hta e diabetes

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Página 1 de 16 Temas da Aula Introdução Importância da oftalmoscopia Fundo ocular normal Hipertensão arterial Diabetes mellitus Repercussão da hipertensão arterial no sistema visual Alterações do fundo ocular Classificação de Keith-Wagener-Barker Clínica da diabetes ocular Alterações do fundo ocular Classificação da retinopatia diabética Fotocoagulação Descolamento traccional da retina e vitrectomia Caso clínico final Bibliografia Anotada correspondente de 2006/2007, Lídia Maria Roque Ramos Lang, G; Ophthalmology A Pocket Textbook Atlas, 1ª edição (2000) Thieme. Seidel, et al.; Mosby’s Guide to Physical Examination, 6ª edição (2006) Mosby Anotadas do 4º Ano 2007/08 Data: 13 de Dezembro de 2007 Disciplina: Oftalmologia Prof.: M. Monteiro Grillo Tema da Aula Teórica: Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus Autores: Teresa Guerra Carreira Equipa Revisora: Carlos Vila Nova e Pedro Freitas

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Page 1: HTA e Diabetes

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Temas da Aula

Introdução

Importância da oftalmoscopia

Fundo ocular normal

Hipertensão arterial – Diabetes mellitus

Repercussão da hipertensão arterial no sistema visual

Alterações do fundo ocular

Classificação de Keith-Wagener-Barker

Clínica da diabetes ocular

Alterações do fundo ocular

Classificação da retinopatia diabética

Fotocoagulação

Descolamento traccional da retina e vitrectomia

Caso clínico final

Bibliografia

Anotada correspondente de 2006/2007, Lídia Maria Roque Ramos

Lang, G; Ophthalmology – A Pocket Textbook Atlas, 1ª edição (2000) Thieme.

Seidel, et al.; Mosby’s Guide to Physical Examination, 6ª edição (2006) Mosby

Anotadas do 4º Ano – 2007/08 Data: 13 de Dezembro de 2007

Disciplina: Oftalmologia Prof.: M. Monteiro Grillo

Tema da Aula Teórica: Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus

Autores: Teresa Guerra Carreira

Equipa Revisora: Carlos Vila Nova e Pedro Freitas

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Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus

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Introdução

IMPORTÂNCIA DA OFTALMOSCOPIA

No corpo humano, o globo ocular é o único órgão no qual é possível observar

directamente as estruturas vasculares e nervosas, através de métodos não cruentos

(não invasivos). Para além das doenças do sistema visual, as alterações deste

órgão podem fazer suspeitar de doenças sistémicas. De facto, manifestações

patológicas que surjam, por exemplo, nos vasos retinianos, são possivelmente

equiparáveis às que estejam presentes noutros órgãos, como o rim e o coração.

Assim, a simples observação do fundo e do globo ocular pode permitir:

O diagnóstico precoce de certas patologias sistémicas.

Ex: Uma hemorragia subconjuntival pode ser resultante de um traumatismo

ou ser a primeira manifestação de hipertensão arterial (HTA). Nestas

situações é importante fazer uma anamnese cuidada.

O acompanhamento da eficácia de uma determinada terapêutica, através

da observação da evolução das alterações do globo ocular.

Definir um prognóstico, permitindo que seja feita uma estimativa da

gravidade do quadro clínico do doente.

No entanto, a retina reage de forma semelhante a diferentes tipos de agentes,

não havendo por isso, no fundo ocular, sinais patognomónicos de nenhuma

patologia. Assim sendo, a história clínica (idade, sexo, patologias existentes,

diagnóstico provisório, etc. e exame objectivo) reveste-se de grande importância na

atribuição de um significado correcto às imagens do fundo ocular.

É importante que todos os médicos, independentemente de virem ou não a

seguir Oftalmologia, saibam identificar alterações do fundo ocular, uma vez que a

observação do doente só será completa se for efectuada uma fundoscopia.

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Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus

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FUNDO OCULAR NORMAL

No fundo ocular normal (fig.1), deve-

se considerar quatro estruturas principais:

Disco óptico,

Vasos sanguíneos,

Mácula lútea,

Retina.

Disco Óptico

O disco óptico tem uma forma arredondada de contornos bem definidos

(especialmente na margem temporal), e cerca de 1,5 mm de diâmetro. A sua

coloração é amarelo-rosada, sendo mais pálida na região temporal. Apresenta uma

depressão central, de onde emergem os vasos sanguíneos, que raramente se

estende para a região temporal e nunca para a nasal.

Vasos Sanguíneos

Os vasos sanguíneos dividem-se dicotomicamente, primeiro em ramos

superiores e inferiores, depois em ramos temporais e nasais. As artérias são mais

estreitas e brilhantes do que as veias, que têm maior calibre (1,5 vezes superior) e

uma cor mais escura. As artérias não são pulsáteis, enquanto que as veias podem

mostrar pulsação espontânea no disco óptico.

Normalmente, a relação entre artérias e veias é de duas veias para uma

artéria, embora possa haver variações individuais. As alterações ligeiras do calibre

arteriolar são difíceis de identificar. Por isso, deve-se recorrer a métodos fotográficos

para eliminar o componente subjectivo de cada observador, tornando assim a

detecção das pequenas alterações mais rigorosa.

Fig.1 Fundo ocular normal.

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Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus

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Mácula Lútea

A mácula lútea é uma mancha avermelhada abraçada pelos vasos temporais

localizada aproximadamente a dois discos ópticos da linha média, em direcção à

região temporal, ocupando, assim, uma posição mais externa no globo ocular, em

relação ao disco óptico. O centro da mácula apresenta uma depressão central mais

escura e vermelha, a fóvea central, avascular (sem vasos retinianos), irrigada por

difusão directa a partir dos vasos coroideus. Por não ser vascularizada, o que

permite que não haja interferência dos vasos na captação das radiações luminosas,

e só conter cones (não tem bastonetes), cada um com uma ligação neuronal

individual, a fóvea é a zona de maior acuidade visual.

Retina

A retina é uma estrutura transparente de pequena espessura e fácil acesso,

quer através do oftalmoscópio (amplia 16 vezes o fundo do olho), quer do

retinógrafo. É possível observá-la repetidamente em condições fisiológicas, sem

implicar lesão para o doente.

Através da fundoscopia, pode-se observar o epitélio pigmentar da retina. No

caso dos albinos, não existe pigmentação, ao passo que nas pessoas de raça negra

o pigmento é mais escuro e obscurece os vasos coroideus. Dado que a retina é uma

estrutura transparente, esta permite observar a coroideia e a coreo-capilar, que

confere ao fundo ocular a tonalidade laranja-avermelhada característica.

HIPERTENSÃO ARTERIAL – DIABETES MELLITUS

A retinopatia hipertensiva e a retinopatia diabética consistem nas

manifestações oftalmológicas, nomeadamente no fundo ocular, de duas importantes

patologias sistémicas: a Hipertensão Arterial (HTA) e a Diabetes Mellitus (DM). O

exame do fundo ocular nestas patologias é indispensável.

A HTA é relativamente benigna no que diz respeito à função visual, apenas

originando alterações visuais em situações de gravidade extrema. Por esta razão,

um hipertenso com HTA não controlada não virá à consulta com queixas

oftalmológicas. Por outro lado, um doente com DM queixa-se frequentemente de

perturbações na função visual, que se podem apresentar de várias formas.

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Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus

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Repercussão da Hipertensão Arterial no Sistema Visual

A Hipertensão Arterial (HTA) é uma doença muito incidente nos países

desenvolvidos e uma importante causa de mortalidade, uma vez que está associada

a:

Doença cardíaca,

Acidentes vasculares cerebrais,

Insuficiência renal.

Em Portugal, a HTA é muito prevalente e é considerada uma doença de saúde

pública. A oftalmoscopia é fundamental para a monitorização desta doença,

permitindo analisar as alterações vasculares resultantes da HTA através de um

método não cruento.

ALTERAÇÕES DO FUNDO OCULAR

Retinopatia Hipertensiva

Vasoespasmo

Retinopatia Arterioesclerótica

Esclerose vascular

Saber o grupo etário do doente é

fundamental para que seja feita uma interpretação

correcta do que é observado no fundo ocular. As

modificações que a HTA origina nos vasos são

diferentes de acordo com a idade.

Um doente de um grupo etário mais jovem

terá as artérias mais elásticas e saudáveis. Assim,

os seus vasos vão responder à HTA com

vasoespasmo (fig.2). Fig.2 Vasoespasmo.

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Fig.3 Artérias em fio de prata.

Indivíduos com 60-70 anos têm retinopatia arterioesclerótica, que cursa com

esclerose vascular (vasos mais rígidos), como consequência normal do

envelhecimento, pelo que não ocorre vasoespasmo clinicamente perceptível. Deste

modo, num idoso com HTA não muito elevada, encontra-se esclerose vascular, mas

é difícil afirmar pela oftalmoscopia que tem HTA. A HTA pode acelerar a esclerose

vascular, assim se explicando o aparecimento precoce de esclerose vascular em

indivíduos de meia-idade. Esta surge principalmente em doentes com a HTA não

controlada.

As paredes dos vasos retinianos são

normalmente transparentes, sendo só possível

visualizar as colunas de sangue, de cor vermelha.

No caso de as artérias estarem esclerosadas, têm

um aspecto característico de artérias em fio de

prata (fig.3), impedindo a visualização normal do

sangue no seu interior.

Um cruzamento arterio-venoso (A/V)

patológico (fig.4) é caracterizado por uma dilatação

a jusante e a montante do cruzamento, no qual a

veia é deprimida pela artéria (com um espessamento

da parede). Isto sucede porque as veias da retina

partilham a adventícia com as artérias na zona do

cruzamento A/V.

A HTA surge associada a outras modificações patológicas do fundo ocular que

resultam da alteração da barreira hematorretiniana – são as alterações mais

visíveis e podem ocorrer em muitas outras patologias:

Hemorragias,

Exsudados duros (lipídicos),

Exsudados moles/algodonosos (isquémia).

Fig.4 Cruzamento artério-venoso patológico.

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Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus

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As hemorragias surgem no seguimento do aumento

da pressão arterial, que causa ruptura da barreira

hematorretiniana, podendo ser de dois tipos.

Hemorragia superficial, com a forma de chama de

vela (fig.5)

,Hemorragia mais compactada, situada nas

camadas mais profundas da retina (fig.6).

Os exsudados moles ou algodonosos são

designados incorrectamente de exsudados. De facto,

consistem numa zona de isquémia das fibras nervosas (à

superfície da retina), como consequência da diminuição do

aporte sanguíneo. Apresentam-se como manchas brancas

de bordos mal definidos, semelhantes a algodão em rama,

com uma localização peripapilar e junto aos vasos (fig.6).

Constituem uma situação complexa de compromisso

vascular grave que surge associada a lesões renais, cerebrais e isquémia do

miocárdio, o que justifica que num hipertenso a observação de exsudados

algodonosos aponte para uma situação de urgência médica. Este tipo de exsudados

pode estar relacionado com outro tipo de patologias como a leucemia ou a

endocardite bacteriana, por exemplo. Nesta última há libertação de êmbolos sépticos

que podem obstruir a circulação retiniana e originar enfartes isquémicos da retina.

O edema lesa a retina e as células necrosadas

libertam lípidos que, não sendo reabsorvidos com o

edema, são captados e digeridos por macrófagos. Os

exsudados duros correspondem ao conjunto de lípidos e

macrófagos esponjosos, que lhes confere a cor amarelada

e localizam-se na camada plexiforme externa (mais

profundos que os exsudados moles). Quando os

exsudados se encontram na camada de fibras de Henle,

dispõem-se de acordo com a orientação das fibras e

adquirem uma disposição estrelada com irradiação para a

mácula, formando um exsudado em estrela macular.(fig.7).

Fig.5 Hemorragia superficial.

Fig.6 Hemorragia profunda.

Fig.7 Exsudados moles, duros, em estrela macular e edema do disco óptico.

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Também se podem observar veias dilatadas (sinal

de estase venosa), hiperémia e alterações do bordo do

disco óptico, que se encontra mal definido, apontando

para um edema do disco óptico.

Esta é uma situação que surge em casos de HTA

maligna e que requer uma acção rápida. O edema do

disco óptico também pode surgir devido a hipertensão

intracraniana (provocada, por exemplo, por um tumor).

Se um edema de qualquer etiologia persistir, a situação poderá progredir para

atrofia do disco óptico (fig.8). Nesta situação, o disco óptico adquire um aspecto

nacarado e apresenta bordos bem definidos.

As sequelas da arterioesclerose e HTA

incluem a oclusão da artéria e veia retinianas

(fig.9) e a formação de macroaneurismas que

podem originar uma hemorragia do vítreo

(hemovítreo). O disco óptico torna-se não visível.

Na presença de papiledema, a atrofia

subsequente do nervo óptico pode originar, em

última instância e ocasionalmente, uma perda de

visão muito grave. A oclusão da veia central da

retina é uma das causas de perda súbita de visão.

O controlo da HTA e o exame oftalmoscópico são necessários para controlar a

retinopatia hipertensiva e minimizar o risco de complicações.

No fundo ocular de um doente com leucemia

(fig.10) observam exsudados algodonosos, sem

alterações nos vasos. Como este caso justifica, é

importante enquadrar sempre as observações com a

história clínica do doente. De facto, apesar de os

exsudados moles surgirem em casos de HTA, não são

exclusivos dessa patologia.

Fig.8 Atrofia do disco óptico.

Fig.10 Doente com leucemia.

Fig.9 Oclusão da veia central da retina com hemorragia extensa e vasos dilatados – “explosão em granada” ou “tempestade de pôr-do-sol”.

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Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus

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CLASSIFICAÇÃO DE KEITH-WAGENER-BARKER

As alterações retinianas associadas à HTA são geralmente classificadas de

acordo com a classificação de Keith-Wagener-Barker (KWB):

Grau I

Estreitamento arteriolar moderado – pode eventualmente estar

relacionado com o vasoespasmo mantido ou com esclerose vascular.

Grau II

Estreitamento arteriolar marcado – mais relacionado com esclerose

vascular que com vasoespasmo;

Aumento do reflexo – a parede arteriolar sofre um processo de fibrose e

espessamento, que origina a perda da sua transparência, pelo que a

coluna de sangue deixa de ser visível;

Cruzamentos artério-venosos patológicos – sinal de esclerose vascular.

Grau III

Hemorragias e exsudados moles e duros.

Grau IV

Edema do disco óptico.

Esta classificação, apesar de antiga (1939), continua a ser utilizada1.

Normalmente, as veias retinianas têm

um calibre superior ao das artérias. Para

facilitar a monitorização do calibre arteriolar e

venoso dos doentes com HTA, o Hospital de

Santa Maria e a Universidade Nova

colaboraram na criação de um programa que

permite estabelecer com maior acuidade o

calibre dos diferentes vasos retinianos (fig.11).

1 Os oftalmologistas preferem fazer uma referência directa às alterações observadas no fundo ocular

(vasoespasmo, esclerose vascular…), embora a classificação KWB seja útil para a comunicação com outros colegas, nomeadamente internistas.

Fig.11 Programa de monitorização.

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Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus

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Clínica da Diabetes Ocular

A Retinopatia Diabética (RD) é uma microangiopatia ocular e uma das

principais causas de cegueira2 adquirida nos países industrializados.

Aproximadamente 90% dos diabéticos têm RD ao fim de 20 anos. Existem cada vez

mais doentes diabéticos a viverem até mais tarde.

A RD não evolui obrigatoriamente do mesmo modo que a Diabetes,

dependendo de:

O doente tenha DM tipo I ou tipo II,

Tempo de evolução da DM.

Por isso é necessário considerar a história clínica do doente para se poder

considerar há quanto tempo é que a Diabetes foi diagnosticada, o que pode dar uma

ideia da iminência ou não do aparecimento da RD. Ao fim de 10-15 anos de doença

cerca de 40-50% dos doentes diabéticos têm sinais de retinopatia diabética.

A DM pode levar a alterações em quase todos os tecidos do sistema visual:

Córnea – hipostesia, queratopatia, queratoconjuntivite sicca,

Cristalino – catarata, alterações de refracção (miopia),

Úvea – glaucoma,

Vítreo – hemivítreo,

Retina – retinopatia, descolamento traccional da retina,

Nervo óptico – neuropatia,

Músculos oculomotores – paralisia,

Cavidade orbitária - infecções orbitárias micóticas,

Pálpebras – xantelasmas.

No entanto, 90% de todas as diminuições na acuidade visual nos doentes com

DM são causadas por RD.

2 Não tão importante no caso da retinopatia resultante da hipertensão arterial.

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ALTERAÇÕES DO FUNDO OCULAR

A RD é caracterizada pelo aparecimento no

fundo ocular de (fig.12):

microaneurismas (não patognomónicos),

manifestações de alterações da

permeabilidade, tais como edema,

exsudados ou hemorragias.

Esta patologia permanece assintomática durante bastante tempo. Apenas nas

fases mais avançadas da doença, com envolvimento macular ou hemorragia do

vítreo, é que o doente nota diminuição da acuidade visual ou cegueira súbita. Ao

invés da HTA, na qual os doentes raramente têm queixas oculares, os doentes com

RD queixam-se de alterações visuais.

Angiografia Fluoresceínica

Numa observação de um fundo ocular

com retinopatia diabética, observa-se um com

hemorragias profundas, microaneurismas ou

pequenas hemorragias. A nossa discriminação

visual não permite distinguir as pequenas

hemorragias dos microaneurismas, pelo que

nestes casos está indicada a realização de

uma angiografia fluoresceínica (fig.13).

Na angiografia fluoresceínica é injectada fluoresceína sódica, um corante

fluorescente, numa das veias cubitais do doente. O corante atinge a circulação

retiniana após alguns segundos e são captadas imagens – angiogramas. Nos locais

de disrupção da barreira hematorretiniana, a fluoresceína sai dos vasos retinianos,

que assim não retêm o corante. As hemorragias surgem, assim, como pequenas

manchas pretas. Os microaneurismas retêm o corante, sendo observáveis sob a

forma de pontos brancos dilatados.

Fig.12 Retinopatia diabética.

Fig.13 Angiografia fluoresceínica.

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Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus

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CLASSIFICAÇÃO DA RETINOPATIA DIABÉTICA

O sistema de classificação da RD é amplamente utilizado3.

Retinopatia Diabética de “Fundo” (Background) / Não Proliferativa

Podem observar-se microaneurismas, hemorragias intra-retinianas, exsudados

duros e moles, edema da retina e anomalias microvasculares intra-retinianas. Nesta

fase, não há proliferação de neovasos.

Retinopatia Diabética Proliferativa

Surge na sequência da RD não

proliferativa, havendo nesta fase

proliferação de neovasos, inicialmente

retinianos e mais tarde vítreos. Os

neovasos são caracteristicamente mais

frágeis e com maior tendência para a

ruptura e hemorragia, havendo nesta

fase a possibilidade de aparecimento de

hemovítreo. Devido à tracção provocada

pela cicatrização do vítreo, (fig.14), pode

haver descolamento traccional da retina.

Como consequência de neo-

angiogénese na íris, pode haver oclusão

do ângulo da câmara anterior, o que

aumenta o risco de aparecimento de

glaucoma secundário de ângulo fechado.

Edema / Isquémia Macular

As alterações vasculares observáveis na RD proliferativa progridem para a

mácula, causando uma grande diminuição da acuidade visual e até cegueira.

3 O sistema de classificação da RD tem, ao contrário da classificação KWB, muito interesse prático.

Fig.14 Descolamento traccional da retina.

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Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus

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FOTOCOAGULAÇÃO

Para evitar a progressão da RD, utiliza-se a fotocoagulação, processo através

do qual, com o uso do efeito térmico do laser, se faz a ablação de determinadas

zonas da retina. Esta técnica é aplicada nas zonas de isquémia retiniana, a partir

das quais se pensa que surgem os factores vasoproliferativos que promovem a neo-

vascularização. Para que estas zonas sejam correctamente identificadas, deve-se

fazer uma angiografia fluoresceínica.

A fotocoagulação é preferencialmente realizada numa fase não-proliferativa da

RD, para impedir a proliferação. No entanto, se o doente já estiver na fase

proliferativa, pode-se executar fotocoagulação nas zonas de isquémia e

eventualmente conseguir que os vasos regridam.

Na fundoscopia, as zonas de

fotocoagulação surgem como pequenos pontos

esbranquiçados (fig.15). Normalmente, a

técnica é utilizada em toda a retina –

fotocoagulação panretiniana – tentando poupar

o pólo posterior, zona de visão central.

Assim, como consequência do tratamento, há alterações do campo visual e,

possivelmente, da visão nocturna, uma vez que os bastonetes ficam alterados. A

visão central (ambulatória) é conservada, permitindo que o doente se aperceba do

que o rodeia.

Fig.15 Fotocoagulação.

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Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus

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DESCOLAMENTO TRACCIONAL DA RETINA E VITRECTOMIA

Em casos de descolamento traccional da retina os doentes podem permanecer

assintomáticos durante um longo período de tempo. Na fase de descolamento

posterior agudo do vítreo, o doente terá queixas de fotopsias (flashes de luz) e

“chuva negra” – a percepção de pontos negros que se movem com o olhar. Quando

a retina se descola, surge uma sombra negra no campo visual, que o doente

percebe como uma cortina a cair ou uma parede a levantar-se, dependendo se o

descolamento é superior ou inferior. Uma quebra no centro da retina resulta numa

diminuição significativa da acuidade visual, que inclui metamorfopsia (distorção de

imagens), se houver envolvimento macular.

Na fundoscopia, observa-se a perda do aspecto transparente da retina, que se

torna esbranquiçada, pelo desenvolvimento de fibrose e perda do apoio coreo-

capilar (o vítreo puxou a retina para a frente, descolando-o da sua zona de fixação

normal). Não será possível focar a retina correctamente porque a retina entra pelo

vítreo.

A rigidez das pregas retinianas e membranas vítreas complica

significativamente a recolocação da retina. Normalmente, esta situação requer uma

vitrectomia, que consiste na remoção cirúrgica do vítreo (constituído normalmente

por 99% de água e 1% de colagénio e ácido hialurónico) e a sua substituição com

uma outra solução. Em muitas situações nas quais se realizam vitrectomias

(hemovítreo, descolamento traccional da retina, vitreoretinopatia proliferativa,

remoção de lentes intravítreas deslocadas ou corpos estranhos, ou alterações

inflamatórias graves pós-operatórias ou pós-traumáticas do vítreo), é suficiente

voltar a encher o olho com solução de Ringer. No entanto, isto não é suficiente

para tratar descolamentos complicados da retina com membranas epirretinianas ou

subretinianas e contracção da superfície da retina. Nestes casos, a retina descolada

deve ser aplanada num sentido ântero-posterior e segurada com um líquido

tamponado com uma gravidade específica muito alta, como o perfluorocarbono

líquido (fig.16).

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Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus

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No final da cirurgia, estes líquidos “pesados” devem ser substituídos por:

Gases – espontaneamente absorvidos ao fim de alguns dias,

Óleo de silicone – tem de ser removido numa cirurgia subsequente.

Casos de descolamentos complicados da retina precisarão de tamponamento

interno prolongado, no qual o óleo de silicone tem demonstrado eficácia, enchendo

toda a câmara do vítreo e exercendo pressão permanente em toda a retina.

Fig.16 Reparação da retina num descolamento da retina, com o uso de um líquido com uma gravidade específica elevada. O líquido actua como uma “terceira mão” na manipulação da retina, simplificando manobras como a remoção das membranas epirretinianas e retinotomias.

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Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus

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Caso Clínico Final

Na figura 17 pode-se observar um fundo

ocular anormal, com exsudados algodonosos,

hemorragias dispersas, dilatação venosa

(estase) e um disco óptico pouco visível (extenso

edema papilar), o que aparenta, portanto, tratar-se

de um caso complicado de retinopatia hipertensiva.

Qual é a primeira coisa que se deve questionar para o correcto diagnóstico?

Deve-se questionar imediatamente qual a história do doente. Na verdade, o

doente era do sexo masculino, de 33 anos, HIV-positivo, sem história de

hipertensão. O doente sofria de retinite por infecção por CMV, sendo, portanto,

tratável através da utilização de um anti-viral (fomivirsem).

Sublinha-se, assim, a importância do enquadramento adequado das

observações oftalmoscópicas na história clínica.

Em suma:

A retina tem formas semelhantes de reagir a diferentes tipos de lesão;

Deve ser atribuída uma grande importância à história clínica do doente

(idade, sexo, patologias, diagnóstico provisório…) e restante exame

objectivo para poder ser possível atribuir o significado correcto às imagens

do fundo ocular.

Fig.17 Retinite por CMV.