homologação de sentença estrangeira - alexandre freitas câmara

Upload: valdelioassis

Post on 06-Apr-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/3/2019 Homologao de Sentena Estrangeira - Alexandre Freitas Cmara

    1/7

    Capitulo IIIHomologeciiode Sentence Estrangeira

    lQConceito e Natureza JuridicaRegula 0CPC, nos arts. 483 e 484, a homologacao de sentenca estrangeira. Tra-

    ta-se de processo de competencia originaria do Superior Tribunal de [ustica (art. 105,I, i, da Constituicao da Republica, com a redacao da Emenda Constitucional ns4512004) , e que se situa num ponto de confluencia entre 0 Direito Processual Civil eo Direito Internacional. Melhor sera, sem duvida, considerar que a materia perten-ce ao Direito Processual Civil Intemacional.! 0qual deve ser considerado parte inte-~te do Direito Processual Civil) Inegavel, porem, que ha uma serie de conceitosde Direito Internacional que se fazem presentes aqui, mesmo porque 0 processo dehomologacao de sentenca estrangeira e destinado a reconhecer a producao de efei-IDs, no Brasil, de atos de imperio provenientes de Estados estrangeiros soberanos.

    A "a

  • 8/3/2019 Homologao de Sentena Estrangeira - Alexandre Freitas Cmara

    2/7..._ ..... ,nm-~---.

    Alexandre Freitas Camara

    homologa a sentenca estrangeira modifica a situacao juridica existente, permitindoque se produza em nosso pais a eficacia do ato jurisdicional alienigena. Isto decorredo texto do art. 483 do CPC, segundo 0 qual "a sentenca proferida por tribunalestrangeiro nao tera eficacia no Brasil senao depois de homologada pelo SupremoTribunal Federal" (sendo certo que, apos a vigencia da EC 45/2004, esse dispositivodeve ser lido como se fizesse expressa referencia ao STJ, e nao ao STF).

    E de se notar que a referencia contida na lei a "tribunal estrangeiro" deve serinterpretada extensivamente, para permitir que se considere incluidos no alcance danorma tambem as sentencas proferidas por juizos monocraticos, bern assim os atosjuridic os que, no Brasil, seriam sentencas judiciais.

    Quanto a esta ultima situacao, pode-se exemplificar com 0divorcio, que, no sis-tema juridico da Dinamarca, emana de decreto do Rei daquele pais. Tal decretopodera ser homologado no Brasil, para que aqui produza efeitos, ja que tern eficaciasentencial (ao menos segundo 0 nosso sistema, uma vez que aqui 0 divorcio e deere-tado por sentenca).

    Do que foi ate aqui exposto torna-se possivel buscar urn conceito de "homolo-gacao de sentenca estrangeira", dizendo ser este 0 instrumento destinado a reconhe-cer a sentenca proveniente de Estado estrangeiro, permitindo que a mesma passe aproduzir efeitos no Brasil. E de se notar, a luz deste conceito, que, ao apreciar 0 pedi-do de homologacao de sentenca estrangeira, 0 STJ nao devera julgar, novamente, ademanda original, ja julgada pelo tribunal estrangeiro, mas tao-somente apreciar apresenca dos requisitos necessaries para que se homologue a sentenca alieni gena.Tem-se, assim, 0 chamado "juizo de delibacao". Como ensina notavel jurista patrio,"verifica-se, por meio desse crivo por que passa 0 julgado, se esta ele regular quantaa forma, a autenticidade, a competencia do orgao prolator, bern como se penetra nasubstancia da sentenca para se apurar se, frente ao Direito nacional, nao houve ofen-sa a ordem publica e aos bons costumes'l.sAo adotar 0 sistema do "juizo de delibacao", pois, 0Direito brasileiro optou porrespeitar a decisao proveniente de Estado estrangeiro, limitando-se a verificar seusaspectos formais e sua adequacao a ordem publica e aos bons costumes de nosso pais.Presentes todos os requisitos de admissibilidade, sera a sentenca estrangeira homo-logada, para que produza seus efeitos entre nos.

    Ha que se verificar, pois, quais sao os requisitos para a hornologacao de umasentenca estrangeira no Brasil. Estes se encontram enumerados na Lei de Introducaoao C6digo Civil (art. 15), e sao os seguintes:

    30 4 Theodora Junior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 625 .

  • 8/3/2019 Homologao de Sentena Estrangeira - Alexandre Freitas Cmara

    3/7

    a) haver side a sentenca estrangeira proferida por juiz (rectius, juizo) compe-tente;

    b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;c) ter a decisao estrangeira transitado em julgado e estar revestida das formali-

    dades necessarias para que produza efeitos no pais em que foi proferida;d) estar traduzida por interprete autorizado;e) nao ofender a soberania nacional, a ordem publica e os bons costumes.

    Tais requisitos merecem ser aqui apreciados. Assim, em primeiro lugar, exige-se que a sentenca tenha sido proferida por orgao competente. Nao se pode exigir,porem, que 0 STJ, ao apreciar 0pedido de homologacao, examine se a sentenca pro-vern de orgao que tenha, segundo as normas de competencia interna do pais de ori-gem, competencia para a hip6tese. Apenas as normas de competencia internacionaldeverao ser examinadas, para que se limite 0 STJ a homologar sentencas provenien-tes de paises que, nos termos de seu direito positivo (e em confronto com 0 nosso, jaque ha casos em que outro pais se atribui competencia internacional, mas 0 Brasilreserva para si competencia internacional exclusiva - CPC, art. 89), pudessem, nahip6tese, exercer a funcao jurisdicional.S

    Quanto ao segundo requisito, terem sido as partes citadas, ou se ter regularmen-te verificado a revelia, ha que se afirmar, em primeiro lugar, que ha urn equivoco deredacao na norma contida na Lei de Introducao ao C6digo Civil, ja que a conjuncao auda a falsa impressao de que poderia haver revelia sem previa citacao. A verdadeira von-tade da norma e erigir a condicao de requisito de homologabilidade da sentenca estran-geira 0 "ter havido citacao e, se for 0 caso, haver se verificado a revelia", Trata-se derequisite decorrente da garantia constitucional do contraditorio, nao se podendo admi-tir a homologacao de sentenca proferida em processo de que nao participaram (ou naotiveram, ao menos, a oportunidade de participar) os sujeitos que estarao submetidos20S efeitos da sentenca homologanda. E de se dizer, alias, que a ausencia de regularubservancia do contradit6rio impediria a homologacao da sentenca estrangeira pelosimples fato de ser tal provimento contrario a ordem publica brasileira.

    A exigencia de ter transitado em julgado a sentenca homologanda e facilmentecnmpreensivel, pois que homologar sentenca ainda nao passada em julgado seria per-=:Jlitir a producao de efeitos, no Brasil, de ate estatal estrangeiro ainda sujeito a urnam grau de instabilidade, podendo ser reformado ou invalidado a qualquer momen-

    Aragao, Comenranos so C6digo de Processo Civil, vol. V, p. 197.Greco Filho, Homologeciio de Sentenr;a Estrangeira, p. 141. 31

  • 8/3/2019 Homologao de Sentena Estrangeira - Alexandre Freitas Cmara

    4/7

    Alexandre Freitas Camara

    to. E de se notar, porern, que alguns ordenamentos juridic os permitem a interposi-c;aode alguns recursos incapazes de impedir a formacao da coisa julgada (ao contra-rio do sistema brasileiro, onde todos os recursos impedem 0 transite em julgado dadecisao). Nao se exige, porem, que a sentenca estrangeira seja irrecorrivel, mas tao-somente que a mesma tenha ja passado em julgado. Alem disso, exige nosso ordena-mento que a sentenca estrangeira esteja revestida das formalidades necessarias paraque produza efeitos em seu pais de origem.

    Precisa, ainda, a sentenca estar traduzida por interprete autorizado, ou seja, portradutor juramentado. Isto porque nao se pode exigir que os membros do STJ conhe-cam todos os idiomas estrangeiros em que se pode proferir uma sentenca que .venha aser objeto de pedido de homologacao em nosso pais. Alem disso, exige a Resolucao ns9/2005, da Presidencia do Superior Tribunal de [ustica (que dispoe, em carater transi-torio, sobre a competencia acrescida ao STJ pela Emenda Constitucional ns 45/2004)que a sentenca estrangeira esteja autenticada pelo consul brasileiro (art. S Q , IV).

    Por fim, como ja dito, a sentenca estrangeira que se quer homologar nao podeviolar a soberania, a ordem publica e os bons costumes. Assim, por exemplo, nao sepoderia homologar uma sentenca que determinasse a condenacao do devedor a pri-sao civil pela divida, ja que isto contraria nossa ordem publica (salvo, obviamente,nos casos de devedor inescusavel de prestacao alimenticia e, nao obstante 0 entendi-mento contrario do STF, do depositario infiel).

    Vistos os requisitosde homologabilidade, ha que se apreciar, por fim, a questaoda homologacao das sentencas de estado e das decis6es arbitrais estrangeiras.

    Quanto as sentencas nas causas de estado, faz-se necessaria a homologacao, ape-sar do disposto no art. 15, paragrafo unico, da Lei de Introducao ao Codigo Civil. Istoporque tal dispositivo nao pode subsistir diante do art. 483 do CPC, que, tratando damateria, nao fez qualquer distincao, exigindo a homologacao para que qualquer sen-tenca estrangeira produza efeitos entre nos. Em verdade, e de se dizer que 0disposi-tivo da Lei de Introducao (que e de 1942) ja se mostra incompativel com 0 texto daConstituicao de 1946, razao pela qual deve ser considerado como eivado de incons-titucionalidade superveniente.? 0 que significa dizer que teria aquela norma desapa-recido de nosso sistema juridico.f Isto porque a Constituicao de 1937, que vigoravaquando da entrada em vigor da Lei de Introducao ao Codigo Civil, conferia ao STFcompetencia para a homologacao de sentencas estrangeiras, enquanto a Carta de1946 (bern assim as que the seguiram) fala em homologacao dassentenc;as estrangei-

    32 7 Ou, como prefere parte da doutrina, nao teria sido 0 dispositivo recepcionado pela Constituicao de 1946." " ' ? ? ' f ' '' c ' ' m f ' '_ 8 Neste sentido, Barbosa Moreira, Comentarios ao C6digo de Processo Civil, vol. V, pp. 68-69.

  • 8/3/2019 Homologao de Sentena Estrangeira - Alexandre Freitas Cmara

    5/7

    Alexandre Freitas Camara, Arbitragem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 125, esp. nota 201.:.J Alexandre Freitas Camara, Arbitragem, pp. 123-124. A doutrina que vern se formando sobre a Lei de

    Arbitragem, em sua maioria, nao tern considerado a norma do art. 35 da referida lei inconstitucional.Assim, por exemplo, J. E. Carreira Alvim, "A Arbitragem no Direito Brasileiro", in Doutrina, vol. III,coord. James Tubenchlak, Niter6i: ID, 1997, p. 326, onde se comenta 0 dispositivo citado sem qualquer 33consideracao acerca de sua compatibilidade com a Constituicao, 0 que faz presumir que aquele notavel ju- " " * _ " " , " " ~ " " . . . . . ". . . . ' " '. . . ~ .

    de Direito Processual Civil - Vol. II - 18- edicao

    ras, deixando claro que todas elas precisam ser homologadas para que produzam efei-tos entre nos. Curioso notar, porem, que a Emenda Constitucional nQ4512004 , aoatribuir ao STJ competencia para 0 processo de homologacao, falou expressamenteem homologacao de (e nao das) sentencas estrangeiras. Isto, porern, nao implicarepristinacao do paragrafo unico do art. 15 da LICC (ja que nao existe repristinacaotacita, e nao se fez a expressa). Parece-nos, porem, que diante do texto constitucio-nal agora vigente, nada impediria a aprovacao de dispositivo legal que dispensasse dehomologacao determinadas sentencas estrangeiras, como 0 fazia 0 ja citado paragra-fo unico do art. 15 da Lei de Introducao.

    No que conceme a homologacao de decisoes arbitrais estrangeiras, a Lei ns9.307/96 (conhecida como "Lei da Arbitragem") e expressa, em seu art. 35, em dizerque, "para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentenca arbitral estrangeiraesta sujeita, unicamente, a homologacao do Supremo Tribunal Federal" (devendo-seler tal dispositivo, por forca da EC 45/2004, como se fizesse alusao ao STJ).

    Trata-se de norma destinada a permitir a producao de efeitos no Brasil de deci-roes proferidas em processos arbitrais estrangeiros.

    Ha que se considerar, porem, duas situacoes: ha paises em que se exige, para quea decisao arbitral produza efeitos, que seja a mesma homologada judicialmente(assim, por exemplo, na Italia, sendo de se recordar que este era 0 sistema brasileiroantes da Lei ns 9.307/96). Neste caso, dever-se-a homologar no Brasil a sentenca judi-cial estrangeira que, por sua vez, conferiu eficacia a decisao arbitral.?

    Outra hipotese que deve ser considerada e a de decisao arbitral proveniente depais onde nao se exige a homologacao judicial da mesma para que seus efeitos se pro-dnzam (como se da na Espanha e, atualmente, entre nos). Neste caso, nao sera pos-sivel, obviamente, homologar uma sentenca judicial estrangeira que nao foi proferi-da (nem poderia se-lo, ja que esses ordenamentos juridicos nao preveern a Figura da"homologacao de decisoes arbitrais"). Para esta hip6tese e que 0 art. 34 da Lei de.Arbitragem veio preyer a homologacao, pelo STF (e agora, por forca da EC 4512004 ,pelo STJ), da propria decisao arbitral. A nosso juizo, porem, a norma era inconstitu-rional, par atribuir ao Supremo Tribunal Federal uma competencia que nao estava!Hevista no art. 102 da Constituicao da Republica.t? e continua a ser inconstitucio-

  • 8/3/2019 Homologao de Sentena Estrangeira - Alexandre Freitas Cmara

    6/7

    Alexandre Freitas Camara

    nal, mesmo depois da EC 4512004, por atribuir ao STJcompetencia que este nao rece-beu do art. 105 da Lei Maior.

    Preferimos, assim, considerar que as decis6es arbitrais estrangeiras que inde-pendam de homologacao em seus paises de origem estarao, tambem, livres da exi-gencia de homologacao no Brasil, cabendo ao juizo da execucao a verificacao de suaadequacao as exigencias formais para a validade do ato.U

    2 Q ProcedimentoProposta a "acao de homologacao de sentenca estrangeira",12 e estando em ter-

    mos a peticao inicial, devera ser determinada a citacao do demandado para contes-tar em quinze dias (Resolucao nQ 912005, da Presidencia do STJ, art. 8Q). E competen-te para 0 feito 0 Presidente do Superior Tribunal de [ustica, que atua aqui comoorgao monocratico.

    A contestacao fica limitada, so podendo versar sobre a autenticidade dos docu-mentos, a inteligencia da sentenca e a observancia dos requisitos exigidos pelo siste-ma juridico positivo para a homologacao, Nao se admite, pois, qualquer discussaosobre 0 objeto do processo onde se prolatou a sentenca homologanda.

    Permanecendo revel 0 demandado, ser-lhe-a nomeado curador especial(Resolucao ns 9/2005, da Presidencia do STJ, art. 9Q, 3Q). 0 mesmo sera feito se 0demandado for pessoa incapaz.

    Sendo oferecida contestacao, podera 0 demandante falar em replica, no prazode cinco dias, e, em seguida ao termino do prazo para oferecimento desta, tenha elasido apresentada ou nan (ou decorrido 0 prazo da contestacao, se 0 reu for revel),manifestar-se-a o Procurador-Geral da Republica, que dispora de urn prazo de dezdias para apresentar seu parecer. Nao havendo, por parte do reu, do curador especial

    34

    rista nao considerou haver qualquer vicio no sistema criado pela nova lei. Mantemos, aqui, porern, a defe-sa da posicao que nos pareceu, desde 0 aparecimento da lei, a mais acertada. Apos a primeira edicao destelivro, varies autores se manifestaram sobre 0 ponto, podendo-se citar opinioes pela constitucionalidade epela inconstitucionalidade do dispositivo aqui referido da Lei de Arbitragem. Considera-o constitucional,entre outros, Carlos Alberto Carmona, Arbitragem e Processo, Sao Paulo: Malheiros, 1998,pp. 284-286(referindo, expressamente, aquele autor, em nota de rodape, nossa opiniao em sentido contrario). Deoutro lado, considera inconstitucional 0 dispositivo Jose Carlos de Magalhaes, "Reconhecimento eExecucao de Laudos Arbitrais Estrangeiros", ensaio publicado in A Arbitragem na Era da Globaliza~iio,Jose Maria Rossani Garcez (coord.), Rio de Janeiro: Forense, 1997,p. 104-105.11 Freitas Camara, Arbitragem, p. 125(devendo-se atentar para 0 que vai dito na nota 202).12 A legitimidade ativa para esta demanda pertence tanto aquele que foi vencedor no processo em que seprolatou a sentenca homologanda, como ao vencido, bem assim seus sucessores e terceiros que possam vira ser atingidos pela eficacia da sentenca, Neste sentido, Barbosa Moreira, Cornenranos ao C6digo deProcesso Civil, voL V, p. 76.

  • 8/3/2019 Homologao de Sentena Estrangeira - Alexandre Freitas Cmara

    7/7

    ou do Procurador-Geral da Republica, qualquer impugnacao a pretensao de homo-logacao da sentenca estrangeira, 0 Presidente do Superior Tribunal de [ustica julga-ra 0pedido, sendo certo que de sua decisao que negue a homologacao cabera agravointerno, no prazo de cinco dias.l-'

    Tendo havido, por parte do reu, do curador especial ou do Procurador-Geral daRepublica, impugnacao ao pedido de homologacao da sentenca estrangeira, devera 0processo ser distribuido a Corte Especial do STJ, onde sera julgado, cabendo nestecaso ao relator (e nao mais ao Presidente) a pratica de todos os atos ordinatorios einstrutorios (Resolucao nQ9/2005, da Presidencia do STJ, art. 9Q, lQ).

    Uma vez homologada a sentenca estrangeira, esta se converte em titulo execu-tivo judicial (art. 475-N, VI, do CPC), sendo competente para 0 processo de execu-