histÓrico dos direitos das crianÇas e dos adolescentes - eca

11
HISTÓRICO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES Nem sempre houve legislação para assegurar os direitos da criança e do adolescente. A principal mudança de paradigmas no Brasil iniciou-se com a Constituição de 1988 e consolidou-se com Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído na Lei nº 8.069/1990. O ECA colocou a criança e o adolescente como preocupação central da sociedade. A partir de então, pela primeira vez na história nacional, crianças e adolescentes passaram oficialmente a ser conhecidos e respeitados como sujeitos de direitos. O ECA não foi fruto somente da Constituição Federal. O Estatuto foi um dos primeiros reflexos da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, de 1989, adequando sua legislação à doutrina da proteção integral. Antes do ECA havia o Código de Menores (Lei nº 6.697/1979). Nele, a doutrina adotada era a da proteção ao menor em situação irregular, ou seja, os menores (denominação antiga) somente mereciam consideração legal ou judicial quando se encontravam em situação “irregular”, que abrangia os casos de orfandade, abandono, práticas de infrações penais, falta de assistência ou representação, entre outras. O Código de Menores, portanto, cuidava do conflito e não da prevenção; crianças e adolescentes eram objetos da lei e de medidas judiciais, mas não eram sujeitos de direitos. O adolescente era considerado em situação irregular e não em situação de risco ou de vulnerabilidade. Atualmente, com a vigência do ECA, a situação mudou: o princípio que rege o estatuto é o da proteção integral para todas as crianças e adolescentes e não somente àqueles em situação de vulnerabilidade. CÓDIGO DE MENORES (1979) E ECA (1990)

Upload: fernandorochel

Post on 25-Jul-2015

64 views

Category:

Education


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: HISTÓRICO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES - ECA

HISTÓRICO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES

Nem sempre houve legislação para assegurar os direitos da criança e do adolescente. A principal mudança de paradigmas no Brasil iniciou-se com a Constituição de 1988 e consolidou-se com Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído na Lei nº 8.069/1990.

O ECA colocou a criança e o adolescente como preocupação central da sociedade. A partir de então, pela primeira vez na história nacional, crianças e adolescentes passaram oficialmente a ser conhecidos e respeitados como sujeitos de direitos.

O ECA não foi fruto somente da Constituição Federal. O Estatuto foi um dos primeiros reflexos da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, de 1989, adequando sua legislação à doutrina da proteção integral. Antes do ECA havia o Código de Menores (Lei nº 6.697/1979). Nele, a doutrina adotada era a da proteção ao menor em situação irregular, ou seja, os menores (denominação antiga) somente mereciam consideração legal ou judicial quando se encontravam em situação “irregular”, que abrangia os casos de orfandade, abandono, práticas de infrações penais, falta de assistência ou representação, entre outras.

O Código de Menores, portanto, cuidava do conflito e não da prevenção; crianças e adolescentes eram objetos da lei e de medidas judiciais, mas não eram sujeitos de direitos. O adolescente era considerado em situação irregular e não em situação de risco ou de vulnerabilidade. Atualmente, com a vigência do ECA, a situação mudou: o princípio que rege o estatuto é o da proteção integral para todas as crianças e adolescentes e não somente àqueles em situação de vulnerabilidade.

CÓDIGO DE MENORES (1979) E ECA (1990)

Observe as principais mudanças paradigmáticas ocorridas, uma breve comparação entre o ECA e o revogado Código de Menores.

CÓDIGO DE MENORES (1979)Ditadura militarMenorObjeto da leiEstadoSituação irregularInfração penal (o que classificaria um criminoso)Defesa da sociedadeDoutrina da situação irregular

ECA (1990)Sociedade democrática e participativa

Page 2: HISTÓRICO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES - ECA

Criança e adolescenteSujeito de direitos e deveresEstado, família e sociedadeSituação de vulnerabilidadeAto infracional (o que classificaria um menor infrator)Defesa e proteção do indivíduoDoutrina da proteção integral

PRIORIDADE ABSOLUTA E PROTEÇÃO INTEGRAL

A Constituição Federal e o ECA (art. 1º) falam em prioridade absoluta e proteção integral.

Segundo o art. 227 da Constituição:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Segundo o art. 4º do ECA:

A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

PRINCIPAIS NORMAS NACIONAIS DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

No âmbito nacional, as principais normas para assegurar os direitos da criança, são:

Constituição Federal Brasileira Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/1990 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/1996 Lei Orgânica da Assistência Social – Lei nº 8.742/1993 – e Resoluções

do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária (PNCF) Sistema Nacional de Medidas Socioeducativas (SINASE) – Lei nº

12.594/2012 Sistema Único de Assistência Social (SUAS) – Lei nº 12.435/2011 Sistema Único de Saúde (SUS) – Lei nº 8.080/1990

Page 3: HISTÓRICO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES - ECA

DOCUMENTOS INTERNACIONAIS E DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A consolidação dos Direitos da Criança e do Adolescente reflete a evolução histórica dos Direitos Humanos, consagrados sobretudo nos seguintes documentos internacionais:

1948 – Declaração Universal dos Direitos Humanos – Assembleia Geral das Nações Unidas

1959 – Declaração Universal dos Direitos das Crianças 1969 – Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San

José 1989 – Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança –

Assembleia Geral da ONU 2000 – Protocolo Opcional para Convenção sobre os Direitos da Criança

– Assembleia Geral da ONU

DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais da criança e do adolescente estão previstos nos artigos 7º ao 69 do ECA e se dividem da seguinte forma:

O direito à vida e à saúde (artigos 7 ao 14) O direito à liberdade, ao respeito e à dignidade (artigos 15 ao 18); O direito à convivência familiar e comunitária (artigos 19 ao 52); O direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer (artigos 53 ao 59); O direito à profissionalização e à proteção no trabalho (artigos 60 ao 69).

PROTEÇÃO À VIDA, À SAÚDE E AO DESENVOLVIMENTO

Os artigos 8º, 9º e 10º do ECA dão atenção ao nascimento, e os artigos 11, 12, 13 e 14 do ECA referem-se às garantias relacionadas ao desenvolvimento da criança e do adolescente.

O art. 7º do ECA afirma:

A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

O direito à vida e à saúde de crianças e adolescentes são garantidos por meio de políticas públicas, que são diretrizes, ações do Estado com vistas ao interesse social. Com relação à infância e à juventude, essas ações buscam o atendimento das demandas e necessidades dos setores da infância e da juventude, visando garantir a plenitude dos direitos de crianças e adolescentes.

DIREITO À VIDA E À SAÚDE

O direito à vida e à saúde contemplam, entre outros, os seguintes direitos:

Page 4: HISTÓRICO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES - ECA

Proteção ao nascituro e dos seus direitos fundamentais, tais como direito ao tratamento médico, ao diagnóstico pré-natal, direito à pensão alimentícia;

Direito ao nascimento saudável, com políticas públicas voltadas para a gestante, visando a um parto tranquilo, além de apoio alimentar, aleitamento materno, identificação do recém-nascido, prevenção de anormalidades, entre outras;

Direito ao desenvolvimento saudável e harmonioso;

Atendimento integral à saúde da criança e do adolescente pelo SUS;

Atendimento especializado para crianças e adolescentes com deficiências, inclusive com acesso às tecnologias assistivas, tais como adaptações ambientais, tecnológicas, fornecimento de órteses, próteses e/ou meios auxiliares de locomoção etc;

Fornecimento gratuito de medicação;

Condições especiais para a internação de crianças e adolescentes;

Vacinação obrigatória;

Denúncias em caso de maus-tratos a crianças e adolescentes.

DIREITO À LIBERDADE, AO RESPEITO E À DIGNIDADE

O direito à liberdade, ao respeito e à dignidade é assegurado nos artigos 15, 16, 17 e 18 do ECA. Segundo o art. 15:

A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

O ECA (art. 16) garante o direito à liberdade. Essa garantia compreende: o direito de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; o direito de opinião e expressão; o direito de crença e culto religioso; de brincar, praticar esportes e divertir-se; de participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; de participar da vida política, na forma da lei; de buscar refúgio, auxílio e orientação; e o direito ao respeito (art. 17), que consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente.

É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

Page 5: HISTÓRICO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES - ECA

O direito à convivência familiar, assegurado nos artigos 4º (caput) e 19 a 52 do ECA, foi uma importante inovação trazida pelo estatuto como um dos direitos fundamentais a serem assegurados a todas as crianças e adolescentes com a mais absoluta prioridade. Esse direito procurou afastar e romper, de uma vez por todas, a tradicional prática da institucionalização de crianças e adolescentes em casas de acolhimento, abrigos, orfanatos e similares, com nefastos efeitos.

Segundo o art. 19:

Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

FAMÍLIA E CONVÍVIO SOCIAL

FamíliaA família é o ambiente saudável e natural para a educação e o desenvolvimento da pessoa, com segurança e proteção. O direito à convivência familiar é o direito de ser educado no seio da família, preferencialmente com a família biológica.Convívio socialÉ a vida social e coletiva. O direito ao convívio social é a base para o exercício da cidadania e permite que todas as crianças e adolescentes sejam amados, acolhidos, respeitados e tenham uma vida digna na comunidade.

DIREITO À EDUCAÇÃO

A educação é um elemento fundamental para a transformação das pessoas e do mundo. O artigo 53 do ECA aponta como objetivos da educação:

O pleno desenvolvimento da criança e do adolescente; O preparo para o exercício da cidadania; A qualificação para o trabalho.

CONDIÇÕES DA EDUCAÇÃO

Para garantir os objetivos da educação, é preciso que as condições do art. 53 do ECA sejam asseguradas. São elas:

a) igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

b) direito de ser respeitado por seus educadores;

c) direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

d) direito de organização e participação em entidades estudantis;

e) acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

Page 6: HISTÓRICO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES - ECA

DEVERES DO ESTADO EM RELAÇÃO À EDUCAÇÃO

Segundo o artigo 54 do ECA, são deveres do Estado em relação à educação:

Assegurar Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiverem acesso na idade própria (educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria, conforme Emenda Constitucional nº 59/2009).

Garantia do Ensino Médio pela rede pública, prevista no art. 4º, I, c, da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), alterada pela Lei nº 12.796/2013.

Atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 4º, III, da LDB).

Educação infantil gratuita às crianças de até 5 anos de idade.

Acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.

Oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador.

Atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (EC nº 59/2009).

DIREITOS E RESPONSABILIDADES DE PAIS/RESPONSÁVEIS E DIRIGENTES DE ESCOLAS

Direitos e responsabilidades de pais e/ou responsáveis

Conforme o ECA, são direitos e responsabilidades dos pais e/ou responsáveis:

Direito de ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais (artigo 53, parágrafo único do ECA);

Obrigatoriedade de matricular o filho na escola, art. 55 do ECA.

DIREITOS E RESPONSABILIDADES DE DIRIGENTES DE ESCOLAS:

Segundo o artigo 56 do ECA, os dirigentes de escolas devem comunicar ao Conselho Tutelar os casos de:

Maus-tratos envolvendo seus alunos; Reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os

recursos escolares; Elevados níveis de repetência.

Page 7: HISTÓRICO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES - ECA

EDUCAÇÃO E REALIDADE CULTURAL

O ECA busca valorizar a realidade cultural própria do contexto social da criança e adolescente. Segundo o art. 58:

No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura.

O artigo 59 incentiva a criação de espaços e recursos para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude.

DIREITO À PROFISSIONALIZAÇÃO E À PROTEÇÃO NO TRABALHO

A profissionalização é um direito e decorre do processo educacional que visa ao pleno desenvolvimento do adolescente, ao preparo para o exercício da cidadania e à qualificação para o trabalho. A Constituição Federal proíbe qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz (a partir dos quatorze anos). Dos 16 aos 18 anos o trabalho é protegido, com todos os direitos trabalhistas e previdenciários.

E o que é aprendizagem?

É a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação educacional em vigor. A aprendizagem precisa ser compatível com o desenvolvimento físico, moral, psicológico e social do adolescente. Ao adolescente aprendiz são garantidos todos os direitos trabalhistas e previdenciários.

O ECA E O TRABALHO

Ao adolescente é proibido o trabalho (de acordo com o art. 67 do ECA):

I - noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte;

II - perigoso, insalubre ou penoso;

III - realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social;

IV - realizado em horários e locais que não permitam a frequência à escola.

Segundo o art. 69:

O adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observados os seguintes aspectos, entre outros:

I - respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;

II - capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho

Page 8: HISTÓRICO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES - ECA

OUTROS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Muitos outros direitos fundamentais estão previstos ao longo do ECA. Por exemplo:

Do art. 106 ao art. 109 do ECA, são apresentados os direitos processuais, como: a criança ou o adolescente somente pode ser apreendida em caso de flagrante pela prática de ato infracional ou por ordem judicial; em caso de apreensão, a família deve ser comunicada etc.

Nos artigos 110 e 111, há as garantias processuais, tais como devido processo legal, o direito à ampla defesa, entre outros.

O artigo 124 trata dos direitos do adolescente privado de liberdade: o direito de ser tratado com dignidade, de receber escolarização e profissionalização, de realizar atividades culturais, esportivas e de lazer etc.

Fonte: Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores - EFAP