

    Tendo comentado o caso precedente para realar-lhe a impor-tncia terica, bem pouca coisa me resta a assinalar, exceto a circunstncia interessante da pessoa que teve a sensao, bem

    rara nos casos de bilocao, da existncia de uma forma

    elstica que ligava o corpo etreo ao corpo carnal. Em termos metapsquicos, dever-se-ia dizer que se tratava do cordo

    fludico, que indissoluvelmente une o fantasma exteriorizado ao

    corpo somtico, visto que a ruptura desse cordo de circulao vital entre o fantasma dico e o corpo inanimado determinaria a

    morte fulminante da pessoa desdobrada.

    * * *

    Termino como principiei. No h dvida alguma de que, no grupo de fenmenos de autoscopia, freqentemente se enxertem

    casos de vises, aparentemente anlogos, de origem psicoptica,

    o que, todavia, no autoriza a classificar toda a fenomenologia

  • do gnero no grupo das alucinaes propriamente ditas. As

    hipteses formuladas, neste sentido, pelo Dr. Sollier, podem ser

    consideradas satisfatrias, julgadas cientificamente legtimas ao tempo em que no existiam as investigaes cientficas. Hoje,

    no. As magnficas experincias de exteriorizao da sensibili-

    dade com a formao imediata de um fantasma dico percep-tvel pelas pessoas imersas em sono sonamblico e verificveis

    por meio de provas engenhosas, notadamente a que consiste na

    introduo de reativos qumicos em soluo, no lugar em que a pessoa percebe o seu prprio corpo exteriorizado, demonstram a

    existncia de algo de objetivo em tal ponto. E se assim para as

    provas de autoscopia experimental, nada se ope a que o mesmo acontea nos casos de autoscopia espontnea. Sem contar que a

    existncia dos fenmenos de bilocao com fantasma exterio-

    rizado consciente, inteligente, dotado de faculdades sensoriais supranormais, concorre para reforar a tese sustentada, visto que

    tais fenmenos nos foram a inferir que os casos de autoscopia

    representam a fase inicial dos casos de bilocao. Isto dito, em homenagem pesquisa da verdade pela verdade, e nada mais,

    porquanto os fenmenos de bilocao no precisam, para

    serem confirmados, dos de autoscopia. Contrariamente, foram as investigaes sobre os casos de bilocao que obrigaram a

    mudar de opinio sobre a verdadeira natureza de uma parte dos

    fenmenos de autoscopia.

  • Terceira categoria

    Casos em que a conscincia pessoal

    se acha transferida para o fantasma

    Os casos da presente categoria acontecem durante o sono fi-siolgico ou provocados por anestsicos, bem como nos estados

    sonamblico-hipnticos, no delrio, no coma, nas crises de

    convalescena, no esgotamento nervoso e assim por diante. Raramente se verificam em condies fisiolgicas e psicolgicas

    normais.

    Nesses casos, eles sobrevm no decurso de um repouso abso-luto do corpo ou se segue ao sono. Nesta ltima circunstncia, o

    sentido do desdobramento , antes, vago, indeciso, fugaz.

    Uma das caractersticas mais importantes dessa espcie de

    casos parece consistir no fato de que, durante a evoluo a distncia do fantasma desdobrado, se produzem quase sempre

    episdios variados de percepes verdicas de coisas ou de

    situaes longnquas (lucidez, telestesia), o que se verifica tambm algumas vezes nos casos em que o fantasma desdobrado

    no se afasta do corpo.

    Notarei, a este propsito, que a manifestao das faculdades de clarividncia nos fenmenos de desdobramento apresenta

    reflexo a conseqncia bem natural, dado o seu carter, desses mesmos fenmenos, e mais particularmente do fato, bastante

    freqente, da evoluo a distncia do fantasma que ela concebe a

    priori. Tudo como a priori se pode estabelecer que, ao se admitir a existncia dos fenmenos de desdobramento, pode-se exigir

    esta condio sine qua non que, conjuntamente com eles, se

    realizem fenmenos de viso dos lugares correspondentes exteriorizao sobrevinda, o que esta leva a repetir que se deves-

    se ter por verossmil a hiptese da existncia, no homem, de um

    fantasma fludico sensvel e consciente, capaz de abandonar, por certo tempo, o organismo corporal para se afastar no espao,

    neste caso seria preciso que, conjuntamente com a lembrana da bilocao efetuada, emirjam da conscincia do sujet reminis-

    cncias verdicas das sensaes experimentadas durante a exteri-

  • orizao, sem o que a interpretao objetiva de tais acontecimen-

    tos seria cientificamente pouco digna de ser tomada em conside-

    rao e os prprios acontecimentos, segundo os casos, facilmente reduzidos a romances onricos ou alucinatrios, ou, por outra, a

    fenmenos puramente subjetivos.

    Assim sendo as coisas, o fato de verificar-se plena concor-dncia entre as indues a priori e as modalidades segundo as

    quais se produzem as manifestaes em questo, assume consi-dervel valor terico tendente a demonstrar a existncia de algo

    de objetivo nos prprios fenmenos.

    Isso estabelecido, comeo a srie de exemplos com trs casos, os mais simples do gnero, em que a sensao de desdobramen-

    to com a viso do corpo inerte sobrevm e se mantm na vizi-nhana do prprio corpo, o que exclui, naturalmente, salvo

    circunstncias excepcionais, a produo de fenmenos simult-

    neos de lucidez e de telestesia. De todos os modos, eles oferecem matria para srias reflexes, como se ver pelos comentrios

    que se seguem exposio dos fatos.

    Caso 8 um exemplo de sensao de desdobramento em estado de repouso, em condies aparentemente normais. Tiro-o do Journal of the American S. P. R. (1908, pg. 450). A percipi-

    ente, Sra. Quentin, uma mulher distinta, conhecida pessoal do

    Prof. Hyslop e dotada de formas particulares de sensibilidade supranormal. Escreve ela:

    Quatro ou cinco vezes, estando deitada, experimentei a

    indescritvel sensao de me sentir aparentemente separada

    de meu corpo. Senti-me ento a flutuar no ar, pairando aci-ma de meu corpo, que eu olhava, perfeitamente consciente

    do que me rodeava. O que experimentei foi um sentimento

    delicioso de absoluta liberdade, ainda que de minha parte necessrio fosse certo esforo para prolong-lo. Aps breves

    instantes, experimentei uma curiosa sensao, um no-sei-

    qu de indefinvel que me impeliu a reentrar em mim mesma e ento me surpreendi ao pensar: Preciso voltar ao meu

    corpo. Tenho a convico de haver conseguido prolongar

    esse perodo de liberdade por um esforo de vontade, mas

  • por curta durao, pois, como j disse, produziu-se algo em

    mim que me obrigou a reentrar pouco a pouco no meu cor-

    po.

    Caso 9 Tiro-o da Light (1903, pg. 34). Refere-se a uma

    sensao de desdobramento ocorrido em seguida a inalaes de clorofrmio. Assim se exprime o Dr. George Wyld:

    Certo dia, em 1874, resolvi aspirar clorofrmio a fim de

    me livrar de intensos sofrimentos causados pela passagem de um clculo renal. A dor cessou repentinamente e, de sbi-

    to, vi-me transportado, sob forma anmica, a 6 ou 7 ps a-

    cima da cama em que me achava deitado, inerme, com o meu corpo em posio de observ-la. Esse fenmeno durou

    apenas alguns segundos, porm foram suficientes para me

    convencer de haver assistido separao de minha forma a-nmica do meu corpo.

    Contei o meu caso pessoal a outros mdicos que empre-gam o clorofrmio e eles afirmaram que alguns dos seus cli-

    entes lhe haviam contado ter passado por experincia igual.

    Fui Assistncia Dentria e ali tive outras confirmaes do gnero, mas todos consideravam tal coisa como simples ilu-

    so. No eu, porque sabia, de conhecimento seguro, que se

    tratava de fatos reais.

    Caso 10 O Dr. Franz Hartmann escreve nos seguintes ter-

    mos a The Occult Review (1908, pg. 160):

    Em 1884, ano em que me encontrava em Colombo, na i-

    lha do Ceilo, fui certo dia, em companhia de meu amigo B.,

    ao consultrio de um dentista para extrair um dente. Tomei

    clorofrmio e, logo que experimentei a sua influncia, achei-me de p por detrs da cadeira em que jazia o meu corpo.

    Via-me e sentia-me precisamente a mesma pessoa como em

    meu estado normal, distinguia todas as coisas em meu der-redor e entendia o que falavam; todavia, quando procurei

    apanhar um dos instrumentos colocados na mesinha perto da cadeira, no o consegui e vi os meus dedos atravessarem o

    instrumento.

  • Depois desse acidente, em outra ocasio me aconteceu as-sistir a uma separao do meu eu do corpo fsico, o que se

    deu de dois modos diferentes: quando, nas condies em que sobreveio o desdobramento, as faculdades conscientes

    continuavam sediadas no organismo e ento eu percebia o

    meu corpo astral ereto diante de mim, ao lado do leito, e quando, ao contrrio, as faculdades conscientes se encontra-

    vam no corpo astral, via o corpo fsico estendido, inerte,

    no leito.

    J no me acontece mais fazer excurses astrais a dis-

    tncia, ou pelo menos disto no guardo lembrana, todavia os fatos expostos so suficientes para convencer que o ho-

    mem possui um corpo astral capaz de existir independen-

    temente do corpo fsico. Para quem fala de tais fenmenos por experincia pessoal, as negativas a priori, dos que nada

    de pessoal tm a contar, parecem to capciosas que no po-

    dem ser aceitas em caso algum, assim como no se poderia admitir os argumentos dos que, nunca tendo visto vias fr-

    reas, pretendessem negar-lhes a existncia.

    Como j fiz notar, os casos iguais a estes, no qual o fantasma desdobrado e consciente no se afasta do lugar em que jaz seu prprio corpo, verificam-se raramente ao mesmo tempo que os

    fenmenos de lucidez, e isto em conseqncia de sua prpria

    natureza. Eles no apresentam, pois, grande valor terico, salvo quando simultaneamente se verificam outros fenmenos de

    ordem mais complexa e sugestiva; todavia, com relao a estes,

    convm considerar sempre o fato de se sentirem existir pessoal-mente na plenitude de suas prprias faculdades sensoriais e

    conscientes fora do corpo e com o aspecto do corpo.

    Fisiologicamente falando, no parece fcil explicar tal senti-mento, visto que repare-se bem nisto! o fenmeno se diferen-

    cia em tudo dos que foram considerados na categoria precedente, nos quais o eu pessoal e consciente continua a residir no orga-

    nismo e percebe a distncia o seu prprio fantasma, fenmeno

    anlogo a outros descritos nos tratados de patologia mental e quando muito redutvel a fato de alucinao pura e simples.

    Aqui, o contrrio, achamo-nos em face de um fenmeno inverso

  • que no deixa lugar a qualquer hiptese alucinatria, dado que,

    do ponto de vista psicolgico, existe um abismo intransponvel

    entre a sensao de ver o seu prprio duplo e a de achar-se consciente fora do corpo, independente do corpo, igual ao

    corpo.

    E, se verdade que, combinando a hiptese alucinatria com a da desagregao psquica chega-se a resolver problemas

    psicolgicos assaz complexos como o das personalidades mltiplas, isto de modo algum implica que, com esta mesma

    combinao ou com os postulados da psicologia, se consiga dar

    razo, mesmo de longe, ao sentimento em questo, o qual eu o repito coisa inteiramente diversa, uma vez que os fenmenos

    de personalidades mltiplas, quer simultneas, quer sucessi-

    vas, se produzem no corpo e no fora do corpo, diferena que, psicologicamente, assume enorme importncia, porque ela

    denota, como neste ltimo caso, que se acha em jogo o sentimen-

    to de existir, que , por assim dizer, um estado de conscincia primordial e irredutvel, o fundamento de todos os outros estados

    de conscincia, do qual no permitido duvidar sem pr em

    dvida a nossa existncia e conseqentemente renunciar a todo conhecimento e cincia, sentimento que se impe razo como

    uma realidade e que psicologicamente assume o valor de um

    imperativo categrico.

    Poderiam, todavia, observar-me que me esqueci da explica-

    o mais simples, que seria a interpretao onrica dos fenme-nos de que se trata. Concordo que tal tese pode ser sustentada

    com argumentos psicofisiolgicos e comparaes sbias extra-

    das da casustica onrica, porm tudo isto no possvel quando se aprofunda o tema e sobretudo quando se trata de estabelecer

    as diferenas existentes entre as duas ordens de fenmenos: a de

    comear pelo fato de que, enquanto de uma parte se observa o encadeamento mais perfeito e mais normal dos acontecimentos,

    percepes e julgamentos conformes ao que se passa no estado de viglia, de outra parte, pelo contrrio, reina soberana a inve-

    rossimilhana dos episdios e a incoerncia lgica (salvo alguns

    rpidos relmpagos de discernimento correto na confuso dos sucessos e dos sentimentos) para terminar nesta outra observa-

  • o: para nos pronunciarmos sobre os fenmenos de desdobra-

    mento, no basta analis-los em particular, mas preciso estu-

    d-los cumulativamente, o que leva a examin-los simultanea-mente com uma multido de exemplos de percepes verdicas

    de situaes longnquas que coincidem com as sensaes expe-

    rimentadas de deambulao ao longe at lig-los a outros fatos de experincias de exteriorizao da sensibilidade intimamente

    ligados aos fenmenos em questo e, finalmente, estud-los em

    suas relaes altamente sugestivas com os fenmenos de mate-rializao, fenmenos estes ltimos ligados por sua raiz anmi-

    ca aos fatos estudados, manifestaes todas que certamente no

    se podem explicar pela hiptese onrica e que por isto concorrem poderosamente para confirmar o carter objetivo das sensaes

    de desdobramento que se realizam nos primeiros e os mais

    simples fatos de bilocao. Resulta da que a hiptese onrica se demonstra inaplicvel aos prprios fatos, donde me parece

    que a obstinao no querer explic-los, invocando para tal a

    pretensa analogia entre as duas ordens de fenmenos manifesta-mente diferentes, equivale a dar provas de grande incompetncia

    na matria, e ao mesmo tempo, de uma anlise toda superficial.

    Caso 11 Antes de passar aos casos que contm episdios de lucidez e de telestesia, convm ainda citar dois casos anlogos aos anteriores, porm bem mais sugestivos no sentido da tese

    aqui sustentada. Tomo o primeiro deles ao Journal of the S. P. R.

    (1929, pg. 12) e um episdio da Grande Guerra, enviado pelo protagonista a Sir Oliver Lodge, que, por seu turno, o enviou

    supracitada publicao. Escreve o autor:

    Deixamos Monchiet depois do meio dia e aps horrvel

    marcha numa estrada de lama misturada com neve fundida em que no cessvamos de escorregar, atingimos Beaumetz

    noite. Uma parada curtssima e novamente em marcha para

    Wailly, na linha do fogo. L entrvamos num ramo de trin-cheira, onde tivemos de patinhar em gua lamacenta. Essa

    trincheira era de uma milha de comprimento e nos parecia

    interminvel. O lodo lquido subia-nos aos joelhos e uma sa-raiva gelada nos aoitava o rosto. Estvamos transidos de

    frio at a medula dos ossos. Finalmente chegvamos linha

  • de fogo, onde deveramos render um batalho francs. A-

    chvamo-nos na pior das trincheiras, que, durante meses,

    no fora reparada, estando em vrios lugares esboroada e no mais protegia as nossas cabeas do fogo inimigo. Era,

    em todas as partes, um buraco de espuma. H. e eu fomos lo-

    go destacados para montar guarda. Encontrvamo-nos de tal forma exaustos que nem mesmo nos restava fora para mal-

    dizer a nossa sorte. Nosso corpo estava prostrado, ensopado,

    gelado at os ossos pela saraiva implacvel que nos fustiga-va e mortos de fome por nada mais ter o que comer. Era im-

    possvel acender um fogo e nem uma chaleira tnhamos para

    esquentar um pouco de gua. E nem mesmo uma polegada de terreno seco para sentarmos ou um abrigo para enganar a

    fome fumando o cachimbo. H. e eu estvamos de acordo em

    reconhecer que nunca acreditaramos possvel que tantos so-frimentos pudessem juntar-se assim para martirizar seres vi-

    ventes e, contudo, j havamos conhecido muitas noites des-

    se suplcio inaudito.

    Muitas horas passamos nessa horrvel situao, quando,

    para mim, tudo mudou de modo imprevisto. Tive conscin-cia absoluta de me achar fora de meu corpo. Compreendi

    que o meu eu consciente, o esprito no importa o nome

    literalmente se libertara do organismo corporal e de fora eu contemplava esse miservel corpo vestido de cinza-verde,

    que era o meu, mas para o qual eu olhava com perfeita indi-

    ferena, porque, se eu estava consciente de que ali se achava o meu corpo, nada mais havia que me prendesse ao seu mar-

    trio e eu o encarnava como se tivesse pertencido a outrem.

    Sabia que o meu corpo devia sofrer de maneira atroz, mas o meu eu, isto , o esprito, nada ressentia.

    Durante todo o tempo em que me achei nessas condies de existncia, parecia-me que o acontecimento era natural.

    Foi somente depois de ter reentrado em meu corpo que me convenci de ter vivido a mais estranha experincia de minha

    vida... Nada jamais poder abalar minha convico ntima,

    absoluta, isto , a certeza de que, nessa noite infernal, o meu esprito separou-se temporariamente de meu corpo fsico...

  • Caso 12 Tambm este um episdio da Grande Guerra. Ti-ro-o da Light (1919, pg. 46). O Capito Gilbert Nobbs publicou

    as suas memrias de guerra sob o ttulo de Englishman; Kama-rad!

    Durante a batalha do Somme, foi o autor do livro ferido por uma bala na fronte esquerda e caiu de costas em um buraco de

    obus. A bala sara pelo olho direito e ele ficara logo cego e assim

    permaneceu. Recolhido por uma patrulha alem, fizeram-no prisioneiro e trataram-no com humanidade. Esteve inconsciente

    durante dois dias, foi medicado e voltou a si.

    O incidente que se segue ocorreu no campo de batalha quan-do caiu de costas, gravemente ferido. Escreve ele:

    Hesito em narrar o que me aconteceu, mas, uma vez que

    me esforo por fixar no papel as sensaes experimentadas no momento em que fui ferido na cabea, eu o farei em ter-

    mos simples, deixando ao leitor o cuidado de formar uma

    opinio sobre o assunto.

    Fiquei logo cego e assim permaneci, porm as trevas eter-

    nas que me envolviam naquele momento sofreram uma tr-gua sbita quando uma voz murmurou em mim: A morte se

    aproxima. Queres vir conosco? O vu das trevas parecia

    descer lentamente e ento tive a sensao do espao. Alm havia trevas espessas. Invadiu-me inefvel sentimento de

    beatitude, de paz. Nada era comparvel quela indescritvel

    felicidade! Em certo momento, olhando no vcuo, vi o meu prprio corpo deitado em um buraco de obus, com o sangue

    a correr como de uma fonte. Estava, pois, morto e aquele era

    o meu cadver, mas como me sentia feliz!

    Tive, todavia, a impresso de que a voz que eu ouvira es-

    perava por uma resposta e, empregando um supremo esfor-o, exclamei no sei como: O meu tempo ainda no est

    cumprido. No quero morrer. De novo subiu e me envolveu

    o vu de trevas. Meu corpo fez um movimento. Fui eu quem o provocou. Eu voltava vida.

    Descrevo escrupulosamente as minhas sensaes de ento. Acrescento que eu no estava inconsciente quando me acon-

  • teceu o que descrevo, nem mesmo perdi a conscincia por

    alguns minutos e, quando se produziu a coisa, compreendi

    quo diferente a verdadeira inconscincia do estado em que me encontrava na ocasio.

    Quanto ao acontecimento descrito, que o chame alucina-o quem quiser ou bem uma iluso do crebro. Pouco me

    importa e eu no pretendo influenciar o leitor a respeito, li-

    mitando-me a colocar no papel as minhas impresses daque-le momento solene. Quanto s minhas convices pessoais,

    eu as conservo para mim, todavia, ei-las aqui: De qualquer

    maneira que se interprete o meu caso, para mim no existe mais o mistrio da morte, portanto no a temo mais.

    Como se v, todos os que passaram pela solene experincia de que tratei relataram a inabalvel convico de haverem assis-

    tido separao de esprito e corpo e, em conseqncia, adquiri-ram esta outra certeza inabalvel de que o esprito sobrevive

    morte do corpo. Do exposto, v-se que racional se mostrem

    eles intransigentes ante as afirmaes negativas dos representan-tes da cincia oficial que, nunca tendo realizado a grande aventu-

    ra de se encontrarem vivos fora do corpo, com a sua prpria

    personalidade consciente, perceptiva, separada do corpo e perto dele, no se acham em condies de formar uma concepo clara

    sobre o valor prtico e positivo de uma convico fundada nessa

    experincia.

    Caso 13 Os trs casos que se seguem foram publicados na

    Revue Metapsychique (1930, pgs. 191/193) e todos eles so teoricamente interessantes. Nos comentrios que farei aps o

    terceiro caso, reservo-me o direito de discutir as concluses a

    que chega o mdico em sua interpretao dos fatos.

    O primeiro exemplo foi remetido pelo Sr. L. Hymans, em ju-

    nho de 1928, ao Prof. Richet. Ei-lo:

    Creio ser til narrar-vos um fenmeno que me aconteceu

    por duas vezes, o que parece provar que a conscincia pode

    funcionar independentemente do crebro.

  • Por duas vezes, em completo estado de conscincia, vi meu corpo inanimado, com a sensao de ser ele um objeto

    exterior a mim. No procuro explicar como vi sem olhos; apenas atesto a ocorrncia.

    A primeira vez foi na cadeira de um dentista. Quando era anestesiado, tive a sensao de acordar e de me sentir a flu-

    tuar no alto do aposento, de onde eu olhava, com o maior

    espanto, o dentista que me fazia o tratamento e, ao seu lado, o assistente encarregado da anestesia. Via meu corpo inerte

    e to distintamente como todos os objetos que l se acha-

    vam, formando tudo como que um quadro vivo. Tal coisa s durou alguns segundos. Novamente perdia a conscincia e

    despertei na cadeira com a impresso bem clara do que havia

    visto.

    A segunda vez estava em Londres, hospedado em um ho-

    tel. Acordei sofrendo algo (tenho o corao um pouco fraco) e, algum tempo aps o meu despertar, tive um desfalecimen-

    to.

    Grande foi a minha surpresa ao encontrar-me imediata-mente no alto do quarto, de onde eu via, assustado, meu cor-

    po inerte na cama, de olhos cerrados. Tentei em vo reentrar em meu corpo e conclu que estava morto. Pus-me a pensar

    no que diriam os hspedes do hotel, meus parentes e meus

    amigos. Perguntava-me se haveria inqurito judicial, em que iriam dar os meus negcios. Certamente, eu no havia perdi-

    do a memria, nem a conscincia de mim mesmo. Via meu

    corpo inerte e pude observar o meu rosto, contudo no pude abandonar o quarto, sentindo-me, por assim dizer, acorren-

    tado, imobilizado no canto em que me achava.

    Aps uma ou duas horas, ouvi bater porta (fechada chave) vezes seguidas, sem poder dar sinal de vida. Pouco

    depois o porteiro do hotel apareceu na sacada (munido de uma escada de salvamento). Vi-o entrar no quarto e olhar

    ansiosamente o meu rosto e em seguida abrir a porta. Pouco depois entraram o gerente do hotel e outras pessoas. Veio

    um mdico, vi-o sacudir a cabea, ao auscultar-me o cora-

    o, e depois introduzir uma colher entre os meus lbios.

  • Senti uma perturbao e acordei na cama. Tudo isso durou

    pelo menos duas horas...

    A revelao acima teoricamente de grande interesse, sobre-tudo o segundo episdio, no que h o fato inabitual de a persona-

    lidade desdobrada permanecer em tal estado, plenamente consci-ente de si, observando o que se passava em volta de seu corpo,

    durante duas horas seguidas, o que teoricamente importants-simo, porque est eliminada toda possibilidade de sofismar sobre

    a fugacidade das impresses desse gnero.

    Note-se tambm a observao do paciente, relativa sua im-possibilidade de poder sair do quarto, como se acorrentado ao

    lugar, prova evidente de que se ele no percebeu a existncia do cordo fludico que o ligava ao corpo, todavia no lhe escaparam

    as conseqncias materiais dessa ligao.

    Observo, finalmente, que ele, como tambm outros, tirou de sua prpria experincia a deduo lgica de poder a conscincia

    funcionar independentemente do corpo fsico.

    Caso 14 O Sr. Charles Quartier, redator da Revue Mtapsy-

    chique, relata o seguinte caso acontecido com ele mesmo:

    Em setembro de 1918, estando enfraquecido pela chama-

    da gripe espanhola e o organismo completamente debilitado

    pela longa alimentao insuficiente consecutiva guerra,

    acontecia-me freqentemente desmaiar durante a minha convalescena e isto de modo inesperado. Ora, certa tarde,

    repousava eu deitado em um canap colocado em um canto

    de meu quarto. Durante esse tempo, minha me conversava, no vestbulo, com algumas visitas que acabavam de chegar,

    quando, de sbito, vi-me a mim mesmo como se houvesse

    cado do canap, com a cabea e o peito no cho mas as per-nas ainda sobre o mvel.

    Experimentei ento trs espcies de sentimentos, sem po-der precisar se isso foi simultnea ou sucessivamente.

    Um sentimento agradabilssimo e quase impossvel de descrever, de expanso, de plenitude, de universalidade, de

    extrema facilidade, em outras palavras, de uma inverossmil

  • euforia, tal como nunca, depois, experimentei no mesmo

    grau.

    Em seguida invadiu-me um sentimento quase de pnico, que nascia do inslito espetculo e da conscincia de me a-

    char diante de um fato normalmente impossvel: ver-me a mim mesmo fora do intrprete de um espelho. Ora, nesse

    aposento no havia espelho algum.

    Enfim, a idia ou sentimento de que se eu permanecesse de cabea no soalho poderia ser perigoso e era preciso, a to-

    do preo, levantar-me, o que procurei fazer pelo menos es-sa foi a minha impresso sempre do exterior por assim di-

    zer, como se tratasse de erguer o corpo de um estranho para

    recoloc-lo em seu lugar, naturalmente sem resultado algum.

    Depois pareceu-me estar no vestbulo, ansioso por atrair a

    ateno de minha me que conversava com as suas visitas e que de repente exclamou: Esperai-me um instante. Preciso

    ver o que acontece com o meu filho. Parece que ele me

    chamou. Depois minha memria nada mais conservou at o momento em que despertei normalmente no canap, com

    minha me a meu lado a me prodigalizar cuidados apresen-

    tados, os habituais em caso de sncope.

    Eis o breve relato de meu aparente desdobramento, tal

    qual dele me recordo na poca