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C I S S YUSP _ UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Reitor: Prof. Dr. Adolpho José MelfiVice-Reitor: Prof. Dr, Hélio Nogueira da Cruz

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Prof", Dr'. Beth Brait (Letras)

Capa: José Luís Solsona da Silva e Ana Carolina P. Romero Lopes/SENAI Artes Gráficas-SI'.

Fotos da capa: Eduardo Cas tanho, Eliana Lopes, Rogerio Voltan

A tradução da apresentação do livro foi feita por: Rosalba Facchinetti

Proibida a reprodução parcial ou integral, desta obra,

por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive

por processo xerográfico, sem permissão expressa

do editor (Lei n". 9.610, de 19.02.98).

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Impresso no Brasil/ Printed in Brazil

Novembro 2002

~ia M~ria de Freitas

H ís tór ia O r é 1 1

Poss ibi l tdade s e procedimentos

\;\~FFLCH/USP

2002

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

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© Copyrighr 2002 by Sónia Maria de Freitas

Serviço de Biblioteca e Documentação da Faculdade de Filosofia,

Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

F866 Freitas, Sónia Maria de

História oral: possibilidades e procedimentos I Sónia

Maria de Freitas. - São Paulo: Humanitas I FFLCH IUSP: Imprensa Oficial do Estado, 2002.

"Dirás o que puderes lembrar. Trabalhocom fragmentos de episódios, restos de acon-tecimentos, e tiro disso tudo uma história,tecida num desenho providencial. Quandome salvaste, tu me deste o pouco futuro queme resta e te recompensarei, devolvendo a

ti o passado que perdeste.Mas minha história talvez não faça ne-l

nhum sentido ...

Não existem histórias sem sentido. Sou'UlTIdaqueles homens que o sabem encon-ltrar até mesmo onde os outros não o vêem.

Depois disso, a história se transforma no li-I\vro dos vivos, como uma trombeta podero-

sa, que ressuscita do sepulcro aqueles quehá séculos não passavmTI de pó ... Para isso,todavia, precisamos de tempo, sendo real-

mente necessário considerar os acontecimen- \tos, cornbiná-los. descobrir-lhe os nexos,111eSlTIOqueles menos visíveis ... /I (diálogO

Je Baudolino com Nicetas Coniates, na obraBeudolino, de Humberto Eco, p. 17).

145 p.

ISBN 85-7506-082-1 (Humanitas)

ISBN 85-7060-124-7 (Imprensa Olicial do Estado)

1. História Oral (Metodologia) 2. História Oral- Brasil

I. Título

CDD 907.0981

Foi feito o depósito legal

HUMANITASFFLCHlUSP

Editor Responsável

Prol. Dr. Milton Meira do Nascimento

Coordensçêo Editorist

M'. Helena G. Rodrigucs - MTI n, 21l.8~O

Projeto Gráfico, Di<7gram,?ç:io C OII:ltlll//l/(' /I 11118 /l1 i11l 1 '1I . '

Marcos Eriv rron Vlelr ••

Ne vis, 1/1

Thols 1()tI,l0 RI.'IIII'1

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/

SUMARIO

Apresentação 9

Prefácio 15

História Oral: a busca de uma definição 17

_ História Oral xMeios de Comunicação 22

A História da História Oral 27

- A Experiência em História Oral

na Grã-Bretanha ··· ·· 29

- A História Oral no Brasil 31

História x História Oral xMemória 39

- As Reminiscências da Memória 51

- Lembrança e Esquecimento 60

- Da "Memória Pura" à"Memória Histórica" 64

_ Seletividade e Subjetividade 68

História Oral: potencialidade e possibilidades 79

Metodologia de Coleta e Utilizaçãoda História Oral ·· ····· ·· ·· ·· 85

- Elaboração de Projeto 87

_ Pesquisa 89

- O Roteiro ·.···· ·· ···· ···· ··· ·· 91

- A Entrevista e suas

Estratégias de Condução 93

- Local da Entrevista ···· ·· · 99

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 7

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- - - - - - - - - - - - - - - ~ - - - - ·i

- Duração 100

- Procedimentos Pós-Entrevista 100

- Questões Éticas e Legais 103

História Oral x Projetos

Individuais e Institucionais 105

- O Uso do Vídeo 113

- A Transcrição 114- Produtos e Subprodutos 114

- Critérios Arquivísticos:

e armazenamento catalogação 115

Considerações Finais 117

Apêndice

- Modelo de Roteiro para

Entrevista com Imigrantes 121

- Modelo de Termo de Cessão Gratuita

de Direitos sobre Depoimento Oral 128

- Termo de Compromisso de Uso 129

- Programa de Documentação

Oral/Catálogo das Coleções 130

Bibliografia 131

Anexo Fotográfico 135

Apresentação

Este livro de Sônia Maria de Freitas é oresultado de uma longa experiência de tra-balho com fontes orais, o qual cobre o âmbi-to de problemas levantados por essa meto-dologia de pesquisa histórica: da reflexãoteórico-metodológica à prática do trabalho de

campo; da entrevista e transcrição ao arqui-vamento e conservação. Portanto, sua clare-za, nunca superficial, é, ao mesmo tempo,um instrumento útil de orientação para aque-les que se aproximam pela primeira vez dahistória oral e de reflexão para os pesquisa-dores experientes.

Trata-se, portanto, de um outro molde

de construção da tradição no calnpo da his-tória oral. Nem todos, no país e fora dele,percebem o fato de que há pelo menos dezanos, o Brasil está na vanguarda neste cam-po, no plano internacional. São sinais disso:o sucesso do congresso da International OralHistory Association organizado pelo CPDOC,da Funda ão Getúlio Var as, em lJ98L. a elei-

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ção e sucessiva reeleição de Marieta de Mo-

raes Ferreira na J2resid~nci9-in!~~IJ-ªci9naldoIOHA; a ativa e numerosa presença brasileira

~ngressos internacionais (tanto em Is-

tambul em 2000, como em Pietermaritzburg,na África do Sul, em 2002 - a delegação bra-

sileira foi a mais numerosa), e o aumento deprojetos, arquivos, revistas, publicações,

eventos em várias partes do país.

A razão deste desenvolvimento são

muitas e são em grande parte apresentadas

neste livro. Por exemplo, sempre me impres-

Isionou o cosmopolitismo da formação teóri-ca e metodológica dos historiadores brasilei-

ros (bem como de outros países da América

Latina): basta ver as bibliografias, incluindo

a deste volume, para perceber que cobrem

facilmente a produção teórica e a pesquisaproveniente de países e tradições diversas(anglo-saxônica, francesa, italiana, etc.).Constantemente, na Europa e Estados Uni-

dos, essas tradições não se comunicam mui-to entre si - e se conhece muito pouco das

sofisticadas contribuições dos historiadoresorais latino-americanos. Paradoxalmente, e

talvez pela sua posição original em relaçãoaos centros tradicionais, a história oral bra-sileira é capaz de ser menos provinciana e

mais eclética.

No entanto, ela coloca-se num contextohistórico e social em que a relação com umaluralidade de culturas orais tanto tradicio-nais .s.2-mo~rbapas e contemporàneas, émuito mais intensa e comum do que na Eu-ropa e na América do Norte. Isso confere à

história oral brasileira uma dimensão intrin-secamente interdi cíplínar, em que história,antropologia, música, folclore e etnografia seentrelaçam de tal maneira, que não é maispossível definir os tradicionais limites entreas disciplinas (comprovam-no, neste livro,as freqüentes referências ao trabalho de Car-los Sebe Bom Meihy). A isso soma-se a rela-

ção participativa de im ortantes movimen-tos populares e sociaisLurb-ªnQse rurais,_parao~ quais a oralidade rEpresenta um instru-rn~tº primário de CO}IlUniciçª9é de_agre-gação e que, portanto, se prestam de formaparticularmente adequada ao_trabalho .comas fon-tes orais.

Enfim, acrescento que os traços aind3)

recentes e dolorosos da ditadura militar c0r:--IOferem uma relevância e uma intensidade mui- +-to especial ao trabalho sobre a memória: se'llna Itália, a história do antifascismo e da re-sistência constituem, há meio século de dis-tância, ainda o terreno privilegiado da histó-'ria oral, isto é muito mais verdade para paísescomo o Brasil, onde a distância temporal e

10 I APRESENTAÇÃO SÓNIA MARIA DE FREITAS I 11

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de gerações é muito mais curta (e isto é visí-vel também naqueles trabalhos de históriaoral da elite, na qual, outra vez, a históriaoral brasileira se distinguiu de modo parti-ular).

-V Há dois aspectos neste livro para os

quais eu quero chamar a atenção. Em pri-meiro lugar, parece-me significativo que, natentativa de dar indicações metodológicasgerais, Sónia coloque que este é um trabalhoque se aprende, fazendo-o. Uma caracterís-tica, de toda a tradição internacional da his-tória oral, de fato, tem sido a sua qualidadeprática, o envolvimento pessoal, a disposi-

ção em confrontar-se diretamente com a rea-lidade do campo que se pesquisa. Do quederiva que, na realidade, cada um dos histo-riadores orais desenvolveu, por assim dizer,seu próprio estilo pessoal. Como exemplo,cito o meu modo de conduzir as entrevistase de trabalhar sobre as transcrições, que di-fere daquele proposto neste livro. Mas é exata-

mente por isso que são necessários textos.como este, que estabelecem as bases comuns,graças às quais diferentes pesquisadores ediferentes projetos podem confrontar-se ecomurucar-se.

A outra observação diz respeito àquiloque, afinal, é o fundamento do trabalho deSortia, a imigração.

São comuns, principalmente no âmbitodos estudos "étnicos" norte-americanos, tra-balhos sobre a imigração, pensados, sobre-tudo, como reconstrução dos traços originais,essenciais, das culturas provenientes e de suaconservação. Cada vez mais, vamos nos dan-

do conta que, para além das diversas origens,o que importa é exatamente o processo daimigração, um processo em grande medidapartilhado para além das diversas proveniên-cias. Quer pelas indicações feitas aqui, querem outros trabalhos (por exemplo, o recenteE chegam os imigrsntes ... o Café e a Imigre-

ção em São Paulo), Sónia escolheu essa se-

gunda e mais produtiva estrada: quer ve-nham de Trento ou do Japão, os imigrantessão afinal protagonistas de um processo detransformação que acontece no solo brasilei-ro, em condições e através de etapas parti-lhadas. Esta é uma indicação importante tam-bém para aqueles países, como a Itália, que,em tempos recentes, transformaram-se de

emigrantes em países de imigração, e hojepõem obstáculos à construção de uma socie-dade democraticamente multicultural.

Em 2004, o congresso mundial da In-ternational Oral History Association será rea-lizado em Roma, e eu estou incumbido deorganizá-lo. E, se os colegas e companhei-

ros brasileiros puderem mais uma vez estar

12 I AFRESENTAÇÃO SÔNIA MARIA DE FREITAS I 13

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presentes, como no passado e, se temas comoeste da imigração e das ligações transantlán-ticas entre Itália e Brasil encontrarem o es-paço que merecem, teremos já dado um im-portante passo à frente, para o sucesso doevento. Por tudo isso, obrigado e parabénsà Sónia e Arrivederci a Roma!

Alessandro Portelli

Professor da Universidade 'La Sapienza' de Roma.

14 I APRESENTAÇÃO

Prefácio

"O que é escrito, ordenado, factual

nunca é suficiente para abarcar toda a verdade:a vida sempre transborda de qualquer cálice."

(Boris Pasternak)

No Brasil, há uma quantidade signifi-cativa de trabalhos que utilizam a História

Oral como instrumento de pesquisa e comofonte documental nas ciências humanas.Entretanto, existem ainda dificuldades nosentido de circunscrever, mais precisamen-te, os liames e particularidades dessa meto-

dologia de trabalho.

O debate sobre a História Oral possibili-ta reflexões sobre o registro dos fatos na vozdos próprios protagonistas. Utiliza-se de me-todologia própria para a produção do conhe-cimento. Sua abrangência, além de pedagó-gica e interdisciplinar, está relacionada ao seuimportante papel na interpretação do imagi-nário e na análise das representações sociais.

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Mas, afinal, o que será essa tal de HistóriaOral?

História Oral é um método de pesquisaque utiliza a técnica da entrevista e outrosprocedimentos articulados entre si, no regis-tro de narrativas da experiência humana.

Definida por Allan Nevis' como "modernahistória oral" devido ao uso de recursos ele-trônicos, a história oral é técnica e fonte, por

meio das quais se produz conhecimento:

"O mínimo que podemos dizer é que a História

. Oral é uma fonte, um documento, uma entrevista

gravada que podemos usar da mesma maneira que

usamos uma notícia do jornal, ou uma referência

em um arquivo, em uma carta." 2

De abrangencia multidisciplinar, ela temsido sistematicamente utilizada por diversas

áreas das ciências humanas, a saber: Histó-ria, Sociologia, Antropologia, Lingüística,Psicologia, entre outras. O uso de fontes orais

no trabalho historiográfico é cada vez mais

comum. Nos Estados Unidos, Grã-Bretanha,

1 Oral history: how it was bom. In: DUNAWAY,D. K.;

BAuM,Willa K. (Ed.). Oralhistory: an interdisciplinaryanthology. Nashville: American Association for State

and Local History, 1985. p. 42.

2 CAMARGO,Aspásia. História oral e política. In: FERREIRA,

M. de M. (Org.) História oral e multidisciplineridsde.Rio de Janeiro: CPDOC/Diadorim/Finep, 1994. p. 78.

18 I HISTÓRIA ORAL: A BUSCA DE UMA DEFINiÇÃO

Itália e França encontramos uma vasta biblio-rafia disponível sobre a história oral e tra-balhos feitos a partir dessa metodologia de

pesquisa."

Na perspectiva do trabalho que realizo,a História Oral tem como principal finalida-

de criar fontes históricas. Portanto, essa do-cumentação deve ser armazenada, conser-vada, e sua abordagem inicial deve partir doestabelecimento preciso dos objetivos da pes-

qUIsa.

A História Oral, no nosso ponto de vis-ta, pode ser dividida em três gêneros distin-tos:" tradição oral, história de vida, história

temática. Quanto à tradição oral, [an Vansina,especialista em tradição oral africana, afirmaque "uma sociedade oral reconhece a fala nãoapenas como um meio de comunicação diá-ria, mas, também, como um meio de preser-vação da sabedoria dos ancestrais, veneradano que poderíamos chamar elocuções-cha-

3 Nos Estados Unidos, gostaríamos de destacar a obra

OralHistory: an interdisciplinsry anthologycitada an-

terionnente. Na Grã-Bretanha, anualmente a Oxford

University Press publica o International Yearbook of

Oral History.

4 Cf. FREITAS,Sónia Maria de. Contribuição à memóriada FFCL-USP: 1934-1954, 1992. Dissertação (Mestra-

do em História) - FFLCH/USP, São Paulo. Publicado

pela editora Maltese como Reminiscências, em 1993.

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 19

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ves, isto é, a tradição oral. A tradição podeser definida, de fato, como um testemunhotransmitido verbalmente de uma geraçãopara outra".

Mas a tradição oral não está presenteapenas nas comunidades tidas como "iletra-das" ou tribais. Ela pode também ser identi-ficada e resgatada em sociedades rurais eurbanas pela metodologia de História Oral.Por exemplo: as cantigas de rodas, brinca-deiras e estórias infantis são transmitidasoralmente, de geração para geração.

Assim, numa sociedade oral, por tradi-

ção, "tudo que uma sociedade consideraimportante para o perfeito funcionamento desuas instituições, para uma correta com-preensão dos vários status sociais e seusrespectivos papéis, para os direitos e obriga-ções de cada um, tudo é cuidadosamentetransmitido", enquanto que "numa socieda-

de que adota a escrita, somente as memórias

menos importantes são deixadas à tradição". 5

Não cabe aqui um aprofundamento nametodologia e técnicas específicas, necessá-

5 Cf. VANSINA, [an, A tradição oral e sua metodologia.

In: Histárie geral da África. São Paulo: Ática; Paris:

Unesco, 1982, v. 1 - Metodologia e pré-história da

África. J . Ki. Zerbo (Coord.). Trad. Beatriz Turquetti

[et al.]. p. 157.

20 I HISTÓRIA ORAL: A BUSCA DE UMA DEFINiÇÃO

l'it ao estudo de sociedades orais. Além dis-

~'(, a tradição inclui os depoimentos como

.is crônicas orais de um reino, genealogias,literatura oral, etc. Nessas sociedades, a tra-

Iição assume diferentes funções, que podems r religiosas e litúrgicas - na realização de

rituais -, jurídicas, estéticas, didáticas, his-

tóricas e míticas. Há que se considerar, tam-

bém, que essas sociedades divergem entresi e dos valores e costumes ocidentais, na

concepção de tempo, espaço e causalidade.

O tempo, por exemplo, pode ser contado,tendo-se como referência unidades baseadas

em atividades humanas, por dinastias, rei-nos, gerações ou famílias.

A História Oral também não é sinôni-

mo de história de vida. História de vida pode

ser considerada um relato autobiográfico,

mas do qual a escrita - que define a autobio-

grafia - está ausente. Na história de vida éfeita a reconstituição do passado, efetuado

pelo próprio indivíduo, sobre o próprio in-divíduo. Esse relato - que não é necessaria-

mente conduzido pelo pesquisador - pode

abranger a totalidade da existência do infor-mante. Para tanto, seriam necessárias inú-

meras horas de gravação.

Com a História Oral temática, a entre-

vista tem caráter temático e é realizada comSÔNIA MARIA DE FREITAS I 21

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um grupo de pessoas, sobre um assunto es-pecífico. Essa entrevista - que tem caracte-rística de depoimento - não abrange neces-sariamente a totalidade da existência doinformante. Dessa maneira, os depoimentospodem ser mais numerosos, resultando em

maiores quantidades de informações, o quepermite uma comparação entre eles, apon-tando divergências, convergências e evidên-cias de uma memória coletiva, por exemplo.

Um projeto de História Oral pode serdesenvolvido em diferentes contextos, comoiniciativa individual ou trabalho coletivo: em

pré-escolas, nos primeiro e segundo graus,nas universidades, na educação de adultos,por centros comunitários, por museus con-vencionais, museus itinerantes ou por mu-

seus de rua e por outras instituições. Nocampo do Direito, pessoas arroladas comotestemunhas também são convidadas a dardepoimentos, que se transformam em pe-

ças-chave nos julgamentos de situações liti-giosas.

História Ora l x Meios de Comunicação

d,' , municação: emissoras de rádio e televi-

•.io, jornais e revistas. Aliás, há várias déca-d.1 . , a mídia realiza enquetes e pesquisas de(l I inião. Na imprensa escrita, o trabalho de

. 1 1 uns jornalistas aproxima-se da História( ral. Roldão Arruda, Geraldo Mayrink, Gil-\) rto Dimenstein, são exemplos de jornalis-l, s que fizeram e, ainda fazem, investiga-

ções profundas sobre temas sociais, dandovoz aos atores anônimos. Em geral, o jorna-

lista "traduz", cria outra narrativa e, raramen-te, dá voz ao entrevistado; às vezes, alguns

trechos são citados entre aspas. A maioria

das entrevistas feitas por esses profissionaisvisa esclarecer e/ou elucidar algum assuntoou ponto de vista de envolvidos em algumaquestão. Quase sempre, essas entrevistas são

marcadas pela superficialidade, pela "rapi-dez", são 1/apressadas" e permeadas pelo

imediatismo exigido pela "velocidade da

notícia" e, muitas vezes, feitas até por tele-fone. Em algumas ocasiões, o tom é meio"nervoso", traduzindo o clima estressante

das redações. Ao abordar uma questão, ojornalista deve ser frio, distante e imparcial;essa postura até consta dos manuais de re-

dação de jornais.

Ainda dentro da mídia, destacaria osfalk shows, programas de entrevistas muito

É cada vez mais comum o uso de entre-

vistas por profissionais que atuam nos meios

22 I HISTÓRIA ORAL: A BUSCA DE UMA DEFINiÇÃOSÓNIA MARIA DE FREITAS I 23

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em moda hoje em dia. Geralmente, eles têmum caráter de entretenimento, mas não se

pode confundir jornalismo com espetáculo!

O público quer conhecer melhor as pessoas

que deram certo ou aquelas que se destacam

por algum motivo. Com raríssimas exceções,

essas entrevistas buscam explorar o curioso,o pitoresco de seus entrevistados. Nota-se odespreparo dos entrevistadores que demons-

tram falta de conhecimento nos assuntos

apresentados, deselegância na insistência

com questões íntimas e delicadas, buscandosempre o sensacionalismo, ou o recurso à

sedução ou à agressividade. Simpatizando

ou não com o entrevistado ou com suas

idéias, o entrevistador deve se preparar, pes-

quisando e lendo sobre o convidado. Por

tudo isso, muitas vezes, os entrevistadoreslevam seus convidados a um clima constran-

gedor. O tempo de duração dos programasé outro fator agravante.

Mas nesse universo grotesco e intimi-datório, há que se destacar algumas exce-ções. A elegância, inteligência, perspicácia eespontaneidade de [ó Soares tornaram seu

antigo programa no SBT bastante atraente,embora fosse evidente a seleção dos convi-dados, atendendo aos apelos do mercado, e

a avançada hora de sua veiculação. Hoje, na

I V ( ;I bo, Jô Soares tornou-se um showman,. 1 .1 1 ' 't ndo, cantando e recebendo principal-

Illl'nt os atores globais e perdendo as suasI" 1 '(1 terísticas anteriores. O jornalista RobertoI)' /wila, em seu programa "Conexão Nacio-1 1 0 1 1 " , fazia um trabalho denso e profundo.

'orno um bate-papo ou uma conversa, a en-Ir vista transcorria num tom natural e es-

1)( ntâneo. Felizmente, esse programa foi re-tornado e está sendo apresentado pela TV

ultura de São Paulo, às sextas-feiras, 23h30.

Depoimentos têm sido muito utilizados

na produção de grandes reportagens e bio-

grafias, aliás, gênero também muito em modahoje em dia. Para escrever os livros Olgn,Chafó: o Rei do Brasil e Corações Sujos/ ojornalista Fernando Morais realizou centenas

de entrevistas; Armandinho doBixigarecons-trói sua trajetória, que se mistura com a histó-

ria do bairro, em depoimento dado ao jorna-

lista Júlio Moreno; em Cinderela Negra, JoséCarlos Sebe Bom Meihy e Robert M. Levinecontam a saga de Carolina Maria de Jesus,

por meio de depoimentos de personagensque conviveram com a escritora.

No cinema, destaca-se o trabalho reali-

zado pelo cineasta Eduardo Coutinho emCabraMarcado pra Morrer e O Fio da Me-

mória.24 I HISTÓRIA ORAL: A BUSCA DE UMA DEFINiÇÃO

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 25

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Erik de Castro dirigiu Senta a Pua!, fei-to a partir de imagens de arquivos, fotos eilustrações e, principalmente, entrevistas.Trata-se de um comovente documentáriosobre a história do Primeiro Grupo de Avia-ção de Caça do Brasil na Segunda Guerra

Mundial.

A História da História Oral

"O termo 'história oral' é novo, assim como o gra-

vador de fita, e tem implicações radicais para o

futuro. Mas isto não significa que ela não tenha

um passado. De fato, a história oral é tão antiga

como a própria história. Ela foi a primeira modali-

dade de história."

Nas palavras acima, Paul Thompsonafirma que a História Oral é tão velha quan-to a própria História. Heródoto ouviu teste-munhos de seu tempo; Michelet colheu de-poimentos dos que vivenciaram a RevoluçãoFrancesa; Oscar Lewis, sobre a RevoluçãoMexicana; Ronald Fraser, sobre a Guerra Ci-

vil Espanhola.Denominamos de moderna História

Oral àquela cujo método consiste na reali-zação de depoimentos pessoais orais, pormeio da técnica de entrevista que utiliza umgravador, além de estratégias, questões prá-ticas e éticas relacionadas ao uso desse mé-

todo.26 I HISTÓRIA ORAL: A BUSCA DE UMA DEFINiÇÃO SÔNIA MARIA DE FREITAS I 27

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A primeira experiência da História Oralcomo uma atividade organizada é de 1948,quando o Professor Allan Nevis lançou o TheOralHistory Project, na Columbia Universi-ty, em Nova Iorque. Hoje, o Oral HistoryResearch Oitice,' da Columbia University,

possui uma coleção de mais de 6.000 fitas gra-vadas e mais de 600.000 páginas de transcri-ção. Esse material é consultado anualmentepor mais de 2.500 pesquisadores segundoinformações do próprio órgão. O OHRO tor-nou-se uma referência fundamental na área,quer pelo seu expressivo acervo, quer pelodinamismo de seus projetos voltados à te-mática e linguagem bem atuais, tais como aquestão das minorias, multiculturalismo,movimento estudantil, etc.

O boom da História Oral nos EstadosUnidos deu-se no final dos anos 60 e iníciodos 70. Em 1967 foi fundada a OralHistoryAssociation (OHA),2 que publica, anualmen-

te, a Oral History Review. Houve a prolife-ração de programas de História Oral em ou-tras universidades como em Berkeley, na

d i! mia, centros de pesquisa e instituições1 1 " , 0 1 < 1 < . 1 aos meios de comunicação, como o

( '11 1 Y01* limes OralHistory Progremm, es-1 , 1 1 ) ( ' 1 cido em 1972. A partir de 1970, cole-I (H,' de História Oral foram também incluí-. 1 , 1 . ' no National Union Catalog:Manuscript

( ()/~ctions, da Biblioteca do Congresso ame-I it' no: 3

A História Oral está hoje consolidada.- m diversos países além dos EUA: Crã-Bre-tnnha. Itália, Alemanha, Canadá, França,( ntre outros. Faz parte do currículo escolarnos diferentes níveis de aprendizado. E cur-

s s sobre o método e teoria são oferecidosr gularmente até por universidades tidas por"conservadoras", como a Columbia e aOxford.

A Experiência em História Oral na

Grã-Bretanha

Na história da História Oral destaca-seo trabalho desenvolvido pelos pesquisado-

1 Oral History Research Office - Columbia University,

New York, N.Y. 10027 - USA, Ronald Grele é o atual

diretor.

2 Oral History Association -1093 Broxton Ave. 720, LosAngeles, CA 90024 - USA.

3 Ver EncycJopedia 01library and inlormation science,v. 20, p. 440-63. Uma vastíssima literatura sobre His-

tória Oral pode ser facilmente adquirida nos Estados

Unidos e na Grã-Bretanha. Nesses países, o material

encontra-se disponível para venda em fitas cassete,

vídeo e CD-ROM.

28 I A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL SÓNIA MARIA DE FREITAS I 29

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res da Grã-Bretanha que, com suas experiên-

cias, acabaram influenciando pesquisadores

de outros países. Na década de 1960, na Uni-versidade de Essex, na Grã-Bretanha, busca-

va-se o testemunho de pessoas comuns - or-dinery people. marginalizadas pelo poder - e

de idosos, enquanto a história oral norte-ame-ricana estava voltada para os great men, ouseja, os homens socialmente reconhecidos.

Nesse processo, o historiador Paul Thom-pson foi um dos pioneiros e tornou-se uma

das autoridades na reflexão e na utilização

desse método para o registro histórico. Seulivro A lIóz do Passado: História Oralé consi-derado um clássico, por sua importante con-tribuição ao método e à teoria da História Oral.

Atualmente, a História Oral na Grã-Bre-

tanha envolve profissionais de diversas áreas.Ali destaca-se a National Life Story Collec-

tion, da British Library National Sound Ar-

chive, fundada por Paul Thompson e dirigi-

da por Robert Perks. 4A exemplo da entidadeamericana, a Oral History Society "congregaelementos oriundos dos meios de comuni-

4 96 Euston Road - London NW1 2DB - Telefone: 020-

7412-7404. Fax: 020-7412-7441. E-mail:[email protected]

5 Oral History Society. Department of Sociology. Uni-

versity of Essex - Wivenhoe - Colchester C04 3SQ _United Kingdom.

30 I A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL

I dO, universidades, museus, centros de

, 1 l 1 1 1 1 j cências e outros, e publica o Journal'I 1 1 1 \ Oral History Society.

A História Oral no Brasil

Uma das primeiras experiências com1 I istória Oral no Brasil ocorreu no Museu da

lm gem e do Som - MIS/SP (1971), que tem,(' dedicado à preservação da memória cul-

ti l ral brasileira. Outras experiências ocorre-

rarn no Museu do Arquivo Histórico da Uni-

vrsidade Estadual de Londrina, Paraná(1972), e na Universidade Federal de Santa

atarina, onde foi implantado um laborató-

rio de História Oral em 1975. Porém, a expe-

riência mais importante e enriquecedora tem

sido a do Centro de Pesquisa e Documenta-

ção de História Contemporânea do Brasil -

CPDOC, ligado à Fundação Getúlio Vargas,

Rio de Janeiro, que dispõe de um setor deHistória Oral desde a sua fundação, em 1975.

Indubitavelmente, o CPDOC é o melhor

exemplo da bem-sucedida experiência com

História Oral no Brasil, tanto pela qualidade

de seu acervo, constituído principalmente de

entrevistas com personalidades da história

política contemporânea do país, quanto pelaSÔNIA MARIA DE FREITAS I 31

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realização de comunicações, palestras e edi-

ções de obras sobre a teoria e metodologiada História Oral. Tampouco podemos deixar

de destacar a utilização da metodologia de

História Oral em pesquisas sociológicas, quevêm sendo desenvolvidas pelo Centro de

Estudos Rurais e Urbanos - Ceru, da Univer-sidade de São Paulo, desde meados dos anos1970. No Centro de Memória da Unicamp,

pesquisadores têm se utilizado do método da

História Oral na realização de seus projetos.

É inegável o interesse que a história oral

vem despertando no pesquisador brasileiro.

Entretanto, do ponto de vista teórico-meto-dológico, a literatura disponível é ainda es-

cassa e deixa muito a desejar. Apesar de aqui

não ser o espaço para discutir ou mostrar as

diferentes maneiras de conceber e usar a His-

tória Oral, entretanto, podemos assinalar que

nos trabalhos publicados percebe-se a exis-

tência de diferentes posturas metodológicas.

Na década de 1990, foram realizados

alguns encontros dedicados ao debate sobre

a História Oral no Brasil, o que contribuiupara uma maior divulgação da História Oral.

No primeiro semestre de 1991, realizamos o

encontro "História Oral na Vozde Paul Thom-

pson", que constituiu-se de depoimento,

workshop e seminário com o historiador Paul

1 1 1 1 1 1 1 1 1 on, noMuseu da Imagem e do SomI : .ro Paulo, órgão da Secretaria da Cultu-

I,do -'stado de São Paulo, onde implanta-

"1111 coordenamos o Projeto Depoimentos1 1 \ Vídeo, de 1988 a 1992, voltado para a

1 1 \ { ' cultura brasileiras.

O encontro acima citado, cujo objetivoh.l. 'i o foi introduzir, contextualizar e proble-

1 1 intizar a discussão sobre História Oral, pos-

',ibilitou o amadurecimento da questão e ser-viu também como catalisador das múltiplas

( periéncias que aqui vinham sendo desen-

v lvidas. Além disso, mostrou-nos, concre-

lmente, a existência no Brasil de uma quan-tidade significativa de trabalhos que utilizavam

História Oral como instrumento de pesqui-sa e como fonte documental. Foram identifi-

cados 125 projetos de História Oral em de-

senvolvimento, sendo 49projetos individuaise 76 institucionais, de um total de 220 parti-

cipantes. Esses dados são relevantes, pois

comprovaram o interesse despertado em umnúmero significativo de pesquisadores, em

UlTI encontro pioneiro no gênero, em São

Paulo.

Outros encontros sucederam-se e tor-

naram-se estímulos importantes na propa-

gação de trabalhos com a História Oral no

Brasil, COlTIO a discussão ocorrida durante a

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realização do Congresso América 92, na USP;

o Encontro ocorrido na USP em 1993, e, fi-nalmente, a criação da Associação Brasileirade História Oral, no Rio de Janeiro, em 1994.

Sem dúvida, a fundação da Associação,atualmente presidida pela pesquisadora Ve-

rena Alberti," significou um grande avançopara a História Oral no Brasil. 7

Hoje, graças às transformações ocorri-das nas ciências humanas e devido aos de-bates multidisciplinares, existe um consen-so: é inegável o papel que as fontes oraisvêm ocupando na produção acadêmica.

No Brasil, existem várias obras produ-

zidas nas duas últimas décadas, fundamen-talmente a partir de/ou sobre fontes orais.Entre elas, gostaríamos de mencionar aque-las produzidas a partir do debate e do mate-rial apresentado nos encontros regionais econgressos nacionais." Pelo conjunto, mere-

6 [email protected]://historiaoral.vilabol.uol.com.br

7 Associação Brasileira de História Oral (ABHO)A/c Verena Alberti (presidente)Fundação Getúlio Vargas - CPDOCPraia do Botafogo 190/140822253-900 - Rio de Janeiro - RJTel.: (21)2559-5694 - Fax: (21)2559-5679

8 MEIHY,José C. Sebe Bom (Org.). (Re) introduzindo ahistone

oral no Brasil.São Paulo: Xarnã, 1996. Trata-

34 I A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL

1 1 1 (I staque aquelas editadas pelo Cent~ot I " quisa e Documentação da Fundaçao

I +ulío Vargas, do Rio de janeiro."

Apesar da dimensão que a Históri~ O:alI 1 1 1 tingido no debate sobre as tendências

II historiografia brasileira contemporânea,

li" ainda grupos de pesquisadores que nãoI'('itam a História Oral pela seletividade, ale-1,II1dotambém a falibilidade das fontes orais.

I : : , ises integram uma tradição historiográfica,

I'('ntrada em documentos oficiais ou conge-

II ires. Concordamos com Meihy ao afirmar

que: "os oralistas não têm enfrentado de for-

se de um conjunto de textos apresentados no IEn-contro Regional de História Oral-Sudeste:Sul. Oorganizador dessa obra tem vários livros publicados apartir do documento oral, entre eles, .destacal1l-s~ A

colônia bresilisniste: história oral de vida acadêmica,Ciiiderele negra: a saga de Carolina Maria de Jesus,Canto de morte Kaiowá: história oral de vida e o Ma-nual de histárie oral.

9 Cf. Catálogo de depoimentos. Programa de HistóriaOral. Rio de Janeiro: CPDOC, 1981; ALBERTI,Verena.Histôrie oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro:Fundação Getúlio Vargas, 1990; FERRElRA,Marieta ~eMoraes (Org.). Entre-vJstas:abordagens e usos da hIS-tória oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,1994; FERRElRA,M. de M. Usos e abusos da história oral.Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1994. FERREI~RA,M. de M. (Org.). Histôrie oral e multidisciplinsri-dade. Rio de Janeiro: CPDOClDiadorim/Finep, 1994.

Resultado do IIEncontro Nacional de História Oral.

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 35

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ma convincente o debate epistemológico, fi ,1

explica da a falta de respeitabilidade entrecertos pares acadêmicos" (1995: 49).

Acreditamos que a resistência à HistóriaOral, ainda encontrada no meio acadêmico

brasileiro, está ligada a alguns outros fatores.

Entre eles, o fato de a academia ter tido des-de a sua origem uma forte influência france-sa, seguindo pressupostos do "Positivismo"

ou da "Nova História", muito presentes naprodução acadêmica daquele país. Grande

parte da produção teórica da História Oralfoi produzida na língua inglesa, e ainda não

foi traduzida para a língua portuguesa.'?A tardia penetração da História Oral no

B illl idas , ocorn a nos anos 80 e, principalmen-

10 O livro A voz do passado: histôrie oral, do historia-dor inglês Paul Thompson, editado no Brasil em 1992,constitui numa exceção e representou um grande avan-ço, pois o mesmo tem servido de modelo teórico para os

trabalhos de História Oral no Brasil. Thompson é autorde uma vasta obra, entre seus livros destacam-se: TI-JOM-PSON,P. et al. 1don tleel old: the experience of later life.Oxford: Oxford University Press, 1990; SAMUEL,Raphael;TI-JOMPSON,aul (Ed.). Themyths we live by. London:Routledge, 1990. BERTAux,Daniel; TI-JOMPSON,aul (Ed.).Between generations: family models, myths and me-mories. International YearbookolOral History and Li/eStories, v. 2. Oxford: Oxford University Press, 1993.

11 Curiosamente, a historiografia francesa também ig-

norou a fonte oral por muito tempo. O primeiro en-

36 I A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL

no S 90, deve ser relacionada ao desdo-

IIIII nto do golpe militar de 1964 que: "[... ]iihlu projetos que gravassem experiências,'I ini....s ou depoimentos. Em conseqüência

I l ' d e , enquanto, no resto do mundo, proli-1 1 1 0 1 V m projetos de história oral, nós nos

1 1 '1 1 '1 íamos, deixando para o futuro algo quel'l'i inevitável" (Meihy, 1995: 7).

Nesse período, o Brasil passou a ocu-

1 ' . I r mais espaço nos encontros e congressosrut rnacionais; nos trabalhos de História Oral

' ' 1 resentados percebe-se claramente que as1 1 1 trizes do pensamento são européias, os

I ressupostos e arcabouços teóricos são so-

bretudo franceses: Daniel Bertaux, HenryRousso, Jean Boutier, Roger Chartier, PierreBoudieur, apenas para citar alguns nomes.

Entretanto, a maioria dos pesquisado-

res brasileiros, infelizmente, ainda desconhe-ce o nível de sofisticação teórica, o número

de livros publicados e resenhas em revistas

sobre uma enorme diversidade temática dis-ponível nos Estados Unidos" e Crã-Breta-

contro que reuniu pesquisadores que utilizavam a fonteoral em pesquisas só se realizou, na França, em 1980.Cf. JOUTARD,P. Esas voces que nos llegan de}pasado.México: Fondo de Cultura Económica, 1986. p. 17l.

12 A primeira experiência da História Oral como uma

atividade organizada é de 1948, quando o Prof. Allan

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 37

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http://slidepdf.com/reader/full/historia-oral-possibilidades-e-procedimentos0001 20/68

nha." A partir dessas experiências, a Histó

ria Oral atingiu um nível de credibilidade n s

meios acadêmicos, tornando-se um campode estudo com suas associações e revistaspróprias, de caráter inclusive internacionalmultidisciplinar.

Todo o processo vivenciado pelos pes-quisadores em História Oral, nos últimos dez

anos, possibilitou o aprofundamento do de-bate, significando um avanço em termos con-ceituais, apesar de se evidenciarem diferen-ças metodológicas.

História x História Oral x Memória

"0 essencial é saber ver

saber ver sem estar a pensar

saber ver quando se vê

E nem pensar quando se vê

nem ver quando se pensa."

Alberto Caieiro, O Guardador de Rebanhos

Nevis lançou o "Th e Oral History Project", na Co-

lumbia University. Hoje, essa Universidade mantém

um dos mais respeitados projetos de História Oral

dos Estados Unidos, o Oral History Research Office,

que tivemos a oportunidade de visitar em 1991 e 1994.

Em 1967, foi fundada a Oral History Association que

publica, anualmente, a OralHistory Review.

13 Na história da História Oral destaca-se o trabalho de-

senvolvido pelos pesquisadores da Crã-Bretanha, na

Universidade de Essex, a partir da década de 1960,

voltado para o registro de testemunho de pessoas

comuns - ordinarypeople. Ali criaram a Oral History

Society, a qual é responsável pela publicação do

Journal 01 the Oral History Society. No inverno de

1988, tivemos a oportunidade de conhecer essa enti-

dade e os trabalhos por ela desenvolvidos e participar

do curso "Interview Method in Social History", mi-

nistrado pelo Prof. Paul Thornpson, na Universidade

de Essex, Colchester, Grã-Bretanha.

Há pesquisadores que ainda mantêmvínculos com a tradição historiográfica doséculo X I X , que elegeu como modelo de do-cumento histórico o testemunho escrito, ob-jetivo (neutro), dado como fidedigno. Nessa

perspectiva, os depoimentos pas.s~~a~TI ser

considerados apenas fontes subsldIanas e de"baixo valor histórico", pois representariamum testemunho subjetivo, falível e cuja fide-

dignidade estaria compr?metida ~el~s notí-cias tendenciosas, mentiras e calumas que

poderiam apresentar.

Se pouca credibilidade era dada aos .de-

poimentos escritos, os orais foram pratica-SÔNIA MARIA DE FREITAS I 39

38 I A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL

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mente ignorados. Neles se acentuariam aqu('

les aspectos negativos atribuídos a esse tipo

de fonte, acrescidos da parca confiabilidad:

que a palavra falada assumia, numa soei -

dade solidamente estabelecida sobre a escri-ta, e das dificuldades de preservação e di-

vulgação, inerentes às fontes orais. Destarte,como documento que deveria propiciar aohistoriador o resgate dos acontecimentos, "talcomo se sucederam", o testemunho oral ou

escrito mostrava-se, evidentemente, uma

fonte inadequada, só devendo ser utilizada

como último recurso e, assim mesmo, com

extrema cautela.

Um dos mais expressivos representan-

tes dessa corrente foi Fustel de Coulanges,que defendeu tais idéias na obra La Monar-

chie Franque, escrita em 1888.

A maior contribuição para a mudança

do enfoque acima apresentado, foi o movi-

mento iniciado por Marc Bloch e Lucien

Febvre, com o lançamento da revista Anna-Ies, em 1929. A atuação do grupo colaboroupara a construção da História, como ciência,e para a renovação dos estudos da História.

O 1/grupo dos Annales", no período de

1929 a 1969, principalmente, tinha concep-ções comuns que foram resultado de deba-

tes travados com historiadores tradicionais -40 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA

IIlvistas e historicistas. As idéias e dire-o grupo, apresentadas por Peter

II ki' (1981), são as seguintes:" .. ibstituição da tradicional narrativa de

" ntecimentos por uma história-proble-

111;

hi tória de todas as atividades humanas\ não apenas da história política;

\) laboração com outras disciplinas, taisomo a geografia, a sociologia, a psicolo-gia, a economia, a lingüística e a antro-

pologia social.

Esta última idéia foi decorrência das in-

Iindáveis discussões que Febvre e Blochman-Iiveram com o psicólogo social Charles Blo~-Iel e o sociólogo Maurice Halbwachs, cUJostudo sobre a estrutura social da memória,

publicado em 1925, causou profunda impres-

são em Bloch.

4) Introdução de diversos aspectos da vidasocial nos estudos da história, trabalha-dos por Febvre: "a vida diária", o povo eas coisas, "coisas que a humanidade pro-duz ou consome", alimentos, vestuário,

habitação, ferramentas, moeda, cidades;a "civilização material" e as representa-ções coletivas de Braudel; história socio-

cultural por Emmanuel Le Roy Ladurie.

Jacques Le Coff, Georges Duby;SÓNIA MARIA DE FREITAS I 41

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5) ênfase na história econômica, demográ-

fica e social, salientando os aspectos so-

ciais por meio de estudos regionais, cole-tivos e comparativos em detrimento doepisódico e individual;

6) descoberta e utilização de novas fontes:

tradição oral e vestígios arqueológicos.Com relação à última idéia anteriormen-

te apresentada, Lucien Febvre afirmou: "A

história faz-se com documentos escritos, semdúvida. Quando eles existem. Mas ela podefazer-se, ela deve fazer-se sem documentosescritos, se os não houver. Com tudo o que

o engenho do historiador pode permitir-lheutilizar para fabricar o seu mel, à falta das

flores habituais. Portanto, com palavras. Com

signos. Com paisagens e telhas. Com for-mas de cultivo e ervas daninhas. Com eclip-ses da lua e cangas de bois. Com exames depedras por geólogos e análises de espadas

de metal por químicos. Numa palavra, com

tudo aquilo que, pertencendo ao homem,depende do homem, serve o homem, expri-

me o homem, significa a presença, a ativida-de, os gostos e as maneiras de ser do ho-mem" (Febvre, 1989: 249).

Sem dúvida, esse movimento - chama-do por Peter Burke de a Revolução Francesa

da Historiografia - revolucionou a História42 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA

III I" I diz respeito a conceitos, abordagensIllddos. O grupo dos Annales passou a

• I t i nominado, mais tarde, de "Nova His-IIII.r", dedicando-se, sobretudo, à históriaIII ' tidiano e das mentalidades. Os histo-

1 1 . 1 I res desse grupo apontaram para a ne-

.'.'sidade de aHistória se dedicar menos aos1 ·on.tecimentos, aos heróis e à cronologia dosI.ll s.

Sem dúvida, a "Nova História" foi um

unportante movimento que contribuiu p~rad mudança dos procedimentos na pesqUIsat i fontes para se reconstruir a História. S~-

I'undo a historiadora ~aria de L~urdes M~-naco Janotti (1995: 61): A esta epistemologiamal definida como positivista, opuseram-sehistoriadores franceses e ingleses propugnan-do, em meados do século atual por uma'Nova História', livre de cânones rígidos,onde a história do presente, do cotidiano eda experiência individual adquiri:an: signi-

ficativa importância. Muito cont~IbUIu pa~aesta inovação o pensamento dos intelectuaisda chamada 'Escola de Frankfurt'. O temada Memória, juntamente com o da Cultura,

passou a ser para os histor~ad~res um desa-fio e motivo de renovada cnaçao, como ates-tam os trabalhos de J. Le Goff, Pierre Nora,E. P. Thompson, Christopher Hill e Keith

1 "omas, para citar alguns exeInp os.SÔNIA MARIA DE FREITAS I 43

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A partir dessa ênfase, dada ao estudodo cotidiano, os historiadores franceses, so-bretudo, mostraram que as fontes da histó-ria não eram mais somente os documento"oficiais" .

IIIHJiçãosine qua non da história, a África, (I l lTI história, pois esse continente é cons-

IIII 1 de sociedades organizadas a partir daI, ,,d i ão oral, portanto, sem escrita. E as tri-

I(I,' indígenas brasileiras somente poderão1'1' studadas a partir dos dados da Funai?

ses pesquisadores que defendem essaisão, diríamos que todo documento é ques-

Ilonável e que todo documento escrito ou

H'onográfico é limitado e subjetivo.

Entretanto, as atuais correntes da his-

loriografia tem ressaltado a necessidade deuma reavaliação dos critérios pelos quais se

d termina a utilização e análise de fonteshistóricas, pois na produção do conhecimen-to, fatores como a subjetividade e a seletivi-

dade são inevitáveis. Assim, a História Oral

tem adquirido um novo status, devido aosnovos significados atribuídos aos depoimen-tos, às histórias de vida, às biografias, etc.

Adam Schaff, em sua obra História eVerdade (1983), relata uma interessante pes-quisa acerca das causas da Revolução Fran-cesa e conclui que o conhecimento dessas éum processo ainda inacabado e que: "[... ] averdade histórica se constrói cada vez maiscomplexa, cada vez mais precisa, a partir deverdades parciais e, neste sentido, relativas.

[... ] o fato da diversidade, da variabilidade,

No Brasil, a maioria dos cientistas sociais

ainda vê a fotografia, a caricatura, a carta, odiário, assim como o depoimento oral, comofontes subsidiárias, possuidoras de baixo va-lor histórico, embora essas fontes sejam fre-qüentemente utilizadas para ilustrar ou com-

provar alguma idéia. Há aqueles que acreditamna História Oral, porém assumindo uma pos-

tura de que o documento oral deve ser cruza-do com outras fontes, de preferência escritas eoficiais.Nessa perspectiva, os documentos oraisvisam a complementaridade e veracidade das

informações, portanto, o cotejo das fontes.

Há também aqueles que, em suas dis-sertações, teses e ensaios, utilizam entrevis-

tas como fonte de informação para preen-cher lacunas em suas pesquisas. Todavia,esses trabalhos não fazem nenhuma mençãoà História Oral e à vasta produção acerca des-sa metodologia disponível no país e, muitomenos, indicam as metodologias de pesqui-sa utilizadas.

Segundo a visão e práticas desses his-

toriadores, que vêem no documento escrito

44 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIASÔNIA MARIA DE FREITAS I 45

I 1

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até mesmo da incompatibilidade dos pontos

de vista dos historiadores que, potencialmen-

te, dispõem das mesmas fontes e, subjetiva-mente, aspiram à verdade, e só à verdade,crendo mesmo tê-Ia realmente descoberto".(Schaff, 1983: 59)

Adam Schaff destaca ainda (1983: 169)que" o nosso conhecimento adquiriu neces-

sariamente a forma de um processo infinito

que, aperfeiçoando o saber sobre diversosaspectos da realidade, analisada sob diferen-

tes prismas e acumulando verdades parciais,

não produz uma soma de conhecimentos,

nem modificações puramente quantitativasdo saber, mas transformações qualitativas da

nossa visão da história".

Segundo Maria Isaura P. Queiroz (1983:

91), as "histórias de vida e depoimentos pes-soais, a partir do momento em que foram

gerados passam a constituir documentos

como quaisquer outros, isto é, definem-se

em função das informações, indicações, es-clarecimentos escritos ou registrados, que

levam a elucidações de determinadas ques-tões e funcionam também como provas".

O documento gravado, como qualquertipo de documento, está sujeito a diversas

leituras. O procedimento do historiador/pes-

quisador diante de tal documento deverá ser46 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA

I III smo, no que concerne à sua análise e

I roblematização.

A História Oral fornece documentação

1 " " " reconstruir o passado recente, pois oIontemporáneo é também história. A Histó-11.1 Oral legitima a história do presente, pois

" história foi, durante muito tempo, relegada.ro passado.

Esse redimensionamento do trabalho do

historiador e a crescente revalorização daoralidade - embora mediatizada - trazida

Iela expansão dos meios de comunicação demassa, como o rádio, a televisão, o cinema,

discos, etc., indicam a oportunidade de umarevisão das posturas historiográficas que têm,

até hoje, olhado com grande desconfiança otestemunho pessoal. É importante destacar

que certos historiadores têm procurado orien-

tar suas reflexões nesse sentido, apresentan-

do seus primeiros frutos.

Na reconstrução do passado, a lingua-

gem auditiva, que se baseia essencialmenteno uso da voz, exercerá um papel funda-mental. Pois é como discurso que a memó-

ria evidencia todo um sistema de símbolose convenções produzidos e utilizados social-

mente. Além disso, a voz é um elemento emsi mesmo. Suas variações dão sentido ao tex-to transmitido, transformam-no, dando-lhe,

SÓNIA MARIA DE FREITAS 47

muitas vezes, um significado além do qll('

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foi meramente dito.

Porém, é pela oportunidade de recup _

rar testemunhos relegados pela História quo registro de reminiscências orais se desta-ca, pois permite a documentação de pontos

de vista diferentes ou opostos sobre o mes-mo fato, os quais, omitidos ou desprezadospelo discurso do poder, estariam condena-dos ao esquecimento.

Faz-se necessária uma revisão das postu-ras historiográficas com relação às "novas" fon-tes históricas - sonora e visual ~, esta última

representada pela fotografia, caricatura e cine-ma. É preciso vencer os limites livrescos e que-brar a resistência às novas fontes documen-

tais, novas técnicas, linguagens e suportes.

Ken Plummer, na sua obra Documentsof LHe (1983), aborda o uso de histórias devida e outros tipos de documentos pessoaisnas pesquisas em Ciência Social, os quais

resultam em memória de uma experiênciasocial do ponto de vista dos participantes.Entre esses documentos, ele destaca a histó-ria de vida, o diário, a carta, a História Oral,a fotografia, o filme, etc. O autor conclui que

essa diversidade de documentos, muitasvezes ignorados e negligenciados pelo cien-

tista social, revelam um enorme potencial na48 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA

1 ,In r ção da experiência social concreta. PorI 11 1 , efende a combinação entre os diver-

1 1 ' tipos de documentos citados anterior-IIl1'nt , bem como a utilização desses doeu-11 1 1 'I1tOS de forma multidisciplinar, ou seja,

1 1 1 Ir historiadores, sociólogos, psicólogos, an-

IIIipólogos, lingüistas, cientistas políticos, etc.Sem dúvida, utilizando a metodologia

.Ir! História Oral produz-se uma documen-1 .1 .ão diferenciada e alternativa da história,

" e lizada exclusivamente com fontes escritas.l.ntretanto, não defendo o uso exclusivo de

fontes orais, por acreditar que a utilização de

liversas fontes será mais enriquecedora paraa pesquisa. Considero a miscelânea propos-ta por Ken Plummer (1983) bastante interes-

ante.

Na busca de características de uma co-

letividade, a realização de depoimentos pes-soais permite-nos captar, a partir das remi-niscências, o que as pessoas vivenciaram e

experimentaram.

As análises históricas são construídas apartir de vestígios e/ou registros deixadospelas gerações anteriores. Entretanto, a pro-dução desta matéria-prima quase sempreesteve a cargo das classes dominantes e, até

bem recentemente, tal fato não era encarado

como uma questão. A coleta de depoimen-

SÓNIA MARIA DE FREITAS I 49

,.• jue "na Inglaterra, desde os tempos de

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tos e de histórias de vida pode ser inseridzno amplo esforço de resgatar a palavra deindivíduos que, sem a mediação do pesqui-sador, não deixariam nenhum testemunho.

Assim, essa metodologia abre novas pers-pectivas para o entendimento do passado

recente, pois amplifica vozes que não sefariam ouvir. Além de nos possibilitar o co-nhecimento de diferentes "versões" sobre

determinada questão, os depoimentos po-dem apontar continuidade, descontinuida-de ou mesmo contradições no discurso do

depoente.

A maior potencialidade deste tipo defonte é a possibilidade de resgatar o indiví-duo como sujeito no processo histórico. Con-seqüentemente, reativa o conflito entre liber-dade e determinismo ou entre estrutura sociale ação humana.

Os indivíduos, elementos fundamentais

para a compreensão da vida humana, têmsido freqüentemente minimizados e margi-nalizados pelo cientista social, que acreditaque os documentos pessoais são subjetivos,descritivos e arbitrários para contribuíremcom o avanço científico. A tradição inglesaé, por excelência, caracterizada pelo empi-rismo e pelo individualismo metodológico.

Nesse sentido, Peter Burke (1981: 112) afir-

50 - I HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA

1 1 1 -1 ' rt Spencer, ou mesmo antes, pressu-

I"!ll a-se que entidades coletivas, como "so-Il'lI de", são fictícias, enquanto os indiví-

1 1 1 0 existem". Curiosamente, nota-se que a11 1 1 ' m e o maior avanço da História Oral

IH-orreram nos países de origem anglo-saxo-I li 'a: Inglaterra e Estados Unidos.

A História Oral privilegia, enfim, a voz

de s indivíduos, não apenas dos grandes1 1 mens, como tem ocorrido, mas dando aI) lavra aos esquecidos ou "vencidos" da his-t ria. À história que, tradicionalmente, este-

v voltada para os heróis, os episódios, asstruturas, Walter Benjamin responde quequalquer um de nós é uma personagem his-

tórica.

As Reminiscências da Memória

"Eu realmente acredito que existimos como sereshumanos porque podemos contar histórias. Oliver

Sacks escreveu que pessoas neurologicamente sãs

contam a si mesmas as histórias de suas vidas to-

dos os dias. Vivemos numa narrativa. Há uma espé-

cie de linha que seguimos e que nos liga ao on-

tem, ao hoje e ao amanhã. É claro que montamose cortamos muitas coisas, sobretudo aquilo que não

se encaixa no que pensamos ou queremos ser. Es-

crevemos a nossa própria história. É o que nos

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 51

leva para o futuro. Mas as pessoas que são neuro-

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logicamente deficientes não conseguem fazer isso.

Elas têm a vida em fragmentos. Não há continui-dade."

Paul Auster

o desenvolvimento deste trabalho le-vou-nos inevitavelmente à busca da com-

preensão do conceito de memória. Este es-forço se justifica, pois a História Oral temcomo suporte as lembranças, evidenciando

uma memória coletiva. Esta última pode serentendida como uma somatória de experiên-

cias individuais, passíveis de serem utiliza-das como fontes históricas. RelembrandoPierre Nora, memória é o vivido e história éo elaborado. Através do resgate da memóriase reconstrói o passado.

É preciso destacar que são poucas astentativas de definição do que é a memória,

pois essa ainda não foi eleita especificamen-

te objeto de estudo em áreas como a História,a Sociologia, a Antropologia, etc. Embora vi-sando interesse específico da área, alguns tí-tulos são localizados na Biologia e, princi-palmente, na Psicologia.

Em decorrência da complexidade daquestão e da dificuldade de acesso a biblio-

grafias que tratem o tema de forma mais52 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA

ibrangente, o caminho percorrido foi bus-III a acepção de memória para o senso co-

mum na atualidade, resgatar a concepção e'Ii nificado de memória em diferentes mo-m ntos da história, da antigüidade à atuali-t i de e, finalmente, refletir sobre os fenóme-

IlOS da memória individual, fazendo uso de. us principais teóricos.

Expressões do tipo "memória de elefan-l","memória visual", "de memória", "lap-

o da memória" fazem parte de nosso uni-

verso vocabular. A noção de memória está

presente em nosso cotidiano, relacionada à

idéia de que o Brasil é um país sem memóriahistórica. Na atualidade, a acepção da me-

mória está ligada ao desenvolvimento daCibernética - memória armazenada pelos

computadores e, também, da Biologia - me-mória da hereditariedade, presente no códi-

go genético.

Na Antiguidade Clássica, os gregos fi-

zeram da memória uma deusa, Mnemósine.Essa deusa lembra aos homens os heróis eos seus altos feitos e também preside a poe-sia lírica. O poeta é, pois, um homem que

quando possuído pela memória é transpor-

tado por ela ao coração dos acontecimentosantigos, tornando-se, assim, um adivinho do

passado. Cabe ao poeta o poder de lembrar-SÔNIA MARIA DE FREITAS I 53

se de tudo. É a testemunha inspirada dos ideologia dominante. Ocorre a "cristianização

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"tempos antigos", da idade heróica e, por isso,da idade das origens. Vernant, em sua obraMito e Pensamento entre os Greg6s(1973: 71-6), utilizou-se de documentos como as nar-rativas míticas que tratam da divinização da

memória e da elaboração de uma vasta mito-logia da reminiscência na Grécia arcaica.

Aristóteles distingue mnemé (memória)- faculdade de conservar o passado - e mam-nesi (reminiscência) - faculdade de evocarvoluntariamente esse passado por um esfor-ço intelectual. Platão, por sua vez, emprega aimagem da memória como impressão, traços

depositados e gravados em nós: "A alma érevestida de uma camada de cera de mode-lar, cuja espessura, consistência e pureza va-riam, aliás, de acordo com os indivíduos. Ora,por um dom da mãe das Musas, Mnemósi-ne, a cera recebe a impressão das sensações epensamentos, formando uma gravura em re-levo análoga a marcas de anéis. Esta impres-

são é como que o assinalamento da coisa e omeio de recordarmo-Ia. O que se apagar ounão conseguir de forma alguma imprimir-senós esquecemos" (Platão, 1976: 156-12).

Segundo Le Goff (1984:20-1), a memó-ria na Idade Média passará por profundastransformações em decorrência da difusão do

cristianismo - religião da recordação - como54 I HISTÓRIA X HiSTÓRIA ORAL X MEMÓRIA

Ia memória coletiva e da mnemotécnica, re-partição da memória coletiva entre a memó-ria litúrgica, girando em torno de si mesma,uma memória laica de fraca penetração cro-nológica, desenvolvimento da memória dosmortos, principalmente dos Santos, papel damemória no ensino que articula o oral e oescrito, aparecimento enfim de tratados damemória (ars memorieei",'

A memória estará presente na literatu-ra medieval através das narrativas orais (con-tos populares, canções) e da escrita. PaulZumthor destaca que o uso da escritura ex-

pandiu-se com extrema lentidão nas classesdirigentes dos jovens Estados europeus, poisessa prática esteve confinada, até por voltado ano 1000, a alguns mosteiros e cortes ré-gias. Na época moderna, o desenvolvilnen-to do comércio e a intensificação das comu-nicações favoreceram uma maior difusão daescritura. Entretanto, o fenômeno - oralidade

concomitante à escrita - ultrapassa a IdadeMédia e pode ser detectado ainda no séculoXIXe início do XX (Zumthor, 1993: 97).

1 Ainda sobre as artes mnemônicas, ver o estudo de

Francis Yatesa. The art otmemory Chicago: Chicago

University Press, 1974 e Jonathan D. Spence. O palá-cio da memôris de Mateo RicCÍ. São Paulo: Compa-

nhia das Letras, 1986.

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 55

Neste sentido, Robert Darnton, em sua f rma e de estilo têm mais peso que as varia-

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obra O Grande Massacre de Gatos (1986),

analisa as maneiras de pensar e o modo comoas pessoas interpretavam o mundo, na França

do século XVIII. O trabalho consiste na aná-lise de contos populares que, segundo o au-

tor, surgiram ao longo de muitos séculos esofreram diferentes transformações, em di-ferentes tradições culturais: "Como todos oscontadores de histórias, os narradores cam-poneses adaptavam o cenário de seus rela-

tos ao seu próprio meio; mas mantinhamintactos os principais elementos, usando re-petições, rimas e outros dispositivos mne-

mónicos. "

Esse estudo, baseado em coletâneas decontos populares organizadas no fim do sé-culo XIXe início do XX , é, sem dúvida, "uma

rara oportunidade de se tomar contato com

as massas analfabetas que desapareceram nopassado, sem deixar vestígios. Rejeitar os con-

tos populares, porque não podem ser data-dos nem situados com precisão, como outrosdocumentos históricos, é virar as costas a umdos poucos pontos de entrada no universomental dos camponeses, nos tempos do An-tigo Regime" (Darnton, 1986:31-2).

Ainda segundo Darnton, na narrativa

tradicional de histórias, as continuidades de56 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA

.ões de detalhes. Zumthor também destaca aimportância da poesia nesse processo abor-ado por Darnton sobre os contos populares.

No século XVIII, o Iluminismo injetouuma considerável medida de racionalismo e

ceticismo nos escritos da história. A cons-ciência história nasceu naquele período. Osiluministas criticaram as teorias mnemônicas(decorebas) e a tradição escolástica; despre-zaram o passado e amemória, porque afetiva.Vislumbraram uma memória técnico-cientí-fica do conhecimento acumulado, e o histo-riador buscou a ação racional.

De acordo com Voltaire (1694-1778), "oprincipal propagandista das Luzes", "a his-tória é a cadeia de acontecimentos em queos homens por suas paixões e necessidades,constroem livremente seu mundo, criandoas sociedades e os governos, e desenvolvema economia, as técnicas, as ciências e as ar-

tes". E que "a história é a história do pro-gresso, que avança à medida que os homensvão se esclarecendo pelas luzes da razão". 2

No final do século XVIIIe início do XIX,desenvolve-se o Romantismo na Alemanha

2 Cf. ABRÃO, Bernadette Siqueira. Histôrie da Iilosotia.São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os Pensadores). p.

274.

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 57

e em outras regiões da Europa. Goethe, Hcr- emprego de dialetos e termos considerados

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der, Schiller, entre outros, foram seus ex-poentes. Com o movimento romântic~, nas-ceu a historiografia. Barthold Georg Niebuhr(1776-1831)e Leopold von Ranke (1795-1886),historiadores alemães, transformaram a es-crita da história. Ranke explicou a história

"como realmente aconteceu", criando novospadrões de pesquisa, baseados na evidênciaprimária sujeita à avaliação crítica. Esta "his-tória científica" levou à catalogação das fon-tes e a um ensino mais acadêmico.

Com seu caráter nacionalista, essa his-toriografia é a história de um povo enquar:-to

nação. Na Alemanha, "que nessa época am-da não passa de uma idéia", buscava-se trans-formar um povo em nação por meio das pe-culiaridades dos alemães. Um dos principaisprecursores desta busca é Friedrich GottliebKlopstock (1724-1803).Vários autores procu-raram na tradição popular, leia-se reminiscên-cia "com seus deuses, mitos e heróis lendá-

d . I' b"3

rios, o 'fun o naciona para suas oras .Herder, por exemplo, "pesquisa e co-

menta lendas, mitos, narrativas, canções eversos antigos legados pela tradição popu-lar. Não lhe importa se esse material é pou-co 'refinado', até mesmo grosseiro, com o

3 Cf. ABRÃo, op. cito p. 325.

58 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA

obscenos. Seu objetivo é apreender a alma,o gênio de cada povo, aquilo que faz com

. /" 4que um povo seja o que e .

História é sinônimo de memória, haven-do uma relação de fusão. Elas não se distin-guem. A história se apodera da m~móriacoletiva e a transcreve em palavras. E nessemomento que a história dá voz ao "povo"pela primeira vez. O século XIX, portanto, éo momento da perda da memória, ou me-lhor ela vai se ancorar na história.

O filósofo Walter Benjamin (1892-1940),ao discorrer sobre a arte da narração, nos

diz que "o grande narrador se enraizará sem-pre no povo, antes de mais nada, nas suascamadas artesanais. Mas como estas com-preendem as camadas rurais, marítimas eurbanas nos vários estágios do seu grau dedesenvolvimento econômico e técnico, mul-tiplicam-se os conceitos em que se sedimen-ta para nós o acervo de sua experiência"; e

ainda que "o narrador colhe o que narra naexperiência, própria ou relatada. E transfor-ma isso outra vez em experiência dos queouvem sua história". 5

4 Cf. ABRÃo, op. cit. p. 327.

5 C. BENJAMIN, Walter. Onarrador. São Paulo: Abril Cul-tural, 1980. (Os Pensadores). p. 60-9.

SÓNIA MARIA DE FREITAS I 59

Desde a virada do século XIX para o

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XX, a memória emancipou-se da história.Tornou-se matéria da literatura (Proust), daFilosofia (Bergson), da Psicologia (como dis-ciplina por intermédio de Freud) e da Socio-logia (Halbwachs).

Os historiadores desde então têm umdomínio limitado no campo da memória.Poucos estudos foram realizados sobre otema. Na atualidade, os trabalhos dos histo-riadores franceses Pierre Nora e Le Goff sãouns dos poucos exemplos, A história está ain-da devendo uma reflexão sobre a memória.

Lembrança e Esquecimento

"Aquilo que foi não pode mais, de agora em dian-

te, deixar de ter sido: de agora em diante, este

fato, misterioso e profundamente obscuro, de ter

existido, é seu viático para a eternidade."

(Jankélévitch citado por Paul Ricoeur em La mé-moire, I'histoire et l'oubli).

Ainda dentro de nosso propósito, dis-cutiremos a seguir a problemática acerca damemória individual. A utilização do depoi-mento oral como fonte histórica nos impul-siona a uma reflexão sobre o fenômeno damemória em si. Memória, aqui entendidacomo propriedade de conservar certas in-

60 HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA

formações, por meio de um conjunto de fun-ções psíquicas e cerebrais.

Nesse sentido, a memória - como pro-

duto de uma operação mental- é um meca-nismo muito complexo, ainda hoje muitopouco conhecido, mesmo para as outras ciên-

cias que a ela se dedicam, tais como a Neu-rologia, a Psiquiatria e a Psicologia.

A seletividade e o esquecimento estãopresentes no processo da memória. Do pon-to de vista psicanalítico, o esquecimento nãoé visto como um fenômeno passivo ou umasimples deficiência do organismo. As lem-branças que "incomodam" são expulsas daconsciência, mas continuam atuando sobreo comportamento no inconsciente. Portan-to, selecionar ou esquecer são manipulaçõesconscientes ou inconscientes, decorrentes defatores diversos que afetam a memória indi-vidual. "[...]por um curtíssimo espaço de tem-

po temos algo que se assemelha a uma me-

mória fotográfica, mas isso dura apenas umaquestão de minutos [... ] esta fase específicaé muito, muito breve, e então o processo deseleção organiza a memória e estabelece es-pécies de vestígios duráveis, por meio de umprocesso químico" (Thompson, 1972: 5).

Há que se considerar que as pessoas ido-sas, ao relatar as suas experiências de vida,

SÓNIA MARIA DE FREITAS I 61

são de importância fundamental para a His- memória de fatos do passado surge com pre-

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tória Oral. Entretanto, as pessoas de idade

mais avançada estão sujeitas à deterioraçãodo funcionamento do sistema nervoso cen-tral, mas, neste caso, a recordação de acon-tecimentos recentes se deteriora primeiro.

O psiquiatra Sergio Ricardo Hototian"relatou-nos que a neuropsiquiatria esforça-se para ter um conhecimento, cada vez mais

claro, do processo da memória. O hipocam-

po, localizado no cérebro, parece ser o prin-cipal //centro" da memória, pois diversos

estudos têm demonstrado estreita relaçãoentre a degeneração dessa estrutura com a

doença de Alzheimer, a principal causa dedemências que se conhece até o momento.

Para esse local, parecem estar direcio-nadas as informações captadas pela senso-

percepção em uma complexa rede neuronal,

ainda pouco conhecida, que envolve o córtexcerebral e as estruturas mais internas do cé-

rebro.A memória de fatos recentes, na gran-

de maioria dos casos de demência, é a pri-

meira a ser perdida, ao mesmo tempo que a

6 Émédico psiquiatra e pós-graduando do Departamen-

to de Psiquiatria, da Faculdade de Medicina da USP.

Relato à autora, em 19/4/2001.

62 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA

isão rigorosa de detalhes, como diz Hoto-tian, que ainda afirma: //[... ] o hipocampo

stá para o cérebro assim como o historiadorstá para a humanidade; sem eles, nós, hu-manos. tornamo-nos demenciais, ou seja,perdemos o contato com a realidade de nos-

sa frágil existência."

Um fato curioso é que quanto mais anti-

gas e mais importantes forem as reminiscên-

cias, mais persistentes elas se tornam em nos-sa memória. A partir de nossa experiência

concreta como entrevistadora, percebemosque os nossos entrevistados diferem em sua

capacidade de recordar, e muitas vezes, recor-dam os mesmo fatos de diferentes maneiras.

No gerat o significado do que as pes-soas dizem é o mesmo, mas o vocabulário é

diferente. Este último é indício de maneirasdiferentes de pensar e de se expressar. Amesma pessoa escreve e fala de forma dife-

rente. Além disso, o discurso oral- naturale espontâneo - é muito mais detalhado e ex-pressivo, ao passo que o discurso escrito émais formal, elaborado e estereotipado.

Mas, voltando à questão da selctívida-

de: por que as pessoas não lembram deter-minadas coisas e por que algumas são lem-

bradas?

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 63

Embora o cientista social não tenha res- ber distintamente tudo o que ela contém,

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postas para suas questões relativas ao proces-so da memória, este depende da compreen-são e interesse individual e é influenciadopela necessidade social.

Da "Memória Pura" à "Memória Histórica"

A psicologia científica teve início na

França, com a publicação de vários trabalhos,

a partir de 1880. Neste contexto, surge Ma-tiére et Mémoire. de Henri Bergson (1859-1941), em 1896.

De acordo com Bergson, a "memória-pura" - a verdadeira memória - se mantém

subconsciente, ligada ao "eu profundo" e

caracteriza-se pela singularidade, pois as lem-

branças são únicas e alcançam o indivíduo

por meio de uma evocação. Somente a "me-

mória-pura" recuperaria o passado em sua

totalidade e sem nenhuma intenção utilitá-ria. Mas para que isto ocorra, é necessário"afastar" o cérebro, distanciá-lo da ação: "[... ]

e creio que todo o nosso passado lá está, sub-consciente, isto é, presente a nós de tal ma-neira que nossa consciência, para revelá-lo,

não necessita sair de si mesma nem acrescen-

tar-se algo estranho: ela só precisa, para per-

64 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA

ou melhor, tudo o que ela é, afastar um obs-táculo, levantar um véu" (Bergson, 1974:103).

Esse autor, na construção de sua teoria

obre a memória, privilegia o indivíduo e

suas lembranças, ignorando o meio social do

qual esse indivíduo é oriundo e que é deter-minante sobre ele. A obramemorialística é vista

como uma fonte que permite simplesmente a

apreensão factual do passado, ou seja, o res-

gate de um acontecimento que, pela força daevocação mnemónica, liberta-se das malhas do

tempo e nos alcança, inviolado. Portanto, re-

cordar é reviver integralmente o passado. A

relação entre o autor e o conteúdo de sua lem-brança é privilegiada, reforçando-se a impor-

tância do que é lembrado. Além disso, a expe-

riência de vida que separa o memorialista do

momento evocado é também ignorada, comotambém impossível de ser compartilhada.

Contrapondo-se à teoria de Henri Ber-

gson com a teoria psicossocial, temos Mau-rice Halbwachs, o principal estudioso das

relações entre memória e história. De seus

estudos nasceram as obras: Os Quadros So-ciais daMemória e A Memória Coletivaquecolocaram a questão da memória sobre no-. vas bases, prolongando "os estudos de Emi-

le Durkheim que levaram a pesquisa de cam-

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 65

po às hipóteses de Auguste Comte sobre a omo foi", porque o tempo transforma as

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procedência do 'fato social' e do 'sistema

social' sobre fenômenos de ordem psicoló-gica, individual [... ]. Com Durkheim, o eixo

das investigações sobre a 'psique' e o 'espí-

rito' desloca-se para as funções que as re-

presentações e idéias dos homens exercemno interior do seu grupo e da sociedade emgeral. Essa preexistência do predomínio do

social sobre o individual deveria, por força,

alterar substancialmente o enfoque dos fe-nômenos ditos psicológicos como a percep-

ção, a consciência e a memória. Em Berg-

son, o método introspectivo conduz a uma

reflexão sobre a memória em si mesma, comosubjetividade livre e conservação espiritual

do passado, sem que lhe parecesse pertinente

fazer intervir quadros condicionantes de teor

social ou cultural" (Bosi, 1983: 16).

Maurice Halbwachs, relativizando asidéias de Bergson, desenvolve uma teoria

psicossocial, na qual salienta que lembrar nãoé reviver, mas refazer, reconstruir, repensar,com imagens e idéias de hoje. A conserva-

ção total do passado e a sua ressurreição sóseriam possíveis se o adulto mantivesse in-

tacto o sistema de representações, hábitos e

relações sociais da sua infância - o que éimpossível. a passado não sobrevive "tal

66 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA

pessoas em suas percepções, idéias, juízos

de realidade e de valor.

a autor, em vez de tratar a memória

isoladamente, busca sua compreensão na re-lação homem-sociedade. Ele não vai estu-

dar a memória em si, mas os "quadros so-ciais da memória". As relações a serem

determinadas já não se limitam ao mundoda pessoa, e sim, à realidade interpessoal

das instituições sociais. "A memória do in-

divíduo depende do seu relacionamentocom a família, com a classe social, com a

escola, com a igreja, com a profissão, com

os grupos de convívio e os grupos de refe-

rências peculiares a esse indivíduo". Nessaperspectiva, lembrar-se é uma ação coleti-

va, pois, embora o indivíduo seja o memo-

rizador, a memória somente se sustenta no

interior de um grupo (Bosi, 1983: 17).

A reconstrução do passado, portanto,

irá depender da integração do indivíduo emum grupo social que compartilha de suas

experiências. Será esse grupo que dará sus-tentação a suas lembranças. Porém, segun-

do Halbwachs, é indispensável que haja en-tre o grupo e o memorialista uma identidade,

pela qual se evidencie uma memória coleti-

va. Conseqüentemente, o isolamento ou a

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 67

falta de contato com o grupo significará a spectos mais polêmicos das fontes orais: a

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perda do passado.

A partir dos estudos de Halbwachs, que

apontam o caráter coletivo da memória eassim lhe atribui uma função social, é quepodemos colocar a questão memorialística

sob o ponto de vista histórico/sociológico.Este redimensionamento nos permite reava-liar e apresentar o depoimento oral comofonte para o historiador.

Destacando a importância da memória

coletiva, Le Goff (1984: 24) nos adverte que"a memória, onde cresce a história, que porsua vez a alimenta, procura salvar o passado

para servir o presente e o futuro. Devemostrabalhar de forma que a memória coletiva

sirva para a libertação e não para a servidãodos homens".

uestão da credibilidade.

Para alguns historiadores tradicionais,

os depoimentos orais são tidos corno fon-

tes subjetivas por nutrirem-se da memóriaindividual que, às vezes, pode ser falível e

fantasiosa. No entanto, em História Oral oentrevistado é considerado, ele próprio, umagente histórico. Nesse sentido, é impor-tante resgatar sua visão acerca de sua pró-pria experiência e dos acontecimentos so-ciais dos quais participou. Por outro lado,

a subjetividade está presente em todas asfontes históricas, sejam elas orais, escritas

ou visuais. O que interessa em HistóriaOral é saber por que o entrevistado foi se-

letivo ou omisso, pois esta seletividade tem

o seu significado. Além disso, a noção deque o documento escrito possui um valor

hierárquico superior a outros tipos de fon-te vem sendo sistematicamente contesta-

da, em um século marcado por um avançosem precedentes nas tecnologias de comu-

nicação.

Sigmund Freud, em sua obra A Inter-pretação dos Sonhos (1984),afirma que "nadado que possuímos intelectualmente pode serinteiramente perdido". Ele discorda da "idéiade reduzir o fenômeno do sonho ao da re-

Seletividade e Subjetividade

"De certo modo cada testemunho é uma versão

e toda conclusão é um enfoque."

Luiz Carlos Lisboa

A discussão acerca da natureza da me-mória leva-nos, inevitavelmente, a um dos

68 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIASÔNIA MARIA DE FREITAS I 69

memoração", pois "existe uma escolha es- O essencial consiste em aprender a

detectar o que não se está dizendo e a le-

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pecífica do sonho na memória, uma memó-

ria específica do sonho". Destaca, ainda, a

importância fundamental da infância na cons-

tituição da memória.

A psicanálise freudiana tem sido fre-qüentemente questionada e reinterpretada.

O psicanalista francês Jacques Lacan (1985),

por exemplo, destaca o papel fundamental

na aprendizagem da linguagem na infância,

na formação do nosso inconsciente, que vem

à tona por meio da linguagem, e o qual éimpossível compreender racionalmente. La-

can considera a aquisição da identidade se-

xual e pessoal como um processo simultâneoe sempre precário, cujas bases se firmam ao

ascender a criança à linguagem, escutando

e aprendendo a falar.

. Não nos cabe no presente estudo ques-tionar as pesquisas de Freud sobre o sim-bolismo nem questionar as idéias de Lacan,

mas acreditamos que a idéia básica da lin-

guagem, como um tipo de nível subconsci-

ente de pensar, é muito importante. Nessesentido, é interessante observar como ho-mens e mulheres contam suas histórias demaneiras diferentes. Geralmente, os ho-mens utilizam-se da voz ativa; as mulheres,

da voz passiva.

70 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA

var em consideração o significado dos si-

lêncios durante a entrevista. Embora, emsua prática, o his toriador oral depare-se

com situações de trauma, comoção, fanta-

sia, enfim, problemas humanos, ele não se

utilizará de técnicas que são específicas dapsicanálise para a realização de seu objeti-vo - que é o desenvolvimento rneriral dos

indivíduos. O trabalho realizado pelo his-

toriador oral visa o registro de experiên-cias e representações do indivíduo inseri-

do num contexto social.

No entanto, é bom lembrar que, emnossa prática, muitos entrevistados admi-tem que a experiência da entrevista tem

colaborado para uma auto-avaliação, um

questionamento e UlTI repensar da própria

vida. Segundo Jan Vansina (1982), toda pes-soa quando está contando urna estória, está

ao mesmo tempo tentando apresentar um

tipo de imagem consistente de si mesmo euma imagem de auto desenvolvimento ló-

gico.Acreditamos que, embora as pessoas

que chegam a uma certa idade estejam mais

preparadas para falar a verdade, em decor-

rência da própria maturidade, as estórias

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 71

contadas podem, muitas vezes, ser distorci-das ou inventadas.

A credibilidade da fonte oral não deve

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Nos últimos dez anos, a História Oraltem-se voltado para a questão da subjetivi-

dade e menos para a objetividade. Os pes-quisadores italianos Luisa Passerini (1984)eAlessandro Portelli (1991, 1993, 1997)têm se

dedicado ao estudo da questão em váriosartigos e livros, privilegiando as relaçõesentre classe operária e fascismo e memóriapopular.

Portelli argumenta que as fantasias, emesmo os casos de transferência que apare-cem nas estórias, são importantes para a me-

mória das pessoas. Deste modo, os fatos queas pessoas lembram ou esquecem seriam asubstância da qual é feita a história. Esses fa-tos apenas sobrevivem se fazem sentido para

as pessoas e que, por sobreviverem, tornam-se fatos históricos; conseqüentemente, não háfonte oral falsa. Portelli salienta, ainda, que

nós temos checado a credibilidade das fontesorais com todos os critérios adotados pelacrítica histórica, aplicados para todo tipo de

documento. A diferença da fonte oral encon-tra-se no fato de que os depoimentos não

verdadeiros são psicologicamente verdadei-" ".... Iros, e que esses erros, as vezes, reve am

mais dados que o relato exato.

ser avaliada por aquilo que o testemunho oralpode freqüentemente esconder, por sua ine-xatidão para com os fatos, mas na divergên-

cia deles, onde imaginação e simbolismo es-tão presentes.

"A Paixão da Memória" foi o título dapalestra proferida pela escritora NélidaPifion, no auditório do jornal "Folha de S.

Paulo". Para a escritora, que foi muito pers-picaz e sensível na abordagem do tema, a

memória é como "uma entidade que perse-

gue o ser humano e que não está a serviçodo homem tanto como ele pensa. Ao mesmo

tempo, a memória é a matéria mais irrenun-ciável do homem. A memória não tem coe-

são, não tem lógica, não tem simetria e é frag-

mentada, múltipla, confusa, um turbilhão quese apossa do seu ser, da sua integridade".

Quanto à relação da memória com o tempo,Piíion diz que" a memória não tem uma com-

preensão profunda da passagem do tempo.Ela embaralha tudo, mistura. Daí seu poder

de viajar para qualquer época. Enquanto nósenvelhecemos, nossa memória não compreen-de com exatidão a passagem do tempo. Elafunde, costura os tempos". De acordo com aconclusão da escritora "somos todos narra-dores. Ainda que não escrevamos, nossa me-

72 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIASÔNIA MARIA DE FREITAS I 73

mória está sempre narrando os fatos que vi- "Nunca antes na história da humanidade

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vemos, ou que pensamos ter vivido"."

Ainda sobre as fantasias das pessoas,Paul Thompson argumenta que inventar umpassado imaginário, que deve ter aconteci-

do, é uma forma de preservar suas crenças e

sua ideologia. E que a subjetividade é de fatoa única força da História Oral, pois aquiloque o depoente acredita é, para ele, mais im-portante do que aquilo que reahnente acon-teceu.

Sabemos que as memórias são fragmen-tadas, e que nós as reconstruímos enquantofalamos. A entrevista ajuda as pessoas a re-

cuperar seus traumas, leva a uma melhorcompreensão de si e de seu passado. A His-tória Oral é a ciência do indivíduo. Respeitare valorizar as diferenças individuais numasociedade cada vez mais massificada é fun-damental. Aqui se destaca a dimensão so-

cial da História Oral e a atuação do historia-dor (Portelli: 1997).

Quanto à questão da fidelidade, acredi-tamos que o historiador deve ser fiel à entre-vista, porque a fita gravada é um documen-

to histórico que pode ser usado por outroshistoriadores. Mercedes Vilanova afirma que:

7 Folha de S. Paulo, 5 ago. 1999. Caderno Mais, p. 5-10.

74 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA

houve a possibilidade da não manipulaçãodos diálogos. A fonte oral- que é fonte por-que está gravada numa fita não necessaria-mente transcrita - introduz uma revolução

historiográfica porque impede que os diálo-

gos sejam manipulados como têm sido até opresente.:"

Paul Thompson (1992) privilegia a gra-vação como elemento mais importante, con-siderando que sua origem é oral, posição coma qual nos afinamos.

Há autores que dão maior importânciaao texto final. Nessa linha destaca-se Philippe

Joutard para quem: "[... ] ia grabecion saio

es un media y ia cinta magnética es un esta-

do provisionai de ia constituicion dei docu-

mento: cada entrevista es sistemáticamentetranscrita y dactiiografada [...}. Desde esta

perspectiva/ ei documento original no es ia

cinto. por ia que hay poca preocupecion. sino

ei texto escrito y corregido."?Para Daphne Patai (1989), a entrevista

é uma criação textual, fazendo parte de sua

8 VILA OVA,Mercedes. Pensar a subjetividade: estatísti-cas e fontes orais. In: FERREIRA,M. de M. Histárie oral.Rio de Janeiro: CPDOC/FGV/Diadorim, 1994. p. 48.

9 JOUTARD,hilippe. Esas voces que nos Degan deIpesado.México: Fondo de Cultura Econômica, 1986. p. 111.

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 75

metodologia tornar a leitura mais compreen- competências muito diversas impedem a pu-

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siva por meio da reestruturação do depoi-mento. Nessa mesma linha, José Carlos SebeBom Meihy, na transcrição da entrevista,assume uma postura mais radical. Para esseautor, o texto final tem o teor literário, ex-

pressando as idéias e a essência do que foidito e não as palavras do depoente. Na ver-dade, Meihy, em sua prática de História Oral,adequou dois conceitos da lingüística: o datranscriação, proposto por Haroldo de Cam-pos, e o de teatro de linguagem, formuladopor Roland Barthes.!?

No ponto de vista de Pierre Bourdieu ,

o processo do discurso oral para o escritoestá submetido a dois conjuntos de obriga-ções. dif~ceisde conciliar: "[... ] as obrigaçõesde fidelidade a tudo que manifesta durantea entrevista, e que não se reduz ao que érealn:ente registrado na fita magnética, quelevariam a tentar restituir ao discurso tudoque .lhes foi tirado pela transcrição para o

escrito e pelos recursos ordinários da pon-tuação, muito fracos e muito pobres, e quefazem, muito amiúde, todo o seu sentido eo seu interesse; mas as leis de legibilidade e

10 Cf. MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Canto de morteKaiowá:história oral de vida. São Paulo: Loyola, 1991.p.29-33.

76 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA

blicação de uma transcrição fonética acompa-nhada das notas necessárias para restituir tudoque foi perdido na passagem do oral para oescrito, isto é, a voz, a pronúncia (principal-mente em suas variações socialmente signifi-

cativas), a entonação, o ritmo (cada entrevis-ta tem seu tempo particular que não é o daleitura), a linguagem dos gestos, da mímica ede toda a postura corporal, etc."11

Conforme meu entendimento, a Histó-ria Oral pressupõe projeto, pesquisa, técni-ca de entrevista, postura ética com relaçãoao entrevistado, assim como de respeito ao

entrevistado, ao que foi dito. Aliás, saberouvir é a característica fundamental dooralista. O entrevistador não é passivo e nemneutro, na medida em que, com suas per-guntas, ele participa e dirige o processo daentrevista, prepara o roteiro, seleciona as per-guntas e introduz questões e temas a seremabordados pelo entrevistado. O documento

final é o resultado de um diálogo entre pes-quisador e pesquisado.

Raphael Samuel, fundador do movi-mento e da revista History Workshop, naGrã-Bretanha, salienta que o historiador não

11 BOURDIEAU,ierre (Org.). Compreender. In: A misériado mundo. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 709.

SÓNIA MARIA DE FREITAS I 77

deve impor critérios na fala de seus informan-

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tes, e que mesmo ele conservando o privilé-gio da seleção, deve utilizar a fonte oral como mesmo escrúpulo como se estivesse traba-lhando com fontes impressas ou manuscri-tos, indicando quaisquer cortes feitos. Falaainda da importância de preservar e dar opor-tunidade de uso para outros historiadores nofuturo: "[... ] sua maior contribuição poderiabem ser na coleta e segura preservação doseu material, mais do que no uso imediatoque consegue encontrar para ele, ou o modode relatá-lo. [... ] Historiadores no futuro exa-minarão com novo interesse os materiais que

coletamos, formularão novas perguntas e pro-curarão outras respostas. E maior que seja oêxito que conseguimos na execução das nos-sas tarefas de pesquisa, é mais provável quesua obra divergirá da nossa. A menos quegravações possam ser preservadas na sua in-tegridade original e disponibilizadas livre-mente para a consulta de outros pesquisa-

dores, permanecerão para sempre fechadasdentro das preocupações do pesquisador,imunes a críticas, e incapazes de servir debase para a continuação da pesquisa. "12

12 SAMUEL,Raphael. Perils of the transcript. In: PERKS,Robert; THOMPSON,Alistair. The oral history reedet:New York: Routledge, 1998. p. 391-2 .

•78 HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA

História Oral:

potencialidade e possibilidades

A potencialidade da História Oral estáno fato de ela poder ser utilizada fora doslimites da cultura acadêmica: nos museus,nos meios de comunicação, em centros co-munitários e outras instituições.

Entre as possibilidades, vale destacar ouso da História Oral para a gerontologia, paraa qual o processo de reminiscência de pes-soas idosas tem implicações sociais. O AgeExchange Reminiscence Centre é uma insti-tuição inglesa que tem realizado intensa ati-vidade no campo da reminiscência ao longodos anos, produzindo peças, livros e expo-

sições baseadas em memórias de pessoasidosas. Essa instituição tornou-se, também,um museu do cotidiano, com objetos e uten-sílios que datam do começo do século, ondeas pessoas idosas são encorajadas a manu-

1 Age Exchange Reminiscence Centre

Camden Row, Blackheath, London SE3 OQA, UK.

SÓNIA MARIA DE FREITAS I 79

sear objetos que fizeram parte de suas vidas

e a falar de suas experiências. Dessa forma,

guagem, colaborando, assim, para o apren-

dizado dos alunos.

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além de estimular a memória, o Centro per-mite o desfrute do lazer, do convívio, que semostram, na verdade, atividades terapêuti-cas.

A partir de centros comunitários e asso-ciações de bairro é possível reconstruir a his-tória local, bem como a consciência do gru-po. Entretanto, corno afirma Paul Thompson(1992:22), lia História Oral não é necessaria-

mente um instrumento de mudança; issodepende do espírito com que seja utilizada.Não obstante, a História Oral pode certamenteser um meio de transformar tanto o conteú-do quanto a finalidade da história. Pode serutilizada para alterar o enfoque da própriahistória e revelar novos campos de investiga-ção; pode derrubar barreiras que existam en-tre professores e alunos, entre gerações, en-tre instituições educacionais e o mundoexterior e na produção da história - seja emlivros, museus, rádio ou cinema -, pode de-volver às pessoas que fizeram e vivenciarama história um lugar fundamental, mediante

suas próprias palavras". 2 .

A História Oral possibilita novas ver-sões da História ao dar voz a múltiplos ediferentes narradores. Esse tipo de projetopropicia sobretudo fazer da História uma

Na prática didática, um projeto de His-tória Oral pode ser desenvolvido em dife-rentes contextos, tanto iniciativa individual

quanto trabalho coletivo: em pré-escolas, noprimeiro e segundo graus, nas universida-des, na educação de adultos. É bastante ex-pressiva a quantidade de material impresso

e audiovisual produzido por conceituados

editores, para fins didáticos, na Grã-Breta-nha e nos Estados Unidos.

. Para os professores de História, um pro-jeto de História Oral abre os caminhos para

a exploração da história local e de temascontemporâneos. Mas um projeto de Histó-ria Oral não se limita a professores de Histó-

ria; ele pode também, ser desenvolvido porprofessores de Comunicação e Expressão,Estudos Sociais, Geografia, Educação Artís-

tica ou pode auxiliar a integração entre essasáreas numa pesquisa interdisciplinar. Nessaperspectiva, esse trabalho possibilita a dis-cussão e o sentido de cooperação no grupo,desenvolve habilidades com a própria Iin-

2 As diferentes possibilidades da História Oral são apre-

sentadas pelo autor no capítulo dedicado à "História

Oral e Comunidade".

80 I HISTÓRIA ORAL: POTENCIALlDADE E POSSIBILIDADESSÔNIA MARIA DE FREITAS I 81

atividade mais democrática, a cargo das pró-

prias comunidades, já que permite produzir

relação a eventos, à subjetividade, à imagina-

ção e ao desejo, que cada indivíduo investe

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história a partir das próprias palavras daque-les que vivenciaram e participaram de um

determinado período, por intermédio de suasreferências e também do seu imaginário. O

método da História Oral possibilita o regis-tro das reminiscências das memórias indivi-

duais, a reinterpretação do passado, enfim,uma história alternativa à história oficial.

O oralista italiano Alessandro Portelli(1981: 96) afirma que lia primeira coisa que

diferencia história oral, é que ela nos diz

menos a respeito dos acontecimentos em si

do que do seu significado. Isto não quer di-zer que a História Oral não possua interessefactual, entrevistas muitas vezes revelam fa-

tos desconhecidos ou aspectos desconhecidosde fatos conhecidos, e elas sempre jogam umaluz nova sobre aspectos inexplorados da vidacotidiana das classes não-hegemônicas".

Para esse mesmo autor, "0testemunho

oral tem sido amplamente considerado comofonte de informação sobre eventos históri-cos. Ele pode ser encarado como um eventoem si mesmo e, como tal, submetido a uma

análise independente que permite recuperarnão apenas os aspectos materiais do sucedi-do como, também, a atitude do narrador em

82 I HSTÓRIA ORAL: POTENCIALlDADE E POSSIBILIDADES

em sua relação com a história" (1993: 41).

No nosso entender, a grande potencia-

lidade da História Oral é que essa permite aintegração com outras fontes, a confronta-

ção entre as fontes escritas e orais e a suautilização multidisciplinar. Mas a fonte oralé resultado da relação e interação entre in-

formante e pesquisador. Por isso, considerofundamental que esse trabalho seja feito porum historiador/sociólogo/antropólogo ou, nomínimo, que o projeto seja orientado por umdesses profissionais, levando-se em conta a

formação específica e os métodos de pesqui-sa e análise do cientista social. Entretanto, o

resultado de uma pesquisa em História Oralirá depender da cultura histórica do pesqui-

sador e da sua base teórica.

Os depoimentos resultam em fontes his-tóricas que são, por excelência, qualitativas,mas todo pesquisador deve-se valer de to-das as fontes disponíveis, a fim de obter umquadro, o mais enriquecedor possível, do

período ou tema em análise.

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 83

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Metodologia de Coleta

e Utilização da História Oral

A realização de uma pesquisa utilizan-

do a metodologia da História Oral pressu-

põe a necessidade de um conjunto de orien-

tações. A descrição sumária que faremos a

seguir é fruto da bibliografia que tivemos

acesso no Brasil e no exterior, e principal-mente da experiência adquirida com a im-

plantação e coordenação de dois projetos -

Museu da Imagem e do Som e Memorial do

Imigrante/Museu da Imigração, ambos daSecretaria de Estado da Cultura, e sobre os

quais falaremos mais adiante.

Interessada em aprofundar, utilizar e va-lorizar a metodologia de História Oral em

trabalho acadêmico, ingressei no curso depós-graduação no Departamento de Histó-

ria da FFLCH/USP, em 1988, elegendo como

objeto de estudo a Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras/USP, utilizei para a pesqui-sa a metodologia de História Oral. O traba-

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 85

lho, que resultou numa dissertação de mes-trado, teve por objetivo contribuir para as

Aborda, também, o processo histórico

da imigração e da constituição de 10 grupos

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discussões e estudos teóricos e metodológi-cos sobre o uso de fontes orais no trabalho

historiográfico. Essa pesquisa transformou-se na obra intitulada Reminiscências, publi-cada pela editora Maltese, em 1993.

No mesmo departamento, apresenta-mos projeto de pesquisa para o ingresso napós-graduação, nível de doutoramento, em1996. A pesquisa resultou na tese Falam os

Imigrantes: ... Memória e Diversidade Cul-

tural em São Paulo, apresentada e aprovadaem abril de 2001.

Partindo do registro da memória de al-guns grupos de imigrantes, com o intuito dereconstruir parte da história social do proces-so imigratório para o estado de São Paulo,esse trabalho procura evidenciar uma histó-

ria comum a todos esses grupos, particular-mente os traços culturais e de que maneiraeles (re)construíram e vivenciaram as suasidentidades étnicas no país adotivo. Apre-senta uma análise sobre o uso de fontes oraisno trabalho historiográfico e, utilizando a His-tória Oral como metodologia de pesquisa,busca, por meio de fontes orais, o registrohistórico a partir da memória de cada grupoe da problemática interna de cada um deles.

nacionais/étnicos eITISão Paulo: armênios,chineses, espanhóis, húngaros, italianos deMonte San Giacomo e Sanza, lituanos, oki-

nawanos, poloneses, russos, ucranianos.

Destaca, ainda, a importância da imigra-

ção para o estado, pois os imigrantes, com oseu trabalho, seus dramas e trajetóriaspessoais,

participaram das principais transformaçõeseconômicas e sociais ocorridas no estado deSão Paulo, a partir do final do século X I X .

Elaboração de Projeto

O primeiro passo a ser dado é elaborar

um projeto, definindo o tema e os propósi-tos da pesquisa. Ao se eleger um tema, éimportante que esse seja relevante para as

questões históricas mais amplas. Send? ummétodo por excelência voltado para a Infor-

mação viva, a História Oral abarca o períodocontemporâneo da História. Portanto, apósa definição do tema, há que se definir o nomedas pessoas a serem entrevistadas. A rela-ção de nomes nunca é definitiva, pois, mui-

tas vezes, um depoente leva-nos a descober-ta de outros; algumas vezes, a pessoa eleita

86 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORALSÓNIA MARIA DE FREITAS I 87

pode declinar do nosso convite. Nessa mo-dalidade de trabalho corremos o risco de gra-

trevista não deva ter mais que duas horas

de duração.

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var memórias confusas e debilitadas, pois navelhice pode ocorrer nas pessoas o fenôme-no da senilidade com perda ou descontroleda memória.

Na pesquisa sobre a FFCL/USP, a pri-meira seleção foi realizada a partir do levan-tamento de nomes no Anuário da Faculda-de de Filosofia, Ciências e Letras/USP doperíodo enfocado. Da listagem inicial, que

privilegiou as décadas de 30, 40 e os primei-ros anos da década de 50, algumas pessoasnão aceitaram o convite, alegando compro-

missos profissionais ou familiares; outros de-monstraram resistência à idéia da entrevistagravada. Durante o desenvolvimento do pro-

jeto, houve também falecimentos de pessoasque constavam da nossa listagem.

Há que se preocupar com a qualidadee não com a quantidade de entrevistas a se-

rem realizadas. Além disso, não se deve li-mitar o tempo de duração das entrevistas,e essas devem respeitar sempre a velocida-de e as formas de se expressar de cada indi-víduo. O entrevistador não deve levar o en-trevistado à exaustão, pois ele pode falarcompulsivamente por várias horas ao reme-morar o seu passado. Acredito que uma en-

88 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL

Pesquisa

Uma vez definido o tema, com o intui-to de aprofundar o conhecimento sobre oobjeto de estudo, paSSalTIOS,então, à faseda pesquisa bibliográfica, biográfica e inves-tigação exaustiva em fontes primárias e se-cundárias. Confecção de fichas bibliográfi-

cas e de cronologia colaboram para o bom

desempenho da pesquisa.

Em um projeto de História Oral deve-sesempre elaborar fichas biográficas a partir do

currículo do entrevistado e também uma cro-nologia da trajetória, marcos significativos dapessoa e/ou assunto em questão. Obviamen-te conhecendo o assunto, o entrevistador,poderá se sentir mais seguro na realização deuma entrevista. Além disso, o entrevistadorestará lidando com a memória que, às vezes,pode ser vaga em relação a coisas que aconte-ceram e, por isso, o entrevistador pode e deveajudar as pessoas a resgatar as suas memó-rias, principalmente quando for solicitado.

Nesse trabalho percebemos que muitas

vezes as pessoas confundem datas, aconte-

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 89

, muitas vezes, explicando aqueles aos quais

e recorreu de início" (1989: 45).cimentos, nomes de pessoas, de cidades ou

de instituições; percebemos também - como

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no projeto sobre a FFCL/USP - que os de-

poentes, por serem pessoas intelectualiza-

das e bastante expressivas na cultura brasi-

leira, tornaram-se mais acessíveis, à medida

que, no decorrer da entrevista, notaram queestávamos familiarizados com o assunto, aoajudá-los a esclarecer nomes e datas em al-

gum momento. Sem dúvida, podemos pro-

vocar desinteresse por parte do depoente,

se esse - letrado ou não - perceber o nosso

desconhecimento sobre o assunto aborda-

do.

o Roteiro

A partir da definição do tema e da rea-lização da pesquisa elabora-se um roteirogeral para as entrevistas. Todo entrevistad.arprecisa saber como conduzir a sua entrevIS-

ta, as questões mais importantes a seremperguntadas e até onde ir nessa entrevista.

No nosso entender, uma entrevista sem

roteiro e direção tende a ser subjetiva e sem

dados realmente fundamentais para a pes-quisa. Por um lado, o que o depoente consi-

dera relevante pode não ser, do ponto devista de nosso trabalho. Por outro lado, le-

vantar questões é útil para as pessoas quefalam pouco ou que têm certa dificuldade de

se expressar orahnente.

Em nossos projetos elaboramos um ro-teiro amplo e abrangente, que é utilizado emtodas as entrevistas, para se garantir umacerta unidade dos documentos produzidos.

Porém, normalmente fazemos uma diferen-

ciação nos roteiros destinados a homens emulheres e às diferentes atuações profissio-

nais de cada um.

Verena Alberti aponta que "na HistóriaOral, a pesquisa e a documentação estão in-

tegradas de maneira especial e peculiar, uma

vez que é realizando uma pesquisa em ar-

quivos, bibliotecas, etc. e com base em um

projeto que se pode produzir entrevistas que

se transformarão em documentos, os quais,

por sua vez, serão incorporados ao conjuntode fontes para novas pesquisas. A relaçãoda história oral com arquivos e demais insti-

tuições de consulta e documentos é, portan-

to, bidirecional: enquanto se obtém das fon-

tes já existentes material para a pesquisa e arealização de entrevistas, estas últimas tor-nar-se-ão novos documentos, enriquecendo

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 9190 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILI ZAÇÃO DA HISTÔRIA ORAL

A aplicação dos roteiros nas entrevistasnão é feita de forma rígida, uma vez que

teiro original, o que resulta em um enrique-

cimento da pesquisa. Procuramos manter

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muitas questões vão surgindo naturalmenteno discurso do depoente no transcurso daentrevista e, essas, às vezes, nos suscitamoutras. Cada entrevista tem a sua própriadinâmica, e cada entrevistado mostra-nosdiferentes interesses na abordagem de de-

terminadas questões.

É preciso deixar claro que nosso roteirotem caráter temático e não se restringe à tra-jetória de vida de nossos entrevistados. Con-sideramos estritamente aquela parte da vidado entrevistado ligada ao tema de estudo.

Levamos sempre em consideração a área deinteresse e atuação do depoente e a especifi-cidade do terna, relacionando-as sempre quepossível.

Em geral, o roteiro segue uma ordemcronológica da trajetória dos entrevistados:origem, formação, influências, marcos sig-nificativos. Não há nenhuma rigidez nestaordem cronológica: cada depoente seguerumos mais ou menos seqüenciais, embora,em algumas ocasiões, ele dê saltos altos comintenção de evitar algum período ou situa-ção embaraçosa em sua vida.

Muitas vezes, o depoente nos introduzimportantes questões não previstas no ro-

92 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL

sempre o controle da entrevista no sentidode garantir as perguntas e/ou questões não

abordadas pelo depoente.

Deve-se evitar o fornecimento do rotei-

ro ao depoente antes da entrevista. É comumpessoas socialmente importantes - ou seusassessores - nos pedirem previamente a pau-ta ou roteiro. Forneça-a somente se esta fora condição da realização da entrevista, poiso contato prévio induzirá o depoente a ten-tar elaborar respostas, tirando a espontanei-dade da fala. Além disso, ele poderá ficar

angustiado e nervoso pelo fato de não se lem-brar das respostas premeditadas.

A Entrevista e suas Estratégias de Condução

Após a elaboração do roteiro e median-

te a lista dos possíveis entrevistados, passa-

mos a contatar e a agenciar as entrevistas comas pessoas que concordem em dar o seu de-poimento. O contato inicial é feito por tele-fone, durante o qual informamos ao entre-

vistado sobre o propósito do projeto e daimportância de seu depoimento para a reali-

zação da pesquisa.

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Mas existem outros tipos de pessoas que sãomais confidentes, articuladas, e que detêm

Devemos saber respeitar as lágrimas e os mo-mentos de emoção que se apresentam du-

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um maior grau de informação.

Uma regra básica em História Oral é quenunca devemos interromper uma fala e nun-ca devemos demonstrar desinteresse pelafala. Se o entrevistado se distanciar muito

da questão em pauta devemos aproveitaruma pausa da fala e com muito tato dizer:"isto é muito interessante, mas ... ". Depen-dendo do jeito que interrompemos um as-sunto, poderemos reprimir o depoente e não

conseguirmos o que realmente queremosouvir. Aliás, saber ouvir as pessoas é uma

característica fundamental do pesquisador,que utiliza a História Oral como instrumen-

to em sua pesquisa.

Como já dissemos anteriormente, asquestões colocadas devem ser sempre neu-

tras e nunca devemos colocar nossa posiçãoou fazermos qualquer julgamento. Tampou-co, devemos demonstrar não estarmos acre-ditando nas palavras do depoente, mesmoquando percebemos que o seu discurso nãoé natural e verdadeiro. O entrevistador devesaber respeitar a lógica e o ritmo de cadaentrevistado. Muitas vezes, as pessoas, aobuscarem a sua memória, acabam refletindosobre o próprio passado, emocionando-se.

96 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL

rante a entrevista. Às vezes, o silêncio é elo-qüente e pode-se tornar um forte elemento

na interpretação da entrevista.

As perguntas devem ser colocadas da

forma mais simples, direta e natural possí-vel. Isso não é fácil de se fazer durante a

entrevista. A improvisação tende a nos levarà confusão. Por isso, a elaboração das per-guntas deve ser feita junto com a confecçãodo roteiro. Indubitavelmente, uma melhorrelação entre entrevistado e entrevistadorserá estabelecida se este último estiver bem

familiarizado com as perguntas e com o as-sunto. Se a formulação da pergunta é feitade forma complicada, o entrevistador pode

se embaraçar na apresentação dela.

Procuramos também evitar perguntarduas coisas ao mesmo tempo, caso contrá-

rio, corremos o risco de obtermos somenteparte da resposta. A formulação da questão

depende do tipo de resposta de que necessi-tamos: devemos formular uma pergunta queconduza nosso entrevistado a uma resposta

precisa.

Aprendemos a não dizer "sim", "sim",

a não emitir qualquer tipo de som ou a fazerqualquer tipo de comentário durante a en-

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 97

i J@l -

trevista. Procuramos fazer movimentos com

a cabeça ou sorrir, pois sabemos que esses

do Imigrante/Museu da Imigração uma cer-

ta gratidão por serem lembradas e suas vi-das valorizadas, tornadas importantes e per-

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gestos encorajam as pessoas a falar.

Procuramos evitar questões fechadas,

que normalmente levam as pessoas a respon-

der sim ou não, e optamos pelas questõesabertas que as levam a falar mais. Esse tipode trabalho exige memória rápida e muita

concentração, para não repetirmos questões,

e muita atenção à consistência e possíveis

contradições do depoente. Um caderno decampo, para essas ou outras observações,

enriquecerá a pesquisa e será de grande uti-

lidade para o pesquisador no momento da

análise do conteúdo.Os nossos entrevistados, quando for-

madores da elite artístico-cultural do país,

por um lado, impõem-nos uma melhor pre-

paração por se tratar de pessoas altamente

intelectualizadas e expressivas; mas por ou-

tro lado, justamente por serem pessoas muito

articuladas, acostumadas a falar em público

com muita freqüência, demonstram muita

facilidade em seus discursos orais espontâ-

neos. Nenhuma estranheza ou hostilidade ao

equipamento tem sido por mim percebida,

mesmo por parte das pessoas mais simples

e com vida menos "glamourosa". Percebo

nas pessoas que entrevisto para o Memorial

petuadas. Muitos entrevistados retornam

inúmeras vezes ao Museu, como se aquele

espaço físico fizesse parte de suas vidas oucomo se eles fizessem parte daquele prédio,

onde muitos deles ficaram alojados. Talvezpor suas histórias cruzarem com a história

do edifício, ao reencontrarem aquele lugar,

reencontram o seu próprio passado, comose aquele espaço tornasse "real" a história

que alguns tinham como uma ficção, umahistória dramática permeada de incertezas,

tristezas, perdas e abandonos. Muitos nãosabiam os limites entre a imaginação e a rea-

lidade. Tinham apenas fragmentos nebulososde memória, mesclados de sonhos e fanta-

sias. Ao reconhecerem o espaço, alguns sed "econhecem como personagens e uma ver-

dadeira" história.

Local da Entrevista

O local a ser realizada a entrevista deve

ser determinado pelo entrevistado. Seja no

trabalho ou na residência, deixe que ele es-colha sua cadeira ou sofá preferido, pois es-

98 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORALSÔNIA MARIA DE FREITAS I 99

ses elementos, que integram o seu cotidia-no, colaboram para seu bem-estar físico e psí-quico.

em seguida, a leitura e conferência do mate-

rial. Após a digitação, o texto deve ser en-

viado ao depoente para correção de nomes

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próprios, termos técnicos e, quando neces-

sário, complementação de frases. Alertamosnossos depoentes da necessidade de se ga-rantir o máximo possível a originalidade e a

espontaneidade das entrevistas, pois um dis-curso escrito elaborado torna a entrevista oral

SelTIfunção. É nossa preocupação ser o mais

fiel possível ao que foi gravado, dando maisimportância ao conteúdo e menos à forma,

entendida como estilo. Isto não significa quedeixamos de retirar das transcrições as re-

dundâncias e vícios de linguagem, em co-mum acordo com os depoentes. Apesar do

alerta, cheguei a receber transcrição com mais

de 50% de seu conteúdo alterado.

Na transcrição do discurso oral para o

escrito deve-se, então, suprimir as palavras

ou expressões repetidas, ou aquelas que fo-rem retificadas pelo entrevistado. No discur-

so oral é muito comum as pessoas recorre-rem a palavras ou expressões de funçãofática, que não têm um valor semântico no

discurso: por exemplo/ quer dizer. enten-deu? jus tem en te/ realmente/ assim/ ai sabe/não é? / então - são vícios de linguagem ou

palavras de apoio. São comuns e recorren-

Duração

A duração de uma entrevista, no meuponto de vista, nunca deve ultrapassar duashoras de gravação. Em função das necessi-dades e objetivos da pesquisa, a entrevista

poderá ter diferente caráter (ser do tipo his-tória de vida ou temática) e exigir a realiza-ção em várias etapas.

Procedimentos Pós-Entrevista

Transcríção e Conferência

Dependendo dos propósitos de cadaprojeto, uma entrevista de História Oral teráuma forma final de apresentação. Quandose decide pela apresentação na forma escrita- é o caso dos projetos que têm objetivosacadêmicos -, ela deve necessariamente pas-sar por algumas etapas.

A primeira delas é a realização da trans-

crição na íntegra das entrevistas gravadas e,

100 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORALSÓNIA MARIA DE FREITAS I 101

tes na comunicação verbal, correspondendoà função fática da linguagem e servem "para

tes como o tom e velocidade da voz, as pau-sas, as lágrimas, etc. Embora a transcriçãopermita uma maior divulgação do material,

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prolongar ou interromper a comunicação,para verificar se o canal funciona, para atraira atenção do interlocutor ou confirmar suaatenção continuada" (Jakobson, 1969: 126).Verificamos que, muitas vezes, o orador bus-ca ganhar tempo para articular o que tencio-na dizer.

Às vezes, por deficiência na construçãode frases, o entrevistado omite o termo fun-damental da oração. Nesse caso, deve-seacrescentá-lo quando este estiver claro no

contexto. Se a entrevista for transformada

em livro ou outro tipo de publicação, os er-ros gramaticais como concordância, regên-cia, reordenação sintática das orações deve-

rão ser corrigidos.

Por esses motivos, e para se evitar ma-nipulações, é que o documento sonoro deveser preservado e, sempre que possível, opesquisador deve preferi-Io às transcrições.

Todo esse processamento significa um exaus-tivo e longo trabalho. Geralmente necessita-se pelo menos seis horas de trabalho paratranscrever uma hora de entrevista.

A desvantagem da transcrição de umaentrevista é que essa, de uma certa forma,impede a percepção de elementos importan-

a partir do momento em que se estabelece

no depoimento a adoção de normas e pa-drões cultos rigorosos, ela acaba descaracte-rizando a fala original e todo um contexto

em que foi produzida. Alguns profissionaisdedicam-se sobremaneira ao trabalho com otexto, transformando a entrevista original e

dela se distanciando.

Embora algumas alterações na transcri-ção do depoimento sejam inevitáveis, comoanteriormente dito, principalmente em se

tratando de pessoas cultas e públicas, insis-timos na idéia de que todo pesquisador, queé viciado na leitura de texto escrito, deve

preferir o audiovisual.

/

Questões Eticas e Legais

Após a revisão final do texto, o entre-vistado deve assinar um termo de doaçãodo depoimento, seja à instituição onde oprojeto foi desenvolvido, seja ao entrevista-dor, em se tratando de pesquisa individual.

Nesse termo, deverão constar possibilidadese restrições à consulta, que também vão ser

102 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL SÔNIA MARIA DE FREITAS I 103

definidas pelo doador. Dessa maneira, o pe -quisador estará evitando possíveis problemasfuturos com os descendentes e herdeiros d

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depoente.

Quanto à relação entre ética e HistóriaOral, gostaria de destacar a realização de se-minário sediado na PUC-SP, no qual discu-

tiu-se especificamente a questão, resultandona edição do livro Ética e História Oral. em1995.1 O texto de apresentação do catálogosalienta, argutamente, que "a incorporaçãode novos sujeitos históricos e de novos cam-pos de investigação exigem, daqueles quetrabalham com a História Oral, um esforçode crítica constante diante das múltiplas si-tuações e dilemas encontrados. O respeito adiferenças e individualidades e a constantemutação de valores tornam imperativa, por-tanto, uma aproximação entre a História Orale o estudo da Ética".

À guisa de exemplificação, foram ane-xados modelos do termo de cessão gratuita

de direitos sobre o depoimento oral, fichacatalográfica das coleções e termo de com-promisso de uso.

História Oral x Projetos

Individuais e Institucionais

1 o evento e o livro foram organizados peja pesquisa-

dora Daisy Perelmutter.

Nas últimas décadas, assistimos à expan-

são desenfreada dos meios de comunicação

de massa - jornal, rádio, televisão, cinema.

Essa expansão colaborou para revalorizar. a

oralidade e a imagem, em detrimento do dIS-

curso escrito. Gravadores de fitas cassete e,

mais tarde, as cámeras de vídeo foram in-

corporados ao cotidiano das pessoas. Hoje,

os computadores dominam a cena: tempo

de multimídia, sistemas interativos, video-

conferências, satélites, Internet.

Seguindo a tendência de incorporar

novas tecnologias, novas linguagens e no-

vos temas, houve a proliferação de projetosde História Oral em museus de diversos paí-

ses: o Ellis Island Immigration Museum(Nova Iorque); o Museu da Diáspora (Israel);

o National Sound Archive (Londres); o Mu-

seu da Imagem e do Som-MIS, o de São

Paulo e o do Rio de Janeiro, o Museu Marc

104 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORALSÔNIA MARIA DE FREITAS I 105

Chagall (Porto Alegre) e mais recentemen-

te o Memorial do Imigrante/Museu da Imi-

gração, em São Paulo, apenas para citar al-

Capital. Por outro lado, no campo social, os

movimentos de trabalhadores do campo eda cidade, dos negros, das mulheres, dos

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guns exemplos. Vale também destacar acriação de diversos museus, departamen-

tos de patrimônio histórico ou centros dememória, por empresas e instituições pú-

blicas e privadas, que se dedicam ao traba-lho de resgate e preservação da memóriahistórica.

As experiências citadas anteriormente,

entre outras, são voltadas para temas espe-cíficos;as questões históricas mais amplas ain-

da permanecem pouco exploradas. É como

se não houvesse o movimento da história, odinamismo e as mudanças que marcam as

culturas. Ignoram-se as transformações ocor-ridas no mundo contemporâneo. Por umlado, talvez, há 30 ou 40 anos, não imagi-

nássemos que o mundo tomaria os rumos quetomou na velocidade e proporções atuais. Asnovas tecnologias estão dominando a cena.

O realismo deixou de ser fantástico para tor-nar-se virtual. Bites, megabites e gigabitesdeterminam a potência e dinâmica no pro-

cessamento das informações. Tempos deneoliberalismo, globalização da economia e,

paradoxalmente, o renascimento de "nacio-

nalismos" e conflitos étnicos. Sofisticação do

106 I HISTÓRIA ORAL X PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTITUCIONAIS

gays/ em busca de cidadania e melhores con-dições de vida, pressionam os poderes pú-

blicos e econômicos.

Entretanto, as transformações e as ten-

dências do mundo contemporâneo são total-mente ignoradas pela maioria dos museus vi-sitados, no Estado de São Paulo e em outrosEstados. Eles se limitam ainda a privilegiar ataxidermia, a numismática, sacralizando amemória dos "heróis" locais ou nacionais. São

espaços sombrios e enfadonhos, que poucotêm atraído UlTI público, cada vez mais alie-

nado pelos meios de comunicação.

Diante dessa perspectiva, faz-se neces-sário um balanço, um redimensionamento;enfim, atualizar os museus e reciclar os seustécnicos. Um museu deve refletir a socieda-de que representa, expressando a sua reali-dade e os anseio s/demandas da sociedade

civil.Há que se (re)considerar o papel dos

museus: seu objetivo, sua abrangência, seus

critérios de coleta de acervo, bem como ne-les incorporar novos suportes, novas lingua-gens e novas metodologias. Afinal, como eo que estamos coletando do século XX?Nes-

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 107

se contexto, a História Oral pode dar uma

g.rande contribuição, ao registrar a experien-CIahumana no Inundo contemporâneo.

Ao longo de 14 anos de atuação na Se-

cretaria da Cultura, tive a oportunidade dedesenvolver dois projetos de História Oral.

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Embora um projeto individual, por exem-

plo, uma tese acadêmica, eleja a entrevista de

História Oral como fonte privilegiada, pro-

duzindo um conjunto de depoimentos, um

projeto institucional objetiva fundamental-

mente a constituição de um acervo aberto ao

público. Direito de acesso à memória histó-

rica é também uma questão de cidadania.

Um acervo criado a partir de um projeto ins-

titucional deve ser processado, catalogado e

armazenado para consulta, garantindo, as-

sim, a sua disseminação. Nessa perspectiva,assumimos a posição de que todo material

produzido por projeto individual deveria ser

preservado com a sua doação a instituições

públicas.

Para a implantação de um projeto insti-

~ucional faz-se necessária a elaboração de pro-jeto de pesquisa que contenha objetivos,

tema, recortes, metodologias e diretrizes aserem empregados. Outros procedimentos

serão necessários em decorrência de especi-

ficidades de cada projeto de pesquisa. Àguisa de exemplo, relato a seguir duas expe-

riências antagônicas, porém bastante fecun-

das.

108 I HISTÓRIA ORAL X PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTlTUCIONAIS

De 1987 a 1992, implantei e coordenei o Se-

tor de História Oral no Museu da Imagem edo Som-MIS. Embora o MIS registrasse de-poimentos em áudio de forma não-sistema-

tizada, desde a sua criação, foi a partir dacriação do Setor que se implantou o ProjetoDepoimentos em Vídeo, que tinha por obje-tivo a produção de acervo pela realização dedepoimentos com personalidades da área ar-

tístico-cultural do país. 1

O setor contava, além do coordenador,com um pesquisador e dois estagiários. Aequipe técnica, que se revezava, era forma-da por dois técnicos de som e dois operado-res de vídeo. A cada entrevista, realizáva-mos extensa pesquisa em obras de referência,bibliografias específicas, hemerotecas e, alémdisso, solicitávamos o currículo do entrevis-tado previamente. Durante as gravações, con-

távamos sempre com a presença de profissio-nais da área e/ou especialistas no assunto emquestão, a fim de enriquecer o depoimento.O acervo foi constituído nos suportes vídeoVHS Pal-M, fita cassete e de rolo. A cadasessão era também feito registro fotográfico.

1 No MIS, recolhi pessoalmente 120 depoimentos.

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 109

A maioria de nossas entrevistas foi rea-lizada no estúdio de som do Museu da Ima-

gem e do Som. Ali, contamos sempre com

personagem. Porém, buscávamos tambémregistrar a origem, formação, prováveis in-fluências, contexto social e familiar; situações

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equipamento profissional e com a colabora-ção dos técnicos citados anteriormente, o quenos garantiu uma excelente qualidade nas

gravações. Este material encontra-se arma-zenado na reserva técnica do MIS: as fitasmatrizes estão preservadas no arquivo cli-matizado, que tem condições ideais de tem-peratura e controle da umidade do ar. As

cópias estão disponíveis a pesquisadores eao público em geral no Setor de Documenta-ção desse Museu.

Esses recursos nos propiciaram condi-ções ideais e nos pouparam dos cuidadostécnicos com as fitas e com o câmera de vídeo,

que todo entrevistador deve ter, para nãocorrer nenhum risco e garantir qualidade nagravação.

Os depoentes eram cineastas, músicos,

compositores, intelectuais. Eram, portanto,personalidades expressivas e bastante acos-tumadas a lidar com interlocutores, micro-fones, câmeras e luzes. Percebia-se, nessesentrevistados, uma grande necessidade em

manter a própria imagem pública. As entre-vistas eram temáticas, explorava-se o traba-

lho, o processo criativo e a realização de cada

1 1 0 I HISTÓRIA ORAL X PROJETOS INDIVIDUAIS E I STlTUCIONAIS

ou fatos que, às vezes, podem ser determi-nantes no encaminhamento do indivíduopara uma atividade profissional e/ou na sua

atuação.

A segunda experiência, no entanto, dizrespeito à história de "heróis anônimos", quechegaram ao Estado de São Paulo em buscade condições dignas de vida e concretiza-ção de seus sonhos - os imigrantes. Forammais de 2,5 milhões de imigrantes, sendoque a maioria veio trabalhar na lavoura de

café, em franca expansão para o interior doEstado.

Idealizei, implantei e coordeno, desdejulho de 1993, o Setor de História Oral doMuseu da Imigração, que integra o Memo-rial do Imigrante, órgão da Secretaria da Cul-tura do Estado de São Paulo. Registrar e pre-servar a memória do imigrante, respeitandoa sua experiência como indivíduo, bem comoa singularidade e a diversidade de mais de70 nacionalidades, constituídas de diferen-tes grupos étnicos - esse é o objetivo básico

do setor.

Para resgatar essa saga, sem esconderdificuldades e conflitos, dando voz à diver-

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 1 1 1

sidade de versões, e fugindo da história ofi-

cial, homogênea e redutora, o Setor de His-

tória Oral tem priorizado entrevistar imigran-

OUso do Vídeo

Concebido para registrar e preservar a

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tes anônimos e idosos. Afinal, esta talvez seja

a última oportunidade para pessoas de 80,

90 e até 102 anos contarem suas experiên-

cias de mudança de país e integração numa

cultura totalmente diferente. Das suas nar-

rativas elnerge um cotidiano rico em alegrias,

aventuras, fantasias, sofrimento e resigna-

ção.

Os imigrantes são localizados por meio

de suas igrejas, clubes, associações e insti-

tuições. Além disso, o Setor mantém um

cadastro permanente no próprio Museu. Asentrevistas têm sido realizadas pela autora e

gravadas no Museu ou na residência dos

próprios depoentes. Fotos e documentos

apresentados pelo imigrante são contextua-

lizados e identificados durante a entrevista.

Esse material colabora no ato de rememora-

ção e, ao mesmo tempo, enriquece o acervo

documental - iconográfico, textual e tridi-

mensional (objetos) -, seja ele emprestado

para reprodução ou doado. Dessa maneira

estamos colaborando na captação de acervo

privado, sendo também um elo entre as fa-

mílias, as comunidades e o Museu.

11 2 I HISTÓRIA ORAL X PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTlTUCIONAIS

história da imigração e, levando em consi-

deração a importância da imagem e dos

novos meios de comunicação no mundo con-

temporâneo, o projeto tem-se utilizado de

gravações em vídeo (fitas VHS, no sistemaPal-M, e cassete), as quais são processadasconforme a metodologia da História Oral.

O uso de um microfone de lapela melhorou

sensivelmente a qualidade da gravação.

A utilização do vídeo na gravação dos

depoimentos nos permite captar muito além

das palavras: captamos os gestos das mãos,a expressão física e facial, os risos, as lágri-

mas, o tom da voz, enfim, estórias de vida

comoventes. Como dito anteriormente, de

forma alguma, resistência à cámera de vídeo

foi por mim registrada; pelo contrário, as

pessoas que concordam em participar do

projeto sentem-se lembradas e valorizadas.

Em suas narrativas percebemos os seus dra-mas pessoais, que na verdade, foi um dra-

ma coletivo vivenciado por milhares de in-

divíduos.

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 113

A Transcrição Seguindo a tendência mundial das no-

vas tecnologias, o Setor implantou um siste-ma multimídia. A expressão multimídia sig-Nesse projeto, a transcrição tem sido

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nifica "múltiplos meios", ou seja, este sistemaé resultado da combinação de diversas téc-nicas num mesmo equipamento. O multi-mídia reúne as capacidades do áudio (locu-ção ou música), texto, imagens fixas e emmovimento (vídeo). O multimídia desenvol-vido para o Memorial contém imagens emmovimento de trechos das entrevistas, resu-mos biográficos, fotos e fichas catalográficas.Esta estação cumpre a finalidade de divulgaro acervo produzido, facilitando assim o aces-

so dos usuários aos depoimentos dos imigran-tes. Os imigrantes que deram depoimentopodem ser conhecidos, através da Internet,no site www.memorialdoimigrante.gov.sp.br.selecionando-se o tema: Vida de Imigrantee, em seguida, o país.

uma das nossas grandes dificuldades, poisestamos lidando com uma infinidade de lín-guas e formas de expressão. Procuramosmanter o "falar" do imigrante, tal como ele

chegou até nós, com seus "estrangeirismos",seu "sotaque", enfim, seu estilo. Entretan-to, alguns retoques no texto são indispensá-veis, mas com muita cautela para não inter-ferir no sentido, seja para evitar excessos deerros, seja para conter vícios da linguagemcoloquial, que impeçam o fluir da leitura.

Procuramos manter a seqüência, o "na-

turalismo", a espontaneidade, enfim, tenta-mos manter a entrevista tal qual se sucedeu,apesar das interferências na versão trans-crita.

Produtos e Subprodutos

O Setor de História Oral, portanto, estáproduzindo um acervo de depoimentos,constituído de versões transcritas e orais ede cópias em vídeo, aberto ao público." Uma vez realizada a entrevista, o vídeo

é copiado em áudio. Da audição da fita cas-sete é feita a transcrição e posterior confe-rência de fidelidade. Por medida de segu-

Critérios Arquivísticos:

armazenamento e catalogação

2 No Museu da Imigração, recolhi pessoalmente 300de-

poimentos até o presente momento.

11 4 I HISTÓRIA ORAL X PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTITUCIONAIS SÔNIA MARIA DE FREITAS I 11 5

rança, copIa da entrevista do winchester éfeita em disquetes. Em seguida, as fichastécnicas, que foram preenchidas com o imi-

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grante, são completadas com os resumos eenviadas com as fotos para a confecção debrochuras e alimentação do banco de dadose do sistema multimídia. Após todo esse pro-

cessamento, passa-se à fase da catalogação.São elaboradas fichas catalográficas do de-poimento contendo: duração da entrevista,o número de páginas transcritas e as pala-vras-chaves. Terminada essa fase, atualizam-se as listagens do acervo, organizadas emordem alfabética por país, nome e em or-dem numérica seqüencial de entrada do de-

poimento no acervo, sendo a última formautilizada também para o annazenamento.

O pesquisador poderá selecionar o de-poimento por país, pelo nome, pelas pala-vras-chave; seja nos suportes vídeo, casseteou brochura.

A confecção deste manual teve por ob-

jetivo abordar os diferentes procedimentos

e possibilidades da História Oral em seus

aspectos teóricos, metodológicos e, princi-palmente, práticos. Aliando teoria e práxis

de forma indissolúvel - procedimento que

foi determinante na estrutura de apresenta-

ção aqui seguida -, a sua publicação possibi-lita maior divulgação dos procedimentos epossibilidades da História Oral, enquanto

método, que está causando mudanças na

construção do conhecimento nas ciênciassociais nas últimas décadas.

Em nossa experiência, as vozes não se

tornam apêndices ou anexos. Elas são parteintegrante e fundamental de nossos estudos,

pois, apesar do diálogo entrevistador/entre-vistado, elas são a condição, por excelência,da existência da História Oral.

É nossa intenção, com a edição deste

manual, abrir novas perspectivas para pes-

Considerações Finais

11 6 I HISTÓRIA ORAL X PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTITUCIONAIS

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 117

quisadores de instituições públicas e priva-das, bem como para educadores. A experiên-cia acumulada em mais de uma década au-

e suas idealizações, ultrapassando o campodo racional, da lógica e da razão.

Pela sornatória das memórias indivi-

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toriza-nos a ver a História Oral como ummétodo eficaz na constituição de fontes his-tóricas e de pesquisa nas ciências sociais,

entre outras possibilidades. No entanto, épreciso considerar globalmente essa fonte edesconsiderar a falibilidade e a seletividadeque, porventura, se apresentem nas remi-niscências. A subjetividade deve ser enten-dida como inerente ao universo simbólico e

ideológico do indivíduo e, conseqüentemen-te, do grupo ao qual pertence e que compar-

tilha de suas memórias.Dessa forma, as reminiscências colabo-

ram .na constituição da memória histórica e

permitem uma interpretação das represen-tações, valores e costumes de um grupo oude uma sociedade.

Ao dar voz a múltiplos narradores, a

História Oral possibilita diferentes versões,diferentes percepções sobre o mesmo fato.Por isso, neste tipo de trabalho, não pode-mos adotar modelos reducionistas de análi-se, buscando a continuidade e a descontinui-

dade, os equívocos, as falhas, as comparaçõesapenas, pois aquele que rememora expressa,também, em seu discurso, as suas fantasias

duais temos a evidência de uma mcmôris

coletiva, que nos fornece elementos para areconstrução da memória histórica. E bomnão esquecer que o discurso do depoentetransmite um ponto de vista do presente nos

conteúdos rememorados.

Não é nossa intenção fazer a análise dasentrevistas, posto que o objetivo principaldos projetos desenvolvidos é constituir acer-vo de fontes orais. Indubitavelmente, as en-trevistas resultam em um rico material de

pesquisa, que deve estar disponível a pesqui-sadores e ao público em geral nas instituiçõesmantenedoras dos acervos de História Oral.

Além de ser a voz um componente im-portante para análise, toda entrevista de His-tória Oral pode também ser analisada pelodiscurso e pelo conteúdo por elas apresen-

tados.

Partindo do pressuposto de que os indi-víduos reconstroem o passado, as entrevistasavaliadas demonstram que cada depoentepossui uma maneira diferente de se expres-sar. Ao mesmo tempo, percebe-se que háfalas mais articuladas que outras, discursosmais diretos e objetivos que outros.

118 I CONSIDERAÇÕES FINAISSÔNIA MARIA DE FREITAS I 11 9

Convêm lembrar que sendo a memóriauma faculdade do ser humano, ela não 'imune a conflitos, contradições e frustrações,

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percebidos nas falas. As narrativas são coe-rentes com as suas próprias realidades, comas suas próprias vidas.

No segundo nível da análise, essas re-miniscências trazem em si informações queenriquecem e efetivamente contribuem parauma melhor compreensão dos temas e pes-soas pesquisados.

Na atualidade, a mídia está cada vezmais preocupada em divulgar os chiques efamosos e menos preocupada com a histó-

ria. Vivemos o império da cultura das cele-bridades, por menores e insignificantes quesejam as suas ações.

O trabalho que realizo junto às comu-nidades de imigrantes não se limita a regis-trar testemunhos orais e armazená-los paraas futuras gerações. O pesquisador constróia história a partir das memórias usando as

fontes orais e escritas, interpretando-as. Essetrabalho voltado para a memória é muitoimportante, tendo em vista a globalização domundo que pode levar as pessoas a perderas suas raízes. Perder a nossa memória sig-nifica perder a nossa identidade.

120 I CONSIDERAÇÕES FINAIS

APÊNDICE

Modelo de Roteiro para

Entrevista com Imigrantes

Alguns tópicos que podem ser aborda-

dos sobre o tema imigração:

Origem

• Qual é o seu nome?

• Quando e onde nasceu?

• Faça uma descrição da sua cidade.

• Quais eram e como eram as festas maisimportantes na sua cidade natal?

• Qual era a principal atividade econômica

de sua cidade?• Fale das condições de vida em seu país de

origem.

• O que seus pais faziam lá?

• Fale de sua infância, brincadeiras, conví-vio com outras crianças, escola, cotidiano

no campo ou na cidade.

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 121

Trajetórh

• Quando emigrou para o Brasil?

• Estabeleceu contato com pessoas de ou-tras nacionalidades no navio?

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• Que idade tinha?

• Qual foi a causa de sua emigração?

• Qual era o procedimento para sair de seu

país? (documentos e exames exigidos)• Quais eram os outros possíveis lugares

para onde queria emigrar?

• De que maneira o Brasil surgiu como al-ternativa?

• Teve algum contato com algum tipo de pro-paganda, como anúncio e cartaz, sobre a

imigração para o Brasil?• O que sabia sobre o Brasil?

• Havia algum parente, amigo ou conheci-do no Brasil? .

• O que idealizava com a viagem?

• Conte como foram os arranjos para a via-gem. Quem ajudou você (ou sua família)

na viagem?• Quem veio com você?

• O que trouxe consigo? Fale de sua baga-

gem.

• Conte como foi a viagem: rotina, horários,alimentação, descanso, duração da via-

gem, etc.

122 I ApÊNDICE

Chegada

• Onde e como foi o seu desembarque?• Qual foi a sua primeira impressão sobre o

Brasil ao desembarcar?

• Como foi a recepção? Como era organi-zada a recepção em Santos e em São Pau-

lo?

Hospedaria de Imigrantes

• Como foi a sua chegada à Hospedaria?(caso tenha tido essa experiência, aprofun-

dar as questões ...)

• Fale de sua permanência na Hospedaria.(triagem, exames médicos, tratamento aosdoentes, o dia-a-dia, os horários, as lou-

ças, as refeições, o conta to com os outros

imigrantes, a vida das crianças)

• Havia algum tipo de separação entre aspessoas? Por exemplo: por nacionalidade,condições de saúde (doenças comuns),

pessoas suspeitas, refugiados, etc.?

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 123

Destill

• Qual era o destino dos imigrantes que s-

tavam na Hospedaria?

• Foi difícil o aprendizado da língua portu-

guesa?

• Havia escola para os imigrantes e seus fi-lhos? Era mantida por quem?

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• Eram oferecidas ao imigrante opções d

destino, de tipo de trabalho?

• Havia algum tipo de contrato?

• Conte sua trajetória a partir do trem que

saía da Hospedaria.

• Fale como era a sua vida na fazenda de

café, desde que acordava até a hora em

que dormia.

• Era permitido ter as suas próprias planta-

ções, no meio ou fora do cafezal?• Quais eram os produtos de primeira ne-

cessidade, as cadernetas, o salário ...

Da Tradição aos Novos Costumes

• Manteve contato com parentes e amigosdo país de origem?

• Fale do período de adaptação: novo cli-

ma, novos costumes, novos hábitos, no-

vos amigos, nova língua.

• Conviveu com imigrantes de outras na-

cionalidades? Como foi?

124 I ApÊNDICE

• Qual era a distância entre a escola e amoradia? E entre a sua casa e o cafezal,entre a casa e a cidade mais próxima?

• Como era o dia-a-dia das crianças?• Como era o lazer e a prática religiosa?

• Fale de encontros e da sua relação com os

patrícios.

• O que permaneceu da cultura e dos cos-tumes de origem na sua família? (língua,

alimentação, religião, etc.)

• E como grupo, quais eram as datas, as fes-tas e as comemorações?

• O que foi incorporado da cultura da nova

"pátria"?

Rumo à Cidade: novas relaçõessociais e de trabalho

• Por que e como se deu a sua transferênciado campo para a cidade ... ou para a Capi-

tal? Fuga?

• Qual foi o primeiro bairro em que morou?Como era? E a cidade de São Paulo como

era?

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 125

______ era um bairro tipicamente

-----_?

• Havia, e ainda há, associações ou clubes

• • Na sua opinião, qual a importância dessetrabalho de recuperar o seu passado, a suaexperiência e de outros imigrantes?

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da comunidade? O que proporcionavamaos imigrantes? (educação, trabalho, lazer,política, cultura)

• Que atividade profissional desenvolveu na

cidade? Como aprendeu?• Havia algum tipo de trabalho já caracte-rístico do grupo de seu país? Qual era? (Aexperiência profissional ou política deveser explorada)

Questão de Identidade

•. Mantém vínculo com país de origem? Car-tas, telefonemas ...

• Casou-se com pessoa da sua origem (dogrupo) ou de outra nacionalidade?

• Teve oportunidade de retornar à terra na-tal? Como foi a experiência?

• O senhor hoje se sente um brasileiro ou7

-------

• Com que mais se identifica no Brasil?

• O que vê de positivo e negativo no Brasil?

• Qual a diferença mais marcante no com-portamento das pessoas daqui e de __

7------

126 I ApÊNDICE SÔNIA MARIA DE FREITAS I 127

MODELO DE TERMO DE CESSÃO GRATUITADE DIREITOS SOBRE DEPOIMENTO ORAL

CEDENTE: , naciona-

TERMO DE COMPROMISSO DE USO

AUTORIZADO: _

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lidade r estado civil , profissão

________ , portador da Cédula de Identidade RG/

Cédula de Identificação de Estrangeiro n" r emitida

pelo , e do CPF nO, dorniciliado e resi-dente na Rua/Av./Praça _

CESSIONÁRIO: Prefeitura Municipal de São Paulo/Secretaria

da Cultura-Museu do Trabalhador (fictício), estabelecido naRua/Av./Praça _

_ _ _ _ r São Paulo, Capital.

OBJETO: Entrevista gravada exclusivamente para o Departa-

mento de História Oral do Museu do Trabalhador.

DO USO: Declaro ceder ao Museu do Trabalhador sem quais-

quer restrições quantó aos seus efeitos patrimoniais e fi-

nanceiros a plena propriedade e os direitos autorais do

depoimento de caráter histórico e documental que presteiao(a) pesquisador(a) _

______ , na cidade de _

em __ / / , num total de __ fitas gravadas.

O Museu do Trabalhador, pelo Departamento de História

Oral, fica conseqüentemente autorizado a utilizar, divulgar

e publicar, para fins culturais, o mencionado depoimento,

no todo ou em parte, editado ou não, bem como permitir a

terceiros o acesso ao mesmo para fins idênticos, segundo

suas normas, com a única ressalva de sua integridade e

indicação de fonte e autor.

São Paulo, __ de de

Assinatura do Depoente/Cedente

128 I ApÊNDICE

Formação Acadêmica: _

Endereço: _

Telefone: _

N° da Cédula de Identidade ou Passaporte: _

Tipo de Trabalho: artigo ( ) dissertação ( ) livro ( ) monografia( ) tese ( ) outros: _

Título do Trabalho: _

Instituição Responsável: _

Comprometo-me a utilizar a(s) cópia(s) do(s) depoimento(s)do( a) Sr. (a) _

__________ ao pesquisador , em

____ e pertencentes à Coleção do Departamento de

História Oral, constando de fitas cassetes,

___ vídeo e páginas, exclusivamente para a finalida-

de declarada acima e de acordo com as normas de citação esta-

belecidas pelo Museu do Trabalhador.

Declaro estar ciente de que a utilização indevida dos

materiais, ocasionando a transgressão das normas de consul-

ta, sujeita-me às penalidades previstas na Lei n" 9.610, de

19.2.1998.

Quaisquer outras formas de utilização e divulgação não

previstas nas mencionadas normas necessitam de autorização

expressa do depoente ou herdeiro, sendo o Museu do Traba-

lhador o intermediário entre o solicitante e o depoente.

São Paulo, __ de de __ .

Ass: _

SÓNIA MARIA DE FREITAS I129

PROGRAMA DE DOCUMENTAÇÃO ORAL!

CATÁLOGO DAS COLEÇÕESCOLEÇÃO: Museu do Trabalhador - Departamento de História Oral

TIPO DE ENTREVISTA:

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( ) história de vida

( ) his tória temá tica: ( ) depoimento individual ( ) depoimentocoletivo

NOME(S) DO(S) ENTREVISTADO(S)

1

2

LOCAL DA ENTREVISTA:

DATA DA ENTREVISTA: ---.J---.J_ DURAÇÃO:

CONDIÇÕES DA GRAVAÇÃO:

TRANSCRIÇÃO: ( ) sim ( ) não

( ) manuscrita ( ) impressa ( ) em disquete

NÚMERO DE SÉRIE:

SUMÁRIO

Palavras-chave:

Obs.: Os modelos apresentados foram baseados nas pro-

postas do CEDIClPUC e CPDOClGV

130 I ApÊNDICE

Bibliografia

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Anexo Fotográfico