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II ENCONTRO DE ESTUDOS TERRORISMO

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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICAGABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL

SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO E ESTUDOS INSTITUCIONAIS

BrasíliaJulho - 2004

II ENCONTRO DE ESTUDOS

TERRORISMO

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REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASILPresidente: Luiz Inácio Lula da Silva

GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONALMinistro: Jorge Armando Felix

SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO E ESTUDOS INSTITUCIONAISSecretário: José Alberto Cunha Couto

Edição: Secretaria de Acompanhamento e Estudos InstitucionaisEndereço para correspondência: Praça dos Três Poderes Palácio do Planalto, 4° andar, sala 130 Brasília – DF CEP 70150–900Telefone: (61) 411 1230Fax: (61) 411 1297E-mail: [email protected]

Revisão: Reinaldo de Lima ReisProjeto gráfico/capa e editoração eletrônica: TipoD Design Industrial

A presente publicação expressa a opinião dos autores dos textos e não reflete necessariamente a posição do Gabinete de Segurança Institucional.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

II Encontro de Estudos: Terrorismo. – Brasília: Gabinete de Segurança Institucional; Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais, 2004.

123p.

I. Terrorismo. II. Atentados terroristas - Brasil. III. Contraterrorismo. IV. Sistema de inteligência. V. Política antiterror. VI. Cooperação antiterror.

CDU 323.28

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Sumário

Apresentação

IntroduçãoMárcio Paulo Buzanelli

Considerações sobre a Possibilidade de AtentadosTerroristas no BrasilEugenio Diniz

Adequação e Preparo Institucional do Brasil para o Enfrentamento da Ameaça Terrorista: avaliação crítica e sugestões preliminaresMarco Cepik

A Cooperação Multilateral frente ao Terrorismo Internacional: dimensões e desafios da participação brasileiraAlcides Costa Vaz

Síntese do II Encontro de Estudos

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APRESENTAÇÃO

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O terrorismo não é fenômeno exclusivo dos nossos dias. Sua história é secular, com numerosas variações de ideologia,

estilo, escopo, proporções e violência. Como se não bastassem as guerras, além de tantos outros confrontos armados ao longo da convivência entre nações, a História de nossa civilização ainda foi obrigada a assistir a outras explosões de barbárie no convívio dos povos, nutridas pelo fanatismo político, religioso ou étnico. O que antes não passava de focos localizados dessas manifestações radicais converte-se hoje numa ameaça global e interligada, desconhecendo fronteiras geopolíticas e quaisquer outras limitações previsíveis pela mente humana. Nesse contexto, o terrorismo assume a condição de principal ameaça à paz mundial e por isso mesmo mobiliza atenções e preocupações de todos os países envolvidos na causa comum da segurança internacional. Ciente da importância do tema, o Governo Federal elegeu, no âmbito da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDEN), o terrorismo como um dos principais assuntos de sua agenda. Nesse sentido, a Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, que exerce a função de Secretaria Executiva da CREDEN, destacou o terrorismo para figurar como o segundo de uma série de Encontros de Estudos, que procuram debater temas de grande relevância para o Estado brasileiro e, assim, reunir subsídios para o posterior estabelecimento de políticas públicas em áreas específicas. As organizações terroristas dos nossos dias operacionalizaram em larga escala seu potencial destrutivo e, segundo previsões de alguns observadores, estariam a um passo do acesso a artefatos atômicos e a armas químicas e biológicas de alcance genocida.

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A própria Organização das Nações Unidas já exprimiu sua preocupação a respeito em termos muito severos, lançando ao mundo um alerta contundente sobre a probabilidade próxima de atentados catastróficos. Tal procedimento se justifica plenamente após os atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova York, e o de 11 de março de 2004, em Madri, para não falar de outros atos de violência de menor escala e nos homens e mulheres-bomba, que passaram a ser utilizados como reação de última instância aos métodos de ação dos exércitos adversários. Os grandes atentados ocorridos nos Estados Unidos e na Espanha alteraram profundamente o desenho da almejada tranqüilidade global. Está comprovado que o terrorismo saltou dos rincões longínquos do Oriente Médio para ser um vetor decisório do futuro da Humanidade. Expressivas lideranças, de diferentes matizes ideológicos, clamam em favor de uma cruzada internacional contra o terror, com o objetivo de somar novas forças de poder. Não há dúvida de que esse horror sem fronteiras precisa ser enfrentado, detido e rechaçado em cada espaço do planeta. O terrorismo é a negação da civilização e do humanismo e também a imolação indiscriminada e cruel de inocentes. Há quem afirme, ainda, ser a massificação de assassinatos a regressão do homem aos seus instintos mais primitivos e ferozes. O Brasil, mesmo distanciado do epicentro físico e ideológico do problema, não pode deixar de prevenir-se diante de tais ameaças. O Governo brasileiro está consciente de que deve assumir posições práticas diante do perigo. O combate ao terrorismo deverá dispor de equipamento bélico moderno e de uma estrutura de inteligência especialmente preparada. Neste segundo volume, foram reunidos os trabalhos

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apresentados pelos especialistas convidados a discutir a temática do terrorismo, em Encontro realizado no dia 15 de dezembro de 2003, em auditório da Presidência da República. Além dos peritos convidados, estiveram presentes estudiosos e conhecedores do assunto, representantes de órgãos governamentais e professores universitários. O relatório final, também incluído na presente edição, retrata a síntese daquilo que foi objeto de discussão de todo o grupo e que enriquece em especial a abordagem do tema com a apresentação de diferentes pontos de vista. Os organizadores do Encontro de Estudos sobre Terrorismo esperam, a partir da circulação desta publicação, contribuir para o aprofundamento de conhecimentos em assuntos de maior relevância para a nossa sociedade e aguardam críticas de todos aqueles que se interessam pela problemática do terrorismo no Brasil e reconhecem sua importância.

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INTRODUÇÃO

Márcio Paulo BuzanelliOficial de Inteligência, ex-chefe das Divisões de Contraterrorismo e de Crime Organizado do Serviço de Inteligência Federal. Atualmente é assessor para assuntos relacionados a crimes transnacionais e inteligência no Gabinete de Segurança Institucional.

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A emergência do chamado novo terrorismo internacional, caracterizado pela maior imprevisibilidade e violência, e as

medidas de segurança adotadas pelos países diretamente atingidos pelo fenômeno têm produzido importantes modificações na cena internacional e nas relações entre países, com marcantes reflexos para o Brasil. A percepção de que o terrorismo é – e que permanecerá sendo - um fator exótico ao quadro nacional soa ingênua e equivocada, não sobrevivendo ao exame mais acurado. A lógica – se é que há alguma - do novo terrorismo, produzido por pequenas células, com vínculos associativos pouco convencionais e de difícil detecção, demonstra que nenhum país está livre de sua presença e ação destruidora. Mesmo sem ter sido alvo direto do terrorismo ou tendo jamais seu território sido utilizado como palco para uma ação terrorista contra tradicionais alvos, o nosso país, pode-se afirmar, vem sentindo as ondas de choque produzidas pelos últimos grandes atentados. Cidadãos brasileiros engrossaram as listas de vítimas nos atentados ao World Trade Center, em Nova Iorque; à zona turística em Bali; à representação das Nações Unidas, em Bagdá; e, recentemente, aos trens em Madri. Em paralelo, como signatário de doze das mais importantes convenções das Nações Unidas sobre terrorismo e também da convenção interamericana contra essa forma de crime transnacional, firmada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, bem como ativo participante dos mecanismos regionais pertinentes no âmbito do Mercosul, o Brasil é instado a tornar infralegal uma série de dispositivos estabelecidos por aqueles organismos multilaterais, ainda que não tenha, em seu arcabouço jurídico, uma precisa definição sobre o fenômeno, nem instrumentos outros que não os consignados pela extravagante

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Lei de Segurança Nacional (LSN), hoje a merecer necessários reparos. Reverberações dos atos terroristas têm, igualmente, se manifestado sob a forma do surgimento de adicionais custos econômicos e sociais provocados pela edição, no plano internacional, de medidas mais severas de controle e fiscalização no âmbito dos transportes aéreos e marítimos internacionais, no contexto do estabelecido pela Organização Marítima Internacional (IMO) e da exportação de mercadorias, setor este diretamente afetado pela lei norte-americana do bioterrorismo. Por último e não menos importante, cabe considerar que, por abrigar uma comunidade de origem árabe e de confissão islâmica numericamente significativa, instalada em grandes metrópoles e em áreas de fronteira de difícil fiscalização e controle, talvez já estejam sendo aqui estabelecidas as condições propícias para o trânsito e homizio de suspeitos de colaborarem com o terrorismo internacional. Como a agenda internacional tem privilegiado a questão da luta contra o terrorismo, tal presença árabe e islâmica – embora sua amplamente positiva inserção na sociedade brasileira -, se converte em tema de grande assiduidade no diálogo com os EUA e a União Européia, sendo recorrentes as preocupações manifestadas por tais interlocutores quanto à necessidade de ações governamentais de envergadura na área de segurança, de incluir medidas de controle de estrangeiros absolutamente incompatíveis com a tradição de hospitalidade e a total inexistência de práticas discriminatórias que caracterizam a nação brasileira. Cabe observar, nesse particular, que a posição brasileira tem sido a de negar a existência de indícios de atividades suspeitas em território nacional, em especial na tríplice fronteira Brasil-Argentina-Paraguai, o que é feito tomando como base os dados

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obtidos pelos sistemas de controle de estrangeiros, a vigilância de inteligência sobre os mais notórios suspeitos e as informações recebidas de serviços de inteligência estrangeiros. Não se menciona, todavia, o caráter limitado dessas ações de inteligência, as restrições legais para o seu pleno emprego, a dificuldade de atuação em comunidades de cultura diversa e tradicionalmente pouco permeáveis e a crônica carência de recursos como fatores restritivos ao conhecimento do problema e ao tratamento da questão. Em verdade, um exame preliminar da estrutura do aparato estatal voltado para o acompanhamento do terrorismo demonstra a imperiosa necessidade de sua melhor adequação e estruturação. Fora das áreas tradicionalmente envolvidas com a questão, outros setores do Governo com interesse no tema do terrorismo atuam de forma nem sempre coordenada, embora, setorialmente, tenham desenvolvido notável capacidade, como é o caso, entre outros, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (Anvisa), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária do Ministério da Agricultura (Embrapa), da Secretaria de Defesa Civil do Ministério da Integração Nacional e da Infraero. A percepção da existência dessa debilidade institucional e a agudização da ameaça potencial do terrorismo conduzem à inevitável suspeita analítica de que existiria nesse particular uma lacuna de ação governamental. Talvez, não seja o caso de discutir a criação de grandes aparatos de segurança, porém, mais importante e oportuno, de avançar na criação de um modelo de coordenação em algum modo similar aos existentes em países com experiência no tratamento da questão, porém condizente com as condições brasileiras. É conveniente recordar, nesse mister, as experiências vivenciadas pela Argentina, em março de 1992 e em julho de 1994,

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quando dos atentados, respectivamente, contra a sede da Embaixada de Israel e o edifício da AMIA, ambos em Buenos Aires, em que se revelou, de modo desconcertante, a total falta de coordenação e o despreparo institucional para prevenir os atos terroristas, enfrentar a situação de emergência e investigar a autoria. Como resultado da fragilidade de métodos e instituições nacionais, o Governo argentino teve que se sujeitar à constrangedora presença de investigadores internacionais e equipes de ajuda emergencial que acorreram àquele país vizinho nas duas ocasiões mencionadas. Em contrapartida, há o bom exemplo espanhol, por ocasião dos atentados de 11 de março de 2004, em Madri, quando se verificaram ações de pronta resposta, conduzidas em primeira hora, por um centro de coordenação, que, malgrado o choque da surpresa inicial, foi capaz de gerenciar a execução de medidas de controle, fiscalização e de inteligência, que não somente contribuíram para tornar inconsistente a tentativa de uso político do episódio, como, mais importante, propiciaram ações que conduziram, em tempo recorde, à identificação e prisão dos principais suspeitos. Em função do mencionado, avultam de importância e oportunidade os estudos sobre o tema do terrorismo internacional, a avaliação do potencial de este vir a atingir o nosso país - seja em território nacional ou interesses nacionais projetados no exterior - e, em particular, a adequação e preparo do Estado brasileiro para prevenir e neutralizar tais possibilidades. É nesse contexto que se inserem os estudos apresentados neste volume, orientados para a obtenção de respostas às candentes questões, levantadas, a um só tempo, pelo terrorismo e pelas medidas internacionalmente adotadas para detê-lo. Sendo a tônica dos trabalhos apresentados o equilíbrio na análise, é importante notar que os autores, todos da comunidade acadêmica, lograram fazê-lo

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com admirável sobriedade, evitando superdimensionar o problema e nunca sucumbindo à tentação de atribuir-lhe papel desproporcional na agenda nacional. Como conseqüência, procuraram estabelecer propostas de medidas para o seu tratamento dentro dos limites impostos pela realidade e sob o signo do exeqüível, úteis, portanto, ao processo de formulação de políticas públicas, fim último dos trabalhos.

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Eugenio DinizProfessor do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; membro do International Institute for Strategic Studies - IISS (Londres); membro do Grupo de Estudos Estraté-gicos da Coppe - UFRJ.Contato:[email protected]

CONSIDERAÇÕES SOBRE APOSSIBILIDADE DE ATENTADOS

TERRORISTAS NO BRASIL

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Introdução

O Brasil pode ser vítima de ataques terroristas? Posta nesses termos, essa pergunta só admite uma resposta: sim. De fato,

nada há que impeça que o Brasil venha a sofrer com atentados terroristas. Entretanto, um exame mais detido é necessário, de modo a orientar decisões políticas a respeito de como lidar com essa possibilidade. Naturalmente, a ponderação entre os riscos de o Brasil ser vítima de ataques terroristas e os custos de eventuais reorientações políticas para fazer face a essa possibilidade é uma questão política, e cabe apenas aos atores políticos pertinentes.

Para efetivamente examinarmos a questão, é preciso, antes de mais nada, circunscrever o que se entende como terrorismo, uma vez que, no debate público, normalmente não se tem claro o que se entende pelo termo. Afinal, esse termo é também fortemente carregado politicamente, e a imputação (ou não) da pecha de “terrorista” costuma ser antes um movimento de afirmação de certos interesses políticos, e menos uma avaliação concreta do tipo de fenômeno com que se está lidando.

Terrorismo como fenômeno1

Caracterização

Assim, é preciso novamente tentar circunscrever conceitualmente o objeto da discussão. Como se trata de um

1A discussão que se segue é uma versão editada de parte de um texto anterior. V. Diniz, Eugenio. 2002. “Terrorismo e combate ao terrorismo”. In Democracia e Justiça Social - 3º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Niterói, 2002. Disponível para download in www.cienciapolitica.org.br/encontro/relint.htm [Acesso em 4 de dezembro de 2003].

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fenômeno social — e nosso objetivo aqui é tratá-lo como tal, e não como uma questão jurídica —, a maneira mais útil de fazê-lo é definindo-o com relação a seus fins e a seus meios, ao mesmo tempo. A consideração dos meios nos ajudará a distinguir a ação terrorista de outras ações cujas finalidades sejam de mesma natureza; e a consideração dos fins nos ajudará a distinguir a ação terrorista de outras ações que empreguem os mesmos meios. Por outro lado, uma vez que o termo já tem uma história, não é possível enfrentar o problema conceitual do zero: é preciso levar em conta essa história, sob pena de que a reflexão se torne estéril e sem sentido — quando o tema em si mesmo é tão relevante para a vida de tantas pessoas. Com isso, podemos ter uma definição suficiente.

Consideremos primeiro os meios empregados no terrorismo. Os diversos entendimentos sobre o fenômeno, inclusive os aqui citados, relacionam-no com o emprego ou a ameaça de emprego da força física. Entretanto, esse emprego ou ameaça de emprego tem uma característica específica: sua indiscriminação, ou seja, qualquer pessoa que tenha qualquer tipo de ligação, por mais frágil e tênue que seja, com o alvo último de um grupo terrorista, pode ser alvo imediato de uma ação de força particular, sem que tenha pelo menos qualquer indício prévio de que seria melhor, por exemplo, evitar um determinado lugar.

Imaginemos uma explosão em uma discoteca ou um shopping center, sem que haja por perto alguma embaixada, sem que estejam ocorrendo bombardeios na vizinhança, sem que ela sequer pertença a uma rede de franquias cuja origem pudesse ser identificada de alguma maneira ao alvo último do grupo. Indo mais longe, em determinadas situações, não é necessário sequer que haja uma explosão na discoteca ou no shopping, para nos mantermos

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no exemplo. Basta que alguém telefone para a polícia ou para o estabelecimento e diga que há uma bomba em determinado lugar, programada para explodir em determinadas condições. A polícia ou a segurança do local o esvaziará e encontrará — ou não — o artefato. Quando isso acontece e as pessoas ficam sabendo, generaliza-se o pânico. O efeito é muito maior que o da destruição efetivamente causada. E quanto mais pessoas ficam sabendo, maior é o efeito. Na verdade, o efeito advém exatamente de as pessoas ficarem sabendo. É seu efeito psicológico que importa. Daí a adequação do nome de “terror”.

Entretanto, é preciso qualificar essa afirmação. A importância do efeito psicológico (ou, em termos mais antigos, “moral”) do emprego da força sempre foi salientado por diversos comandantes e escritores, tendo sido incorporado teoricamente no estudo da guerra por Carl von Clausewitz. Ao longo da sua principal obra, Da Guerra2, Clausewitz salienta não só a existência, mas a preponderância dos “fatores morais” sobre a mera superioridade ou inferioridade numérica. Quanto a isso, não há novidade. O que parece ser específico do terror — não necessariamente do terrorismo — é a virtual irrelevância, para a relação numérica ou material de forças, da destruição material (pessoas, equipamentos, suprimentos) causada.

Nesse sentido, um reconhecimento importante para uma circunscrição mais precisa do fenômeno de que estamos tratando é que o meio do terrorismo não é o emprego ou ameaça de

2 Clausewitz, Carl von. 1993. On War. (ed. and transl. by Michael Howard and Peter Paret). New York, Alfred A. Knopf.

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emprego da força, mas o emprego ou ameaça de emprego da força de uma maneira específica: o terror.

O entendimento de que é o emprego do terror e não o da força que caracteriza o terrorismo permite-nos distingui-lo de outras formas de luta mais tradicionais, que também empregam a força. Comecemos pela guerrilha. Guerrilheiros agem fundamentalmente sobre outras forças combatentes, visando a diminuir a força dessas últimas e também a miná-las psicologicamente, eventualmente aumentando sua própria força às custas de seus inimigos; mas esse emprego da força nada tem de indiscriminado nem de irrelevante em termos materiais. Apenas aposta num horizonte de tempo diferenciado, manifestando sua disposição de lutar e, a partir daí, fazer variar em seu favor a correlação de forças, psicológica e material, inclusive atraindo, a partir de seus sucessos pontuais, mais gente para a sua causa.

O mesmo vale para operações ditas convencionais. Se, por exemplo, um governo bombardeia diretamente as forças do ini-migo, seu interesse mais palpável é reduzir imediatamente sua ca-pacidade material de continuar lutando; embora isso produza um efeito psicológico ou moral, espera-se que o efeito material seja significativo. Se se trata de bombardear uma fábrica de munições ou de equipamento bélico, por exemplo, visa-se a diminuir a dis-ponibilidade efetiva de recursos combatentes do inimigo, embora mais no futuro e não tão imediatamente; o fato de civis morrerem não deve ofuscar o fato de que não se trata de alvos indiscrimina-dos, sem relação com o efeito material na capacidade de combater do inimigo. Indo mais longe, se se bombardeiam as instalações elétricas que permitem a um conjunto de fábricas continuar pro-duzindo, é ao mesmo efeito que se está visando, ou seja, reduzir a capacidade material de combater do inimigo — ainda que isso

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produza efeitos colaterais na população civil. Por mais doloroso que isso seja, não se trata de emprego do terror; portanto, não se trata de terrorismo.

Consideremos agora os fins. É um entendimento comum que o terrorismo tem motivações, em última análise, políticas. Por mais que o termo “políticas” possa carregar alguma imprecisão e ambigüidade, restringir essa motivação política última do terrorismo traz mais prejuízos que vantagens, pois teríamos que nos contentar com uma enumeração exaustiva das motivações hoje existentes, excluindo arbitrariamente outras possibilidades que venham a surgir no futuro, sem nenhum ganho para o entendimento.

Com isso, outros fenômenos ficam claramente excluídos da caracterização de terrorismo, mesmo levando em conta a ambigüidade do que seja “motivação política”. Um exemplo evidente de exclusão é, por exemplo, o da seita japonesa Aun Shinrikyo, que ficou famosa após a utilização de sarin3 no metrô de Tóquio: ao que tudo indica, trata-se de uma seita apocalíptica, cujos propósitos são a destruição e a morte por si mesmas, para que uma “nova sociedade” possa surgir da eliminação de uma suposta ordem corrupta existente. É difícil colocá-la na categoria de terrorismo4.

3 O sarin é um gás desenvolvido na Alemanha em 1938. Ao ser inalado, ele age rapidamente sobre o sistema nervoso levando à paralisia muscular e à cessação da respiração, levando o contaminado à morte. Seu nome deriva dos nomes dos cientistas que o desenvolveram: Schrader, Ambrose, Rudriger e van der Linde. v. Norris, John; Fowler, Will. 1997. Nuclear, biological and chemical warfare on the modern battlefield. London, Brassey’s.4 O mesmo valeria para os Thugs, que tiveram uma longa atuação na Índia. A propósito, v. Rapoport, David C. 1984. “Fear and Trembling: Terror in Three Religious Traditions”. American Political Science Review, 78, n. 3 (September 1984): 658-677 (que, entretanto, considera os Thugs como terroristas — mostrando a dificuldade conceitual de se trabalhar com terrorismo).

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5 Um exemplo típico seria o bombardeio, inapropriadamente chamado por muitos de “estratégico”. A respeito, v. Proença Júnior, Domício; Diniz, Eugenio; Raza, Salvador. 1999. Guia de Estudos de Estratégia. Rio de Janeiro, Jorge Zahar. Outros exemplos de emprego político não-terrorista do terror seriam o regime de terror, como o praticado por Stalin entre 1928 e 1932; e o “equilíbrio nuclear do terror”, que marcou a Guerra Fria.

Poderíamos, portanto, definir o terrorismo como “o emprego do terror para fins políticos” — ou, mais simplesmente, “o emprego político do terror”? Afinal, isso nos daria uma definição simples e elegante, com uma relação estreita entre os termos da definição e a definir. Entretanto, esse uso não só forçaria demais o uso corrente do vocábulo “terrorismo”, como, a meu ver, colocaria sob o mesmo rótulo fenômenos diferentes, com características diferentes. Há empregos do meio terror para fins políticos que, se os caracterizássemos como terrorismo, perderíamos a especificidade do fenômeno, o que poderia levar-nos a erros graves no momento de enfrentá-lo — podemos chamá-los de emprego político não-terrorista do terror5. A preferência do cientista pela construção teórica elegante deve, aqui, ceder lugar à relevância social e à utilidade pragmática de seu trabalho. E o que nos interessa aqui é o emprego político terrorista do terror, que passo agora a analisar.

Imaginemos que um grupo de pessoas seqüestra um avião, desviando-o para outro aeroporto e fazendo os passageiros e tripulação — independentemente de quem sejam — de reféns. Rapidamente a notícia se espalha, as negociações se prolongam, aumentando a tensão e o interesse do público em geral no episódio. Um grupo assume a autoria do seqüestro. Rapidamente, divulga-se a existência do grupo, começam a correr notícias

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a respeito da causa alegadamente defendida por ele e sobre a situação que a gerou. Seja qual for o desenlace concreto da situação (por exemplo, morte ou não de um ou mais reféns; os seqüestradores conseguem ou não escapar), é possível que o grupo em questão tenha atingido seu objetivo mais imediato: tornar conhecida uma situação e a existência de um grupo voltado para mudá-la. Bem provavelmente, esse grupo considera que há uma quantidade grande de pessoas que também está insatisfeita com aquela situação; várias dessas pessoas estariam dispostas a lutar contra ela; apenas não sabem como fazê-lo ou se sentem isoladas e impotentes na sua insatisfação. Ao tornar conhecido aquele grupo, os autores do seqüestro esperam ampliar o número de adesões à sua causa, aumentando progressivamente sua força até que esteja em condições de enfrentar os agentes da opressão a que se julgam submetidos. Um exemplo típico desse tipo de atuação seria a Organização para Libertação da Palestina (OLP) nos anos 1960.

Agora, imaginemos que os membros de um outro grupo, ligado a uma outra causa, acreditem que há pessoas insatisfeitas com a situação que o grupo combate e que sabem que há outras pessoas lutando, mas não acreditam na possibilidade de derrotar os responsáveis por essa situação e, portanto, não se engajam na luta. Como aquele grupo poderia modificar essa percepção e recrutar mais gente para combater pela sua causa? Demonstrando a vulnerabilidade do país, governo ou facção oponente, através da realização de seqüências de atentados que repetidas vezes mostrem a incapacidade do oponente de proteger seus cidadãos ou súditos; em determinadas situações, pode-se querer mostrar até mesmo a incapacidade das próprias forças armadas ou policiais do oponente de protegerem a si mesmas. Nesse caso, as conseqüências do atentado têm grande importância, além da

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divulgação: é preciso que a vulnerabilidade fique caracterizada pela ocorrência concreta de danos. Também aqui os exemplos são inúmeros, mas um particularmente famoso e dramático foi o duplo atentado cometido pelo Hezbollah contra soldados estadunidenses e franceses que faziam parte da força multinacional de paz em Beirute, em 19836. O problema é que a vulnerabilidade supostamente demonstrada nesses episódios é ilusória; o sucesso dos atentados decorre simplesmente do fato de que é impossível estar preparado o tempo todo para se defender em todos os lugares e situações; essa é a vantagem tática do terror7. Com o passar do tempo, a consciência de que as perdas e danos são absorvidos sem maiores dificuldades pelo alvo neutraliza o impacto dos atentados, que tendem a se tornar estéreis. Dificilmente, portanto, essa atitude produz qualquer resultado significativo, a não ser que ela produza uma reação, uma alteração política de rumos da parte do alvo (como se verá mais abaixo).

Mas a situação pode ser ainda mais difícil, do ponto de vista de um grupo que combate uma determinada situação política: as demais pessoas que viveriam sob a mesma situação não estariam insatisfeitas porque, na visão do grupo, poderia haver um mascaramento da opressão; para que as pessoas se dispusessem a combatê-la, seria preciso, antes de mais nada, desmascará-la. Como fazê-lo? Provocar da parte do opressor uma reação que não deixe dúvidas quanto à realidade da opressão, desnudando-a inteiramente.

6 A respeito, ver Kramer, Martin. 1998. “The moral logic of Hizballah”. In: Reich, Walter (ed.). 1998. Origins of terrorism: Psychologies, ideologies, theologies, states of mind. Washington, D.C., Woodrow Wilson Center Press: 131-157; e Jenkins, Brian M. 1986. “Defense Against Terrorism”. Political Science Quarterly, v. 101, n. 5: 773-786.7 A propósito, v. Betts, Richard K. 2002. “The soft underbelly of American primacy: the tactical advantages of terror”. Political Science Quarterly, v. 117, n. 1, p. 19-36.

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A Frente de Libertação Nacional (FLN), na Argélia, parece ter tentado exatamente isso: deixar claro que, ao contrário do que afirmavam os franceses e o governo francês, os argelinos não eram considerados iguais aos europeus. Ao iniciar seus atentados, em 1954, a FLN desencadeou uma reação tal do governo francês — culminando com o fato de a repressão aos argelinos passar a ser feita exclusivamente por europeus — que mostrou a cisão evidente entre os dois grupos. Ao contrário do que esperava, a FLN não aumentou suas forças a partir daí, e a independência da Argélia se deveu a inúmeros outros fatores8. Mas a reação do governo francês aos atentados da FLN efetivamente inviabilizou a sustentação da ficção de igualdade entre os “franceses” europeus e argelinos, e, portanto, da inexistência de uma “nação argelina”9.

O que há de comum entre as três situações acima, além da presença do elemento do terror? O que as distingue do que chamamos de emprego político não-terrorista do terror? Nas situações de emprego político não-terrorista do terror, visa-se a forçar diretamente o alvo a comportar-se da maneira proclamada por quem está empregando o terror; há uma vinculação direta entre o emprego do terror e o objetivo último buscado por quem o emprega. Exemplo: o objetivo último dos Aliados com relação ao Japão era que este se rendesse, abrindo mão de suas conquistas territoriais. A partir de janeiro de 1945, bombardearam-se indiscriminadamente as cidades do Japão para aterrorizar sua

8 A respeito, v. Crenshaw, Martha. 1995a. “The effectiveness of terrorism in the Algerian War”. In: Crenshaw, Martha (ed.). 1995. Terrorism in Context. University Park (Penn.), Pennsylvania University Press. p. 473-513.9 V., por exemplo, Fromkin, David. 1975. “The Strategy of Terrorism”. Foreign Affairs, July 1975.

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população e apressar a rendição do seu governo, incluindo a renúncia deste às conquistas territoriais.

Nas situações logo acima, em contraste, o objetivo do emprego do terror é permitir romper uma barreira que impede a reunião de forças para mudar uma situação; não há, no caso do terrorismo, uma vinculação direta entre o emprego do terror e o objetivo último buscado pelo grupo, até porque este não dispõe de força suficiente para fazê-lo; seu objetivo é, simplesmente, viabilizar um aumento de sua força. Quando se quer obrigar alguém a fazer algo, é preciso dizer a ele o que se quer; nos exemplos acima, a melhor maneira de um grupo não obter o resultado imediato desejado é anunciá-lo.

Neste sentido, pode-se dizer que o terrorismo é apenas uma parte, ou etapa, de um seqüenciamento de atos e engajamentos vinculados a um propósito político último, a que ele se vincula de maneira apenas indireta e não de maneira imediatamente perceptível. Desse modo, o terrorismo não deve ser entendido como uma estratégia propriamente dita; poderíamos chamá-lo, talvez, de um estratagema, num sentido um pouco mais rigoroso que o de um simples ardil, mas envolvendo necessariamente a idéia de despiste e ocultação de seus objetivos imediatos — mas não dos seus objetivos últimos.

É importante salientar o quanto isso tem de arriscado. O emprego do terror tende geralmente a alienar a população, dessolidarizando-a com a causa defendida pelo grupo; é por isso que, em algumas situações — como quando se trata simplesmente de publicizar uma causa —, a destruição efetiva deve ser minimizada e os próprios atentados não devem se multiplicar muito. Ao contrário, quando se trata de expor vulnerabilidades e induzir mudanças de comportamento significativas no alvo, a ocorrência de destruição

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passa a ter importância em si mesma — independentemente de suas conseqüências materiais imediatas para a correlação de forças. Isso intensifica a resistência ao terror da parte dos diversos públicos, tendendo a aumentar a prioridade do combate ao terrorismo e, no limite, podendo ter como conseqüência o desbaratamento do grupo. É por isso que as ações têm que ser calculadas para provocar da parte do alvo final (não do alvo imediato da ação) uma reação favorável ao grupo.

O problema é que, caso se conheça ou perceba o intento imediato do grupo, a reação que ele quer que o alvo imediato tenha, suas intenções são facilmente frustradas. A experiência de lidar com o terrorismo vai permitindo o desenvolvimento de maneiras eficazes de lidar com ele e, principalmente, o atenuamento do impacto de cada ação particular — diminuindo progressivamente sua eficácia.

A contra-resposta óbvia do grupo terrorista é aumentar a dramaticidade dos atentados; a maneira mais eficaz de fazê-lo é, naturalmente, aumentar o número de mortos em cada atentado — agravando o risco de alienar possíveis apoios, ao invés de angariá-los. Como se disse antes, portanto, o recurso ao terrorismo é extremamente arriscado.

Entretanto, existiriam outras maneiras de superar essas mesmas dificuldades: organização de base, intensa atuação política junto à base potencial de apoio do grupo, possivelmente conjugada com o emprego de guerrilha, por exemplo. Por que é, então, que alguns grupos empregam um estratagema tão arriscado como o terrorismo?

A sensação de urgência ou de premência é que é o diferencial. Essa sensação pode provir de várias fontes: seja da personalidade dos líderes do grupo, seja a pressão externa de algum competidor, seja a existência de uma janela de oportunidade política percebida pelos líderes do grupo; não importa. O que é relevante é que o grupo

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considera que não há tempo para processos demorados, e decide acelerar as coisas através do estratagema arriscado do terrorismo10.

Com tudo isso em vista, portanto, podemos entender terrorismo como sendo o emprego do terror contra um determinado público, cuja meta é induzir (e não compelir nem dissuadir) num outro público (que pode, mas não precisa, coincidir com o primeiro) um determinado comportamento cujo resultado esperado é alterar a relação de forças em favor do ator que emprega o terrorismo, permitindo-lhe no futuro alcançar seu objetivo político — qualquer que este seja.

Conseqüências

Desse entendimento, é possível extrair importantes conseqüências. Exploraremos aqui apenas as relevantes para nossos objetivos11.

Em princípio, a decisão de recorrer ao estratagema do

10 No dizer de Martha Crenshaw: “In addition to small numbers, time constraints contribute to the decision to use terrorism. Terrorists are impatient for action. This impatience may, of course, be due to external factors, such as psychological or organizational pressures. The personalities of leaders, demands from followers, or competition from rivals often constitute impediments to strategic thinking. But it is not necessary to explain the felt urgency of some radical organizations by citing reasons external to an instrumental framework. Impatience and eagerness for action can be rooted in calculations of ends and means. For example, the organization may perceive an immediate opportunity to compensate for its inferiority vis-à-vis the government. A change in the structure of the situation may temporarily alter the balance of resources available to the two sides, thus changing the ratio of strength between government and challenger.” (Crenshaw, Martha. 1998. “The logic of terrorism: Terrorist behavior as a product of strategic choice”. In: Reich, Walter (ed.). 1998. Origins of terrorism: Psychologies, ideologies, theologies, states of mind. Washington, D.C., Woodrow Wilson Center Press. p. 13).11 Em Diniz, 2002 (op. cit.), há um tratamento mais exaustivo de todas as implicações teóricas e práticas gerais da discussão que acabamos de fazer. Alguns dos pontos a serem enfrentados aqui,

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terrorismo por parte de um ator qualquer só faz sentido diante da percepção subjetiva de uma urgência. Como visto, só essa urgência pode tornar racional correr os inúmeros riscos da opção. Ainda assim, os riscos são tão altos que mesmo a sensação de urgência só poderá induzir ao recurso ao terrorismo um ator cujas motivações sejam realmente intensas. Ora, tanto a sensação de urgência como intensas preferências políticas são fenômenos subjetivos dificilmente identificáveis ex ante. Assim, uma identificação da decisão de um grupo de recorrer ao estratagema do terrorismo antes que ele comece a produzir seus ataques exigiria sólida inteligência, obtida de dentro da organização. Entretanto, uma política ativa de obtenção dessa inteligência não é viável do ponto de vista prático, pois, em tese, seria necessário ter uma presença em praticamente todas as organizações que tenham alguma divergência significativa com relação a orientações políticas predominantes — mesmo assim, sem garantias de que essa tentativa de antecipação seja bem sucedida. Note-se que, em função das características do fenômeno, nem mesmo seria útil priorizar os grupos mais relevantes ou conhecidos: como já visto, o recurso ao terrorismo visa exatamente a aumentar a relevância de quem se julga dispor de menos força do que poderia. Desse modo, tentar antecipar ativamente a possibilidade de surgimento de um novo grupo terrorista exigiria um aparato de inteligência intrusivo e dispendioso; na prática, um estado policial — sem garantias de sucesso.

Presumindo — e torcendo para — que essa opção esteja fora

porém, visam a atender a algumas demandas específicas, solicitadas diretamente pela Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais do Gabinete de Segurança Institucional, e não foram contempladas no texto de 2002. Ao mesmo tempo, conseqüências que não têm implicações diretas para o problema que ora estamos discutindo não serão examinadas aqui.

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de cogitação, sobra-nos, portanto, a consideração da possibilidade de atentados por atores que já fizeram a opção pelo terrorismo. Como felizmente até agora nenhum grupo brasileiro fez essa opção, resta-nos considerar a possibilidade de ataques por grupos terroristas com capacidade de atuação internacional.

Antes de mais nada, é preciso ter em mente o seguinte: o modo de atuação dos grupos terroristas demanda a realização — ou ameaça de realização — de atos violentos espetaculares, qualquer que seja o objetivo último que o grupo terrorista queira alcançar. Assim, os alvos de atentados têm que atender a dois requisitos principais: vulnerabilidade (serem possíveis de atacar) e visibilidade (gerarem grande impacto). O local onde se situa o alvo não é necessariamente relevante: é mais importante sua conexão simbólica com o grupo a que se quer atingir. Assim, um atentado contra uma associação israelita foi realizado em Buenos Aires, e embaixadas estadunidenses em diversos países são sempre alvos potenciais de ações terroristas. Quase todos os países têm pontos de grande visibilidade e carga simbólica, capazes de gerar grande repercussão caso sejam alvos de atentados. O Brasil não é diferente.

A esse fator, agregue-se o seguinte. Considere-se a Al Qaeda. Depreende-se da informação disponível sobre a organização que seu objetivo último é a reunificação política do mundo islâmico, como no tempo do califado, sob um regime cuja orientação religiosa seja convergente com a dos principais líderes do grupo, isto é, uma versão rigorosa do islamismo sunita. Para tanto, dois passos seriam necessários: a derrocada, em países muçulmanos, de regimes considerados ímpios — ainda que professem uma adesão nominal à orientação religiosa da Al Qaeda, como a família real saudita; e a criação de uma solidariedade transfronteiriça entre os fiéis. Ao que parece, aos olhos do grupo, a criação dessa

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solidariedade transfronteiriça exigiria a difusão da percepção de que todo o mundo muçulmano estaria ameaçado por um inimigo comum, identificado como o Ocidente, junto com seus aliados julgados ímpios — Arábia Saudita, Turquia.... Nesse momento, portanto, parece que o grupo espera obter, com sua atuação, uma reação unificada de todo o mundo não-muçulmano — a aliança “judeus-cruzados” — que possa produzir a sensação de ameaça que criaria a grande solidariedade transfronteiriça. Até o momento, essa reação não se produziu. Resta saber se, para o grupo, é mais importante ou eficaz, nesse momento, reforçar a atuação dos países já engajados — como os Estados Unidos e o Reino Unido; ou ampliar o engajamento de outros menos engajados — como, pelo menos até pouco tempo atrás, a Turquia e a Arábia Saudita; ou engajar os não-engajados — como poderia ser o caso do Brasil ou da Argentina; ou alguma composição de esforços nessas direções. É nessas duas últimas possibilidades que, a meu ver, devemos nos concentrar no que se refere à Al Qaeda.

Até agora, já houve dois alertas à Argentina12 referindo-se à possibilidade de ocorrência de atentados naquele país, tendo sido o mais recente em novembro de 2003, e nenhum ao Brasil. Isso não exclui a possibilidade de ocorrências de atentados no Brasil: pode refletir uma dificuldade de obtenção de inteligência, por exemplo. De qualquer modo, parece que temos uma janela de oportunidade para enfrentarmos as deficiências de nosso aparato de inteligência e de segurança pública, em termos de necessidades organizacionais e

12 A respeito, v. “Argentina reforça segurança por medo de ‘terror’”. BBC Brasil.com, 26 de novembro de 2003. Disponível em www.bbc.co.uk/portuguese/index.shtml (acesso em 26 de novembro de 2003).

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realocação de prioridades. Do contrário, se algo vier efetivamente a acontecer, o Brasil ficará inteiramente na dependência de serviços de inteligência estrangeiros, particularmente dos Estados Unidos, Reino Unido e Israel, sem ter, pelo menos nos momentos iniciais, capacidade de oferecer inteligência adequada em troca. Isso implicará que a retribuição à colaboração a esses serviços talvez tenha que ser feita em outros pontos da pauta política de interesse desses países. Tendo em vista os rumos atuais da política externa do Presidente Lula, que indicam pouca sensibilidade às necessidades políticas e de segurança dos países acima, o custo político pode, pelo menos em princípio, vir a ser alto.

Consideremos agora a possibilidade de ocorrência de atentados na Argentina. Por ora, cabe lembrar que a Argentina já foi palco de dois atentados em 1992 e 1994: o primeiro contra a embaixada israelense e o segundo contra uma associação israelita argentina, a AMIA. O saldo total dos atentados foi de 114 mortos. Na ocasião, a investigação conduzida pelos órgãos oficiais da Argentina foi pífia, e há mesmo indícios de protelação e sabotagem das investigações por parte dos órgãos oficiais. Indícios mais consistentes apontam para uma operação planejada no Irã, a partir de uma conexão local com o Hezbollah13.

O mero desenrolar das investigações na Argentina indica que

13 A respeito dos atentados na Argentina, v. Rohter, Larry. 2003. “Defector Ties Iran to 1994 Bombing of Argentine Jewish Center”. The New York Times online, 7 de novembro de 2003. Disponível em www.nytimes.com (acesso em 7 de novembro de 2003); “Iran blamed for Argentina bomb”. BBC News World Edition, 6 de novembro de 2003. Disponível em http://news.bbc.co.uk (acesso em 6 de novembro de 2003); “Argentina to release secret files on Jewish center bombing”. Haaretz online, 6 de novembro de 2003. Disponível em www.haaretzdaily.com (acesso em 6 de novembro de 2003); US Department of State. International Religious Freedom Report 2002. Disponível em www.state.gov/g/drl/rls/irf/2002/14029pf.htm.

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também lá parece haver uma dificuldade no aparato de inteligência e segurança locais, com o agravante de que lá a experiência já mostraria a existência de um ambiente favorável. Caso isso ocorra de fato, a repercussão no Brasil pode ser muito grande. Em primeiro lugar, poder-se-ia gerar uma sensação de insegurança que seria passada à população brasileira, implicando maior pressão sobre o Governo brasileiro, inclusive no tocante a suas opções políticas no plano internacional. Além disso, uma eventual redefinição das prioridades políticas do Governo argentino poderia exigir deste maior reaproximação com os que viriam a ser os principais colaboradores no combate à capacidade de ação de grupos terroristas em território argentino. Essa readequação política poderia incidir diretamente sobre prioridades da política externa brasileira. Como se sabe, o ponto prioritário da política externa brasileira, reafirmado em discursos do Presidente Lula e do Chanceler Celso Amorim14, é o exercício de uma liderança ativa na América do Sul, inclusive de modo a fortalecer sua posição na negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A Argentina é elemento chave dessa política, e uma reorientação do seu engajamento poderia dificultar significativamente as pretensões brasileiras no continente.

No caso da Argentina, porém, há pelo menos uma boa notícia. Se for verdade que os atentados anteriores foram produzidos a partir de uma conexão Hezbollah-Irã, há bons motivos para

14 V. principalmente os discursos de posse de ambos: Lula da Silva, Luís Inácio. 2003. Discurso do Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Sessão de Posse, no Congresso Nacional. Disponível em www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe.asp?ID_DISCURSO=2029; Amorim, Celso Luiz Nunes. 2003. Discurso proferido pelo Embaixador Celso Amorim por ocasião da Transmissão do Cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores. Disponível em www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe.asp?ID_DISCURSO=2032.

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15 V. por exemplo “Iran vows to sign nuclear protocol”. CNN.com, 13 de dezembro de 2003. Disponível em www.cnn.com (acesso em 13 de dezembro de 2003).16 A respeito, v. Stratfor. 2003. Geopolitical Diary: Thursday, Dec. 11, 2003. Disponível em http://www.stratfor.biz/Story.neo?storyId=225677 (acesso em 12 de dezembro de 2003).17 É bom lembrar que, no começo de 2004, o processo político reformista no Irã foi praticamente interrompido pelas manobras eleitorais e políticas do Conselho de Guardiães. Desde então, vem-se notando um endurecimento do regime iraniano, particularmente nas negociações com a Agência Internacional de Energia Atômica. Talvez haja uma conexão entre esses processos e uma eventual percepção, pelas autoridades iranianas ou parte delas, da vulnerabilidade de sua situação a partir dos desdobramentos da situação no Iraque.

considerar que essa conexão provavelmente não será ativada por enquanto. Graças à decisão, à vitória e à presença dos Estados Unidos e seus aliados no Iraque, o Irã vem sofrendo enormes pressões para uma readequação política de envergadura às novas realidades. Um acelerado e delicado processo de reaproximação vem tendo lugar, e seus sinais mais marcantes são a intensificação de sua colaboração com a Agência Internacional de Energia Atômica15 e uma troca — não admitida como tal — de prisioneiros: o Conselho de Governo Iraquiano se dispôs a entregar membros da organização Mujahadin-e-Khalq que se encontravam no Iraque, e o Irã a entregar membros da Al Qaeda que detinha em seu poder16. Esse processo vem sendo caracterizado por muitas idas e vindas, mas um atentado do Hezbollah na Argentina poderia isolar definitivamente o Irã. Como o Hezbollah é extremamente sensível ao apoio iraniano, e é ele mesmo um dos focos de atuação política no Oriente Médio, é possível imaginar maior contenção da organização. Pelo menos um dos possíveis autores de atentados na Argentina pode estar sem condições políticas de atuar, graças aos Estados Unidos e seus aliados. Isso não significa que se deve diminuir a cautela ou a atenção, mas sim destacar que uma eventual mudança de curso na política iraniana poderia modificar a situação17.

Naturalmente, isso não invalida a possibilidade de atuação por

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parte da Al Qaeda, e os dois alertas anteriores são um indício dessa possibilidade. Se efetivamente a organização realizar um ou mais atentados na Argentina, os danos à posição política brasileira poderão ser consideráveis. Cabe lembrar que o trânsito entre Brasil e Argentina é muito fácil; se eventuais investigações identificarem a utilização do território brasileiro como rota de passagem ou, pior, como local de planejamento dos atentados, o Brasil poderá se ver numa posição política bastante delicada; nesse caso, não apenas por pressão dos Estados Unidos, Reino Unido, Israel etc., mas também por pressão argentina. Dificuldades significativas com a Argentina teriam um impacto muito negativo sobre a atual política externa brasileira.

Avaliação

Com essas considerações em mente, pode-se passar diretamente às respostas às perguntas que me foram dirigidas.

O Brasil pode ser palco para ações terroristas contra seus alvos tradicionais?

Sim. Os alvos tradicionais de organizações terroristas dispõem de inúmeros pontos e instalações no Brasil. A visibilidade de eventuais atentados seria garantida pelo próprio ineditismo de ocorrerem no Brasil. Ao mesmo tempo, as dificuldades do aparato de inteligência e segurança brasileiro aumentam as condições de vulnerabilidade dos possíveis alvos. O fato de que nenhum alerta tenha sido dado é uma faca de dois gumes: pode significar tanto uma baixa probabilidade de ocorrência quanto uma baixa capacidade de detecção — portanto, maior vulnerabilidade.

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O Brasil pode ser alvo de ações terroristas?

Sim. Isso dependerá exclusivamente do cálculo estratégico de eventuais autores. No caso da Al Qaeda em particular, ela pode decidir que o momento exigiria a ampliação da coalizão que a combate efetivamente. Se, além disso, a organização vier a encontrar dificuldades em agir em outros lugares em que vem agindo, e precisar mostrar a seus próprios seguidores, atuais e potenciais, que ainda tem condições de luta; como o Brasil vem se revelando incapaz de conter determinadas ações em seu próprio território — como as recentes ondas de ataques de criminosos a alvos policiais em São Paulo, por exemplo; e como a entrada e saída do Brasil é relativamente fácil, tudo isso poderia conjugar-se para tornar o Brasil um alvo direto de ações terroristas.

O Brasil pode ser local de obtenção de facilidades para terroristas?

Sim. As já mencionadas dificuldades do aparato de inteligên-cia e segurança, conjugadas com a grande diversidade de laços transnacionais das diversas comunidades culturais brasileiras tornam o país um local privilegiado para a obtenção de tais facilidades. Como destaque, cabe lembrar que é voz corrente que passaportes brasileiros são altamente valorizados no subterrâneo internacional, desde organizações criminosas até terroristas, exatamente em função dessa diversidade.

Seriam possíveis ações terroristas não vinculadas ao chamado terrorismo internacional?

Não é possível antecipar nada de concreto, para além de

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uma mera possibilidade hipotética. Como já ressaltado, a identificação antecipada do recurso ao terrorismo por algum grupo exigiria um aparato incompatível com o estado de direito e extraordinariamente dispendioso.

Quais seriam as possíveis motivações para a ocorrência de atentados?

Os grupos que geram preocupação imediata têm objetivos políticos, ainda que eventualmente decorrentes de afinidades e motivações religiosas. A Al Qaeda visa à reunificação política do mundo muçulmano; o Hezbollah visa à supressão do Estado de Israel.

Em eventuais atentados, seria possível o emprego de agentes de destruição em massa? Quais as conseqüências?

Em caso de ocorrência de atentados, o emprego de agentes de destruição em massa é tão possível quanto em qualquer outro lugar, mas com um agravante: sua eventual produção ou entrada no Brasil talvez fosse menos detectável. As conseqüências seriam enormes. Em primeiro lugar, a destruição concretamente causada seria significativa, variável conforme o agente e a qualidade do meio de entrega. Mas a principal conseqüência seria a irradiação do temor, a necessidade dramática do enfrentamento da organização autora do atentado, a súbita priorização política do tema e a extrema visibilidade que a atuação brasileira no combate ao terrorismo passaria a ter aos olhos do mundo. Isso poderia exigir uma reconfiguração da política brasileira em termos extremamente desvantajosos para o Brasil. Desse ponto de vista, cada progresso no combate à proliferação de

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armamentos de destruição em massa e à possibilidade de que estes venham a cair em mãos de terroristas é favorável ao Brasil.

O tema do terrorismo poderia vir a ocupar um papel desproporcional na agenda internacional do país?

A meu ver, o tema do terrorismo já ocupa um papel desproporcional na agenda internacional do país, e é um papel desproporcionalmente baixo. A partir apenas das informações publicamente disponíveis, parece que o Governo brasileiro não vem considerando adequadamente a possibilidade de ocorrência de atentados contra o país ou contra vizinhos, e principalmente não vem considerando adequadamente o peso político do combate a organizações terroristas com capacidade de ação internacional na política mundial. Na ausência de atentados no Brasil ou em algum país vizinho, principalmente na Argentina, uma reconsideração da importância do tema poderia nos dar alguma posição de barganha de modo a negociar um eventual apoio. Depois da eventual ocorrência de um atentado no Brasil ou na Argentina, esse apoio teria que ser vendido barato.

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Sugestões18

O que fazer para enfrentar essa situação? Independentemente de qualquer modificação na atuação política internacional do Brasil, a questão central é aumentar a eficácia e a credibilidade dos diversos organismos de inteligência do Brasil. A discussão da credibilidade é crítica. Primeiro, vale a pena reafirmar a importância de se garantir não apenas a vida e a segurança dos brasileiros, mas também as instituições democráticas. Segundo, uma baixa credibilidade das organizações de inteligência diminui a boa vontade da população em cooperar, prejudicando-se o trabalho e diminuindo sua eficácia.

Trata-se, portanto, de apresentar alguns pontos como sugestão para debate. Não vou me concentrar aqui nos pontos óbvios: disponibilidade de pessoal e recursos; mecanismos de formação, aprendizado e aperfeiçoamento; alocação de prioridades; reconfiguração interna dos órgãos para atender à diretriz, Plano ou Política Nacional de Inteligência. Conquanto obviamente cruciais, essas modificações não produzirão resultados significativos se o quadro mais geral de sua atuação não for adequado a um bom funcionamento. Além disso, sugerir modificações naqueles pontos exigiria um exame detido da atual situação, o que implica investigação empírica envolvendo

18 O que se segue está fortemente baseado em Diniz, E. 03 dez. 2001. “Brasil: Inteligência e Combate ao Terrorismo”. In: Conjuntura Política, vol. 32, Belo Horizonte. http://cevep.ufmg.br/bacp/default.htm; Publicado em 3 de dezembro de 2001; e em Diniz, E.; M. Cepik; D. Proença Jr. 09 jan. 2003. “Inteligência no Novo Governo”. In: O Globo. Rio de Janeiro.

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matéria sigilosa; portanto, tratar-se-ia de um novo esforço com condições especiais. Sendo assim, vou concentrar-me em aspectos políticos e institucionais de maior alcance.

Um primeiro ponto é a regulamentação das Operações de Inteligência e de Contra-inteligência. Embora o grosso da atividade de inteligência se baseie em informações provenientes de fontes ostensivas, a necessidade e existência das Operações está reconhecida na lei que criou a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e no Regimento Interno da Polícia Federal19. Porém, não há dispositivo jurídico que as regulamente. Cria-se assim um perigoso vácuo jurídico. Afinal, às organizações compete realizar as operações, mas, como não há regulamentação, cada uma tem que construir seus próprios entendimentos sobre as condições e as maneiras como as conduzirão. No limite, os agentes podem se ver em situações difíceis do ponto de vista jurídico, caso essas atividades não estejam amparadas por mecanismos legais. Melhor regulamentação poderá, portanto, não só aumentar a eficácia das operações, mas também aumentar o controle jurídico e político sobre elas — diminuindo assim a desconfiança quanto a tais atividades.

É preciso considerar também a questão da seleção do pessoal que irá desempenhar as funções — excluindo pessoal externo a ser empregado em decorrência de Operações. Isso é importante porque, por mais bem intencionadas que sejam as pessoas, há sempre o risco de formação de enclaves de poder

19 Ver o Regimento Interno da Polícia Federal — Portaria nº 1.300, do Ministério da Justiça, de 04 de setembro de 2003 (disponível em www.dpf.gov.br), art. 19, inciso III; e a lei que criou a ABIN — Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999, art. 4º, inciso I.

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agrupados em torno de determinados indivíduos. No caso da ABIN, onde, em princípio, todo o pessoal é contratado para atividades de inteligência, esse risco pode ser diminuído, por exemplo, pela observância rigorosa da contratação por concurso público, evitando inclusive a requisição. Já nas Forças Armadas e na Polícia Federal — assim como nas Polícias Militares e nas Polícias Civis —, embora os indivíduos sejam também concursados, o recrutamento para o exercício da atividade de inteligência é feito a partir daqueles que já atuam na área. Isso tende a favorecer a perpetuação de prioridades concretas, práticas, hábitos e grupos por longo tempo, dificultando esforços de redefinição de prioridades e, eventualmente, abrindo a possibilidade de apropriação privada de informações como recurso político. Nesses dois casos, outros mecanismos precisam ser construídos para evitar essas possibilidades.

Carecemos ainda de uma definição mais precisa da competência dos órgãos. Atualmente, por exemplo, à Diretoria de Inteligência Policial/Polícia Federal (DIP/PF) compete “planejar, coordenar, dirigir e orientar as atividades de inteligência em assuntos de interesse e competência do Departamento” e também “planejar e executar operações de contra-inteligência e antiterrorismo”; é competência do Ministério da Defesa a “inteligência estratégica e operacional no interesse da defesa”; já à ABIN compete “planejar e executar ações, inclusive sigilosas, relativas à obtenção e análise de dados para a produção de conhecimentos destinados a assessorar o Presidente da República” — sem que daí estejam excluídas as anteriores, de competência da Polícia Federal e do Ministério da Defesa; “planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis, relativos aos interesses e à segurança do Estado e da

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sociedade” 20 — ou seja, contra-inteligência21, competência também da Polícia Federal. É fácil perceber o potencial de conflito daí decorrente, incluindo a possibilidade de disputas interburocráticas que tendem a ser prejudiciais ao desempenho das atividades. Nem sempre é possível delimitar tudo com absoluta precisão; mas um mínimo de clareza é indispensável.

Uma alternativa geralmente recomendada é a separação entre “inteligência externa” e “inteligência interna”, atribuindo-se a primeira a um órgão e a segunda a outro. Entretanto, isso é mais fácil dizer que fazer; afinal, muitas das informações necessárias para uma o são também para outra. Além disso, algumas tarefas envolvem necessariamente tanto uma quanto a outra; exemplos típicos são o combate ao terrorismo e a contra-inteligência. Caso se opte por esse caminho, portanto, torna-se necessário enfrentar as questões de coordenação entre os órgãos e de integração das informações em alguma instância.

Aqui a situação torna-se ainda mais complicada. Segundo a legislação em vigor, cabe à ABIN, como órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência, “planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do País”; a Lei prevê ainda que “os órgãos componentes do Sistema Brasileiro

20 Art. 19 da Portaria nº 1.300/2003, incisos I e III; Lei nº 10.683, de 23 de maio de 2003 — Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências —, art. 27, inciso VII, alínea e; Lei nº 9.883/1999, art. 4º, incisos I e II.21 Embora a própria Lei nº 9.883/1999 defina contra-inteligência como “a atividade que objetiva neutralizar a inteligência adversa”, o fato é que a inteligência adversa poderá tentar obter “conhecimentos sensíveis, relativos aos interesses e à segurança do Estado e da sociedade” e caberá à ABIN, como responsável por “planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis”, impedir à inteligência adversa o acesso a estes — o que implica neutralizar a inteligência adversa, isto é, contra-inteligência.

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de Inteligência fornecerão à ABIN, ... para fins de integração, dados e conhecimentos específicos relacionados com a defesa das instituições e dos interesses nacionais”22. Em tese, portanto, caberia à ABIN a coordenação a que se aludiu no parágrafo anterior. Entretanto, alguns obstáculos obrigam a reconsiderar a questão.

Em primeiro lugar, a ABIN está atualmente subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI). O Diretor-Geral da ABIN tem que ser sabatinado e aprovado pelo Senado; o Ministro-Chefe do GSI não. Independentemente da boa vontade dos envolvidos, essa situação é no mínimo uma desconsideração ao Senado, cujo controle do processo é subrepticiamente enfraquecido pela subordinação organizacional da ABIN. Além disso, entre as atribuições do GSI, incluem-se, “assegurado o exercício do poder de polícia”, a “segurança pessoal do Chefe de Estado, do Vice-Presidente da República, e respectivos familiares, dos titulares dos órgãos essenciais da Presidência da República, e de outras autoridades ou personalidades quando determinado pelo Presidente da República, bem como pela segurança dos palácios presidenciais e das residências do Presidente e Vice-Presidente da República”23. Isso tende a subordinar a atuação da ABIN aos interesses mais imediatos do GSI, diminuindo sua eficácia como órgão de inteligência e pondo em risco sua credibilidade aos olhos do público.

22 Lei nº 9.883/1999, art. 3º; art. 4º, parágrafo único; Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 2002 — Dispõe sobre a organização e o funcionamento do Sistema Brasileiro de Inteligência, instituído pela Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999, e dá outras providências; Decreto nº 4.872, de 6 de novembro de 2003 — Dá nova redação aos arts. 4º, 8º e 9º do Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 2002, que dispõe sobre a organização e o funcionamento do Sistema Brasileiro de Inteligência, instituído pela Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999.23 Lei nº 10.683, de 23 de maio de 2003 — Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências —, art. 6º.

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25 Decreto nº 3.695, de 21 de dezembro de 2000 — Cria o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública, no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência, e dá outras providências.

Em segundo lugar, na medida em que a ABIN também pode executar operações de inteligência e de contra-inteligência, ao determinar que a ela cabe planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do País24, a Lei efetivamente subordina os demais órgãos de inteligência à ABIN — já que ela os supervisiona e controla, mas não estes a ela. Tendo já em vista a subordinação da ABIN ao GSI, portanto, temos uma situação no mínimo delicada para a DIP/PF e o Ministro da Justiça, e também para os órgãos de inteligência das Forças Armadas e o Ministro da Defesa. É muito difícil acreditar que isso produza um sistema de inteligência eficiente.

Terceiro, na prática, com a subordinação da ABIN ao GSI, esse arranjo de coordenação foi neutralizado pela criação de outros dois sistemas de inteligência: o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública — SISP25, coordenado pelo Ministério da Justiça e vertebrado pela área de inteligência da Polícia Federal, e o Sistema de Inteligência de Defesa — SINDE, coordenado pelo Ministério da Defesa e vertebrado pelas agências de inteligência das Forças Armadas. Assim, para melhorar o desempenho da área de inteligência no Governo Federal, uma possibilidade seria simultaneamente:

redirecionar os esforços da ABIN para a área externa, subordinando a

agência diretamente à Presidência da República;

criar um órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência, igualmente

subordinado diretamente à Presidência da República, sem capacidade de

realizar operações de inteligência próprias, e que atue exclusivamente na

24 Lei nº 9.883/1999, art. 3º.

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coordenação e na integração das atividades e informações dos diversos

órgãos do SISBIN, SISP e SINDE.

Temos ainda duas sugestões adicionais. Uma seria a publicação da Doutrina de Inteligência: não há por que esta ser sigilosa. Sua publicação, além de permitir uma discussão que pode aperfeiçoá-la, ainda poderá dirimir mal-entendidos que permeiam a discussão pública de questões de inteligência. Uma eventual reformulação da Doutrina, porém, pode apresentar problemas. A ABIN tem a responsabilidade legal de promover o desenvolvimento da doutrina de inteligência; mas cabe ao Estado-Maior de Defesa a competência de formular a doutrina comum de Inteligência Operacional, gerada pelas Forças Armadas. Essa ambigüidade pode dificultar a padronização de uma Doutrina, comprometendo a eficácia da inteligência produzida por órgãos governamentais distintos.

Outro problema a abordar é o do papel da Comissão Mista de Controle e Acompanhamento das Atividades de Inteligência (CCAI) do Congresso Nacional. O Projeto de Decreto Legislativo nº 241/2000 e suas emendas, que visam a regulamentar a matéria, referem-se apenas à ABIN, e não aos demais órgãos federais que realizam atividades de inteligência e contra-inteligência: a DIP/PF e os órgãos de inteligência das três Forças Armadas. A se perpetuar essa situação, o controle sobre esses últimos será bem mais frágil, o que dificultará a integração da informação pertinente que produzirem de modo a orientar a atuação política brasileira.

As considerações aqui apresentadas não esgotam o assunto. Há pontos adicionais para serem levados em consideração. Alguns já foram mencionados, mas exigiriam nova investigação. Um outro ponto relevante seria a discussão da própria política externa brasileira, bem como seus possíveis impactos sobre uma eventual nova política de defesa. Entretanto, não foi essa a discussão solicitada, e o tempo não a permite. Mas isso não a torna menos crucial.

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Marco CepikProfessor do Departamento de Ciência Política da UFRGS. Contato: [email protected] [email protected]

ADEQUAÇÃO E PREPARO INSTITUCIONAL DO BRASIL PARA O ENFRENTAMENTO

DA AMEAÇA TERRORISTA:

avaliação crítica e sugestões preliminares

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I - Introdução

Este texto parte de duas premissas. A primeira diz respeito ao dimensionamento da ameaça terrorista à qual o Brasil

poderia estar exposto. A segunda premissa assume que o preparo institucional brasileiro para enfrentar a ameaça terrorista depende de inovação organizacional na administração pública federal, tanto ou mais do que do aperfeiçoamento legal e normativo. Nesta introdução serão feitos comentários adicionais sobre as duas premissas, a partir dos quais farei um breve levantamento do quadro legal existente (seção II) e pretendo sugerir algumas mudanças (seção III). Estas sugestões são, sobretudo, organizacionais, pois pretendem servir à melhoria da capacidade sistêmica de resposta do Estado brasileiro às ameaças representadas pelo crime organizado, narcotráfico, operações encobertas de governos estrangeiros e terrorismo. Começo então pela primeira premissa. Considero, conforme a síntese formulada por Eugênio Diniz (2002)1, o terrorismo como um tipo de uso ou ameaça de uso da força caracterizado pela indiscriminação dos alvos, pela centralidade do efeito psicológico que se busca causar e pela virtual irrelevância, para a correlação de forças entre as vontades antagônicas envolvidas no conflito, da destruição material e humana efetivada pela ação terrorista. Nesse

1 V. Diniz, Eugenio. 2002. “Terrorismo e combate ao terrorismo”. In Democracia e Justiça Social - 3º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Niterói, 2002. Disponível para download in www.cienciapolitica.org.br/encontro/relint.htm [Acesso em 13 de dezembro de 2003].

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sentido é que se pode dizer que o terrorismo configura um tipo específico de emprego da força: o terror. Ora, não há nada que exclua o Brasil da possibilidade de ser alvo desse tipo de ação. A decisão, por parte de algum sujeito político, governamental ou não, nacional ou internacional, de utilizar o terrorismo, seja em território brasileiro contra interesses brasileiros ou de terceiros, seja contra interesses brasileiros no exterior, depende de considerações de urgência, oportunidade e custos que precisam ser avaliadas concretamente, mas que no presente contexto internacional indicam um risco médio representado pela ameaça terrorista ao Brasil. Os parâmetros utilizados para classificar o risco como médio envolvem desde a percepção (não testada empiricamente) de uma baixa prioridade atribuída pelos órgãos responsáveis pela segurança do Estado no Brasil a esse tipo de ameaça até a caracterização da ameaça terrorista contemporânea como algo que é parte de uma realidade mais complexa: o fenômeno da guerra assimétrica. No atual contexto internacional, não é possível falar de terrorismo internacional como um fenômeno monolítico e de significado unívoco. O 11 de setembro, paradoxalmente, sepultou a noção de movimento terrorista internacional como algo que pudesse ser um tipo de ameaça sucedânea do movimento comunista internacional da Guerra Fria. Se mesmo naquela época o termo exigia qualificações (maoístas, soviéticos, trotskistas, leninistas, stalinistas etc.), atualmente a idéia de que se poderia reduzir a complexidade do fenômeno terrorista a uma única expressão com ramificações inexoráveis constitui um dos obstáculos mais evidentes ao desenvolvimento de uma capacidade contraterrorista por parte das autoridades brasileiras.

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Vejamos algumas diferenças operacionais entre os dois tipos de ameaça à segurança estatal. A noção de movimento comunista internacional estava, durante a Guerra Fria e de maneira geral ainda hoje, referida a uma instrumentalização de forças políticas e sociais de um país qualquer por parte da União Soviética para a realização de seus interesses de potência que visariam, no limite, a uma disputa pela dominação universal. Naturalmente, a realização desses interesses de potência poderia muitas vezes significar o sacrifício de partes do movimento comunista em determinadas conjunturas e países (caso da Espanha na guerra civil de 1936-1939, da Grécia em 1945-1946, ou da China em 1947-1949). Ainda assim, os comunistas precisavam legitimar interna e externamente sua atuação a serviço da URSS, mantendo a perspectiva da tomada do poder e criando assim laços estáveis com forças sociais e políticas nacionais. Ora, uma percepção distorcida do terrorismo internacional como um bloco sucedâneo da aliança entre uma potência estrangeira que pretende alterar o status quo no sistema internacional, e seus ‘partidos’ locais que manteriam uma relação instrumental com agentes sociais e políticos (sindicatos, igrejas, partidos de esquerda etc.), poderia facilmente concluir (à Samuel Huntington) que a China opera como uma nova URSS, utilizando-se do terrorismo islâmico, das petromonarquias do Golfo e de movimentos subversivos nacionais para avançar seus interesses de potência no sistema internacional. Caso esse tipo de percepção de ameaça se revelasse correto, as agências de provimento de segurança no Brasil precisariam preparar-se para desbaratar as organizações domésticas islâmicas e/ou dissidentes em relação às orientações políticas dominantes no país, organizações mais ou menos conscientemente instrumentalizadas pela China, além de fazer frente a uma eventual ameaça militar

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direta por parte de Beijing a partir de um sistema de alianças estável, muito semelhante ao da própria Guerra Fria. Entretanto, existem pelo menos quatro razões para crer que as coisas são diferentes do que pensam Huntington e outros. Primeiro, a escala e o perfil dos gastos militares chineses não indicam uma busca pela supremacia mundial. Sua adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC) e sua política interna não sugerem o comportamento de uma potência revolucionária no sistema internacional, mas sim a de uma potência que pretende melhorar sua posição relativa sem alterar o status quo. Em segundo lugar, não parece haver uma unidade mínima de agenda entre a China e os islâmicos, pelo contrário, eles possuem interesses contraditórios e a China enfrenta o terrorismo islâmico no Xinjiang, uma região estratégica na Ásia Central por ser a terceira maior região produtora de petróleo da China. Além disso, a elevação do custo do petróleo resultante de um levante terrorista bem sucedido no Oriente Médio prejudicaria diretamente a China, um grande consumidor de petróleo. Em terceiro lugar, e de maneira menos óbvia, após o 11 de setembro os Estados Unidos passaram a flexibilizar suas alianças, reformulando-as em termos de coalizões ad hoc formadas segundo as missões estabelecidas pelas contingências e objetivos específicos. Nesse sentido, tanto a adesão da China e da Rússia à coalizão antiterror parece sincera, pois atende aos seus próprios interesses, quanto outros países tradicionalmente aliados dos Estados Unidos, como o Paquistão e a Arábia Saudita, parecem ter desempenhado um papel muito mais ambíguo, conforme veremos adiante. Finalmente, a quarta razão pela qual o terrorismo internacional não opera da mesma forma como o antigo movimento comunista e a União Soviética diz respeito ao grau de dependência

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de redes permanentes e laços com o país alvo. Enquanto os comunistas precisavam legitimar interna e externamente sua atuação pela manutenção da perspectiva da tomada do poder, o terrorismo contemporâneo não precisa de laços permanentes com a sociedade civil de um país alvo, nem de ganhar controle sobre intelectuais, sindicatos, partidos etc. Como o 11 de setembro de 2001 demonstrou, os objetivos políticos limitados pretendidos com aquela ação - em certa medida atingidos – não tinham qualquer necessidade ou compromisso com a islamização dos Estados Unidos. Nesse sentido, a própria limitação dos objetivos políticos e a fluidez crescente das coalizões, características da ordem internacional pós-Guerra Fria, permitem aos grupos terroristas serem taticamente mais ousados, empreenderem ações mais brutais, tornando virtualmente qualquer país, independentemente de sua política externa, alvo de atentados. O terrorismo contemporâneo é um componente orgânico da guerra assimétrica, que é a forma realmente existente de guerra nesta primeira década do século XXI. As duas características fundamentais da guerra assimétrica, o uso de meios políticos e econômicos para fins militares – compelir um adversário a realizar nossa vontade – , bem como a assimetria de meios e a limitação dos fins, são compatíveis com as afirmações anteriores sobre a ausência de alianças fixas e identidade de fins entre Estados nacionais e grupos terroristas. Isso poderia abrir a possibilidade de que ações de guerra assimétrica com alto potencial de ‘deniability’ fossem desencadeadas inclusive entre países nominalmente aliados para manipulação estratégica de condutas. No caso do 11 de setembro, ainda hoje persistem dúvidas sobre a extensão do envolvimento de setores do aparelho de Estado, ou mesmo de grupos ligados a diferentes facções da casa real

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2V. Huntington, Samuel P. 1996. The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order. New York, Simon & Schuster.

saudita, no financiamento e na instrumentalização dos ataques da Al Qaeda. Obviamente que se trata apenas de especulação, porém essa especulação é um exercício pelo menos tão legítimo quanto aquele feito por Samuel Huntington (em o Choque das Civilizações, 1996)2, que procurou situar o conflito central na política mundial entre, de um lado, o Ocidente e, de outro lado, uma coalizão entre a China e os islâmicos. A propaganda e as informações correntes sobre a Al Qaeda afirmam que seu objetivo final é a reunificação política do mundo islâmico sob um califado coesionado ideologicamente pelo wahabismo ou alguma outra versão rigorista do islamismo sunita. Esse dificilmente pode ser considerado um objetivo político limitado, mas ainda assim está bem mais distante da dominação universal percebida como sendo o objetivo final do adversário por parte de ambas as superpotências durante a bipolaridade do sistema internacional. Entretanto, uma outra reivindicação muito mais limitada da Al Qaeda em 2001 era a retirada das tropas americanas do território saudita e, portanto, dos lugares santos. E isso foi de fato obtido. Além disso, o principal adversário da Arábia Saudita na região, o Iraque, foi invadido e neutralizado pelos Estados Unidos. Também em termos econômicos a guerra contra o terror desencadeada após o 11 de setembro favoreceu a Arábia Saudita, pois levou a uma interrupção na trajetória de queda dos preços do petróleo, que em 1998 chegou a ser exportado pela Rússia a sete dólares o barril e que em 2004 ainda se encontra acima dos trinta dólares.

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Também o Paquistão, transformado em pária internacional depois de 1998, em função dos seus testes nucleares, de seu programa de mísseis e do golpe militar de Musharraf, acabou beneficiando-se dos atentados de 11 de setembro. O Paquistão foi reintegrado à comunidade internacional, recebeu expressiva ajuda internacional e foi reconhecido como potência nuclear mais ou menos legítima. O ingresso recalcitrante e tímido do governo paquistanês na coalizão antiterror bastou para que fossem legitimadas várias práticas consideradas inaceitáveis pela política externa dos Estados Unidos. Afinal, a associação entre mísseis de longo alcance, armas nucleares e regime político ditatorial constituiu a justificativa central dos Estados Unidos para a própria invasão do Iraque e para o grau de tensão mantido com a Coréia do Norte. A mera possibilidade de envolvimento dos governos ou de setores do aparato estatal da Arábia Saudita e do Paquistão nos atentados de 11 de setembro indica não apenas o quanto a fronteira entre amigo e inimigo tornou-se mais fluida no mundo após a queda do Muro de Berlim, mas a impossibilidade de comprovar ou não esses vínculos nos diz algo sobre a natureza da guerra assimétrica: sua dinâmica operacional tende a livrar os mandantes/financiadores de responsabilidades comprovadas pela própria dinâmica defensiva dos países vitimados em ações desse tipo. No caso dos atentados de 2001 contra os Estados Unidos, a retaliação inicial deu-se sobre os perpetradores e seus aliados mais diretos (a Al Qaeda e o Talibã). Em suma, caso o 11 de setembro tenha sido uma ação integral ou parcial da Arábia Saudita e/ou do Paquistão aquele foi o primeiro episódio, muito bem sucedido, de guerra assimétrica. Suas características centrais foram então a limitação dos objetivos políticos (ainda assim muito ambiciosos), sua realização que se deu por meio de um único golpe, a concessão dos objetivos feita pela

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própria vítima e a capacidade de gerar incredulidade a respeito dos verdadeiros financiadores/mentores, reforçada na própria medida em que os Estados Unidos se livrararam dos realizadores da ação – a Al Qaeda no caso da Arábia Saudita e o Talibã para o Paquistão. No contexto da América do Sul, um cenário passível de ser imaginado e no qual o Brasil seria vítima de uma operação de guerra assimétrica nos coloca na mesma situação dos Estados Unidos em 2001. Digamos, por exemplo, que os Estados Unidos decidam que a posição brasileira na Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) prejudica interesses vitais dos Estados Unidos. Sem nunca se envolver em hostilidades abertas contra o Brasil, bastaria ao Governo americano utilizar-se de elementos militares menemistas da Argentina e paramilitares colombianos para induzirem ações do narcotráfico no Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo desencadeando uma escalada de violência terrorista articulada com insurgência urbana. A identificação das conexões imediatas da violência urbana e terrorista acaba obrigando o Brasil a intervir na Colômbia. O sucateamento da indústria bélica e a dependência de inteligência (imint – imagery intelligence e sigint – signals intelligence) colocam o Brasil em posição subordinada aos Estados Unidos na Colômbia, sendo que os custos da intervenção aumentam descontroladamente o déficit público e a inflação, finalmente suscitando apelos por dolarização por parte do empresariado. Essa conjugação de demanda por estabilização econômica a qualquer preço com dependência militar nos força a aceitar uma proposta de ALCA muito desvantajosa, na qual os Estados Unidos não precisam abrir mão dos subsídios agrícolas e nem eliminar as cotas aos produtos brasileiros. No médio prazo, isso tornaria as empresas brasileiras ou as empresas européias e leste asiáticas sediadas no Brasil incapazes de competir com empresas norte-americanas.

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A quebradeira das empresas e a retração de demanda decorrente da dolarização levam a uma crise social que caberia ao Governo brasileiro tentar conter repressivamente. Como no caso do 11 de setembro, seria quase impossível estabelecer qualquer relação definitiva entre as ações terroristas e os seus mentores, ou meramente seus maiores beneficiados. Isso seria ainda mais difícil dada a tendência da própria reação da vítima de destruir os perpetradores diretos. Uma operação dessa natureza poderia levar de roldão o governo Chávez e os movimentos bolivarianos nos países andinos. O Brasil seria vencedor de uma campanha militar na região andina, mas devido aos custos humanos e sociais altíssimos, e mesmo tendo feito todas as concessões econômicas na ALCA, o Brasil sairia de um cenário como esse totalmente isolado dos países hispânicos, descapitalizado, quase em guerra civil, dividido entre um governo autoritário e tensões separatistas. O objetivo fundamental dessas considerações sobre a primeira premissa do texto (aquela que afirma que o Brasil está exposto a um risco médio de sofrer atentados terroristas) foi demonstrar o quanto a ameaça terrorista é complexa e depende, para uma capacidade adequada de neutralização e/ou minimização de riscos, de uma qualificação na área de inteligência que ajude os tomadores de decisões em Brasília a discernirem quando, como e por que o Brasil poderia vir a ser vítima de terrorismo ou de outro tipo de operação de guerra assimétrica. Como procuramos demonstrar, para esse novo tipo de terrorismo não basta um modelo simples (do tipo ‘China mais fundamentalistas islâmicos’ ou ‘Estados Unidos mais paramilitares’) de identificação de relações de amizade e inimizade. A segunda premissa geral deste texto é a de que uma legislação mais ou menos desenvolvida não basta para garantir um bom preparo

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institucional. Embora isso possa parecer óbvio para a maioria dos leitores, existe uma arraigada tendência no debate brasileiro sobre temas de segurança internacional de restringir tal debate aos seus aspectos normativos e legais. Tal tendência decorre, ao menos em parte, da própria lucidez com que a diplomacia brasileira considera a reiteração dos compromissos do país com os valores da autodeterminação dos povos e da solução pacífica das controvérsias uma apólice de seguro suficiente contra o risco de o país ver-se envolvido em conflitos internacionais nos quais sua pretensão de atuar como mediador não seja suficiente ou adequada. Embora essa posição muitas vezes tenha sido de fato nossa melhor defesa (na ausência de capacidade de dissuadir condutas contrárias a nossos interesses no plano internacional), ela me parece totalmente insuficiente diante de uma conformação de poder no sistema internacional caracterizada por ‘uni-multipolaridade’ e guerra assimétrica. Embora possa parecer óbvio, vale destacar, à luz desta normatividade excessiva no debate de temas de segurança estatal e cidadã, que também na área de segurança do Estado, assim como em outras áreas de políticas públicas no Brasil, existe um hiato significativo entre a prescrição normativa fixada em lei e a realidade dos orçamentos, dos meios (logística, infra-estrutura, equipamentos, salários, treinamento, recursos humanos etc.) ou da capacidade analítica instalada. Como uma breve passada de olhos sobre a legislação vigente no Brasil poderá demonstrar ao longo da próxima seção, os aperfeiçoamentos na legislação devem ser feitos tendo-se em vista a melhoria do desempenho analítico das agências e não tanto em função da valorização a priori do que seja ou deixe de ser a melhor ‘doutrina’ de contraterrorismo.

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II – Situação legal e grau de preparo institucional

As referências ao terrorismo na legislação brasileira podem ser divididas entre aquelas diretamente ligadas ao texto constitucional e aquelas presentes em outros ordenamentos infraconstitucionais. Também podem ser divididas entre aquelas que antecedem aos atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos e, por outro lado, aqueles desdobramentos decorrentes da nova situação internacional inaugurada por aqueles atentados. A Constituição brasileira de 1988 traz como preceito fundamental o repúdio ao terrorismo e ao racismo (artigo 4º, inciso VIII), complementado pelo artigo 5°, inciso XLIII, que declara:

A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de

graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de

entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos

como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes,

os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

Além disso, o inciso XLIV do art. 5º da Constituição diz que constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático. Determina a Constituição, portanto, que o repúdio ao terrorismo é um dos princípios fundamentais que regem as relações internacionais do Brasil e estabelece, ao tratar dos direitos e deveres individuais e coletivos, que a lei considera o terrorismo crime inafiançável e insuscetível de graça. Esses preceitos constitucionais antiterroristas da Constituição do Brasil constituem cláusulas pétreas, insuscetíveis, dessa forma, de alteração por meio de emenda constitucional.

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No nível infraconstitucional, pode-se destacar algumas das normas que compõem o arcabouço legal que apóia, instrumentaliza e legitima o combate ao terrorismo pelo Brasil. Há, por exemplo, a Lei nº 6.815, de 18 de agosto de 1980 (Lei dos Estrangeiros), em cujo artigo 77, parágrafo 3º, está disposto que o Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar os atentados contra Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem como os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoas, propaganda de guerra e processos violentos de subversão da ordem como crimes políticos. Evita-se, assim, a concessão de asilo para terroristas e possibilita-se que eles sejam extraditados, deportados ou expulsos do território nacional. A lavagem de dinheiro, atividade criminosa intermediária, tampouco poderia ser considerada um delito político. A lei autoriza a criação do Conselho Nacional de Imigração e regulamenta a permanência de estrangeiros no Brasil. Determina que a entrada em território nacional far-se-á somente pelos locais onde houver fiscalização dos órgãos competentes dos Ministérios da Saúde, da Justiça e da Fazenda. Um segundo instrumento jurídico ainda em vigor é a Lei n° 7.170, de 14 de dezembro de 1983 (Lei de Segurança Nacional), que dispõe sobre a definição de crimes contra a segurança nacional, ordem política e social, descrevendo condutas criminosas que podem ser enquadradas como atos terroristas, com a estipulação de penas aos infratores. Entre outros delitos, estão previstos os crimes de sabotagem contra instalações militares, meios de comunicação, meios e vias de transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres (art. 15), o de apoderar-se ou exercer o controle de aeronave, embarcação ou veículo de transporte coletivo, com emprego de violência ou grave ameaça à tripulação ou a passageiros (art. 19), o de devastar,

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saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas (art. 20), e o delito de constituir, integrar ou manter organização ilegal do tipo militar, de qualquer forma ou natureza armada ou não, com ou sem fardamento, com finalidade combativa (art. 24). Os artigos 20 e 24 tratam ainda da questão do financiamento voluntário e involuntário ao terrorismo. Nos termos do artigo 24, o financiamento ao terrorismo não constitui mero acessório à prática do ato terrorista. Nessas condições, ainda que o ato em si não seja praticado, comete-se o terrorismo ao manter ou financiar organizações terroristas. Por sua vez, a Lei nº 7.180, de 20 de dezembro de 1983, dá nova redação a alguns aspectos da legislação existente sobre a permanência de estrangeiros no território nacional. Pelas novas disposições, verificada, a qualquer tempo, a falsidade ideológica ou material de qualquer dos documentos solicitados para o exame do pedido de permanência no Brasil, será declarada nula a concessão, sem prejuízo da ação penal cabível. Além disso, fica estabelecido que não será concedida a permanência ao estrangeiro considerado nocivo à ordem pública ou aos interesses nacionais (inciso I), e que ele será condenado ou processado em outro país por crime doloso passível de extradição segundo a lei brasileira (inciso III). Ainda nessa área, a Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, autoriza o estabelecimento do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) e define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, impedindo que pessoas que tenham praticado atos terroristas beneficiem-se do reconhecimento da condição de refugiado.

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O crime de terrorismo está previsto, ainda, na Lei n° 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre crimes hediondos, tais como a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo, prevendo que esses tipos de crimes hediondos são insuscetíveis de anistia, graça, indulto, fiança e liberdade provisória. Segundo a doutrina jurídica vigente no Brasil a esse respeito, deve-se aumentar a pena de qualquer crime que tenha sido cometido com finalidade terrorista. A mesma lei dispõe ainda, no parágrafo 1º do artigo 2º, que a pena por crime previsto nesse artigo será cumprida integralmente em regime fechado. Entretanto, os esforços realizados no plano internacional revelam uma lenta mudança na tendência histórica de se considerar o terrorismo como crime comum, sem prejudicar uma cooperação internacional mais ampla na sua repressão. Como se depreende dos textos legais mencionados acima, desse mesmo espírito parece estar imbuído o quadro legal brasileiro sobre a matéria. O Estado brasileiro conta, pois, com um complexo arcabouço jurídico no que se refere aos crimes de terrorismo. E, a exemplo do que já ocorre em outros países, a legislação brasileira está passando ainda por nova reestruturação, com a adoção de leis sobre crimes conexos, como a de controle da venda e de porte de armas, além de lavagem de dinheiro e do narcotráfico. Dentre a legislação complementar à matéria que vale a pena destacar, inclui-se a Lei nº 9.034, de 30 de março de 1995, com as alterações da Lei nº 10.217, de 11 de abril de 2001, que dispõe sobre a definição e regulamentação de meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha, bando, organizações ou associações criminosas de qualquer tipo, inclusive terroristas. O artigo 2º, inciso V, admite a possibilidade de infiltração por agentes de polícia ou de

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inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial estritamente sigilosa. A Lei permite também a diminuição da pena para atrair a colaboração espontânea de criminosos quando isso levar ao desmantelamento da organização, sem se confundir, no entanto, com o disposto no Decreto nº 3.226, de 29 de outubro de 1999, que regula a concessão de indulto e comutação de penas. O indulto previsto nesse decreto não alcança os condenados por crimes hediondos e pelos crimes de tortura, terrorismo e tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. Essa legislação da década de 1990 atualiza e dá novo significado ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), que define como delito a prática de determinados atos que podem ser enquadrados como terrorismo: a) incêndio (art. 250); b) explosão (art. 251); c) uso de gás tóxico ou asfixiante (art. 252); d) fabrico, fornecimento, aquisição, posse ou transporte de explosivos ou gás tóxico, ou asfixiante (art. 253); e) inundação (art. 254); f) perigo de inundação (art. 255); g) desabamento e desmoronamento (art. 256); h) perigo de desastre rodoviário (art. 260); i) atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo (art. 261); j) epidemia (art. 267); e k) formação de quadrilha ou bando para a prática de crimes (artigo 288). Penas são imputadas aos infratores. Prevê, assim, no artigo 7º, a competência da Justiça nacional para julgar crimes cometidos no estrangeiro por cidadãos brasileiros e por estrangeiros contra cidadãos brasileiros no exterior: o inciso I trata dos crimes contra o patrimônio ou a fé pública da União; contra a administração pública; e contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; e o inciso II estabelece que ficam sujeitos à lei brasileira os crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir, ainda que cometidos

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no estrangeiro. Aliás, uma nova regulamentação, prevista na Lei nº 10.309, de 22 de novembro de 2001, dispõe sobre a assunção, pela União, de responsabilidades civis perante terceiros no caso de atentados terroristas ou atos de guerra contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras. Ressalta-se que a lei poderá permitir o confisco de fundos pertencentes a terroristas, com base no artigo 91 do Código Penal brasileiro. Ou seja, a legislação brasileira também prevê instrumentos de combate ao financiamento do terrorismo. Por exemplo, a Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, prevê a possibilidade de quebra de sigilo bancário de instituições financeiras para a apuração de ilícitos como o terrorismo. Determina que o Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) informem o Ministério Público, quando verificarem a ocorrência de crime definido em lei como de ação pública, ou indícios da prática de tais crimes, para fins de apuração ou comprovação dos fatos. Além disso, o BC e a CVM devem comunicar aos órgãos públicos competentes as irregularidades e os ilícitos administrativos que tenham conhecimento, ou indícios de sua prática. A Lei reforça, igualmente, a ação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Existe ainda a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, que dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores provenientes, direta ou indiretamente, de crimes como o terrorismo, contrabando ou tráfico de armas. A mesma lei autoriza a criação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e trata também da prevenção da utilização do sistema financeiro nacional para a prática dos ilícitos nela previstos, com todas as instituições financeiras tendo a obrigação de reportar ao COAF as operações consideradas “suspeitas”. O COAF providenciará a instauração dos

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procedimentos cabíveis quando concluir pela existência de crimes ou de fundados indícios de sua prática. Essa lei também permite a apreensão ou o seqüestro de bens, direitos ou valores do acusado, ou existentes em seu nome, de objeto dos crimes previstos (art. 4º), bem como determina a perda, em favor da União, dos bens, direitos e valores objeto de crimes arrolados, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé (art. 7º). Essas disposições possibilitam o congelamento e confisco de fundos provenientes do terrorismo e, também nesse caso, atualizam e dão novo significado a disposições anteriores, tais como a do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código do Processo Penal), que já afirmava que os fundos pertencentes a terroristas podem ser congelados, mediante apreensão (Título VII, Capítulo XI) e seqüestro (Título VI, Capítulo VI), bem como podem ser confiscados pelas autoridades. Na década de 1960, a Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, já determinava que cabe ao Banco Central do Brasil fiscalizar as instituições financeiras brasileiras (inciso VIII do artigo 10) e aplicar as penalidades previstas na lei (art. 44). A lei sujeitava ainda as instituições financeiras, seus diretores, membros de conselhos administrativos, fiscais e semelhantes, e gerentes, às penas de advertência, multa pecuniária, suspensão do exercício de cargos, inabilitação temporária ou permanente para o exercício de direção ou gerência em instituições financeiras e cassação da autorização de funcionamento em caso de cometimento de ilícitos, inclusive aqueles associados ao que, na época, ainda não possuía a escala que tem hoje, mas que já era reconhecido como crime organizado e terrorismo. Uma área sensível em que a legislação relacionada ao terrorismo em todo o mundo começa a ser mais explícita é a da possível utilização de armas de destruição massiva por parte de

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grupos, indivíduos e Estados. No Brasil, a Lei nº 9.112, de 10 de outubro de 1995, autoriza a criação da Comissão Interministerial de Controle de Exportações de Bens Sensíveis, integrada por representantes dos órgãos federais envolvidos na matéria, bem como dispõe sobre o controle da exportação de serviços e bens de aplicação bélica, bens de uso duplo e bens de uso na área nuclear, química e biológica. A Lei estipula penas aos infratores. E a Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, autoriza a criação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), estabelece normas para o uso de técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados, inclusive os que podem ser empregados em ações terroristas. Embora o Brasil disponha de arcabouço jurídico adequado carece, entretanto, dos instrumentos necessários para implementar uma política nacional coerente e eficaz de combate ao terrorismo, quer internamente quer nas diferentes esferas da cooperação internacional. A postura do Governo diante do tema do terrorismo, em particular a sua atuação nos foros internacionais, tem sido a de apoiar as iniciativas que se apresentam, embora sem exercer maior empenho ou engajamento na formulação dessas iniciativas ou nos processos subseqüentes de aprovação. Essa postura de eqüidistância decorre, em grande parte, do fato de o país não ser palco de ações consideradas de natureza terrorista, tanto de origem interna quanto externa. Por isso mesmo, foi vital o processo de compatibilização das normas brasileiras sobre extradição com as expectativas geradas pelas convenções internacionais sobre combate ao terrorismo. Ou seja, para se obter uma visão mais completa do marco institucional brasileiro na luta contra o terrorismo, é preciso levar em conta também os processos de ratificação, pelo Congresso Nacional, das

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convenções multilaterais que focalizam o terrorismo. O Congresso Nacional, nos últimos quatro anos, vem emprestando maior agilidade à tramitação dos instrumentos jurídicos internacionais firmados pelo Governo e submetidos à necessária apreciação pelo Poder Legislativo. O Brasil é parte das quatorze principais convenções sobre ações terroristas no âmbito multilateral. Dessas, dez já contam com aprovação legislativa. O instituto da extradição, por exemplo, é geralmente considerado como um dos mais eficientes mecanismos de cooperação com que contam os Estados para combater as atividades criminosas e o terrorismo em particular. A legislação brasileira, por preceito Constitucional (artigo 5º, inciso LII), veda a extradição de brasileiros, exceto aqueles naturalizados, quando se tratar de crime comum praticado antes da naturalização; ou se for comprovado o envolvimento no tráfico ilícito de entorpecentes. O Brasil mantém acordos bilaterais de extradição com dezenove países (Austrália, Argentina, Bélgica, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos, Itália, Lituânia, México, Paraguai, Peru, Portugal, Reino Unido, Suíça, Uruguai e Venezuela). Estão sendo examinados pelo Congresso Nacional os projetos de acordo com a Alemanha, Canadá, Coréia do Sul e França. Cabe frisar que o texto de alguns desses acordos contém a previsão de que estando vedada a concessão de extradição de nacional brasileiro, este responderá a processo na justiça brasileira pelo crime que lhe é imputado e deu origem ao pedido de extradição. Esta mesma possibilidade está contemplada na Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional, celebrada em 15 de dezembro de 2000, recentemente assinada pela Brasil, pois prevê que não sendo deferido o pedido de extradição o Estado requerente deverá submeter o caso às autoridades competentes

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para o procedimento judicial devido, fornecendo os documentos necessários à instrução da Justiça brasileira. Esse procedimento está em conformidade com a legislação brasileira que contempla a competência da Justiça Nacional para julgar crimes cometidos por cidadãos brasileiros no exterior. Dessa forma, estaria garantida a ação da justiça e, portanto, não relegando o delito praticado por nacional brasileiro em outro país à impunidade. Ainda sobre o instituto da extradição na legislação brasileira, cabe lembrar que a Constituição em seu artigo 5º, inciso LII, também veda a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal tem competência legal para deixar de considerar crimes políticos atos como terrorismo, sabotagem, atentados contra Chefes de Estado e outras autoridades. No caso de inexistência de acordo bilateral sobre extradição, o Brasil pode atender os pedidos desde que haja um entendimento de reciprocidade de tratamento para casos análogos. O ordenamento jurídico brasileiro, embora não conte com legislação que consolide os aspectos de prestação de cooperação jurídica internacional, cobre os procedimentos a ela afetos provendo os requisitos formais indispensáveis ao atendimento dos pedidos de extradição. Na medida em que o Brasil tem advogado a posição de que o combate ao terrorismo internacional deve valer-se de todos os meios compatíveis com a Carta das Nações Unidas e outras normas do Direito Internacional, é válido questionar inicialmente a sua própria coerência doutrinária nesse tema. Em relação ao tema da ratificação de tratados e convenções, vale retornar um pouco e descrever alguns dos instrumentos utilizados (principalmente decretos) para introjetar o marco jurídico internacional em nossa dinâmica legal interna.

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Historicamente, desde o Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945, que promulgou a Carta das Nações Unidas, da qual faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional de Justiça, o Brasil tem se comprometido com o entendimento crescente sobre o terrorismo como ameaça à paz e à segurança internacional. De forma consistente com a decisão histórica tomada pelo Brasil ao comprometer-se em aceitar as resoluções da Assembléia Geral e do Conselho de Segurança da ONU, pode-se destacar desde os anos 1970 a adoção do Decreto nº 66.520, de 30 de abril de 1970, que promulga a Convenção relativa às Infrações e a Certos Outros Atos Cometidos a Bordo de Aeronaves, o Decreto nº 70.201, de 24 de fevereiro de 1972, que promulga a Convenção para a Repressão ao Apoderamento Ilícito de Aeronaves, o Decreto nº 72.383, de 20 de junho de 1973, que promulga a Convenção para a Supressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil, o Decreto nº 95, de 16 de abril de 1991, que promulga a Convenção sobre a Proteção Física de Material Nuclear, o Decreto nº 494, de 15 de abril de 1992, que internaliza no ordenamento jurídico brasileiro as determinações da Resolução nº 748 (1992) do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), relativa à Líbia, o Decreto nº 1.029, de 29 de dezembro de 1993, que internaliza no ordenamento jurídico brasileiro as determinações da Resolução nº 883 (1993) do CSNU, também relativa à Líbia. Em 26 de setembro de 1995, foi criado o Programa Nacional de Integração de Informações Criminais, que possibilita o imediato intercâmbio de informações criminais entre os órgãos de segurança de todo o país, a fim de acelerar a investigação policial contra o crime organizado. Esse sistema foi posteriormente estendido e está sendo implementado no Mercado Comum do Sul (Mercosul). Na segunda metade da década de 1990, com novas

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e mais numerosas resoluções antiterroristas sendo adotadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA), vale destacar ainda no ordenamento jurídico-político brasileiro o Decreto nº 2.074, de 14 de novembro de 1996, que dispõe sobre a criação da Comissão Interministerial para a aplicação dos dispositivos da Convenção Internacional sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Estocagem e Uso das Armas Químicas e sobre a Destruição das Armas Químicas Existentes no Mundo (CPAQ) e relaciona as obrigações e deveres decorrentes da CPAQ, bem como o Decreto nº 2.611, de 2 de junho de 1998, que promulga o Protocolo para a Repressão de Atos Ilícitos de Violência em Aeroportos que Prestem Serviço à Aviação Civil Internacional. Somente nos últimos quatro anos foram adotados o Decreto nº 3.018, de 6 de abril de 1999, que promulga a Convenção para Prevenir e Punir os Atos de Terrorismo Configurados em Delitos contra as Pessoas e a Extorsão Conexa, quando tiverem Eles Transcendência Internacional, o Decreto nº 3.044, de 5 de maio de 1999, que internaliza no ordenamento jurídico brasileiro as determinações da Resolução nº 1.192 (1998) do CSNU, relativa à Líbia, o Decreto n° 3.167, de 14 de setembro de 1999, que promulga a Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crimes contra Pessoas que Gozam de Proteção Internacional, inclusive Agentes Diplomáticos, o Decreto nº 3.229, de 29 de outubro de 1999, que promulga a Convenção Interamericana contra a Fabricação e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, Munições, Explosivos e Outros Materiais Correlatos, o Decreto nº 3.267, de 30 de novembro de 1999, que internaliza no ordenamento jurídico brasileiro as determinações da Resolução nº 1.267 (1999) do CSNU, relativa ao Afeganistão, o Decreto nº 3.755, de 19 de fevereiro de 2000, que internaliza no ordenamento jurídico

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brasileiro as determinações da Resolução nº 1.333 (2000) do CSNU, também relativa ao Afeganistão, o Decreto nº 3.517, de 20 de junho de 2000, que promulga a Convenção Internacional contra a Tomada de Reféns, o Decreto nº 3.976, de 18 de outubro de 2001, que internaliza no ordenamento jurídico brasileiro as determinações da Resolução nº 1.373 (2001) do CSNU, relativa a terrorismo, o Decreto nº 4.021, de 19 de novembro de 2001, que promulga a Convenção sobre a Marcação de Explosivos Plásticos para Efeito de Detecção e, por último, mas não em último lugar, o Decreto nº 4.150, de 6 de março de 2002, que internaliza no ordenamento jurídico brasileiro as determinações da Resolução nº 1.390 (2002) do CSNU, novamente relativa ao Afeganistão. Assim, tanto do ponto de vista do quadro legal internamente gerado, quanto do ponto de vista da introjeção das normas internacionais às quais o Brasil vem aquiescendo e abraçando ativamente, o marco institucional para a prevenção e repressão a todas as formas de terrorismo pode ser considerado bem desenvolvido e razoavelmente completo no país. Dois dias após os atentados de setembro de 2001 nos Estados Unidos, o então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso reuniu um grupo para pedir que elaborasse e aprovasse medidas para combater a ameaça terrorista. Em resposta a essa demanda, o Ministério da Justiça anunciou na época a elaboração de anteprojeto de lei, criando um novo Título, de número XII, no Código Penal brasileiro, sobre os crimes contra o Estado Democrático de Direito. Esse novo título deveria substituir a Lei de Segurança Nacional, de 1983. A tipificação do crime de terrorismo foi feita naquele texto que se transformou no Projeto de Lei nº 6.764/2002, nos seguintes termos:

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praticar, por motivo de facciosismo político ou com o

objetivo de coagir a autoridade, o ato de: I – devastar,

saquear, explodir bombas, seqüestrar, incendiar, depredar

ou praticar atentado pessoal ou sabotagem, causando

perigo efetivo ou dano a pessoas ou bens; II – apoderar-se

ou exercer o controle, total ou parcialmente, definitivo ou

temporariamente, de meios de comunicação ao público

ou de transporte, portos, aeroportos, estações ferroviárias

ou rodoviárias, instalações públicas ou estabelecimentos

destinados ao abastecimento de água, luz, combustíveis

ou alimentos, ou à satisfação de necessidades gerais e

impreteríveis da população. Além dessa legislação, foi editada uma Medida Provisória nº 02, de 24 de setembro de 2001, seguida pela Lei nº 10.309, de 22 de novembro de 2001, por sua vez seguida pela Medida Provisória nº 32, de 18 de fevereiro de 2002, e, posteriormente, pela Lei nº 10.459, de 15 de maio de 2002, que estabeleceu uma assunção de responsabilidade por parte do Estado com relação a certos atos de terrorismo ou de guerra. A Lei nº 10.701, de 9 de julho de 2003, altera e acrescenta dispositivos à Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras e dá outras providências. Do ponto de vista legal, não se trata de termos um déficit enorme no que tange à regulamentação do que seja o crime de terrorismo e como combatê-lo. Antes, o problema me parece muito mais de capacitação institucional, mas este será o tema da próxima seção.

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III – Algumas Sugestões de Mudança

Em termos de mudança de enfoque na legislação, creio que é preciso reverter a tendência inercial da legislação infraconstitucional brasileira em definir o crime de terrorismo em termos que o aproximam da dissidência política, da rebelião social ou da subversão armada. Presente já no Código Penal de 1940, essa tendência aprofundou-se com a Lei de Segurança Nacional de 1983 e alcançou sua expressão mais acabada no Projeto de Lei nº 6.764/2002. O artigo 371 deste Projeto de Lei (que define o crime de terrorismo), no âmbito do capítulo III (dos crimes contra o funcionamento das instituições democráticas e dos serviços essenciais), define o crime de terrorismo como sendo aquele em que o perpetrador:

pratica, por motivo de facciosismo político ou religioso,

com o fim de infundir terror, ato de:

I - devastar, saquear, explodir bombas, seqüestrar, incen-

diar, depredar, praticar atentado pessoal ou sabotagem,

causando perigo efetivo ou dano a pessoas ou bens; ou

II - apoderar-se ou exercer o controle, total ou par-

cialmente, definitiva ou temporariamente, de meios de

comunicação ao público ou de transporte, portos, aero-

portos, estações ferroviárias ou rodoviárias, instalações pú-

blicas, ou estabelecimentos destinados ao abastecimento

de água, luz, combustíveis ou alimentos, ou à satisfação de

necessidades gerais e impreteríveis da população.

Note-se a quantidade de situações que poderiam ser caracterizadas como atentados terroristas sob essa caracterização, inclusive a ocupação temporária e parcial de prédios públicos. As penas previstas para o crime de terrorismo neste Projeto de

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Lei variam de dois a quatorze anos (se o ato resultar em morte). Esse tipo de definição foi elaborado muito mais tendo em vista o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do que a Al Qaeda e me parece não levar em conta nem a especificidade multifacetada do terrorismo contemporâneo e tampouco a severidade dos impedimentos que se colocam a uma tentativa de apreensão doutrinária e meramente normativa desse tipo de ameaça. Além desta diretriz geral para uma dupla avaliação permanente sobre a legislação brasileira (do ponto de vista da eficácia/eficiência e do ponto de vista da legitimidade), gostaria de acrescentar alguns aspectos gerais e algo polêmicos acerca de um redesenho organizacional que me parece crucial para que o Brasil melhore sua capacidade de lidar com as ameaças à segurança do Estado e dos cidadãos, inclusive na área de contraterrorismo. Trata-se, sobretudo, da necessidade de integrar certas capacidades hoje dispersas em vários ministérios e órgãos da administração pública. Provisoriamente, estou convencido de que o locus para isto deveria ser o próprio Gabinete de Segurança Institucional, fortalecido e transformado em um Ministério da Segurança Institucional (MSI). Esse ministério deveria coordenar as políticas de contraterrorismo, de inteligência e de segurança (informacional, operacional e contramedidas) do Governo brasileiro. Para viabilizar a capacidade de coordenação, creio que a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) deveria continuar su-bordinada ao MSI, mas suas missões prioritárias deveriam passar a ser, esmagadoramente, inteligência externa e contra-inteligência. Sem isso, qualquer capacitação do MSI para neutralizar possíveis operações de guerra assimétrica contra o Brasil ficaria compro-

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metida. Afinal, isso envolve a análise internacional de movimentos atípicos/suspeitos de fundos de pensões, carteiras de ações, empre-sas de fachada, firmas importadoras que possam usar containers para contrabando de explosivos e armamentos, fluxos de capitais, fundos hedge, controles de portos e aeroportos etc. No âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), portanto sob a coordenação geral da ABIN, seria preciso criar uma unidade de análise e apoio à integração das informações dos diversos órgãos do SISBIN, do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (SISP) e do Sistema de Inteligência de Defesa (SINDE). Como tem sido defendido em outras ocasiões, tal unidade não deveria possuir capacidades operacionais próprias nem autoridade operacional sobre as unidades operacionais do sistema. Ainda no âmbito do Conselho Consultivo do SISBIN, seria preciso definir pelo menos alguns cargos ou figuras seniores em funções de análises ‘nacionais’ (contraterrorismo, inteligência externa, contra-inteligência, crime organizado, ordem pública etc.), que corresponderiam às atribuições centrais do MSI e permitiriam melhor articulação com os demais ministérios (especialmente da Defesa, Justiça e Relações Exteriores) por meio dos fluxos de inteligência do SISBIN. A melhoria sistêmica da segurança estatal no Brasil depende da transferência da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), da polícia rodoviária federal e das polícias militares estaduais para a estrutura do Ministério da Segurança Institucional. Estabelecer, ainda, na forma da lei, que o Ministério da Defesa e os Comandos das Forças Singulares, pelo prazo de pelo menos cinco anos, não poderão recusar a cessão de elementos de inteligência, fuzileiros navais, polícia do exército, paraquedistas e outros membros das forças armadas para a composição da paleta

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de recursos necessários ao cumprimento das missões do MSI. Progressiva transformação da estrutura dessa força policial nacional para assegurar missões de patrulhamento, intervenção, choque, contra-insurgência, manutenção da ordem pública, segurança de propriedades da União, guarda de fronteiras, parques e reservas, rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Uma reforma do Judiciário (especialmente do judiciário estadual) é essencial para viabilizar qualquer mudança real, pois somente isso poderia expor conexões entre o narcotráfico e setores corrompidos das diversas forças policiais. A Lei nº 9.034, de 30 de março de 1995, com as alterações da Lei nº 10.217, de 11 de abril de 2001, são insuficientes para controlar os mecanismos de concessão de autorizações judiciais de grampos, mandados de prisão e de soltura, dependem da reforma do Judiciário para não serem totalmente desvirtuadas. Uma outra alteração no ordenamento legal brasileiro é a necessidade de dotar a legislação sobre crime organizado e narcotráfico de um alcance mais abrangente e eficaz, pelo menos nos termos do Racketeering Influenced and Corrupt Organization (RICO, 1970) norte-americano. Em princípio, parece-me que a inspetoria geral de polícia e uma corregedoria nacional das forças policiais de todos os entes federados deveriam também ser sediadas no âmbito do MSI. Plano de Cargos e Salários unificado para o MSI, com carreira única e salários definidos pela posição numa hierarquia de patentes a ser estabelecida. Os critérios de promoção devem enfatizar mérito e serão estabelecidos por lei específica. Valorização de formação superior e pós-graduação stricto sensu nas áreas de atuação do MSI. Estabelecimento de convênios com as escolas de formação militares e policiais do Brasil e de outros países, bem como universidades nacionais e estrangeiras.

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Finalmente, a criação de um Ministério da Segurança Institucional capaz de prover segurança para o Estado brasileiro e para os cidadãos a um só tempo dependerá de adequados controles internos e externos. Sem o fortalecimento de Comissões Parlamentares como a Comissão Mista de Controle e Acompanhamento das Atividades de Inteligência e a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, creio que dificilmente obteremos melhorias na capacidade sistêmica de resposta às ameaças representadas pela guerra assimétrica, terrorismo, narcotráfico e crime organizado.

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Alcides Costa VazDoutor em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo. Mestre e Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Diretor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Contato: [email protected]

A COOPERAÇÃO MULTILATERAL FRENTE AO TERRORISMO INTERNACIONAL:

dimensões e desafios da participação brasileira

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Apresentação

O presente texto enfoca a cooperação internacional na prevenção e repressão ao terrorismo internacional desde a perspectiva

de seus instrumentos e tendências no decorrer das últimas quatro décadas e, de forma particular, no período seguinte aos atentados de 11 de setembro de 2001. Examina também a participação brasileira no mesmo sentido, caracterizando seus condicionamentos e orientações nos planos multilateral, regional e sub-regional. Almeja-se fornecer visão de conjunto das principais iniciativas e instrumentos de resposta ao terrorismo dos quais o Brasil é parte de forma a identificar os âmbitos institucionais e temáticos nos quais se observa maior assertividade no que toca à ação do Estado brasileiro face ao terrorismo internacional bem como os fatores que a restringem.

O texto está organizado em quatro seções: a primeira é dedicada à cooperação antiterror no contexto multilateral, seus instrumentos, agenda e dinâmica; a segunda trata da cooperação no plano continental e regional, atendo-se ao detalhamento dos principais instrumentos vigentes; a terceira seção é dedicada à cooperação no Cone Sul, particularizando a esfera do Mercosul; por fim, na quarta e última seção analisa-se, desde uma perspectiva geral, a participação e perspectivas do Brasil frente ao tema.

Dada a destinação deste estudo, qual seja, fornecer elementos para a discussão aprofundada das tendências do terrorismo internacional e suas implicações para a formulação da política antiterror no Brasil, evitou-se o tratamento de questões de fundo teórico e conceitual, privilegiando-se o ordenamento de elementos informativos de modo a fornecer panorama geral dos esforços de cooperação internacional para o enfrentamento ao terrorismo e da participação brasileira.

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I. Antecedentes e marcos da cooperação multilateral

A cooperação internacional visando à prevenção, combate e eliminação do terrorismo assumiu, ao longo das últimas quatro décadas, formato marcadamente multilateral, sendo objeto de doze Convenções e Protocolos internacionais específicos, além de vários outros instrumentos de alcance multilateral (global e regional) bem como de acordos bilaterais, que tratam de questões outras afetas, direta ou indiretamente, ao enfrentamento ao terrorismo. A maior parte dos convênios internacionais sobre a matéria atualmente em vigor foram concebidos ainda no período da Guerra Fria. Naquele contexto, as cisões de ordem política e ideológica que marcavam as relações internacionais e a incidência de atos terroristas perpetrados em nome de causas separatistas concorriam para tornar altamente politizados o debate e a busca por formas de cooperação frente ao terrorismo internacional nos foros multilaterais. Diferentes interpretações sobre a legitimidade do recurso à violência como instrumento de reivindicação política dificultavam um entendimento comum sobre a essência mesma do fenômeno do terrorismo e sobre o posicionamento a ser tomado frente à ameaça que representava. Em particular, as percepções conflitantes dos Estados Unidos e da União Soviética, ao mesmo tempo em que politizavam a discussão do tema, obstaculizavam a possibilidade de efetiva cooperação multilateral baseada em concepções globais. Instaurou-se então tendência, que se manteria nas décadas seguintes, de estabelecer marcos cooperativos definidos em função das manifestações terroristas mais em voga, ou seja, de ameaças percebidas, por sua recorrência, como mais plausíveis e imediatas, sendo o seqüestro de aeronaves civis, então, a mais importante delas e que deu origem ao primeiro convênio internacional voltado para a prevenção e enfrentamento ao terrorismo.

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Desse modo, os primeiros instrumentos multilaterais para a cooperação antiterrorismo1 vieram à luz nos anos sessenta e início dos anos setenta tendo por objeto a repressão ao seqüestro de aeronaves civis. Nos anos seguintes, a tendência de celebrar convenções em torno de formas específicas de manifestação do terrorismo viria a manter-se, definindo, simultaneamente, a substância e o alcance da cooperação internacional.

Contudo, a escalada do terrorismo internacional ao longo da década de oitenta expressou-se mediante um diversificado leque de ações (seqüestros, extorsões, atentados à vida de autoridades políticas e diplomáticas e à infra-estrutura), ao que se somaram preocupações com a possibilidade de que, para além de armas e explosivos convencionais, os grupos terroristas pudessem recorrer à chantagem nuclear, seja por meio de atentados a instalações ou pela posse de material radioativo e, em eventualidade extrema, de artefatos nucleares. Em conseqüência, os instrumentos de cooperação multilateral firmados entre meados dos anos setenta e os anos oitenta remeteram-se àquelas possibilidades, sem abandonar, contudo, a segurança dos transportes aéreo e marítimo2. Até o final dos anos oitenta, portanto, os instrumentos de cooperação multilateral para o enfrentamento ao terrorismo

1 Convenção Relativa às Infrações e Certos Outros Atos Cometidos a Bordo de Aeronaves (Tóquio, 1963), Convenção para a Repressão do Apoderamento Ilícito de Aeronaves (Haia, 1970), Convenção para a Repressão de Atos Ilícitos Contra a Segurança da Aviação Civil (Montreal, 1971).2 Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crimes Contra Pessoas que Gozam de Proteção Internacional (Nova Iorque, 1973); Convenção Internacional contra a Tomada de Reféns (Nova Iorque, 1979); Convenção sobre Proteção Física de Materiais Nucleares (Viena, 1980); Protocolo para a Repressão de Atos Ilícitos de Violência em Aeroportos que Prestam Serviços à Aviação Civil Internacional (Montreal, 1988); Protocolo para a Repressão de Atos Ilícitos Contra a Segurança de Plataformas Fixas localizadas em Plataforma Continental (Roma, 1988); Convenção Para a Repressão de Atos Ilícitos Contra a Segurança da Navegação Marítima (Roma, 1988).

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internacional, reiterando tendência inicial, foram definidos em razão dos tipos de atentados mais freqüentes e, por conseguinte, dos alvos mais recorrentes. O tratamento de questões de ordem conceitual e das múltiplas causas do fenômeno ficou relegado à discussão acadêmica sem incidir diretamente na definição de políticas e de ações no plano internacional.

Aquela mesma tendência de resposta ao terrorismo se-gundo as formas com que este se expressava adentrou também a década de noventa. A multiplicação em larga escala de atentados com bombas levou a Assembléia das Nações Unidas a criar um regime de jurisdição universal sobre o uso ilegal e intencional de explosivos e de outros instrumentos letais com vistas a viti-mar pessoas ou causar danos a instalações públicas3. No entanto, é importante notar que, naquele período, emergia a preocupa-ção em compreender e reagir ao fenômeno do terrorismo in-ternacional a partir de abordagem mais ampla que contemplasse seus vínculos com outros ilícitos transnacionais, em particular e de forma imediata, com o narcotráfico, o tráfico de armas e a lavagem de dinheiro, o que implicaria esforço em expandir o escopo da cooperação multilateral em curso. Nesse contexto, foi a preocupação em reprimir a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo que ensejou novas instâncias de cooperação multilateral, dentre as quais destaca-se o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), criado pelo Grupo dos Sete (G-7), em Reunião de Cúpula ocorrida em Paris em 1989, com a missão de desenvolver e promover

3 Convenção Internacional Para a Repressão de Atentados Terroristas Com Bombas (Nova Iorque, 1997).

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internacionalmente políticas de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo. Integrado originalmente por 16 países, o GAFI conta hoje com 28 membros plenos, dentre os quais o Brasil, além de membros observadores. Seus trabalhos estão consubstanciados em um conjunto de 40 recomendações de medidas de política que servem, ao mesmo tempo, de parâmetro para avaliar as ações dos países na repressão à lavagem de dinheiro e para a admissão de novos membros plenos ao Grupo. À parte das Convenções multilaterais, e de sua importância em face de outros ilícitos transnacionais, o GAFI vem assumindo papel de destaque como instância de cooperação e coordenação de ações no enfrentamento ao terrorismo internacional.

Simultaneamente, ganhou ímpeto a necessidade de ações preventivas como elemento orientador da cooperação internacional e não somente a repressão, como prevalecera nos instrumentos jurídicos firmados entre os anos sessenta e setenta, sobretudo4. A Convenção Internacional para a Repressão do Financiamento do Terrorismo é, em tal contexto, o primeiro instrumento voltado, explicitamente, não para a repressão a um determinado tipo de ação terrorista, mas para a prevenção, ampliando o universo de atores a serem considerados no enfrentamento ao terrorismo5. As políticas governamentais e as

4 As convenções e protocolos daquele período possuíam em comum a criminalização dos atos terroristas e o estímulo à aplicação de penalidades severas aos seus perpetradores e à cooperação judicial visando à extradição de pessoas envolvidas com tais atos. 5 A Convenção faz referência explícita à necessidade de prevenir e reprimir o financiamento de ações terroristas quando ocorra direta ou indiretamente por meio de grupos que advogam perseguir objetivos filantrópicos, sociais, culturais ou que se engajam em atividades ilícitas como o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro e o tráfico de armas.

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ações empreendidas multilateralmente passariam, desde então, a contemplar um amplo espectro de atores e de processos definidos a partir de enlaces possibilitados por um sistema financeiro global bastante difuso, envolvendo indivíduos e grupos locais potencialmente presentes em qualquer parte do planeta, com movimentos terroristas capazes de articularem-se transnacionalmente, permitindo assim a mobilização e movimentação de recursos financeiros necessários à manutenção de suas estruturas e ao planejamento e execução de suas atividades. Por meio dos fluxos de comunicação e de recursos financeiros, o terrorismo, ao final dos anos noventa, assumira feição marcadamente transnacional. Face a esse importante desdobramento, a cooperação multilateral frente ao terrorismo passou a definir-se em torno de dois aspectos centrais: a geração e a disseminação de informações, de modo a permitir o monitoramento, em caráter permanente, do fluxo de pessoas, bens e recursos financeiros no interior dos países e através das fronteiras, por um lado, e, por outro, a aplicação de medidas de controle e supervisão do fluxo de pessoas e do sistema financeiro. A esses, veio a somar-se a cooperação em matéria judicial, conformando assim, o tripé fundamental da cooperação internacional para o enfrentamento do terrorismo tal como configurada no presente. Os atentados de setembro de 2001, por suas características e desdobramentos, realçaram ainda mais a evidente dimensão transnacional do terrorismo e tornaram prementes a intensificação e o aprofundamento da cooperação, que foi objeto de Resoluções do Conselho de Segurança e da Assembléia Geral das Nações Unidas em seguida àqueles

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atentados6. Estes não implicaram, todavia, a introdução de novos vetores para tal cooperação, que segue erigida no tripé conformado pela intensificação de esforços em articular sistemas de informação, o controle e supervisão de fluxos de pessoas, bens e recursos financeiros e a cooperação em matéria judicial. Essa matriz erigida sob esses três pilares orienta e define substativamente a cooperação internacional também nos planos regional e sub-regional, como analisado na seção seguinte.

II. A dimensão regional da cooperação antiterror

A escalada do terrorismo internacional e os esforços de cooperação multilateral para seu enfrentamento repercutiram regionalmente ensejando um conjunto significativo de convenções em distintas partes do planeta, a maior parte das quais surgidas desde a segunda metade dos anos oitenta à última década7. Diferem quanto ao período de sua celebração, as convenções surgidas na Europa Ocidental e nas Américas8, ambas dos anos

6 Resolução 1.333/2000 do Conselho de Segurança, impondo sanções contra o regime talibã, no Afeganistão e Resolução 1.368/2001 condenando o ataque ao World Trade Center e ao Pentágono. 7 São exemplos o Tratado de Cooperação dos Países da Commonwealth Para Combate ao Terrorismo (Minsk, 1999), a Convenção da Organização da União Africana para a Repressão e Combate ao Terrorismo (Algéria, 1999), a Convenção da Organização da Conferência Islâmica sobre o Combate ao Terrorismo Internacional (Ouagodougou, 1999), a Convenção Árabe sobre Repressão ao Terrorismo (Cairo, 1998) e a Convenção da Associação do Sudeste Asiático para a Cooperação Regional para a Repressão ao Terrorismo (Katmandu, 1987). 8 Convenção da Organização dos Estados Americanos para a Prevenção e Punição de Atos de Terrorismo sob a forma de Crimes contra Pessoas e Extorsões Correlatas de Significado Internacional (Washington, 1971) e a Convenção Européia sobre Repressão ao Terrorismo (Estrasburgo, 1977).

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setenta, o que retrata, no caso americano, a preocupação em traduzir regionalmente os esforços empreendidos na Assembléia Geral das Nações Unidas, segundo as concepções próprias do Ocidente, no marco da Guerra Fria. Já nos anos noventa, instaurou-se, na Organização dos Estados Americanos (OEA), a Conferência Especializada em Terrorismo, expressando o reconhecimento do terrorismo, ao lado de outros ilícitos, como forma de ameaça não tradicional à segurança hemisférica. No entanto, foi somente a partir de novembro de 1998 que a cooperação antiterrorismo viria a ser instrumentalizada de modo efetivo no âmbito daquela Organização, mediante a criação do Comitê Interamericano contra o Terrorismo, no marco da II Conferência Especializada em Terrorismo celebrada em Mar del Plata, Argentina.

O Comitê tem por objetivos: a) melhorar o intercâmbio de informação entre as autoridades nacionais; b) formular propostas para ajudar os Estados membros na adoção de legislação apropriada para a repressão ao terrorismo; c) recopilar tratados e acordos bilaterais, sub-regionais e multilaterais subscritos pelos Estados membros; d) aumentar a cooperação em áreas de fronteira e em medidas de segurança relativas à documentação de viagem; e e) desenvolver atividades de treinamento e manejo de crises desencadeadas por ações terroristas.

Os atentados de setembro de 2001 levaram à imediata intensificação do tratamento do tema no marco da OEA. Por iniciativa e proposta brasileira, as respostas dos países do continente aos atentados ao World Trade Center e o apoio aos Estados Unidos, no mesmo sentido, estariam sob a égide do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), sendo que duas Resoluções emanadas da XXIII Reunião de

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Consulta dos Ministros de Relações Exteriores celebrada em 21 de setembro de 2001 viriam a demarcar as ações regionais no imediato pós-11 de setembro, quais sejam, Resolução sobre o Fortalecimento da Cooperação Regional para Prevenir, Combater e Eliminar o Terrorismo (RC 23/Res1/01) e Ameaça Terrorista nas Américas (RC 24/Res1/01).

No entanto o ponto culminante no que se refere à instrumentalização da cooperação contra o terrorismo no marco da OEA, e como conseqüência direta dos atentados de setembro de 2001, foi a adoção, pela Assembléia Geral, em seu 32º período de Sessões, em junho de 2002, da Convenção Interamericana contra o Terrorismo, principal instrumento que rege, no presente, a cooperação regional na matéria, cujo teor é sucintamente apresentado nos parágrafos seguintes. A Convenção reconhece a Carta da OEA como marco apropriado para a cooperação hemisférica visando à prevenção, combate e eliminação do terrorismo, em consonância com os demais instrumentos multilaterais que conformam o arcabouço jurídico internacional pertinente ao tema. No entanto, privilegia-se, no tocante aos compromissos assumidos, a dimensão financeira como o espaço imediato da cooperação. Em seu artigo quarto enumeram-se as medidas que cada Estado Parte se compromete a implementar no marco da cooperação hemisférica, segundo três conjuntos, a saber: a) adoção de amplo regime interno de normatização e supervisão de bancos e outras instituições financeiras; b) medidas de detecção e vigilância de movimentos transfronteiriços de dinheiro e de instrumentos de liquidez; c) criação de uma unidade de inteligência financeira que sirva de centro para a compilação, análise e difusão de informações relevantes sobre lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.

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Na implementação dessas medidas, os Estados Parte comprometem-se a tomar em conta as recomendações de entidades internacionais e regionais especializadas, como o já mencionado Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), o Grupo de Ação Financeira da América do Sul (GAFISUL), a ser tratado adiante, e a Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD). Estabelece-se ainda a adoção de medidas legais que permitam o embargo e desapropriação de fundos e bens que sejam produto ou que tenham sido empregados no financiamento ao terrorismo9 e a internalização, na legislação penal sobre lavagem de dinheiro, dos delitos previstos nos instrumentos internacionais sobre repressão ao terrorismo10. Além das medidas referentes ao sistema financeiro e à movimentação e lavagem de dinheiro, a Convenção, seguindo o parâmetro vigente apontado anteriormente, alude à cooperação no âmbito fronteiriço visando a melhorar as medidas de controle fronteiriço e aduaneiro e a emissão de documentos de modo a permitir a detecção e prevenção da circulação de terroristas, do tráfico de armas e de outros materiais que lhes sejam úteis e da falsificação de documentos11. Completam o elenco dos compromissos previstos a cooperação entre autoridades competentes para a aplicação da lei, a assistência jurídica mútua na prevenção, investigação e enjuizamento dos delitos considerados e a deportação de pessoas sob custódia, com base

9 OEA, Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, art. 5º.10 Idem, art. 6º.11 Idem, art. 7º.

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em princípios enunciados no Art. 10º da Convenção, para fins de identificação, testemunho ou ajuda na obtenção de provas úteis à investigação12. A fim de assegurar a eficácia da assistência jurídica mútua e dos procedimentos de extradição, a Convenção prevê a inaplicabilidade da exceção por delito político, a denegação da condição de refugiado e de asilo a pessoas que tenham incorrido nos delitos previstos nos instrumentos internacionais em tela13. Ao mesmo tempo, sujeita as medidas a serem tomadas com base em seu texto ao pleno respeito do Estado de Direito, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e dos compromissos e princípios consagrados no direito internacional humanitário, nos regimes de proteção dos direitos humanos e no direito internacional dos refugiados14. Com isso, a Convenção procura equilibrar a necessária agilidade no intercâmbio de informações e no enjuizamento dos perpetradores de atos de terrorismo com o fortalecimento e observância dos princípios do Direito e das garantias e liberdades individuais, de forma a coibir a discricionalidade de parte das autoridades públicas na investigação e juízo de atos terroristas. A Convenção da OEA representa, portanto, o principal instrumento normativo para a cooperação, no continente americano, para a prevenção e repressão ao terrorismo internacional. Por tratar-se de instrumento recente, acompanha as tendências contemporâneas no que tange à definição do escopo da cooperação internacional na matéria, ou seja, não

12 Idem, arts. 8º e 9º. 13 Idem, arts. 11º, 12º e 13º.14 Idem, art. 15º.

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a define com base na caracterização do(s) ato(s) terrorista(s) mais freqüente(s), como no caso dos primeiros instrumentos multilaterais, mas considera um amplo espectro de delitos já caracterizados como tal na normativa internacional; estrutura-se em torno dos três vetores apontados ao final da seção anterior, quais sejam, a produção e difusão de informações sobre fluxos de bens, pessoas e recursos financeiros, a supervisão e controle das instituições e fluxos financeiros e a cooperação em matéria judicial. Ainda no plano regional, cabe referência ao Grupo de Ação Financeira da América do Sul (GAFISUL), criado em dezembro de 2000 como parte do processo de estabelecimento de grupos regionais no âmbito do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), com objetivos semelhantes ao deste, procurando integrar os esforços antilavagem de dinheiro na América do Sul. O GAFISUL está integrado, no presente, por nove países, dentre os quais o Brasil, e conta com a OEA como membro observador15. Sua atuação contemplou originalmente a lavagem de dinheiro relacionada particularmente ao narcotráfico. Contudo, em seguida aos atentados de setembro de 2001, ampliou seu escopo para contemplar a repressão ao financiamento do terrorismo. No entanto, desde a perspectiva brasileira, a cooperação internacional antiterrorismo desenvolve-se igualmente no plano sub-regional, tendo o Mercosul como referência e fonte de compromissos e iniciativas que reforçam e complementam

15 São membros do GAFISUL Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai.

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aqueles empreendidos no plano continental. Como se verá a seguir, o grau de detalhamento e operacionalidade dos instrumentos e compromissos é que parece variar na medida em que se consideram níveis mais desagregados de cooperação. Além disso, cabe considerar que, por injunções próprias, a cooperação em matéria de segurança regional no âmbito do Mercosul, mesmo tendo precedido a Convenção Interamericana Contra o Terror, somente veio a contemplar o terrorismo de forma mais explícita após os atentados de 11 de setembro de 2001, fazendo-o não por meio de instrumentos específicos, mas de sucessivas adaptações de mecanismos voltados para as formas de ilícitos presentes na sub-região e que representam os desafios mais prementes do ponto de vista do panorama da segurança regional e da segurança pública nos países do Mercosul.

III. A cooperação no âmbito do Mercado Comum do Sul (Mercosul)

As preocupações com os ilícitos transnacionais e a segurança regional emergiram na agenda do Mercosul a partir da instauração da Reunião de Ministros de Interior em 1996, somando-se à Reunião de Ministros de Justiça, o que, por um lado, reforçou a agenda política do bloco e, por outro, introduziu nela questões que se estendiam para além do plano jurídico. Em um primeiro momento, foram priorizados o enfrentamento de ilícitos em áreas fronteiriças e particularmente na tríplice fronteira, espaços em que a capacidade de ação do Estado via-se, como no presente, restringida pela escassez e inadequação de meios e pela prática da corrupção, favorecendo a atuação

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de grupos ligados ao crime organizado, ao contrabando de bens, ao tráfico de drogas e armas, à lavagem de dinheiro e, possivelmente, ao terrorismo internacional.

Assim, no ano seguinte ao estabelecimento da Reunião de Ministros de Interior, o Conselho Mercado Comum (CMC) adotava as primeiras resoluções encaminhadas por aquela instân-cia, contemplando a coibição de práticas de corrupção em insta-lações aduaneiras. Denotando o aumento das preocupações rela-tivas à segurança, aprovaram-se, em 1998, o Plano de Segurança Para a Tríplice Fronteira e o Plano de Cooperação e Assistência Recíproca Para a Segurança Regional no Mercosul. Tais inicia-tivas foram percebidas como necessárias diante do sentimento generalizado de crescente insegurança interna, particularmente nos grandes centros urbanos, onde a conjunção do crime or-ganizado e do tráfico de drogas e de armas desafiava a ação das forças de segurança pública. Configuravam, ao mesmo tempo, respostas ao aumento do narcotráfico e às pressões norte-ame-ricanas por maior proatividade do Brasil no seu enfrentamento. Ambos os planos contemplam a cooperação entre as forças de segurança, as forças policiais, as autoridades aduaneiras e os ór-gãos de inteligência com vistas ao intercâmbio de informações, ao desenvolvimento de operações conjuntas e ao monitoramen-to do movimento de pessoas e bens através das fronteiras.

Nos países do Mercosul, observou-se, na segunda metade dos anos noventa, sensível deterioração da segurança pública em razão do mau desempenho das economias e do conseqüente acirramento de tensões sociais, favorecendo um ambiente propício ao recrudescimento do crime organizado e do tráfico de drogas e de armas na sub-região. Tornou-se necessário, em tal contexto, estender as ações governamentais, no plano da

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segurança pública, ao Mercosul. O ano de 1999, em particular, foi marcado por grande ativismo no tocante a iniciativas em favor da segurança no plano sub-regional. Em meados daquele ano, o Mercosul adotou o Plano Geral de Cooperação e Coordenação Recíproca Para a Segurança Regional, envolvendo também a Bolívia e o Chile, países associados ao bloco, substituindo aquele aprovado em 1998 e que estivera fortemente inspirado pelos problemas observados na Tríplice Fronteira.

O Plano Geral, que vem sendo objeto de adequações regulares desde então, tem como objetivos principais otimizar os níveis de segurança no bloco, promover assistência recíproca entre forças de segurança e policiais, coordenar ações operativas e implementar um sistema conjunto de informações e comunicações, denominado Sistema de Intercâmbio de Informações de Segurança do Mercosul. Em consonância com esses objetivos, criou-se em 2000 o Centro de Coordenação e Capacitação Policial do Mercosul, Bolívia e Chile e teve início o Programa de Ação do Mercosul de Combate aos Ilícitos no Comércio Internacional. Esse conjunto de iniciativas denota a ênfase prestada pelo Governo brasileiro e pelos demais sócios do Mercosul à cooperação no plano sub-regional para o enfrentamento dos ilícitos transnacionais, transcendendo a atuação nas faixas fronteiriças, que se mantêm como foco de particular relevância, passando a contemplar ações em domínios conexos. Até o segundo semestre de 2001, no entanto, o enfrentamento ao terrorismo comparecia como objetivo secundário e nem sempre explicitado nos instrumentos e planos antes referidos e que privilegiavam as formas reconhecidamente existentes de ilícitos no espaço do Mercosul. Desde então, no entanto, o

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tema emergiu com centralidade nos âmbitos de cooperação, em matéria de segurança, nos planos sul-americano e do Mercosul. Cumpre assinalar que, diferentemente do ocorrido no plano hemisférico, não se criou, no Mercosul, instrumento específico voltado para a prevenção e repressão ao terrorismo. Por ser signatário de inúmeras Convenções multilaterais e regionais, era entendimento do Governo brasileiro e dos demais países do Mercosul não haver razões que justificassem a adoção de marco jurídico específico para tratamento do tema no plano sub-regional, posição esta que o País continuou sustentando mesmo após os atentados de 11 de setembro. Paradoxalmente, enquanto o Mercosul enfrentava sua mais grave crise, com evidente erosão de sua credibilidade e perda de funcionalidade em suas dimensões originais, passava a ser valorizado como espaço para a cooperação em matéria de segurança. No entanto, é forçoso reconhecer que a crise que abalou o bloco também impactou a cooperação em tela na medida em que limitou as possibilidades de decantar à classe política e à opinião pública as iniciativas que estavam sendo gestadas no plano da segurança. Ao mesmo tempo, as condições de segurança seguiram deteriorando-se de forma generalizada, a despeito dessas mesmas iniciativas, colocando em questão não somente a visibilidade, mas sobretudo a eficácia das mesmas.

IV. O Brasil no contexto da cooperação internacional contra o terrorismo

Como visto nas seções anteriores, a atuação do Brasil na cooperação internacional frente ao terrorismo e demais ilícitos

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internacionais tem se pautado pela preocupação em manter-se em sintonia com as tendências e iniciativas internacionais, tendo assinado e ratificado as principais convenções multilaterais e regionais. Atualmente, o País toma parte de 12 instrumentos internacionais na matéria. A participação nesse diversificado universo de instrumentos de cooperação encontra, no caso brasileiro, contrapartida na existência de legislação interna compatível com os parâmetros internacionais, o que permite ao País cumprir um papel proativo em matéria de cooperação judicial bem como no tocante à repressão à lavagem de dinheiro.

Seguindo a tendência do tratamento do tema no plano internacional, o entendimento do Governo brasileiro é que a prevenção e enfrentamento do terrorismo, embora apresentem especificidades, associam-se à prevenção e repressão de outros ilícitos transnacionais, o que está em consonância com a visão que prepondera nos foros multilaterais sobre a multidimensionalidade da segurança internacional, tal como expresso, por exemplo, na recente Declaração da OEA sobre o tema.

No entanto, e apesar da multiplicidade de instâncias de cooperação de que toma parte, a atuação brasileira na prevenção e repressão ao terrorismo define-se em âmbitos específicos, a saber: a repressão à lavagem de dinheiro, tendo o GAFISUL e o GAFI como referências imediatas; o intercâmbio de informações e a coordenação de ações na esfera policial, onde despontam o Centro de Formação e Capacitação Policial do Mercosul, Bolívia e Chile e a cooperação bilateral com os demais países andinos e com terceiros países no âmbito da INTERPOL; o monitoramento de pessoas e bens através das fronteiras, no

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marco do Plano Geral para a Segurança Regional do Mercosul e em âmbito bilateral com seus vizinhos da região; a cooperação em matéria judicial, onde se sobrepõem e se complementam os dispositivos do Mercosul, da Organização dos Estados Americanos e aqueles previstos nas Convenções multilaterais atinentes ao tema.

O âmbito de atuação mais imediata para o Brasil é, portanto, o Mercosul, sendo este também o espaço no qual a cooperação tende a ocorrer de forma mais integral e fluida nas três dimensões referidas. Em decorrência disso, estabelece-se descompasso entre a cooperação empreendida no Cone Sul e a que envolve seus demais vizinhos, em particular no que respeita ao controle de áreas fronteiriças na região Amazônica. Muito embora seja a Tríplice Fronteira que tenha despertado a atenção da comunidade internacional, e dos Estados Unidos em particular, por eventuais enlaces de grupos e indivíduos ali presentes com a Al Qaeda, ou por servir de santuário para agentes do terrorismo internacional, fato não devidamente comprovado, observa-se vulnerabilidade por parte do Brasil em outras regiões onde a presença das forças de segurança do Estado brasileiro é escassa. Nesse contexto, é factível supor que, mediante o incremento da cooperação em matéria de segurança no Cone Sul, os fluxos de bens e pessoas associados aos ilícitos transnacionais, dentre eles o terrorismo, sejam redirecionados para áreas mais desprotegidas e onde a cooperação para seu enfrentamento não esteja adequadamente instrumentalizada e operacionalizada.

Tal possibilidade remete à consideração da cooperação hemisférica. Nesse plano, as posições do Brasil transitam de maior assertividade (como no imediato pós-11 de setembro) à postura cautelosa e crítica quanto às orientações da política

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norte-americana e à centralidade que nela tende a assumir o componente militar, como em relação ao Plano Colômbia. Ao mesmo tempo, o Brasil procura evitar politizar o tema, particularmente no que tange às relações com os Estados Unidos, país com o qual entabula um amplo conjunto de ações cooperativas em matéria de ilícitos transnacionais.

No plano regional, como em âmbito multilateral, o Brasil tem se empenhado em compatibilizar a intensificação de esforços de prevenção e repressão ao terrorismo com a observância de princípios e procedimentos que nos impeçam de assumir sentido discricionário.

Considerações finais: os limites da atuação brasileira

Ademais dos limites normativos que reconhece e estimula, o Brasil confronta-se também com aqueles relacionados à escassez de recursos materiais, tecnológicos, financeiros e humanos próprios e aos que acometem seus interlocutores em seu entorno imediato. Tais limitações inibem, a um mesmo tempo, a capacidade operativa do País e condicionam a cooperação nos planos sub-regional e regional, onde tende a concentrar-se e a ocorrer com mais intensidade. Outro fator de inibição dos esforços cooperativos em consideração é a corrupção que afeta tanto as forças de segurança como o aparato judicial, questão cujo tratamento define âmbitos próprios de cooperação internacional e necessários ao êxito do enfrentamento ao terrorismo e dos demais ilícitos transnacionais. Finalmente, há que se considerar também, como fator de inibição da atuação brasileira nesse domínio, a limitada capacidade do País na área

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de inteligência, área negligenciada ao longo de toda a década de noventa e igualmente imprescindível à prevenção e repressão ao terrorismo internacional.

A posição política de evitar a militarização das políticas antiterror faz recair maiores responsabilidades sobre os demais instrumentos de segurança do Estado, os quais estão, no caso brasileiro, sobrecarregados e subdimensionados face às demandas internas e internacionais a eles dirigidas. Essa condição, paradoxal em relação às posições e compromissos assumidos pelo País, resulta ser o mais imediato fator de limitação de suas possibilidades no plano da cooperação internacional em matéria de segurança.

Outro fator que restringe a ação brasileira nesse plano é a desarticulação observada entre os diferentes órgãos e instâncias que tomam parte na cooperação internacional, o que resulta em excessiva compartimentalização de esforços, ausência de visão geral sobre os requerimentos e possibilidades que coloca ao País, e portanto, em concepções imprecisas sobre o papel e a funcionalidade da cooperação internacional para a formulação e implementação de uma efetiva política antiterror. Nesse sentido, afigura-se oportuna a criação de instância apta a supervisionar e difundir, no universo das instituições de Estado diretamente envolvidas no enfrentamento ao terrorismo e entre suas respectivas unidades engajadas em ações de cooperação internacional nesta matéria, informações e diretrizes pertinentes, de forma a propiciar visão sistêmica da participação e dos compromissos do País no enfrentamento ao terrorismo e da própria cooperação internacional nesse âmbito.

Dentro do atual arranjo institucional, caberia ao próprio Gabinete de Segurança Institucional, dada a possibilidade

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de realizar interfaces com todos os demais Ministérios e órgãos pertinentes na esfera do Poder Executivo, abrigar e operacionalizar a unidade sugerida. Em se estruturando instância ou autoridade exclusivamente dedicada ao contraterrorismo, caberá a ela conferir à cooperação internacional adequada instrumentalização e expressão institucional. Com isso, espera-se que o aprimoramento institucional do País para o enfrentamento da ameaça terrorista envolva também, e com adequado aparato institucional, a imprescindível dimensão da cooperação internacional.

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SÍNTESE DO II ENCONTRO DE ESTUDOS

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Apresentação

Este texto apresenta os principais aportes do Encontro de Estudos sobre Terrorismo, realizado em 15 de dezembro de 2003, sob os auspícios da Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. A coordenação dos estudos e a organização do evento estiveram a cargo do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. O Encontro teve por objetivo discutir em profundidade e em perspectiva estratégica a questão do terrorismo, de forma a oferecer elementos norteadores e subsídios para a formulação de uma abrangente política antiterror. Para efeitos do estudo e discussão do tema, as várias questões atinentes à desejada política antiterror e os pontos específicos de interesse da Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais (SAEI) foram agrupadas em torno de três dimensões básicas, a saber:

a) as perspectivas e possibilidades de ações terroristas em território brasileiro ou tendo como objetivo nacionais no exterior;b) a adequação e preparo institucional para o enfrentamento da ameaça terrorista;c) a cooperação internacional e a adequação do ordenamento legal para fazer face à eventual ameaça do terrorismo.As análises sobre essas dimensões foram realizadas por

especialistas convidados e consubstanciadas em textos que foram apresentados por ocasião do Encontro de Estudos e debatidos, cada um, por dois outros especialistas e pelos demais convidados. Dessa forma, estão reunidos, no presente documento, de forma sintética, as principais contribuições, conclusões e recomendações

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pertinentes a cada dimensão mencionada, tal como oferecidas nos textos originais, nas apresentações orais e nos debates.

I - O Brasil frente ao terrorismo internacional: perspectivas e possibilidades de ações terroristas em território brasileiro ou tendo como objetivo nacionais no exterior.

Não se exclui, aprioristicamente, a possibilidade de o Brasil vir a tornar-se palco, ou mesmo alvo, de ações terroristas, a despeito de não ter estado o País ou organizações brasileiras envolvidos direta ou indiretamente em controvérsias internacionais em que esteja presente o componente do terror, de forma a converter cidadãos, instalações e interesses brasileiros, tanto em seu próprio território como no exterior, em alvos imediatos ou prioritários do terrorismo internacional. Diferentemente do que vem ocorrendo com outros países, como aqueles que apoiaram diretamente a ação militar norte-americana no Iraque, não há pré-disposição declarada ou ostensiva de parte de quaisquer grupos terroristas mais atuantes internacionalmente de converter o Brasil ou seus nacionais em alvo preferencial em resposta a posições ou ações que o País tenha assumido externamente. Os ataques terroristas ocorridos, em Madri, em 11 de março último, bem como a onda de seqüestro de estrangeiros (italianos e japoneses, em particular, no Iraque) desencadeada a partir de abril ilustram a maior suscetibilidade dos países que se aliaram aos Estados Unidos na invasão ao Iraque.

No entanto, identificam-se três ordens de consideração que tornam o Brasil suscetível e vulnerável a ações terroristas, seja como palco ou como alvo: a primeira refere-se à natureza e alcance

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da própria ameaça terrorista no plano global; a segunda, às formas de articulação do terrorismo com estruturas e atividades ilícitas domesticamente estabelecidas; e, a terceira, às posturas e limitações do próprio País frente ao terror e à violência como componentes indeclináveis da política internacional contemporânea. Assim, a preparação do País, nos planos político, jurídico e institucional, bem como no tocante aos instrumentos a serem acionados no enfrentamento ao terrorismo, deve considerar, simultânea e integralmente, tais ordens de consideração, e que são analisadas a seguir.

a) A natureza e alcance da ameaça terrorista

O recurso ao terror com vistas à indução de comportamentos combina, em grande medida, elementos de seletividade, sobretudo no que se refere aos alvos, e de relativa aleatoriedade, particularmente quanto às vítimas potenciais. A suscetibilidade do País a atentados terroristas deve ser considerada, portanto, em ambas as dimensões. Se considerada a aleatoriedade das vítimas potenciais, o Brasil, como observado nos debates, já se encontra inscrito no rol dos países cujos cidadãos têm sido vitimados por atos terroristas, ainda que perpetrados no exterior e direcionados a alvos que não guardavam relação direta com o próprio País. Entretanto, as ações possíveis para resguardar cidadãos brasileiros de serem vitimados por atentados terroristas no exterior restringem-se àquelas voltadas para sua proteção em contextos em que se identifiquem riscos iminentes, o que, em se considerando o terrorismo, não ocorre com facilidade. São, assim, limitadas as possibilidades de ações preventivas por parte do Governo brasileiro a esse respeito. Portanto, a suscetibilidade do País ao terrorismo define-se, fundamentalmente, em relação

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à possibilidade de que ativos materiais e instalações nacionais ou de empresas e cidadãos brasileiros localizados em seu próprio território ou no exterior convertam-se em alvos discriminados de atentados.

Nesse sentido, cumpre dimensionar tal risco à luz de outras considerações, uma vez que, como amplamente reconhecido, a partir dos atentados de 11 de setembro de 2001, o terrorismo alcançou projeção efetivamente global, dado o objetivo da Al Qaeda, responsável por aqueles atos, de fomentar laços de solidariedade transnacional no seio do mundo muçulmano realçando a ameaça que seria representada pelo Ocidente, como inimigo comum. O recrudescimento do terrorismo internacional é, em grande medida, nutrido por um componente de conflito civilizacional que se projeta globalmente.

Assim, mesmo que distante, em vários sentidos, dos focos de tensão e das controvérsias políticas que nutrem o terrorismo em diferentes regiões, o Brasil se vê vulnerável frente a uma ameaça que assumiu, em uma de suas principais expressões e por ação de uma rede de manifesta atuação transnacional, alcance global. Em tal contexto, dois fatores realçam a possibilidade de o Brasil vir a ser palco de ações terroristas: em primeiro lugar, a grande presença, no Brasil, de instalações e facilidades, bem como de pessoas relacionadas a alvos tradicionais do terrorismo, como representações diplomáticas, consulares e de organismos internacionais, empresas, escritórios de representação comercial, templos, associações de representação de classe e comunitárias etc; em segundo, a visibilidade, objetivo implícito de atos terroristas, que o ineditismo de um atentado no Brasil poderia propiciar. A possibilidade de o Brasil converter-se em alvo de ataques terroristas associar-se-ia também ao eventual interesse da Al Qaeda, ainda não evidenciado, em aprofundar a cisão entre o Ocidente e o Islã, induzindo, por meio da ameaça terrorista, países, que a exemplo do Brasil, não se engajaram diretamente nas ações militares

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lideradas pelos Estados Unidos, após o 11 de setembro, a assumirem comportamentos mais pró-ativos no enfrentamento ao terrorismo.

Portanto, a possibilidade de o Brasil vir a ser diretamente alcançado pelo terrorismo vincula-se, mais diretamente, à existência de condições que podem convertê-lo em palco de atentados, sendo mais remotas as perspectivas de que venha a ser alvo de ações, o que depende, nas presentes circunstâncias, do cálculo estratégico de parte das principais organizações terroristas, em particular, a Al Qaeda.

b) A articulação do terrorismo internacional com estruturas, organizações e atividades no plano doméstico

As conexões domésticas do terrorismo internacional envolvem um amplo espectro de possibilidades, desde aquelas associadas a atividades lícitas, regulares e ostensivas, passíveis, portanto, de monitoramento por meio de instrumentos próprios à esfera em que ocorrem, àquelas conduzidas no marco da clandestinidade e que dependem, basicamente, do recurso à inteligência para tanto. Como ocorre em qualquer sociedade democrática, o Estado de Direito, as garantias individuais, de manifestação e de associação, a pluralidade de idéias, crenças e valores, ao mesmo tempo em que estimulam e protegem a liberdade e o indivíduo, também oferecem condições para o estabelecimento de conexões externas a serviço de ilícitos transnacionais e do terrorismo.

Assim, o Brasil mostra-se muito permeável à articulação do terrorismo internacional. Contribui para tanto, ademais da vigência democrática, a grande diversidade dos laços transnacionais de diversos segmentos da população brasileira, a porosidade de suas fronteiras, particularmente nas áreas em que é mais intenso o

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fluxo de pessoas e de bens, a limitada capacidade de fiscalização em pontos de entrada e trânsito, a ampla oferta de rotas alternativas de acesso ao território do País, a existência de boa oferta de serviços (transporte, comunicação e serviços financeiros), particularmente nos grandes centros urbanos. Esse conjunto de fatores torna o País atrativo para a obtenção de facilidades para grupos terroristas.

Em tal contexto, apresenta-se a questão da Tríplice Fronteira como merecedora de especial atenção pela sedimentação ali verificada de condições favoráveis à atuação do crime organizado, do tráfico de armas e de drogas e pela presença de significativo contigente populacional islâmico, fruto de fluxo migratório recente e que mantém vínculos com seus lugares de origem. Merecem atenção, nesse sentido, dois aspectos: o primeiro, de caráter peculiar, associa-se a uma das mais evidentes expressões do terrorismo no presente, qual seja, a possibilidade de ligações entre, de um lado, o filantropismo islâmico de parte das comunidades de migrantes e seguidores presentes no País, a movimentação de recursos financeiros sob a forma de remessas ao exterior e, de outro, grupos radicais islâmicos, como a Jihad Islâmica com vínculos com o terrorismo internacional. Essa mesma possibilidade aplica-se em relação aos segmentos identificados com a causa palestina e os movimentos radicais palestinos, como o Hezbollah. Nesse sentido, despontam considerações de ordem fundamentalmente políticas associadas a visões de mundo influenciadas pela religião e a identificação com as causas esposadas por movimentos terroristas como principais motivações para o envolvimento direto ou indireto de indivíduos e organizações presentes em território brasileiro com o terrorismo internacional.

Finalmente, considera-se, também, a possibilidade de exacerbamento de extremismos no contexto regional por meio

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da ação de movimentos como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP) e do Sendero Luminoso no Peru e de eventuais incursões em território nacional. Tal possibilidade, contudo, vê-se restringida pelo fato de tratar-se de movimentos cuja atuação está ainda delimitada nacionalmente, sendo que no caso do Sendero Luminoso, suas estruturas e capacidade operacional foram fortemente abaladas, não estando ainda rearticulado a ponto de ser protagônico em seu próprio País. No caso das FARC-EP, afora a controversa questão de sua caracterização como movimento terrorista, não há precedentes de seu envolvimento direto em atentados fora da Colômbia, muito embora sejam conhecidos seus vínculos com outros movimentos guerrilheiros e com organizações do crime organizado e do tráfico internacional. Nos últimos dois anos, as FARC-EP vêm enfrentando forte ofensiva das Forças Armadas colombianas, o que produziu sua retração no próprio território colombiano, sendo pouco plausível, no presente contexto, que elas se engajem em atentados terroristas perpetrados no exterior, e, em particular, em países vizinhos. Ao mesmo tempo, a necessidade de mobilizar recursos financeiros face à ação repressiva que enfrenta domesticamente pode levar as FARC-EP a instar organizações criminosas estrangeiras simpatizantes ou a elas vinculadas a empreenderem ações de extorsão, o que se traduziria, no caso brasileiro, em aumento do número de seqüestros e assaltos nos grandes centros urbanos, e no eixo Rio-São Paulo em particular, concorrendo para o agravamento das condições de segurança pública. Isso, no entanto, não deve confundir-se com ações terroristas, uma vez que aquelas ações diferem substancialmente, em seus objetivos, e também quanto à identidade de seus perpetradores, do terrorismo.

No entanto, é importante destacar que a forma de atuação das FARC-EP bem como do Exército de Libertação Nacional

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(ELN) no próprio território colombiano e suas respectivas articulações com redes do crime organizado, do tráfico de armas e de drogas lhes conferem capacidade de irradiar uma forma de ação que envolve o recurso ao terror e que se mostra capaz de inspirar e orientar organizações criminosas atuantes no Brasil, as quais, por sua vez, podem passar a perpetrar atos de violência indiscriminada, elevando a um novo e ainda mais grave patamar seu enfrentamento com as forças policiais. Nesse sentido, a escalada generalizada da violência e a visibilidade alcançada pelos grupos terroristas por meio de atentados amplamente difundidos pela mídia podem ensejar o surgimento de atos de terrorismo perpetrados por organizações criminosas, mesmo que sem vínculos diretos e/ou operacionais com redes internacionais de terror.

Portanto, e desde uma perspectiva geral, os vínculos estabelecidos a partir do Brasil com o terrorismo internacional estão referidos, primordialmente, com causas e movimentos extra-regionais, mas que encontram, no território brasileiro, condições favoráveis para atividades diversas como recrutamento, treinamento, refúgio, acesso a recursos materiais e financeiros e demais facilidades para o planejamento de ações terroristas. Ainda assim, as conexões entre organizações criminosas em território brasileiro, de um lado, e, de outro, organizações congêneres, movimentos guerrilheiros e grupos terroristas presentes em países vizinhos devem merecer especial atenção por ensejarem a possibilidade de aquelas virem, seja por concertação ou por mimetismo, a incorporar o terrorismo em sua atuação no plano doméstico. Em tal perspectiva, o País estará confrontando o desafio de lidar com a simbiose entre as estruturas do crime organizado e táticas terroristas, sem que sejam evidentes, ou mesmo necessários, eventuais vínculos com o terrorismo internacional.

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c) Perspectivas e limitações do País frente ao recurso ao terror e à violência

Os fatores considerados nos itens anteriores sinalizam as formas de envolvimento de pessoas e de organizações presentes no território brasileiro com o terrorismo internacional, bem como a suscetibilidade do País como palco ou alvo de ações terroristas. Tais fatores devem ser considerados de forma integrada e à luz de algumas injunções e características internas relativamente ao preparo do País para fazer frente à ameaça terrorista as quais concorrem para ampliar a suscetibilidade brasileira ao terror e a vulnerabilidade dos alvos potenciais. Inicialmente, aponta-se um traço da cultura política brasileira e que se expressa também no domínio das políticas públicas, que implica dificuldade em reconhecer e tratar a violência e o terror, bem como as forças que os alimentam, como elementos distintivos da política internacional contemporânea e capazes de transpor-se para as agendas e contextos domésticos.

Tal dificuldade manifesta-se na inclinação de amplos segmentos da sociedade e da própria elite brasileira em relativizar a importância da ameaça representada pelo terrorismo, e na propensão em associar a violência, no contexto internacional, ora às reações de parte de grandes contigentes de excluídos, ora às intenções belicosas de governos ou facções políticas desejosos de ampliar o alcance de seu poder, o que revela percepções pouco acuradas frente à complexidade do próprio fenômeno da violência e das relações internacionais. Manifesta-se também na virtual inexistência de preocupações de ordem preventiva no campo das políticas de segurança, de forma geral, em favor de considerações que oscilam entre extremos absolutos, quais sejam, o primado da normatividade presente no ordenamento jurídico afeto a essa

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matéria e a inclinação pelo recurso imediato aos instrumentos de repressão com evidentes riscos e custos para o Estado de Direito. A pouca importância atribuída aos esforços preventivos expressa-se, por sua vez e dentre outras formas, na negligência para com os instrumentos capazes de conferir ao Estado capacidade de preempção face à ameaça do terror.

Desse modo, e também por razões que extrapolam o objeto da presente discussão, é reconhecidamente limitada a capacidade de preempção dos órgãos de segurança e de inteligência no Brasil, o que contribui, diretamente, para ampliar a suscetibilidade do País ao terror e a vulnerabilidade dos alvos potenciais presentes em seu território, tal como abordado nos itens anteriores. Isso conduz à consideração da adequação e do preparo institucional para o enfrentamento da ameaça terrorista, objeto da seção seguinte.

II - Adequação e preparo institucional para o enfrentamento da ameaça terrorista

Do ponto de vista de seu ordenamento jurídico, considera-

se que o Brasil dispõe de instrumentos adequados ao enfrentamento do terrorismo, estando presentes nos planos constitucional e infraconstitucional. O conjunto desses instrumentos abarca um amplo espectro de matérias direta ou indiretamente afetas à ameaça terrorista, como a definição de delitos que podem ser enquadrados como atos terroristas, sua caracterização como crime hediondo, definição e regulamentação de meios de prova e de procedimentos investigatórios, condições de permanência de estrangeiros no território nacional, extradição, deportação e expulsão de terroristas, controle de exportação de serviços e bens

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de aplicação bélica e de uso duplo nas áreas nuclear, química e biológica, além de medidas de combate ao financiamento do terrorismo.

Ao mesmo tempo, o arcabouço jurídico brasileiro vem sofrendo adaptações com vistas ao seu aprimoramento e adequação aos requerimentos da cooperação internacional no enfrentamento ao terrorismo, amparada em quatorze convenções multilaterais e em duas dezenas de acordos bilaterais firmados pelo País. Dessa forma, considera-se o aparato legal voltado para a prevenção e repressão ao terrorismo como razoavelmente completo no País e suficiente para embasar uma eficaz política antiterror.

Mesmo assim, a legislação brasileira deve estar permanentemente submetida à avaliação com base em critérios relacionados à sua eficácia/eficiência e legitimidade. A esse respeito, identifica-se importante aspecto que carece de melhor tratamento nas leis brasileiras, qual seja, a definição do terrorismo. Como apontado por Marco Cepik, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, há tendência inercial na legislação infraconstitucional brasileira de definir o terrorismo em termos que o aproximam da dissidência política, da rebelião ou da subversão armada, concepção entendida como inadequada para dar conta das características assumidas pelo terrorismo internacional contemporâneo. Além disso, estão presentes também dificuldades com a tipificação do crime de terrorismo, o que tem suscitado problemas para a análise de pedidos de extradição por parte do Governo brasileiro. Outra importante lacuna diz respeito à regulamentação de ações operacionais por parte da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), o que compromete sensivelmente a capacidade de preempção daquele órgão, conforme analisado em seção posterior.

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Dessa forma, as limitações que ora enfrenta o Brasil em sua capacidade de resposta ao terrorismo e de engajar-se mais ativamente em seu enfrentamento referem-se menos ao seu arcabouço jurídico – que apesar de passível ampliação e aprimoramento já abrange as matérias essenciais para uma adequada política antiterror – voltando-se mais para aspectos institucionais cujo adequado tratamento requer, de um lado, o redesenho do atual modelo organizacional voltado para o enfrentamento ao terrorismo bem como, eventualmente, a incorporação a ele de novos componentes.

A esse respeito, as recomendações dos especialistas con-vidados convergem fortemente no sentido do fortalecimento da capacidade de inteligência, desdobrando-se em quatro vertentes: (i) necessidade de alcançar formas e graus de coordenação entre as diversas instâncias do aparelho de Estado com atuação na área de inteligência e no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN); (ii) melhor delimitação das competências e da especia-lização dos órgãos de inteligência; (iii) pronta regulamentação das atividades de operação e de contra-inteligência; e (iv) fortaleci-mento dos mecanismos parlamentares de controle da atividade de inteligência. Os aportes oferecidos em relação a cada uma dessas vertentes são sumariados a seguir.

a) Coordenação interinstitucional na área de inteligência As propostas apresentadas são muito convergentes quanto

ao objetivo para o qual apontam (o fortalecimento da capacidade institucional do Estado no campo da segurança), embora difiram sensivelmente quanto à forma de dar-lhe operacionalidade, sobretudo no que diz respeito ao eventual status e locus institucional do(s) órgão(s) ou instância(s) a ser(em) incumbido(s) da almejada

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coordenação de ações e integração de conhecimentos. Nesse sentido, apresentam-se propostas que apontam no sentido de considerar o fortalecimento da capacidade brasileira visando ao enfrentamento do terrorismo no marco de um mais amplo reordenamento institucional, que teria por objeto a segurança do Estado. Para tanto, propõe-se a criação, a partir do atual Gabinete de Segurança Institucional, do Ministério da Segurança Institucional (MSI), com incumbência de, dentre outras, coordenar as políticas de inteligência e de contraterrorismo, tendo como braço operacional a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) que teria como missões e âmbitos privilegiados de ação a inteligência externa e a contra-inteligência. Também sob coordenação da ABIN se criaria unidade de análise e de apoio à integração das informações advindas do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (SISP) e Sistema de Inteligência de Defesa (SINDE).

Uma variação dessa proposta, embora em nenhum sentido conflitante com ela, restringe a atuação de uma eventual instância de coordenação central à dimensão da informação, isto é, tratar-se-ia de um centro de integração de informações organizado com base em forças-tarefas dedicadas às diferentes modalidades de ilícitos transnacionais e que permitiriam o trabalho simultâneo e integrado de conhecimentos e informações internas e externas. Além de propor um status institucional distinto em relação à formulação anterior, essa proposta concebe outras dimensões de atuação além do contraterrorismo.

Por fim, apresentou-se proposta de criação de uma autoridade específica de contra-inteligência sob a forma de um órgão embrionário que congregaria não apenas aqueles que integram os sistemas de inteligência, mas também outros ligados

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ao Estado e que estejam em condições de oferecer aportes, desde seus respectivos domínios a uma abrangente política antiterror. Tal autoridade atuaria, portanto, no sentido de estimular o envolvimento de outros atores presentes na esfera do Estado, na reunião de subsídios para a política antiterror, bem como no estímulo e facilitação da interoperabilidade entre os órgãos de inteligência, com base em um trabalho cooperativo e da partilha de conhecimentos.

b) Delimitação de competências e especialização dos órgãos de inteligência

Há também forte convergência de visões quanto à necessidade de conferir à ABIN atuação prioritária nas áreas externa e de contra-inteligência, a par da coordenação e integração de esforços em matéria de informações, entre os órgãos que integram o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) e os dois outros subsistemas, o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (SISP), que compreende a atuação da Polícia Federal e o Sistema de Inteligência de Defesa (SINDE) sob o qual situam-se os órgãos de inteligência das Forças Armadas. As dificuldades advindas da competição interburocrática e para alcançar interoperabilidade são, nesse contexto, largamente atribuídas à inexistência de definições mais precisas das competências dos órgãos de inteligência, o que é perceptível, em particular, no tocante às operações de contra-inteligência.

A subordinação da ABIN ao Gabinete de Segurança Institucional foi apontada como fonte de problemas, em particular no tocante ao controle da própria Agência. O redirecionamento da atuação da ABIN nas áreas externa e de contra-inteligência,

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subordinando-a diretamente à Presidência da República ou ao órgão de coordenação das atividades de inteligência referido em itens anteriores permitiria, segundo os termos desta proposta, melhorar a atuação do Governo Federal brasileiro no enfrentamento ao terrorismo.

c) Regulamentação das operações de inteligência

A falta de regulamentação das operações de inteligência e de contra-inteligência representa uma forte fragilidade para o enfrentamento ao terrorismo por permitir, em primeiro lugar, ampla margem de questionamento da legitimidade de todo o aparato de inteligência e, em segundo lugar, por restringir ações imprescindíveis para conferir-lhes maior capacidade de preempção. Ao mesmo tempo, a regulamentação ora em tela apresenta-se como medida indeclinável e insubstituível para a política contraterror, uma vez que, em sua ausência, há grande suscetibilidade a questionamentos acerca de eventuais prejuízos às garantias individuais por conta da condução de ações operacionais, o que, naturalmente, concorreria para desacreditar ainda mais a atividade de inteligência junto à opinião pública e à classe política, em um contexto em que a necessidade de seus serviços, de parte do Estado e da sociedade, aumenta significativamente. Eventuais medidas destinadas a compensar ou atenuar o déficit operacional que exibe o Brasil em matéria de operações de inteligência não suplantam, portanto, a necessidade de regulamentar, em toda sua extensão, a atividade de inteligência. Do mesmo modo, considera-se não haver possibilidade de implementar eficazes medidas de caráter preventivo em relação ao terrorismo bem como de aprofundar a cooperação internacional entabulada pelo Brasil, prescindindo de conhecimentos gerados a partir de operações

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de inteligência, hoje parcialmente contempladas na Lei nº 9.034/95, mas que carece ainda de regulamentação.

d) Fortalecimento dos mecanismos de controle parlamentar da atividade de inteligência

O aprimoramento do aparato de inteligência e a construção de capacidade de resposta ao terrorismo devem contemplar o fortalecimento dos instrumentos de controle parlamentar sobre todo o sistema de inteligência. Destacam-se nesse sentido, a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional e a Comissão Mista de Controle e Acompanhamento das Atividades de Inteligência.

III - A cooperação internacional e adequação do orde- namento legal para fazer frente à eventual ameaça do terrorismo A dimensão transnacional, o alcance global e a relevância do

terrorismo no contexto da política internacional contemporânea fazem da cooperação internacional uma dimensão central e iniludível do enfrentamento ao terror. Nesse sentido, cumpre considerar não apenas o aspecto formal da adesão do Brasil aos acordos e convenções internacionais em matéria de contraterrorismo, necessário ponto de partida para o tratamento do tema, mas também e sobretudo, a qualidade dessa participação, as modalidades e esferas em que ela se expressa com maior desenvoltura e os fatores que a restringem. Nos parágrafos seguintes, oferece-se visão sucinta dos principais aportes sobre essa temática e sobre questões específicas que orientaram a presente discussão.

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Do ponto de vista da participação em esforços e instrumentos multilaterais, a participação brasileira, ainda que marcada por um padrão de adesão preponderantemente passivo, é considerada satisfatória se tomados em conta as capacidades e os recursos que o Brasil pode mobilizar e oferecer nesse plano. O Brasil é parte das principais convenções internacionais multilaterais voltadas para o enfrentamento ao terrorismo e de dezenove acordos bilaterais, tendo empreendido esforço consistente de internalizar em seu ordenamento jurídico as normas e compromissos deles decorrentes. Nesse sentido, e reforçando análise anterior, considera-se bem desenvolvido, e consonante com as tendências e requerimentos advindos do plano internacional, o aparato legal brasileiro para fazer frente ao terrorismo. O conjunto dos instrumentos e instâncias de cooperação internacional permite vislumbrar três dimensões centrais que definem esferas próprias de ação no plano da cooperação internacional: o intercâmbio de informações voltado para o monitoramento dos fluxos de pessoas, bens e recursos no interior dos países e através das fronteiras; a supervisão e monitoramento de fluxos financeiros transnacionais potencialmente relacionados ao terrorismo e a outros ilícitos transnacionais; e a cooperação em matéria judicial.

Dessa forma, quando se consideram os campos de atuação e a multiplicidade das instâncias de cooperação de que o Brasil toma parte, percebem-se as características e limitações da atuação brasileira nesse plano. Observa-se que a atuação brasileira se mostra mais pró-ativa e abrangente em relação às áreas acima mencionadas na medida em que se tornam mais bem delimitados e mais restritos os espaços em que tal cooperação ocorre. Assim, o âmbito mais imediato de atuação brasileira é o Cone Sul e

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instrumentalizado pelo Mercosul, onde há intensa participação brasileira em todas as instâncias e áreas de cooperação nesta matéria. Essa participação tende a tornar-se mais limitada, seletiva e suscetível a considerações e injunções de ordem política no plano sul-americano e continental.

De modo geral, portanto, duas ordens de considera-ção concorrem para inibir a presença e atuação do Brasil na cooperação internacional frente ao terrorismo, nenhuma das quais referidas diretamente a aspectos jurídicos, ainda que se argumente a pertinência e necessidade de uma lei específica para tratar de tal matéria. Referem-se, em primei-ro lugar, a considerações de ordem política e expressam-se, de modo particular, na postura refratária à militarização do enfrentamento ao terrorismo; em segundo, às limitações dos diferentes órgãos e instrumentos de segurança do Estado e que se traduzem em carência de recursos humanos, finan-ceiros, materiais, tecnológicos e de capacidade operacional em matéria de inteligência; nesse mesmo sentido, devem ser consideradas as patologias que acometem aqueles mesmos órgãos, afetando sua capacidade operacional, de preempção e, conseqüentemente, de ofertar elementos sob a forma de conhecimentos e recursos de variadas espécies à cooperação internacional.

Nesse sentido, recomenda-se que, a exemplo do es-forço no sentido de coordenar ações entre as diversas ins-tâncias atuantes no âmbito da atividade de inteligência e do contraterrorismo, a cooperação internacional nesta matéria possa dispor de mecanismo de articulação e de dissemina-ção de conhecimentos e das iniciativas em curso, de modo a conferir-lhes perspectiva sistêmica e a facilitar a avaliação

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de possibilidades e de disponibilidade de recursos e insumos ensejados pela via da cooperação internacional às diferentes instâncias envolvidas na formulação e implementação da po-lítica antiterror.

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