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ARTIGO HOLDINGS PÚBLICAS DE PARTICIPAÇÕES ESTATAIS NA ITÁLIA: O CASO IRI* Arthur Budri Ramos Graduado em Administração Pública pela EAESP/FGV, gerente de Estudos Econômicos da Eletricidade de São Paulo S.A. e mestrando em Economia de Empresas pela EAESP/FGV. * RESUMO: As "holdings" públicas de gestão estatal italianas são apontadas como um efetivo exemplo de intervenção do Estado na economia. Dentro desse sistema merece especial atenção o Instituto per la Riconstruzione Industriale - IRI -, uma das organizações mais interessantes pela sua complexidade e abrangência, cuja expressão "fórmula-IRI" qualifica um dos exemplos a que mais freqüentemente se recorre quando se discute o papel do Estado como empresário. Neste artigo, investigam-se as condições históricas que levaram ao surgimento do IRI, com destaque para a fragilidade creditícia da economia italiana no começo do século; em seguida, descrevem-se os principais conceitos e organismos do chamado "siste- ma das participações estatais", definindo os princípios da intervenção estatal através das holdings públicas. Finaliza- se com os motivos da crise do sistema, suas transformações e o "saneamento" vivenciado já na década de 80. * PALA VRAS-CHA VE: IRI, desenvolvimento, holding pública italiana. * ABSTRACT: The ltalian system of state contrai through holding companies is pointed out as an efeetive form of state intervention. Special attention should be given to the Instituto per la Riconstruzione Industriale - IRI -, one of the most interesting ltalian state holding companies, which justifies the expression "formula-IRI", and qualifies as one of the most famous entrepreneurial states experiences. The aim of the paper is investigate the historical conditions in which IRI aroused, with the frail ltalian financing system of the begining of the century. A description of the consolidated model known as ihe "system of state participation" is given, showing the peculiarities of state intervention through public holdings. The paper concludes with an explanation of the reasons for the crisis in the system in the 70's and its subsequent "reoioal" during the last decade. * KEY WORDS: IRI, development, ltalian state holding. * Este trabalho é fruto de uma pesquisa realizada junto à Uni- versidade Luígí Bocconi de Milão. O texto foi originalmente escrito e apresentado em italiano. Revista de Administração de Empresas São Paulo. 31(3): 47-61 Jul./Set 1991 47

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  • ARTIGO

    HOLDINGS PÚBLICAS DEPARTICIPAÇÕES ESTATAIS NA

    ITÁLIA: O CASO IRI*

    • Arthur Budri RamosGraduado em Administração Pública pelaEAESP/FGV, gerente de Estudos Econômicos daEletricidade de São Paulo S.A. emestrando em Economia de Empresas pelaEAESP/FGV.

    * RESUMO: As "holdings" públicas de gestão estatalitalianas são apontadas como um efetivo exemplo deintervenção do Estado na economia. Dentro desse sistemamerece especial atenção o Instituto per la RiconstruzioneIndustriale - IRI -, uma das organizações maisinteressantes pela sua complexidade e abrangência, cujaexpressão "fórmula-IRI" qualifica um dos exemplos a quemais freqüentemente se recorre quando se discute o papeldo Estado como empresário. Neste artigo, investigam-seas condições históricas que levaram ao surgimento do IRI,com destaque para a fragilidade creditícia da economiaitaliana no começo do século; em seguida, descrevem-seos principais conceitos e organismos do chamado "siste-ma das participações estatais", definindo os princípios daintervenção estatal através das holdings públicas. Finaliza-se com os motivos da crise do sistema, suas transformaçõese o "saneamento" vivenciado já na década de 80.

    * PALAVRAS-CHA VE: IRI, desenvolvimento, holdingpública italiana.

    * ABSTRACT: The ltalian system of state contraithrough holding companies is pointed out as an efeetiveform of state intervention. Special attention should begiven to the Instituto per la Riconstruzione Industriale- IRI -, one of the most interesting ltalian state holdingcompanies, which justifies the expression "formula-IRI",and qualifies as one of the most famous entrepreneurialstates experiences. The aim of the paper is investigate thehistorical conditions in which IRI aroused, with the frailltalian financing system of the begining of the century.A description of the consolidated model known as ihe"system of state participation" is given, showing thepeculiarities of state intervention through public holdings.The paper concludes with an explanation of the reasonsfor the crisis in the system in the 70's and its subsequent"reoioal" during the last decade.

    * KEY WORDS: IRI, development, ltalian state holding.* Este trabalho é fruto de uma pesquisa realizada junto à Uni-versidade Luígí Bocconi de Milão. O texto foi originalmenteescrito e apresentado em italiano.

    Revista de Administração de Empresas São Paulo. 31(3): 47-61 Jul./Set 1991 47

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    1. Para uma tipologia daempresas públicas italianas,tem-se, referentes ao sistemaem questão: as "empresasentes públicos", dotadas depersonalidade jurídica de di-reito público, têm gestãoautônoma, órgãos e balançopróprios, além da atribuiçãode um fundo de dotação (agrosso modo, o equivalenteao capital social de uma em-presa privada); e as empresascom participação pública, compersonalidade jurídica de di-reito privado e sujeitas àsnormas de direito comum. Aparticipação pode ser total ouparcial, mas sempre em con-dição de controle efetivo.Conforme CASSESSE, S. &MORTARA, A. "Tipologie diAziende di Produzione Pubbli-che". In: CAFFERATA, R. (acura di) Economia delle lm-prese Pubbliche, Milão, FrancoAngelli, 1976.

    2. Conforme CASSESE, S. &MORTARA, A. Op. cit.

    3. SARACENO, P. "DonatoMenichella e I'IRI". In: Bancad'ltalia, Donato Menichella estudi racco/ti dalla Banca BariD'/ta/ia. Bari, Ed. Laterza,1986, pp.408-9. A traduçãodas citações são realizadaspelo autor deste artigo.

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    INTRODUÇÃO

    A acentuada presença do Estado na eco-nomia é uma característica da eco-nomia italiana. A nível da interven-ção direta através de empresas, encontra-seuma organização do setor público sui generis,conhecido por órgãos (entes) de gestão dasparticipações estatais. A curiosidade advémda formação, da organização e do papelatribuído a esses organismos desde seu sur-gimento, há cerca de 60 anos.

    A intenção deste texto é analisar, inicial-mente, as particularidades que fizeram comque tal estrutura surgisse e se firmasse naeconomia italiana. Sem esse conhecimento épraticamente impossível a compreensão darazão da existência do sistema das partici-pações estatais (P.E.), até nossos dias, e dopapel desenvolvido por ele.

    Ao se estudar as participações estatais,busca-se verificar as características de um sis-tema onde interagem dois pólos conflitantes:a orientação pública (em última instância, asdeterminações do parlamento) e a realidadede sociedades por ações, que devem operarsegundo bases empresariais, dentro de umregime de mercado. Essas empresas são agru-padas sob um ente de gestão, isto é, um orgãode direito público que exercea função de hold-ing controladora das participações acionáriasdo Estado'.

    O desafio dessa organização é o de con-ciliar essas duas forças - pública e privada-, e, até mesmo, criar algo inovador, quetranscenda esta oposição. Averiguar até queponto isto possível é um dos fins ao sepesquisar as holdings públicas.

    Como objetivos complementares, tem-se apreocupação de apresentar o que se entendepelo sistema das P.E.,bem como registrar seuprocesso de crise e saneamento, nas décadasde 1970 e 1980, respectivamente.

    Existem, atualmente, três entes de gestãona Itália: IRI, ENI e EFIM. Este estudo seaprofundará no primeiro deles, pois: o IRI éo "símbolo" do sistema das P.E.; sem o co-nhecimento de sua formação dificilmente seentenderá este sistema; é a experiência maisrica, mais antiga, e instigante dos três grupos.Toma-se por premissa que esta simplificaçãonão trará restriçõessignificativasàs conclusõesapresentadas, até porque se fará referênciasaos demais, sempre que necessário. A pri-meira seção descreverá as causas do surgi-mento do IRI. A segunda, apresenta umesquema geral dos princípios e órgãos quenorteiam o sistema. A última seção dedica-seàs alternativas para o saneamento do grupoapós a grave crise dos anos 70, incluindo uma

    rápida análise sobre o processo de privati-zação.

    O SURGIMENTO DO IRI

    Antecedentes da intervenção estatal na ItáliaA intervenção pública sobre a atividade

    econômica, na Itália, teve sua motivação re-lacionada com a necessidade de se atenuar opotencial monopolístico de alguns setores, emespecial o de serviços públicos. Nos primeirosanos do século XX, despontava a figura da"empresa municipalizada", gerida diretamentepor um órgão do poder municipal, cujo pa-trimônio e figura jurídica lhe são semelhan-tes-. Uma intervenção no setor de seguros re-sultou na criação do INA - "Instituto Nazio-nale Assicurazione" - em 1911, onde ficouevidente a idéia do Estado como força motrizdo desenvolvimento.

    Além de uma resposta ao processo demonopolização, iniciava-se um debate acercados novos papéis do Estado em um país ondeo sistema de mercado não consegue resolveros problemas de desenvolvimento econômico.Portanto, já antes da Primeira Guerra Mun-dial, havia na Itália posicionamentos fa-voráveis à intervençãopública, sejados intelec-tuais, seja da própria burguesia italiana.

    o relacionamento entre bancos e indústrias1. Para a compreensão da crescente in-tervenção estatal em direção à indústria ita-liana, deve-se analisar, inicialmente, as práti-cas de financiamento industrial realizadas nosprimeiros decênios do Século.Sobretudo, con-siderar o funcionamento dos principais ban-cos italianos naquele período.

    O confronto armado possibilitara o desen-volvimento daqueles setores direta ou indire-tamente envolvidos na produção bélica. Aexpansão das indústrias fora financiadaatravés dos bancos de crédito ordinário. Estes,aproveitando-se da situação favorável da eco-nomia, refletida no crescimento da bolsa devalores, passaram também a ter elevada par-ticipaçãono capital das empresas às quais con-cediam os empréstimos.

    2. Tais atitudes vieram a caracterizar os ban-cos como "mistos" ou "do tipo alemão", istoé, "o banco que emprega os recursos obtidos com orecolhimento dos depósitos em operações de nãoimediata realização">; isso representou umestímulo ao desenvolvimento econômico ita-liano, naquele momento. Os depósitos à vistatomaram-se a principal fonte para o aumentoda participação acionária dos bancos nas em-presas. Além da guerra, as razões que favore-ceram o "banco misto" foram:

  • RAE HOLDINCS PÚBLICAS

    • a estrutura econômica não oferecia amplaspossibilidades ao exercício da atividade fi-nanceira pura (dado, por exemplo, a retraçãodo mercado financeiro),justificandouma espe-cialização dos bancos nesta área;• o limitado desenvolvimento do mercadoacionário e a impossibilidade de satisfatórioautofinanciamento "empurravam" a indústriaao crédito bancário;• as operações de empréstimo a longo prazoeram uma forma de equilibrar as instituiçõesde crédito, a fim de que uma eventual lucra-tividade excedente compensasse o restritovolume de negócios",

    o banco misto foi uma consequencia danecessidade de se fornecer capital de risco àsindústrias. Tal fato não apresentou maioresproblemas para a economia do país, mesmodurante o conflito militar. De fato, durante aguerra, os bancos tiveram um papel de pro-motores de iniciativas industriais. Porém, ofinal do conflito resultou numa maior ex-posição financeira das empresas, com seqüelasem praticamente todos os setores, dada acomplicada rede de endividamento existente.Tornou-se inviável, no novo cenário de ins-tabilidade econômica, inovação tecnológica ereconversão bélica, utilizar os depósitos à vis-ta como forma de suprimento de meios mo-netários para participação no capital acionáriodas empresas.

    3. A situação tornou-se mais complexa porque- e não em poucos casos - os bancos pas-saram a ser os controladores de fato das em-presas as quais financiavam. Assim, verificou-se o fenômeno do Banco controlador' deempresas.

    A crise dos setores siderúrgico, mecânico,armamentista e têxtil - que haviam susten-tado o esforço bélico - atingira o porta-fóliodo sistema bancário. A agravar esse quadro,pelo lado dos depositantes, aumentara ademanda pelo reembolso dos depósitos, emfunção do temor dos efeitos das "quebras" dasempresas coligadas aos bancos. Duas causasbásicas resultariam naquela situação:

    • a imprudência na avaliação das opor-tunidades da concessão de crédito, numperíodo de dificuldades. Na realidade, não éo tipo de empréstimo que o banco realiza quelhe dá condições satisfatórias de solvência,mas sim a dificuldade em conciliar os inte-resses de grupo com a dose necessária decompetência e prudência que a atividadebancária exige na avaliação dos riscos e po-tencialidades de uma empresa a requisitarcrédito;

    • o espírito especulativo na política de crédito,fruto da "fraternidade siamesa?" entre aindústria e os bancos. Resultou que, ao invésde a primeira preocupar-se em incrementarsua competitividade e de o segundo desvenci-lhar-se das participações acionárias, o objetivocomum de ambos foi a gestão empresarial(conjunta) voltada para a especulação nasbolsas. Por exemplo, era comum a subscriçãorecíproca do capital acionário (quando o IRlinterveio nos grandes bancos italianos, doisdeles controlavam, indiretamente através dasempresas que detinham participação acionária,94% de seu próprio capital social)".

    5.Assim, a intervenção estatal nesta realidade,antes que uma resposta, começa a delinear-secomo uma necessidade de agir sobre as con-dições de financiamento do sistema. Aindústria italiana desenvolvera-se. Todavia,sua estrutura patrimonial assentara-se sobrepilares pouco sólidos. Os próximos anos re-gistrariam a intervenção do Estado a fim detentar corrigir a disfunção financeira ecreditícia vivenciada na economia.

    As intervenções precedentes àcriação do IRI1. A característica básica destas primeirasintervenções foi a de fornecer liquidez àsempresas creditícias em crise, adquirindo, emcontrapartida, ações e créditos com valoresinferiores à quantia a ser despendida pelogoverno. Na realidade, vivenciava-se umaoperação de "salvamento", seja com a "BancadItalia?" ao nível monetário, seja com oTesouro no plano patrimonial. Após a medi-da, o governo tornava-se o responsável pelagestão dessas empresas, que se encontra-vam em situação financeira extremamentedifícil.

    Porém a principal crítica a essas in-tervenções refere-se ao fato de que a in-tervenção não liberava o banco de sua crisede imobilização,decorrente da participação nocontrole das empresas. Ao se injetar recursose sanear o porta-fólio do banco, evidenciava-se o tratamento apenas das conseqüências dacrise, não a correção das causas que a gera-vam.

    A primeira crise de um banco controladorocorreu com o Banco Italiano de Desconto, nofinal de 1921. Foi então criado, pelo governo,já em 1922, a "Seção Especial Autônoma" doConsórcio de Subvenção de Valores Indus-triais, com o objetivo de gerir participaçõesde controle que se encontravam no ativo dobanco liquidado.

    Esta primeira intervenção deveria servircomo uma "lição" aos bancos mistos, no sen-

    4. Conforme CIRILLO, A. "Lecause delle creazione deII'IRI".In: AMADEO, D. Saggi di ra-gioneria e di economia azien-dali, Milão, CEDAM, 1987.

    5. A palavra originalmenteutilizada é capogruppo.

    6. CIRILLO, A. Op.cit, p.213.

    7. Conforme SARACENO, P.Op.cit., p.420.

    8. "Banca d'ltalia" é o BancoCentral Italiano.

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    g. Os dad os desta seção fo-ram obtidos de SARACENO,P.Op. cit.

    1D. Conforme BONELLI, F."Alberto Beneduce, iI creditoindustriale e I'origine dell'lRl".In: IRI. Alberto Beneduce e ilproblemí dell'economia itali-ana dei suo tempo. RomaEdindustria, 1985.

    11. SARACENO, P. Op..cit.,p.415.

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    Quadro 1: Balanço das operações de "salvamento"

    tido de adotar critérios mais conservadores nagestão do crédito e na participação acionária.Tal '1ição" encontrou sucesso até 1925; apósaquele ano retornaram-se os procedimentosespeculativos.

    Em 1926, era criado o "Instituto de Liqui-dação", com a transferência das atribuições ea extinção da Seção Autônoma acima referi-da. O Instituto teve um fundo de dotaçãoconferido pelo Estado; porém, dada suaexigüidade, continuou a apoiar-se no BancoCentral Italiano.

    2. Para urna análise quantitativa das operaçõesde "salvamento" entre 1922 e 1932, ver qua-dro P.

    Isto é, o Estado acabou financiando cercade 80% nas operações de salvamento. O es-tado patrimonial quando o Instituto de Liqui-dação foi incorporado ao IRI, onde as perdasforam efetivamente contabilizadas. são visua-lizadas no quadro 2.

    Conforme será tratado à frente, o IRI con-siderou o ativo do Instituto em somente 282milhões de Liras, o que acresce sensivelmenteo tamanho do "rombo" financeiro.

    3. Dois personagens da intelectualídadeeconômico-financeira italiana tiveram umpapel especial no processo de intervençãoestatal: Alberto Beneduce e Donato Meni-chella.

    Alberto Beneduce pode ser considerado oprincipal defensor da "cultura da intervençãopública"!", ou seja, advogar a organização, embases empresariais, da intervenção do Estadosobre o mercado. A primeira experiência foi acriação do INA, em 1911. Nos anos 20, tiveramdiversas atividades corno gestor do créditoindustrial, em órgãos como "Consórcio deCredito para Obras Públicas", a FinanceiraBASTOGI e o "Crédito Naval". Beneduce, coma imagem de administrador competente,gozava de respeito junto aos gestores dapolítica econômica fascista, inclusive junto aopróprio Benito Mussolini. mesmo não fazendoparte dos quadros daquele partido.

    Donato Menichella participara ativamentedas operações de "salvamento", primeirodentro do Banco Central, depois na SeçãoAutônoma e no Instituto de Liquidação.

    Era natural que ambos chegassem a umareflexão comum, resultado de suas ex-periências, acerca da insustentável situação dosistema creditício dentro da realidade debancos controladores. Assim concluía-se queo desenvolvimento industrial italiano exigia areorganização dos seus mecanismos fi-nanceiros; estes, além de esgotados, traziamriscos de "quebra" para todo o sistemaeconômico.

    Segundo a tese do Prof. Pasquale Saraceno,o raciocínio dos dois gestores passava por umprocesso de três fases, para dotar o país "...deum complexo de órgãos de financiamento com acapacidade de sustentar o crescimento de um sis-tema industrial.í'Y' As três fases seriam: desi-mobilização (venda das ações das empresascontroladas) dos "bancos mistos"; uma novalegislação bancária (delimitando o papel dosbancos); criação de uma entidade de financia-

    Quadro 2: Estado patrimonial quando dofechamento do Instituto de liquidação (1932)

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    mento industrial de longo prazo, que captasserecursos de forma diversa dos depósitosbancários.

    4. A este cenário deve-se acrescentar a insta-bilidade econômica.

    Na primeira fase do governo fascista, até ametade da década, a orientação fora nitida-mente liberal. As medidas fiscais de caráterregressivo, o déficit público, a desorganizaçãosindical, possibilitaram um círculo virtuosobaseado em exportações-Iucros-investimen-tos-produtividade-exportações12•

    Com o desequilíbrio na balança depagamentos, operou-se uma revisão dessapolítica, porque se esbarrara em limites paraorientar o desenvolvimento econômico italia-no à competitividade externa. Adotou-se entãouma combinação de arrocho salarial comdesvalorização da lira, medidas que objeti-vavam sobrepujar as principais dificuldadesàs exportações. A nível interno, fez-se,também, uma opção por um papel mais ativodo Estado na economia, especialmente atravésde atividades diretas (autarchizzazione).

    A quebra da Bolsa de Valores de NovaIorque atingiu severamente a indústria e osistema financeiro italiano. Recorde-se que,estando as duas estruturas mutuamente com-prometidas, a magnitude do golpe foi sensivel-mente maior.

    Todavia, a visão tradicional que estabeleceuma relação causal entre a crise mundial e afalência do sistema produtivo italiano não cor-responde fielmente à realidade. Pode-se afir-mar que esta não gerou a crise da economiaitaliana, em especial de seu sistema fi-nanceiro; ela apenas acelerou esse processo,ao aguçar suas contradições. Rejeita-se o en-foque tradicional, pois, conforme exposto an-teriormente, evidencia-se que a magnitude dacrise foi decorrente dos mecanismos creditíciosvigentes, a sustentar uma experiência como ados bancos controladores.

    Todas as condições eram favoráveis a umaintervenção do governo, em especial às pro-postas de Beneduce e Menichella.

    5. O primeiro passo, onde Beneduce teveatuação decisiva, foi a constituição do "Insti-tuto Mobiliário Italiano" - IMI. A atribuiçãodo IMI era direcionar à atividade produtivarecursos captados através da colocação deobrigações com vencimentos a médio prazo.Algo mais radical, entretanto, estaria por vir.

    No ano de 1931, deu-se a crise definitivados grandes bancos italianos. Assim, o "BancaCommerciale Italiana" e o "Banca deI CreditoItaliano" vêm associar-se ao "Banco di Roma"(cuja quebra deu-se no ano anterior), sofrendo

    intervenção do Governo. Porém, a intervençãomantinha a estrutura do "banco misto", nãotendo caráter de desimobilização, mas sim dereorganização interna das participaçõesdaqueles grupos em sociedades financeiras.

    Portanto, esta segunda grande intervençãonão trouxera (ainda) contribuição significativaao saneamento do sistema. Por isso, em janeirode 1933, criava-se o Istituto per la Ricons-truzione Industriale - IRI -, com duasseções: financiamento e desimobilização. Pro-curava-se, assim, reorganizar os sistemas pro-dutivo e financeiro italiano.

    o IRI: de provisório a um órgão efetivo1. O IRI foi constituído em janeiro de 1933,com o objetivo básico de liquidar os três gran-des bancos "controladores" (Bancode CréditoItaliano, Banco de Roma, Banco ComercialItaliano). A presidência foi conferida a AlbertoBeneduce e a direção geral a Donato Meni-chella. A criação do IRI foi uma inovação emtermos de intervenção pública, totalmente di-ferenciada das operações anteriores de sal-vamento das empresas.

    O salto qualitativo é justificado no própriotexto da lei que constituiu o IRI, a qual es-tabelece como atribuição do mesmo: "procederparticularmente à reorganização técnica, econômicae financeira da atividade industrial do país". Nãoobstante a crise creditícia e financeira ter sidoa motivadora de sua criação, o objetivo daatividade do IRI é voltado para o "futuro daindústria" e seu desenvolvimento.

    Uma segunda diferença dá-se devido àtransferência ao órgão de todas as partici-pações de controle das empresas em poderdaqueles bancos, não somente daquelas queregistrassem prejuízo, conforme procedimentoanteriormente adotado.

    Finalmente, o IRI, para encerrar a ex-periência dos bancos controladores, não for-nece liquidez ao sistema, ou seja, saneia osdébitos internamente, sem recorrer ao BancoCentral.

    A tarefa do IRI, naquele momento, podeser resumida em:

    a) Reconstituição do capital dos três bancosem questão. Isso aconteceu com a Convençãode 1934. A premissa deste acordo foi que ogoverno adotaria todos os procedimentosnecessários ao saneamento (cobertura dasperdas e reequilíbrio econômico), e os bancoslimitariam sua atuação ao crédito ordinário -abandonando o investimento no controle deempresas. Resultado:

    • todas as participações acionárias foram re-passadas ao IRI; o pagamento aconteceria em

    12. Conforme CIOCCA, P."L'economia italiana nel con-testo internazionale". In:CIOCCA, P. & TONIOLO, G.L 'economia italiana nel peti-odo fascita, Bolonha, IIMulino, 1976.

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    13. Conforme SARACENQ, P.Op.cít., p.437, inclusive o ci-tado ajuste no valor dos ati-vos contabilizados pelo Insti-tuto de Liquidação (IL).

    14. Idem, ibidem, p.418.

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    Quadro 3: Situação patrimonial do IRI no ato de constituição (milhões de liras)

    c) fundo de risco -458 Débito juntoDisponibilidades 395 aos três bancos 9694Subtotal 10585

    Patrimônio descoberto 5467

    Total 16052 Tntal 16'052

    vinte anos, a partir de 1934;• ao crédito do banco, era reconhecida umataxa de juros de 4% ao ano.

    Assim a operação resumiu-se à trans-ferência de 12.034milhões de liras em créditoacionário ao IRI, juntamente com um débitode 2.340milhões de liras. Restava junto ao IRIU111 saldo credor, em relação aos três bancos,de 9.694milhões de liras.

    Apesar de a operação ser aparentementefavorável ao IRI, os bancos, já no exercício de1934, apresentavam condições de normali-zação de suas operações.

    A situação patrimonial do órgão ao finaldessa operação, conforme alguns ajustesrealizados pelo Prof. Saraceno", pode ser vi-sualizada no quadro 3.

    Conclui-se que o IRI ainda apresentava umdescoberto de cerca de 30% de seu capital.Para uma idéia dos valores envolvidos, deve-se mencionar que essas transações financeirasequivaleriam, em montante, a cerca de 40%dos meios monetários em circulação.

    b) Regulação do relacionamento com o BancoCentral Italiano, e a cobertura das perdas rele-gadas ao IRI. Este último comprometeu-se areembolsar 1650milhões de liras até 1936.Odébito restante (4708 milhões de liras) serialiquidado até o ano de 1971.

    Após a complicada regulação dos compro-missos, o principal resultado obtido foi adiminuição da incerteza com relação à liqui-dação do sistema industrial e creditício italia-

    no. Os reflexos positivos atingem inclusive oIRI, que, já em 1936,consegue melhorar a suasituação financeira, reduzindo o descobertopatrimonial em mais da metade.

    2. As participações acionáriasprovenientes dosbancos eram sujeitas à desimobilização, mastambém a investimentos. Disto decorre que aorientação recebida pelo IRI vinha assim sin-tetizada:

    • o principal objetivo da intervenção era liqui-dar com os bancos controladores;• não havia nem um objetivo de estatização,nem se poderia fazer com que o setor privadoreabsorvesse todas as participações, mesmocom a retomada do crescimento da economiaapós 1933.A total desimobilização não ocor-reu porque, via de regra, nos setores de maiorrisco, não se encontrava capital privado dis-posto ao investimento. E o caso da construçãonaval, da siderúrgica e da navegação. Outrossetores, de maiores possibilidades econômicas,como serviços telefônicos e eletricidade, alémdos bancos, não foram colocados à venda pororientação política. Nas palavras do Prof.Saraceno " ...enfim, é a não-desimooitização e nãoa desimobilização que requer uma justificativa"14•

    O IR! investiu nos setores estratégicos, de1933 a 1939, cerca de 2932 milhões de liras,liquidando 4673 milhões de liras dos outrossetores (ver quadro 4).

    Esse direcionamento piorou a qualidade dopatrimônio acionário do IRI, na medida emque este se desfez de alguns setores de maiorlucratividade a curto prazo. Note-se, porém,

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    Quadro 4: Investimento (+) e Desimobilização (-) Líquida -1933-1939 (milhões de liras)

    Mecânico + 228

    Siderúgico + 417

    Naval + 770

    Subtotal + 1415

    Bancário e Financeiro -173

    Telefônico + 311

    Elétrico -1419

    Subtotal - 1281

    que o IRI passou a assumir um papel de ins-trumento público de política industrial. Haviauma clara inclinação dos gestores do IRI paraque se preenchesse a lacuna de capital decomando (e mesmo de capital humano) daindústria italiana, através do desenvolvimentodo órgão. Teria sido esta uma das principaisjustificativas da sobrevivência do IRI. Ao fi-nal, a incumbência de gerir empresas emsetores tão importantes teria suas compensões,à medida que proporcionava um novo instru-mento ao Estado.

    3. Procedida a liquidação do total devido aostrês bancos e à regulação do relacionamentocom o "Banca D'Italia", voltava-se à regu-lamentação do "novo" sistema creditício. Osaspectos maléficos da experiência dos bancos"controladores" mostraram-se bastanteproblemáticos para serem repetidos.

    O consenso a que se chegou, tendo o IRI eo Banco Central como inspiradores, pode serassim resumido: o sistema bancário italianoseria constituído de ''bancos mistos", agoradenominados ''bancos de crédito ordinário".O risco de que estes se transformassem embancos "controladores" foram evitados comduas medidas: a lei bancária de 1936, comrigorosa regulamentação ao funcionamentodos bancos, e o fato dos três grandes bancosserem declarados de "interesse nacional",permanecendo dentro da estrutura do IRIls.

    Faltavam as definições com relação aosmecanismos de financiamento de médio elongo prazo. A seção de financiamento do IRIteve uma atividade relativamente discreta,

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    porque desenvolvia função estranha ao papeldo Instituto (muito mais de gestor do que definanciador), tanto que, no ano de 1936, ela éextinta. Suas atribuições são absorvidas peloIMI, entidade concebida com o intuito deaumentar a oferta de recursos ao sistema pro-dutivo.

    Finalmente, em janeiro de 1937,o IRI deixade ser uma entidade provisória, assumindocaráter permanente. A primeira fase do IRI seencerra com a consolidação da holding públicae da empresa com participação estatal, ummodelo de industrialização que será estudadona próxima seção.

    Algumas reflexões sobre o surgimentodo IRI1. A radical intervenção pública realizadasobre o sistema econômico italiano nas pri-meiras décadas do século XX,e que culminouna constituição do IRI, leva a uma reflexãoacerca da pré-estruturação ou não de ummodelo de intervenção pelos seus protagonis-tas.

    Para a resposta, é necessária uma expli-cação. A narrativa realizada dá-se em grandeparte segundo a visão do mais famoso teóricoe gestor do IRI,o Prof. Pasquale Saraceno. Sejapor sua experiência adquirida no IRI desde asua fundação, seja pela consulta "obrigatória"à sua produção teórica, ele é ponto dereferência a qualquer avaliação do sistema dasparticipações estatais. A descrição realizadanesta seção assemelha-se à sua tese, ou seja,que os dirigentes - na realidade também os"pais" do IRI - dispunham de uma precon-

    15. Este trabalho encerra umaabordagem mais aprofundadado setor bancário do IRI. Defato a sua gestão, daí para afrente, teve caráter menosproblemático, se comparadoao setor industrial. A leibancária em questão trouxe aestabilidade ao sistemacreditício italiano, o que foi ex-tremamente funcional nasdécadas seguintes. No futuro,Porém, a intocabilidade destalei resultou num sistemabancário fechado e ineficiente.

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    16. SARACENO, P. "L'in-tervento dell'IRI per lo smobil-izzo delle Grandi Banchi:1933-1936". In: IRI. Op.cit., p.132.

    17. Conforme VACCA, S. L'at-tualità dei pensiero di PasqualeSaraceno in tema di imprese apartecipazione statale. Univer-sità di Urbino, "Relazione aiconvegno: Le participazionistatali, sono ancora um mo-dello da discutere?", Urbino,1988.

    18. Conforme CAFFERATA,R.& VACCA, S. Una revisitazionedei penstero di PasqualeSaraceno alia luce di alcuniproblemi di adattamento dellestrategie delle imprese a Par-tecipazioni Statali. Urbino, en-saio, Università degli Studi diUrbino, 1988.

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    cepção teórica de como intervir para sanear osistema creditício e desenvolver a indústriaitaliana.

    Com relação ao resultado obtido, consubs-tanciado no IR!,descreve: "Não possuimos docu-mento, ao menos ao que toca a este que escreve,que nos digam que esta concepção de intervençãofosse acompanhada da idéia de fazer surgir comoresultado da desimobilização uma 'holding' públicade natureza permanente, com as características dasquais se trata quando nos referimos à fórmulaIRI"16.

    Sabia-se ser improvável a total liquidaçãodas participações, e, portanto, alguma desti-nação teria de ser dada às empresas remanes-centes, no âmbito do Estado. Todavia, em re-lação à estruturação do IR!, parece evidenteque o modelo do órgão é uma função do prag-matismo daqueles que representavam a elitedirigente daquela época. Em outras palavras,o modelo IR! é tipicamente ex-post".

    2. Uma segunda indagação refere-se ao en-tendimento da relação entre o Estado fascistae aqueles protagonistas (em geral não simpa-tizantes do partido fascista), ou seja, os víncu-los ideológicos da experiência. Não sendoobjeto deste estudo aprofundar esse aspecto,relata-se apenas duas abordagens principais.

    Uma abordagem "positiva" faz referênciaà absoluta necessidade da intervençãoeconômica, e da sua execução via uma buro-cracia "weberiana", mesmo que independentedos quadros fascistas. A continuidade daestrutura do IRI até nossos dias demonstrariaa não possibilidade de visualizá-lo apenascomo uma instituição típica do fascismo. Res-salta-se que o objetivo da criação do IR! e suaatuação posterior não foram direcionados àestatização ou à planificação econômica, masgestão de empresas em regime de mercado.

    A abordagem crítica parte da premissa deque o Estado fascista não é diferente do Es-tado capitalista, no sentido econômico, tendoem vista que ambos garantem a acumulaçãode capital pelo setor privado. Assim, consi-dera-se o surgimento do IR! como uma formade socorro ao setor privado italiano, visandoà garantia do sistema industrial.

    A continuidade da narrativa evitará polêmi-cas de ordem ideológica, até porque esta éinconclusiva. Considerando os objetivos doartigo, dá-se preferência ao enfoque descritoinicialmente.

    o MODELO DO SISTEMA DAS PARTICIPAÇÕESESTATAIS

    1. Algumas premissas devem ser firmadasantes de se falar de um "modelo" para a

    gestão das participações estatais. Novamentevolta-se ao pensamento de Pasquale Saraceno,que teve uma condição singular para estabe-lecer um referencial de análise concomitante-mente à vivência profissional no Instituto.Remetendo-se à discussão anterior, tem-se porpremissa que o presente modelo é fruto deuma teorização ex-post, condicionada his-toricamente".

    A obra do autor em referência não se en-quadra na categoria "liberal", devido ao pa-pel de coordenação e propulsão atribuído aoEstado, sendo Saraceno um defensor abertoda "economia mista". Porém, não se encontraem sua teoria uma postura perfeitamente"keynesiana". Saraceno vê como função doEstado, ao invés do papel anticíclico em re-lação às flutuações da demanda agregada, arealização de um fluxo de investimento dife-renciado, tendo por objetivo impulsionar ossetores "débeis" do sistema econômico.

    Ainda é interessante analisar o pensamentode Saraceno à luz da economia industrial. Asua defesa da poli-setorialidade, da holdingdiversificada com estatégia conjunta, é umaantecipação da teoria que apontava o cresci-mento da empresa como função da capacidadede autofinanciamento, mediante a diversifi-cação. Isto dimensiona o IR! como uma enti-dade envolvida pelas manifestações teóricascontemporâneas.

    Por outro lado, o IR! teria ainda uma função"nobre": a formação de quadros gerenciais dealto nível, tanto para o setor público, comopara o setor privado. As empresas em questãodeveriam ser "focos irradia dores" de em-presários.

    2. O modelo é voltado para empresas quepossam ser inseridas em regime de mercadoem situação de concorrência, ao invés deempresas que desenvolvem serviços de utili-dade pública. Assim, há uma diferença básicacom relação à estatização vivenciada nosdemais países europeus, passo decisivo den-tro da consolidação da social democracia, poreste último privilegiar a intervenção públicanos chamados "monopólios naturais" (ener-gia elétrica, gás, telecomunicações etc.).

    A palavra-chave nas participações estataisé empreendimento. A intervenção através dasparticipações estatais jamais deveria ocorrerpara alterar as regras da concorrência, mas,pelo contrário, para agir dentro das condiçõesdo mercado, com a visão particular do entepúblico.

    Dentro dessas premissas, chega-se ao"modelo Saraceno", cujo propósito é definiros principais conceitos que constituem as hold-ings de participações públicas.

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    3. Ao se mencionar a palavra "participação",faz-se. referência à posição de uma pessoafísica ou jurídica em relação ao capital decontrole de uma empresa (sociedadeanônima). Se esta relação se manifesta emposição majoritária, verifica-se uma situaçãode controle. O controle ocorre através daimposição dos objetivos desejados pelo pri-meiro à empresa. Qual seria a diferença básicade uma sociedade cujo controlador é o Estado?

    Se um organismo público detém o controlede uma empresa, em especial no caso do sis-tema em análise, tem-se objetivos diferen-ciados, que levam em consideração outrosaspectos, em geral estranhos aos critérios deavaliação "privados". No presente modelo, talcontrole deverá levar a empresa a um desen-volvimento equilfbrado!". Isto é, o desen-volvimento que é resultado de uma avaliaçãodos objetivos empresariais ao nível político,que podem, inclusive, mostrar-se contra-ditórios com o desempenho financeiro e a efi-ciência interna.

    Como exemplo, a imposição de investimen-tos em determinadas regiões ou setores. Oconceito de desenvolvimento equilibrado nãoé de determinação precisa, e é mutável notempo. Fundamental é entender que o dire-cionamento daquilo que constitui o equilíbriovem da instância política.

    4. Após a Segunda Guerra Mundial, foi cons-tituída a ENI - Ente Nazionali Idrocarburi-, em 1953,uma segunda holding das partici-pações estatais, para atuar na extração e dis-tribuição de petróleo e derivados. Introduzia-se o princípio da multiplicidade dos entes degestão, princípio reforçado com a criação, em1962, da EFIM - Ente Patecipazioni e Fi-nanziamenti Industrie Manufaturiere -,objetivando esta última a atuação nos setoresmecânicos e siderúrgico, através de empresasremanescentes em um fundo para a recons-trução pós-bélica.

    A principal diferença desses dois novosorganismos é que sintetizam uma opção deintervenção de forma consciente, adotada pelogoverno, não mais como uma solução para umproblema herdado. Com relação à ENI, dadasua criação com fortes características mono-setoriais, fica evidenciada a contradição emrelação à "fórmula-IRI".

    A fim de estabelecer a necessária coerênciaem seu modelo, afirma: "os dois novos entesENI e EFIM nascidos de um impulso definiti-vamente mono-setorial desenvolveram-se rapida-mente em sentido poli-eetoríai">, que atestaria oenquadramento semelhante à "fórmula-IRI",ao respeitar a diversificação.

    A fortalecer essa visão, há o fato de a

    criação da holding do setor elétrico italiano(ENEL)não obedecer à fórmula "participaçõesestatais", devido à sua atuação claramentemono-setorial, em um típico setor de serviçospúblicos. Outros entes de participações esta-tais foram também criados, mas dado seucaráter efêmero, podem ser considerados ir-relevantes.

    Tem-se, portanto, o princípio da .poli-seto-rialidade, associado à multiplicidade de enti-dades de gestão, isto é, convivem dentro dosistema vários órgãos, com porta-fólio diver-sificado. A contradição se manifesta muitasvezes na falta de critérios para a repartiçãode setores entre os órgãos em questão. Asconstantes alterações em suas estruturas vêma demonstrar esse problema.

    5. Em 1956, dá-se, através de lei, a estrutu-ração do sistema das P.E., cujas principaisdisposições eram:

    • Todas as participações acionárias passariamao controle de institutos de direito públicodenominados "Entes de Gestão", sendo queestes se situariam sob a orientação do Minis-tério das Participações Estatais;• Os entes de gestão foram colocados sob ocontrole de um comité interministerial perma-nente (no início o CIPE - Comité Interminis-terial para a Programação Econômica, poste-riormente, o CIPI - Comité Interministerialpara a Política Industrial);• A atividade dos entes deve pautar-se peloscritérios de economicidade.

    As empresas com participação estatal pas-sam a sofrer controle também dos comités.Estes últimos são mediadores:• das solicitações dos ministros às empresas;• da política financeira do ministério dafazenda;• das solicitações colocadas pelos dirigentesdas empresas.

    Portanto, o Comité é o foro de confrontaçãodas exigências dos diversos níveis de decisãodo sistema. De um lado, há uma entidade queresponde pelos recursos disponíveis, escolhados gerentes, eficácia das diretivas e dos re-sultados, e, do outro, um comité que visa afornecer diretrizes duradouras. Entre eles,entretanto, há ainda o ministério das partici-pações estatais, que não está perfeitamenteassociado às ameaças empresariais, estandosujeito, isto sim, a incerteza de naturezapolítica.

    6. Internamente, os grupos são dotados de fi-nanceiras de setor, ou seja, tem-se o agru-

    19. SARACENO, P. "11 mo-dello-Saraceno". In: CAFFE-RATA, R. Op.cit., p.95.

    20. Idem, ibidem, p. 98.

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    21. O conceito de economi-cidade é referência constantena literatura econômica italia-na. Não obstante apontar a di-ficuldade da conceituação da"economicidade", escreveBorgonovi, utilizando Mazzini:" ... o desenvolvimento dagestão... 'sem a cobertura dosdéficits de exercício, a menosque esta seja a fórmula an-tecipada na realização dos finsintitucionais '... a empresapública enquadra-se nosegundo caso". BORGONOVI,E. "L'equilibrio economico emonetario: una sintese deipunto di vista aziendalistico".In: CAFFERATA, R. Op.cit.,p.237.

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    pamento de empresas de um mesmo setor oucoligadas, vinculadas a uma sub-holding. Aentidade delega a esta a tarefa de direciona-mento e de controle. As financeiras controlamas empresas, que se denominam sociedadesoperativas. Algumas empresas podem estardiretamente vinculadas ao ente de gestão.Deve-se mencionar que essa estrutura (hold-ing-financeira do setor-empresas), é a es-trutura típica dos grandes grupos industriais.

    O ente de gestão desenvolve suasatribuições procedendo à nomeação dos con-selheiros e dos administradores, além de for-necer as diretrizes e autorizações às sociedadescontroladas (especialmente na formulação dosprogramas e na revisão do balanço).

    7. Os entes de gestão das P.E. movem-seatravés de dois impulsos diversos: o direcio-namento político - objetivos colocados pelogoverno - e a maximização da rentabilidade- o que impulsiona uma empresa atuandoem regime de mercado. Conciliar essas duasposições é, no presente caso, perseguir a eco-nomicidade. Isto é, perseguir da maneira maiseconômica possível seus objetivos, encon-trando condições de sobrevivência a longoprazo".

    8. Porém, as forças que impulsionam o mo-

    delo decisional da empresa vêm a causar-lhedeturpações que, em geral, resultam em sa-crifícios econômicos. Faz-se referência à ori-entação oriunda do ente político, que muitasvezes opõe-se à alternativa mais econômica.

    A inovação da fórmula-IRI está em encarara ação do ente político como "despesa públicaindireta", ou ônus impróprio à gestão daquelaatividade. São impróprios porque a açãopública levaria ao fracasso na atuação emconcorrência com outras empresas. Estaempresa encontra-se operando em um regimeonde as vantagens são obtidas justamenteatravés da escolha da melhor alternativa emtermos econômicos. Como resolver estacontradição, sem quebrar a essência do mo-delo?

    Resumidamente, fazendo com que o Estadoassuma as despesas excedentes às quais forçaa holding a se submeter. Assim, o Tesouro com-pensaria os "ônus impróprios" que impõemàs empresas em questão. Em termos estáticos,o equilíbrio do modelo acontece no ponto emque o montante de custos excedentes nos quaisa empresa incorre seja igual à remuneraçãoproporcionada pelo fundo de dotação que oTesouro outrora destinara à capitalização daempresa. Em outros termos, poder-se-ia dizerque a empresa pode suportar, no máximo,custos impróprios equivalentes aos dividen-

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    dos calculados sobre seu capital social.Na realidade, o fundo de dotação é o

    equivalente ao capital social. Portanto, as exi-gências do Estado seriam justificadas até onível em que os "ônus impróprios" se igualas-sem ao "custo oportunidade" do capital desti-nado pelo primeiro à constituição do órgão(em outras palavras, este permuta o retornosobre o capital pelo investimento socialmenteorientado).

    Seria possível, então, o inédito equilíbrioentre ação pública e mercado. Havendo aigualdade entre dividendos não distribuídose ônus impróprios, seria viabilizada a coexis-tência de empresas públicas com objetivosdiferenciados, numa economia capitalista.

    9. Em 1977, é constituída uma Comissão Bi-cameral que atua em consonância com osComités Interministeriais, e que simbolizam ocontrole do parlamento sobre os entes, forne-cendo pareceres sobre os programas, fundode dotação e a nomeação dos presidentes.

    A nível sindical, as empresas do sistemaarticulam-se em entidades industriais diferen-tes das empresas privadas: INTERSIND (IRIe EFIM)e ASAP (ENI).

    Assim sendo, a Itália passou a desfrutar deum instrumento de intervenção na políticaindustrial que poucos governos, tanto em ter-mos quantitativos quanto qualitativos, obti-veram.

    A CRISE DO SISTEMA DAS PARTICIPAÇÕESESTATAIS

    1. Consagrou-se, na constituição italiana dopós-guerra, a "economia mista", isto é, umsistema econômico onde convivem entidadesde origem estatal e privada. A expansão pos-terior da economia é seguida por uma ex-pansão do setor público, com predominânciado instrumento participações estatais.

    Até 1950, o IRI tem uma tarefa eminente-mente reconstrutora. Em seguida, já comnovos órgãos de gestão de participações, aque-las entidades firmam-se como importantesgrupos industriais italianos, com papel rele-vante no desenvolvimento que a economiavivenciou, em especial nos setores de base.Estava em prática um modelo de industriali-zação que representava: "...a reação do governodentro de um sistema de economia de mercado, àsdificuldades crescentes ao início de um processo deindustrialização'P,

    Parece ser unânime o julgamento positivosobre as atividades das P.E. até pouco maisda metade dos anos 60. Em especial, destaca-se o que Saraceno descreve como um "quartomodelo de industrialização", fazendo-se

    referência à atuação dessas empresas na regiãomeridional da Itália (mezzogiorno), ou seja, oinvestimento em áreas subdesenvolvidas epouco industrializadas. O objetivo desse in-vestimento foi o de afrontar o problema dasáreas onde o capital produtivo não cria con-dições para a adequada utilização da força detrabalho existente".

    Completamente oposta, entretanto, é aavaliação que se faz das P.E. nos anos sub-seqüentes. De fato, esta é extremamente ne-gativa nos anos 70, onde se registra umpéssimo resultado da gestão do sistema. Pre-tende-se, a seguir, realizar a análise de algunsdos fatores que levaram a sociedade italianaà "desconfiança"?' com relação às holdings departicipações públicas.

    A crise dos anos 701. A década de 70 compreende uma crisemundial que conclui, na Itália, um cicloeconômico de desenvolvimento acelerado,conhecido por "primeiro milagre italiano".Como problemas enfrentados por todos osagentes econômicos, encontram-se:

    • a elevação dos salários devido à escassezde mão-de-obra;• a capitalização crescente, que faz com queos custos de imobilização se tornem elevados,dificultando as economias de escala;• o aumento dos preços das matérias primase das fontes de energia, após a crise dopetróleo, que faz desabar a ilusão da possi-bilidade de se conseguir quantidades infini-tas de matéria-prima, a preços constantes;• o início do processo de deslocamento dademanda industrial para os serviços".

    2. Os anos 70 registram a "queda de perfor-mance" das empresas públicas, em especial dosistema de participações estatais. Sinte-ticamente, pode-se dizer que esta queda, anível estratégico/empresarial, está associadaà colocação de três objetivos prioritários aessas empresas, cuja incongruência será elu-cidada a seguir. Os objetivos eram: inves-timento, nível de emprego e obtenção de re-sultado econômico positivo.

    A década de 70 coincide ainda com umperíodo clássico de "estagflação" no mundodesenvolvido, e particularmente na Itália. Oajustamento por que passaram as empresasprivadas envolvia a redução no número deempregados, nos investimentos e na produção,além da reestruturação tecnológica. Omovimento das P.E. foi exatamente em sen-tido oposto:• a ocupação dentro do sistema, entre 1969 e1974, aumenta em 64% (com destaque espe-

    22. SARACENO, P. "DonatoMenichella e I'IRI". Op.cit., pp.419-20.

    23. Para uma análise da in-tervenção até este período,sugere-se ALLEN, K. "Re-gional Intervention". In: HOL-LAND, S. The State as Entre-preneur, Oxford, Wendenfeld/Nicolson, 1972. -

    24. O termo é de BOGNETII,G. "11 sistema delle participazi-one statali negli anni 70". In:BOGNETII, G. & GERELLI, E.La crise delle participazioneStatali: Mottivi e Prospetive.Milão, Franco Angelli Editore,1981, p.16.

    25. Conforme VESPERINI, G.La riforma delle ParticipazioniStatale. Milão, Ciriec 65, 1985.

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    26. Idem, ibidem, p. 19.

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    cial ao IRI).No qüinqüênio sucessivo, os níveisde emprego foram mantidos estáveis.• registrou-se, nos primeiros anos da década,um colossal esforço de investimentos, queregistram retração (em valores constantes)após 1974.

    Tais empresas passavam a assumir um pesoainda maior naquele sistema produtivo ita-liano. E questionável, porém, se seria este omomento mais adequado para se investir eaumentar a oferta de emprego, pois a de-manda agregada despencava.

    Os resultados econômicos foram modestos,piorando sensivelmente ao longo do tempo,evidenciando o erro em se ampliar a ca-pacidade produtiva e de emprego. O esforçorealizado pelo sistema foi obtido a altíssimoscustos, que em breve viriam pesar seriamentesobre o equilíbrio econômico-financeiro dasempresas e, em conseqüência, de todo o setorpúblico italiano.

    3. As explicações das origens da crise coin-cidem com as dificuldades econômicas etambém com a crise das grandes empresas.Destaca-se:

    • o já citado acelerado desenvolvimento dasempresas do sistema de participações estataisnos primeiros anos da década de 70, simulta-neamente à redução da atividade econômica;• o peso sob o complexo das holdings públi-cas de setores cujos preços e demanda des-pencavam no mercado externo, cujo casotípico é a siderurgia;• a realização de operações de "salvamento"de empresas em dificuldades financeiras, sobo argumento de manutenção do emprego;• a sobreposição de vários objetivos aos di-rigentes dessas empresas, que acaba por re-sultar, na prática, na incapacidade de avaliaçãoda eficiência de gestão, e, conseqüentemente,a desresponsabilização do corpo diretivo;• a maturação da teoria "segundo a qual osinvestimenos das empresas com participações esta-tais deveriam absorver também as funções de ins-trumento de política anti-ciclica"?", que resultouna gestão das empresas com critérios nãocondizentes com os princípios de sobre-vivência no mercado.

    Disso decorre a interpretação do sistemacomo "amortizador" da economia em situa-ções de crise. Perspectiva conveniente doponto de vista político acaba por levar asempresas à completa dissociação de ajus-tamentos de ordem microeconômica.

    Nos quadros do modelo abordado anteri-ormente, o rompimento do "equilíbrio" vem

    a apresentar um agravante no nível gerencial,definido como uma desmotivação empreen-dedora. As empresas com P.E. são vítimas, emgrau mais elevado, de um perfil "burocrático"(próprio da administração direta) e do fisiolo-gismo e loteamento dos seus cargos de di-reção. A crescente "feudalização" dessasempresas - já vivenciada desde o nascimentodo sistema das P.E. - é um processo que levaà avaliação dos dirigentes não somente pelosresultados produtivos ou financeiros obtidos,mas à sua fidelidade à instância partidária ouao grupo político que o indicou.

    4. O desequilíbrio financeiro das empresas semanifestava de forma dinâmica. A cada ano,as empresas têm necessidade do "socorro" doTesouro, cujo significado, em outros termos,era a exigência de aumento do fundo de do-tação. Tal fato não ocorre apenas devido aos"ônus impróprios", portanto, o fundo de do-tação passa a caracterizar-se como uma sub-venção estatal a fundo perdido. O conceito de"ônus impróprio" tornara-se a incansável jus-tificativa dos dirigentes para esconder a inefi-ciência empresarial, sem que desta se possaseparar os obstáculos à gestão, impostos àsempresas.

    A obtenção de recursos via endividamentoou capitalização, junto a bancos ou a novosinvestidores (via aumento de capital) ficarádificultada pelo risco envolvido. Conse-qüentemente, com a maior debilidade fi-nanceira, diminui a independência dos geren-tes dessas empresas no relacionamento com ogoverno e o parlamento. Para a cobertura dasnecessidades de financiamento, restava so-mente o recurso ao aumento do fundo de do-tação.

    5. A gravidade dos abalos sob os alicercesfinanceiros, gerenciais e estratégicos acaba pormodificar a "filosofia" das empresas, que foidescrita dentro do "modelo Saraceno". A prin-cipal novidade é que as empresas, ao contráriodo papel dinâmico/empreendedor exercidoanteriormente, passam a assemelhar-se a pa-drões de gestões das empresas de serviçospúblicos ou da administração direta, inclusivena busca de finalidades sociais e/ ou distribu-tivas. A crise de identidade foi inevitável.

    Era evidente que o sistema necessitava deuma profunda reformulação.

    Propostas ao nível das instituições1. As discussões de ordem institucional sobreos rumos a serem definidos para as empresasdo sistema de participações estatais ganharamforça à medida que a crise atingiu níveis in-suportáveis para o Tesouro italiano.

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    A nível do ministério das participações es-tatais a "RelaçãoLombardi" e o "Relatório DeMichielis" assumem importantes abordagensdo ponto de vista financeiro. A preocupaçãocom a pressão sob o Tesouro é claramentepresente.

    O segundo relatório particulariza a neces-sidade de estratégias diferenciadas de finan-ciamento para: recapitalização das empresas,compensação dos "ônus impróprios" e recur-sos para a retomada dos investimentos.

    2. A "Relação Amato" procurou acentuar anecessidade da recuperação das participaçõesestatais sob o signo de maior fisionomia em-presarial, ou seja, privilegiando como in-cumbência dos dirigentes a apresentação deresultados econômicospositivos. Do contrário,o modelo participações estatais deveria serabandonado, a favor de uma nova forma deorganização.

    Tem-se novamente como pré-requisito adefinição das necessidades financeiras (inclu-sive para saneamento) e a reabsorção clara dos"ônus impróprios". Somente dessa maneiraseria possível proceder a uma corretaavaliaçãodo desempenho da holding e das em-presas subordinadas.

    A revitalização das empresas departicipações estatais

    O decênio de 1980 registra a recuperaçãoda credibilidade do sistema de participaçõesestatais. Especialmente no IRI, aquele quesofrera os maiores problemas no decênio pre-cedente, o saneamento obtido na gestão doProf.RomanoProdi, restabeleceuma realidadeempresarial ao grupo. Na metade da década,obtém-se o retorno a uma situação deequilíbrio financeiro.

    Numa breve exposição, as modificações noIRI vieram com:

    • a rediscussão das diretrizes do Estado, quepassam a ser definidas cada vez mais do pontode vista de gestão das empresas em termosde eficiência econômica. Por exemplo, comrelação aos antigos dogmas, são realizadosgrandes cortes de pessoal (majoritariamente,nos setores em crise) e são extintos os percen-tuais mínimos para investimentos no mez-zogiono;• a procura de uma reinserção das empresasno cenário competitivo nacional e inter-nacional, buscando padrões de produtividadee eficiência das empresas privadas, além deatuação nos setores de tecnologia de ponta;• a recuperação do planejamento estratégicoa nível do grupo, visando à atuação em ter-mos de estratégias comuns que permitam

    maior coesão às políticas implementadas,acentuando o papel coordenador da holding;• a interessante experiência de um protocoloassinado entre o IRI e as confederações sindi-cais, onde se propunham objetivos comuns eprocedimentos para o saneamento das empre-sas e definição de políticas de emprego e tra-balho, a partir de total abertura das infor-mações da gestão aos empregados".

    A Privatização1. A privatização na Itália deve ser entendidade forma totalmente diversa da verificada naInglaterra, por exemplo. Seu "corolário" nãodeve ser buscado na teoria neoliberal,de plenaconfiança nos mecanismos de mercado. No-vamente, recorre-se à palavra "pragmatismo"para abordar a desestatização. Deve ser sali-entado, ainda comparando-se com a ex-periência inglesa - cujo maior desafio foi aexperiência de privatização de empresas deserviços públicos, anteriormente objeto deestatização -, que tais empresas não fazemparte do sistema de participações estatais(exceçãofeita à Telecomunicação).

    A idéia de um "rearranjo" do sistema departicipações estatais é aquela que deve per-manecer. Tal conclusão é decorrente do fatode que a venda de uma empresa não envolveuma diminuição substancial do papel do sis-tema, isto é, os níveis de investimento sãopreservados, com a realocação dos recursosobtidos.

    Portanto, a razão prevalecente para a vendadas empresas é de natureza financeira, ou seja,objetivando solucionar os problemas de endi-vidamento e capitalização do grupo. A nívelestratégico, pode-se buscar o interesse do IRIemdefinir um novo plano de atuação.

    E possível apontar quatro tipos de privati-zação realizadas:

    • venda de uma empresa "marginal" (de pe-queno porte);• reorganização dos setores produtivos ondea presença pública não é mais necessária, nemdesejada;• venda das ações, sem a perda do controle(aumentando o capital líquido para investirem outras empresas);• desregulamentação de mercados.

    Talvez as duas últimas formas, num sen-tido mais restrito, não seriam consideradascomo privatização.

    De fato no IRI tem-se a experiência da"semi-privatização", onde se diminui a par-ticipação acionária em setores superavitários- sem perda de controle -, para o sanea-mento de setores deficitários (ou seja, side-

    27. Conforme "NUOVE proce-dure di consultazione ... : ilprotocolo d'intesa tra IRI,CGIL, CISL, UIL". In: CAFFE-RATIA, R. Op.cit.

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    rúrgico, naval, construção civil). Por exemplo,entre 1980 e 1986, a participação do IRI emrelação aos investidores privados reduziu-se,especificamente nos setores bancário, decrédito e em empresas como Alitalia, Sip (tele-fones) e Aeritalia (aeronáutico). O quadro 5fornece um painel quantitativo do processo,até 1988.

    2. O cenário da privatização é bastante con-fuso, decorrência do fato de que as atribuiçõesdas diversas instâncias de poder não são bemdefinidas. Registraram-se, curiosamente, casosde não-privatização (como o "caso SME", aholding dos setores alimentares do grupo IRI)mais conhecidos do que muitos finalizados sa-tisfatoriamente.

    As empresas mais importantes objeto deprivatização foram a Alfa-Romeo (vendida àFiat) e o Mediobanca, onde o controle dó IRIreduziu-se a 25%,porém com o mesmo poderde controle que outrora detinha.

    Como restrições à privatização, deve-serecordar a existência de pouco capital comdisposição ou possibilidade para investir naaquisição de uma empresa, dentro de ummercado financeiro e mobiliário ainda inci-piente (relativamente ao grau de desen-volvimento da economia italiana).

    Deve-se lembrar ainda da necessidade de

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    avaliação mais profunda das experiências dejoint-ventures com empresas privadas, espe-cialmente após o rompimento da maior asso-ciação, a Enimont (unido UNI e Montedison).

    Sem dúvida alguma a privatização teve umpositivo efeito de mudança da imagem do IRI

    Quadro 5: A Privatização no IRI (Bilhões de liras)

  • RAE HOLDINGS PÚBUCAS

    que não se traduz, simplesmente, na quantifi-cação dos recursos financeiros que propor-cionou. Na realidade, a privatização nãoesperou uma definição clara por parte doparlamento sobre o assunto, e as decisões fo-ram tomadas dentro da realidade "possível".

    Com a obtenção de melhores resultadosfinanceiros das empresas do grupo IRI, a pri-vatização parece ter sido dada por encerrada.Hoje ainda parece ter sido um "remédioamargo" a .uma doença temporária das par-ticipações estatais.

    CONCLUSÕESA abordagem do desenvolvimento do sis-

    tema de participações estatais, neste artigo,teve o objetivo de fornecer uma visão globaldaquela realidade. Em princípio buscou-sedelinear a razão pela qual tantas empresasindustriais e financeiras recaíram sob controleestatal e por que nesta situação permaneceram.Julga. o autor que o vetor determinante estárazoavelmente esclarecido:

    • a nível interno, o desenvolvimento indus-trial italiano sustentara-se sobre a concessãode crédito distante dos critérios "prudenciais/conservadores" dos bancos, que, por serem de-tentores do controle acionário de empresas,tinham interesse em seus respectivos desem-penhos;• a nível externo, a crise acentou a impossi-bilidade da manutenção do "faz-de-conta"entre bancos e indústrias, onde o Estado era ofiador dos deslizes mais graves.

    Concomitantemente, registra-se a coorde-nação do processo por uma competente elitedirigente, que julgou conveniente a substi-tuição daquele sistema financeiro. Como re-sultado, verificou-se a perpetuação da organi-zação responsável pelo "desmonte" dos ati-vos dos bancos, por razões de caráter eminen-temente pragmático, como interesses estratégi-cos do Estado e inexistência de compradorespara tão grande patrimônio.

    A "criatura" concebida a posteriori recebeuuma inteligente modelagem, que lhe conferiucoerência e possibilitou que o Estado lançasseas bases para a reconstrução e o crescimentoda economia italiana. Tudo isso com uma óticadiferenciada, que permitiu centralizar osesforços sobre setores estratégicos (na épocaos setores de base) e atacar problemas dedesenvolvimento regional.

    A história recente, porém, não deixa de

    obrigar uma postura extremamente crítica daexperiência. O fracasso empresarial é evidentee os resultados, especificamente os relativos àatuação regional, são decepcionantes.

    Na visão do autor, a crise dos anos setenta,mais do que representar um problema decor-rente de uma conjuntura adversa, trouxe àtona a implosão do modelo, dentro da reali-dade política italiana. Justifica-se a afirmaçãono efeito catastrófico da contraposição de di-retrizes expansionistas numa conjuntura queexigiria o encolhimento, restruturaçãotecnológica e postura empresarial agressiva.Como as opções estratégicas da empresa es-tavam em dissonância com o meio ambiente,os resultados foram: impossibilidade deavaliação empresarial, esgotamento financeiro,aumento do nível de clientelismo e loteamentopolítico da gestão, e perda de identidade em-presarial empreendedora. A solução para aqual o sistema se voltou pode ser consideradadecepcionante em termos de um modelo pro-posto para a intervenção estatal na economia:o aperfeiçoamento da gestão envolve a re-dução da influência dos objetivos públicos. Defato, as participações estatais não conseguirammostrar-se uma alternativa ao confronto entrepúblico e privado; o equilíbrio entre essas duasinstâncias é, no mínimo, duvidoso, e, as em-presas de maior sucesso são aquelas que maisse distanciaram dos "ônus impróprios".

    A direção do Professor Prodi teve méritosao mover o IR! como um todo neste sentido.Em termos financeiros, porém, o "sanea-mento", obtido à base de alienação de açõesde empresas mais eficientes, é limitado, maspode ser considerado positivo. O IR! deu umademonstração de capacidade de ação, mesmosem um pronunciamento claro ao nível dosistema político (o Parlamento e os Gabine-tes). Este último mostra-se alheio a qualquermudança mais radical nas participações esta-tais (bem como em outros problemas econômi-cos cruciais da economia italiana).

    Mencione-se que a década de oitenta re-presenta um novo ciclo de investimento naeconomia italiana. Este texto, de certa forma,correlaciona, o desempenho do IRI com ocrescimento da economia italiana. Nummomento de crise - que se avizinha - , cor-responderá ao sistema um novo papel de"amortecedor" de ciclos?

    Evitando as suposições, julga-se prioritáriorepensar modelos de intervenção estatal emeconomias de mercado, não obstante afórmula-IRI representar a tentativa maisavançada que se tenha conhecimento. O

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