idealismo alemão - thyago leitão

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  • 8/17/2019 Idealismo Alemão - Thyago Leitão

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     Aluno: Thyago Leitão do Carmo

    Disciplina: Idealismo alemão

    Professor: Konrad Utz

    Dialética do senhor e escravo: relação dos opostos na dialética hegeliana.

    1.Introdução

    Este trabalho se propõe a apresentar a dialética do senhor e escravo

    presente na Fenomenologia do Espírito( FdE )  de Hegel destacando pontos

    importantes de maneira resumida e apontando como o trecho pode ser

    utilizado para entender a relação entre os opostos no processo dialético. Esta

    narrativa é contada por Hegel no capítulo sobre a consciência-de-si e é como o

    autor ilustra o processo da formação do reconhecimento. A FdE foi

    apresentada como uma introdução ao sistema filosófico de Hegel e nessa

    passagem encontramos de maneira interessante uma relação entre opostos.

    Podemos então utilizar dessa passagem como maneira de entender a relação

    entre opostos num processo dialético? Se não pudermos fazer uma

    generalização, a dialética do senhor e do escravo é, de fato, um exemplo

    notável de como esse tipo de relação se dá.

    Nossa interpretação sobre a passagem se refletirá na maneira que

    será escrito neste trabalho e essa transcrição livre não tem pretensão de fechar

    a reflexão filosófica sobre o tema sob o olhar de outras perspectivas, apenas se

    almeja enxergar as relações entre opostos na dialética a partir da leitura da

    dialética do senhor e do escravo.

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    2. Desenvolvimento

    No capítulo sobre a consciência-de-si, para iniciar o trecho sobre a

    dialética do senhor e do escravo, é posto que a consciência-de-si é para simesma e para o outro. Esta é dada por algo exterior com dupla significação: na

    perda de si e na suprassunção do outro. No retorno a si e libertação do outro,

    haveria uma duplicação da consciência-de-si como duas consciências

    separadas e distintas uma da outra e a partir de então as relações entre as

    duas podem ser comparadas com as relações de dominação.

     As duas consciências podem ser vistas como dois indivíduos que se

    encontram e inicialmente refletem sobre o agir um do outro. Como são

    semelhantes, primeiramente o agir de um se reflete no do outro e é impossível

    se falar sobre o agir que tem prioridade originária. Ambos percebem que um é

    ameaça para o outro a partir do agir. Para que haja o reconhecimento, eles

    precisam se arriscar numa batalha de vida ou morte.

    Neste momento inicial da batalha, a vitória ou a derrota como algo

    relativo a alma se sobrepõe ao corpo físico e os indivíduos tentam a

    suprassunção do outro através da morte deste. Porém, ao arriscarem suas

    próprias vidas, assumem uma postura de não-importância do próprio corpo. É

    apresentado que este momento é falho pois a consciência habita a vida e não a

    morte, que seria sua negação absoluta. Não pode haver vitória ou derrota sem

    que haja o reconhecimento em vida da consciência.

    Isso faz com que o vencedor poupe a vida do perdedor. Aquele que

    vence, é o senhor, o que perde é o escravo. Estabelecida a relação de

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    dominação, podemos então enxergar as duas consciências como opostas,

    onde um extremo só é reconhecido e o outro somente reconhece.

    O senhor, por possuir sua vontade livre de amarras, é reconhecidopelo escravo enquanto tal. Já o escravo não é reconhecido enquanto um

    igual,por ora, somente pode reconhecer a força do senhor. O senhor ainda não

    se dá conta da insuficiência do reconhecimento do escravo e o que lhe resta é

    forçá-lo a trabalhar para obter o que deseja. O escravo, é visto então como

    coisa que é mediação entre o senhor e o objeto de seu desejo. Neste processo,

    a consciência escrava que tem sua vontade negada no trabalho forçado, passa

    a reconhecer sua própria vontade a partir da negação desta. O trabalho é o seu

    desejo reprimido.

    O senhor entra em crise, pois sua relação com a natureza e seu

    objeto de desejo é mediatizada pelo escravo que se mostra então como

    consciência:

    Essa consciência é o escravo que, ao se identificar

    com sua vida animal, forma um todo com o mundo natural das

    coisas. Ao recusar-se a arriscar a vida numa luta de puro

    prestígio, ele não se eleva acima do animal. Considera-se como

    tal, e como tal é considerado pelo seu senhor. Mas o escravo,

    por sua vez, reconhece o senhor em sua dignidade e sua

    realidade humanas, e comporta-se de acordo. A certeza do

    senhor é, portanto, não puramente subjetiva e imediata, mas

    objetivada e mediatizada pelo reconhecimento do outro, do

    escravo. Enquanto o escravo continua sendo um Ser imediato,

    natural, bestial, o senhor - por sua luta  –  já é humano,

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    mediatizado. Seu comportamento é, por conseguinte,

    mediatizado ou humano, tanto em relação às coisas quanto aos

    outros homens; esses outros que, para ele, não passam de

    escravos (Kojeve, 2002, p. 21).

    O senhor não percebe o outro como igual, mas como escravo, mas o

    escravo por via do trabalha, se depara consigo enquanto escravo e assim se

    reconhece. Assim, o senhor é reconhecido, mas não reconhece. E se mostra a

    contradição de ser reconhecido por alguém que ele não reconhece:

     A relação do senhor e do escravo não é portanto um

    reconhecimento propriamente dito. Para melhor compreender,

    analisemos o ponto de vista do senhor. O senhor não é o único a

    se considerar como senhor. O escravo também o considera

    como tal. Logo, o senhor é reconhecido por alguém que ele não

    reconhece. E nisso está a insuficiência – e o caráter trágico  – de

    sua situação. O senhor lutou e arriscou a vida pelo

    reconhecimento, mas só obteve um reconhecimento sem valor

    para si. Porque ele só pode ficar satisfeito com o

    reconhecimento por parte de alguém que ele reconhece como

    alguém digno de o reconhecer. A atitude do senhor é pois um

    impasse existencial (Ibid., p. 23).

    Já o escravo, possui uma relação mais saudável com a natureza,

    pois através do trabalho, conhece os limites dessa relação e vislumbra o todo,

    diferentemente do senhor que não possui tais conhecimentos.

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     A relação do senhor, outrora vista como independente, com o mundo

    é mediatizada pelo escravo. Dessa nova perspectiva, o senhor depende do

    escravo e este é sua verdade. Já o escravo, se torna autônomo pois se

    reconhece no seu trabalho, mesmo que antes se apresente como

    inconsciência, a medida que supera a servidão, pode efetivar sua liberdade e

    alcançar o que se chama de consciência-de-si. Hyppolite nos diz:

     A exposição da dialética da dominação foi feita muitas

    vezes. É talvez a parte mais célebre da Fenomenologia, tanto pela

    beleza plástica do desenvolvimento quanto pela influência que pôde

    exercer sobre a filosofia política e social dos sucessores, em particular

    sobre Marx. Consiste, essencialmente, em mostrar que o senhor revela-

    se, em sua verdade, como o escravo do escravo e o escravo como

    senhor do senhor (Hyppolite, 1999, p. 187).

    Percebe-se que nesse processo, ocorreram mudanças em cada

    extremo a medida que a relação se desdobrava. Este caminhar para um

    estágio mais evoluído a partir do conflito presente na dialética hegeliana exerce

    grande influência na filosofia e em diversas correntes como o marxismo, que de

    certo modo associa a consciência do senhor á burguesia e a consciênciaescrava ao proletariado. Este não é o tema deste artigo, mas é interessante

    mencionar para nos darmos conta de que a dialética do senhor e do escravo

    pode ser utilizada para analisar não só relações de dominação num plano ético

    ou político, mas sua aplicação pode ser plausível para estabelecer a relação

    entre opostos numa perspectiva dialética.

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    Pensamos que a luta do senhor e do escravo pode ser a ilustração

    de uma contradição em termos da lógica hegeliana. Na Ciência da

    Lógica(CdL), logo em sua primeira tríade de ser , nada  e devir ; podemos

    observar que o par de opostos ser   e nada  entram em conflito na relação de

    oposição. E que anterior a essa relação conflituosa, seria impossível passar

    para qualquer tipo de unidade dos dois opostos como o devir. A relação de

    oposição entre ser   e nada  se coloca então como necessária para que no

    desenvolvimento desta possamos chegar ao devir. Essa necessidade do

    conflito que aparece na CdL talvez possa ser lida através da necessidade do

    conflito que também aparece na FdE:

    Devem travar essa luta porque precisam elevar à

    verdade, no Outro e nelas mesmas, sua certeza de ser-para-si.

    Só mediante o pôr a vida em risco, a liberdade se comprova; e

    se prova que a essência da consciência-de-si não é o ser, nem o

    modo imediato como ela surge; nem o seu submergir-se na

    expansão da vida, mas que nada há na consciência-de-si que

    não seja para ela momento evanescente; que ela é somente

    puro ser-para-si. O indivíduo que não arriscou a vida pode bem

    ser reconhecido como pessoa; mas não alcançou a verdade

    desse reconhecimento como uma consciência de si

    independente. Assim como arrisca sua vida, cada um deve

    igualmente tender á morte do outro; pois para ele o Outro não

    vale mais que ele próprio. Sua essência se lhe apresenta como

    um Outro, está fora dele; deve suprassumir seu ser-fora-de-si. O

    Outro é uma consciência essente e de muitos modos enredada;

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    a consciência-de-si deve intuir seu ser-Outro como puro ser-

    para-si, ou como negação absoluta. (Hegel, 1992, p. 145-146)

    É evidente que são aspectos difentes que estão sendo tratados no senhor

    e no escravo e na doutrina do ser(primeira parte da CdL), porém o processo dialético

    ainda permanece com uma contradição necessária para seu fluir e a passagem do

    senhor e do escravo como sendo uma das melhores passagens da obra de Hegel no

    sentido de fluidez e ilustração do movimento a partir do conflito, que nos questionamos

    até onde podemos nos utilizar dessa ilustração para compreender as sutilezas da

    dialética hegeliana.

    3. Conclusão

    Concluímos este trabalho de maneira aberta. Não se trata aqui de

    estabelecer uma obrigação de ler qualquer processo dialético hegeliano através da

    dialética do senhor e do escravo. Mas tentar encontrar pistas e elementos que

    apontem que essa leitura sobre o processo dialético em geral tendo em mente como

    ilustração a relação senhor-escravo é possível e útil, no caso aqui, tratamos dessa

    relação de oposição e da necessidade do conflito que é não só recorrente, como

    essencial ao processo dialético.

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    4. Referências Bibliográficas

    HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do espírito  – parte I. Petrópolis:

    Vozes,1992.

     ______. Science of Logic. New York: Cambridge University Press, 2001.

    HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de

    Hegel. São Paulo: Discurso Editorial, 1999.

    KOJÈVE, Alexandre. Introdução à leitura de Hegel. Rio de Janeiro:

    Contraponto/Eduerj, 2002.