história da américa portuguesa - darcy ribeiro · um significadoainda presente para qualquer...

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História da América portuguesa Sebastião da Rocha Pita 3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 1 02/10/14 12:16

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  • História da América portuguesaSebastião da Rocha Pita

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 1 02/10/14 12:16

  • América Latina: a pátria grandeDarcy Ribeiro

    Prefácio: Eric Nepomuceno

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 2 02/10/14 12:16

  • História da América portuguesaSebastião da Rocha Pita

    Prefácio: João Carlos Escosteguy Filho

    América Latina: a pátria grandeDarcy Ribeiro

    Prefácio: Eric Nepomuceno

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 3 02/10/14 12:16

  • Os Correios, reconhecidos por prestar serviços postais com

    qualidade e excelência aos brasileiros, também investem em

    açõesquetenhamaculturacomoinstrumentodeinclusãosocial,

    pormeiodaconcessãodepatrocínios.Aatuaçãodaempresavisa,

    cadavezmais,contribuirparaavalorizaçãodamemóriacultu-

    ralbrasileira,ademocratizaçãodoacessoàculturaeofortaleci-

    mentodacidadania.

    ÉnessesentidoqueosCorreios,presentesemtodooterritório

    nacional, apoiam, com grande satisfação, projetos da natureza

    desta Biblioteca Básica Brasileira e ratificam seu compromisso

    emaproximarosbrasileirosdasdiversas linguagensartísticase

    experiênciasculturaisquenascemnasmaisdiferentesregiões

    dopaís.

    A empresa incentiva o hábito de ler, que é de fundamental

    importância para a formação do ser humano. A leitura possibi-

    litaenriquecerovocabulário,obterconhecimento,dinamizaro

    raciocínioeainterpretação.Assim,osCorreiosseorgulhamem

    disponibilizaràsociedadeoacessoalivrosindispensáveisparao

    conhecimentodoBrasil.

    Correios

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 4 02/10/14 12:16

  • Os Correios, reconhecidos por prestar serviços postais com

    qualidade e excelência aos brasileiros, também investem em

    açõesquetenhamaculturacomoinstrumentodeinclusãosocial,

    pormeiodaconcessãodepatrocínios.Aatuaçãodaempresavisa,

    cadavezmais,contribuirparaavalorizaçãodamemóriacultu-

    ralbrasileira,ademocratizaçãodoacessoàculturaeofortaleci-

    mentodacidadania.

    ÉnessesentidoqueosCorreios,presentesemtodooterritório

    nacional, apoiam, com grande satisfação, projetos da natureza

    desta Biblioteca Básica Brasileira e ratificam seu compromisso

    emaproximarosbrasileirosdasdiversas linguagensartísticase

    experiênciasculturaisquenascemnasmaisdiferentesregiões

    dopaís.

    A empresa incentiva o hábito de ler, que é de fundamental

    importância para a formação do ser humano. A leitura possibi-

    litaenriquecerovocabulário,obterconhecimento,dinamizaro

    raciocínioeainterpretação.Assim,osCorreiosseorgulhamem

    disponibilizaràsociedadeoacessoalivrosindispensáveisparao

    conhecimentodoBrasil.

    Correios

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 5 02/10/14 12:16

  • O livro, essa tecnologia conquistada, já demonstrou ter a

    maiorlongevidadeentreosprodutosculturais.Noentanto,mais

    queossuportesfísicos,asideiasjádemonstraramsobreviverain-

    damelhoraosanos.EsseéocasodaBibliotecaBásicaBrasileira.

    EsseprojetoculturalepedagógicoidealizadoporDarcyRibeiro

    tevesuassementeslançadasem1963,quandoforampublicados

    osprimeirosdezvolumesdeumacoleçãoessencialparaoconhe-

    cimentodopaís.SãotítuloscomoRaízes do Brasil,Casa-grande

    & senzala,A formação econômica do Brasil,Os sertõeseMemórias de

    um sargento de milícias.

    Esse ideal foi retomado com a viabilização da primeira fase

    dacoleçãocom50títulos.Aotodo,360milexemplaresserãodis-

    tribuídos entre as unidades do Sistema Nacional de Bibliotecas

    Públicas,contribuindoparaaformaçãodeacervoeparaoacesso

    públicoegratuitoemcercade6.000bibliotecas.Trata-sedeuma

    iniciativaousadaàqualaPetrobrasvemjuntarsuasforças,cola-

    borandoparaacompreensãodaformaçãodopaís,deseuimagi-

    nário e de seus ideais, especialmente num momento de grande

    otimismoeprojeçãointernacional.

    Petrobras - Petróleo Brasileiro S. A.

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 6 02/10/14 12:16

  • O livro, essa tecnologia conquistada, já demonstrou ter a

    maiorlongevidadeentreosprodutosculturais.Noentanto,mais

    queossuportesfísicos,asideiasjádemonstraramsobreviverain-

    damelhoraosanos.EsseéocasodaBibliotecaBásicaBrasileira.

    EsseprojetoculturalepedagógicoidealizadoporDarcyRibeiro

    tevesuassementeslançadasem1963,quandoforampublicados

    osprimeirosdezvolumesdeumacoleçãoessencialparaoconhe-

    cimentodopaís.SãotítuloscomoRaízes do Brasil,Casa-grande

    & senzala,A formação econômica do Brasil,Os sertõeseMemórias de

    um sargento de milícias.

    Esse ideal foi retomado com a viabilização da primeira fase

    dacoleçãocom50títulos.Aotodo,360milexemplaresserãodis-

    tribuídos entre as unidades do Sistema Nacional de Bibliotecas

    Públicas,contribuindoparaaformaçãodeacervoeparaoacesso

    públicoegratuitoemcercade6.000bibliotecas.Trata-sedeuma

    iniciativaousadaàqualaPetrobrasvemjuntarsuasforças,cola-

    borandoparaacompreensãodaformaçãodopaís,deseuimagi-

    nário e de seus ideais, especialmente num momento de grande

    otimismoeprojeçãointernacional.

    Petrobras - Petróleo Brasileiro S. A.

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  • 3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 8 02/10/14 12:16

  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta ix

    sumário

    Apresentação xi

    Prefácio–JoãoCarlosEscosteguyFilho xiii

    Prefáciodoautor 3

    Prólogo 5

    Advertência 7

    Licenças 9

    Livroprimeiro 21

    Livrosegundo 65

    Livroterceiro 118

    Livroquarto 162

    Livroquinto 214

    Livrosexto 264

    Livrosétimo 308

    Livrooitavo 343

    Livronono 393

    Livrodécimoeúltimo 445

    Apêndice Protestação 491

    Pessoas,quenestetemposeachamcomo

    governodasoutrasprovíncias,epraças

    doBrasil 492

    PessoasnaturaisdoBrasil,queexerceram

    dignidades,egovernoseclesiásticos,

    esecularesnapátria,eforadela 493

    I 496

    II 498

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  • a m é r i c a l at i � a – a pát r i a g r a � d e | d a r c � r i b e i r o xi

    apresentação

    AFundaçãoDarcyRibeirorealiza,depoisde50anos,osonho

    sonhado pelo professor Darcy Ribeiro, de publicar a Coleção

    BibliotecaBásicaBrasileira–aBBB.

    A BBB foi formulada em 1962, quando Darcy tornou-se o

    primeiroreitordaUniversidadedeBrasília–UnB.Foiconcebida

    comoobjetivodeproporcionaraosbrasileirosumconhecimento

    maisprofundodesuahistóriaecultura.

    Darcy reuniu um brilhante grupo de intelectuais e profes-

    sorespara, juntos,criaremoqueseriaauniversidadedofuturo.

    Eraosonhodeumageraçãoqueconfiavaemsi,quereivindicava

    –comoDarcyfezaolongodavida–odireitodetomarodestino

    emsuasmãos.DessaentregagenerosanasceuaUniversidadede

    Brasíliae,comela,muitosoutrossonhoseprojetos,comoaBBB.

    Em1963,quandoministrodaEducação,DarcyRibeiroviabili-

    zouapublicaçãodosprimeiros10volumesdaBBB,comtiragem

    de15.000coleções,ouseja,150millivros.

    A proposta previa a publicação de 9 outras edições com 10

    volumescada,poisaBibliotecaBásicaBrasileiraseriacomposta

    por100títulos.AcontinuidadedoprogramadeediçõespelaUnB

    foiinviabilizadadevidoàtruculênciapolíticadoregimemilitar.

    Comamissãodemantervivosopensamentoeaobradeseu

    instituidore,sobretudo,comprometidaemdarprosseguimento

    àssuaslutas,aFundaçãoDarcyRibeiroretomouapropostaea

    atualizou,configurando,assim,umanovaBBB.

    Aliada aos parceiros Fundação Biblioteca Nacional e Editora

    UnB, a Fundação Darcy Ribeiro constituiu um comitê editorial

    que redesenhou o projeto. Com a inclusão de 50 novos títulos,

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 10 02/10/14 12:16

  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta xia m é r i c a l at i � a – a pát r i a g r a � d e | d a r c � r i b e i r o xi

    apresentação

    AFundaçãoDarcyRibeirorealiza,depoisde50anos,osonho

    sonhado pelo professor Darcy Ribeiro, de publicar a Coleção

    BibliotecaBásicaBrasileira–aBBB.

    A BBB foi formulada em 1962, quando Darcy tornou-se o

    primeiroreitordaUniversidadedeBrasília–UnB.Foiconcebida

    comoobjetivodeproporcionaraosbrasileirosumconhecimento

    maisprofundodesuahistóriaecultura.

    Darcy reuniu um brilhante grupo de intelectuais e profes-

    sorespara, juntos,criaremoqueseriaauniversidadedofuturo.

    Eraosonhodeumageraçãoqueconfiavaemsi,quereivindicava

    –comoDarcyfezaolongodavida–odireitodetomarodestino

    emsuasmãos.DessaentregagenerosanasceuaUniversidadede

    Brasíliae,comela,muitosoutrossonhoseprojetos,comoaBBB.

    Em1963,quandoministrodaEducação,DarcyRibeiroviabili-

    zouapublicaçãodosprimeiros10volumesdaBBB,comtiragem

    de15.000coleções,ouseja,150millivros.

    A proposta previa a publicação de 9 outras edições com 10

    volumescada,poisaBibliotecaBásicaBrasileiraseriacomposta

    por100títulos.AcontinuidadedoprogramadeediçõespelaUnB

    foiinviabilizadadevidoàtruculênciapolíticadoregimemilitar.

    Comamissãodemantervivosopensamentoeaobradeseu

    instituidore,sobretudo,comprometidaemdarprosseguimento

    àssuaslutas,aFundaçãoDarcyRibeiroretomouapropostaea

    atualizou,configurando,assim,umanovaBBB.

    Aliada aos parceiros Fundação Biblioteca Nacional e Editora

    UnB, a Fundação Darcy Ribeiro constituiu um comitê editorial

    que redesenhou o projeto. Com a inclusão de 50 novos títulos,

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  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxii b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxii

    a Coleção atualmente apresenta 150 obras, totalizando 18 mil

    coleções, o que perfaz um total de 2.700.000 exemplares, cuja

    distribuiçãoserágratuitaparatodasasbibliotecasqueintegram

    oSistemaNacionaldeBibliotecasPúblicas,eocorreráaolongo

    detrêsanos.

    A BBB tem como base os temas gerais definidos por Darcy

    Ribeiro: O Brasil e os brasileiros; Os cronistas da edificação;

    Culturapopulareculturaerudita;EstudosbrasileiroseCriação

    literária.

    Impulsionados pelas utopias do professor Darcy, apresenta-

    mos ao Brasil e aos brasileiros, com o apoio dos Correios e da

    Petrobras, no âmbito da Lei Rouanet, um valioso trabalho de

    pesquisa,comodesejodequenosreconheçamoscomoaNova

    Roma, porém melhor, porque lavada em sangue negro, sangue

    índio, tropical.ANaçãoMestiçaqueserevelaaomundocomo

    uma civilização vocacionada para a alegria, a tolerância e a

    solidariedade.

    Paulo de F. RibeiroPresidente

    FundaçãoDarcyRibeiro

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  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta xiii

    prefácio – joão carlos escosteguy filho

    SebastiãodaRochaPita.Épossívelqueonomedoautor,nas-

    cidonolongínquoanode1660,nãodiganadaaoleitordehoje.

    Masotítulodesuaobramaisfamosa,objetodesteprefácio,tem

    umsignificadoaindapresenteparaqualquerbrasileiro.AHistória

    da América Portuguesa,publicadapelaprimeiravezem1730, foi,

    durantemuitotempo,consideradaaprimeiraHistóriadoBrasil

    dignadessenome.Istoé,oprimeirorelatosobreamaiorparteda

    entãocolôniaportuguesadesdeachegadadoslusitanos,em1500,

    atéasvésperasdesuapublicação,em1724.Aindaqueo“título”

    delivroprimeirodenossahistóriatenhasido,hoje,perdido(uma

    outra obra, a História do Brazil, de Frei Vicente do Salvador, foi

    escritaem1627,emboratenhasidopublicadaapenasnoséculo

    XIX), o trabalho de Rocha Pita continua como uma das princi-

    paiselaboraçõessobreosprimórdiosdapresençaportuguesana

    América.Trata-sedeumdocumentoessencialparaacompreen-

    sãodaformacomonós,brasileiros,aindahojeenxergamosnossa

    existênciacomonação.

    Nascido em Salvador, filho de um português com uma per-

    nambucana, Rocha Pita estudou no colégio da Companhia de

    JesusdaBahiae,segundoalgunsbiógrafos,teriacontinuadoseus

    estudosnaUniversidadedeCoimbra,comoeracostumeentreos

    filhosdaelitecolonial.CasotenhadefatofrequentadoCoimbra

    não chegou, porém, a se formar em Direito, retornando para o

    Brasileocupandocargos importantesemsuaterranatal,como

    vereadordoSenadodaCâmaraeCoroneldeOrdenanças(nome

    dadoàsforçasmilitaresauxiliaresportuguesas).

    b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxii

    a Coleção atualmente apresenta 150 obras, totalizando 18 mil

    coleções, o que perfaz um total de 2.700.000 exemplares, cuja

    distribuiçãoserágratuitaparatodasasbibliotecasqueintegram

    oSistemaNacionaldeBibliotecasPúblicas,eocorreráaolongo

    detrêsanos.

    A BBB tem como base os temas gerais definidos por Darcy

    Ribeiro: O Brasil e os brasileiros; Os cronistas da edificação;

    Culturapopulareculturaerudita;EstudosbrasileiroseCriação

    literária.

    Impulsionados pelas utopias do professor Darcy, apresenta-

    mos ao Brasil e aos brasileiros, com o apoio dos Correios e da

    Petrobras, no âmbito da Lei Rouanet, um valioso trabalho de

    pesquisa,comodesejodequenosreconheçamoscomoaNova

    Roma, porém melhor, porque lavada em sangue negro, sangue

    índio, tropical.ANaçãoMestiçaqueserevelaaomundocomo

    uma civilização vocacionada para a alegria, a tolerância e a

    solidariedade.

    Paulo de F. RibeiroPresidente

    FundaçãoDarcyRibeiro

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 13 02/10/14 12:16

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxiv

    AocupaçãodessescargospermiteainserçãodeRochaPitana

    chamada“nobrezadaterra”,ouseja,comopartedaelitelocalque

    nãoapenassedestacavapelonascimento,mas,também,interfe-

    rianapolíticacotidianaapartirdesuasocupações.Ashomena-

    gensquerecebeuaolongodavida,comoohábitodaOrdemde

    Cristo(1679)eamercêdeFidalgodaCasaReal(em1701e1703),

    mostramquetinhaprestígiojuntoàCoroaportuguesa.Essestítu-

    los,símbolosdehonraedistinçãosocialnasociedadeportuguesa,

    podiamserbastantedisputadosentreosmembrosdosgruposdo-

    minantescoloniais.

    Porfim,anomeaçãodeRochaPitaparaacadêmicosupranu-

    merário(istoé,parteexcedentedogrupooriginalmenteestabele-

    cido)daAcademiaRealdeHistóriadePortugal,em1721,mostra

    queseuprestígionãoeraapenassocialoupolítico,mas,também,

    ligadoàsuaatuaçãocomohomemdeletras(ou“letrado”),con-

    formesediziaàépoca.Defato,RochaPitanãoapenasdedicou-

    -se à escrita da História da América Portuguesa, mas igualmente

    produziu cânticos, sonetos, hinos etc. Também foi membro da

    AcademiaBrasílicadosEsquecidos,em1724,dataemquejáfina-

    lizavaaescritadeseulivro(queseriapublicado,porém,apenas

    seisanosmaistarde,emPortugal).

    RochaPitamorreuem1738,massuafamaperdurou.Maisde

    cemanosdepoissuaobraseriaretomada,jánoBrasilindependen-

    te,comosímbolodanaçãoquesepretendiaconstruir.Seunome

    figuraria nas listas de “brasileiros ilustres” que historiadores do

    séculoXIX,noImpério,formulariam.Sehojeoautorsoadistante,

    poderemosperceberqueostemassobreosquaisescreveufazem

    partedenossosensocomumsobreopaís.

    Contudo,antesdefalarespecificamentedeseulivro,precisa-

    mossituarsujeitoeobjeto,autoreobra,nocontextodesuaépo-

    ca.Apenasassimpoderemoscompreenderosignificadodeuma

    História da América PortuguesaparaoBrasildoséculoXXI.

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 14 02/10/14 12:16

  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta xv

    O contexto

    ComorepetidamenteensinadonasaulasdeHistória,oBrasil,

    no século XVIII, não era ainda um país independente. Pelo

    contrário: era parte integrante do chamado “Império Colonial

    Português”,cujaformaçãosehaviainiciadonaépocadaexpan-

    são ultramarina (as “Grandes Navegações”). Sendo parte desse

    Império,aquiloque,hoje,chamamosde“Brasil”era,naverdade,

    umconjuntoderegiõessemmuita ligaçãoentresi.Nãoexistia

    umsentimentonacionalde“brasilidade”:aprincipalreferência,

    em termos de identidade, era a Coroa Portuguesa. Por isso não

    devemos pensar a obra de Rocha Pita como um testemunho de

    nossa formação como nação. Não podemos imaginar que, em

    1730,oBrasildoséculoXXIjáexistissedeformaembrionária.Não

    havia uma “inevitabilidade” no destino histórico do Brasil Ou

    seja,em1730, ninguémpoderiapreverqueumséculodepoisnas-

    ceriaumpaísindependentechamadoBrasil.AHistória da América

    Portuguesa,portanto,éumlivrosobrepartedoImpérioportuguês,

    enãosobreafuturanaçãobrasileiraemconstrução.

    Mas como o livro de Rocha Pita se insere nas ambições do

    ImpérioPortuguêsemrelaçãoàHistória?Podemosdizerqueessa

    ligaçãofazpartedeumconjuntomaiordeacontecimentosqueco-

    meçavaatransformarasformasdeorganizaçãodoconhecimento

    naEuropa,aosubstituir,poucoapouco,apredominânciadafi-

    guradoinvestigadorsolitáriopelosaberproduzidoporreuniões

    conjuntas de letrados (um termo da época para caracterizar o

    intelectual).Reuniõesestasqueaconteciamemespaçosfundados

    especialmenteparaessefim:eramaschamadasAcademias,parte

    inseparáveldomovimentochamadoIluminismo(ouIlustração,

    comoseusavamaiscorrentementeàépoca).

    As Academias funcionavam como centros que reuniam as

    mais diversas temáticas, indo desde as ciências naturais até

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 15 02/10/14 12:16

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxvi

    as humanidades e, especialmente no caso da História, a escrita

    vinha sempre acompanhada de preocupações artísticas e retó-

    ricas. Em outras palavras, as academias misturavam áreas de

    conhecimentoque,hojeemdia,ficamseparadasnasuniversida-

    desenoscentrosdepesquisa.Paraentenderessa“mistura”,não

    podemospensarem“confusão”.Precisamoslembrarqueaciên-

    ciatalqualconhecemos,divididaemdepartamentosdistintos,é

    umainvençãoqueganhouforçaapenasnoséculoXIX.Cemanos

    antes, o ideal intelectual ainda estava mais próximo do perfil

    renascentista.

    EnquantoempaísescomoaFrançaasacademiastinhamum

    carátermaisuniversal,semfocomuitoparticularnumounoutro

    ramodosaber, emPortugal ocaminho foi umpoucodiferente.

    Nessereinohouveapreocupaçãoemcriarumaacademiaespe-

    cificamente voltada para a pesquisa sobre o passado lusitano.

    Porisso,em1720,oReiDomJoãoVfundouaAcademiaRealde

    História,emLisboa.EssaAcademiateriacomoprincipalfunção

    escreverumaHistóriaEclesiásticaPortuguesa,comaintençãode

    cantarasglóriasdoreinoetorná-lomaisconhecidoeadmirado

    pelomundo.

    Qual o sentido de escrever uma História para tornar o rei-

    no mais conhecido? E, além disso, o que significa a expressão

    “HistóriaEclesiástica”?Ambasasquestõesestãorelacionadas.Em

    primeirolugar,nãopodemosesquecerque,atéhoje,aHistóriaé

    uma poderosa ferramenta de construção de identidade. Todos

    nósnosconsideramospartedeumamesmanaçãoporque,den-

    treoutras razões, temosumaHistóriaemcomumquenosune.

    Compartilhar o mesmo passado reforça nossos laços de união.

    Se isso é uma realidade em pleno século XXI, no passado era

    uma certeza mais forte ainda. Com uma diferença: na Europa

    Ocidental,escreveraHistóriadeumreino,atéoséculoXVIII,não

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 16 02/10/14 12:16

  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta xvii

    eraescreverahistóriadeseupovo,desuacultura,deseusindiví-

    duos“comuns”etc.Era,emvezdisso,escreverprincipalmentea

    história dos reis,das famílias reais,das casasaristocráticase do

    cristianismo,semprecomapreocupaçãodenarrartaishistórias

    deumpontodevistadaProvidênciaDivina.Emoutraspalavras,

    ointeressemaiordaspesquisashistóricas,atéoséculoXVIII,es-

    pecialmente nas Academias, era reunir bastante material sobre

    acontecimentos passados que envolvessem o rei ou, de forma

    maisgeral,aquelesnobresconsiderados“notáveis”.Eessesacon-

    tecimentos,nessasnarrativas,estavamsempreguiadospelamão

    divina,comoseDeusabençoasseos feitos passados e presentes

    desses sujeitos históricos destacados, conferindo sempre uma

    auradeglóriaevitóriaàHistóriadoReino.

    Sendoessaa regrageralatéoséculoXVIII,algumasnecessi-

    dades mais imediatas dessa época impunham aos letrados sete-

    centistasumaoutratendênciaquesemisturariaàsintençõesde

    louvarosfeitosreaisdopassado.Essanecessidadeeradepolítica

    colonial: escrever História significava, também, conhecer me-

    lhor as possessões do Império, e por isso, no caso português, a

    Academia Real de História não serviria apenas para glorificar o

    reinonafiguradeseusoberano,mas,também,parareunirinfor-

    maçõessobreasregiõesdominadaspelosportuguesesaoredordo

    mundo.Essaeraamaneiraencontradadereforçaropodermetro-

    politanosobreessasregiões,aumentandooconhecimentosobre

    asáreaseaspopulações.Nãoàtoa,umadasprimeirasmedidas

    tomadaspelaAcademiaRealfoisolicitaroenviodedocumentos

    administrativosdascolôniasparaPortugal,tarefaque,pordiver-

    sasrazões,nãofoitotalmentecumpridapelosgovernanteslocais.

    Podemos,então,afirmarqueaAcademiaRealdeHistória,bem

    como as principais obras históricas escritas em Portugal nessa

    época,tinhamessaduplapreocupaçãoemmente:criarnarrativas

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 17 02/10/14 12:16

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxviii

    elogiosasdosreisenotáveisportuguesesdopassadoeaumentara

    coleçãodeinformaçõessobreaspossessõesultramarinas.Aobra

    deRochaPita,comonãopoderiadeixardeser,seencaixanesse

    conjunto.

    Enquanto essa onda tomava os principais centros europeus,

    letradosdoBrasilcolonial,apesardaslimitaçõesquesuacondi-

    ção impunha (como a ausência de universidades ou restrições

    maisfortesàpublicaçãodelivros),tambémseconectarampar-

    cialmente ao “movimento academicista”. As principais cidades

    daépoca,Salvador(entãocapital)eRiodeJaneiro,assistiramà

    fundaçãodealgumasAcademiasaolongodosetecentos.Dentre

    as chamadas “Academias Brasílicas”, duas, em especial, dedi-

    caram-se fundamentalmente à escrita da história da América

    Portuguesa: a Academia Brasílica dos Esquecidos (1724) e a

    AcademiaBrasílicadosRenascidos(1759).Aprimeira,emespe-

    cial, fora fundada com o objetivo declarado de contribuir, pela

    produçãointelectual,paraasoberanialusitananaAmérica,sen-

    doseunome–“Esquecidos”–umaindicaçãodequeosletrados

    nascidosnoBrasildesejavamservistoscomoparteintegranteda

    “eliteletrada”portuguesa,fugindoaoostracismoqueacondição

    coloniallhespoderiaimpor.

    Acurtaduraçãodainstituiçãobaiana,porém,impediuareali-

    zaçãodeseuprojetomaior:aescritadememóriashistóricassobre

    a colonização portuguesa na América. Dentre seus membros,

    apenasumdeles,exatamenteRochaPita,conseguiriarealizar,de

    formacoerenteecompleta,essatarefa.

    Surgindo,assim,numcontextodepreocupaçãodoreinopor-

    tuguêscomaescritadahistóriadeseuImpério,olivrodeRocha

    Pita seria uma primeira realização concreta desse empreendi-

    mento.Éhoradeverificarmosaobramaisdeperto,embuscadas

    razõesparasuapermanênciacomosímbolodoiníciodaescrita

    daHistóriadoBrasil.

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 18 02/10/14 12:16

  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta xix

    A obra

    Divididaem10partes(chamadas“livros”),aobradeRochaPita

    éfrutodepesquisasemarquivosdosconventosdasOrdensdeSão

    Francisco,CarmoeSãoBento,alémdenosarquivosjesuíticose,

    inclusive,deLisboa.Trata-sedeumrelatodapresençaportuguesa

    noterritórioamericanodesdesuachegada,em1500,até1724.O

    autor,seguindocostumedaépoca,dedicaaobraaomonarcapor-

    tuguêsDomJoãoV,emnomedequemseescreviaesemantinha

    ocontrolelusitanosobreacolônia.

    AHistória da América Portuguesaapresentaalgumassurpresas

    paraoleitordoséculoXXI.Emprimeirolugar,devemoslembrar

    que,quandofalamosem“História”,precisamoscontextualizaro

    significadoqueessapalavratinhanoséculoXVIII.Ouseja,não

    era,ainda,umconhecimento“autônomo”,separado,comohoje

    nos acostumamos a ver (desde os cursos universitários até as

    disciplinas escolares). Essa forma “científica” da História iria se

    fortalecerapenasnoséculoXIX.Cemanosantes,umhistoriador

    era, antes de tudo, como já vimos, um “letrado” que atuava em

    váriosramosdosaber.RochaPitanãoeradiferente.

    Poeta,RochaPitaescrevianumestiloquepoderiaserchama-

    do,hoje,derebuscado,floreado,muitopreocupadocomaretóri-

    ca.NumatradiçãoqueremontavaàAntiguidade,a formadese

    escrevertinhatantaimportânciaquantooconhecimentoemsi

    quesepretendiatransmitir.Podecausarestranhamentoque,em

    suadescriçãodaAméricaPortuguesa,logonosegundoparágrafo

    dolivroprimeiro,RochaPitatenhaescritocoisascomo:

    Emnenhumaoutraregiãosemostraocéumaissereno,

    nem madruga mais bela aurora; o sol em nenhum outro

    hemisfériotemosraiostãodourados,nemosreflexosno-

    turnostãobrilhantes;asestrelassãoasmaisbenignas,ese

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 19 02/10/14 12:16

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxx

    mostramsemprealegres;oshorizontes,ounasçaosol,ou

    sesepulte,estãosempreclaros;aságuas,ousetomemnas

    fontespeloscampos,oudentrodaspovoaçõesnosaquedu-

    tos,sãoasmaispuras:éenfimoBrasilterrealparaísodesco-

    berto,ondetemnascimentoecursoosmaioresrios(...)

    Essas palavras, que hoje dificilmente veríamos em um livro

    dedicadoàpesquisahistórica,eramcomunsemobrasdaépoca.

    Faziampartedeumestilodeescritaquemarcariaasinterpreta-

    ções sobre o Brasil, influenciando fortemente, inclusive, nossos

    autoresdoRomantismonoséculoXIX,sempreassociandoafor-

    mação nacional brasileira a sua magnífica natureza. A ideia de

    queoBrasilnasceuabençoadopeloscéustemlongatradiçãoem

    nossopensamentohistoriográfico,earecuperaçãodeRochaPita,

    atualmente,podenosajudarasituaressatradiçãoemseudevido

    lugar:comomitofundadordenossanacionalidade.

    Ao longo de suas páginas, a História da América Portuguesa

    abordadiversosoutrosassuntosparaalémdoelogiodanatureza

    oudescriçãoterritorial.Abordafatospolíticos,sociaiseeconômi-

    cos.Insere-se,assim,numconjuntodeobrasquebuscavamnão

    sónarrarosfeitosportugueses,mas,também,organizarinforma-

    ções sobre as regiões coloniais como auxílio, à Coroa, para um

    maiorconhecimentodeseusdomínios.

    Algunstemasaindaatuaisestãopresentesnolivro.Podemos

    mencionarcomoexemploaperenequestãoacercadodescobri-

    mentoporPedroÁlvaresCabral.Teriasidointencional?Ouacaso?

    RochaPita,emseulivroprimeiro,junta-seàquelesquedefendem

    achegadaacidental,frutodeumdesviodarotaportempestade.

    Noslivrosseguintes,descriçõesdepovoaçõesefundaçõesdevi-

    las,cidadeseprovínciassãoabordadas,bemcomoaatuaçãodos

    governadores-gerais.

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 20 02/10/14 12:16

  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta xxi

    Masissonãoétudo.Maisdoqueapenasumadescriçãoeuma

    interpretaçãodasorigensdapresençaportuguesanaAmérica,o

    autorcontribuiu,naescolhadosassuntos,paraumaverdadeira

    seleção de conteúdos que até hoje pauta nossas aulas escolares

    sobreopassadobrasileiro.Emoutraspalavras,aleituradeRocha

    Pitapodenosfazerpensarsobreossistemasdelembrançaeesque-

    cimentoaquetodoconhecimentosobreaHistóriaestásujeito.

    Alguns temas tratados por Rocha Pita ainda estão universal-

    mente presentes nos livros didáticos sobre História do Brasil,

    como a presença holandesa no Nordeste e o período da União

    Ibérica.Emboraosignificadodessestemastenhamudadocons-

    tantemente de 1730 para cá, sua presença quase “obrigatória”

    aindacomomatériadeestudo,aindaqueo alunomuitasvezes

    nãoentendaasrelaçõesentreseumundoeessesacontecimentos

    passados,mostramopesoqueautoresdopassadoaindapodem

    ter sobre nossas vidas. A continuidade que muitos estudos de

    História realçam entre a cultura portuguesa e a brasileira pode

    ignorar,nãoraro,influênciasdeoutrasvertentes,comoindígenas

    eafricanas.PensaroquantoaHistóriadePortugalénossaprópria

    História e o quanto temos nós de diferentes exige uma crítica

    constanteaoshistoriadoresdopassado,eRochaPita,nessesenti-

    do,podenosoferecermuitomaterialparareflexão.

    Outros pormenores considerados relevantes por Rocha Pita,

    como a epidemia que assolou Pernambuco em 1686, constante

    nolivro7,forampraticamenteesquecidosdosbancosescolares.

    Aopercebermosessesacontecimentosrestritoscomorelevantes

    obastanteparaapareceremnumaobrade1730,porém“pequenos

    demais” para que surjam com força nos livros atuais, podemos

    refletirsobrecomooconhecimentosobreopassadopodemudar

    detemposemtempos.Fatosconsideradosessenciaisatualmente

    podemtersuaimportânciadiminuídapeloshistoriadoresdofu-

    turo.Éassimqueoconhecimentohistóricosedesenvolve:cada

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 21 02/10/14 12:16

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxxii

    épocaselecionadoseventospassadosaquelesqueconsideramais

    significativosparaseupresente.Eessaseleçãoésempredisputa

    entrehistoriadores,grupos,classes,instituiçõesetc.Ahistóriaé,

    também,aindaquenãoapenas,umadisputapolíticasobreoque

    cadagruposocialdecidelembrareoquecadaumprefereesque-

    cer.MaisumareflexãoparaaqualtextoscomoodeRochaPita

    podemcontribuir.

    Esse movimento de lembrança-esquecimento pode ser sinte-

    tizado,parafecharmosesteprefácio,numoutrotemaabordado

    por Rocha Pita: Zumbi de Palmares. Ao longo do livro 8, Rocha

    Pitafaladofamosoquilomboedeseulíderedo“poderdosnegros

    [quecrescia]comestessocorrosdosfugitivosqueselhesiamjun-

    tando”.Palmaresétratadocomopartedahistóriadogovernode

    CaetanodeMellodeCastro,governadordePernambucoàépoca,

    mas, ainda que inserida na história política mais geral, ganhou

    umdestaquenãovistoemmuitoslivrosetextossobreHistória

    doBrasilnosséculosXIXeXX.Sementrarnaquestãodosigni-

    ficadodePalmaresoudeZumbi(talvezumdostemascoloniais

    maisdebatidosdenossaatualidade),podemospercebercomoa

    História, em cada momento, é marcada por essas lembranças e

    esquecimentos.ZumbiePalmaresforampraticamenteignorados

    emmuitasobrasdoséculoXIXeXXpoisaescravidãoaindaera

    presente e constituía uma questão nacional difícil de resolver

    pelasclassesdirigentes.NoiníciodoséculoXX,ahistoriografia

    sobreafricanosficavaemsegundoplano.Emmeadosdoséculo,

    Zumbiressurgiucomolíderguerreiroabolicionista,imagematé

    hojeemgrandepartepreservada.Atualmente,osestudoshisto-

    riográficos,queseconvencem,cadavezmais,dacrucial impor-

    tânciadaHistóriadaÁfricaparaoBrasil,tentamentenderZumbi

    nocontextodesuaépoca.

    Esse movimento da memória, entre lembranças e esqueci-

    mentos,édifícildeperceber.Normalmentesentimosapenasseus

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 22 02/10/14 12:16

  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta xxiii

    efeitos:algunstemasquenosparecemessenciaisemcertasépo-

    cassomemdadiscussãonosanosseguintes.Sentimosaausência,

    masnãorefletimosmuitossobresuascausas.Emumpaíscomo

    oBrasil,ondeaideiadequeaspessoastêmmemóriacurtaétão

    difundida,apublicaçãodeobrasdopassadosobreaformaçãoter-

    ritorial do país podem contribuir para pensarmos o significado

    de nossa própria História, bem como para pensarmos sobre os

    mecanismosquetornamalgunsassuntostãorelevanteseoutros

    tãoignorados.

    SebastiãodaRochaPita:essenome,umtantoesquecido,pode

    termuitoadizersobrenóspróprios.

    João Carlos EsCostEguy Filho é Professor de História da faetec-rJ – fundação de aPoio à escola técnica do estado do rio de Janeiro e Professor substituto da uerJ – universidade do estado do rio de Janeiro. Mestre eM História social Pela uff – universidade federal fluMinense.

    Referências bibliográficas

    DIAS,Fabiana.DaGênesedoCampoHistoriográfico:ErudiçãoePragmatismonas Associações Literárias dos Séculos XVIII e XIX. Revista de Teoria da História.Ano 2, Número 4,dezembro/ 2010.

    JESUS, Roger Lee Pessoa de. A História da América Portugueza (1730) deSebastião da Rocha Pita: o contexto, o autor, a obra. Revista de História da Sociedade e da Cultura, 11, 2011,p. 141-164.

    KANTOR,Iris. Esquecidos e Renascidos:historiografiaacadêmicaluso-brasileira(1724-1759). São Paulo: HUCITEC; Salvador: Centro de Estudos Baianos/UFBA, 2004.

    KARVAT, Erivan Cassiano. Histórias na “História da América Portuguesa”:concepçõesdehistóriaemtornodaobradeRochaPita(1730). Anais do XXIII Simpósio Nacional de História.Anpuh:Londrina, 2005.

    TAVARES,TherezinhadeJesusMariliaAlmeida.Ensinocrítico–historiográficodolivro“HistóriadaAméricaPortuguesa”deSebastiãodaRochaPita.Cadernos de Pesquisa.Número4(2),SãoLuís,1988,p.54-64.

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  • 3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 24 02/10/14 12:16

  • História da América portuguesaSebastião da Rocha Pita

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  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta 3

    Senhor.A América portuguesa,emtoscos,masbrevesrasgos,buscaos

    soberanospésdeVossaMajestade,porqueaobrigaçãoeamora

    encaminhamaoMonarcaSupremo,dequemreconheceodomí-

    nioerecebeasLeiseaquemcomamaiorhumildadeconsagraos

    votos,implorandoarealproteçãodeVossaMajestade,porqueao

    príncipequelheregeoImpériopertencepatrocinar-lheaHistória.

    DelaveráVossaMajestadeemgrosseiroriscodelineadaapartedo

    NovoMundo,queentretantasdoorbeantigo,quecompreendeo

    círculodasuaCoroa,éamaiordasuamonarquia.Nãooferecea

    VossaMajestadegrandezasdeoutrasRegiões,emquedominao

    seupoderosocetro,tendotantasquelhetributarnadoBrasil.Seo

    quadroparecerpequenoparaideiatãogrande,emcurtoscírculos

    sefiguramasimensasZonas,eEsferascelestes,emestreitomapa

    seexpõemasdilatadasporçõesdaterra:umasópartebastapara

    representaragrandezadeumcorpo;umsósimulacroparasimbo-

    lizarasmonarquiasdoMundo:faltar-lhe-áopinceldeTimantes,

    paraemumdedomostrarumgigante;ainteligênciadeDaniel,

    paraemumaestátuaexplicarmuitosImpérios;massobra-lhea

    grandezadeVossaMajestade,emcujaamplíssimasuperioresfera

    seestãoassuasprovínciascontemplandocomoestrelas:sócom

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 3 02/10/14 12:16

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o4

    ela pode desempenhar-se o livro; prenderá as folhas, se Vossa

    Majestadesoltaros raios,queelesalumiaram(comreaisvanta-

    gens) mais âmbitos dos que pretende ilustrar a pena, existindo

    estesborrõessónaforma,emqueàsluzespodemservirastrevas.

    Porém,Senhor,comodescrevoumadasmaioresregiõesdater-

    ra,permita-meVossaMajestadequedosresplendoresdessapró-

    priaEsferaRégiatireumaluzparailuminarassombrasdosmeus

    escritos,seráodelitodePrometeu,emroubarumraioaoSol,para

    animarobarrodasuaestátua;tantosedevepediraumpríncipe,

    em tal extremo generoso; e tudo pode conceder um Monarca,

    comoVossaMajestade,portodososatributosgrande,etãodigno

    deImpério,quenosanospelaidademenosrobustos,emtempo

    quevacilanteoorbeiacaindo,lhepuseramanatureza,eafortuna

    aosombros,nãosóopesodeumreinoflorente,masamáquinade

    ummundoarruinado.FoiVossaMajestadeoverdadeiroAtlante,

    eafortíssimacoluna,quesustentando-ocomasforças,ecomas

    disposições, lheevitouosestragos;equeaindahojeoassegura,

    nãosóaosseusnaturaisdomínios,masatodososestranhos,sen-

    doarefulgentecoroadeVossaMajestadeEscudodePalasparaa

    defensa,eoseuveneradoCetroraiodeJúpiterparaorespeito.A

    RealPessoadeVossaMajestadeguardeDeusmuitosanos.

    Sebastião da Rocha Pita

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 4 02/10/14 12:16

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    prólogo

    As grandezas, e excelências, ó leitor discreto, da regiãodoBrasil, tãocélebredepoisdedescoberta,comoani-quilada enquanto oculta, exponho ao público juízo, e atenção

    doMundo,ondeassuasriquezastêmchegadomaisqueassuas

    notícias,postoquealgumasandemporváriosautoresintroduzi-

    dasemdiversosassuntos,diferentesdomeu,quenãotemoutro

    objeto.Ocostumesemprenotadonosportuguesesdeconquista-

    remImpérios,enãoosencarecerem,écausadequetendocriado

    oBrasiltalentosporeminênciagrandes,nenhumcompusessea

    históriadestaregião,commaiorglóriadaPátria,edaquepode

    lograr nos meus escritos, tomando eu com inferiores forças o

    peso,querequeriamaisagigantadosombros;porémorespeitado

    caráter,emqueporsuagrandezaenãopormerecimentomeu,me

    constituiuaRealAcademia,honrando-mecomoprecaríssimolu-

    gardeseuacadêmico,medaráalentosdeHérculesparasustentar

    pesosdeAtlante.

    Comestaexpressãoofereçoestevolume:seentenderes,queo

    compusemaplausosereverênciadoclimaemquenasci,podes

    crer, que são seguras, e fiéis as notícias, que escrevo, porque os

    obséquios não fizeram divórcio com as verdades. Se em alguns

    termosoestiloteparecerencarecido,ouemalgumasmatériasde-

    masiadooornato,reconhece,queemmapadilatadoavariedade

    dasfigurascarecedavivezadascores,edasvalentiasdopincel;e

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 5 02/10/14 12:16

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o6

    queomeuaindaestáhumildenasimagens,queaquipinto,assim

    porfaltadeengenho,comopornãotervistotodososoriginais,fa-

    zendoamaiorpartedascópiasporinformações,dasquaismenão

    poderesultaroacertodeApelesnoretratodeHelenapelosversos

    deHomero;massetenãoconciliaragradopelastintasapintu-

    ra,nãodeixemdemerecer-tetãomelindrosa,quenãobastema

    contentá-locomlheapartaresosolhos,atiteescusasoenfado,e

    amimacensura.

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 6 02/10/14 12:16

  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta 7

    advertência

    Adverteoautor,quedariquíssimaAmérica(tãodilatada,queseestendeporquasequatromilléguasdecompri-mento,estandoaindaporsaberasquetemdelargo,ejazdebaixo

    detrêsdiversaszonas,dividindo-seemSetentrional,eMeridional)

    daparteSetentrionalnãofala,esótratanaMeridionaldagrandís-

    sima porção, que compreende o Estado do Brasil, assunto desta

    História da América Portuguesa.

    Que não põem nela o cômputo dos tempos em número su-

    cessivodeanos,porquedesdeodemilequinhentos,emquefoi

    descobertaaAméricaPortuguesa,porlargocurso,atéodemile

    quinhentosetrintaecinco,emquesedoarãoalgumasprovíncias,

    eseprincipiouafundaçãodelas,nãoacontecerãooutrosprogres-

    sos mais que a vinda do cosmógrafo Américo Vespúcio, por or-

    demd’El-ReiD.Manuel,ademarcarestaRegião,eassuascostas;e

    depoisadeoutrosgeógrafos,ecapitãesenviadospelomesmorei,

    eporseufilho,esucessorEl-ReiD.JoãoIII,atomarposse,meter

    marcos,observarocursodosmares,sondarosportos,exploraro

    país,elevardelemaisdistintasnotícias.

    Que estas operações se fizeram com intervalos de tempos; e

    desdeoanodemilequinhentosequarentaenove,emqueveio

    oprimeiroGovernadordoEstado,levaacontadelespelasuces-

    sãodosgovernos,eordemdosfatos,mediandoaindaalgunslar-

    gos espaços sem ações para a escritura; falta, que precisamente

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 7 02/10/14 12:16

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o8

    interrompeasériedosanos,masnãoalteraaverdadedaHistória,

    nemasnotíciasdoBrasil,queéofimparaqueoautoraescreve,

    etodaaalma,esubstânciadosescritos;poisomaissãoacidentes.

    Queasmatérias,enotícias,quenelatrata,sãocolhidasdere-

    laçõesfidedignas,conferidascomosautores,queestasmatérias

    tocarão,ecomparticularesinformaçõesmodernas(queelesnão

    tiveram) feitas por pessoas, que cursarão as maiores partes dos

    continentesdoBrasil,easdepuseramfielmentecomotestemu-

    nhasdefato,comaciênciadequeoautorasinquiriaparacompor

    estaHistória,cujoessencialinstitutoéaverdade.

    Quecomonosdoisprimeiroslivrosdescreveocorponatural,

    ematerialdestaregião,asmaravilhosasobras,quenelafezanatu-

    reza,asadmiráveisproduçõesemváriosgêneros,eespécies,eas

    suntuosasfábricas,queparaotratocivil,epolítico,dassuaspo-

    voaçõesfoicompondoaarte,noretratodetantaformosura,pre-

    cisadaaserpincelapena,nãotemesairdospreceitosdahistória,

    quandoalteraapurezadassuasleiscomasideiasdapintura,que

    requermaisvalentesfantasias, tendoporexemplarportentos,e

    queamaiselevadafrasepoéticaéverdadeaindamal-encarecida.

    Que nos outros livros, que contêm matérias políticas, leva o

    estilohistóricocomestudocastigado,enãopõenasmargensos

    numerososrios,easváriasespéciesdasproduçõesdoBrasil,por-

    que,sendotantodoinstitutodestaobra,entendequedevemirno

    corpodela.

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  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta 9

    licenças

    Aprovação de ANTONIO RODRIGUES DA COSTA, do Conselho de Sua Majestade, e do seu Tribunal de Ultramar, Acadêmico da Academia Real da História.

    Excelentíssimos Senhores.

    Em execução da ordem de Vossas Excelências vi o livro, in-

    titulado História da América Portuguesa, composta pelo coronel

    Sebastião da Rocha Pita; e ainda que me parece mais elogio ou

    panegírico, que História, não entendo, que desmerece o Autor,

    queVossaExcelêncialheconcedamafaculdade,quepededepo-

    dercondecoraroseunomenaedição,quefizerdestaobra,como

    título,quegozadeAcadêmicoProvincialdestaAcademiaRealda

    HistóriaPortuguesa.VossasExcelênciasordenarãooqueformais

    justo e acertado. Deus guarde as pessoas de Vossas Excelências.

    Casa10deAgostode1726.

    Antônio Rodrigues da Costa

    Aprovação de D. ANTONIO CAETANO DE SOUSA, Clérigo

    Regular, Qualificador do Santo Ofício, Consultor da Bula da Santa

    Cruzada, e Acadêmico da Academia Real da História.

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 9 02/10/14 12:16

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o10

    Excelentíssimos Senhores.

    Li a História da América Portuguesa, escrita por Sebastião da

    RochaPita,FidalgodaCasadeSuaMajestade,CavaleiroProfesso

    da Ordem de Cristo, Coronel do Regimento de Infantaria da

    Ordenança da Cidade da Bahia, e dos Privilegiados dela, e

    AcadêmicoProvincialdoEstadodoBrasil.

    EstaHistória,ExcelentíssimosSenhores,éaúnica,quetemos

    seguida e completa dos dilatados, e riquíssimos domínios, que

    El-ReinossosenhortemnestagrandepartedoMundo;peloque

    émuitodeagradeceracuriosaaplicaçãocomqueseuAutorse

    empregouemescreverestaHistória,que,sendoprincipalmente

    política,temmuitodanatural,peloquesefazmaisagradável,não

    sópelanotíciadosseuspreciososminerais,maspeladeinumerá-

    veisanimaisterrestres,quadrúpedes,répteis,evoláteis,monstros

    horríveis,aindaaquáticos,porqueaquelesmaresproduzemcoi-

    sasdegrandeadmiração,comotambémosãoasvegetáveis,com

    tãoextraordináriasproduçõesdanatureza,quefazemfertilíssima

    aquelagrandeporçãodeterra,compreendidadebaixododomí-

    niodonossoAugustoProtetor.

    ÉSebastiãodaRochaPitanascidonaBahia;enãoémuito,que

    oamordapátriaoobrigueaengrandecer,eornarcomespeciosas

    vozesaquelascausas,queanóssenosfazemmaisestranhas,ou

    porseremrarasvezesvistas,ousomentecridaspelasinformações

    comqueassabemos.Ésemdúvidaqueaquelapartedomundo

    contémprodígios,que,excedendoàshipérboles,nãoofendema

    verdade,leimaisessencialparaaHistória,doqueosoutrosmais

    rigorosospreceitos,comqueelasedevecompor.Esteautorofaz

    emestilotãoelegante,quetemmuitodepoético,emquelheacho

    companheirodetãograndenota,comoalgumdeeminentíssimo

    caráter,eesteseráomotivo,porqueconcilienamaiorpartedos

    leitoresaplauso,e louvor;porqueentendo,quenãoserámenos

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 10 02/10/14 12:16

  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta 11

    estimadaestahistória,doqueoutras,quevemosdesemelhante

    estilonanossalíngua,enadosnossosvizinhos,aondetembas-

    tantereputação.Pordiferentesmeiosconciliamosautoresaaura

    popularcomqueosseuslivrossãoestimados.Osexemplaresda

    HistóriaRomana,cujaliçãoétãorecomendávelaumhistoriador,

    vemosquãopoucosconseguemoimitá-los,eporissosãotãopou-

    cososquelogramocabalnomedehistoriadores.Quantasvezes

    ouvimoscriticaraquelesmestresdaHistória,dequemosoutros,

    que se seguirão, beberão não só o método, mas ainda o mesmo

    estilo? Nesta parte são bem diversos os gostos, porque também

    algunsenfastiadosdaeloquênciapretendemsejaaHistóriauma

    narraçãotãonuadevozes,comodereflexões,desorte,queaque-

    remantesinsulsaquecomalgumadorno:porémestesdiscursos

    são tidos de uns paradoxos, e de outros por afetos da melanco-

    lia,queosdomina,demodoqueonãochegamaexecutarnesta

    parteaindaosmaisausteroscensores.Estelivromeparecemui

    dignodalicença,queseuautorpede,paraoornarcomonome

    de Acadêmico da nossa Real Academia; e assim devem Vossas

    Excelênciasmandar-lheagradecerozelocomqueestácooperan-

    doparaonossoInstituto,nãosócomosseusestudos,maisainda

    comasuaprópriadespesanaimpressãodestelivro.Esteéomeu

    parecer.VossasExcelênciasresolverãooqueformaisconvenien-

    teàhonradanossaAcademia.LisboaOcidental,naCasadeNossa

    SenhoradaDivinaProvidência,24deNovembrode1726.

    D. Antônio Caetano de Souza,ClérigoRegular

    DiretoreCensoresdaAcademiaRealdaHistóriaPortuguesa

    dãolicençaaoCoronelSebastiãodaRochaPita,parausardotí-

    tulo de Acadêmico Supranumerário no livro intitulado História

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 11 02/10/14 12:16

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o12

    da América Portuguesa,vistasasaprovaçõesdosdoisAcadêmicos,

    aquesecometeuoseuexame.LisboaOcidental,6deDezembro

    de1726.

    Marquês de Alegrete

    D. Manuel Caetano de Sousa

    Marquês de Fronteira

    Marquês Manuel Telles da Silva

    DO SANTO OFÍCIO

    Aprovação do R. P. M. Fr. MANUEL GUILHERME, Qualificador do

    Santo Ofício, Examinador das três Ordens Militares

    Eminentíssimo Senhor.

    LiolivrointituladoHistória da América Portuguesa,composto

    porSebastiãodaRochaPita;enabrevidadededezdiasemqueoli,

    mostroadmireiafraseverdadeiramenteportuguesa,desafetada,

    pura,concisa,econceituosa.Quer-meparecerqueoautordesem-

    penhatodasas leisdaHistória,queouçodizersãomuitas,ede

    difícilobservância.Pelaprincipalrazãodenãotercoisacontraa

    Fé,oubonscostumes,mepareceémerecedoraestaobradalicen-

    ça,quepretende.VossaEminênciamandaráoqueforservido.São

    DomingosdeLisboaOcidental,20deDezembrode1726.

    Fr. Manuel Guilherme

    Aprovação do R. P. M. Fr. BOAVENTURA DE SÃO GIÃO,

    Qualificador do Santo Ofício.

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 12 02/10/14 12:16

  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta 13

    Eminentíssimo Senhor.

    SEMPRE o gênio português foi avaro em narrar por escrito

    suasheroicasações,eostentarnopreloassuasproezas;nãoas-

    pirando chegar com a pena, onde se arrojou a sua espada, nem

    voar com o discurso onde se remontou o seu valor; por senão

    disporareduziraescritura,oqueemtodooUniversopublicou

    afama;comoexceção;porémdestaregraseanimouSebastiãoda

    RochaPitaapresentaraosolhosdomundo,eatençãodasgentes

    a História da América Portuguesa, que compôs e ordenou em be-

    nefíciodaPátria,ecréditodanação;onderessuscitadeentreas

    cinzas,emquehátantosanosjaziaenvoltatãoadmirávelestátua,

    antigamentelavrada,eprimorosamenteesculpidacomoferro,e

    armaslusitanas,retratando-anobrevemapadestepapel,ondese

    darábemaconhecerpelacópiaooriginal.

    É a ideia do escritor igualmente elevada, que o assunto e a

    sua pena proporcionada a tão sublime emprego, pois desempe-

    nhanestaobraoquepremeditouoseuconceito,eajuizouoseu

    pensamento,ecomgrandebradoreputaránoteatrodomundo

    asproezas,efaçanhasdobraçoportuguês,nodescobrimentode

    novasterras,tãodilatadas,comoincógnitas.Descreveabondade

    doclima,fertilidadedaterrasemprefecundanassuasproduções:

    fazpresenteopassado;epõeànossavistaoqueestátãolongedos

    nossosolhos.

    Pontualmente cumpre os preceitos da narração, e as leis da

    História; porque determina ações, ajusta anos, observa tempos,

    distinguelugares,demarcaterras,individuasucessos,reduzindo

    aabreviadosperíodosoquepoderásermatériadecopiosostrata-

    dos.Edenominando-seestapartedoorbeNovoMundo,paranós

    éagoraMundonovo,pelanotícia,queoautornoscomunicado

    queé,edoquecontémtãodilatadopaís,expondoànossacom-

    preensãooqueatéaquiseocultouaonossoconhecimento.

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 13 02/10/14 12:16

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o14

    Poucoimportadescobrirotesouro,sesenãoconheceasuapre-

    ciosidade:porqueachá-loéfortuna,conhecê-lo,descrição,emais

    olograquemosabeavaliarquequemopossuisemoconhecer.O

    valordodiamantedependedaestimaçãodolapidário,ovalordo

    ourodoexamedocontraste,porqueumlhesondaofundo,outro

    lheexaminaosquilates.

    EstoucertosehádelerapresenteHistóriacomgosto,esem

    fastiopelaboaordem,eadmiráveldisposiçãocomqueestácom-

    posta, novidades, que refere, particulares, que relata elegância

    comqueseadorna;porqueoestiloégrave,especioso,eagradável,

    naturalsemartifício,ecultosemafetação,etãosingular,quenão

    temregraociosa,oraçãosupérflua;nãotemperíodoquenãoseja

    próprio,palavra,quenãoestejaemseulugar:nãohátermoquese

    nãopercebacomclareza,objeto,quesenãovejacomdistinção;

    igualmenteconvidaacuriosidade,edesafiaaemulação;porque

    historiardestasorteéfelicidadedepoucos,einvejademuitos.

    TemoBrasilaventuradeacharnaeloquênciadeumfilhoo

    melhor instrumento da sua glória, e o maior manifesto do seu

    luzimento,poispublicacomestepregãoassuasexcelências,edá

    aconhecerassuassingularidades;animandodenovoasproezas

    antigas,eossucessospassados,queporcaducosestavamamorte-

    cidos,eporesquecidoseramcadáveres;etornaverdesaspalmas,

    que a dilação do tempo tinha murchas, não sendo menos úteis

    aosimpériososempregosdapena,queasvitóriasdaespada;por-

    quenasimagensdosescritos,comonosmármores,seconservaa

    memória,eseeternizaafamadostriunfosdasarmas.

    Époisbeneméritodamaioratençãoestepreciosolivro,edig-

    no de todo o crédito o que nele se exprime, pela autoridade do

    escritor,ecoerênciadasnotícias,semomínimoescrúpulo,deque

    oafetodenatural,eamordaPátriaviciasseaHistória,ouadulte-

    rasseaverdade.Eporqueemtudoseconformacomapurezade

    nossaSantaFéCatólica,ebonscostumes,selhedevedejustiça

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  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta 15

    a licença, que pede por favor para a estampa, sendo merecedor

    doprimeirolugarnoprelo.Esteomeuparecer.VossaEminência

    mandará o que for servido, Lisboa Ocidental, no Hospício do

    Duque,10defevereirode1727.

    Fr. Boaventura de São Gião

    • • •

    VISTASasinformações,pode-seimprimiraHistória da América

    Portuguesa,compostaporSebastiãodaRochaPita,edepoisdeim-

    pressatornaráparaseconferir,edarlicençaquecorra,semaqual

    nãocorrerá.LisboaOcidental,11deFevereirode1727.

    Fr. R. Alencasstre – Cunha. – Teixeira. – Silva. – Cabedo

    DO ORDINÁRIO

    Aprovação do M. R. Padre D. JOSÉ BARBOSA, Clérigo Regular,

    Acadêmico Real da História Portuguesa, Cronista da Sereníssima Casa

    de Bragança, e Examinador das Três Ordens Militares.

    Ilustríssimo Senhor.

    ORDENA-MEVossaIlustríssimaquevejaaHistória da América

    Portuguesa,queescreveuoCoronelSebastiãodaRochaPita.Esta

    grandeporçãodomundo,descobertonoanodemilequinhen-

    tos,esteveatéagoracomoincógnitaporfaltadehistoriadorque

    desseaconhecercomexaçãoasportentosasmaravilhasdequea

    dotouanatureza.EscreveudestaRegiãoumbrevíssimotratado,

    comotítulodeHistória da Província de Santa Cruz,PedroGandaio

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 15 02/10/14 12:16

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o16

    de Magalhães, e nele, nem a brevidade, nem o estilo podiam

    fazeragradávelasuarelação.Emmaiorvolume,massemexce-

    derdecronistanaturaldaquelasdilatadíssimasterras,escreveo

    PadreSimãodeVasconcelos,daCompanhiadeJesus,doislivros

    de notícias curiosas, que depois foram incorporadas na crônica

    da mesma religião daquele Estado. Em alguns livros se acham

    poucas memórias da América, que pertençam juntamente aos

    sucessos políticos, e militares, porque suposto que temos o va-

    lorosoLucidenodeFr.ManuelCallado,oCastriota LusitanodeFr.

    Rafael de Jesus, as Memórias Diárias da guerra de Pernambuco de

    DuartedeAlbuquerqueCoelho,aNova LusitâniadeFranciscode

    BritoFreire,eaGuerra do Brasil na língua italianadeFr.JoãoJosé

    deSantaThereza,nenhumdestesautoresécronistageraldetoda

    aAméricaPortuguesa,porqueamaiorpartedestaspenasseocu-

    paramcomahistóriadasguerras,queintroduziramnaCapitania

    de Pernambuco as armas holandesas; e tendo algumas delas

    historiadoasnossasdesgraças,semprelhesfaltouotempopara

    daremnotíciadasnossasvitórias.Masaindaquenesteslivrosse

    vejaobriomilitardosAmericanosPortugueses,tudooqueneles

    se escreve é uma pequena parte a respeito de tão grande todo.

    Sabíamosovalor,comquepoucossoldadosmal-armadosepior

    disciplinados,animando-osozelodaFé,eoamordaliberdadedas

    suasPátrias,souberamvencer,etriunfardeumagentetãovaloro-

    sa,comoaholandesa,emqueéfácildeexaminar,qualsejanela

    maior,seoesforço,seaindústriamilitar.Sabíamosemcomumos

    nomesdosGovernadoresdemuitascapitaniasemquesedividiu

    oagigantadocorpodaquelaconquista,masnãolhessabíamosa

    continuaçãoatéosnossostempos,porqueestasnotíciasatéagora

    eramfilhasdoacaso.Sabíamos,queemalgunsdaquelesBispados

    floresceramPreladosSantíssimos,quecomgenerosoeapostólico

    trabalhoacrescentarãoorebanhodeCristo,masasuasérieera

    ignoradapelosescritores.Sabíamososmilagres,quepeloespaço

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 16 02/10/14 12:16

  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta 17

    detantosséculosescondeuanaturezaatodoorestodomundo;

    e sabíamos que aqueles sertões mais eram povoados de ouro, e

    de pedraria, que de homens; mas tudo isto sabíamos com tanta

    confusão,quenãoseriagrandeerrooafirmar,queeraomesmo,

    queseoignorássemos,porqueestacostumaserapenadoquese

    sabeemconfusão.Paraque tudosesoubessecomdistinção,es-

    creveoCoronelSebastiãodaRochaPitaestaHistória da América

    Portuguesa,quecompreendeduzentosevintequatroanosdetem-

    po,emquesepraticarãotodosaquelesacontecimentos,emque

    mostra a fortuna a firme variedade da sua inconstância. Com a

    devida proporção verão os leitores nesta História todos aqueles

    casosquefizeramfamosasamuitasmonarquias,porqueaquise

    verãopovosmalcontentes,elogosatisfeitos,ver-se-ãopromessas

    de tesouros, umas vezes mal cumpridas, e outras descobertas,

    achar-seoouroemtantaabundância, comose fora terra; e uns

    Governadoresdescuidadosdahumanidadeporculpadadistân-

    cia,eoutrossempreosmesmos,aindaquetãodistantesdaCorte,

    porqueoshomensverdadeiramentecristãosadoramemtodapar-

    teapresençadeDeus;desorteque,atendendoaoqueesteautor

    escreveu,entendoquejustamenteselhedevedarotítulodenovo

    Colon,porquecomoseutrabalho,ecomoseuestudonossoube

    descobriroutromundonovonomesmomundodescoberto.Esta

    Históriaestáescritacomtantaelegância,quesótemodefeitode

    nãosermaisdilatada,paraqueos leitoressepudessemdivertir

    commaiortorrentedeeloquência.Todosossucessosestãoescri-

    tos com tão artificiosa brevidade que se percebem sem defeito

    dasnotíciasnecessárias,porquedeoutrasorteocupariammuitos

    volumes os negócios políticos, e as ações militares de tão gran-

    denúmerodenações,comosãoasquehabitamodilatadíssimo

    sertão da nossa América. Parece-me que Vossa Ilustríssima lhe

    devedaralicençaquepede,paraseimprimirestaHistória,nãosó

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 17 02/10/14 12:16

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o18

    porquenãoofendeaFé,oubonscostumes,senãotambémpara

    quevejaEuropa,quelhenãocedeoBrasilnaqualidadedosescri-

    tores.VossaIlustríssimaordenaráoqueforservido.NestaCasade

    NossaSenhoradaDivinaProvidencia,28deMarçode1727.

    D. José Barbosa

    Clérigo Regular

    VISTAainformação,pode-seimprimirolivrodequesetrata,

    edepoisdeimpressotornaráparaseconferir,edarlicençaque

    corra,semaqualnãocorrerá.LisboaOcidental,30deMarçode

    1727.

    D. F. Arcebispo da Lacedemônia

    DO DESEMBARGO DO PAÇO

    Aprovação de MARTINHO DE MENDONÇA DE PINA E DE

    PROENÇA, Acadêmico da Academia Real da História Portuguesa.

    Senhor.

    LENDOaHistória da América Portuguesa,quecompôsSebastião

    da Rocha Pita, não achei nela coisa, por que se deva negar a li-

    cençadeseimprimir;antesmeparecequenãosomenteédigno

    delouvor,porémaindadeprêmioozelocomqueseuautorquis

    aumentaraglóriadaPátria.Delesevê,queasoberanaproteção,

    que Vossa Majestade concede às artes, e ciências, inspirando os

    maioresescritoresdaEuropa,animatambémosdasmaisdistan-

    tes partes do mundo; pois as remotas e dilatadas províncias da

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 18 02/10/14 12:16

  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta 19

    Américalhetributammaispreciosostesouros,queosdesuasmi-

    nasnestelivro,oqualseadornacomossucessoshistóricos,que

    refere e brilha com vários ornatos poéticos de largos episódios,

    frequentesfiguras,ediscretospanegíricos,quecontém.

    Algumreparosepoderáfazernamiudezacomqueemhistória

    tãosucintarelataalgunssucessosmaisdignosdehorror,esilên-

    cio,quedêmemória,masnãofazerdelesmenção,seriadiminuir

    a glória dos leais, encobrindo a infâmia dos traidores contra as

    severasleisdaHistória;Nihil veri non audeat.Esteéomeuparecer.

    VossaMajestademandaráoqueformaisconvenienteaoseureal

    serviço.LisboaOcidental,25deJulhode1727.

    Martinho de Mendonça de Pina e de Proença

    QUE se possa imprimir, vistas as licenças do Santo Ofício, e

    Ordinário,edepoisdeimpressotornaráàMesaparaseconferir,

    etaxar,quesemissonãocorrerá.LisboaOcidental,1ºdeAgosto

    de1727.

    Marquês P. – Pereira. – Oliveira. – Teixeira. – Bonicho

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  • 3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 20 02/10/14 12:16

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    livro primeiro

    Introdução. – Do Novo Mundo, tantos séculos escondido, ede tantos sábios caluniado, onde não chegarão Hannoncom as suas navegações, Hércules Líbico com as suas colunas,

    nemHérculesTebanocomassuasempresas,éamelhorporção

    o Brasil; vastíssima região, felicíssimo terreno, em cuja superfí-

    cie tudo são frutos, em cujo centro tudo são tesouros, em cujas

    montanhas,ecostastudosãoaromas;tributandoosseuscampos

    omaisútilalimento,assuasminasomaisfinoouro,osseustron-

    cosomaissuavebálsamo,eosseusmaresoâmbarmaisseleto:

    admirávelpaís,atodasasluzesrico,ondeprodigamenteprofusa

    anatureza,sedesentranhanasférteisproduções,queemopulên-

    ciadamonarquia,ebenefíciodomundoapuraaarte,brotando

    assuascanasespremidonéctar,edandoassuasfrutassazonada

    ambrosia,dequeforammantidasombraolicor,evianda,queaos

    seusfalsosDeusesatribuoacultagentilidade.

    Emnenhumaoutraregiãosemostraocéumaissereno,nem

    madrugamaisbelaaaurora:osolemnenhumoutrohemisfério

    temosraiostãodourados,nemosreflexosnoturnostãobrilhan-

    tes:asestrelassãoasmaisbenignas,esemostramsemprealegres:

    oshorizontes,ounasçaosol,ousesepulte,estãosempreclaros:

    aságuas,ousetomemnasfontespeloscampos,oudentrodaspo-

    voaçõesnosaquedutos,sãoasmaispuras:éenfimoBrasilTerreal

    paraísodescoberto,ondetêmnascimento,ecursoosmaioresrios;

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  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o22

    domina salutífero clima; influem benignos astros, e respiram

    aurassuavíssimas,queofazemfértil,epovoadodeinumeráveis

    habitadores,postoqueporficardebaixodatórridazona,odesa-

    creditassem,edessemporinabitávelAristóteles,PlínioeCícero,

    ecomgentiososPadresdaIgrejaSantoAgostinho,eBeda,quea

    teremexperiênciadestefelizorbe,seriafamosoassuntodassuas

    elevadaspenas,aondeaminhareceiavoar,postoqueoamorda

    Pátriamedêasasas,easuagrandezamedilateaesfera.

    Estado em que se achava a monarquia. – Florescia o Império

    LusitanomuitosséculosdepoisdeserfundadoporTubal,amplia-

    doporLuso,eporLísias,edeteremosseusnaturaisgloriosamen-

    tenaPátriaobradoaçõesheroicas,econcorridoforadelaparaas

    maiores empresas, já nos socorros, que deram aos cartagineses

    conduzidosporSafo,paradomaraMauritânia;jánosqueacom-

    panharamaAníbal,paraconquistaraItália;jáconcorrendocom

    Mitridates contra Pompeu, e com Pompeu, e seus filhos contra

    César;edehaveremnadefensadapróprialiberdadefeitoadmi-

    ráveis provas de valor com os seus capitães Viriato, e Sertório

    contraosRomanos;efinalmentedepoisquelivresdasujeiçãodos

    Suevos,dosAlanos,dosGodos,edosSarracenos,tendojálogrado

    noseuprimeiroreiportuguêso invictoD.AfonsoHenriques,e

    nasuarealproleosuavedomíniodetrezesucessivosmonarcas

    naturais,seachavanaobediênciadofelicíssimoReiD.Manuel.

    Mantinha com a Tiara Romana a antiga união, firme com a

    nossaobediência,ereligião;comCastelaestavaempazassegura-

    dapelasnossasvitórias;tinhaamizadecomaCoroaImperial,com

    as de França, Inglaterra, Escócia, Suécia, Polônia, e Dinamarca;

    com as Repúblicas, e Nações Setentrionais, e Italianas, pelos in-

    teresses recíprocos, e comuns das Monarquias; fazia guerra aos

    Mauritanos,aosEtíopes,eaosAsiáticos,paralhesintroduziraFé

    Católica,achava-sedilatadacomosdescobrimentosdasIlhasdo

    PortoSanto,daMadeira,edosAçoresnoOceano;epordiferentes

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  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta 23

    mares,commuitaspraças,eprovínciasemÁfrica;comgrandes

    povoações,econquistasnaEtiópia;ecomeçavaamostrar-lheos

    seusmaioresdomíniosdaÁsia,quandooNovoMundolheabriu

    asportasdasuamaisvastaregião.

    Conforme a conta dos Padres Bussieres, e Saliano. – Tinhajádadoo

    SolcincomilequinhentasecinquentaeduasvoltasaoZodíaco,

    pelamaisapuradacronologiadosanos,quandonodemilequi-

    nhentos da nossa redenção (oito depois que a Cristóvão Colon

    levouaespeculaçãoademandarasÍndias)trouxeatempestadea

    PedroÁlvaresCabraladescobriroBrasil.Háesteilustre,efamoso

    Capitão(oprimeiro,quedepoisdeD.VascodaGama,passavado

    TejoaoIndoeGanges)governandoumaformosaArmadadetreze

    poderosasnaus,comquepartiuaosnovedeMarço,navegandoao

    princípiocomprósperaviagem,experimentouaosdozediastão

    contráriafortuna,quearribandoumdosbaixeisaLisboa,osou-

    troscorrendotormenta,perdidososrumosdanavegação,econ-

    duzidosdaaltíssimaprovidência,maisquedosporfiadosventos,

    naalturadopoloAntártico,dezesseisgrausemeiodapartedo

    Sul,aosvinteequatrodeAbril,avistouignoradaterra,ejámais

    surcadacosta.

    Descobrimento do Brasil. Nomes, que lhe foram impostos. – Nela

    surgindo as naus, pagou o General àquela ribeira a segurança,

    queacharadepoisdetãoevidentesperigos,comlhechamarPorto

    Seguro,eàterraSantaCruz,peloestandartedanossaFé,quenela

    arvoroucomosmaisexemplaresjúbilos,eaosomdetodososins-

    trumentos,eartilhariadaArmada;fazendocomamesmamilitar

    ostentação,epiedadecelebraroSantoSacrifíciodaMissasobre

    umaAra,quelevantouentreaqueleincultoarvoredo,quelheser-

    viudedossel,edeTemplo,acujascatólicascerimôniasestiveram

    admirados,masreverentes,todosaquelesbárbaros,econformes

    comoexemplodosfiéis,premissasdoafeto,comquedepoisabra-

    çaramanossaReligião.Estefoioprimeirodescobrimento,esteo

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 23 02/10/14 12:16

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o24

    primeironomedestaRegião,quedepoisesquecidadetítulotãosuperior, se chamou América, por Américo Vespúcio, e ultima-menteBrasil,pelopauvermelho,oucordebrasasqueproduz.

    A sua situação, e o seu corpo natural. – Jaz o opulento Impériodo Brasil no Hemisfério Antártico, debaixo da zona temperadaMeridional grandíssimo espaço. É de forma a parte Austral aoTrópico de Capricórnio, de donde entra na Zona temperadaMeridionalgrandíssimoespaço.Édeformatriangular;principiapelabandadoNortenoimensoriodasAmazonas,eterminapeladoSul,nodilatadíssimoriodaPrata;paraolevanteobanhamaságuasdoOceanoAtlântico;paraoOcidentelheficamosReinosdeCongo,eAngola,etemporAntípodasoshabitadoresdaÁureaChersoneso,ondeestáoReinodeMálaca.Nasualongitudegran-díssimacontamoscosmógrafosmilecinquentaeseisléguasdecosta, a mais formosa, que cursam os navegantes, pois em todaela,eemqualquertempoestãoassuaselevadasmontanhas,eal-tosarvoredoscobertos,evestidosderoupas,etapeçariasverdes,porondecorreminumeráveiscaudalososrios,queemcopiosas,ediáfanascorrentesprecipitamcristaisnassuasribeiras,oulevamtributo aos seus mares, em que há grandes enseadas, muitos, econtinuadosportoscapacíssimosdosmaioresbaixéisedasmaisnumerosasArmadas.

    O seu terrestre continente.–Asualatitudepelointeriordaterraélarguíssima:maisdequatrocentasléguasseachamjácultivadascomasnossaspovoações,sendomuitasasqueestãopordescobrir.Este famoso Continente é tão digno das suspensões humanas,pelas distâncias, que compreende, e pelas riquezas que contém,como pelas perspectivas, que mostra; porque até em algumaspartes, em que por áspero parece impenetrável, aquela mesmarudeza,queorepresentahorrível,ofazadmirável.Aformosava-riedadedassuasformasnadesconcertadaproporçãodosmontes,naharmoniadeobjetos,quenãosabemosolhosaondemelhorpossamempregaravista.

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  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta 25

    Com inventos notáveis saiu a natureza na composição do

    Brasil; já em altas continuadas serranias, já em sucessivos dila-

    tados vales; as maiores porções dele fez fertilíssimas, algumas

    inúteis;umasdearvoredosnuas,expôsàsluzesdoSol,outrasco-

    bertasdeespessasmatas,ocultouaosseusraios;umascrioucom

    disposições,emqueas influênciasdosastrosachamqualidades

    proporcionadas à composição dos mistos, outras deixou menos

    capazesdobenefíciodasestrelas.Formoudilatadíssimoscampos;

    unspartidosbrandamenteporarroiospequenos,outrosutilmen-

    tetiranizadosporcaudalososrios.Fezportentosaslagoas,umas

    doces, e outras salgadas, navegáveis de embarcações, e abun-

    dantesdepeixes;estupendasgrutas,ásperosdomicíliosdeferas;

    densosbosques,confusascongregaçõesdecaças,sendotambém

    destegêneroabundantíssimoesteterreno;noqualanaturezapor

    váriaspartesdepositouosseusmaiorestesourosdefinosmetais,

    epedraspreciosas,edeixouemtodoeleoretratomaisvivo,eo

    mais constante testemunho daquela estupenda, e agradável va-

    riedade,queafazmaisbela.

    Montes pela parte do norte. – Os montes famosos desta região,

    postoquesejammuitos,ecompitamemgrandeza,sódosmaiscé-

    lebrespelaaltura,pelaextensão,eporoutrascircunstânciasme-

    moráveis, faremosmenção.AoNorteomonteJericoacoara,que

    estandoassentadonocontinentedaterradoCeará,émarco,que

    muitasléguasaolongedescobremasembarcações,quandonave-

    gamparaascapitaniasdoNorte.NodistritodeJaguaribeafamosa

    serra,cujocumeserematacomaformadeSetePãesdeAçúcarda

    Borborema,sitanoPortodosTourosentreoCunhaúeaParaíba,

    quecorrendocomomesmonomeatéaribeiradoPinhancó,dali

    atéaIguapava(emquemaiselevadafenece,escondendo-seentre

    asnuvens)sechamaSerradoAraripe.AmontanhadoArarobá,

    quenascenocontinentedaterradoPortodoCalvo,evaicoma

    mesma grande altura cortando por muitas léguas o interior do

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 25 02/10/14 12:16

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o26

    sertão. O monte das Tabocas em Pernambuco, nove léguas da

    ViladoRecife.AsmontanhasdosGuararapes,queprincipiando

    menoselevadasquatroléguasdamesmaVila,vãocontinuando

    paraosertãocomgrandiosíssimaaltura,eacabamemserranias,

    quepenetramosares;estasmontanhas,eaquelemonte,célebres

    pelastrêsfamosasvitórias,quenelesalcançamosdosholandeses

    emtrêssanguinolentasbatalhascampais.

    Montes pela parte do sul.–ParaoSulacordilheirademontes,

    que começando na Capitania dos Ilhéus com o nome de Serras

    dos Aimorés, e atravessando as do Porto Seguro, e do Espírito

    Santo,vãoporcentoequarentaetrêsléguasdecursoacabarna

    enseadadoRiodeJaneiro,ondelheschamamMontesdosÓrgãos.

    NocaminhodaquelacidadeparaasMinasGeraisaaltíssimaSerra

    daItatiaia.NosvastosdistritosdasMinasdoOuro,asinacessíveis

    serranias,decujasvertentes(dizemosseusdescobridores)nasce

    ograndíssimoriodeSãoFrancisco.NasprópriasMinasdoSulo

    opulento Serro Frio, que tem mais partes de ouro, que o Potosí

    tevedeprata.AestupendaSerradeParanapiacaba,quetendoas-

    sentonocontinentevizinhoàsVilasdeSantos,eSãoVicente,vai

    inconstantementesubindoemvoltas,umassobreomar,outras

    paraointeriordaterra,edandoporalgumaspartesentradame-

    nosdifícil,poroutrasestreito,efragosotrânsitoparaacidadede

    SãoPaulo,quelheficapeloSertãoseteléguasdistante.

    Apartadoquaseduasdaditacidade,océlebremonteJaraguaí,

    dosprimeiroscorposterrenos,quenaquelaregiãosoltaramveias

    de ouro. Junto à Vila de Sorocaba, o monte Marocoiaba, tão ro-

    busto,quetemdeferroasentranhas.NaViladeTaubaté,agran-

    demontanhadeItajubá.OaltomonteAiapi,fronteiroàVilade

    Parnaíba.Entreela,eadeUtu,aSerradeAputerihibu.Nocaminho

    dasnovasMinasdoCuiabá,acordilheiradosmontesdeIboticatu;

    e mais ao Sul a do Cochipone. Finalmente, das elevadíssimas

    montanhasdanossaPortuguesaAmérica,umasparecemteraos

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  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta 27

    ombrosocéu,outraspenetrá-locomacabeça.Nãosejactemsó

    África,eGréciadosseusdoissagradosmontes,porquetambém

    (amenosostentaçãodecultos)temAtlanteseOlimposoBrasil.

    As suas portentosas campanhas e vales.–Todaamaiorporçãodo

    seuterrenosedilataemgrandíssimascampanhasrasas,tãoesten-

    didas, que caminhando-se muitas léguas sucessivas sempre pa-

    recequevãoterminarnoshorizontes.Valestãodesmedidos,que

    emlarguíssimosdiâmetros,émenosdifícilabrir-lhesoscentros,

    que compreender-lhes as distâncias no comprimento, e largura

    dassuasplanícies.Nestedilatadíssimoteatro,emqueanatureza

    comtantas,etãováriascenasrepresentaamaiorextensãodasua

    grandeza, e apura todos os alentos dos seus primores, regando

    com portentosos rios amplíssimas províncias, e posto que lhes

    não possamos seguir as correntes, é preciso lhes declaremos os

    nomes,primeiroaosmaiscélebres,edepoisaoutrostambémfa-

    mosos,quandoaelesforchegandoaHistória.

    Rios mais famosos desta Região.–OriodasAmazonas,ouGrão-

    -Pará,quepuderaserpaide todosos rios;comooOceanoépai

    detodososmarestendoprincípiolonguíssimonomaisinterior

    seiodoreinodoPeru,comocorpodeestupendovulto,notrân-

    sitode inumeráveis léguasporumabocadeoitentade largose

    desentranha no mar tão impetuoso, que transformando-lhe as

    ondassalgadasemáguasdoces,asbebemosnavegantes,setenta

    léguasantesdechegaremàfoz.Aesterio,comograndíssimoin-

    tervalodecentoesessentaléguasdecosta,porondedesembocam

    outros (postos que inferiores, também generosos rios) se segue

    o Maranhão, que com imenso comprimento, e largo corpo, por

    dezesseteléguasdecapacidadedeboca,vomitaassuaságuasno

    Oceano.DorioMaranhão,emdistânciadecentoetrintaequa-

    troléguasdecosta,correoJaguaribe,tambémcaudaloso.Delese

    contamquarentaléguasaorioGrande,quelevacopiosotributo

    aomar.DorioGrande,correndoacostaporcentoevinteesete

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  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o28

    léguasdedistância,quecompreendeosCabosdeSãoRoqueede

    SantoAgostinho,nostrezeriosdegrossoscabedais,sendoentre

    elesomaisricoedemaisestiradonascimentooParaíbanestapro-

    víncia,eoBeberibenadePernambuco.

    Distantecinquentaléguasporcosta,numeradasdesdeoCabo

    deSantoAgostinho,estáograndíssimoriodeSãoFrancisco,que

    comoGrão-Pará,eodoPrata,podemfazerumTriunviratodas

    águas,dominantesobretodososriosdoMundo.Sãoassuasmar-

    gensmaispovoadasquetodasasdosoutrosdoBrasil,seguidasas

    suasribeiraspelocontinente,maisdequatrocentasléguas;fecun-

    díssimas,emedicinaisassuaságuas,navegáveisdeembarcações

    medianas mais de quarenta léguas pelo sertão; por duas abre a

    boca, querendo tragar o mar quando nele entra, e por muitas o

    penetra,adoçando-lheasondas.Enganaram-sealgunsescritores

    emdizerqueesterionomeiodoseucurso,porumsumidourose

    metenaterra,edepoisdepenetrar-lheasentranhaspeladistância

    dedozeléguastornaasaircomamesmacopiosacorrente;sen-

    doocerto,queestreitando-seentreduascordilheirasdemontes

    opostos,edilatadosemtodoaqueleespaço,parecequesesubter-

    ra,enquantoporestacausaseesconde,afirmandoosgentiosque

    daquelasmontanhasévistocorrerpelasruasraízesdescoberto.

    Deste portentoso rio se contam até a barra da Bahia setenta

    léguasdecosta,emcujograndeespaçocorremaomarvintefa-

    mososrios,sendoentreelesdemaiorgrandezaosdeSergipe,Rio

    Real,eItapicuru.DabarradaBahia,correndoaspraiassessenta

    léguas,estáorioSantaCruznoPortoSeguro.Nesteintervalotri-

    butamcopiosaságuasaoOceanotrintarios,avultandopormais

    célebresoTaigpé,oCamamu,oJaguaribe,odasContas,eodeSão

    Jorge.EmdistânciadoriodeSantaCruz,quarentaecincoléguas,

    ficaorioDoce,recolhendoaságuasdeoutrosmuitos,comque

    levagrossotributoaomar,sendoumdosfeudatáriosaesterioo

    dasCaravelas,tambémnotável.

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 28 02/10/14 12:16

  • h i s t ó r i a d a a m é r i c a p o r t u g u e s a | s e b a s t i ã o d a r o c h a p i ta 29

    NoespaçodeoitentaléguasquehádorioDoceaCaboFrio,corremvinteequatrorioscaudalosos.DezoitoléguasdistantedeCaboFrioficaaenseadadoRiodeJaneiro,emquedesembocamdezessete.Nointervalodequarentaeduasléguas,quesecontamdelaporcostaàbarradeSãoVicente,hátrintariosdepuríssimaságuas.TrintaléguasadianteestáorioCananeia,comgrandefoz,enavegávelatodoogênerodeembarcações.EmduzentasléguasdecostaquehádoriodaCananeiaaodaPrata, seachamvintegrandesrios,sendoosmaioresodeSãoFranciscodoSul,eodosPatos.

    Ultimamente descoberto se segue o estupendo rio da Prata,maiorquetodos,esóinferioraoGrão-Pará,oudasAmazonas:trazoseunascimentodamesmamãe;epostoqueirmãomenor,temocursoquaseigualmentedilatadomaspordiferenterumo;cor-rendoodasAmazonasparaoNorte,eodaPrataparaoMeio-dia.EmlarguradecinquentaléguasdefozentrapeloOceano,eoutrastantas,antesdeoapartarem,vãoosnavegantesbebendodocesassuaságuas.OsescritoresimpropriamentelhechamamtambémParaguai,sendoesteonomedeoutrorio,que,recolhendomaisdoisnoseuregaço,vaicomelesaentranhar-senodaPrata,nãonoprincípiodoseunascimento,masjánoprogressodoseucurso.

    Ilhas mais célebres desta costa.–Baixosdemaisnome.Nobojodeum,enabocadeoutrosevêmdoisarquipélagosdeIlhas,sendomenosasqueseachamnadistânciamarítima,quehádeumaoutro:ondeasmaiscélebressãoadeItamaracá,adeSantoAleixo,adeSãoSebastião,aIlhaGrande,eadeSantaCatarina;eporestacausa são os mares de toda esta costa tão limpos, e navegáveis,poisnãoachamosmareantesoutrosbaixoscélebres,edignosdeatençãoparaacauteladoperigo,maisqueodeSãoRoque,odeVasa-BarrisemSergipe,odeSantoAntônionabarradaBahiaeosAbrolhos.

    Rumos da navegação pela costa da nossa América.–Osrumosda

    navegaçãopelascostasdanossaAméricaPortuguesadeNortea

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  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o30

    Sul,eosventos,comquesefazemasviagensparaassuasalturas,

    e para os seus portos, exporemos, declarando, que de um grau

    Austral, saindo do Grão Pará para o Sul, nenhuma embarcação

    redonda pode navegar as costas das seis Províncias, Maranhão,

    Ceará,RioGrande,Paraíba,Itamaracá,ePernambuco,porcorre-

    remviolentasaságuaspelacostaabaixoaoOeste,ecursarempor

    elaimpetuosososventosSuestes,eLes-Suestes,causapelaqual

    doGrão-ParásevãoosnaviosfazendonavoltadoNorteatéaaltu-

    radedezoito,evintegrausdelatitudepeloSudoesteeOeste,para

    dobraremoCabodeSantoAgostinho,eprosseguiremaviagem

    paraasoutrasprovínciasdoBrasil;masdoreferidoCaboparao

    Grão-Paráéperpétuaamonção,navegáveisosmares,eosventos

    deservirsemprefavoráveis.

    NoCabodeSantoAgostinho,queestáemoitograus,eumter-

    ço,correacostapeloNoroeste.DeleaoriodeSãoFrancisco,que

    fica em dez graus, e meio, corre a costa Nor-Nordeste Sudoeste.

    DoriodeSãoFranciscoaoRioRealqueestáemonzegraus,eum

    quarto,orumoNordesteSudoeste.DoRioRealàpontadeItapoá,

    que está em treze graus, corre Nordeste Sudoeste. Da ponta de

    ItapuãàdeSantoAntôniodabarradaBahia,queficanamesma

    altura,correacostaLesteOeste.DapontadeSantoAntônioao

    Morro, que fica em treze graus, e dois terços, corre a costa Nor-

    NordesteSu-Sudoeste.DoMorroaosIlhéus,queestãoemquinze

    grausescassos,correNorteSul.DosIlhéus,aoPortoSeguro,que

    estáemdezesseisgrausemeio,correacostaomesmorumo.Do

    PortoSeguroaosAbrolhos,queestãoemalturadedezoitograus,e

    lançamaomarcinquentaecincoléguas,correacostaNorteeSul.

    DosAbrolhosaoEspíritoSanto,queestáemalturadevintegraus,

    correaoNortequartadeNordeste,aoSulquartadoSudoeste.

    DoEspíritoSantoaoCaboFrio,queestáemvinteetrêsgraus,

    vaicorrendoacostaatéapontadoCabodeSãoTomépeloSul

    quarta do Sudoeste, e desta até o Cabo Frio pelo Sudoeste. Do

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    CaboFrioatéoRiodeJaneiro,queficanamesmaalturadevinteetrêsgraus,correacostaLesteOeste.DoRiodeJaneiroaoPortodeSantos,queestáemvinteequatrograus,correacostaaOes--Sudoeste.DeSantosaoriodeSãoFranciscodoSul,queestáemalturadevinteeseisgraus,edoisterços,vaicorrendoacostapeloSudoestequartadoSul.DeleàIlhadeSantaCatarina,cujaalturasãovinteeoitograus,emeio,correaoSudoestequartadoSul.DaditaIlhaaoriodaLagoa,queestáemalturadetrintaedoisgraus,correacostapeloSudoesteguinandoparaoSul.DaliaoCabodeSantaMaria,queficaemalturadetrintaecincograus,corre-seacostaaoSudoeste.

    Diversos movimentos do Oceano pelas mesmas Costas. Causa des-ta variedade. – Tem o Oceano nestas costas diverso movimento,ecursono círculodoano,porquedo Cabo de Santo AgostinhocorremaságuasparaoSuldesdevintedeOutubroatévintedeJaneiro;devintedeJaneiroatévintedeAbril,estãoindiferentesnocurso;devintedeAbrilatévintedeJulho,corremparaoNorte;edevintede JulhoatévintedeOutubro,semostramoutravezcomaindeclináveis:porémdoCabodeSantoAgostinhoatéoriodasAmazonas,temsempreumamesmaarrebatadacorrenteportodaaquelacostaparaLoesteatéoGrão-Pará.Arazãonaturaldes-tavariedadeé,porquecomooSolferecomperpendicularesraiososmaresdaTórridaZona,eoseucalorconsomegrandeporçãodaságuasdoOceanoAtlântico,eEtiópico,convertendoumasemnuvens,eatenuandooutrasemar,dispôsaprovidanaturezaqueoOceanoBorealtransformecomoseuúmidotemperamentoemsi o ar vizinho, e conceba um contínuo aumento de águas, quecorrendoparaoSul(comoasqueoOceanoAustralparticipadaZonaFrígida,corremparaoNorte)seconformemambosparaaconservaçãodotodo,suprindoumeoutroOceanocomassuaságuas,asquenaZonaTórridaseconsomem.

    Vista já, posto que em sombras, a pintura do corpo natural

    destaRegião,abenevolênciadoseuclima,aformosuradosseus

    3 • Historia da America portuguesa - BBB (540) PRETO.indd 31 02/10/14 12:16

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o32

    Astros, a distância das suas costas, o curso da sua navegação, o

    movimentodosseusmares,objetos,quemereciammaisvivos,e

    dilatadosrascunhos;mostraremostambémembrutescobreve,as

    suasproduções,frutos,plantas,lavouras,emanufaturas,comque

    osPortuguesesforamfazendograndesosinteressesdoseucomér-

    cio,easdelíciasdassuasPovoações,eoutrasárvores,flores,efru-

    tasestrangeiras,quecomotempolhesintroduziram,recebendo-

    -as a terra para as produzir tão copiosamente, que bem mostra,

    quesódondenãoécultivada,deixadeserprofusa:exporemoso

    mimodosseusmariscos,oregalodosseuspescadoseariqueza

    dassuaspescarias;detudodaremosbreve,masdistintanotícia.

    Planta da cana. Manufatura do açúcar.–Acana(plantacomum

    atodaaAméricaPortuguesa)secultivaemsítiosprópriospara

    a sua produção, que se chamam Massapes; uns em terra firme,

    outrosemIlhas.Estendida,semetenaterra,edelavãobrotando

    olhos,quecrescendoentreassuasfolhas,parecemàvistasearas

    detrigo.Quandoestãosazonadas,epeloconhecimentodoslavra-

    dores perfeitas, de dezoito meses nos continentes, e de um ano

    nasIlhas,secortam,elevamparaosengenhos,ondeespremidas

    eminstrumentos,quecham