história em movimento vol 03. digital

394
2-ª edição São Paulo, 2013 AOS DIAS DE HOJE DO SÉCULO XIX REINALDO SERIACOPI GISLANE AZEVEDO em 3 MOVIMENTO História GISLANE AZEVEDO Mestre em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora universitária, pesquisadora e ex-professora de História dos ensinos Fundamental e Médio nas redes privada e pública. Coautora da coleção Teláris (Editora Ática), para alunos do Ensino Fundamental II. REINALDO SERIACOPI Bacharel em Língua Portuguesa pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e em Jornalismo pelo Instituto Metodista de Ensino Superior (IMS-SP). Editor especializado na área de História. Coautor da coleção Teláris (Editora Ática), para alunos do Ensino Fundamental II. história • ENsiNO MÉDiO MaNual DO prOfEssOr

Upload: marcosfm32

Post on 30-Jul-2015

201 views

Category:

Education


5 download

TRANSCRIPT

1. 2- edio So Paulo, 2013 AOS DIAS DE HOJE DO SCULO XIX Reinaldo SeRiacopi GiSlane azevedo em 3MOVIMENTOHistria Gislane azevedo Mestre em Histria Social pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Professora universitria, pesquisadora e ex-professora de Histria dos ensinos Fundamental e Mdio nas redes privada e pblica. Coautora da coleo Telris (Editora tica), para alunos do Ensino Fundamental II. Reinaldo seRiaCoPi Bacharel em Lngua Portuguesa pela Faculdade de Filosoa, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo e em Jornalismo pelo Instituto Metodista de Ensino Superior (IMS-SP). Editor especializado na rea de Histria. Coautor da coleo Telris (Editora tica), para alunos do Ensino Fundamental II. histria ENsiNO MDiO MaNual DO prOfEssOr 2. Diretoria editorial e de contedo: Anglica Pizzutto Pozzani Gerncia de produo editorial: Hlia de Jesus Gonsaga Editoria de Cincias Humanas e suas Tecnologias: Heloisa Pimentel e Deborah DAlmeida Leanza Editoras: Deborah DAlmeida Leanza; Priscila Manfrinati e Mirna Acras Abed M. Imperatore (estags.) Superviso de arte e produo: Srgio Yutaka Editor de arte: Andr Gomes Vitale Diagramador: Walmir S. Santos Superviso de criao: Didier Moraes Design grfico: Homem de Melo & Troia Design (capa) Tyago Bonifcio da Silva (miolo) Reviso: Rosngela Muricy (coord.), Ana Curci, Vanessa de Paula Santos e Gabriela Macedo de Andrade (estag.) Superviso de iconografia: Slvio Kligin Pesquisador iconogrfico: Josiane Laurentino Cartografia: Allmaps, Juliana Medeiros de Albuquerque, Maps World e Mrcio Santos de Souza Tratamento de imagem: Cesar Wolf e Fernanda Crevin Foto da capa: Photo Christies Images/The Bridgeman Art Library/ Coleo particular. Direitos desta edio cedidos Editora tica S.A. Av. Otaviano Alves de Lima, 4400 6o andar e andar intermedirio ala A Freguesia do CEP 02909-900 So Paulo SP Tel.: 4003-3061 www.atica.com.br/[email protected] Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Azevedo, Gislane Campos Histria em movimento / Gislane Campos Azevedo, Reinaldo Seriacopi. 2. ed. So Paulo:tica, 2013. Contedo: v. 1. Dos primeiros humanos ao Estado moderno v. 2. O mundo moderno e a sociedade contempornea v. 3. Do sculo XIX aos dias de hoje. Bibliografia. 1. Histria (Ensino mdio) I. Seriacopi, Reinaldo. II.Ttulo. 1302432CDD907 ndice para catlogo sistemtico: 1. Histria : Ensino mdio 907 2013 ISBN 978 8508 16309-0 (AL) ISBN 978 8508 16310-6 (PR) Cdigo da obra CL 712773 Uma publicao 2 Verso digital Diretoria de tecnologia de educao: Ana Teresa Ralston Gerncia de desenvolvimento digital: Mrio Matsukura Gerncia de inovao: Guilherme Molina Coordenadores de tecnologia de educao: Daniella Barreto e Luiz Fernando Caprioli Pedroso Editores de tecnologia de educao: Cristiane Buranello e Juliano Reginato Editora de contedo digital: Deborah DAlmeida Leanza Editores assistentes de tecnologia de educao: Aline Oliveira Bagdanavicius, Drielly Galvo Sales da Silva, Jos Victor de Abreu e Michelle Yara Urcci Gonalves Assistentes de produo de tecnologia de educao: Alexandre Marques, Gabriel Kujawski Japiassu, Joo Daniel Martins Bueno, Paula Pelisson Petri, Rodrigo Ferreira Silva e Saulo Andr Moura Ladeira Desenvolvimento dos objetos digitais: Agncia GR8, Atmica Studio, Cricket Design, Daccord e Mdias Educativas Desenvolvimento do livro digital: Digital Pages HMOV_v3_PNLD2015_002_digital.indd 2 16/07/2013 09:12 3. Digo adeus iluso mas no ao mundo. Mas no vida, meu reduto e meu reino. Do salrio injusto, da punio injusta, da humilhao, da tortura, do terror, retiramos algo e com ele construmos um artefato um poema uma bandeira Ferreira Gullar Observe ao seu redor: praticamente tudo o que est nossa volta e que utilizamos em nossa es- cola, casa ou trabalho foi construdo por seres humanos. Pense tambm no sistema poltico que rege nossa sociedade, nas leis que regulam nossas relaes e em tudo aquilo que consideramos justo ou injusto, certo ou errado: todos esses princpios e valores tambm foram estabelecidos por pessoas ao longo do tempo. Estudar Histria no apenas conhecer e entender os caminhos trilhados pelos seres hu- manos no passado. Graas a esse estudo, podemos fazer uma leitura crtica de nosso presente e compreender como e por que nossa sociedade encontra-se hoje constituda da maneira que a conhecemos e no de outra forma. Com base nessa viso, procuramos elaborar um livro que, ao tratar de assuntos do passado, tivesse como ponto de partida o presente. Ao adotar essa proposta, voc ver como a Histria est intimamente relacionada com aspectos centrais do mundo contemporneo e de nossa vida, constituindo um assunto extremamente interessante e instigante. O texto central do livro complementado por boxes e sees. Alguns contm escritos de autores clssicos; outros, abordagens historiogrcas recentes. Na seo No mundo das letras, aprofundamos o dilogo entre Literatura e Histria. Na seo Eu tambm posso participar dis- cutimos, com base em contextos histricos especcos, quanto os atos de cada um de ns pode interferir no destino da humanidade. Uma terceira seo, intitulada Olho vivo e voltada para o trabalho com imagens, oferece uma ampla leitura das informaes contidas em pinturas, escul- turas e outros materiais iconogrcos. Na seo Patrimnio e diversidade, entramos em contato com os aspectos histricos e culturais de cada um dos estados brasileiros. Todos os volumes desta coleo esto permeados por imagens, mapas, documentos e ativi- dades reexivas que procuram enfatizar a permanente relao entre passado e presente. Acreditamos que dessa maneira estamos lhe oferecendo instrumentos para interpretar e anali- sar criticamente a realidade de nosso mundo. Voc ver que a Histria exerce um papel privilegiado no processo de consolidao da cidadania e na construo de um mundo mais solidrio, fraterno e tolerante. Os autores 3 Apresentao 3 HMOV_v3_PNLD2015_003_Iniciais.indd 3 4/25/13 3:23 PM 4. Sumrio 4 Captulo 1 O mundo em transformao.....................................................................................10 1. A Belle poque.....................................................................................................................11 2. A democratizao da Europa...............................................................................................13 Captulo 2 A Primeira Guerra Mundial .......................................................................................19 1. A paz armada.......................................................................................................................20 2. Brutalidade sem precedentes...............................................................................................22 Captulo 3 A Revoluo Russa......................................................................................................28 1. A Rssia no incio do sculo XX...........................................................................................29 2. A revoluo de 1905............................................................................................................30 3. A Revoluo de Fevereiro de 1917 ......................................................................................30 4. A Revoluo de Outubro de 1917.......................................................................................32 5. Comunismo na Rssia..........................................................................................................33 Captulo 4 O Brasil chega ao sculo XX......................................................................................38 1. Ascenso e queda da borracha............................................................................................39 2. A expanso industrial no incio do sculo XX......................................................................41 3. Os imigrantes e a formao do povo brasileiro ...................................................................43 4. A discriminao tnica.........................................................................................................44 5. A urbanizao excludente das cidades................................................................................48 Captulo 5 Primeiros tempos republicanos................................................................................52 1. Nas mos da elite.................................................................................................................53 2. As oligarquias no poder.......................................................................................................57 3. Movimentos messinicos .....................................................................................................60 4. A delimitao de fronteiras..................................................................................................63 Fechando a unidade ......................................................................................................................67 Cincia e tecnologiaUnidade 1 8 HMOV_v3_PNLD2015_004a007_Sumario.indd 4 4/25/13 3:24 PM 5. 5Sumrio Captulo 6 A crise da Repblica e a ruptura de 1930 ..............................................................72 1. Insatisfao e crise ...............................................................................................................73 2. Militares se rebelam .............................................................................................................75 3. 1930: a derrocada da Repblica oligrquica .......................................................................77 Captulo 7 Estados Unidos: euforia, depresso e recuperao.............................................80 1. Lucros da guerra ..................................................................................................................81 2. Anos vibrantes .....................................................................................................................81 3. A queda da Bolsa de Nova York ..........................................................................................84 4. O New Deal..........................................................................................................................85 Captulo 8 O totalitarismo.............................................................................................................88 1. Origens do totalitarismo ......................................................................................................89 2. O fascismo na Itlia..............................................................................................................90 3. A ascenso do nazismo........................................................................................................91 4. O totalitarismo sovitico ......................................................................................................94 5. A Guerra Civil Espanhola .....................................................................................................96 Captulo 9 A Segunda Guerra Mundial ....................................................................................102 1. beira do abismo..............................................................................................................103 2. Polticas expansionistas ......................................................................................................103 3. A maior de todas as guerras..............................................................................................104 4. O ps-guerra......................................................................................................................110 Captulo 10 O Brasil sob Getlio Vargas ..................................................................................114 1. O Governo Provisrio (1930-1934)....................................................................................115 2. Entre duas Constituies....................................................................................................117 3. O Estado Novo (1937-1945)..............................................................................................120 Captulo 11 A Guerra Fria............................................................................................................128 1. As superpotncias..............................................................................................................129 2. A polarizao ideolgica....................................................................................................130 3. O terror nuclear..................................................................................................................134 Fechando a unidade ....................................................................................................................138 Meios de comunicao de massaUnidade 2 70 HMOV_v3_PNLD2015_004a007_Sumario.indd 5 4/25/13 3:24 PM 6. 6 Captulo 12 O bloco comunista ..................................................................................................142 1. A expanso do comunismo ...............................................................................................143 2. A China vermelha ..............................................................................................................143 3. A Revoluo Cubana..........................................................................................................145 4. O socialismo na Amrica Latina.........................................................................................147 Captulo 13 A independncia da frica e da sia..................................................................151 1. Em busca de liberdade.......................................................................................................152 2. Movimentos nacionalistas na frica ..................................................................................152 3. Golpes militares..................................................................................................................155 4. A vergonha do apartheid...................................................................................................157 5. A independncia da sia ...................................................................................................157 Captulo 14 Ditaduras latino-americanas.................................................................................162 1. O poder das oligarquias.....................................................................................................163 2. O nacionalismo latino-americano ......................................................................................163 3. A ascenso do populismo..................................................................................................164 4. Ditaduras militares .............................................................................................................165 Captulo 15 Brasil: anos de democracia....................................................................................170 1. Reorganizao poltica.......................................................................................................171 2. Getlio Vargas, de novo.....................................................................................................173 3. O perodo desenvolvimentista............................................................................................173 4. Parlamentarismo no Brasil..................................................................................................178 5. As reformas de base e o golpe militar ...............................................................................178 Captulo 16 O Brasil sob a ditadura civil-militar.....................................................................182 1. Militares no comando ........................................................................................................183 2. O governo Castelo Branco (1964-1967)............................................................................183 3. Generais linha-dura em ao.............................................................................................184 4. Mais um general no poder (1974-1979) ...........................................................................190 5. O m da ditadura...............................................................................................................190 Fechando a unidade ....................................................................................................................198 ViolnciaUnidade 3 140 HMOV_v3_PNLD2015_004a007_Sumario.indd 6 4/25/13 3:24 PM 7. 7Sumrio QUESTES DO ENEM E DE VESTIBULARES.............................................................................252 GLOSSRIO....................................................................................................................................278 SUGESTES DE FILMES E DE LEITURAS COMPLEMENTARES..............................................284 BIBLIOGRAFIA BSICA ................................................................................................................284 NDICE REMISSIVO .......................................................................................................................288 Captulo 17 Duas dcadas de crise ............................................................................................202 1. A Era de Ouro do capitalismo............................................................................................203 2. A crise do petrleo.............................................................................................................204 3. Os Tigres Asiticos .............................................................................................................205 4. Revoluo no Ir ................................................................................................................206 Captulo 18 O m do bloco comunista.....................................................................................209 1. URSS em crise ....................................................................................................................210 2. Democracia no Leste Europeu ...........................................................................................212 3. O m da Unio Sovitica ...................................................................................................213 4. A Rssia e o Brics ...............................................................................................................216 Captulo 19 O conito rabe-israelense...................................................................................219 1. A Palestina..........................................................................................................................220 2. A diviso da Palestina.........................................................................................................221 3. A guerrilha palestina..........................................................................................................222 4. A paz: uma frgil esperana ..............................................................................................223 5. Medo e misria ..................................................................................................................225 Captulo 20 O mundo globalizado ............................................................................................228 1. Tempos de globalizao.....................................................................................................229 2. Os blocos econmicos .......................................................................................................229 3. As disparidades ..................................................................................................................230 4. Ciranda nanceira..............................................................................................................231 5. Excluso, fundamentalismo e terror ..................................................................................233 6. A guerra contra o terror.....................................................................................................235 Captulo 21 Novos rumos para o Brasil....................................................................................237 1. A caminho da estabilidade poltica....................................................................................238 2. A dcada perdida...............................................................................................................240 3. Neoliberalismo no Brasil.....................................................................................................242 4. A prioridade do social........................................................................................................243 5. Por uma nao mais tica e democrtica ..........................................................................245 Fechando a unidade ....................................................................................................................250 Unidade 4 200tica HMOV_v3_PNLD2015_004a007_Sumario.indd 7 4/25/13 3:24 PM 8. 8 Cincia e tecnologia Unidade 1 StephenSimpson/Taxi/GettyImages Mdicos realizam cirurgia delicada usando robs em hospital de Detroit, Michigan-EUA. Foto de 2011. Alamy/Other Images Mapeamento gentico, vacinas para doenas at ento sem cura, como tuberculose, ttano e pneumonia, robs que exe- cutam as mais variadas tarefas, desde participar da linha de produo industrial at realizar delicadas cirurgias, redes de computa- dores, como a internet, que tornam possvel a comunicao instant- nea entre pessoas separadas por milhares de quilmetros. HMOV_v3_PNLD2015_008a018_U01_C01.indd 8 4/25/13 3:25 PM 9. 9 COMEO DE CONVERSA 1. Qual a importncia da cincia e da tecnologia em seu cotidiano? 2. Em sua opinio, todas as pessoas tm acesso aos resultados do avano cientco e tecnolgico? Justique sua resposta. Dia aps dia, os avanos observados nas reas da cincia e da tecnologia no param de nos surpreen- der. Graas a eles, o ser humano tem a possibilidade de viver por mais tempo e com mais conforto. Tantas novidades, entretanto, suscitam perguntas: esses avanos s tm aspectos positivos? Os be- nefcios proporcionados por esse progresso atingem todas as pessoas por igual? Eles tornam as pessoas mais felizes, mais tolerantes, generosas e solidrias? Podem os cientistas fazer experimentos que desres- peitam a tica em nome das conquistas cientcas e tecnolgicas? Perguntas como essas fazem parte das preocupaes de muitas pessoas na sociedade contempor- nea. O que se discute so, muitas vezes, os limites e os usos que se faz da cincia. certo que os avanos cientcos e tecnolgicos observados nos ltimos tempos promoveram ver- dadeiras mudanas nos hbitos e costumes da populao. Entretanto, se colocados em prtica sem uma preocupao tica, muitos deles podem pr em risco o prprio equilbrio entre o ser humano e o meio ambiente. Nesta unidade veremos de que maneira, a partir da segunda metade do sculo XIX, novos inventos e descobertas, como a energia eltrica, o cinema, o automvel e o anestsico, aumentaram o entusias- mo em torno das innitas possibilidades da cincia e da capacidade humana. A promessa de felicidade e progresso irreversveis que permeava o discurso cientco-tecnolgico parecia irrefutvel, at que uma de suas primeiras grandes consequncias negativas abalou o mundo: a Primeira Guerra Mundial. Hlices conectadas a transformador de energia elica em eletricidade. San Diego, Califrnia, EUA, 2008. HMOV_v3_PNLD2015_008a018_U01_C01.indd 9 4/25/13 3:25 PM 10. 10 Quatrocentos e oito quilmetros de trilho. Essa a extenso do metr de Londres, na Inglaterra, o metr mais extenso do mundo. Sua maior linha, a Central Line, possui 83 quilmetros de extenso. Ou seja, sozinha, ela maior do que toda a malha metroviria da cidade de So Paulo que, com 65,3 quilmetros de extenso, a maior do Brasil. Depois de Londres, os maiores metrs do mundo so os de Nova York (368 quilmetros), Tquio (292 quilmetros) e Seul (287 quilmetros). Hoje, o metr considerado um meio de transporte essencial para a vida urbana. Ao mesmo tempo que permite o rpido deslocamento entre diferentes pontos da cidade, tambm ajuda a desobstruir o trnsito e desempenha importante papel no processo de preservao ambiental. Anal, quanto mais pessoas andam de metr, menos carros nas ruas e, consequentemente, menos emisso de gases poluentes na atmosfera. SimonDawson/Bloomberg/GettyImages Jean-MarcTruchet/Stone/Getty Images Passageiros esperam pelo embarque em plataforma de estao de metr londrina. Foto de 2012. Captulo 1 O mundo em transformao Objetivos do captulo n Identificar os avanos tcnicos da Segunda Revoluo Industrial e seus impactos sociais. n Compreender as mudanas artsticas, econmicas e polticas na virada do sculo XIX para o XX. n Entender a nova dinmica social decorrente das mudanas ocorridas nesse perodo. n Conhecer as novas demandas sociais e o aumento da participao da populao na poltica naquele momento. O metr de Londres no s o mais extenso como tambm o mais antigo. Anal, foi ali, na capital inglesa, que, em 1863, foi implantada a primeira linha de metr do mundo. O metr surgiu numa poca em que muitas invenes, como o automvel, a bicicleta, o bonde eltrico, apareciam e as sociedades passavam por grandes transformaes econmicas e sociais. Neste captulo veremos como se processaram essas mudanas que marcaram a virada do sculo XIX para o XX em diversas partes do mundo. HMOV_v3_PNLD2015_008a018_U01_C01.indd 10 4/25/13 3:25 PM 11. 11O mundo em transformao Captulo 1 A Belle poque A Segunda Revoluo Industrial trouxe para mui- tos a sensao de que a capacidade inventiva do ser humano no tinha limites e alimentou a certeza de que homens e mulheres estavam construindo um futuro melhor. O entusiasmo foi to grande que o perodo compreendido entre a segunda metade do sculo XIX e os primeiros anos do sculo XX ficou co- nhecido como Belle poque (bela poca, traduzido do francs). A todo momento, uma nova descoberta cient- fica ou tecnolgica era anunciada. Na rea de trans- portes, por exemplo, em poucas dcadas foram in- ventados a bicicleta (1861), o metr (1863), o bonde eltrico (1874), a locomotiva eltrica (1879) e o au- tomvel (1886). (Leia a seo Eu tambm posso par- 1 ticipar.) Foram ainda construdas grandes ferrovias, como a Transcontinental (1869), que cortou os Esta- dos Unidos de leste a oeste, e a Transiberiana (1903), ligando as cidades russas de Moscou (na Europa) e Vladivostok (na sia). Na virada do sculo XIX para o XX, at mesmo o sonho de voar se tornou realidade. Os experimen- tos dos irmos norte-americanos Orville (1871-1948) e Wilbur Wright (1867-1912), nos Estados Unidos, e do brasileiro Alberto San- tos Dumont* (1873-1932), em Paris, culminaram na inveno do avio. Todos esses inventos em transportes transforma- ram o cotidiano das populaes e alteraram at as noes de tempo e espao, uma vez que longas dis- tncias passaram a ser superadas em um tempo bem menor do que era feito at ento. * Leia a histria em quadrinhos Sant e os pais da aviao, de Spacca, Cia. das Letras. Os meios de transporte no mundo contemporneo A partir da segunda metade do sculo XIX, a larga utilizao da energia eltrica e o empre- go frequente de novas fontes de energia deri- vadas do petrleo possibilitaram a inveno de mquinas que revolucionaram as sociedades europeia e norte-americana e, posteriormente, o mundo todo. Entre essas novidades, esto as mquinas desenvolvidas para o transporte de cargas e pessoas. Esse foi o caso do metr, construdo pela pri- meira vez em Londres, na Inglaterra, em 1863. Sua construo, por sua vez, s se tornou possvel devido ao desenvolvimento de mquinas como a perfuratriz movida a ar comprimido (1861), uti- lizada para abrir os tneis subterrneos. Inicial- mente, os metrs ingleses operavam com m- quinas a vapor, e em 1890 foram substitudos por trens eltricos. O alemo Gottlieb Daimler (1834-1900) desen- volveu o motor de combusto interna a gasolina que lhe permitiu criar a primeira motocicleta em 1885 e o primeiro automvel logo no ano seguin- te. O aperfeioamento dessas novas mquinas foi resultado do trabalho de outros inventores, como Karl Benz (1844-1929), que desenvolveu o motor de dois tempos em 1879 e fundou a primeira f- brica de motores automobilsticos. Em 1911, Charles Kettering inventou o motor de arranque eltrico, que tornou o ato de dirigir mais seguro. Com essa inveno, os motoristas no pre- cisavam mais girar manualmente uma manivela para colocar o carro em funcionamento. No ano se- guinte, comearam a ser vendidos os primeiros au- tomveis equipados com esse tipo de motor. Criados para facilitar a locomoo e a vida das pessoas, alguns desses meios de transporte so hoje apontados por especialistas como respons- veis pelos principais problemas urbanos da vida moderna. Como a maioria da populao tende a se concentrar nas cidades onde as oportunida- des de emprego e o conforto costumam ser maio- res , comum encontrar nesses locais grande quantidade de automveis, nibus e caminhes circulando por suas ruas. Os efeitos desse trfego podem ser observa- dos no dia a dia: congestionamentos e acidentes, muitos deles fatais. Alm disso, segundo alguns estudos, 92% da poluio atmosfrica das gran- des cidades provocada por veculos automoto- res, que utilizam combustveis derivados de pe- trleo. Os resduos expelidos (por exemplo, os gases monxido de carbono e xido de nitrognio, Eu tambm posso participar HMOV_v3_PNLD2015_008a018_U01_C01.indd 11 4/25/13 3:25 PM 12. 12 Unidade 1 Cincia e tecnologia alguns hidrocarbonetos e fuligem) pelos escapa- mentos de automveis, caminhes, nibus e mo- tocicletas colaboram em grande parte com o au- mento do aquecimento global e causam inmeros problemas de sade, piorando a qualidade de vida nos centros urbanos. Devido a todos esses problemas, recomenda- -se a utilizao dos transportes coletivos como forma de diminuir a poluio nos centros urbanos. Quanto mais as pessoas deixarem seus veculos nas garagens e utilizarem nibus, trens e metr, menores sero os congestionamentos e a quanti- dade de gases expelidos na atmosfera. Podemos contribuir para isso adotando alguns costumes em nosso dia a dia, com uma mudana de hbi- tos. Veja alguns exemplos. Na medida do possvel, utilize o transporte cole- tivo e sempre conserve os equipamentos desse servio pblico. Para escapar dos congestionamentos, recomen- da-se sair s ruas fora dos horrios de pico. Quando o trajeto for curto, prefervel ir a p ou de bicicleta. Em caso de precisar usar o carro para fazer traje- tos rotineiros (por exemplo, casa-trabalho ou casa- -escola), pode-se organizar um sistema de carona com outras pessoas, a fim de gastar menos com- bustvel e evitar a emisso de gases na atmosfera. recomendvel informar-se sobre melhorias no transporte pblico de sua cidade e, sempre, exi- gir dos governantes medidas que priorizem esse tipo de transporte em detrimento do individual. Sua comunidade Em grupos, elaborem uma campanha publici- tria incentivando as pessoas de sua comunidade a utilizar o transporte pblico ou alguma alternati- va de transporte no lugar do automvel particular. Vocs devem demonstrar, com argumentos con- sistentes, as vantagens dessa mudana de hbito. Na rea de comunicaes foram criados o tele- fone (1876) e o telgrafo sem fios (1895). So igual- mente dessa poca inventos como o fongrafo (1877), criado pelo norte-americano Thomas Edison, e o cine- ma (1895), inventado pelos irmos franceses Auguste (1862-1954) e Louis Lumire (1864-1948). Juntamen- te com o rdio, surgido nas primeiras dcadas do s- culo XX, esses inventos abririam caminho para o lazer de massa da sociedade moderna. O cinema, por exemplo, inaugurou uma nova era de diverses, acessvel a todas as camadas so- ciais. Devido ao baixo preo das entradas, o pro- letariado compunha grande parte do pblico das salas de cinema nos primeiros anos aps sua inven- o. Com isso, a arte deixava de ser exclusividade dos espaos frequentados pelos grupos sociais pri- vilegiados. Tambm a indstria passou por inmeras transfor- maes. No comeo do sculo XX, foi criada a linha de montagem na fbrica de automveis Ford, nos Estados Unidos (sobre o assunto, leia o captulo 7). Com ela, surgiu a produo em srie, que levou a um extraordi- nrio aumento da produtividade e diminuio do pre- o dos produtos. Ao mesmo tempo, foram criadas no- vas formas de pagamento, como as vendas a crdito, e surgiram os primeiros grandes magazines, como a rede parisiense Au Bon March (1876), precursoras das lojas de departamentos. Ciclista pedala em ciclofaixa instalada em So Loureno do Sul (RS). Cada vez mais, a bicicleta vem se afirmando como uma alternativa ao transporte automotivo no pas. Foto de 2012. A fumaa que sai dos escapamentos dos automveis, nibus e caminhes um dos principais responsveis pela poluio atmosfrica. Acima, caminho emite fumaa escura sobre a ponte Cidade Jardim, Zona Oeste da cidade de So Paulo. Foto de 2011. CesarDiniz/PulsarImagensViniciusCosta/FuturaPress HMOV_v3_PNLD2015_008a018_U01_C01.indd 12 4/25/13 3:25 PM 13. 13O mundo em transformao Captulo 1 Descobertas importantes tambm ocorreram na rea mdica e de sade. Os bacterilogos Ro- bert Koch (1843-1910), da Alemanha, e Louis Pas- teur (1822-1895), da Frana, por exemplo, desco- briram que as doenas eram causadas por agentes infecciosos, como as bactrias. At 1890, vrios cientistas j haviam identificado os agentes de di- versas doenas (tuberculose, clera, febre tifoide e ttano, entre outras) e vinham desenvolvendo vacinas para combat-las. Esses novos tratamen- tos contriburam para reduzir o elevado nmero de mortes provocadas por elas. Alm disso, a constatao de que o uso de an- tisspticos, por exemplo, era essencial para impedir infeces ps-operatrias reduziu sensivelmente a taxa de mortalidade decorrente das intervenes ci- rrgicas. J a descoberta dos anestsicos possibilitou aos mdicos no s o alvio da dor de seus pacien- tes, mas tambm a realizao de cirurgias mais de- moradas, algo impraticvel at ento. A democratizao da Europa Em meio a tantas novidades, ampliou-se nos pa- ses europeus o movimento de luta pela democracia. Entre as conquistas mais significativas do perodo destacam-se a expanso da quantidade de eleitores e a extenso do direito de ser votado a pessoas das classes de baixa renda. Cartaz do filme mudo Vida de cachorro (1918), de Charlie Chaplin, diretor britnico que costumava abordar em seus filmes os contrastes sociais do mundo capitalista. Nessa obra vemos em cena o mais famoso personagem criado por Chaplin, Carlitos, um representante das camadas baixas da populao. Interior da fbrica de automveis Ford, em foto de 1925, nos Estados Unidos. Na imagem vemos o modelo T, produzido em srie a partir de 1913 e que chegou a ser vendido por 260 dlares. Isso contribuiu para a popularizao dos automveis no pas. FirstNationalPictures/Arquivodaeditora HultonArchive/GettyImages Diversas leis reformando o sistema eleitoral fo- ram aprovadas na Inglaterra, na Blgica, na Noruega, na Sucia e em outros pases. Com essas leis possibi- litou-se a formao dos primeiros partidos polticos modernos, partidos de pessoas que no mais repre- sentavam apenas as elites, e que se transformaram em centros de reflexo, responsveis por formular doutrinas e ideologias. Emmaline Pankhurst (1858-1928), lder do movimento sufragista e uma das fundadoras da Unio Social e Poltica das Mulheres, discursa para uma multido de 5 mil pessoas em Boston, Estados Unidos, em 1918. Bettmann/Corbis/Latinstock As palavras destacadas nesta cor esto no Glossrio, pgina 278. HMOV_v3_PNLD2015_008a018_U01_C01.indd 13 4/25/13 3:25 PM 14. 14 Unidade 1 Cincia e tecnologia As mulheres intensificaram suas antigas reivin- dicaes pelo direito de votar e de concorrer a elei- es. No decorrer dessa luta, elas fundaram associa- es e participaram de protestos em vrias partes do mundo. Como decorrncia dessas e de outras mobili- zaes, o sufrgio universal comeou a ser adota- do em vrias partes do mundo. O primeiro pas no qual as mulheres puderam votar livremente foi a Nova Zelndia, em 1893. Na Europa, a Finlndia foi a pioneira, em 1906, na aprovao do voto femini- no. Em muitas naes essa conquista s foi obtida depois da Primeira Guerra Mundial, como ocorreu na Inglaterra (1918), nos Estados Unidos (1920) e no Brasil (1932). Como parte de um esforo para extinguir o anal- fabetismo, em diversas naes europeias a educao de crianas tornou-se obrigatria e gratuita. Aos pou- cos, aumentou o nmero de leitores de jornais, revis- tas e livros, e surgiram publicaes voltadas para os pblicos infantil e feminino, algumas delas com foto- grafias e ilustraes coloridas, algo pouco comum at aquele momento. A nova burguesia europeia Essas mudanas provocaram novas acomoda- es e rearranjos entre as classes sociais na Europa e em outras regies do mundo (veja a seo Passa- do presente). A aristocracia tradicional, proprietria de grandes extenses de terras, embora reduzida, continuava a ter uma fora simblica importante e a ocupar posies destacadas na sociedade. A bur- guesia, enriquecida pelas duas revolues industriais, procurava ligar-se aristocracia por meio de casa- mentos ou do convvio social. Formada por empresrios, industriais, ban- queiros, grandes comerciantes, etc., a burguesia detinha boa parte do poder econmico e financei- ro e captava o poder poltico de modo mais ou me- nos rpido. Outro setor que conquistava um espao pol- tico importante, embora no diretamente no po- der, era a classe mdia. Faziam parte dela peque- nos comerciantes, profissionais liberais, artesos, lojistas, professores, funcionrios pblicos, etc. Eram pessoas com padro de vida variado, pois entre elas havia assalariados no proletrios, pe- quenos empresrios, pessoas que trabalhavam por conta prpria, etc. Sua importncia poltica se devia ao fato de terem participao eleitoral deci- siva e de constiturem a parte majoritria da opi- nio pblica. A classe operria Surgida com a Revoluo Industrial da segun- da metade do sculo XVIII, o proletariado, ou classe operria, era formado por mineradores, ferrovirios, porturios, trabalhadores industriais, etc. Era a classe mais numerosa da Euro- pa e a que mais sofria com as desigualdades sociais* decorrentes da Revolu- o Industrial. No incio do surgimento do proletaria- do, os operrios eram, em sua maioria, cam- poneses que haviam abandonado a zona ru- ral e se mudado para as cidades em busca de melhores condies de vida (empregos, mais alimentos, moradias melhores, etc.). Uma vez nas cidades, porm, tiveram de se submeter ao estafante trabalho das fbricas e s pssimas condies sanitrias das mora- dias operrias. Em greve, trabalhadores das minas de carvo da cidade de Harworth, na Inglaterra, participam de uma votao em abril de 1937. Repare que muitos desses mineiros usam boina, uma das marcas da identidade do proletariado na poca. Hulton-DeutschCollection/Corbis/Latinstock * Veja o filme 1900, de Bernardo Bertolucci, 1976. HMOV_v3_PNLD2015_008a018_U01_C01.indd 14 4/25/13 3:25 PM 15. 15O mundo em transformao Captulo 1 Os trabalhadores, ento, passaram a se orga- nizar em associaes de classe e a lutar por melho- res condies de vida e de trabalho. Na Frana, essa luta levou a uma intensa participao poltica da classe trabalhadora, expressa no mbito eleitoral, por meio da votao em grupos socialistas, e nas A Internacional dos Trabalhadores Em 1864, representantes da classe operria de diversos pases da Europa fundaram a Associao Internacional de Trabalhadores, posteriormente conhecida como Primeira Internacional Socialista. Entre os objetivos da organizao estavam: obter o reconhecimento legal dos sindicatos, promover a solidariedade a todos os trabalhadores e s suas lutas e conquistar o poder poltico por meio de partidos genuinamente operrios. Um de seus l- deres mais renomados era Karl Marx, autor do ma- nifesto inaugural da associao. Dividida por divergncias internas entre mar- xistas e anarquistas, a Primeira Internacional se dissolveu logo aps a derrota da Comuna de Paris, em maio de 1871. Em 1889, grupos socialistas de diversos pases fundaram em Paris a Segunda Internacional. Domi- nada pelos marxistas, a associao teve por base partidos socialistas e social-democratas nacionais, desfazendo-se apenas com o incio da Primeira Guerra Mundial, em 1914. tentativas de insurreies, como ocorreu em 1848 e em 1871, com a Comuna de Paris. Na Europa, a mobilizao do proletariado culminou na criao da Associao Internacional de Trabalhadores, que reunia representantes da classe operria de diver- sos pases do mundo, como mostra o boxe a seguir. O que classe social? Entende-se por classe social cada um dos grandes grupos diferenciados que compem a so- ciedade. Os critrios para definir-se um grupo so- cial como classe so motivos de divergncia. De modo geral, nessa caracterizao privilegiam-se fatores socioeconmicos, como riqueza, apropria- o dos meios de produo, posio no sistema de produo, profisso, nvel de consumo e ori- gem dos rendimentos. Considera-se ainda que os membros de uma classe social, alm de terem no conjunto os mesmos interesses, tendem a com- partilhar valores semelhantes. Para Marx, o que caracteriza uma classe so- cial sua posio na produo e em relao propriedade. No capitalismo, ele identificou duas classes sociais principais: burguesia classe for- mada pelos donos dos meios de produo (fbri- cas, fazendas, etc.) e proletariado, grupo consti- tudo pelos trabalhadores assalariados sobretudo da indstria e do setor de transportes. [Atual- mente] nas pesquisas de mercado, as classes so identificadas pura e simplesmente por estarem dentro de certas faixas construdas a partir dos nveis de renda e de consumo dos indivduos (te- mos, assim, as classes A, B, C, D, etc.). Adaptado de: SANDRONI, Paulo. Novssimo dicionrio de economia. 10. ed. So Paulo: Best Seller, 2002. p. 101. Passado Presente Album/Akg-Images/Latinstock Mulheres de Petrogrado (atual So Petersburgo) saem s ruas da cidade em passeata, em foto de 1917. As manifestaes femininas ajudaram a enfraquecer o governo do czar Nicolau II, na Rssia, que nesse mesmo ano abdicou do poder. HMOV_v3_PNLD2015_008a018_U01_C01.indd 15 4/25/13 3:25 PM 16. 16 Unidade 1 Cincia e tecnologia A Revoluo Mexicana No Mxico, uma revoluo derrubava, em 1911, o ditador Porfrio Daz (1830-1915), que se encontrava no poder desde 1876. Nessa poca, quase todo o territrio mexicano pertencia a cer- ca de 840 latifundirios apenas. A falta de terras para os pequenos agricul- tores e os baixos salrios pagos pelos capitalis- tas estrangeiros aos trabalhadores, somados opresso poltica, deram origem a vrios coni- tos no pas, todos eles fortemente sufocados pe- las tropas governamentais. Em 1910, Francisco Madero (1873-1913), um aristocrata liberal defensor de reformas, liderou uma rebelio que culminou na queda do ditador no ano seguinte. Grande parte do xito da revolta deveu-se a dois lderes camponeses: Pancho Villa (1878-1923) e Emiliano Zapa- ta* (1879-1919). Villa criou mi- lcias revolucionrias no norte do Mxico; Zapata organizou e armou foras camponesas no sul do pas. Uma vez no poder, Madero entrou em choque com Villa e Zapata: estes queriam uma reforma agrria que extinguisse os latifndios; j o presi- dente Madero temia a radicalizao do processo revolucionrio. Em fevereiro de 1913, Madero foi assassinado pelo general Huerta. Pouco depois, foras norte-americanas ocuparam o porto de Vera Cruz. Huerta afastou-se do poder e a Presi- dncia da Repblica passou a ser ocupada pelo liberal Venustiano Carranza. Em 1917 foi aprovada uma nova Constituio e uma Lei Agrria que autorizava a desapropria- o de grandes propriedades e a distribuio de terras entre os camponeses. Dois anos depois, Zapata era assassinado em uma emboscada ar- mada por foras do governo. Carranza tambm seria morto em 1920 por soldados a servio do general lvaro Obregn, que em seguida se ele- geria presidente da Repblica. Terminava assim a Revoluo Mexicana. sso...Enquanto Como resultado da Internacional de Trabalha- dores, ainda em 1864 o governo francs reconhe- ceu o direito de greve. Trs anos depois, permitiu que os trabalhadores formassem cooperativas de trabalho. Na Inglaterra, em 1875, o governo reco- Em 1907, as mulheres realizaram em Stuttgart, na Alemanha, a primeira conferncia da Interna- cional Socialista de Mulheres, na qual discutiram questes como o direito ao voto, a equiparao sa- larial com os homens e a garantia de outros direitos polticos s mulheres. Em 1921, durante a Conferncia Internacional das Mulheres Comunistas, foi aprovada a data de 8 de maro para se celebrar o Dia Internacional da Mulher. Desde 1910 discutia-se a escolha de um dia para comemorar as conquistas dos direi- tos das mulheres, mas, como no se chegava a um consenso quanto melhor data, mobilizaes anuais aconteciam em meses diferentes, de acor- do com o pas. O dia 8 de maro foi o escolhido porque nessa data, em 1917, as operrias russas organizaram uma greve de grandes propores que levou mais de 90 mil pessoas s ruas. As ma- nifestantes protestavam contra o governo do czar russo Nicolau II e contra a falta de alimentos, e tambm exigiam que a Rssia sasse da Primei- ra Guerra Mundial, conito iniciado em 1914 (veja o captulo 2, a seguir). O movimento contribuiu significativamente para enfraquecer o governo czarista, que seria deposto poucos meses depois (veja o captulo 3). nheceu o direito dos operrios de se organizarem em sindicatos. J na Alemanha, a partir de 1880, fo- ram aprovadas leis que garantiam a proteo social dos trabalhadores, como os seguros contra aciden- tes e doenas profissionais, aposentadoria, etc. * Veja o filme Viva Zapata!, de Elia Kazan, 1952. Palcio de Cortz/Mxico Emiliano Zapata, aqui representado em afresco de Diego Rivera (1886-1957), foi, juntamente com Pancho Villa, um dos lderes camponeses da Revoluo Mexicana. Morreu em 1919, em uma emboscada montada por tropas de Venustiano Carranza. HMOV_v3_PNLD2015_008a018_U01_C01.indd 16 4/25/13 3:25 PM 17. 17O mundo em transformao Captulo 1 Villemard/BibliothqueNationaledeFrance Nesta litografia colorida, intitulada O agente aviador (1910), o artista francs Villemard representou imaginativamente como seria o trabalho dos agentes de trnsito no distante (para a poca) sculo XXI. 1. Os avanos tecnolgicos vericados a partir da segunda metade do sculo XIX contriburam enormemente para congurar o chamado mun- do moderno em que vivemos. Destaque alguns inventos daquela poca. 2. Descobertas importantes ocorridas na rea m- dica e da sade ajudaram a melhorar as condi- es de vida da populao a partir do nal do sculo XIX. Cite algumas dessas melhorias e suas consequncias. 3. Explique como algumas das transformaes de- sencadeadas pela Segunda Revoluo Indus- trial afetaram o modo de produo industrial e o consumo. 4. As invenes observadas a partir da segunda metade do sculo XIX ampliaram as possibilida- des de acesso arte e diverso, antes restritas aos grupos sociais privilegiados. Explique por que o cinema pde ser considerado, j naquela poca, uma opo de lazer e diverso para mui- tas pessoas. 5. A luta pela democracia na Europa a partir de meados do sculo XIX resultou em importantes conquistas para a populao de diversos pa- ses. Cite algumas dessas conquistas e explique como elas beneciaram os grupos sociais mais pobres e as mulheres. 6. Apesar das mudanas socioeconmicas e polti- cas em curso aps a segunda metade do sculo XIX e comeo do sculo XX, a aristocracia tradi- cional continuava a ter uma fora simblica em vrios pases. Indique e explique quais aspectos tornavam isso possvel, naquele contexto. 7. Os operrios e os trabalhadores no proletrios sofriam com as desigualdades sociais nas gran- des cidades. Explique como o proletariado se congurou como uma classe social a partir da Revoluo Industrial. Organizando as ideias Ateno: no escreva no livro. Responda sempre no caderno. As imagens a seguir foram produzidas pelo artista Villemard, na Frana, em 1910, e representam como ele imaginava que seria o mundo no ano 2000, ou seja, quase um sculo no futuro. Aps observar cada uma de- las, responda s questes a seguir. Interpretando dOCUMeNTOs HMOV_v3_PNLD2015_008a018_U01_C01.indd 17 4/25/13 3:25 PM 18. 18 Unidade 1 Cincia e tecnologia 1. Em grupos, faam uma descrio oral das imagens, procurando evidenciar quais eram as expectativas dessa sociedade, representadas na obra do artista, com relao s possibilidades tecnolgicas que come- avam a surgir. Em seus comentrios, procurem identicar se alguns dos elementos futuristas do desenho tornaram-se realidade atualmente. 2. Como voc imagina o mundo daqui a cem anos aproximadamente? Elabore uma ilustrao representan- do suas principais expectativas. Procure destacar quais aspectos da sociedade atual voc imagina que iro permanecer e quais podero desaparecer. Automveis de guerra (1910), litografia colorida de Villemard. Assim imaginou o artista como seriam os veculos de guerra no ano 2000. Villemard/BibliothqueNationaledeFrance Mundo virtual n Expositions Site (em ingls) com informaes sobre a Exposio Internacional de Londres, na Inglaterra, realizada em 1851, apresentando os grandes avanos tecnolgicos do perodo. Disponvel em: . Acesso em: 7 jan. 2013. n The Centennial Exhibition Site (em ingls) com informaes sobre a Exposio Internacional realizada em 1876, na Filadlfia, nos Estados Unidos, apresentando as novidades tecnolgicas da poca. Disponvel em: . Acesso em: 7 jan. 2013. Hora de ReFLeTiR O ttulo deste captulo O mundo em transformao. Com seus colegas, discuta a questo: Que aspectos do mundo atual demonstram que as sociedades humanas esto em permanente trans- formao? Ao nal, elaborem um texto resumindo as principais ideias do grupo. HMOV_v3_PNLD2015_008a018_U01_C01.indd 18 4/25/13 3:25 PM 19. 19 Avies imperceptveis a radares, robs movidos a controle remoto que localizam e desarmam bombas, submarinos nucleares e muito mais. Nos ltimos anos, muitos pases vm gastando grandes somas de dinheiro em pesquisa e desenvolvimento de equipamentos blicos ou, simplesmente, na compra das novidades da indstria de armas. Pesquisa realizada pelo Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz, de Estocolmo, na Sucia, revelou: nunca se gastou tanto com armas, equipamentos blicos e outros aparatos militares como em 2011: 1,73 trilho de dlares. Somente os Estados Unidos gastaram naquele ano 771 bilhes de dlares em armamentos. Em segundo lugar, veio a China, com 143 bilhes de dlares, seguida por Rssia, Reino Unido, Frana e Japo. O Brasil aparece em dcimo lugar, com 35,4 bilhes de dlares. Essa corrida armamentista da atualidade no novidade: teve seu incio na segunda metade do sculo XIX, com o desenvolvimento de vrios segmentos industriais, incluindo o de armamentos, que supriu muitas naes com as vrias novidades blicas do perodo. Essa corrida s armas teve um custo muito alto para a humanidade: entre 1914 e 1918, pases dos cinco continentes se envolveram em uma guerra que matou mais de 8 milhes de pessoas. Era a Primeira Guerra Mundial, que estudaremos neste captulo. Hulton-DeustschCollection/Corbis/Latinstock Time Life Pictures/Getty Images MassCommunicationSpecialist3rdClassCharlesOki/ U.S.Navy/GettyImages Soldados franceses armados com equipamento antiareo durante a batalha do Somme. Travado entre julho e novembro de 1916, este foi um dos mais sangrentos confrontos da Primeira Guerra Mundial. Os gastos militares do governo dos Estados Unidos correspondem hoje a cerca de 45% dos gastos militares do mundo inteiro. Na imagem, vemos avies de guerra da Marinha norte-americana sobrevoando o porta-avies George Washington, ancorado no litoral da Coreia do Sul. Foto de 2010. Captulo 2 A Primeira Guerra Mundial Objetivos do captulo n Compreender as causas e as consequncias da Primeira Guerra Mundial, especialmente para os pases europeus. n Entender as origens do nacionalismo presente na Europa no incio do sculo XX e sua influncia para a ocorrncia do conflito mundial. n Compreender as mudanas geopolticas na Europa aps a Primeira Guerra Mundial. n Conhecer a importncia dos aparatos tecnolgicos e das estratgias blicas para a violncia e o desenrolar do conflito, assim como sua repercusso no desenvolvimento atual da indstria blica. HMOV_v3_PNLD2015_019a027_U01_C02.indd 19 4/25/13 3:25 PM 20. 20 Unidade 1 Cincia e tecnologia INGLATERRA IRLANDA ESCCIA PAS DE GALES ALEMANHA GR-BRETANHA IMPRIO AUSTRO-HNGARO R S S I A FRANA ITLIA Mar Negro Mar do Norte Mar Bltico OCEANO ATLNTICO M a r M e d i t e r r n e o Trplice Aliana (1882) Trplice Entente (1907) Maio 1915 A Itlia entra na guerra ao lado da Trplice Entente Potncias centrais 45N 15L LEGENDA A paz armada A guerra travada entre a Frana e a Prssia em 1870 foi o ltimo grande conflito ocorrido na Europa no sculo XIX. Depois disso, o continente europeu atraves- sou um perodo de quase meio sculo de relativa paz. Nesse perodo, a partilha de territrios da sia e da frica entre alguns pases europeus e o acelerado processo de industrializao das naes europeias es- tabeleceram um novo equilbrio de foras na Europa. Inglaterra, Frana, Alemanha, Rssia, Imprio Austro- -Hngaro e Itlia projetaram-se como as grandes potncias do continente, ao passo que o outrora po- deroso Imprio Turco Otomano entrava em declnio. Para garantir o equilbrio e assegurar-se de que ne- nhuma nao rival ameaaria seus domnios, as potn- cias comearam a modernizar e fortalecer seus exrci- tos: adotaram o servio militar obrigatrio, fortificaram suas fronteiras e investiram em armas cada vez mais sofisticadas. Essa corrida armamentista comeou ainda modestamente no final da dcada de 1880 e se acele- rou nas duas primeiras dcadas do sculo XX. Segundo dados do historiador Eric Hobsbawm, os gastos milita- res dos britnicos, por exemplo, foram de 32 milhes 1 de libras esterlinas em 1887 e subiram para 77 milhes entre 1913 e 1914. Ao longo desse mesmo perodo, os gastos navais alemes aumentaram de 90 milhes de marcos por ano para quase 400 milhes. ALIANAS mILITAreS europeIAS em 1914 Adaptado de: GRAND atlas historique. Paris: Larousse, 2006. Charge de 1885 ironiza a chamada paz armada: Bismarck ( esquerda, representando a Alemanha), Tio Sam ( direita, smbolo dos Estados Unidos) e John Bull (no centro, personificao da Gr-Bretanha) trocam farpas, mas no chegam a se enfrentar. 0 260 QUILMETROS ESCALA 520 Bettmann/Corbis/Latinstock HMOV_v3_PNLD2015_019a027_U01_C02.indd 20 4/25/13 3:25 PM 21. 21A Primeira Guerra Mundial Captulo 2 Fortemente armadas, essas naes evitavam guerrear entre si, preferindo resolver suas disputas por meio de acordos diplomticos e alianas. Em 1882, por exemplo, os governos da Alemanha, do Imprio Austro-Hngaro e da Itlia formaram a Tr- plice Aliana. Em resposta, em 1907 os governos da Inglaterra, da Frana e da Rssia criaram a Trplice En- tente (reveja o mapa da pgina 20). Embora evitassem o confronto direto, o clima de tenso entre as potncias europeias era muito gran- de. Na verdade, vigorava entre elas uma paz tensa e instvel. Por isso, esse perodo ficou conhecido como o da paz armada. Nacionalismo acirra conitos O forte nacionalismo dos povos europeus ou- tra importante caracterstica desse perodo acen- tuava antigos ressentimentos e instigava a rivalidade entre as naes. Os franceses, por exemplo, no se conformavam com o fato de ter perdido a Alscia e a Lorena para os alemes no final da Guerra Franco- -Prussiana (1870) e nutriam desejos de vingana. Os alemes, por sua vez, ambicionavam am- pliar seu imprio colonial. Por terem iniciado tar- diamente sua participao na corrida imperialista j que a unificao do pas s ocorrera em 1871 , eles se sentiam insatisfeitos com o que lhes cou- bera na partilha dos territrios da frica e da sia. To ressentidos quanto eles encontravam-se os ita- lianos, cujo pas tambm se unificara tardiamente e pouco havia obtido na diviso imperialista do mundo. Nos Blcs viviam povos de diversas etnias e cul- turas, como gregos, eslavos, srvios, croatas, turcos e blgaros.EssespovosestavamsobodomniodoImp- rio Turco Otomano desde tempos remotos. Animados por fortes sentimentos nacionalistas, no sculo XIX eles passaram a se mobilizar contra o domnio turco otomano. Os primeiros a se emancipar foram os gregos, cuja independncia foi conquistada em 1821; em 1878, contando com o apoio dos russos, que buscavam aumentar sua influncia nos Blcs, Sr- via, Montenegro e Romnia tambm conquistaram sua autonomia poltica, enquanto a Bsnia-Herze- govina era colocada sob a tutela do Imprio Austro- -Hngaro. Em 1908, a Bsnia-Herzegovina foi formalmente anexada ao Imprio Austro-Hngaro. A medida rea- cendeu o nacionalismo dos povos da pennsula. Os srvios interessados no territrio foram os princi- pais opositores da anexao. O estopim da Guerra As rivalidades explodiram no dia 28 de junho de 1914, quando o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono do Imprio Austro-Hngaro, e sua esposa, em visita cidade de Sarajevo, na Bsnia, fo- ram assassinados por um estudante bsnio simpati- zante da Srvia. O atentado seria considerado o esto- pim da Primeira Guerra Mundial. No dia 28 de julho, o governo do Imprio Aus- tro-Hngaro, contando com o apoio do governo ale- mo, seu parceiro na Trplice Aliana, declarou guer- ra Srvia, acusando suas autoridades de conivncia com o assassino do arquiduque. Os russos, aliados dos srvios, colocaram suas tropas de sobreaviso. Fiis sua aliana com a ustria, os alemes de- clararam guerra aos russos e franceses, que integra- vam a Trplice Entente, juntamente com os ingleses. No dia 4 de agosto, o governo da Inglaterra juntou-se a seus parceiros da Entente e entrou no conflito con- tra austro-hngaros e alemes. Em pouco tempo, outros povos, como os japone- ses, interessados nas possesses alems do Pacfico, e os turcos otomanos, adversrios dos russos, tambm entraram no conflito: os primeiros ao lado da Trplice Entente; os segundos, em apoio s potncias centrais (isto , Alemanha e ustria). O governo italiano, cujo pas fazia parte da Trplice Aliana, manteve-se neutro inicialmente. Apenas em 1915, a Itlia entrou na guer- ra ao lado da Frana, Inglaterra e Rssia. O Brasil decla- rou-se neutro logo no incio do conflito, mas ao final decidiu entrar na guerra (veja o boxe a seguir). Na capa do Le Petit Journal de fevereiro de 1914 l-se, abaixo da ilustrao: O supremo devaneio do grande patriota. A charge faz aluso ao forte nacionalismo dos povos europeus, que acirrava as rivalidades entre as naes. LeonarddeSelva/Corbis/Latinstock HMOV_v3_PNLD2015_019a027_U01_C02.indd 21 4/25/13 3:25 PM 22. 22 Unidade 1 Cincia e tecnologia Brutalidade sem precedentes Inicialmente, os lderes europeus acreditavam que a guerra no duraria muito tempo. O conflito, porm, revelou-se muito mais difcil de ser superado: durou quatro anos, envolveu muitas naes e teve aes de uma brutalidade sem precedentes, afetando a vida no s dos militares diretamente engajados, mas tam- bm da populao civil, que no fazia parte das frentes de batalha (veja o boxe na pgina seguinte). Todos os avanos tecnolgicos da indstria b- lica foram utilizados no conflito. Outros equipamen- tos sofisticados foram desenvolvidos no decorrer da guerra. Alm de armamentos j considerados antigos, como morteiros, granadas, canhes e metralhadoras, pela primeira vez na histria utilizaram-se armas qumi- cas, submarinos e lana-chamas. At mesmo avies* foram empregados para bombardear tropas em terra. 2 O Brasil na guerra To logo comeou a Primeira Guerra Mundial, o governo brasileiro decretou a neutralidade e as- sim permaneceu ao longo dos trs primeiros anos do conito. A situao comeou a se modificar em abril de 1917, quando o pas rompeu relaes di- plomticas com a Alemanha pelo fato de um sub- marino alemo ter afundado um navio comercial brasileiro no litoral norte da Frana. No ms seguin- te, dois outros navios mercantes brasileiros foram bombardeados na Europa. Como represlia, o go- verno do Brasil decretou o fim da neutralidade e apreendeu 45 embarcaes alems ancoradas no litoral brasileiro. O ataque a um quarto navio mer- cante, em outubro de 1917, levou o Brasil a decretar guerra Alemanha, tornando-se assim o nico pas da Amrica do Sul a entrar no confronto mundial. As tropas brasileiras eram, em sua maioria, mal- preparadas; o Exrcito e a Marinha contavam com pouca quantidade de armas e embarcaes e as que existiam eram, de modo geral, obsoletas. Por essas caractersticas, segundo alguns analistas, a participao do Brasil no conito foi muito mais simblica do que de efetiva participao militar. O governo brasileiro enviou em maio de 1918 seis navios de combate e mais dois navios auxilia- res que ficaram navegando ao longo da costa da frica para observar a movimentao das foras inimigas. O Brasil tambm enviou uma misso de 92 mdicos Frana com o objetivo de instalar um hospital militar em Paris. Porm, mais do que aten- der feridos de guerra, os mdicos acabaram cui- dando principalmente das vtimas da gripe espa- nhola, que se espalhava rapidamente. Essa doena, que se alastrou pelo mundo en- tre 1918 e 1919, era capaz de matar uma pessoa em at 72 horas depois de sua contaminao. Por ter aparecido ainda no perodo de guerra, sua pro- pagao foi facilitada pelos deslocamentos das tro- pas militares pelos campos de batalha. Segundo al- gumas estatsticas (consideradas conservadoras, atualmente), a gripe espanhola matou 22 milhes de pessoas em todo o mundo, nmero superior ao dos mortos nos combates da Primeira Guerra Mundial. Dilogos Ao fazer a necropsia de soldados norte-ame- ricanos mortos na Primeira Guerra Mundial pela gripe espanhola, cientistas descobriram que essa doena foi provocada pelo vrus inuenza H1N1. Trata-se do mesmo agente causador da chama- da gripe suna, que se alastrou rapidamente pelo mundo em 2009. Rena-se a seu grupo de colegas e, com a ajuda do professor de Biologia, elabo- rem um cartaz divulgando os cuidados necessrios para evitar o contgio da gripe suna ou de outras doenas causadas por vrus. Charge de J. Carlos publicada em abril de 1918 na revista Careta. Ela critica a insistncia do governo alemo em permanecer na I Guerra Mundial. Na imagem, o kaiser (imperador) alemo Guilherme II diz a um de seus oficiais: preciso inventar uma pena para punir estes desertores que abandonam a Ptria antes de tempo. Reproduo/J.Carlos/OCareta * Veja o filme Flyboys, de Tony Bill, 2006. HMOV_v3_PNLD2015_019a027_U01_C02.indd 22 4/25/13 3:25 PM 23. 23A Primeira Guerra Mundial Captulo 2 A antiga conexo entre alimentos e sucesso mi- litar foi expressa pelo dito de Napoleo [Bonaparte]: Um exrcito marcha com seu estmago. A Pri- meira Guerra Mundial, no entanto, encontrou uma situao nova, em que as populaes civis, longe de qualquer campo de combate, tornaram-se vul- nerveis fome e doena induzidas pela guerra. A comida foi uma questo de vida e morte du- rante a guerra nas cidades do norte da Rssia, onde, em 1917, havia filas interminveis para re- ceber suprimentos mnimos e no regulados de provises mais bsicas. As filas para po em Pe- trogrado, onde as pessoas permaneciam duran- te horas todos os dias e, s vezes, todas as noi- tes, funcionavam como centros de informao no oficiais e tornaram-se incubadoras da Revoluo Russa, iniciada em 1917. As filas tambm eram parte da vida no tempo de guerra na Frana, onde o racionamento de carvo, leo e alguns alimentos pelo governo comeou em 1918. Na Gr-Bretanha, a guerra representou mais pri- vao do que fome. No final de 1916, os controles do governo s permitiam que as lojas de alimentos tivessem metade de seu estoque. No incio de 1918, quando a intensificao da guerra com submarinos estava afetando seriamente a importao de alimen- tos, foi introduzido o racionamento por pessoa, prin- cipalmente de acar, ch, margarina, bacon, quei- jo, manteiga e, a partir de abril [de 1918], carne. No incio da guerra, os civis alemes confiaram na promessa do governo de uma guerra curta. Eles no estavam preparados para os efeitos do bloqueio Aliado, que comearam a surgir em poucos meses, particularmente em Hamburgo e Berlim. Em 1915, os berlinenses foram os primeiros alemes a rece- ber cartes de racionamento de po. No demorou para que carne, laticnios, batata, acar, cereais e sabo tambm s fossem obtidos por meio dos car- tes. Quando a carne se tornou escassa, as pessoas recorreram a iguarias duvidosas, como morsa em conserva e corvo cozido. O mercado negro cresceu e havia filas por toda parte. O inverno de 1916-1917 ficou conhecido como inverno dos nabos, por- que, depois de uma colheita desastrosa de batatas, nabos e beterrabas tornaram-se alimentos bsicos. A guerra foi tambm um estmulo para a aber- tura de novas oportunidades de emprego. As mu- lheres foram trazidas para as fbricas francesas. Em 1918, mais de um milho de mulheres na Frana es- tavam trabalhando em defesa nacional, armamen- to e aeronutica. No Imprio Austro-Hngaro, em 1916, 42,5% dos trabalhadores na indstria pesa- da eram mulheres a ttulo de comparao, eram 17,5% em 1913. O mesmo aconteceu na Alemanha, onde, em 1918, as mulheres compunham 35% da fora de trabalho industrial. As mulheres passaram ainda a exercer ativi- dades antes restritas aos homens, como dirigir nibus e ambulncias e tambm foram para as frentes de batalha. O Batalho da Morte, do exr- cito russo, todo composto de mulheres, foi orga- nizado por Maria Bochkareva, que havia traba- lhado como capataz de fbrica antes da guerra. Depois de fazer uma solicitao diretamente ao czar, ela conseguiu permisso para se tornar solda- do e passou dois anos na trincheira. Os efeitos da guerra sobre a populao civil Album/Akg-Images/Latinstock Album/Akg-Images/Latinstock Com a ida dos homens para as frentes de batalha, as mulheres conquistaram espao no mercado de trabalho. Nesta fotografia de 1918, colorizada digitalmente, vemos mulheres do estado da Pensilvnia, nos Estados Unidos, empregadas em uma indstria de armamentos. Cartaz do Ministrio da Agricultura do governo francs incentivando a populao a cultivar batatas como forma de suprir a falta de alimentos durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). HMOV_v3_PNLD2015_019a027_U01_C02.indd 23 4/25/13 3:26 PM 24. 24 Unidade 1 Cincia e tecnologia Em 1917, quando havia alcanado o posto de sargento, Maria Bochkareva formou seu Batalho da Morte feminino na esperana de levantar o es- tado de esprito de seus colegas soldados (muitos dos quais estavam desertando) e incit-los a uma investida vitoriosa contra o inimigo. As mulhe- res de Bochkareva rasparam a cabea e vestiram uniformes comuns do exrcito e antes de partir para a frente, reuniram-se em Moscou para rece- ber a bno da igreja russa. Adaptado de: WILLMOTT, H. P. Primeira Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p. 124-130. As rivalidades entre as naes foram acirradas tambm pelas campanhas publicitrias, muitas delas mentirosas, criadas nos dois lados das frentes de ba- talha. Cartazes e psteres procuravam retratar o ini- migo como selvagem ou brbaro e estimulavam o na- cionalismo da populao. Nos primeiros meses, o conflito caracterizou-se pela chamada guerra de movimento: as tropas pro- curavam se mobilizar rapidamente em campo aberto, com o propsito de conquistar territrios. A ttica, po- rm, revelou-se infrutfera: os avanos territoriais eram pequenos e as perdas humanas, muito grandes. Diante do equilbrio de foras, os chefes mili- tares passaram a adotar uma nova ttica: a guerra de posies ou de trincheiras. Nessa forma de com- bate, utilizada durante quase todo o conflito, eram abertas no terreno valas estreitas, profundas e de grande extenso, protegidas por rolos de arame farpado as trincheiras*. Ali, os combatentes mantinham fogo permanente contra o inimigo e se de- frontavam com novas adversidades: lama, frio, ratos, doenas. No perodo final da guerra, dois fatos cruciais mudaram o rumo dos combates. Um deles foi a en- trada dos norte-americanos no conflito em abril de 1917, ao lado dos pases da Entente, chamados ge- nericamente de aliados. O outro ocorreu em maro de 1918, quando o governo da Rssia decidiu sair da guerra (leia o captulo seguinte). Pouco depois da entrada norte-americana, os beli- gerantes retomaram as tticas de guerra de movimen- to. Dessa vez, graas principalmente ao grande nmero de soldados enviados pelo governo dos Estados Uni- dos, os aliados tiveram xito, obrigando seus advers- rios a recuar. Em 30 de outubro de 1918, o governo turco otomano se rendeu*; pouco de- pois, em 3 de novembro, foi a vez de o governo austro-hngaro firmar sua rendio; no dia 11 de novembro, fi- nalmente, os alemes tambm se ren- deram, reconhecendo a derrota. Acordos de paz A Primeira Guerra Mundial chegou ao fim depois de ter provocado a morte, segundo estimativas, de 8 milhes de pessoas e deixado 20 milhes de invlidos* e milhes de r- fos, desempregados e de- sabrigados. Alm disso, milhares de jovens comba- tentes voltaram para suas casas com neurose de guer- ra*, distrbio psquico que provoca alucinaes e levou muitos loucura. Terminados os combates, tiveram incio os acor- dos diplomticos para definir o novo mapa europeu e os termos da paz mundial. O mais conhecido dentre esses acordos foi o Tratado de Versalhes, firmado em junho de 1919. Considerados em seu conjunto, os acordos de paz alteraram substancialmente a configurao geo- poltica da Europa naquele momento: O Imprio Austro-Hngaro desintegrou-se, dan- do origem a trs novos pases: ustria, Hungria e Tchecoslovquia. O Imprio Turco Otomano tambm desapareceu e deu origem Turquia. Seu territrio foi desmem- brado e boa parte dele passou para o controle de franceses e ingleses. A Alemanha foi o pas que sofreu o maior nmero de sanes. Seu governo foi obrigado a devolver a Als- cia e a Lorena Frana, suas colnias passaram para as mos dos vencedores e suas foras armadas sofre- ram importantes restries: no poderiam ultrapassar mais de 100 mil homens nem poderiam ter armamen- tos estratgicos, como canhes e submarinos. Alm disso, o governo alemo teve de pagar uma indeniza- o de 132 milhes de marcos aos pases vencedores. Por proposta do presidente norte-americano Woodrow Wilson, em 1920 foi criada a Liga das Naes, as- sociao de vrios pases com sede em Genebra, na Sua, destinada a garantir a paz e a seguran- a mundial. * Veja o filme Feliz Natal, de Cristian Carion, 2005. * Veja o filme Lawrence da Arbia, de David Lean, 1962. * Veja o filme Johnny vai guerra, de Dalton Trumbo, 1971. * Veja o filme O retorno do soldado, de Alan Bridges, 1982. HMOV_v3_PNLD2015_019a027_U01_C02.indd 24 4/25/13 3:26 PM 25. 25A Primeira Guerra Mundial Captulo 2 A guerra de 1914-1918 deixou a economia ale- m arrasada. J para os norte-americanos, ela trouxe vantagens econmicas importantes. Durante o pero- do em que se mantiveram neutros, eles obtiveram lucros enormes com a venda de armas e alimentos aos governos dos pases envolvidos no conflito. Ao mesmo tempo, fizeram vultosos emprstimos aos governos da Frana e da Inglaterra. Dessa forma, ao terminar a guerra, os Estados Unidos haviam se trans- formado na maior potncia econmica do mundo, passando a ocupar o posto que at ento pertencera Inglaterra. PORTUGAL ESPANHA FRICA SIA SIA FRANA ITLIA ALEMANHA BLGICA LUXEMBURGO PASES BAIXOS REINO UNIDO IRLANDA ISLNDIA SUA DINAMARCA NORUEGA SUCIA FINLNDIA URSS ESTNIA LETNIA LITUNIA PRSSIA ORIENTAL (ALEMANHA) POLNIA USTRIA HUNGRIA ROMNIA BULGRIA ALBNIA GRCIA IUGOSLVIA TURQUIA (parte europeia) TCHECOSLOVQUIA OCEANO ATLNTICO Mar Negro Mar do Norte Mar Bltico Novos pases M a r M e d i t e r r n e o M ar Cspi o 15 L 45 N LEGENDA A europA em 1923 Adaptado de: GRAND atlas historique. Paris: Larousse, 2006. 0 370 QUILMETROS ESCALA 740 Judeus, rabes e a Palestina Em 1917, ano em que os Estados Unidos en- traram na Primeira Guerra Mundial, o governo da Inglaterra entregava a lideranas judaicas o documento conhecido como Declarao de Balfour. Por meio dele, os ingleses comprome- tiam-se a trabalhar para criar um Lar Nacio- nal para os judeus em terras palestinas. A assinatura do documento foi um grande alento para os judeus, que se encontravam dis- persos pelo mundo desde o ano 70 d.C., quan- do foram expulsos de Jerusalm pelos roma- nos. A Declarao respondia, principalmente, aos anseios dos participantes do sionismo, mo- vimento surgido na comunidade judaica euro- peia em fins do sculo XIX que, influenciado pelos ideais socialistas, defendia o retorno dos judeus Palestina. Os sionistas revitalizaram o hebraico, idioma restrito at ento aos religiosos, comearam a ba- tizar seus lhos com nomes bblicos e muitos mi- graram para a Palestina, ocupada pelos rabes. sso...Enquanto HMOV_v3_PNLD2015_019a027_U01_C02.indd 25 4/25/13 3:26 PM 26. 26 Unidade 1 Cincia e tecnologia Em 1914, j havia 60 mil ju- deus naquela regio; em 1931, eram cerca de 150 mil. Nessa poca, iniciaram-se os primei- ros confrontos entre rabes e judeus, que se estendem at os dias de hoje. Sua comunidade A luta pela terra est no cerne do conito entre ra- bes e palestinos. Em sua co- munidade existem tambm disputas pela posse de ter- ras? Como elas se manifes- tam? Discuta o assunto em sala de aula; se preciso, reali- ze pesquisa buscando dados atuais a respeito disso. De- pois, rena-se com seu grupo de colegas e registrem suas concluses em um resumo. GPO/GettyImages 1. A ausncia de confrontos diretos envolvendo as naes europeias logo aps a Guerra Franco- -Prussiana no signicou o m das tenses entre os pases do continente. Por que esse perodo - cou conhecido por paz armada? 2. O nacionalismo contribuiu para aumentar as ri- validades entre as naes no perodo que ante- cedeu a Primeira Guerra Mundial. Destaque os principais aspectos motivadores desse movimen- to nacionalista em territrio europeu. 3. No perodo da paz armada muitos conitos en- tre as naes europeias foram evitados por meio da formao de alianas militares. Como foram compostas essas alianas? 4. Que relao pode ser estabelecida entre o de- senvolvimento tecnolgico ocorrido a partir da segunda metade do sculo XIX e a Primeira Guerra Mundial? 5. Durante os quatro anos que durou a Primeira Guerra Mundial, o conito passou por diferentes fases. Elabore um resumo explicando as princi- pais caractersticas das tticas empregadas em cada uma dessas fases da guerra. 6. A Primeira Guerra acabou por inuenciar novas formas de participao da mulher na sociedade europeia. Como se podem explicar essas mu- danas sociais, com relao ao conito? 7. A entrada dos Estados Unidos no conito foi de- cisiva para a derrota da Trplice Aliana. Qual foi o impacto da Primeira Guerra Mundial para a economia norte-americana? 8. O Tratado de Versalhes, assinado em junho de 1919, foi um dos principais acordos rmados entre asnaesparticipantesdaPrimeiraGuerra.Desta- quealgumasdasmedidasqueevidenciamasseve- ras sanes Alemanha. 9. Os tratados e acordos de paz rmados ao nal da Primeira Guerra Mundial tambm redeni- ram o mapa europeu. Compare os mapas das pginas 20 e 25 e descreva as mudanas geopolti- cas ocorridas na Europa aps a Primeira Guerra Mundial. Organizando as ideias Ateno: no escreva no livro. Responda sempre no caderno. Membros do Hashomer, uma organizao de segurana judaica, criada em 1909, para proteger os assentamentos sionistas na regio da Palestina. Foto de 1909. HMOV_v3_PNLD2015_019a027_U01_C02.indd 26 4/25/13 3:26 PM 27. 27A Primeira Guerra Mundial Captulo 2 CARTAZ 1: Mulheres da Gr-Bretanha, digam V!. CARTAZ 2: Homens da Inglaterra! Vocs aguentaro isto? 78 mulheres e crianas foram mortas e 228 mulheres e crianas foram feridas pelos soldados alemes. Alistem-se agora. SwimInk2,Llc/Corbis/Latinstock AustralianWarMemorial/Arquivodaeditora Mundo virtual n Primeira Guerra Site (em ingls) com diversos contedos multimdia sobre a Primeira Guerra Mundial. Disponvel em: . Acesso em: 7 jan. 2013. 1. Que argumentos, expressos nos textos e nas imagens, so utilizados nos cartazes para convencer os homens a se alistarem na guerra? 2. A partir dos cartazes possvel identicar algum efeito da guerra para a populao civil que no parti- cipava das frentes de batalha? 3. A Primeira Guerra Mundial marcou o m do perodo conhecido como Belle poque, caracterizado pela euforia diante das possibilidades da tecnologia em desenvolvimento e pela segurana no progresso da humanidade. Com base nas informaes do captulo, explique por que essas ideias foram abaladas com o advento da guerra. Hora de ReFLeTiR O desenvolvimento tecnolgico de vrios equi- pamentos blicos foi decisivo nos combates duran- te a Primeira Guerra Mundial. Nos conitos atuais, a tecnologia a grande aliada das tropas: robs que percorrem terrenos perigosos para os humanos, jo- gos de videogame que ensinam a usar determina- das armas e a curar traumas de guerra, alm de armas superpotentes que atingem alvos especcos a distncia. Em sua opinio, esse avano pode con- tribuir para a diminuio da mortalidade durante os conitos blicos? Eles ajudam a camuar os horrores da guerra e estimulam o interesse pelo espetculo tecnolgico divulgado em todo o mundo? Elabore uma dissertao defendendo seus pontos de vista. Ao nal, prepare um argumento para expor oralmen- te, de modo sucinto, para a classe. A propaganda desempenhou importante papel durante a Primeira Guerra Mundial, pois, por meio dela, os go- vernos procuravam obter o apoio da populao para superar as adversidades do dia a dia e somar os esforos para derrotar o inimigo. Os cartazes a seguir foram produzidos pelo governo britnico durante o conito e so um exemplo dessa iniciativa. Depois de analis-los, responda ao que se pede. Interpretando dOCUMeNTOs HMOV_v3_PNLD2015_019a027_U01_C02.indd 27 4/25/13 3:26 PM 28. 28 Exames de DNA puseram m a um dos mistrios da histria recente da Rssia: todos os membros da famlia imperial russa foram realmente mortos pelos revolucionrios socialistas que, em 1917, puseram m monarquia no pas. Um dos rumores que rondavam a ocorrncia desse fato era o de que dois lhos do czar Nicolau II a gr-duquesa Anastcia e seu irmo Alexei teriam sobrevivido execuo da famlia imperial, ocorrida em 1918, meses depois de os bolcheviques terem assumido o poder na Rssia. De Agostini/Getty Images Famlia imperial russa, em fotografia de 1915. No centro, o czar Nicolau II, tendo atrs, direita, sua mulher, a imperatriz Alessandra. Da esquerda para a direita vemos os filhos do casal: as gr-duquesas Tatiana, Maria, Anastcia, o herdeiro do trono, Alexei, e a gr-duquesa Olga. Captulo 3 A Revoluo Russa Objetivos do captulo n Conhecer o contexto socioeconmico e poltico da Rssia no final do sculo XIX e princpio do sculo XX. n Relacionar o incio do processo de industrializao na Rssia formao de uma classe operria urbana que resultaria em uma srie de levantes revolucionrios no incio do sculo XX. n Compreender as diversas etapas do processo revolucionrio na Rssia e perceber a relao entre elas. n Perceber a mudana de rumos na implantao do sistema comunista na Rssia, desde os movimentos operrios de 1917 e a formao dos sovietes at a consolidao do regime autoritrio de Josef Stalin. n Reconhecer a importncia do desenvolvimento tecnolgico e suas implicaes para as mudanas da sociedade ocorridas na Rssia nas primeiras dcadas do sculo XX. Album /Akg-Images/Latinstock As dvidas sobre a morte de todos os membros da famlia surgiram na dcada de 1920, quando uma operria polonesa, de nome Anna Anderson, alegou ser, na verdade, a gr-duquesa Anastcia. O suspense persistiu at 1984, ano em que Anna morreu e exames de DNA conrmaram que a polonesa havia mentido. As dvidas, no entanto, continuaram: em 1991, especialistas abriram a sepultura na qual foram enterrados os membros da famlia imperial e em seu interior no foram encontrados os restos mortais de Anastcia e de Alexei. Somente em 2007 um grupo de pesquisadores encontrou uma sepultura com dois corpos, cujos exames de DNA em 2009 comprovaram ser dos lhos do czar. Neste captulo estudaremos como ocorreu o processo que ps m monarquia na Rssia e levou ao poder o Partido Bolchevique, responsvel por instaurar o comunismo no pas, um regime que vigorou at 1991. HMOV_v3_PNLD2015_028a037_U01_C03.indd 28 4/25/13 3:26 PM 29. 29A Revoluo Russa Captulo 3 A Rssia no incio do sculo XX A Rssia consolidou-se como Estado no final do sculo XVI, sob o governo de Ivan IV, o Terrvel, que adotou o ttulo de czar. Com ele, teve incio o absolu- tismo e a expanso territorial do pas. Essa expanso se prolongou at o final do sculo XIX, quando a Rs- sia se transformou em uma das mais extensas naes do planeta, com mais de 22 milhes de quilmetros quadrados. Por volta de 1914, sua populao chega- va a 174 milhes de pessoas. Apesar desses nmeros, at o incio do sculo XX a economia russa permanecia predominantemen- te baseada nas atividades rurais. Enquanto a Inglater- ra e outros pases europeus contavam com parques industriais e encontravam-se em plena Segunda Re- voluo Industrial, a Rssia dispunha de poucos cen- tros fabris. Ali, os operrios trabalhavam em ambien- tes insalubres, com salrios extremamente baixos e enfrentavam jornadas de at 14 horas dirias. No campo, a situao era ainda pior: 85% da po- pulao total do pas era constituda por camponeses pobres. A maioria deles vivia sob o regime feudal de ser- vido. A abolio do regime servil, em 1861, no contri- buiu para melhorar sua situao, pois eles continuaram a viver sob o domnio dos grandes proprietrios rurais. Politicamente, vigorava no pas uma espcie de monarquia absolutista o czarismo , que reprimia qualquer manifestao contrria ao governo. As for- as que davam sustentao poltica ao czar eram for- madas pelos donos de terras (nobreza), pelos milita- res e pela Igreja Ortodoxa. A represso e o autoritarismo provocaram o sur- gimento de grupos clandestinos de oposio, defen- sores de mudanas econmicas, sociais e polticas. 1 A caminho da industrializao Economicamente atrasada em relao Europa ocidental, a Rssia s comeou a se industrializar no final do sculo XIX. A industrializao russa concentrou-se em trs pontos do territrio, todos na poro europeia do pas: na capital So Petersburgo (regio noroeste do pas), em Moscou (a oeste) e na regio do rio Don (que nasce no planalto Central Russo, ao sul de Mos- cou, e desgua no mar de Azov). Assim, no comeo do sculo XX a Rssia era um pas campons com al- guns locais de alta concentrao industrial, mantida sob um sistema poltico arcaico a autocracia absolu- tista , que no se interessava em implantar reformas polticas e sociais. Bolcheviques e mencheviques O crescimento industrial russo refletiu-se no de- senvolvimento das cidades: entre 1860 e 1914, a po- pulao urbana passou de 6 milhes para quase 19 milhes de pessoas. Vivendo e trabalhando sob pssimas condies, os operrios russos comearam a se organizar em as- sociaes. Em 1898, intelectuais e membros da classe trabalhadora formaram o Partido Operrio Social-De- mocrata Russo (POSDR), grupo clandestino de orien- tao marxista. Em 1903, o POSDR agrupava membros com duas tendncias. Uma delas era a dos bolcheviques, liderada por Lenin* (pseudni- mo de Vladimir Ilitch Ulianov). Essa faco propunha a for- mao de uma aliana oper- rio-camponesa para lutar pelo poder como primeiro passo para se chegar ao socia- lismo, o que, segundo Lenin, s seria possvel por meio de uma revoluo. A outra tendncia era a dos mencheviques. Mais moderados do que os bolcheviques, eles defendiam que era preciso apoiar a burguesia, pois esta deveria liderar a luta contra o czarismo em uma revoluo de- mocrtica. Apenas depois disso a classe operria po- deria se organizar para a revoluo socialista. KlavdiyVasiliyevichLebedev/ArkhangelskMuseum,Moscou Aquarela Leilo de servos, de 1910, do pintor russo Klavdiy Vasiliyevich Lebedev, mostra cinco servos ( direita) espera de ser leiloados. Ao fundo, vemos possveis compradores. Cenas desse tipo foram comuns at 1861, ano em que a servido foi extinta na Rssia. * Veja o documentrio Cmera olho: Rquiem a Lenin, de Dziga Vertov, 1924. HMOV_v3_PNLD2015_028a037_U01_C03.indd 29 4/25/13 3:26 PM 30. 30 Unidade 1 Cincia e tecnologia tal So Petersburgo, presidido por Lev Davidovich Bronstein, conheci- do como Leon Trotski. Encurralado pelo movimen- to, o czar Nicolau II cedeu a algu- mas de suas exigncias: legalizou os partidos polticos e conce- deu poderes legislativos Duma (uma espcie de Parlamento). No entanto, ao mesmo tempo, re- primiu duramente os sovietes e o movimento grevista. Trotski, lder do soviete de So Petersburgo, e outros lderes foram presos. Se a revoluo de 1905 no chegou a derru- bar o governo czarista, conseguiu, ao menos, inter- ferir na transformao do pas em uma monarquia constitucional. O governo de Nicolau II continuou mantendo, no entanto, caractersticas autoritrias: a polcia permaneceu exercendo forte censura imprensa e o czar podia dissolver a Duma a qual- quer momento. A Revoluo de Fevereiro de 1917 O governo russo entrou na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) com um exrcito numeroso (mobilizou cerca de 15 milhes de soldados durante o conflito), mas despreparado militarmente: muitos combatentes russos foram enviados frente de bata- lha desprovidos de botas e fuzis. Durante o conflito milhares de soldados morreram ou desertaram. A guerra desorganizou completamente a eco- nomia interna do pas: fome, desemprego, inflao. No dia 27 de fevereiro de 1917* (ou 12 de maro no calendrio ocidental), a populao de So Petersbur- go e de outras cidades se revol- tou. O czar foi obrigado a abdicar e foi implantado um governo provisrio eleito pela Duma e composto de liberais e mencheviques. Ao mesmo tempo, ope- rrios, camponeses, soldados e marinheiros organi- zaram sovietes por todo o pas. O historiador Marc Ferro afirma que no incio da revoluo, o governo e os sovietes se equilibravam: o primeiro tinha o po- der sem a fora e o segundo, a fora sem o poder. 3 A revoluo de 1905 Em 1905, a Rssia saiu derrotada da Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) pela posse da Man- chria e da Coreia. A derrota contribuiu para au- mentar o descontentamento da populao com o governo russo. Em janeiro de 1905, ainda durante o confli- to, cerca de 200 mil pessoas, lideradas pelo padre Georg Gapon, saram s ruas de So Petersburgo, capital do pas, em manifestao pacfica pela im- plantao de uma Assembleia Constituinte e por melhores condies de vida e de salrio. Foras do governo dispararam contra a multido, matando cerca de mil pessoas. Conhecido como domingo sangrento, o mas- sacre repercutiu em toda a Rssia, levando radica- lizao dos protestos. Greves, saques e manifesta- es eclodiram por toda parte. No mar Negro, os marinheiros do encouraado Potenkim* se sublevaram. Em outubro, uma greve geral paralisou o pas. Nas grandes cidades foram criados sovietes, con- selhos formados por representantes dos trabalhado- res para tomar decises polticas na luta contra o czarismo (veja a seo Eu tambm posso participar, a seguir). O soviete mais importante era o da capi- 2 Membros da tendncia bolchevique do Partido Operrio Social-Democrata Russo (POSDR) em fotografia de 1915. Entre os militares, encontra-se Josef Stalin (3 em p, da esquerda para a direita), que viria a ser dirigente da Unio Sovitica aps a morte de Lenin, em 1924. * Veja o filme O encouraado Potenkim, de Sergei Eisenstein, 1925. * Leia o livro Dez dias que abalaram o mundo, de John Reed, Ediouro. GeneralPhotographicAgency/HultonArchive/GettyImages HMOV_v3_PNLD2015_028a037_U01_C03.indd 30 4/25/13 3:26 PM 31. 31A Revoluo Russa Captulo 3 Os sovietes e a democracia participativa Os sovietes surgiram inicialmente como um conselho de trabalhadores democraticamente elei- tos, com o objetivo de impulsionar as lutas sociais e polticas dos russos. Esses conselhos eram com- postos de operrios, camponeses, soldados e in- telectuais. Tinham grande atuao, organizando greves, intermediando negociaes entre patres e empregados, publicando jornais, etc. Eles se espalharam rapidamente pelo pas e ganharam inuncia. Exerciam a fiscalizao das aes governamentais e, em momentos crticos, chegaram a assumir responsabilidades que eram do governo, como cuidar do abastecimento, do trnsito, da iluminao, da sade pblica. Como afirma o historiador Marc Ferro, os sovietes se constituram como uma espcie de poder paralelo dentro da Rssia, de tal forma que os bolchevi- ques os viam como um embrio de um futuro es- tado socialista. Os sovietes assumiram, naquele momento, di- versas demandas polticas e econmicas da popu- lao russa: a retirada das tropas russas da Primeira Guerra Mundial, a implantao da reforma agrria, a luta por melhores salrios e direitos sociais para a classe trabalhadora. Esses rgos desempenha- ram, portanto, papel de protagonismo com relao poltica nacional russa, mas tiveram seu poder es- vaziado devido ao autoritarismo burocrtico que se instalou no pas a partir da dcada de 1920. Esse tipo de participao popular na tomada de decises sobre as polticas pblicas no algo ex- clusivo do passado na Rssia. No Brasil, por meio de instncias variadas, como cooperativas, sindi- catos, associaes de bairro, organizaes no go- vernamentais, etc., os cidados conseguem, por exemplo, definir prioridades para o destino dos gastos pblicos, propor projetos de lei ou mudan- as na legislao vigente, cobrar dos representan- tes polticos no governo o cumprimento das pro- messas de campanha eleitoral, conhecer a forma de utilizao dos impostos arrecadados, etc. o que hoje chamamos de democracia parti- cipativa, assegurada populao brasileira com a promulgao da Constituio de 1988. Veja a seguir alguns exemplos de como se pode pr em prtica esse direito e tambm outras formas de reivindicar nossos direitos de cidados. Os polticos no so os nicos a decidir quais projetos de lei devem ser debatidos no Congres- so. Entidades da sociedade civil, ONGs, s