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Da preservação da memória histórica ao trabalho pedagógico: um estudo de caso do processo de produção de um acervo de história oral. SOELI REGINA LIMA Introdução ´ Este trabalho analisa o processo de produção de um acervo de história oral, como possibilidade de dar visibilidade às memórias de sujeitos sobre a colonização da região do Contestado, com recorte para os planalto Norte catarinense e ainda como recurso metodológico na produção do conhecimento histórico regional. A pesquisa, subsidiada pelo programa Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior - FUMDES (2015-2017), contou com 11 entrevistas semiestruturadas versando sobre as seguintes temáticas: Guerra do Contestado; monge João Maria; colonização local (famílias pioneiras, imigrantes, indígenas); desapropriação de terras para implantação do Campo de Instrução Marechal Hermes-CIMH; serraria Lumber; cotidiano familiar, sociocultural e educacional. A edição dos depoimentos, para o trabalho em sala de aula, com a seleção de informações, delimitação de tempo do documentário, inserção de legendas explicativas, sonorização, assinatura da carta de cessão de divulgação e elaboração da ficha catalográfica para a base de dados, foi foco de análise para compreensão das interferências daquele que edita e organiza o conteúdo das memórias reveladas. Do trabalho com a memória história e o ensino da História Trabalhar com o ensino de História, na sociedade atual, exige que seja ultrapassado o enfoque positivista 1 o qual enfatiza o estudo dos grandes líderes, seus feitos e monumentos históricos. Este avanço consiste em um trabalho com a memória histórica, através da micro- história, 2 por meio de procedimentos que favoreçam a produção do conhecimento, onde o aluno faça parte do processo, seja copartícipe. “Por isso o trabalho, do professor se define como de UnC, Mestre em Geografia, apoio FUMDES. 1 O Positivismo objetivava a cientifização do pensamento e do estudo humano, procurando a obtenção de resultados claros, objetivos e completamente corretos, onde o conhecimento se explica por si mesmo, num ideal de neutralidade, isto é, na separação entre o pesquisador/autor e sua obra. 2 Sobre micro-história ver: LEVI, Giovanni. “Sobre a micro-história”. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992. DAVIS, Natalie Zemon. O retorno de Martin Guerre. Trad. Denise Bottmann. Rio de Janeiro-RJ: Paz e Terra, 1987. (Coleção Oficinas da História, v. 04).

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Da preservação da memória histórica ao trabalho pedagógico: um estudo de caso do processo de

produção de um acervo de história oral.

SOELI REGINA LIMA

Introdução

´ Este trabalho analisa o processo de produção de um acervo de história oral, como

possibilidade de dar visibilidade às memórias de sujeitos sobre a colonização da região do

Contestado, com recorte para os planalto Norte catarinense e ainda como recurso metodológico

na produção do conhecimento histórico regional. A pesquisa, subsidiada pelo programa Fundo

de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior - FUMDES (2015-2017),

contou com 11 entrevistas semiestruturadas versando sobre as seguintes temáticas: Guerra do

Contestado; monge João Maria; colonização local (famílias pioneiras, imigrantes, indígenas);

desapropriação de terras para implantação do Campo de Instrução Marechal Hermes-CIMH;

serraria Lumber; cotidiano familiar, sociocultural e educacional. A edição dos depoimentos,

para o trabalho em sala de aula, com a seleção de informações, delimitação de tempo do

documentário, inserção de legendas explicativas, sonorização, assinatura da carta de cessão de

divulgação e elaboração da ficha catalográfica para a base de dados, foi foco de análise para

compreensão das interferências daquele que edita e organiza o conteúdo das memórias

reveladas.

Do trabalho com a memória história e o ensino da História

Trabalhar com o ensino de História, na sociedade atual, exige que seja ultrapassado o

enfoque positivista1 o qual enfatiza o estudo dos grandes líderes, seus feitos e monumentos

históricos. Este avanço consiste em um trabalho com a memória histórica, através da micro-

história,2 por meio de procedimentos que favoreçam a produção do conhecimento, onde o aluno

faça parte do processo, seja copartícipe. “Por isso o trabalho, do professor se define como de

UnC, Mestre em Geografia, apoio FUMDES. 1 O Positivismo objetivava a cientifização do pensamento e do estudo humano, procurando a obtenção de

resultados claros, objetivos e completamente corretos, onde o conhecimento se explica por si mesmo, num ideal

de neutralidade, isto é, na separação entre o pesquisador/autor e sua obra. 2 Sobre micro-história ver: LEVI, Giovanni. “Sobre a micro-história”. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da

história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992. DAVIS, Natalie Zemon. O retorno de Martin

Guerre. Trad. Denise Bottmann. Rio de Janeiro-RJ: Paz e Terra, 1987. (Coleção Oficinas da História, v. 04).

mediador entre aluno e conhecimento histórico. Ele não só promove o diálogo com o

conhecimento já sistematizado oficialmente, mas também com as memórias vivenciadas dos

alunos” (HORN, 2003:174). Para tal, além do uso do conhecimento histórico, já produzido

sobre determinados temas, urge que seja promovido o diálogo da memórias históricas

possibilitando ao aluno desenvolver habilidades de compreensão das permanências,

similaridades vividas em diferentes temporalidades e espacialidades.

Nesta perspectiva, as aulas de História apoiadas em pesquisas, com atividades que

extrapolem o espaço de sala de aula, que envolvam metodologias3 significativas com o uso de

recursos como: documentação histórica, museus, patrimônio histórico, história local e história

oral, transformando o aluno de mero receptor para produtor do conhecimento histórico. Desta

forma, o ensino de História contribui para a formação cidadã, pois “Somente a partir do

momento em que a sociedade resolve preservar e divulgar seus bens culturais é que se inicia o

processo de construção de seu ethois cultural e de sua cidadania” (NORA, 1993:138). Destaca

ainda o autor, que a população precisa se identificar com o passado para a preservação do

patrimônio histórico cultural.

Pensando a pesquisa histórica na Educação Básica, verificamos que: “A pesquisa é

sempre uma tentativa de investigação que se faz com objetivos definidos de descoberta ou

reavaliação e que envolve a dimensão intelectivo-racional da problemática e das escolhas e a

dimensão intuitiva e criativa que permite a chegada a um dado novo” (FÉLIX, 1988:70). Neste

sentido, “O passado deve ser interrogado a partir de questões que nos inquietam no presente (caso

contrário, estuda-lo fica sem sentido). Portanto, as aulas de História serão muito melhores se

conseguirmos estabelecer um duplo compromisso: com o passado e com o presente” (PINSKY;

BASSANEZI PINSKI, 2005:23). Pautando a pesquisa no trabalho com a história oral, constatamos

que esse recurso possibilita a compreensão da questão temporal bem como situa o objeto de estudo na

contextualização passado e presente. Para tal, o trabalho com a história oral requer uma ampla

compreensão da memória.

A memória pode ser trabalhada de forma individual ou coletiva. Em relação à memória

coletiva, Silva (2009:276), afirma que seria aquela “composta pelas lembranças vividas pelo

indivíduo ou que lhe foram repassadas, mas que não lhe pertencem somente, e são entendidas

como propriedade de uma comunidade, um grupo”. Ela se desenvolve a partir de laços de

convivência familiares e sociais. Ainda sobre a memória coletiva, ela gira quase sempre em

torno do cotidiano social, fundamentando a própria identidade do grupo ou comunidade.

3 Ver: Historia oral: MELHY (2002), ALBERTI (1990, 2004); museus CRUZ (1993), ALMEIDA, A M. ;

VASCONCELLOS C. M.(1997), NETO (1988); História local (1994), MANIQUE, A P.; PROENSA, M. C.

(1994), GARBINATTO (2000), BITTENCOURT (2012).

A memória individual é composta de diferentes níveis que a compõem: o involuntário,

o perceptível, afetivos ou imaginativos. A memória involuntária ou reminiscência é aquele em

que a memória é violentada por choques provenientes de signos sensíveis, diríamos que as

reminiscências dependem sempre dos quadros sociais em que o indivíduo está mergulhado no

presente. Seu caráter social está nos hábitos, gestos, atitudes. Já a memória

voluntária/perceptível é o que chamamos de lembranças. A lembrança, ao contrário da

reminiscência requer tempo para organizar os estímulos emitidos pelos signos, seu caráter

social se define desde o momento que esta utiliza a linguagem para ser expressa. Ela procede

por instantâneos. Quanto ao nível imaginativo, este operam a invenção, o desejo, a fantasia. A

partir de fragmentos de imagens e sensações experimentadas, somos capazes de inventar novas

imagens a partir de novos desejos e novas fantasias (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007).

As memórias individuais e coletivas são interdependentes e uma se explica pela outra.

“A memória individual apenas serve para dar sentido às situações sociais, convém supor

atenção prevalente à memória grupal, que, contudo, é sempre filtrada pelas narrativas pessoais”

(MELHY, 2002:61).

Ou ainda:

As memórias individuais não podem ser tomadas como alicerces da consciência

individual ou coletiva, mas sim como pontos de interseção de várias séries ou

correntes mentais aproximadas pelas relações sociais e por isso falar duma Memória

como unidade subjetiva, como individualidade e não como subjetivação

(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007:199).

A história oral envolvida com questões de memória, sendo aplicada nas pesquisas

históricas seguindo o modelo de entrevistas nos conduz a seguinte reflexão: “A entrevista

significa realmente duas pessoas que estão se olhando. E é nesse olhar-se um ao outro que a

fonte oral se justifica, porque constitui num processo de aprendizado” (VILANOVA, 1994: 47).

Ainda que muitos se valham do conceito de História oral para qualquer forma de

entrevista, modernamente ela só é assim considerada se decorrente de um projeto que reconheça

sua intenção, determine os procedimentos e a devolução pública dos resultados (MELHY,

2002).

Transportando para a sala de aula, através da entrevista, os alunos não apenas revivem

os fatos históricos sob o ponto de vista do entrevistado, como também desvendam os

pormenores, detalhes do cotidiano que estão impossibilitados de serem visualizados em fontes

escritas. A história oral é um “completar” lacunas criadas na análise documental.

Da organização do acerco de história oral com entrevistas semiestruturadas.

A história oral, tendo a memória humana como objeto de estudo, nas décadas de 1980 e

1990 desenvolve suas pesquisas, sobretudo, seguindo o modelo de entrevistas. “A entrevista

significa realmente duas pessoas que estão se olhando. E é nesse olhar-se um ao outro que a

fonte oral se justifica, porque constitui num processo de aprendizado” (VILANOVA, 1994:47).

Ainda que muitos se valham do conceito de História oral para qualquer forma de

entrevista, modernamente ela só é assim considerada se decorrente de um projeto que

reconheça sua intenção, determine os procedimentos e a devolução pública dos

resultados (MELHY, 2002:108).

No que se refere a organização do acervo de história oral, ele deve ser trabalhado em

forma de projetos que sistematize todas as etapas do processo. Quanto ao projeto de pesquisa

cabe ressaltar que “A condução do projeto de história oral deve ser observada desde a fase de

apresentação dos motivos das entrevistas e retomada nos acertos de conferência até as soluções

de publicidade dos resultados” (MELHY, 2002:89). Já em relação ao entrevistado “É relevante

considerar que o colaborador deve ter ampla liberdade para se expressar e apenas revelar o que

lhe é liberado pelo próprio juízo, por sua consciência ou sua memória” (MELHY, 2002:110).

Uma problemática a ser resolvida está no processo de seleção dos entrevistados e do

número de entrevistas a ser realizadas. Quanto à escolha dos entrevistados “é no contexto de

formulação da pesquisa, durante a elaboração do projeto, que aparece a pergunta: `quem

entrevistar´?” (ALBERTI, 2004:31). Para definir quem será o entrevistado requer, por parte do

entrevistador, o embasamento teórico sobre a temática para iniciar o “rastreamento” das fontes

orais. O pesquisador envolvido em leituras e na busca da documentação escrita ou iconográfica,

ao investigar a temática tende a receber novas informações.

Cabe ressaltar de que sendo um tema em que há um grande número de sujeitos

envolvidos, capazes de fornecer informações, “a escolha dos entrevistados não deve ser

predominantemente orientada por critérios quantitativos, por uma preocupação com

amostragens, e sim a partir da posição do entrevistado no grupo, do significado de sua

experiência” (ALBERTI, 2004:31).

Tona-se necessário, no processo de escolha do sujeito a ser entrevistado a coleta de

informações sobre o mesmo em relação à profissão, idade, local, tempo de residência, laços de

parentesco e alguns aspectos de sua personalidade. Poder-se-á, assim, ter uma prévia do que

poderá vir a ser a entrevista, para não ocorrer de apenas elencar nomes, criar roteiros, definir

datas e quando deparar-se com o entrevistado descobrir que este não concede entrevistas, não

quer falar sobre o assunto, é muito ocupado, marcando e remarcando entrevistas, entre outros

empecilhos comuns enfrentados por aqueles que se utilizam da história oral.

Já no que concerne ao roteiro de entrevistas, é preciso ter claro o tipo de entrevistas que

serão aplicadas. Elas podem ser fechadas/estruturadas ou então abertas/semiestruturadas. “Nas

chamadas `entrevistas fechadas´, o entrevistador estabelece roteiros, direciona a conversa e

procede conforme seus interesses, que, na maioria das vezes, moldam o `eu´ do narrador

segundo a imagem e semelhança de quem entrevista”. (MELHY, 2002:116). Já no que se

referem às semiestruturadas, Manzini (1991) as define como aquelas que estão focalizadas em

um assunto sobre o qual elaboramos um roteiro com perguntas principais, complementadas por

outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista. Para o pesquisador, esse

tipo de entrevista possibilita circunstancias propicias às novas informações, visto que as

respostas não estão condicionadas a uma padronização de alternativas.

Outro autor que advoga a questão é Triviños (1987). Para ele a entrevista

semiestruturada tem como característica questionamentos básicos que são apoiados em teorias

e hipóteses relacionadas ao tema da pesquisa. Este tipo de entrevista “[...] favorece não só a

descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade

[...]” (TRIVIÑOS, 1987:152), além de manter a presença consciente e atuante do pesquisador

no processo de coleta de informações.

Ainda em relação ao tipo de entrevista a ser realizada, estas podem ser biográficas ou

temáticas. “As entrevistas temáticas são aquelas que versam prioritariamente sobre a

participação do entrevistado no tema escolhido, enquanto as de história de vida têm como centro

de interesse o próprio indivíduo na história (...)” (ALBERTI, 2004:37).

No que diz respeito à elaboração do roteiro de entrevistas, é preciso observar quando

das entrevistas temáticas, ou seja, diferentes sujeitos vivendo um mesmo fato histórico. Para

estas, os roteiros deverão seguir certa uniformidade, pois assim, haverá maior facilidade na

organização, seleção, comparação e apresentação final das informações coletadas. Mesmo o

roteiro sendo padrão há a necessidade de criar um espaço para que o entrevistado tenha

oportunidade de ir além do previsto no seu relato, pois são nestes momentos que as informações

fluem, apontando novos caminhos e mesmo podendo dar forma às informações, por vezes, já

coletadas e até então incompreensíveis.

Ainda quanto ao roteiro, já na sua elaboração, é possível vislumbrar partes da narrativa

a ser elaborada após a realização das entrevistas. É necessário fazer uma previsão de como estas

informações poderão ser apresentadas. É evidente, que nem todas, mas algumas já oferecem

possibilidades, tais como em forma de quadros, tabelas, percentuais, ou mesmo de como

poderão ser dispostas no texto, como citações, textos na íntegra. O interessante é ter uma ideia,

de antemão, de como poderão ser analisadas e descritas às informações coletadas.

Outro ponto a destacar, está voltado ao número de questões a serem elaboradas. Estas

devem ser direcionadas a um item que remeta ao foco da temática pesquisada, que nem sempre

precisa estar explicito no roteiro. Quando o roteiro é extenso e apresentado ao entrevistado, com

antecedência, ele tende a desanimar ou mesmo intimidar-se, sentindo-se coagido, “cansado”

antes mesmo de iniciar o processo de entrevista.

Entrevistar é uma atividade que requer certa habilidade. Thompson (1998) afirma que

existem diferentes estilos de entrevistadores, desde aquele que conduz a entrevista numa

conversa amigável e informal até o estilo mais formal e sistemático. O já citado autor apontou

como habilidades necessárias o “interesse e respeito pelos outros como pessoas e flexibilidade

nas reações em relação a eles; capacidade de demonstrar compreensão e simpatia pela opinião

deles; e, acima de tudo, disposição para ficar calado e ouvir” (THOMPSON, 1998:254).

Da realização das entrevistas, edição e possibilidade do trabalho pedagógico

O presente acervo de História oral foi articulando em três momentos, a primeira etapa

consistiu em uma ampla revisão bibliográfica sobre a temática, seleção dos entrevistados,

organização do roteiro e realização das entrevistas. O segundo momento consistiu na edição,

organização das fichas catalográficas, coleta de autorização de publicação e organização do site

para divulgação. Por fim, a divulgação do site com as entrevistas editadas.

Para a realização deste trabalho foram realizadas, inicialmente, 11 entrevistas

semiestruturadas com moradores da região do Contestado, acima de 70 anos.

As entrevistas semiestruturadas, filmadas, tiveram um roteiro cronológico, de cunho

biográfico, acompanhando a trajetória dos antepassados do entrevistado quando a origem e

residência, dos aspectos socioculturais, familiares, quanto a educação, namoro, casamento,

datas festivas, religiosas e suas formas de comemoração. Aspectos históricos da região como a

Guerra do Contestado (Jagunços), monge João Maria, índios, coronelismo se fizeram presentes

no roteiro.

No segundo momento, após análise dos resultados obtidos, realizada a transcrição da

entrevista passamos para a edição. Aspectos de cunho pedagógico foram analisados, tais como

o tempo da entrevista. Elas foram delimitadas entre 05:00min a 15:00min minutos, visando o

trabalho pedagógico, visto que as aulas em média são de 45:00min, o que facilita a concentração

dos alunos e favorece a organização das atividades docentes. Outro fator que mereceu destaque

foram as legendas explicativas e sonorização. As legendas preparam o ouvinte para o relato do

depoente, possibilitam a sequência de ideias, além de direcionar e favorecer a assimilação do

conteúdo narrado.

Vejamos quanto a questão do tempo de duração dos vídeos:

Entrevistado (a) Data

Nascimento

Entrevista

Original

Entrevista

editada -01

Entrevista

editada -02

01 Alexandre Iurkiv 04/03/1928 16:80min. 08:07min.

02 Francisco Manoel Guimarães 03/10/1929 22:43min. 09:14min.

03 Izabel Mattos Mota 10/07/1922 29:95 min. 12:26min. 05:15min.

04 Leonór Crecêncio Boava 22/06/1935 59:92min. 03:34min. 05:06min.

05 Lutércio Pacheco 29/01/1939 35:77min. 07:37min

06 Maria Kovalski Procheira 17/05/1929 37:15min 12:26 min

07 Sybila Montes Ribas Gemra 12/06/1931 42:39min. 09:10min.

08 Walfrido da Silva Lima 25/12/1938 47:59min. 13:18min.

09 Antonio Berdum Simas 15/09/1942 55:93min. 07:14min.

10 Luis César Pacheco 01/10/1951 24:50min 03:02min. 08:04min.

11 Neusito Branco Pacheco 24/04/1938 40:50min. 11:03min.

Quadro - 01 Tempo de entrevista

Fonte: Da autora

É interessante ressaltar que: “A história oral se explica no âmbito de uma relação

tridimensional de narrador; pesquisador; e público consumidor do resultado” (MELHY,

2002:92). Neste sentido, todas as fases do processo, (do contato inicial, da entrevista e da

produção da narrativa), devem estar pautadas no trabalho ético. A coleta de histórias de vida

tem, por parte do pesquisador, um enquadramento histórico dos relatos, com sua inscrição no

tempo e com a combinação das várias histórias, contadas separadamente, em uma narração

complexa e unificada, pois a projeção destas histórias para fora do circuito familiar e da

comunidade geram uma troca de olhares sobre um mesmo evento histórico, onde “o que

realmente torna significativa a história oral é o esforço de estabelecer um diálogo entre e para

além das diferenças” (PORTELLI, 2010:210).

“É importante o entrevistador saber distinguir a forma narrativa do entrevistado para

poder compreender melhor a sessão e interagir de maneira mais eficiente. Da mesma forma, é

significativo notar que há narradores com práticas de entrevistas” (MELHY, 2002:139). Neste

último caso eles têm a facilidade de narrar o que lhes interessam, cortando palavras, conduzindo

um discurso narrativo e sequencial. Em outros casos, quando não há a experiência, o

entrevistador deve ir conduzindo o diálogo, tomando o cuidado de não induzir pensamentos e

respostas.

“Toda narrativa é sempre inevitavelmente construção, elaboração, seleção dos fatos e

impressões. Portanto, como discurso em eterna elaboração, a narrativa para a história oral é

uma versão dos fatos e não os fatos em si” (MELHY, 2002:50). O papel do pesquisador pode

então ser compreendido como o de organizar as informações coletadas de forma a ser

apresentada com lógica, coerência textual somada à articulação com fontes documentais,

produzindo assim a narrativa histórica dos fatos.

Outro ponto a destacar está direcionado a questão ética e legal. Algumas informações de

cunho pessoal, citando nome de familiares, conflitos, situações pessoais foram omitidas na

edição para não comprometer o entrevistado e as pessoas citadas. Como exemplo podemos citar

a fala de um entrevistado: “Era gente boa, mas bebia até cair e aí ninguém guentava”. Outra

questão estava na questão de preconceitos, estereótipos relacionados a etnias. Como exemplo:

“Eu tenho cor de índio e negro, já minha irmã é clarinha, bonita. Ela puxou a outra avó”. A

opção se fez necessária para não comprometer o entrevistado perante a atual legislação

brasileira de preconceito racial e mesmo opção sexual.

A entrevistada Dona Izabel,4 no que se refere a forma de conceber o trabalho, como

fator cultural indígena, revela a permanência no imaginário coletivo dos primeiros discursos de

documentos oficiais e dos colonizadores:

Índio é meio parado, português também não é muito do trabalho, é mais da oportunidade né.

Índio com português já viu. Daí a minha avó que era estrangeira era mais ativa. [...] Ela já era

mais culta, tinha cultura, vieram de Palmeira. Ela que trouxe a moda para as filhas dela, tudo,

aqueles corpete, aquelas coisas (MOTA, 2017).

Torna-se necessário, no uso da história oral em sala de aula, alguns cuidados quanto ao

vocabulário e dialetos regionais empregados pelo entrevistado. Fator este que possibilita o

trabalho docente com as diferentes formas de linguagem. Como exemplo, podemos verificar o

sotaque polonês da entrevistada Dona Maria Kovalski Procheira,5 quando ela descreve a sua

infância e o convívio com os índios nas proximidades da sua residência.

Pra pai ir pra vila, juntava os vizinhos. Então minha mãe, já tinha casa, mas não é parede assim

com tábua, era com rachão do mato. Já se guardava ligeiro de dia, tinha que se esconder.

Quando viu, veio já e encheu de coisa nas portas, de galho, de tudo. Então mãe, não podia abrir.

Depois, de dia, não podia sair pra fora. Daí, deu trabalho pra mãe. Nóis tava chorando, queria

ir pra fora, não podia sair. Mais isso tava triste! E não deu pra mexer com eles, porque eles

subiram na árvore e tavam dando risada, quando isso já estava clareando o dia. E a cachorrada

tavam avançando neles. Eles tinham muito medo de cachorro (PROCHEIRA, 2014).

4 Izabel Mattos Mota, nascida em 10/07/1922, filha de José Tomas de Mattos e Ana Maria de Mattos é descendente

de família colonizadora da região de Canoinhas-SC. Descreve aspectos da posse de terra em relação com a

estrutura familiar. 5 Maria Kovalski Procheira, descendente de poloneses, relata a experiência de seus antepassados com os índios na

formação das colônias de imigrantes na região de Rio Negro-PR. Nascida em 17/05/1929 morou nas localidades

de Craveiro, Colônia Beker e Iracema (Itaiópolis-SC), pertencente ao município de Rio Negro-PR até sua

emancipação política.

Após a edição das entrevistas houve o retorno do trabalho para os entrevistados visando

coletar a autorização de divulgação.6 Momento ímpar, por dois momentos, o primeiro foi o da

satisfação do entrevistado em saber que suas memórias serão úteis para o trabalho de pesquisa

de cunho pedagógico e o do reconhecimento familiar. Os familiares, dos entrevistados, passam

a respeitar e ouvir os idosos, valorizando suas memórias. Nesta fase foi explicada novamente a

finalidade do trabalho e o porquê dos cortes das falas no processo de edição.

Direcionando o trabalho para sala de aula temos o papel do docente como de

fundamental importância. Propomos um roteiro de trabalho divido em três etapas. A primeira

com a análise da entrevista por parte do professor, o segundo de preparar o aluno para assistir

a entrevista e o terceiro nas atividades a ser realizadas após a exibição.

Após assistir a entrevista, os alunos, em duplas/grupos, poderão preencher a ficha a

seguir, como forma de sistematizar as informações visualizadas.

Questões para análise Resposta dos alunos

Entrevistado(a)

Nascimento

Origem familiar

Questão temporal (época)

Aspectos geográficos

Aspectos familiares

Aspectos sociais e econômicos

Aspectos culturais

Vocabulário de época:

Contextualização passado presente

Curiosidades

Quadro – 02 Modelo de questões para análise dos alunos

Fonte: Da autora

Outra sugestão de atividade está em situar a entrevista com a realidade dos alunos

através de questionamentos: Você conhece pessoas com a mesma história de vida? Em sua

família os idosos costumam contar histórias? Você conhece outras pessoas que poderiam relatar

fatos vividos por seus familiares no passado? A partir destes questionamentos é possível

identificar a forma como vem sendo tratada a história local no âmbito familiar e na comunidade

escolar.

Na sequência os alunos poderão realizar entrevistas, orientadas pelo professor. A

princípio o docente deverá formar grupos de trabalho, escolher um tema histórico gerador e

6 As entrevistas editadas estão disponíveis no site: https://www.ecosdocontestado.com/memorias, além de serem

divulgadas no jornal impresso local “A Gazeta Tresbarrense”.

criar um roteiro básico de questões, prazos para realização da atividade e forma de apresentação.

A “liberdade” dos alunos na realização da entrevista e edição tornará o trabalho mais prazeroso

pelo uso da tecnologia a seu dispor. Cabe ressaltar da importância do preparo e

acompanhamento docente na realização das entrevistas, observando as etapas e cuidados já

citados neste artigo.

A partir do momento que o aluno seja coparticipe da atividade com história oral ele

poderá através do convívio com os idosos, além de produzir o conhecimento histórico valorizar

os relatos de histórias de vida.

Considerações finais

O trabalho propiciou repensar a relação da história oral usada em pesquisas históricas

com o seu uso didático-pedagógico.

A edição de entrevistas na perspectiva pedagógica cria certas delimitações de

informações, onde a opção do editor acaba por direcionar a narrativa do entrevistado.

O acervo de história oral, pautado em entrevistas semiestruturadas cumpre uma dupla

finalidade, garantir a preservação da memória histórica local/regional e ao mesmo tempo

possibilita o trabalho docente com recursos de tecnologias em sala de aula.

O papel do docente é de suma importância para a produção do conhecimento histórico.

Uma mesma entrevista pode surtir efeito de ensino aprendizagem diferenciados dependendo da

postura do professor na forma de trabalhar a mesma em sala de aula.

O trabalho docente com o material produzido é de fácil acesso, através do site

https://www.ecosdocontestado.com/memorias. A divulgação7 do acervo está ocorrendo através

de panfletos informativos e palestras aos docentes.

Na sequência deste projeto será realizado o acompanhamento de docentes no uso das

história oral como recurso metodológico no ensino da História. Mas esse é assunto para futuras

pesquisas.

7 Escolas estaduais dos municípios pertencentes a 24ª GERED de São Bento do Sul/Mafra; escolas municipais e

da rede privadas nos municípios de Três Barras, Canoinhas, Porto União, Major Vieira, Papanduva, Irineópolis,

Bela Vista do Toldo, Porto União.

Bibliografia

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Vargas, 1990.

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ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. História a arte de inventar o passado: ensaios

de teoria da História. Bauru- SP: EDUSC, 2007.

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Contexto, 2012.

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Disponível: < https://www.ecosdocontestado.com/memorias> Acessado em: 24/03/2018.

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RJ: Paz e Terra, 1987. (Coleção Oficinas da História, v. 04).

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