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II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores FORMAÇÃO OU NÃO FORMAÇÃO? UMA ANALISE DE AULAS DE HISTÓRIA A PARTIR DA TEORIA CRÍTICA. Thiago Luiz Santos De Oliveira, Eduardo Rodrigues Oliveira, Rita Amelia Teixeira Vilela Eixo 1 - Formação inicial de professores para a educação básica - Relato de Experiência - Apresentação Oral O objetivo deste texto é a reflexão a partir de evidencias empíricas da realização ou não do processo educar, ensinar e formar como meta da escola. Essas evidências são buscadas na sala de aula através da utilização da metodologia Hermenêutica Objetiva, um procedimento de pesquisa qualitativa criado por Ulrich Oeverman da Universidade de Frankfurt, que permitiu reconstituir a aula e analisar o processo pedagógico nela instalada. Mediante a metodologia, aulas de diferentes disciplinas são gravadas, transcritas na forma de protocolo de análise e depois interpretadas por um grupo interdisciplinar de educadores. Nesse texto daremos destaque a aulas de história. A investigação apontou que o ensino na sala de aula não corrobora para a formação do sujeito emancipado almejado pela escola. A tríade educação, ensino e formação não se concretizou uma vez que as análises evidenciaram a negação do conhecimento em sala de aula, o que de fato se constitui como impeditivo para a autonomia. As aulas muitas vezes foram sustentadas no senso comum, em informações reducionistas, impedindo a formação dos alunos enquanto sujeitos e cidadãos. As reflexões acerca da materialização das aulas de história, embora pareçam fatalistas, não o são, pois a escola e a sala de aula mediante uma analise alicerçada na Teoria Crítica se mostra como sendo o lócus da produção da autonomia, a partir de uma inflexão hermenêutica do sujeito no mundo, indicando portanto o desafio a ser enfrentado pelos educadores. A partir dessa premissa a escola e a sala de aula se tornam, ou tornariam os locais que possibilitem ao indivíduo a real capacitação para o diagnóstico das bases da inércia vigente na sociedade e para o fomento da transformação autônoma. Palavras chaves: Formação, Teoria Crítica, Hermenêutica Objetiva 0665

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II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores

FORMAÇÃO OU NÃO FORMAÇÃO? UMA ANALISE DE AULAS DE HISTÓRIA A PARTIR DA TEORIA CRÍTICA.

Thiago Luiz Santos De Oliveira, Eduardo Rodrigues Oliveira, Rita Amelia Teixeira Vilela

Eixo 1 - Formação inicial de professores para a educação básica

- Relato de Experiência - Apresentação Oral

O objetivo deste texto é a reflexão a partir de evidencias empíricas da realização ou não do processo educar, ensinar e formar como meta da escola. Essas evidências são buscadas na sala de aula através da utilização da metodologia Hermenêutica Objetiva, um procedimento de pesquisa qualitativa criado por Ulrich Oeverman da Universidade de Frankfurt, que permitiu reconstituir a aula e analisar o processo pedagógico nela instalada. Mediante a metodologia, aulas de diferentes disciplinas são gravadas, transcritas na forma de protocolo de análise e depois interpretadas por um grupo interdisciplinar de educadores. Nesse texto daremos destaque a aulas de história. A investigação apontou que o ensino na sala de aula não corrobora para a formação do sujeito emancipado almejado pela escola. A tríade educação, ensino e formação não se concretizou uma vez que as análises evidenciaram a negação do conhecimento em sala de aula, o que de fato se constitui como impeditivo para a autonomia. As aulas muitas vezes foram sustentadas no senso comum, em informações reducionistas, impedindo a formação dos alunos enquanto sujeitos e cidadãos. As reflexões acerca da materialização das aulas de história, embora pareçam fatalistas, não o são, pois a escola e a sala de aula mediante uma analise alicerçada na Teoria Crítica se mostra como sendo o lócus da produção da autonomia, a partir de uma inflexão hermenêutica do sujeito no mundo, indicando portanto o desafio a ser enfrentado pelos educadores. A partir dessa premissa a escola e a sala de aula se tornam, ou tornariam os locais que possibilitem ao indivíduo a real capacitação para o diagnóstico das bases da inércia vigente na sociedade e para o fomento da transformação autônoma. Palavras chaves: Formação, Teoria Crítica, Hermenêutica Objetiva

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FORMAÇÃO OU NÃO FORMAÇÃO? UMA ANALISE DE AULAS DE HISTÓRIA A PARTIR DA TEORIA CRÍTICA.

Thiago Luiz Santos de Oliveira; Rita Amélia Teixeira Vilela; Eduardo Rodrigues

Oliveira. PUC-MG

Introdução

No campo do currículo é usual que se pesquise a relação entre currículo

proposto e currículo efetivado, o que tem assinalado que há uma discrepância entre o

proposto e o efetivado, ou seja, que as dinâmicas reais que adentram a sala de aula,

tanto as determinadas estruturalmente na sociedade capitalista como aquelas

decorrentes das múltiplas experiências e vivências de alunos e professores, como

também a resignificação dada na escola aos ditames das políticas curriculares,

delimitam as possibilidades do que se desenvolve dentro da sala de aula (Sacristán,

2000). Contudo, as pesquisas conduzidas no nosso grupo de pesquisa tem outro

propósito. Considerando que a função dos sistemas educacionais é assumida como a

de conduzir os alunos a desenvolverem suas habilidades básicas de aprendizagem de

modo que possam alcançar plena condição de exercício da cidadania, ou seja, que

cada um se complete como indivíduo desenvolvendo suas competências culturais e

sociais, portanto educados e instruídos, o que procuramos é dar evidência empírica a

esse processo. No Brasil, tanto a Constituição Federal quanto a LDB e os Parâmetros

Curriculares Nacionais assinalam como competência do sistema de ensino nacional a

condução da pessoa para o exercício da cidadania, portanto, para isso, assegurar a

sua formação plena. Isso implica, para nossas pesquisas, considerar como ponto de

partida que as propostas curriculares, as gerais, assumidas para todas as atividades

da escola, bem como as de cada disciplina, almejam preparar os alunos para serem

cidadãos ativos e conscientes, do que decorre que todas disciplinas devem conduzi-

los na realização de seu processo pessoal de formação, nessa perspectiva. Com o

recurso da metodologia Hemenêutica Objetiva, são reconstituídas aulas de diversas

disciplinas possibilitando a demonstração empírica da manifestação da tríade educar,

ensinar e formar, considerada na tradição da teoria pedagógica como a função da

escola para viabilizar a efetivação de sua meta de preparar as pessoas para a vida

social. (Pflugmacher, 2012). Nesse texto damos destaque à análise decorrente de

aulas de História numa classe do 1º Ano do Ensino Médio uma escola pública da

Rede Estadual de Minas Gerais. Na análise das aulas, através da tensão dos

1 0666

elementos constitutivos do processo acima referido podemos evidenciar como o aluno

é impedido de realizar sua formação. A importância dessa discussão é o

reconhecimento de que o professor, como condutor desse processo deve tomar

conhecimento das limitações ocorridas na efetivação da proposta curricular da sua

disciplina, e que isso favorece que ele possa conduzir os alunos efetivamente para a

formação, o que se sustenta na materialização da tríade: a educação, entendida como

processo deliberado e contínuo de socialização; no ensino, entendido como o

processo que assegura aos alunos o acesso ao conhecimento. Educação e Ensino

são estruturantes para e efetivação do terceiro elemento: a formação.

Formação e não formação na sala de aula: o que revela a pesquisa.

Primeiramente apresentamos de modo sucinto o procedimento metodológico. A

metodologia aplicada é a análise sociológica Hermenêutica Objetiva, desenvolvida

pelo sociólogo Ulrich Oevermann, constituindo-se hoje uma das mais fortes

orientações de pesquisa qualitativa na Alemanha (Vilela & Noack-Napolis, 2010; Vilela,

2011; 2012; Weller, 2010). Ela não foi desenvolvida particularmente para estudos da

sala de aula, ela é um tipo de pesquisa qualitativa que realiza uma análise sociológica

hermenêutica objetivada e foi construída para estudos de cenas da vida social onde

processos de socialização estão presentes. Contudo, tanto sua dimensão

epistemológica quanto seus procedimentos, foram validadas como ferramenta

adequada para a investigação da realidade escolar e das práticas pedagógicas por

pesquisadores da Universidade de Frankfurt. No Brasil a metodologia tem sido

aplicada experimentalmente pelo grupo de pesquisa ao qual estamos integrados,

seguindo as orientações da equipe de pesquisa em Frankfurt, também para análise da

sala de aula, em especial na elucidação do processo de materialização de propostas

curriculares.

Considerando-se que a sala de aula é o lugar de realização do currículo

proposto, desvendar a sala de aula através de elementos oferecidos na própria

relação entre professor e alunos com a educação, com o ensino e com o

conhecimento, constitui o modo de acessar como o currículo proposto se materializa.

Isso somente é possível com a reconstrução dessa relação e da vivência efetiva da

sala de aula, o que pode ser operado pelo método que tem como objetivo, com seu

processo de reconstrução estrutural da relação investigada, tornar evidentes suas

determinações. Assim, no lugar de observar uma aula e depois escrever uma

interpretação sobre ela como é operado na maioria das pesquisas sobre sala de aula,

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a hermenêutica objetiva reconstitui analiticamente a aula fazendo emergir em que

bases ela se estrutura. Nossa hipótese é que a aula se estrutura no tripé: educar,

ensinar e formar, conforme estabelece a teoria da educação (Pflugmacher, 2012),

como será apontado na discussão da pesquisa.

O método opera com regras para acesso aos dados e para sua análise ( que

entretanto não serão apresentadas aqui pois já há publicação, como indicado

anteriormente, sobre os detalhes operacionais do método).

Para a operacionalização do método a primeira condição é a gravação das

aulas. Realizamos a gravação de uma sequência de conteúdos, conforme combinado

com os professores. Visando a transcrição posterior para a elaboração do protocolo

de análise, primeiro as salas devem ser mapeadas, para que sejam identificados os

lugares ocupados pelos alunos à medida que são identificados no áudio. Entretanto,

para manter o anonimato, eles são identificados por códigos, tais como Am n ou Af n,

onde o n corresponde a um número que lhe é atribuído á medida que se manifesta

verbalmente. Um pesquisador (ou dois, o que é favorável) acompanha a aula em

gravação do início ao fim, assim, além da gravação detalhes não captáveis em áudio

são registrados no caderno de campo. Essas aulas são depois transcritas fielmente, o

registro do áudio é completado ou esclarecido com informações do caderno de campo,

e este registro constitui o protocolo, que é o documento que representa a aula e será

alisada. Considerado pronto para a análise, nenhuma informação pode ser

acrescentada ao protocolo. Devido a isso o texto é revisado antes de ser tomado para

análise. Todas as situações que indicam particularidades da aula (tais como

entonação de voz, risos, barulhos, etc.) são também registradas através de

codificação. A força teórica do método está na sociologia estruturalista, na

hermenêutica sociológica e no modo de interpretação da dialética negativa, de

Theodor Adorno no cerne da Teoria Crítica: é no processo de reconstrução da aula na

análise que ela toma sentido, ela revela o que a aula é: se ela educa, se ensina, como

assegura ao aluno as condições necessárias à sua formação.

A análise reconstitutiva da aula é operada em equipe, com a presença

indispensável de um professor da disciplina da aula em análise, o que visa garantir a

operacionalidade anunciada nas regras do método e evitar que a subjetividade de uma

única pessoa se projete na interpretação; para possibilitar que diferentes pontos de

vistas possam ser enunciados e testados com os fatos registrados; possibilitar o

cruzamento de interpretações dadas a uma mesma situação, mas expressadas por

diferentes pessoas com formação diferente; testar e assegurar a objetividade da

interpretação. A Hermenêutica objetiva não pretende, controlando a subjetividade,

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eliminá-la, mas apenas evitar que ela seja a dominante na interpretação das aulas.

Após a análise sequencial temos uma descrição analítica de como essa aula se

realizou, o que permite sua discussão com base em evidências empíricas do processo

de realização, ou não, das metas de educar, ensinar e formar.

Na impossibilidade de demonstrar, nos limites impostos a um texto expositivo

para congressos ou em um artigo, a análise e o material produzido por ela, dando

visibilidade ao que nela se materializa, faremos o uso de exemplos. Para isso foram

selecionados primeiro trechos de uma aula de História.

[...]i

Professora: Ô gente rapidinho aqui.. .Expansão Europeia e Conquista da América...expansão o território tá crescendo...por isso que eu pedi pra vocês olharem esse mapinha da página 265... o meu é maior que o seus (risadinhas)... o meu é mais gordinho...por que nessa época é... depois que o feudalismo terminou... aqueles suseranos começaram a tomar conta de outros reinos...então começou a se formar vários reinos...esses reinos receberam os nomes...

Aproximadamente aos trinta e oito minutos de aula a professora inicia o que

seria de fato a lida com o conhecimento histórico. A primeira frase “ô gente rapidinho

aqui” é denotativa de pressa, o que de fato não é pertinente ao fomento do

conhecimento, é algo fomentado através da reflexão, da inflexão crítica. A expressão a

“expansão o território tá crescendo” não é explicativa no que concerne ao

conhecimento histórico. Em termos históricos, um processo expansionista não significa

apenas ampliação territorial, mas também um processo político, cultural, social e

econômico de dominação, de manifestação de poder, isso os mapas não podem

representar o que indica que o recurso didático da professora para o que ela quer que

os alunos entendam, não é adequado. Os mapas, que a professora chama de

“mapinha” de forma reducionista, não expressam apenas uma realidade geográfica,

mas também uma realidade historicamente construída. Olhar apenas mapa, não

significa refletir acerca da sua representatividade histórica, não permite ao aluno a

construção de um olhar histórico, não permite entender as relações sociais,

econômicas, políticas e culturais que são estruturantes daquele processo de

expansão. A expressão “olharem o mapinha”, é análoga a expressão anteriormente

utilizada “reparem o mapa”, o que incorre na perda do saber histórico em seu cerne

analítico, das relações humanas no tempo. Olhar, reparar é contemplar passivamente,

numa atitude que não permite a reflexão crítica fomentadora do esclarecimento. A

expressão “depois que o feudalismo terminou”, se configura como uma simplificação

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patente do processo histórico. O feudalismo enquanto conceito histórico não é

delimitador apenas de um tempo, mas sim explicativo de uma série de relações sociais

que se tornam mais evidentes em um determinado momento histórico, mas não

simplesmente terminam. Na fala da professora perde-se a noção que os processos

históricos são passiveis de permanências e rupturas, que não são realidades

encapsuladas em cronologias e conceitos. A História enquanto disciplina não pode ser

construída como um conjunto de cenas e capítulos, pois isso não denota o

componente da longa-duração, no que concerne ao fazer humano. As relações sociais

de um tempo devem ser entendidas nas suas diacronias, nas suas características que

permanecem para além das delimitações temporais. Quando a docente diz “aqueles

suseranos começaram a tomar conta de outros reinos”. Como assim tomar conta?

Outra vez a professora em sua explanação perde a noção de processo histórico, pois

a formação dos Estados Nacionais são frutos de uma série de enlaces políticos, ora de

acordos, ora de conquistas presentes neste mesmo processo. O discurso da

professora é mais do que simplificador, incorre em erros teóricos que comprometem o

entendimento do aluno. A expressão território tá crescendo, também é

comprometedora no que concerne a lida com o conhecimento histórico, pois o território

ele não cresce, ele se expande, e esta expansão como já foi salientado é fruto de

vários processos políticos, econômicos e culturais que deveriam ser esclarecidos em

uma aula de história.

[ ...]

Professora: Esses reinos receberam os nomes das pessoas que ficavam lá...eles eram os reis...por isso que eram reinos...então aquele território ali aonde tá Espanha e Portugal...era dividido em vários reinos...psiuuuuu...pequenos...tá...reino Portucale, Castela , Navarra....então é o primeiro mapa ai... até o ano mil...é...Califado de Córdoba. Califado porque quem tomava conta desse território ai...eram os muçulmanos tá...esse território era todo dominado pelos muçulmanos...então a medida que eles começam a dominar o território dos muçulmanos...que é conhecido como Reconquista...eles começam a reconquistar os territórios... eles começam a mudar de nome. No segundo mapa...até o ano 1200...Portugal já cresce um pouquinho olha só...Portugal, Lisboa e Algarves está embaixo...essa parte ai também vai virar domínio de Portugal daqui um tempo...em cima tá Leão e Castela...já aumentou um pouquinho...então isso aqui já é território da futuramente Espanha...ainda tão se unindo, formando...expandindo os territórios...depois o terceiro mapa...até o ano de 1500...quase igual o que a gente tem hoje...Portugal já tá independente...Portugal fica independente em 1381 se não me engano...eu sei que é século XIV...tá...e a Espanha ainda tá se formando...

5 0670

A fala da professora evidencia o comprometimento do substrato teórico na aula

de História. “Esses reinos receberam os nomes das pessoas que ficavam lá...eram os

reis em vários reinos”. A consolidação desses reinos, e a formação dos Estados

Nacionais na transição feudal-capitalista são processos complexos, frutos de acordos

nobiliárquicos de caráter político e econômico. A fala da professora é simplificadora e

equivocada do ponto de vista histórico. A professora aponta para o mapa e diz “aquele

território ali aonde tá Espanha e Portugal...era dividido em vários reinos”, o mapa não

mostra uma Espanha consolidada, pois ele é relativo a formação do Estado Nacional

Português. A professora não insere a gradual formação dos Estados Nacionais em

uma discussão crítica acerca das relações de suserania e vassalagem na Europa

Medieval. Na aula não há concatenação dos processos históricos, é uma exposição de

discursos truncados e não encadeados proferidos pela professora. Ela insere os

muçulmanos em sua explanação, mas não de uma maneira crítica, que insira de fato a

importância da cultura islâmica na Península Ibérica. Ela cita a guerra de Reconquista,

mas não explica a importância deste processo histórico na construção identitária das

nações ibéricas. A professora simplesmente despeja informações isoladas, muitas

abarrotadas de erros históricos. A expressão “aqui já é território da futuramente

Espanha”, não possui sentido linguístico, pois como algo já é parte de um processo

que vai ser constituído em um futuro. Não há a formação de sujeitos históricos críticos,

capazes de entender um processo em seu cerne social, político e econômico. Não é

estabelecida a relação entre o processo de formação do Estado Nacional Português,

os acordos entre a nobreza feudal da região, a influência do cristianismo e a chamada

Guerra de Reconquista em relação ao Califado de Córdoba. A professora ainda

informa de maneira equivocada a data de estabelecimento do estado Nacional

Português, 1143 e não 1381. A explanação da professora não é explicativa nem

elucidativa em relação ao processo histórico em questão. Ela parece perdida nos

fragmentos da história como se ela não dominasse o conteúdo.

[...]

Professora: O reino de Castela vai juntar ao reino de Aragão...depois...eles vão se unir porque...vai casar...a Isabel de Castela...com o Fernando de Aragão...é Fernando mesmo...esqueci o nome dele...não sei se era Ricardo ou era Fernando...achei que fosse Ricardo...ele casa com a Isabel de Castela...e unem os reinos e formam o que hoje é a Espanha...tá...então esses dois territórios...mas aqui a gente não fala muito da Espanha...eu tô falando mais de Portugal...esses dois países são os dois países que vão

6 0671

começar com as Grandes Navegações...a gente não vê falar de França e Inglaterra aqui...porque a França e a Inglaterra nesse período estão fazendo a Guerra dos Cem Anos...que é aquela guerra que tem lá no século XV...em mil quatrocentos e alguma coisa...essa guerra vai se estender por quase cem anos...psiu....o gente!!! Investem muito nessa guerra...e não vão participar desse período de navegações...mas Portugal e Espanha tem que encontrar um novo caminho pra a parte oriental que são as Índias...eles querem dominar o comércio...querem melhorar o comércio deles...mas para isso eles precisam de encontrar um novo caminho...que não seja pelo Mar Mediterrâneo...que não esteja dominado pelos genoveses...pisiuuu!!!

A professora estabelece uma mudança abrupta do processo de formação de

Portugal, para o processo de formação da Espanha. Ela simplifica a reduz a

construção histórica da Espanha enquanto Estado Nacional ao casamento de Isabel

de Castela e Fernando de Aragão. Os acordos políticos, econômicos e territoriais que

alicerçam este matrimônio não são considerados no discurso da docente. O

casamento não foi explicado como um acordo nobiliárquico que ele representa, fruto

de interesses políticos. A temática das Grandes Navegações é apresentada aos

alunos de forma repentina aos alunos, não sendo estabelecida a conectividade ente a

Formação dos Estados Nacionais e a Expansão Marítimo-Comercial. A explanação da

professora se traduz em um conjunto de informações dispares, o que reduz o ensino

de História ao meramente ao elencamento de um conjunto de fatos passados. A

Guerra dos Cem Anos é mais um evento histórico apresentado subitamente aos

alunos. A expressão “em mil quinhentos e alguma coisa”, demonstra desleixo com o

saber por parte da professora, a aula realmente se materializa como uma aula de se

reparar, de se olhar, e não de se construir o conhecimento, de se entender o processo

histórico. A expressão “mas Portugal e Espanha tem que encontrar um novo caminho

pra a parte oriental que são as Índias” não é elucidativa, não há uma conexão

plausível entre a fala da professora e as praticas mercantilistas intrinsicamente

relacionadas ao expansionismo marítimo nos século XV e XVI, além da fala ser

truncada, de difícil entendimento. A docente estabelece uma relação inexistente entre

o seu discurso proferido aos alunos e a aprendizagem, não há o trato com o

conhecimento histórico, apenas informações dissipadas, muitas sem efetivo substrato

histórico. Não há relação dialética ou dialógica, apenas existe a explanação frenética

da professora, que parece querer compensar os minutos perdidos da aula.

[...]

Alf1: Pelos o quê???

7 0672

A Alf1, não entende e pergunta a professora, interrompendo sua fala. A aluna

demonstra interesse, mesmo com a explicação truncada da professora ela tenta

entender, tenta estabelecer um vinculo educativo.

[...]

Professora: Pelos genoveses...pelos italianos...é porque falam de duas cidades...Gênova e Veneza....que são os italianos...então eles querem descobrir um outro caminho...então eles tem que ir pelo Oceano...Atlântico...pisiuuu...ô gente...tem que ir pelo Oceano Atlântico...só que naquela época eles diziam que para ir pelo Oceano Atlântico aquele lugar era muito assombrado...tinham monstros terríveis...então o pessoal tinha muito medo...muito receio de viajar por ali...tá...eles não queriam muito...então não queriam muito patrocinar esse tipo de viagem...uma porque ficaria muito caro e não se sabia o que tinha pra lá.... mas na verdade eles queriam descobrir um novo caminho pra chegar as Índias...um outro caminho...saindo fora dos italianos...só que eles queriam fazer isso pelo oceano Atlântico...só que esse caminho seria mais...longo...demoraria mais...

A informação passada pela professora já em seu inicio apresenta equívocos

históricos. Ela utiliza o termo “genoveses” como análogo a “italianos”, mas a Itália no

século XV ainda não existia, a Itália somente irá se consolidar como Estado Nacional

no século XIX. Em seguida, que não apenas Gênova, mas também Veneza se

configuravam como italianos. A professora não estabelece a distinção histórica entre a

região que hoje se configura como Itália, e a Itália enquanto Estado Nacional. Não

explica, que a Itália atual até sua unificação no século XIX era composta por uma série

de repúblicas e reinos, que ainda não organizados como unidade política. Em uma

aula acerca dos Estados Nacionais esta distinção seria fundamental para o

entendimento dos alunos. A professora chama a atenção dos, quer a atenção para

sua explanação. Em relação ao Oceano Atlântico a informação passada é carregada

de senso comum, não leva em consideração o desenvolvimento técnico necessário

para a navegação oceânica, afirmando que o medo do desconhecido, e a mitologia

criada acerca do Atlântico seria o único motivo para que a Expansão Marítima não

ocorresse anteriormente. Falta substrato histórico, falta conteúdo à aula. O

conhecimento teórico acerca da disciplina ministrada deveria ser ferramenta primaz

em um discurso docente. Não existe docência sem fundamentação teórica.

8 0673

Considerações finais: a aula de História em sua materialização.

A percepção da experiência educacional é aguçada a partir da vivência prática.

Mais do que uma proposição retórica, as práticas curriculares educacionais devem

permitir em sua materialização a autonomia e a humanização do sujeito, que por meio

do dialogo crítico, da reflexão que promove a emancipação ( Adorno, 1995). Bem,

dessa forma a educação deve objetivar a liberdade e a promoção da capacidade de

reflexão crítica e emancipação dos indivíduos. A educação deveria então se configurar

como ferramenta para a humanização, contra a massificação e a alienação,

promovendo a formação cidadãos plenos, esclarecidos preparados para a vivência

democrática. Um projeto educacional não é nada mais do que a materialização

coletiva de experiências pedagógicas que possam permitir ao educando um

aprendizado crítico e reflexivo. Isso está estabelecido na teoria pedagógica conforme

nos lembra Pflugmacher: o processo pedagógico opera, de forma imanente e em

tensão, a tríade educar, ensinar e formar. O conceito de “educar” revela, na prática

pedagógica, o processo intencional, planejado e permanente no qual alguém conduz

outro alguém para seu crescimento social e cultural, está associado com ensino e

socialização ( Luzuriaga, 1975). Para que o sujeito se eduque ele deve desenvolver

formas de definir e decidir por si mesmo o que é melhor para ele e para o outro.

Formar é um conceito mais específico, primeiro está associado ao sentido do

termo alemão ao Bildungii. Não se refere a uma tarefa, mas sim o resultado do

processo de crescimento do sujeito na direção da sua emancipação, a formação é

promovido pelo próprio sujeito, mas essa condição ele alcança por meio do processo

educativo (escolar, familiar e social), pois é através deste que ele tem acesso aos

bens culturais da sua sociedade. É nesse processo que a dimensão “ensinar” deve ser

entendido.

O conceito de ensinar não se restringe à ação ativa do professor como simples

transmissão de conhecimento e informações de cunho acadêmico, durante as aulas.

Essa dimensão abarca todo o processo de mediação do conhecimento para que na

escola, sejam viabilizadas situações efetivas de aprendizagem para o aluno, que

assegure seu acesso ao conhecimento. Independentemente da metodologia de ensino

ou dos recursos didáticos utilizados essa é a função do professor não se e desvincula

ensino do aprender. Mesmo com as mudanças na função do professor, consequentes

da acelerada transformação social e sua interferência na escola e no modo de agir do

professor, ensinar continua sendo função da escola e responsabilidade do professor.

Sem acesso ao conhecimento não é possível o acesso à formação. Nesse sentido a

9 0674

tríade se estabelece: Se a educação como categoria significa um meio para que as

pessoas se incluam de modo racional e devidamente equipados à uma sociedade

concreta, a formação como categoria ultrapassa essa função, ela é um processo

subjetivo, é direito do sujeito. A ela está associada o desenvolvimento da consciência

própria, à condição do sujeito de fazer uso do seu potencial de razão, de tornar-se

emancipado.

Para que isso ocorra é necessário que a sala de aula seja o local da

problematização, do empoderamento acadêmico dos alunos, da sua condição de

sujeitos autônomos e também da cultura, esta entendida como conhecimento cultural,

social, linguístico e disciplinar. Qualquer experiência educacional verticalizada, e

tutelada pelo professor de forma autoritária, está fadada ao fracasso. É necessário

conferir poder aos educandos. Um currículo que objetiva promover a cidadania e a

democracia em seu nascedouro precisa ser fruto de uma prática educativa que prime

pela educação, pelo ensino e pela formação, apenas assim a educação concretizará a

formação de sujeitos autônomos.

O ensino de História deve levar os educandos a se perceberem como sujeitos

históricos. Para isso faz-se necessária uma práxis curricular reflexiva e emancipadora,

que permita aos alunos se compreenderem enquanto sujeitos históricos, enquanto

construtores da História. A História não pode ser enxergada a partir de um viés

contemplativo, na qual fatos e eventos históricos são apresentados aos alunos como

ventos distantes, desconexos com a realidade. Na sala de aula o aluno precisa ser

levado a pensar, a refletir sobre a tradição cultural produzida através das relações

sociais, políticas e econômicas, mediante o fazer humano. Uma aula de História

formativa é pautada por ações dialéticas e dialógicas, que permitem ao aluno entender

o constructo do processo histórico. Do contrario a aula de História incorre na

debilitação dos processos de subjetivação acerca do conhecimento o que, corrobora

para a massificação, a alienação e, no lugar da formação se estabelece a

semiformação, ao invés da autonomia, promove-se na sala de aula a repetição

discursos esvaziados de arcabouço teórico que tolhem e cerceiam o indivíduo em sua

autonomia, promovendo a reificação, a semiformação e a reprodução do status quo.

Repetir o status quo é contribuir para a semiformação, resultante da alienação

massificante imposta na ordem social (Adorno, 1995). A escola ao se tornar o local da

massificação alienante, da semiformação perde seu sentido social de local de

formação, de local onde os indivíduos são preparados para a sua inserção

responsável na coletividade. A Bildung (formação plena) não se materializa porque e

10 0675

a tríade educar, ensinar e formar não se evidencia como fundamento da prática

pedagógica.

Para que a Bildung se materialize de forma pertinente é necessário desmitificar

a falácia da relação mecânica entre ensinar e aprender. Ora, o aprendizado de fato se

dá por meio de um processo intrínseco de subjetivação, no qual a informação a partir

da reflexão do indivíduo se transforma em conhecimento. A simples transmissão de

informações pelo professor não significa um aprendizado real por parte dos

educandos. A sala de aula tem se tornado o lugar da explanação vazia, da enxurrada

de informações, muitas vezes calcadas no senso comum não problematizadas, onde

de fato a reflexão e a crítica são substituídas pelo fazer inócuo, onde entregar uma

atividade, se torna mais importante do que entende-la. Quando o professor não reflete

sobre sua prática, o processo educativo não acontece. Perde-se o cerne da formação,

e a sala de aula se torna o lugar da não aula.

A produção do conhecimento escolar deve superar à mera acumulação de

opiniões, deve superar o delimitado no senso comum. Romper com o senso comum

de maneira nenhuma significa a desconsideração da experiência e dos saberes dos

educandos, mas sim a constante construção reconstrução do olhar acerca dos objetos

pesquisados durante a ação pedagógica, através do diálogo, do confronto entre os

paradigmas teóricos que sustentam a analise dos alunos. Essa problematização

constante incide não em uma ruptura simples e objetiva, mas na retomada crítica, em

um processo constante de vigilância epistemológica, que considera as noções e

conceitos presentes na pratica cotidiana do professor e dos seus alunos.

A sala de aula de história precisa ser o lugar de produção de cidadão, do

sujeito pleno capaz de pensar por si mesmo. É nesta sala de aula que a formação é

efetivada, para isso o aluno deve deixar de ser um ente meramente contemplativo e

passar a compreender a importância da reflexão acerca da realidade histórica. Uma

pergunta se faz pertinente. O que seria esta realidade? A realidade é construída

mediante experiências que subjetivas e coletivas, através da ação humana no tempo.

O desenvolvimento dessa percepção na sala de aula é que permitirá ao educando a

sua inflexão enquanto sujeito histórico. A prática pedagógica em uma aula de História

deve ser sempre formativa, sempre democrática, pois somente dessa maneira forma-

se o cidadão pleno e emancipado. Não se nasce cidadão, torna-se cidadão Uma

consciência cidadã verdadeira só pode ser forjada a partir de uma experiência

educacional formativa, em que a educação, o ensino e a formação, não sejam

trabalhados como conceitos dispares, mas sim como constituintes norteadores da

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escola e materializados na sala de aula. Privar o sujeito de uma formação plena é

impedir o fomento da cidadania e da democracia.

Referências Bibliográficas ADORNO, Theodor. Educação e Emancipação. Paz e Terra: São Paulo, 1995.

LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação e da pedagogia.São Paulo: Cia Editora

Nacional, 1975.

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i Indica que os trechos selecionados não representam a sequencia da aula. ii No português se diz formação plena, mas esse conceito de plenitude de realização do homem está no vocábulo Bildung, no alemão dispensa complemento.

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