história do brasil ano 1500 vol 3

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Ie ne fay riens a n s

Gayeté(Montaigne, Des livres)

Ex LibrisJ o s é M i n d l i n

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H I S T O R I A

»•

B R A Z I L

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NOTA BENE

As notas do Sr conego doutor J. C. Fernandes Pinheiro vão assignirdacom as iniciaes do seu appellido F. P

I 'AI' .IZ. — T\T. HE S I M Ã O * RAÇON E S 0 C . R U A 1 ) ' E » F C R T H , 1 .

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H I S T O R I A

DO BIUZJLf»a»*»i m ivin

ROBERTO sul 'TIIEY

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ir LUZ JOAOUM BE ol.|YElR \ E asTRO

r i M n n f ,

COlífiO O* J C FEMIROES PlRHEtftO

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H I S T O R I A DO B R A Z I L

CAPITULO XIX

Tregoas de dez annos entre Portugal e as Províncias Unidas*. — Aprovei-tão-se d'ellas os Hollandezes para tomarem Sergipe, Loanda em Angola, a ilba de S. Thomé e o Maranhão. — Antônio Telles da Silvagovernador do Brazil. ••— Jornada dos Hollandezes contra o Chili. —Recuperão os Portuguezes do Maranhão a ilha, obrigando os Hollandezesa evacuar San Luiz. — Nassau rendido no governo. — Sua ultima rc -comrncndação ao Grão-Conselbo.

Um dos primeiros actos do viso-rei depois de r e- 164l

cebida a noticia da acclamação, fora mandar com a anuncia-se* a INassau

nova* um navio ao Recife. Em logar deiçar bandeira 4rrvo°rilüfai.de tregoas e ide aguardar fora da barra, como de de Uu.

*• . • j i Valeroso

costume, permissão de entrar, vesliu-se de gala a LucMeno.embarcação e velejou logo pára dentro, dando repe- P 10S

tidas salvas de mosquetaria, e indo ancorar defronteda residência de Nassau, o qual com uma jóia de

in . i

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2 HISTORIA DO BRAZIL.

4641. grande preço gratificou o mensageiro. Com egual

alegria foi a noticia d' esta revolução recebida por Pernambucanos e Hollandezesl, esperando os primeiros receber d'um rei portuguez esse efficaz soccorroque bem sabião ser inútil aguardar da Hespanha, eos segundos alargar facilmente suas conquistas durante a confusão que se seguiria. Destinárão-se três

dias para regosijos públicos. No primeiro houve fol-gares á moda portugueza, corridas de cavallos, jogosde argolinha, cannas e alcanzias, que erão umas bolas de barro occas, cheias de flores ou de cinza, espécie de granadas de mão carnavalescas, que pelonome mostrão ser de origem mourisca. No segundo

foi flamengo o diverlimento, dando o conde Nassauá classe media de ambas as nações e sexos um magnífico jantar em que a ordem do dia foi que quem errasse um brinde beberia segunda vez. No terceirorenovárão-se as cavalhadas, vindo uma ceia publicapôr á festa o remate. Ainda esta não estava acabada

1

Houve gente na Hollanda que acreditou ser a revolução portugueza um acto de- refinada política da parte da Hespanha! 0 rei d'Hes-panha, dizia-se, vendo-se impotente para defender o Brazil e a índia,concertara que o duque de Braganza faria o papel de rei de Portugal, para n'esse caracter assentar pazes-com os Hollandezes, mantendoassim por estratagema os paizes que não podia sustentar pela guerra.Um homem, que Aitzema chama serio e instruído, apezar do porten-'toso absurdo de similhante supposição, escreveu um folheto paraprovar isto. E tanto credito obteve este escripto entre os tolos e igno

rantes, que formâo sempre a maioria, que o embaixador portuguezjulgou do seu dever queixar-se d'elle como d'um libello contra seu;niio. Aitzema, t. 5, p. 103.

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HISTORIA DO BRAZIL. 3

quando da Hollanda chegou um navio com despachos,. im-

annunciando que entre os Estadosve ;'a corte de Portugal se havião ajustado tregoas por dez annos, e a

, . • " . , . Cast; Lus.

ultima malga vasou-se em honra da alegre nova. s,§is.Mas pouco motivo tinhão de alègrar-se os Brazi- Tregoas

de dez annos

leiros com d arranjo entre Portugal e a Hollanda. ^ " ^

Immediatamente depois da sua acclamação mandouD. João IV embaixadores a Pariz, Londres e a Haya,a solicitar a alliança das três cortes. A Tristão deMendonça foi confiada a ultima e mais importanted'estas missões. Nomeara-se-lhe um collega comeguaes poderes, mas occorrendo o que quer que fosse

que impediu esta pessoa de acceitar o cargo, julgou-se preencher a falta, nomeando Antônio de Souza ''Tavares secretario da embaixada, e annexando-lhecomo conselheiros dous negociantes, um dos quaesHollandez naturalizado e casado em Lisboa. Nas circumstancias em que el-rei se via, tão essencial eraque homens deposição e fidelidade se encarregassemda sua causa perante as cortes extrangeiras, que ondequer que encontrava estas qualificações, dispensavaelle voluntário os talentos de que em outros temposse não teria prescindido. Mas o expediente de darconselheiros ao embaixador tinha inconvenientes quese poderião ter previsto : feria-lhe o orgulho, e mi

norava-lhe a responsabilidade.Recebeu Tristão de Mendonça inslrucções para ne

gociar sobre a restituição de todas, as conquistas e

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Ericeyra

1, 153-5,

4 HISTORIA DO BRAZIL.

1641. colônias porlüguezas que bavião sido tomadas; por

quanto allegava-se que lendo-se Portugal so visto envolvido em guerra em a Hollanda como dependente

da Hespanha, em conseqüência d'uma usurpaçãoque sacudira agora, não era justo que os Estadoscom quem passava a fazer causa commum contra Cas-tella, retivessem possessões arrancadas em taes cir

cumstancias á coroa portugueza. Por mais rigorosoque em eqüidade se figurasse este raciocínio aos Portuguezes, màl podião esperar vel-o admittido. Voluntária ou involuntariamente tinhão sido as forças ethesouros de Portugal empregados contra as Províncias Unidas na árdua lucta d'estas contra todo o poder

da Hespanha, e as conquistas alcançadas pelos Hollandezes nas suas possessões ultram arinas havião sidofeitas honrosamente e em guerra aberta.

12 de A íinal resolveu-se pôr de parte por entretanto estajun. 1641. . . - . i i

discussão, assentando tregoas de dez ann os, e estipu-lou-se que dentro de oito mezes mandaria Portugal

plenipotenciarios que tractassem uma paz definitiva,mas fosse qual fosse o resultado d1 esta ultima negociação, havião de fazer-se boas as tregoas por todo otempo declarado. Concedeu-se um anno para noliíi-cal-as aos commandantes hollandezes na índia, coma cláusula de que, chegando primeiro a noticia, pr in-

cipiarião immediatamente as tregoas. D'esle artigose queixarão os Portuguezes, censurando o seu diplomata por havel-o acceitado; mas á letra do tractado

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6 H I S T O R I A DO B R A Z I L .

i64i. p a r a esta traição não estavão preparados os Brazi-

ifwSao leiros. Os três governadores, que depois da deposiçãodo viso-rei havião sido investidos do poder na Bahia,mandarão ao Recife Pedro Corrêa da Gama e o JesuitaVilhena, a combinar o modo de estabelecer relaçõespacificas entre as duas partes-, até que pelos respectivos governos se arranjassem as couzas definitiva

mente na Europa. Tinha Vilhena negócios particulares que tractar em Pernambuco. Os seus irmãos dacompanhia o havião encarregado de pôr a bom recadoa baixela, que enterrarão antes da fuga, e Mathias eDuarte d'Albuquerque da mesma sorte lhe tinhãodado commissão de recuperar seus, escondidos the-

souros e os bens depositados cm mãos seguras. Quantoao Jesuita em pessoa aceusão-no de ter feito um trafico deshonroso posto que lucrativo. Trouxera de Portugal muitas carlas do rei com a direcção em branco,para distribuir segundo a sua discrição pelos homensde mais influencia e caracter no Brazil. Annunciavãoas cartas a restauração da dynastia legitima a estaspessoas como a varões cujo valor era provado, e emcuja lealdade confiava o governo : tornou-se pois aposse d'uma carta d'estas signal dedistineçãe e deviaser penhor de futuro favor da corte, sobre ser valiosareeommendação para quem solicitasse despacho.Vilhena as tornou matéria de contractos particu lares ,

e gabando-se do muito que podia em Lisboa, se enriqueceu, com a venda. Foi-lhe porem o desfecho sin-

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HISTOBIA DO BRAZIL. 7

gularmente desgraçado. Partiu do Brazil numa ca- mL

ravela e alcançou a Madeira, mas abi, tremendopelos thesouros que oomsigo levava era vaso tãopouco capaz de defeza, passou-se para um galeãogrande do Levante, que seguia para Lisboa. A cara j

vela chegou a salvamento, e o galeão foi tomado por «um pirata argelino, acabando Vilhena os seus dks

na mais miserável de todas as escravidões.Em despeito de toda a força dos Hollandezes, an- Pauio

. . . da Cunha e

davão ainda Paulo da Cnnha e Henrique Dias asso- Di£er3em

lando o paiz. Ordenárão-lhe estes enviados que com Se°retírarem. . . de

as suas tropas se retirassem para as capitanias por- Pernambuco.. Barlaeus.

-tuguezas, e dada, agora em boa fé, foi a ordem obe- ^201

-decida. Pozera Nassau um preço de quinhentos florinssobre a cabeça de Paulo da Cunha, medida que nãosurtira outro effeito senão fazer corn que este offere-cessedous mil cruzados pela d'aquelle. Tal foi porema apparente mudança dos negócios com a exaltaçãoda casa de Bragança, que com os commissarios foiPaulo da Cunha agora convidado para a meza doconde. Cahiu a conversação sobre o que se passaraquando erão inimigos, e o governador hollandez coma liberdade do tracto entre convivas queixou-se aoseu hospede do alto preço que lhe pozera á vida.Mas Paulo retroquiu que a elle com mais fundamento

assistftáirazãpde queixa-, a cabeça d u m príncipe nãopodia valer ménoSi de dous mil cruzados^para umpobre soldado,- mas quando um príncipe queria com-

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8 HISTORIA DO BRAZI L.

j64i. p r a r a d'um bravo, quinhentos f lor ins não era oífertaEriceyra. n

, p.,495. que fizesse.

os D ura n te a sua es tada no Rec ife v i rão os co m m is-lollandezes . , r í r« Jorprehen- sanos qu an to bastava p ara os lazer desconíiar dos;m Sergipe. * x

protes to s de Na ssau, e de vol ta avizárão os go ve rn a

dores de que os Hol landezes os andavão enganando .

C omo os gove rn ado re s bem que re r i ão a c re d i t a r in

fundada a suspe i ta , p ro cede rão la m be m como se o

caftULus. ' . fora , mas bem depressa devia e l la ver i f icar-se . Cum-5, § 20.

pr in do a s suas in s t rucções , p re pa rou - se o conde M au

r íc io para a largar em todos os sent idos as suas con

qu is tas , e em conseqüência da r e t i r ada das pa r t ida s

que lhe talavão as próprias prov ínc ia s , aven tu rou - se 'a augmentar a sua força d isponível , recolhendo a

m aio r par te das suas gu arn içõ es , conf iado na in do

lência dos três gov ernad ores e na c redu l idad e com

, r- . que lhe acredi tavão na boa fe .

Fo i na d i recção do nor te o seu p r imei ro a taque

cont ra S . Chr is tovão , cap i ta l do Serg ipe . Os morador e s , que para a l l i t inhão vol tado depois do cerco de

S . Sa lvador , fo rão sorp rehe ndid os por u m a esq ua

dr i lha de qua t ro ve las , que en t rou no por to com

bande i ra de t regoas , ac to de excusada t ra ição , po is

qu e o logar não hou vera pod id o m ante r - se se fora

l e a lmen te inves t ido . Desembarcarão sem oppos ição

os assal tantes , e fortilicando-se p r i n c i p i a r ã o a b u s c a r

minas na e spe rança de encon t r a r p ra t a . N ' i s to porenv

não fo rão mui bem succed idos , nem na verdade lhes

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HISTORIA DO B R A Z I L . 9

sobrou tempo, quej despertados por este acto de ag- 4 6 4 ^

gressão Q S "governadores, mandarão Camarão com ,;*suas tropas indigenas acampará vista da villa, evi- i!*

tando que os Hollandezes se aventurassem fora dasobras. Da primeira e segunda vezes que alguns dosdentro sahissem em busca de provisões, devia elle <ttirar-lhes quanto levassem, e advertil-os de que á "*•,<(. '

terceira com a vida pagarião o arrojo . Estas instruc-ções cumpriu-as elle tanto á risca, que encerradosdentro da villa tão cobardemente ganha, virão-se osconquistadores reduzidos ao sustento que por marlhes vinha. - .

Com a revolução perdera a Bahia grande parte da Despedem-se

sua força. Setecentos homens de tropas hespanholas , as tropas1 * hespanholas

e napolitanas alli estavão de guarnição, mas erão os e S u "Portuguezes por demais honrados para que houves- .» *?sem de fazer prizioneiros aquelles mesmos que portanto tempo tinhão sido seus camaradas. Derão-Jhes -pois um bom galeão, capaz de leval-os todos, e vic-

tualhas para uma viagem até á America Jiespanhola,mas não mais longe, sabendo bem que se esta gentechegasse á Hespanha seria immediatamente empregada contra Portugal. Passado o Cabo deS. Agostinhoperdeu o navio com um furacão o mastro grande,pelo que leve de arribar á Parahyba, onde a tropa

procurou abastecer-se sufíicientemente para demandar a Europa. Aqui porem se virão em peores mãosdo que nas dos Portuguezes. Os Hollandezes os agar-

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10 HISTORIA DO BRAZIL.

1641. rárào, couza fácil de fazer-se a quem não tinha

armas, e forçárão-nos a trabalhar nas fortificações,em quanto se deliberava sobre o destino que se lhesdaria, sendo alguns de opinião que o expediente mais

>' seguro e breve era enforcal-os a todos. A  final resolveu-se mandar os soldados para alguma colônia hes-parihola, onde por falta de officiaes que os manti

vessem unidos, provavelmente se dispersarião. Osofficiaes ficarão retidos em Pernambuco até que apozvaieroso a ^ g u n s mezes de solicitações obtiverâo licença de

Lpadi5.°' voltar á pátria por via da Hollanda.Expedição Descartando-se assim d'esles inimigos, internos,

Hollandezes soffrérão os Portuguezes pezado desfalque n'uma, i con tr a . . . . .

Í Angola, torça que jamais estivera a par do perigo a que deviafazer face. N'este estado de fraqueza acordou o governo dos seus sonhos de segurança, despertado pornoticias de invasões por todos os lados, e conheceuentão, quando era ja tarde, os importantes serviçosque Paulo da Cunha e Henrique Dias havião prestado,

occupándo aattenção do invasor. Com dous mil homens de tropas regulares e duzenlos índios linhãosido despachados Jol e Hinderson contra S. Paulo deLoanda, capital 'd'Angola, e a mais importante daspossessões portuguezas na África. Pelos seus espiasindígenas soubera o governador Pedro César dê Me

nezes que o rei do Congo mandara a Pernambucoagentes que convidassem os Hollandezes a esta tentativa. Mas fosse qual fosse o credito que quizesse dar a

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H IS T O R I A DO B R A Z IL . II

esta noticia, nenhum meio tinha elle toem de preca- ^lx

ver-se contra o perigo , nem de resistir-lhe : algumasde suas tropas andavão pelo sertão guerreando comos regulos negros, e as outras havião ultimamentedesertado n'um galeão, desgostosas da sua estadan'um paiz peslilente, onde a morte diariamente lhes „ ilevava os companheiros. Ao saber da approximação

dos invasores apenas pôde Menezes reunir duzentoshomens de tropas regulares e cento e cincoenta moradores armados. O bispo, velho de exemplares virtudes e grande resolução, armou o clero e todaa suacasa, pegando elle próprio n'um arcabuz apezar deseus muitos annos. Ao apparecer a armada á vista,

entendeu o governador que ella velejaria direita sobrea cidade, e ordenou aos oíficiaes da coroa que met-

téssem a pique dous navios para fechar o canal.Objectárão elles que as finanças publicas não podiãopagar o prejuizo aos donos d'eslas embarcações, ouvido o que exclamou um dos moradores, por nome

Antônio Ribeiro Pinto, que se a proposta medidacumpria á defeza da cidade, havia de executar-se, eque se o thesouro não podesse indemnizar os donos,o faria elle. Abriu este honrado Portuguez todos osseus armazéns e quanto tinha offereceu para o serviço publico.

Não tentarão porem os Hollanoleíes o canal, e blo-queando-o para evitar que qualquer parte da suapreza lhes escapasse por mar, arreárãoo^escaleres,

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12 HISTORIA. DO BRAZIL.

t6ü. e desembarcarão protegidos por dous navios, habil

mente postados entre os dous fortes de Cassoudamae Penedo, cujas peças não erão do alcance precizopara dominar a passagem. Não pôde Pedro Césaralcançar esta parte da praia a tempo de impedir odesembarque, e com a pouca força qué linha, desesperado fora investir depois d'elle effecluado o inim igo .

Retirou-se pois para o forte de Sancta Cruz, declarando que visto querer a sua má estrella que pe rdesse elle a cidade por falta de tropas com que defen-del-a, morreria pelo menos no seu posto, em provade que se lhe havião fallecido soldados, lhe sobravao valor. Mas então intervierão o bispo e o povo, pe

dindo-lhe que mantivesse o paiz para serviço de Deuse d'el-rei, e lanto poderão suas instâncias que abandonou elle a intenção de a um falso pundonor sacrificar a vida. Correrão pois todos á cidade, e carre-gando-sea si mesmoseaosseusescravosde munições,como do que a homens em taes circumstancias eramais necessário, enterrarão a prata das egrejas, epozerão em segurança as preciosidades que a estrei-teza do tempo permittiu; e tão azafamados andavãon'estes arranjos, que quando a final se resolverão adeixar a cidade, ja não restava mais de que uma ave-

iG4i,a nida ainda não occupada do inimigo. Com islo sepassarão duas horas depois da meia noule, e estava

a colônia ainda mui pouco adeantada para que houvesse de ter boas estradas, nem mesmo nas imme-

24 d'

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HISTÓRIA DO BRAZIL. 13

díações da principal cidade. Transviárão-se pois os 1641-

fugitivos, e procurando metter-se outra vez a caminho terião cahido nas mãos do invasor, a não ter sidouma preta que estava fazendo carvão no bosque, eque os encarreirou para o rio Bengo, onde tinhão osJesuitas uma propriedade rural e havia muitas plan- ,#

tações de milho.

Assumiu agora a guerra angolista o mesmo caracterque a brazileira : um inimigo com forças superiorespossuía a capital, e os Portuguezes praclicâvão peloscampos suas fugitivas hostilidades. Mas a inferioridade d'estes foi maior aqui, e successivamente rechaçados d'um posto para outro, acolherão-se finalm ente

ao seu forte de Massangano, abandonando trintalegoas de território, em quanto os naturaes trocavãoalegres o antigo jugo por outro, a que ainda nãohavião lomado o pezõ. Angola, M S .

C a h i u a t o m a d a d e L o a n d a e m d i a d e S . B a r t h o - Effeitos da

l o m e u , s a n c t o f a m o s o n a m v t h o l o g i a c a t h o l i c a 1 p o r L oanda so in e' J ° r o Brazil. '

suas proezas contra o demônio, e como elle os nãotivesse ajudado acreditarão os Portuguezes d'Angola

que seus peccados lhes havião acarretado o castigo,e que o diabo fora solto contra elles. Egualmenteadmirados e desacoroçoados ficarão os Brazileiroscom este inesperado golpe : Iodos o s seus negros lhes

vinhão d'Àngola, e agora não so perdião o lucro di-1 A palavra — m/thologia — applicada ás crenças catholicas sãomais uma prova da intolerância religiosa deSouthey. F. P.

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14 HISTORIA DO BRAZIL.

1611.' recto,d'este execrável trafico, mas previão ja a íuina

de seus engenhos de assucar exclusivamente trabalhados por escravos. De facto tão dependentes estavãodos braços d'esta raça infeliz e oppriinida, que a suaperda total se lhes mostrava inevitável, agora que o

sim. de vasc. supprimento estava nas mãos dos Hollandezes. NassaudAhneida. era de opinião que o governo de Angola fosse ap-

pensado ao do Brazil, sendo justo, allegava elle, quegovernasse o território que ganhara, aquelle queconcebera e dirigira esta importante conquista, alemde que assim convinha pela importância do traficod'escravos para estas possessões americanas e pelafacilidade com que do Brazil se acudia a Angola. ACompanhia pensou d'outro modo e com melhor fun

damento : Portugal, dizia ella, sempre fizera d'Angolaum governo distincto. O Brazil carecia ainda de soc-corros da Hollanda, como poderia pois prover a estesnovos domínios? Bem baslavão os negócios própriospara lhe occuparem os governantes. 0 methodo maissimples era que os navios partissem directamente da

Hollanda para Loanda, levando provisões e artigos decommercio para aquelle paiz, e descarregando lá, etomando escravos para o Brazil, voltassem a final á

Barteus. 207. E u r o p a .

coníra iha Entretanto seguia Jol cõm.treze velas contra a ilhaSns!*Tho5nt de S T Thomé. No anno de 1600 tinhão os Hollandezes

accommettido este logar, tomado a villa e as fortalezas, e tentado estabelecer-se all i ; mas tal morfan-

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HISTORIA DO BRAZIL.^ 15

dade fez entre elles o clima; que em; duas semanas 164í;

vindimou o almirante, ovice-almirante,todos os ca^ Bariseus.mpitães menos um, e mais de mil soldados, fugindo-4 EnEâ

van África»

da sua empestada conquista os poucos que ainda ^ h a i s

viviãõ, com receio de também perecerem. A outro ;T '3,P'20 'qualquer povo que nãoao hollandez, entre o qual a r

sede do ganho produz a mesma indifferença para

com ajpeste, que a predestinação occasiona entre os*".Turcos l, bastaria similhante experiência de mortíferos ares. Tinhão os Hespanhoes quasi seguradorS. Thómé quando recuperou Portugal a sua indepen- •dencia. Por um navio inglez receberão os insulanosa primeira noticia d'este successo, mas vinha sob a

fôrma d'um boato tão confuso, que elles duvidando *da verdade, anciosos aguardavão informações maisamplas. Chegou d'alli a pouco um navio hespânholcom duzentos soldados, commandados por um ofílcialque u*evia assumir o governo, apenas lograsse introduzir no forte a sua gente; aconteceu porem chegar

ao mesmo tempo uma embarcação franceza á adja^cente ilha das Cabras, e ordenando o Hespânhol aoshabitantes que a traclassem como inimiga, foi ellemesmo investido e capturado por ella, sendo a genteposta em te rra. Servia então de governadoro alcaide--',

1 A respeito de sede, d'oiro e avidez de ganho não parecem os Itt-

glezes os mais azados para atirarem a primeira pedra sobre os Hollandezes : haja vista a sua conducta na índia Oriental, d'onde originou-se a ultima é sahguinolenta revolta dos Gypaios. F. P.

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16 HISTORIA DO BRAZIL.

i64i. m o r Miguel Pereira de Mello, por morte do seu pre-

decessor. Suspeitou elle o designio dos Hespanhoese confessando um piloto portuguez, que elles impru-dentJhiente tinhão trazido comsigo, soube que erãobem fundadas as noticias dadas pelolnglez. A' vistad'isto prendeu o official que devia subslituil-o, e paraobrigal-o a declarar o que succedera, deu-lhe tractos.

O resoluto Hespânhol soffreu em silencio os tormen-tos, e com este acto abominável nenhuma certezamais obteve Pereira; mas tendo ja provas sufficien-tes, proclamou a casa de Bragança, e abasteceu de.viveres o Francez como novo alliado. Dous dias depoistrouxe um navio inglez despachos da corte de Lisboa,e ainda bem não erão.findos os regosijos que houvepor esta occasião, quando d'Ângola chegou um barcocom noticias dequeLoanda era perdida, e os Hollan-

Ericeyrai, p. 299. <} ezes yicioriosos se dispunhão a accomm etter a ilha.capimia o Abastecido o forte, mandou Pereira levar para o

' sertão todos os bens moveis. Os Hollandezes, desembarcando sem opposição quatorze companhias, en-trincheirárão-se n'um a capèlla de S. Anna a duasmilhas da cidade. Aventurando-se a trazer os navioscontra o forte, tentarão escalal-o protegidos pela suaartilharia do mar; mas medião as muralhas quasitrin ta pés de altu ra, e elles, não tendo escadas, sof-frérão perda considerável, alem de lhes ir pelo ar um

navio em que pereceu quasi toda a tripolação. Nàosouberão porem os Portuguezes melhorar a victoria,

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HISTORIA DO BRAZIL. 17

e descobrindo os Hollandezes que jazião abandonados 164I-

a villa e os fortes mais pequenos, assestárão contra ocastello toda a artilharia que assim lhes cahiu nasmãos, e por1 quinze dias se pozerão a batel-o. Emtodo este tempo so três hom ens forão mortos da guarnição, mas Pereira tomou medo ás bombas, e entregou uma praça tão forte e bem provida, que facil

mente se teria sustentado alé que o clima, alliadoseguro, lhe fosse destruindo os assaltantes. A únicacondição que o governador poz, foi que a elle e ástropas d'el-rei se daria passagem para Portugal, ondecomtudo mal chegou foi logo mettido no castello deLisboa em que jazeu todo o resto da vida.

Tractárão agora os mais ricos dos insulanos de Mortandaderesgatar seus bens, pagando 5,500 cruzados para Hollandezes.salvarem da destruição seus engenhos de assucar , eviverem não molestados debaixo das suas própriasleis como subditos dos Hollandezes. Alguns de espirites mais altivos resistião no inlerior da ilha, mas

submetterão-se bastantes para evitar aos conquistadores a ruina total que os teria alcançado se toda apopulação estivesse em armas. Por quanto a doençarebentou, como de costume entre os extrangeiros,fazendo estragos taes, que um décimo da gente apenas estava em estado de acudir ao serviço ordinário.Pereceu o próprio Jol, marinheiro da antiga escholahollandeza, rude como o elemento sobre que vivia,desprezando todas as artes, adornos e quasi que até

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ValerosoLucideno

P.118.

18 H I S T O R I A D O B R A Z I L .4641 • as decencias da vida, e vivendo como os seus maru-

jos, porem amado d 'elles, que tinhão inteira confiançaem qué quanto o seu almirante emprehendesse, sei iabem concebido e resolutamente executado. Antes domorrer, na sua aversão a uma ilha que a tantosbravos causara a morte, pediu que o não sepultassemem terra tão maldicta, mas que o atirassem ao m ar a

dez ou doze legoas de distancia. Os Hollandezes comtudo depositárão-lhe os restos na cathedral, edifícionotável por dizer-se que fica exactamente debaixo dalinha.

Nassau, que tinha a posse d'esta ilha por importante para a Companhia, e bem sabia quão terrível

dispendio de vidas exigia o guardal-a, aconselhouque se seguisse o systema dos Portuguezes guarne-cendo-a unicamente com sentenciados, de modo quenão morresse alli senão quem houvesse merecido amorte, sendo todos quantos escapassem lucro liquidopara a Companhia, e para dar o exemplo mandouelle mesmo para lá quantos criminosos tinha em Pernambuco.Também pediu áCompanhia que remettessemedicamentos, pois que affectava ella acreditar queonde dava Deus a enfermidade punha também o remédio mais próprio pára combatel-a, e procedendode accordo com esta commoda theoria, deixava morrer os seus soldados sem nenhum d'esses auxílios

com que poderá sóccorrel-os a arte.Mandara a Companhia a Nassau instrucções espe-

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HISTORIA DO BRAZIL. 19

c iaes para apodera r -se da i lha e prov ínc ia do Mara-

16í l

-n l i ã o , pois que ass im far ia seus os l imites septentr io- nomeadoi i - . " i , i i . i • , i governador.

naes da America p o r t u g u e z a , e d alli poder ia e l l a d 0 Maranhão.

conven ien temente asso la r o con t inen te e i lhas hespa

n h o l a s . Era então Maciel governador d'este E s t a d o .

D u r a n t e a u s u r p a ç ã o de Raimundo t inha e l le es tado

na Hespanha a sol ic i tar a galardão dos seus serviços ,q u e por taes qu er i a fazer p assar suas a trocid ade s

onde não havia quem contra e l le sustentasse a causa

dos índios . Os prêmios que co lheu fo rão porem tan to

alem d'esses serviços, por m u i t o que os haja exage

r a d o , queé mis te r suppo r que a seu favor se e m p r e

gasse tanto a co r rupção cpmo a fa ls idade. Deu-se-lhea o rdem de Christo; f izerão-no fidalgo, governador

do Estado de M a r a n h ã o , e donatário d 'uma nova ca- i4de jun.,., -1637.

p i t a n i a , c h a m a d a do Cabo do Nor te , e qued'este p r o -

montorio se extendia até ao Oiapoc, ou Pinzorí , rio capitaniar 7 do Cabo do

q u e se cons iderava limitrophe e n t r e os domín ios de Norte-

P o r t u g a l e de Caste l la . Abrangia a demarcação as

i l ha s que ficavão a dez legoas da costa, e cortava pela

te r ra den t ro de oitenta a cem legoas até ao rio dos

Tâpuyaussus . Creou-se para e l le es ta cap i tan ia , in-

se r indo-se na car ta de doação a cláusula honorífica

que todos os seus successores conservarião o n o m e e

a r m a s de Macie l Pa ren te , o q u e se a lgum de ixasse de

fazer, passaria o dire i to de h e r a n ç a ao m a i s próximo Bcrrei!o, , . § 672-4.

h e r d e i r o .

T inha e st e hom em pug nad o em Madrid tanto a

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20 HISTORIA DO BRAZIL.

1641. favor do systema de escravidão, como dos seus pro-Stído prios interesses que em verdade n'ella se fundavão.'are íf °a Sem embargo dos muitos decretos promulgados deabsolvido. °

tempos a tempos a favor dos indígenas, obteve elleauctorização para estabelecer o que se chamava aadministração dos índios livres; arranjo por meio do

qual se declaravão nominalmente livres estes desgra-.çados, em quanto na realidade erão reduzidos á escravidão. Appensavão-se á terra, e com ella ficavãopertencendo ao proprietário, mas não podião ser vendidos separadamente como o outro gado. Este decretotrouxe-o Maciel comsigo para grande alegria dos senhores d'engenho ecaçadores d'escravos, que o olharão como assignalado triumpho sobre os Jesuitas.Também trouxe instrucções para inquerir do procedimento de Raimundo, assumindo violentamente ogoverno. O resultado do inquérito foi ser este officialpronunciado como intruso, e remettido prezo paraPortugal, declarando-se nullos todos os seus actos.

1638. Lá foi reformada a sentença; Raimundo allegou quenas cartas de successão estava elle designado, e ape-zar de não terem ellas sido abertas ao assumir elleo governo, nem poderem por conseguinte justificaro acto da usurpação, admiltiu-se a excusa, Para istoconcorrerão provavelmente mais o patronato e a cor

rupção, do que o bom proceder e meritorias medidasdo reo.O perdão seria merecido, a absolvição não

Berredo. P •676-7. O 1 0 1 .

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H I S T O R I A DO B B A Z I L . 2 1

A nova capitania confipu-a Maciel a seu sobrinho 1641-João Velho do Valle, nomeando ao mesmo tempo de Saciei.6'capitão-mór de Corupá'.Quando se pretende alargaros domínios sem augmentar a força que deve pro-tegel-os, e se entregão a uma so pessoa dous cargos,cada um dos quaes fora bastante para occupar aactividade do homem mais hábil, facilmente se deixão

prever as conseqüências em tempos de guerra e deperigo. Parecião comtudo prosperar as couzas do ladodo Maranhão, em quanto o reslo do Brazil luctavacontra os seus invasores. Teixeira voltara da suaavenlurosa viagem, e sendo o capitão do Pará suspenso por Maciel em conseqüência das muitas queixas

que contra elle vinhão de Belém, foi-lhe o posto confiado durante a suspensão a geral aprazimento dosmoradores. Mas pouco conhecia o caracter de Maciel,quem das suas mãos esperasse justiça. Mal se lheapresentou Manoel Madeira, o capitão accusado, logoelle de todas as arguições o absolveu tão precipitada

mente que bem se deixava ver que ou tinha havidosuspensão sem causa ou reintegração sem exame.Embarcou-se Madeira para Belém numa caravelaque levava a bordo sessenta soldados e doze familiasde colonos para a nova capitania. Ou elle se resentiado primeiro tractamento recebido e queria vingar-se

de Maciel, ou, o que é mais provável, receava a recepção que lhe fariào em Belém, o caso é que , subor-1 Alias Gurupá. F . P .

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22 H 1 S T 0B I A DO B R A Z IL .mí- nado o piloto, fugiu com o.navio para as índias hes

panholas. Maciel despachou immediatamente pelamesma via um navio para a Europa, expondo a diminuição que assim tivera inesperadam ente a sua forçae quão pouco estava habilitado para resistir a qualquer aggressão da parte dos Hollandezes. Imminentecomtudo como devia parecer este perigo, continuou

o governador a proceder como se se achasse na maisperfeita segurança, levando-o o mesmo cego egoísmoque tantas vezes o fizera desprezar os sentimentos dareligião e da humanidade, agora a infringir a maiscomezinha prudência mundana. Tão enfraquecidacomo ficara S. Luiz com a ultima sahida de soldados,

ainda elle tirou da guarnição segundo destacamento,que mandou para Belém com ordem a Teixeira quefizesse seguir aquella gente para a nova capitania,addicionando-lhe toda a tropa que no Pará houvesse,alem do numero existente no tempo de FranciscoCoelho. De má vontade obedeceu Teixeira a ordens

contra que se não atreveu a representar, conhecendoa violência do gênio de Maciel, e resolveu ir agora a

d e S r a . P° r tugal solicitar a recompensa de serviços que paredão em risco de ficar sem ella. Mas em quanto sepreparava para a viagem, morreu, geralmente chorado pelo povo do Pará, e deixando um nome memo-

b5

- ravel na historia da America do Sul.jomada dos Chegáçâo agora a S. Luiz noticias da acclamacão eao mesmo tempo ordens ao governador, que nenhum

Berredo.

Hollandezescontra o

Maranhão.

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H IS T O R I A DO B R A Z I L . 2 3

povo olhasse como inimigo, excepto Mouros e Hespa-

mi

-nhoes, nomes que so assim podião ser emparelhados para mostrar que os. Portuguezes tinhão ambosem egual horror. Maciel sabia que depois deescriptasestas instrucções tinhão os Hollandezes tomado Sergipe, o que bem poderá inquietal-o pela sorte doMaranhão. Um Inglez vindo de S. Miguel trouxe-lheinformações positivas de que ia ser atacado, mas ellesose riu da noticia. Poucos dias depois asseverárão-lhe'alguns índios que uma armada singrava paraPeriá, e logo apoz chegarão novas de ter ella dadofundo na bahia de Aressagy a quatro legoas apenasda cidade. Então na verdade mandou elle a ver que

gente era, e ao dizer-se-lhe que erão quatorze navios,todos hollandezes, foi tal a sua estúpida confiança,que ao vel-os apparecer á entrada da bahia, em logarde aperceber-se para a defeza, mandou salvar, comose fossem amigos. Não lhe corresponderão os Hollandezes e elle então fez-lhes fogo, mas o seu subse

quente proceder assaz provou ter sido isto mais umacto de repentina cólera do que de valor determinado.Responderão os navios ao fogo, e subindo o rio. oucanal do Bacanga, que da terra firme a leste separa ailha, forão lançar ferro deante da capella de NossaSenhora do Desterro.

Koin e Lichthart commandavão esta expedição edesembarcarão sem resistência metade da sua gente:Induzidos a fatal confiança pela imprudência do go-

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24 HISTORIA DO BRAZIL.

16«- vernador, achavão-se os moradores absolutamente

S ão 6 * desprevenidos,' e não vendo esperança de salvar aHollandezes ^ u r o u c a d & u m s;llvar-se 3 SÍ e á SU8

desembar- r * » 1 , .

oSTem família, fugindo para as selvas. Cerca de cenlo e cm-" S F coenta homens mettérão-se no forte com Maciel, que

mandou agora dizer ao commandaníe hollandez queel-rei de Portugal estava em paz com a Hollanda,pelo que era contraria a todas as leis a invasão d'umacolônia portugueza. Koin respondeu que fora obrigado a entrar acossado pelo temporal, e que se desembarcara as suas tropas d'esta maneira hostil, erapor lhe terem feito fogo; comtudo se quizesse o governador sahir a Iractar com elle em pessoa, talvez

alguma couza se arranjasse em bem para ambas asnações. Maciel obtivera a reputação de bravo, quandoso merecia a de cruel. Sahiu da sua fortaleza e Koindisse-lhe como não podia deixar o Maranhão antes dereceber ordens dos Estados, cuja conducta seria pautada pela da corte de Lisboa, e propoz a Maciel que

continuasse no governo até que chegassem instruc-çõès, assignando parle da cidade para quartel adsHollandezes, aos quaes se forneceria tudo o necessário pelo preço do mercado. Contentou-se Maciel perfeitamente com uma proposta que lhe dava tempopara assegurar os seus interesses particulares, c

expedindo ordens n'essa conformidade, tornou a re-cerredo c o ^ e r " se ao forte, para exercer o seu cargo a apra-g 766-9. emento dos invasores.

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HISTORIA DO BRAZIL. 25

'.Marchando para a cidade, bem provarão os Hol- 1641-, , . . . . . . . , ApoderSo-selandezes com a insolencia da sua linguagem, se ainda os

° ° . ' Hollandezes

de mais prova se carecia, que olhavão a ilha como da ««^eiia.conquista sua, e fizerão pedaços as imagens da Vir

gem e de sancto Antônio na capella, juncto á qualdesembarcarão. Nenhum insulto podia ferir mais no

vivo os Portuguezes, que nem todos se tinhão deixadotolher de terror como o seu commandanle. PauloSoares de Avellar tentou fazer resistência portando-sea uma das portas, mas era inadequada a sua força.Francisco Coelho de Carvalho conjurou Maciel quese preparasse para defender o castello, pois que andava o inimigo saqueando a cidade, tendo parlamentado unicamente para obter entrada. Nada porempodia aguilhoar este homem. Um artilheiro, pornomeMathias João, formou contra a praça d'armasuma bateria mascarada de mais de trinta peças, quefaria jogar contra o inimigo mal elle se apoderassed'aquella; mas ao dar parte do que fizera, hesitou evacillou Maciel até que se fez tarde de mais parasalvar a praça. Não tardou porem que também fossetarde de mais para elle se salvar a si. Koin avançoupara a fortaleza; forão-lhe abertas as portas, cujaschaves Maciel lhe entregou, pelo que recebeu bemdepressa condigno galardão. Arreou-se a bandeira

portugueza, hasteou-se a das Provincias-Unidas, e ogovernador foi tractado como prizioneiro. Então en-tregárão-se os Hollandezes ao saque. Vierão dizer ao

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HISTORIA DO BRAZIL. â7

confiado. Cahiu por conseguinte o estabelecimento 1641-de Tapuylapera.

Privados de toda a esperança estavão agora os Portuguezes, e os que havião fugido da cidade voltarãoe prestarão o juramento de obediência ás Províncias*Unidas. Os Hollandezes embarcarão cento e cincoentapessoas que lhes erão suspeitas, dando-lhes um navio

que fazia água por todas as costuras, e liberdade deirem para onde quizessem. Velejou esta gente para aMadeira, mas deu-se por feliz com alcançar a ilha deS. Christovãol então conjunctamente colonizada porlnglezes e Francezes, que a receberão hospitaleiramente. Koin e Lichlhart repararão um forte que do

minava a foz do Itapicurú, pozerão uma guarda desoldados em cada engenho para vigiar os proprietários, e deixando quatro navios e uma guarnição deseiscentas praças para defeza da conquista, no ultimodia do anno se fizerão de vela para o Recife, levandoMaciel comsigo. Nassau, que para com os valentes

sempre se mostrara generoso, tractou este homemcom o desprezo que o seu proceder merecia, man-dando-o prezo para a fortaleza do Rio Grande, ondeem poucos dias morreu com setenta e cinco annos deedade, tendo accumulado sobre a sua cabeça tão pe-zados crimes, como qualquer que jamais, para per

dição própria, perseguiu seus irmãos como animaesferozes, escravizando-os como bestas de carga.1 Uma do grupo das Pequenas Antilhas. F . P.

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28 HISTORIA DO BRÀZ1L.

1641. De nada servia á corte de Lisboa protestar contra

TeiíefgoV os actos de Nassau, queixando-se de que em quantodonBrazrii. 0s Hollandezes na Europa lhe fornecião materiaes de

guerra, e com ella se ligavão contra a Hespanha,na África e na America invadião as possessões por-tuguezas. Respondia o governo da Hollanda que tudoisto se fizera antes que o seu delegado no Brazil sou

besse que eslavão ratificadas as tregoas. Quanto porem aoja ganho estava resolvido a goardal-o, e osPortuguezes justamente indignados de similhantetractamento, estavão egualmente resolvidos a reco*brar não obstante o tractado, conquistas, que emdespeito d'clle lhes havião sido roubadas. D'esla mal

agourada fôrma principiarão as tregoas, tendo umaparte commetlido flagrante injustiça, e meditandovingança a oul ra . Antônio Telles da Silva foi nomeadogovernador do Brazil com ordem de proceder contraos três governadores, pelo seu comportamento paracom o m arqu ez de Monte Alvão. Barbalho e Brito forão por conseguinte remettidos prezos para o reino :o primeiro foi perdoado, imputando-se-lhe a faltade juízo os err os , o segundo jazeu muitos annos naenxovia comm um de Lisboa, e o bispo escapou compena mais leve, tendo apenas de repor os emolumentos percebidos dur an te a sua a dm inistraç ão. Seguindoa traiçoeira política de que os próprios Hollandezes

lhe havião posto o exem plo, co ntinuo u o novo governador com elles nas mesmas amigáveis relações, es-

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HIST ORI A DO BRAZIL. 29•' ' v

labelecidas desde a revo lução , e p ro tes tando sem pre

lm

:-achar -se em paz , espre i tava d i l igen te toda a oppor -

tunidade de fo m en ta r- lh e s in s u r r e i ç õ e s . Enceyra.370.Descançando n 'es les protes tos , esperava Nassau inundações

, * . 1 . , e peste em

gozar do íruclo da s su as co nqu is ta s e r e p a r a r os e s- Pernambuco.

t ragos da gu er ra . Mas ou t ra s ca la m idad es v ie rão •

v is i ta r Pernambuco e as p rov ínc ias do S u l : ex t raor d in a r i a m en t e chuvosa a e s tação , transbordarão os

r i o s , e homens e gad o forão levados pelas c he ias,

espe c ia lm ente nas ce rcan ias de Capi va r ib i . Des t ru idas

pe la inundação as cannas n o v a s , forão as que por ja

c resc idas escaparão a esta sorte, roidas por uma

espécie de verme aquá t ico , que pene t rando por e l las

lhes comia o âm ag o . A es ta ca lam idade segu iu-se a

peste , ra iva nd o as bexigas de fôrm a ta l , qu e so n a

cap i t an ia da Pa rahyba morrerão d ' e l l a s 1100 ne

g r o s . Acar re tando um ma l s empre ou t ro , não pode

rão os Por tuguezes n estas prov íncias con qu is tada s

pagar os impos tos , pe lo que requererão aos Estados

remissão d ' e l les , a l legando que- em laes occasiões

cos tum ara o seu próprio governo exigir apenas dos

a r r e m a tan te s dos d íz imos um décimo d 'es tes .

Teve Nassau ou tra s difficuldades com que luc ta r : conselho

l endo ganho o que pôde duran te as negoc iações , ácompanhia.

t rac tou a Co m pan hia agora de d im in u i r a despeza,

conf iando nas t regoas , e o rdenou- lhe que desped issem ui to s do s seu s officiaes e red uz isse o soldo aos so l

d a d o s . Contra este acto de impolitica parcimônia

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50 HISTORIA DO BRAZIL.1641. representou Nassau energicamente. Muitos officiaes,

asseverou elle aos directores, indignados so com oboato de similhante medida, tinhão ja deixado o serviço, embarcando-se para Portugal a militar debaixodo novo rei. Mas não erão tempos estes para reduziro trem de guer ra ; aguardavão impacientes os Portu-.guezes um ensejo de recuperar as perdas e vingarem-

se a si; provocara-os a tomada de Loanda, S. Thomée Maranhão, e nas publicas representações se lhestrahia a irritação . Era necessário precaver-se contraelles e ao mesmo tempo conciliar por todos os modosos que se havião submeüido ao governo hollandez,importando especialmente conceder-lhes essa plena

liberdade religiosa que se lhes prom cttera, por quantonada os exasperara tanto como a expulsão dos Jesuitase outros religiosos, sendo apenas a vergonha e ovasculho da egreja os que ficarão. Tinha elle recebidoordem de restringir a tolerância dentro dos maisestreitos limites, e o clero reformado a perseguil-o

por que executasse tão imprudente ordenação: maslembrava elle á Companhia que não era a liberdadede religião dentro de suas próprias casas, que os Por

tuguezes se havião estipulado, mas o gozo. pleno epublico de seus ritos e ceremonias tão livrementecomo debaixo do seu antigo governo. Erão elles um

povo, proseguia o conde, obstinado na sua superstição e que jamais faria logar perm anente da sua residência um paiz em que não podesse ouvir a voz do

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1 6 4 1 .

H I S T O R I A D O B R A Z I L . 31

sacerdote. Estabelecendo escholas nas suas-conquistas,educando cuidadosamente a mocidade, e procurandomelhorar os selvagens, se promoveria a fé mais pu ra.Todos os outros meios erão tão perigosos como inef-ficazes. Parece extraordinário que os judeos, que detodo o gênero humano erão quem mais razão tinhapara odiar o governo portuguez, fossem suspeitos a

Nassau, que os dizia sempre promptos para a maldade. De novo instava com a Companhia que animasse a colonização nos seus domínios brazileiros,que não era com guarnições nem com o terror queelles se havião de defender sem pre, mas com o affectodo povo. Muito se promoveria isto, concedendo aos

novos colonos por.occasião do seu casamento seteannos de exempção de dízimos, e no fim d'este termomais um anno de immunidade por cada filho quetivessem. Mas pareceria acto de ingrata injustiça fazeristo sem conceder também uma graça adequada aossenhores e feitores de engenhos de assucar, cuja fide

lidade estava provada e que tinhão supportado o maisduro da guerra, casando-se muitos com Hojlandezas,e fazendo com o seu trabalho florescer o commercio.Devia pois a Companhia tomar tudo em consideração. '

Em quanto assim dava a Companhia conselhos EsPediçãomais sábios do que ella tinha juízo para seguir, me- Hollandezes

1 ii- c o n t r a °

ditava Nassau grandes e vastos planos de conquista. Chili-.TudjQt. tinha prompto ja para uma expedição contra

Barlseus.23Í-9 .

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32 HISTORIA DO BRAZIL.«41. Buenos Ayres, quando insurreições no Maranhão e

em S. Thomé vierão distrahir-lhe a attenção. Emtoda a extenção das colônias hespanholas não havialogar tão fácil de tomar-se e manter-se como BuenosAyres, mas a força destinada para esta jornada eraagora preciza para defeza de conquistas tão indigna-mente feitas, e assim escapou aquella crescente eimportante cidade. Também se receavão eguaes tentativas em Angola e Sergipe f e afim de estar preparado para estas esperadas emergências, teve Nassaude renunciar a uma expedição contra os negros rdosPalmares que continuamente-lhe talavão Pernambuco. Uma esquadra destinada contra o Chili tinha-se feito de vela antes de chegar esta noticia. 0 mal-logroda expedição hollandeza contra o Peru em 1-624,proviera unicamente de mao comportamento, e esperava-se que um golpe dado em parte mais vulnerável,apagaria a vergonha, e compensaria o soffrido prejuízo. Henrique Brouwer, que tendo sido governadorgeneral da Batavia, era agora um dos directores^da

Companhia das índias Occidentaes, offereceu paraesta empreza os seus serviços. Era homem de assi-gnalado valor, recto proceder e grande integridade, mas odioso aos seus subordinados, por queera restricta a ponto de ser severa a sua disciplina, oque provinha talvez mais do gênio do que de falta

de discernimento, pois, como a maior parte dos seusconterrâneos n'aquelle século, não conhecia Brau%cr

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 3 3

a piedade nem a clemência. As suas instrucções re-zavão que de caminho procurasse descobrir a TerraAustral, e offerecesse auxilio aos indígenas do Chili,especialmente aos Arqucanos, aos quaes devia contarcomo os Hollandezes, outr'ora egualmente opprimi-dos pelo inimigo commum, os Hespanhoes, tinhãon'uma guerra não menos longa nem obstinada reco

brado e assegurado a sua liberdade. Havia de arteira-mente tirar d'aquelles índios o segredo de suas minas,sendo este o verdadeiro motivo que induziu Nassau a.conceber a expedição e a Companhia a emprehendel-a.Havia de explorar a ilha de S. Maria, com vistas deapoderar-se d'ella na esperança de tornal-a-outra

Dunkirk, devendo também, se'para isso se achassecom forças, auxiliado pelos naturaes tomar e manterValdivia. Havia de trazer de retorno para cobrir asdespezas da expedição, salitre, as differentes tinctasque estavão alli -em uso, uma das quaes se diziaexceder a cochonilha, e vigonhas, para introduzir

no Brazil.Na historia m arítima é digna de memória esta via

gem, por ter Brouwer, que tencienava passar peloestreito deLe Maire, descoberto, impellido pela tor-menla,queStaten Lande uma ilha. Tendo sido elleo primeiro que entrara no Pacifico por esta estrada

aberta, quizerão os seus patrícios pôr-lhe o nome demar de Brouwer, honra que não poderão obter-lhe,ea que elle em verdade pouco direito tinha. Chegou

i n . 3

16 4 1.

W:

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5 4 H I S T O R I A DO B R A Z I L .

i6ii. a Chiloe, salleou alguns fortes hespanhoes, e com a

erueldade que caracterizava o seu povo n'aquelles;tempos, foi passando tudo á espada. Mas ja em Limase lhe sabia da vinda e do desígnio1; estavão os Hespanhoes apercebidos para a defeza, e os naturaesapezar da arte com que procuravão os recemchegaí-dos colorir o seu verdadeiro fim, não escondião a

desconfiança e horror que lhes inspirava o ouvil-osperguntar por minas. Brouwer morreu em Castro,succedendo-lhe no commando Elias Herckmann, dosHollandezes um dos melhores, excellente marinheiroe sedento de conhecimentos de toda.a natureza, tendoviajado muito á descoberta pelo sertão do Brazil/ e

empregado as suas horas vagas em composições poéticas e históricas. Chegou este a Baldivia, onde principiou a erguer um forte, mas os naturaes em despeitodé suas promessas não supprião de viveres as tropas,mas de facto também poucos ou nenhuns podião ellesforrar das suas próprias necessidades. Principiarão

pois os soldados a murm urar , depois a amotinar-se ea desertar, e ja os Hespanhoes reunião forças com que'esmazar os invasores. Tudo isto obrigou Herckmann

-aabándonar o paiz e voltar a Pernambuco. Nem todoso& membros do governo lhe approvárao o compor-

1

Barlseus dá a entender que este avizo fora vendido aos Hespanhoes por algum dos mesmos Hollandezes : Fcedo profeclo no$tra-tium more, quibus deferre ad exteros doméstica nimiurripróclive.P. 275. ' ' • > : , ' ;':

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Barlseus.238-283.

Hollandezes• no

Maranhão.

H IS T O R I A DO B R A Z IL . 35

tamenlo, mas«antes que se podesse proceder a inque- lm-rito, morreu elle mais lamentado do que o seu pre-decessor, e legando melhor nome á posteridade,

Mal concebida, jornada havia sido esta : embria- Tyranmagados pela fortuna parecem os Hollandezes, tão bonscalculistas como erão, não ter jamais consideradoquão desproporcionados sirhilhantes planos de con

quista érão com a sua população e com os seus meiosde manter o que por ventura adquirissem. ComoS. Salvador e Olinda fora a cidade de S. Luiz facilmente tomada : mas no Maranhão, como na Bahia ePernambuco, principiou bem depressa o povo, tra-hido pela incapacidade dos seus governantes, a tra

balhar pela sua própria libertação. Aqui, ainda maisdo que em outra parte, provocarão os Hollandezes ainsurreição com suas crueldades. Muitos Portuguezesse tinhão ligado por casamento com os conquistadores, julgando-se abandonados da mãe pátria, e pormuitos tempos se contentou o povo com queixar-se

ao governador das injustiças e insultos que soffria,mas a final desenganou-se que era em vão esperardesaffronla da parte de quem entre os seus própriosconterrâneos se assignalava por intemperança, ferocidade e tyrannia. Continuar a soffrer era sobre vergonhoso desesperado, é melhor era fazer justiça pelas

próprias mãos. Também era ja tempo de tomar estaresolução. Vinte e quatro Portuguezes do Maranhãotinhão sido prezos por uma creatura do governador,

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56 H I S T O R I A D O B R A Z I L .

i6ii. p 0 r motivos de mera perversidade -pessoal, pois

nenhuma causa se pretextou sequer contra elles, eexpostos sem defeza aos selvagens, havião sido instan-

BcrrXlok taneamente trucidados e devorados.Resolvem De cincoenta não passou o numero dos Portuguezes

?ev™ntar-sé? que jurarão libertar o Maranhão, ou perecer na em-preza, afora alguns negros, raça para com aqual os

Hollandezes em geral se mostravão mais cruéis aindado que nenhum outro povo. Para cabeça escolherãoAntônio Moniz Barreiros, que na sua prim eira moci-dade, havia agora vinte annos, fora governador dacolônia. 0 plano que elle traçou foi atacar os cincoengenhos de assucar de Itapicurú na terra firme;

estavão alli e no forte sobre o rio do mesmo nomeun a trezentos Hollandezes, mas os proprietários erãodos patriotas confederados, e achar-se ião promptoscada qual no seu posto a acolher os seus conterrâneose cooperar com elles. A primeira intenção fora acom-metler todos os cinco engenhos á mesma hora naultima noute de septembro. Pontualmente se apresentarão os conjurados no ajustado logar de reunião,onde devião receber as ultimas ordens, mas ao vel-osjunctos, julgou-os Antônio Moniz poucos de mais parase dividirem, e mudando immediatamente de plano,resolveu que investissem todos n'um so corpo o engenho de Bento Maciel, que lhe administrava o irmão

Vital Maciel, ambos bastardos do infame governador,de cujo nome usavão. Feito isto devião passar ao

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HISTORIA DO BRAZIL. 57

engenho do próprio Barreiros, aonde elle voltaria 16tI-

previamente, para com uma luz lhes indicar o logarmais seguro de desembarque.

Menos de meia hora bastou para tomar o primeiro Primeirosi i TT 11 i - triumphos

ponto de ataque; dos Hollandezes nao escapou um, . dos,Í » ' i ' insurgentes.

e providos ja de melhores armas dos despojos do •

inimigo, avançarão os vencedores para o segundoengenho. Alerta estava ahi Antônio Moniz com o seupharol. Presentindo os Portuguezes, quizerão os Hollandezes defender-se nas casas de residência, a cujotelhado, que como de costume era de folhas de palmeira, pozerão fogo os aggressores, e rompendo

então pelo muro de ba rro , buscavão na fuga a salvação, mas os que escapavão ao corte das espadas alcan-çavão-nos as balas dos mosquetes. 0 resto, diz ochronista e governador do Maranhão, morreu comohereges, consumidos pelas chammas, castigo justode seus bárbaros erros. D'esles rendeiros á força fora

Barreiros pessoalmente mal tractado, mas tal vingança tomou que a um so não deixou a vida. Dooutro lado do rio ficava o terceiro engenho, assazperto para que entre a guarnição logo se desse rebate; mas se esla estava prevenida ja, não estava apraça apercebida para a defeza, e aterrados e inferiores em numero forão aqui mortos os Hollandejescomo o havião sido nas demais partes os companheiros. Com egual fortuna fora investido o quarto engenho, e so no quinto se deu algum quarte l. Pertencia

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38 H IS T O R I A DO B R A Z I L .mi- este ao sargento-mór Antônio Teixeira de Mello, im -

mediato no commando entre os patriotas, o qual comhumanos esforços logrou salvar a vida a alguns Hollandezes. O cabeça do destacamento, a que forão confiados estes prizioneiros, julgando intempestiva aclemência, ordenou á sua gente que os matasse, masella com generoso impulso recusou obedecer :lhe.

Tomãoos Restava ainda tomar o forte Calvário, guarnecidoPortuguezes . „

ca lvá r io P o r s e t e n t a homens com oito peças de artilharia.Marchando sem demora chegou Barreiros deanted'elleantés do romper d'alva. Felizmente apoderá-íão-se os seus eãculcas d'um soldado que passara anoute fora das muralhas, e, para salvar a própria

vida tornou-se este homem guia e conselheiro dosassaltan tes, postando-os a cincoenta passos apenas doforte atraz d'uma pedra grande, que desde então seficou chamando Penedo da Paciência, porque ásuasombra ficarão os Portuguezes algumas horas, aguardando o ensejo de accommetter o inimigo. A final

soou a trombeta da alvorada, abrirão-se as portas/ esahiu uma partida pequena a ver se estava tudo seguro. De tantas vezes que se fizera isto degeneraraja em mera formalidade; a ronda approximou-se dopenedo sem olhar por detraz d'elle, e voltou com tãopeuca circumspecção ao forte, que os Portuguezes

a seguirão sem serem vistos, e de assaz perto paraentrarem conjunctamente as portas. As mesmas sen-tinellas os não descobrirão senão quando ja dentro

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HISTORIA DO. BRAZIL. 39

da fortaleza começarão eJIes â dar para baixo nos 16!1

estupefactos Hollandezes. O commandante ainda quiztentar a resistência, mas o repentino do ataque lhegelara de terror os soldados. Alguns alli mesmo forão *mortos, outros fugindo para a porta das sortidas,achárão-na lambem em poder dos assaltantes. A maiorparte foi passada á espada, e os que escaparão so

deverão as vidas á intervenção d'um padre que. tendomarchado á frente dos seus camaradas com um crucifixo alç ad o, que lhes servisse de pendão da victoria,o extendia para proteger dos inimigos agora que essavictoria era ganha. Mas esta clemência apenas aproveitou aos Francezes que fazião parle da guarn ição ;o sentimento religioso exasperava os vencedores çòn-Ira os Hollandezes, tornando-os implacáveis para comum inimigo mais odiado ainda por suas crenças he- los-fò!"reticas do que pela sua crueldade e perfídia. P . 371.'

Deixados de guarnição ao forte Calvário alguns Avançãohomens de I tapicurú que durante a noute se havião cidade.reunido aos seus patrícios, atravessou Antônio MonizBa rreiros para a ilha do M aranhão na esperança desorp rehe nde r o forte Ph ilippe. Mas um ne gro , quefugindo dos, engenho s de assucar, para lá se passaraa nado, jà em S* Luiz tinha dado rebate da insurreição, e quarenta Hollandezes havião sahido da cidadea reconhecer. Forão esbarrar com um destacamento

avançadoidos patriotas; as noticias do negrp tinh ão -se rapidamente espalhado entre amigos e inimigos,

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40HISTORIA D O B R A Z I L .

mi e posto que esta partida se não compozesse ao pr in

cipio de mais de trinta homens, engrossou tao depressa com Portuguezes e índios, que corrião a reunir-se , que os Hollandezes esmagados pelo numeroforão feitos em postas. Occupou então Barreiros umaposição forte a três legoas da cidade, postando a umalegoa d'esta uma guarda avançada sobre o rio Coty.Mandou-se uma canoa pelo rio abaixo na esperança, ,>Xde colher algum prizioneiro, de quem se tirasse ai-,guma couza sobre os desígnios do inimigo. Vierãoalguns pescadores indígenas ao encontro da canoa,e perguntando onde estavão os Portuguezes, pedirãoaos que a tripolavão que fossem dizer-lhes terem ,os

. Hollandezes resolvido investir na manhã seguinte

com grande parte das suas tropas o posto avançado.,Ouvido isto, adeantou-se Antônio Moniz, indo-se pôrde emboscada á espera do inimigo. De sessenta soldados e oitenta índios se compunha a sua força, e decento e vinle homens a que contra elle marchava.Fora bem armado o laço; sorprehendidos os Hollan- .•.

dezes por uma descarga de mosquetaria e não menosmortiferas [seitas, de todo o destacamento apenasescaparão cinco. Mais colonos se reunirão agora aosinsurgentes, armando-se com os despojos do campo. >,_Instarão com os chefes por marchar sem demorasobre a cidade, onde os Hollandezes dizião elles, ou

estarião descuidados, contando com a victoria dosseus, ou inteiramente desanimados se ja soubessem

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H I S T O R I A -DO B R A Z I L . 41

do desbarato. Quizerâ Barreiros seguir o conselho, d641

mas Antônio Teixeira de Mello, a quem a experiênciae a auetoridade davão grande pezo entre os patriotas,fez ver que ainda muito os excedião em numero osHollandezes, e soldados veteranos como erão, nãodeixarião de tirar vantagem do terreno, que era todoem seu favor entre a actual posição e S. Luiz. Era

poissmelhor aguardar do Pará alguns soecorros, eentretanto chamaria o obtido triumpho mais insula-nos ás armas. Vinte e quatro horas prevaleceu esteparecer; passadas.ellas porem, com.esse espiritoinstável que a falta de disciplina produz não menosque a falta de resolução, mudarão os Portuguezes de

opinião, e ao raiar a aurora marchou Barreiros sobrea cidade. No caminho nenhuma opposição encontrou,e entrando nos subúrbios tomou posse do conventodo Carmo, que em cima d'uma ligeira eminência malficava fora do alcance de tiro de escopeta das muralhas. Alli se deixou estar até que anoitecesse, e então

a favor da escuridão apoderou-se d'um posto maisperto dá fortaleza, onde levantou obras em fôrma demeia lua. Ao amanhecer ja estas obras erão assazfortes para repellir as sortidas do inim igo, e vendo-seassim reduzidos.á defensiva, mandarão os Hollan-

Berredo.

dezes navios ao Recife a pedir immediato soccorro. § 821-30«

Também Barreiros recorreu aos seus conterrâneos Negócios do• • Pará

no Pará em demanda de auxilio. Em singular estado de desordem se achava então aquella capitania. •

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42 HISTORIA DO 'BRAZIL.1641. Tendo sabido da perda de S. Luiz n 'um dia eno outro

da cobarde entrega de Pedro Maciel, principiara ocapitão-mór Francisco Cordovil a aperceber-se paraa defeza, chamando em seu auxilio João Velho doValle e Cypriano Maciel Aranha, que commandavãonas: novas capitanias do Cabo do Norte e Camutá '.Era de^má. raça o primeiro, irmão de Pedro Maciel

e sobrinho do velho Bento. N'esta família parece oegoísmo ter preponderado : sobre todos os princípiostanto de honra e dever como de humanidade*. Sãhiuelle com oitenta soldados e quinhentos índios. Acha-vão-se debaixo do seu commando cento e cincoentahomens pagos pelo Pará, que carecia agora dos seus

serviços, e os .exigia, e também a força auxiliar quelhe havião dado, era na mesma proporção maior doque devera ser, mas elle julgou conveniente deixarquasi metade para defeza das suas próprias plantações de tabaco, e com tão pouca pressa sepoz emmarcha para Belém, que dous mezes gastou n'umajornada que poderá fazer em quinze dias. Chegado afinal foi aquartelar-se no convento de S. Antônio(então separado da cidade, mas hoje unido a ella, nologar chamado Campina), e mandando da sua vindaparte a Cordovil e ao senado da câmara, declarou-

• •*:'• lhes que se não fornecessem á sua gente quanto eranecessário;, e o reconhecessem a elle por comman-

1 Al ias Cametá. F . P

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H IS T O R I A DO B R A Z IL . 43

dantegeneral, cargo que reclamava em virtude d'uma mL

provisão de Bento Maciel, regressaria immediatamente para a sua própria capitania. Respondeu acâmara, que quando visse a provisão lhe prestaria adeferencia que merecesse; que quanto a manlimentohavia d'eile então grande escassez, pelo que seriamelhor aboletar a tropa entre os moradores, medida

que embora inconveniente a outros respeitos tinhaa vantagem de tornar m ais leve a despeza. João Velhonão quiz prestar ouvidos a esta proposta, que lhefrustraria os planos de conseguir á força o seu intento, e para que lhos não desse a sua gente, passou-se com ella de noute para Una a alguma distancia da

cidade. Observado da fortaleza este movimento dis-parárão-se inutilmente algumas peças para obstar a«lie.

No dia seguinte repetiu a exigência com nova arrogância. A respeito de m antença a mesma resposta,e quanto á provisão disse-se-lheque não estando ella

registrada na câmara, não podia ser valida, conformeuma costura de Francisco Coelho, primeiro governador do Estado, confirmada pelo mesmo Bento Maciel. Alguns dias depois, durando ainda a disputa,ctegárfos noticias de estarem ja os Hollandezes no•Gurupy, onde aguárdavão uma expedição do Recife

expressamente destinada á conquista do Pará . Sobre--saltadps com isto de novo instarão os magistrados•com João Velho por que se unisse a elles para defeza

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Maciel .

44 H I S T O R I A D O B R A Z I L .

i6íi. da cidade, lembrando-lhe que d'outra fôrma seria

responsável pela perda da mesma, e, concedendo alguma couza á sua exigência, offerecerão-lhe quartéispara a sua gente a uma legoa dos muros, e fornecimento de viveres. Mas quanto mais imminente semostrava o perigo do estado, mais insolente nas suasexigências e linguagem se tornava este miserável,que a final, entregando o Pará á sua sorte, voltou aoCabo do Norte, onde queria achar-se em pessoa paravender o seu tabaco aos Hollandezes.

chega Pedro Abstendo-se de tomar parte n'esta disputa entre acâmara e João Velho, oecupava-se Cordovil entretantoem preparar-se para a defeza, no que bem o secundava todo o povo. Sete mezes erão ja decorridos desde

que se soubera da queda de S. Luiz, quando á barraappareceu um navio hollandez, cujo capitão mandoudizer para dentro que vinha da  ilha.de S. Christóvãounicamente a servir o rei de Portugal. Respondeu-se-lhe portanto que , apresentando os seus passaportes, poderia en trar no rio, mas a pedido de Pedro

Maciel, que vinha a bordo, foi á embarcação darfundo em Mosqueiro, a seis legoas de distancia. De-,,pois do seu cobarde rendimento tinna este homemsido tractado pelos Hollandezes como merecia, sendoum dos que elles embarcarão no navio que faziaágua, ábandonando-os á mercê do. mar. 0 capitão

hollandez, com quem elle appareceu agora, pareceler sido um bonachão que, sendo-lhe livre viver em

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H I S T O R IA DO B R A Z IL . 45

paz ou guerra com os Portuguezes, preferira o com- 16íl-

mercio á pira taria, e dera vela de S. Christovão, trazendo Pedro Maciel, e outros quarenta da mesmaforma expulsos do Maranhão, julgando com este actode humanidade recommendar-se aos magistrados doPará e aognverno de Lisboa que assim lhe facilita-

° . ^ Berredo?

rião as operações commerciaes. 79°5-

No dia seguinte mandou Pedro Maciel ao senado Exige queda câmara a patente pela qual seu tio Bento o no- guemo

governo.

meara capilão-mór do Pará, com uma carta em queordenava que se lhe prestasse obediência. A respostafoi que, apresentando-se elle pessoalmente, como era

uso e costume, se tomaria a resolução que o casoexigisse. Desembarcou elle pois com uma partidapequena d'homens armados, recolheu-se a uma casaparticular e d'alli notificou á câmara a sua presença.Mas ja ella enlão resolvera como responder-lhe, eera assim: que depois da invasão do Maranhão tinhãoos vereadores tomado medidas por si mesmos ed'ellas dado conta á corte de Portugal, pelo que nãopodião acceitar novo governador em quanto não chegassem ordens de Lisboa, que erão esperadas pelosprimeiros navios. Com esta resposta ficou Pedro Maciel furioso, e reembarcando-se no navio hollandez,desceu sete ou oito legoas abaixo da cidade á Bahia

do Sul, e saltou na ilha d'onde tira a bahia o seunom e. Alli estabeleceu os seus quartéis, que dedicoua S. Pedro d'Alcantara, e escreveu ao irmão João

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46 HISTORIA DO BRAZIL.1641. Velho que viesse a toda a pressa, para que ambos

tomassem vingança do povo de Belém. E esteirmãO:,que quando marchando á defeza da cidade, gastaradous mezes no caminho, fez a mesma viagem em menos d'um terço do tempo, agora que esperava estabelecer alli a sua tyrannia.

Disputa entre N'estas . dífíiceis circumstancias procedeu coma câmara . . . , . 1

e os dous muita prudência o senado da câmara, sem cederirmãos. l . . .

deante d'estes homens arrogantes, nem irrital-os.Outra vez mandou pedir a Pedro Maciel que viesse»defender Belém, cujo perigo crescera muito comestas questões, estando ja promptas a desertar astropas tapuyas, que havião percebido como andavão

entre si divididos os Portuguezes. Considerações d'e'slaordem erão porem perdidas n'um homem que so aoseu immediato interesse sabiá attender. A respostaque deu forão pois novas ameaças e insultos, e comoo navio que o trouxera estava prestes a velejar paraLisboa, prohibiu á câmara que escrevesse por ellè>dizendo que so de falsidades se havião de compor osofficios, mas o capitão hollandez, desgostoso de taesenredos, se encarregou particularmente dos despachos. Nem. so contra os magistrados-se dirigião suasameaças: também ao povo as fazia, deelaranílo- quese não lh e abastecessem o campo tomaria elle de suaprópria auetoridade os viveres, onde quer que os

achasse.Durante estas disputas Cordovil se conservava neu-

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H I ST O R IA DO B R A Z I L . 47

Irai, contente com manter o seu commando, seni 1641v

querer figurar como inimigo activo contra òs dousirmãos, por mais que lhes desapprovassè o comportamento, sendo parente próximo d'elles. Para o oc-cupar bastavão-lhes os cuidados da defeza da capitania com sos oitenta homens mal armados e um corpodaall iados, cuja deserção, e talvez hostilidade se

receava a cada hora. Os embaraços da situação lheminarão a saúde, mas antes de morrer investiu o ,senado da câmara no governo da capitania. Exasperou isto os dous irmãos, que o parentesco com Cordovil até então refreara um pouco, e soltando agoraos diques á natural insolencia do seu gênio, todos os

dias se temeu ver em Belém rebentar a guerra civil.A tanto se não atreverão os dous, cuja esperança eraso intimidar a câmara, para que sè submettesse;medidas mais ousadas porem não convinhão a caracteres que tanto tinhão de baixos como dé inso-lentes. ?

N'este estado se achavão as couzas quando a BelémP.

Maciel e-chegarão os mensageiros de Antônio Moniz Barreiros vão reunir-sea ^pedir auxilio para a restauração do Maranhão, insurgentes.Immediatamente communicou a camâra esta noticiaaos dous irmãos, lembrando-lhes quanto urgia que .se mandassem soccorros, quão glorioso seria paraelles assígnalarem-se em tal occasião, e por outro lado

que eterno vituperio, se, persistindo no actual comportamento, se abstivessem da empreza, mantendo na

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48 HISTORIA DO BRAZIL.1641. inacção a única força disponível do Estado. Não

desgotárão elles de tão boa occasião para desistir desuas infructiferas pretenções, e partirão por conseguinte a reunir-se aos patriotas.

Reconhecem- Poucos dias depois chegarão a Belém dous mora-as tregoas! dores de S. Luiz com despachos do governador hol

landez, que remettia uma copia da Tregoa de DezAnnos, pedindo ao povo do Pará que a reconhecesse.

Óbvios erão os motivos reaes do Hollandez; haviamuito que elle possuía o tractado, e se ainda algumaesperança restasse de effectuar a conquista do Pará,continuaria aquelle papel a jazer-lhe entre os outros,mas desde que a si próprio se sentiu em perigo noMaranhão, trouxe-o á luz para evitar que os pátrio-,

tas recebessem auxilio do Pará. Bem o percebeu acâmara, mas os reforços ja tinhão partido, e .feitoisto, tão acceita lhe era a paz no estado de fraquezaem que estava a capitania, como ao Flamengo. Reconheceu pois o tractado, allegando íodavia que nãopodia publical-o com as ceremonias do estylo?*êm

quanto directamente o não recebesse da sua própriaBerredo. . -. "ã800-43. corte. '" 4

os patriotas Entretanto marchavão Pedro Maciel e o irmão paraMarínhão. o Maranhão com a costumada pouca pressa quando

se não tractava de negocio seu particular. Era Umaviagem costeira feita em canoas através trinta e três

bahias ligadas por abrigados canaes chamados rios.Semelhante navegação mal pôde soffrér trangtprno

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HISTORIA DO BRAZIL. 49

do tempo, nem costuma ser obra de mais de vinte e1641

tanios dias, mas estes homens gastarão de dous a Iresmezes pelo caminho. O reforço que levavão era decertto e treze Portuguezes e setecentos bons aluadoscapitaneados por chefes seus. Estava então Barreirosperigosamente enfermo e Antônio Teixeira de Mello

com o çommando como sargento-mór. Tinha elletrazido duas peças de artilharia do forte Calvário,que causarão grande damno ao inimigo, pelo quetentara este fazel-as calar, expondo uma imagem deS. João Baptista no logar para onde se dirigia o fogo.Assim reforçado resolveu o commandante portuguezsáltear o forte S. Philippe, não obstante a força daguarnição. Alguns obstáculos lhe oppoz a contra-dicção tão freqüentemente oceasionada pela faltatotal de disciplina, e antes que elle podesse tentar aempreza, receberão também os Hollandezes um reforço considerável remettido do Recife ás ordens deAnderson. No dia seguinte á sua chegada lenteu o

commandante hollandez sorprehender os Portuguezes á hora da sesta, quando era mais descuidada avigia, mas elles, correndo ás armas ao primeirorebate, repellirãO no com grande perda. Egualmenteinfeliz foi o Hollandez n'um ataque contra as obrasdo Carmo, onde perdeu quasi cem homens e a mór

parte dos índios, seus alliados. Ao cahir da tarde do Morte dedia d'esta victoria morreu Antônio Moniz Barreiros, rsureeedé°iíe

• Teixeira.

succedendo-lhe ; Antônio Teixeira de Mello no com-

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1615.

5 0 H I S T O R I A DO B R A Z I L .ltií2 mando em chefe. Cinco quintaes de pólvora tinhão

sido o mais que elle poderá junctar, e estava ;gas,taquasi toda. Assim sem munições impossível lhe eramanter a sua posição tão perto d'um inimigo semprecerto de ser abastecido por mar, pelo que resolveuTeixeira retirar-se para a terra firme, e ir postar-seem Tapuylapera, logar separado deS. Luiz por uma

bahia de quatro legoas de largura, e fortificado pori2dejan. natureza. Principiou de noute a retirada, mas aindamesmo retirando excogitou o seu espirito emprehen-dedor novos meios de vexar os inimigos. Era provável que elles o perseguissem apenas dessem pelomovimento, e lhe procurassem picar a marcha.; mal

pois atravessou o Coty poz uma emboscada no mesmologar, que ja tão fatal fora aos Hollandezes, e aindauma vez vingou o estratagema. O commandante hollandez do Ceará, que fora chamado para defeza doMaranhão, cahiu na cilada, sendo morto com cercade trinta Europeos e mais de cem índios. Fornecerãoos seus despojos algumas munições e o capitão portuguez, feita esta bem vinda preza, deferiu a execuçãodo seu plano e em logar de passar-se para a terrafirme, postou-se em Moruapy, posição forte na parteda ilha que faz frente a Ilapicurú. Mantinhão aindaos insurgentes os postos que alli havião ganho, tendoassim sempre segura a retirada por mar e por terra;

Enraivecido com a ultima perda soffrida^ deu o governador hollandez expansão ao mais foroz espirito

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H I S T O R I A D O B R A Z I L . 51

de vingança. Vinte e cinco Portuguezes de S. Luiz1643

-entregou este desalmado aos selvagens do Ceará que ios devorassem, e cincoenta mandou para a Barbada,onde como escravos se vendessem aos Inglezes. O governador d aquella ilha quiz vel-os na praia, comopara ajustal-os, e logo os poz em liberdade, arguindo

asperamente o agente que viera insultal-o, offere-cendo-lhe á venda homens brancos e christaos. Osdemais colonos forão saqueados, deixandó-se-lhesnuas as mulheres, e n'este estado postos fora da cidade. Tal foi o tractamento que experimentarão essasfamílias, que por viverem em paz, preferirão a submissão ao dever de se reunirem a seus irmãos em B

8c-r8

r_eg90-

armas. TUtMais de três mezes se deixou Antônio Teixeira ficar Retirase.Sè

.» , i . , j Teixeira

em Mornapy a espera de soccorros, ate que cançado para a terrai i ' • i * firme-

de perpétuos desenganos, e sem meios de manter-sealli por mais tempo, destruído quanto não pôde

levar, se passou para a terra firme, e abandonandoo forte Calvário chegou a Tapuytapera, segundo a suaprimeira intenção. Muitos dias não erão passados 2i|4

mai°quando Pedro Maciel e o irmão, mettendo-se nassuas canoas com a maior parte da sua gente, e algunscolonos do Maranhão, que poderão induzir a seguil- P, Maciel e

os, abandonarão os patriotas, partindo para o Pará. o aiiandonaoEsta deserção sobresaltou tanto os que não tinhãosido convidados a acompanhal-a, ou para os quaesnão tinha havido canoas em que se embarcassem,

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52 HISTORIA DO BRAZIL.

1643. que outra partida com suas famílias se poz a caminho

por terra para o Pará. Vendo-se assim abandonado esem munições, não sabiá o commandante que m elhor,fizesse do que retirar-se lambem para Belém: maiscedo ou mais tarde necessariamente, havião de virforças de Portugal, e era alli que mais convenientemente se podia aguardar a sua chegada. Mas como.

alcançar Belém? Por água faltavão canoas, e emborahouvesse muito quem aconselhasse a ida por terra,uma jornada de quasi oilocentas legoas pelas matasvirgens da America do Sul não era em preza que im-,pensada se commettesse.

chegão Em quanto n'esta duvida estavão todos, chegarãomateriaes . "• . , , 1 ' "

guerra, de Belém cinco quintaes de pólvora, com mecnas ebalas em proporção. Uma única passagem podiãoseguir as canoas n'este trájecto, e Teixeira fez veraos seus que o terem os Hollandezes, senhores comoerão do mar, deixado chegar estes supprimentos,era couza, que juncta á viagem feita a salvo por estes

mesmos materiaes da Bahia para Belém n'um bar-quinho sem defeza, devia considerar-se, quando nãocomo absolutamente milagrosa, pelo menos comosignal seguro da protecção do ceo. Tinha elle entãocomsigo sessenta Portuguezes e duzentos índios. Comencontrarem estes socorros não se, deixarão os dous

irmãos e os seus fugitivos persuadir a voltar atrazereunirem-se aos camaradas; mas este punhado devalentes, vendo-se outra vez com munições, resolveu

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HISTORIA DO BRAZIL. 53sustentar o terreno ei proseguir na guerra, sem em- 1643

bargo de estar novamente occupado pelo inimigo Oimportante posto do forte do Calvário. 28 de mai<>'

Pouco depois appareceu á vista, da costa uma es- chegão* . * * reforços aos

quadra hollandeza, cujo commandante, esperando Ilollandezes

queTeixeira se deixasse cegar pela sua avidez ou Co- »

bardia tão facilmente como fizera Bento Maciel, pro-poz-lhe em nome de Nassau ir residir para S. Luizcomo governador dos Portuguezes, com auetoridadeindependente do commandante hollandez. Teixeirarespondeu por escripto que em verdade tenciona^a,.dentro em pouco ir estabelecer osseus qüartejs èmS. Luiz, mas que antes disso havia de enxotar dé lá . " 'i,os Hollandezes. Com esta resposta.tanIo raivou JanCornelis, o governador hollandez, que prohibiu darquartel aos Portuguezes. Para crueldade d'esta natureza so pena de talião, e Teixeira proclamou da-mesma fôrma gu erra de extermínio aos Hollandezes,exemptando comtudo os Francezes ao serviço d'elles,

na esperança de os tornar suspeitos, ou por venturaalé de atrahil-os á sua causa, especialmente por queerão eatholicos.

0 reforço que acabava de receber o inimigo tor-nava-ó superior em numero a qualquer força que selhe podesse oppor em campo; mas bem sabia èlle

que todo o paiz lhe era hostil, e para proseguir effi-cazmente nas operações offensivas, faltava-lhe animoo confiança. Bem informado da inacção dos Hollan-

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54 H I S T O R I A DO B R A Z I L .

1643. dezes pelos seus numerosos espias, lançou Teixeira

na ilha partidas pequenas da sua melhor gente, eap -proximando-se mais, postou-se ao lado do canal quei5 de jun. a isola. Pouco depois de inslallado n'este posto, ou-

viou-se fogo activo á barra de S. Luiz, e elle despachou duas canoas com oito soldados e cincoentaíndios a ver o que era. No caminho encontrarão

uma lancha hollandeza com vinte c sete homens eduas peças de anilharia,. Tão tentadora preza os fezesquecer o'fim da viagem e abordada e tomada aembarcação com ella voltarão em trium pho. Teixeirareprehendeu o commandante do destacamento Joãoda Paz por ter-lhe desobedecido ás ordens, mas com-partindo a alegria por este novo feito, compartiutambém a negligencia que censurava, nem tractoumais dé saber a causa do fogo que se ouvira, e vendoque os Hollandezes tanto lhe temião as emboscadas,que raras vezes se aventuravão fora da cidade, confiou a Manoel de Carvalho quarenta Portuguezes ecem índios para com elles se postar na ilha e proce

der como aconselhassem as circumstancias.Tomãoos Talado o paiz sentiu-se Carvalho tão complela-patriotas

Menànrno mente senhor d elle, que se poz a plantar e prepararmandioca nas- terras alguns mezes antes abandonaidas pelos Portuguezes. Era isto obra para algum

tempo c muitos processos, e tanto se foi a gente costumando á segurança, que vivia como em tempo depaz. A final tornou-se pouco mais do que nominal a

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H IS T O R I A DO B R A Z IL . 55

guarda que se fazia. D'isto souberão os Hollandezes, 16i3-

bem como de ter Carvalho dividido a sua pequenaforça para apressada colheita, e, sabendo-o, fizerâosahir sessenta soldados europeos e cem Índios a sor-prehender os- Portuguezes. Ouvindo-lhes a considerável distancia o rumor da marcha, adeanlárão-seduas sentinellas índias a ver o que era. Ao chegarem

a um riacho avistarão os Hollandezes, que cançadosdo caminho, jazião por terra a beber e refrescar-se,e com tão pouca precaução se approximárão, que oinimigo, julgando-as, pela segurança que mostravào,parte d'alguma considerável força avançada, trahiuuma confusão que lhes clava tempo mais que suffi-

ciente para se porem a salvo e dar rebate. Mas n'umaextranha velleidade de valentia, dispararão estes homens suas frechas contra os Hollandezes, que perce-bendo-os então sem apoio, correrão sobre elles, emorto um, segurarão o outro. Deu-lhes o prizioneiroquantas informações se podião desejar, e elles apres

sando a marcha, chegarão ao meio dos Portuguezese soltarão um grilo de guerra unisono com os seusselvagens alliados. Dispersos, oecupados em differentes misteres e inteiramente desprevenidos, perderão os Portuguezes toda a presença d'espirito e poze-râo-se em fuga, deixando uns as armas no chão etomando outros as suas, mais para não perdel-as doque com intenção de fazer d'ellas uso immedíato.Doze homens porem que de tão perto que estava o

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56 HISTORIA DO BRAZIL.

1645. inimigo ja não podião fugir, fizerão'da necessidade

virtude, tornando-os resolutos a mesma extremidadedo perigo. Combaterão num so corpo, apoiando-semutuamente, e cedendo o terreno passo a passoadeante de numero superior, ale que alcançandouma volta da vereda, e tirando partido das arvores,fizerão alto e desafiarão todos os esforços do inimigo.Buscarão os Hollandezes accommettel-os d'ambos oslados, mas com esta manobra se pozerão a descoberto, etão vigorosamente se virão investidos assimdivididos, que forão rolos e desbaratados, vindo osoutros Portuguezes e índios, que não havião tomadoparte na peleja, completar a victoria. Assim inesperadamente victoriosos, assenlárão-se os patriotas por

terra, a repartir os despojos, quando sentindo porentre as arvores aproximarse outro corpo de gentearmada, preparárão-se para segunda acção. Era Carvalho, que d'uma victoria similhante por elle mesmoganha, vinha em socorro d'elles, sangrando por seisferidas, que nem o impedirão de combater, nem d e ,

perseguir o inimigo até mesmo ás portas de S. Luiz.De quanta gente havia sabido so lograrão tornar aentrar na cidade dez Francezes, que o governador logomandou enforcar como traidores que se não que-rião bater contra os Portuguezes, accusação que elleem todas as occasiões fazia aos mercenários.

Não tendo ainda feito a colheita, voltou Carvalhoao seu quartel general, e Teixeira, continuando com

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um systema de guerra tão próprio para inspirar con- 1643-fiança á sua gente, e desacoroçoar o inimigo, mandou para a ilha outros destacamentos que não deixassem o Hollandez desfructar os recursos de que tãoamplamente agora se havia provido. Um reductoplantado entre a cidade e o rio para impedir-lhes osmovimentos, foi escalado uma noute pelos Portugue

zes, que animados com este triumpho investirão umengenho de assucar que fora reoccupado pelo inimigo, e queimárão-no sem deixar pedra sobre pedra.Achando o forte Calvário abandonado, guarneceu-oTeixeira, e então atravessou outra vez o canal, afazera guerra de novo no Maranhão.

Quasi unicamente entregue aos seus próprios re- vem pedro

cursos se tinha visto este valente commandante : as querqueparagovernar

tropas do Pará o havião abandonado arrastadas por ° Maranhão.seus infames capitães, e esta deserção lhe levara atéparte da sua mesma gente. Uma remessa de materiaesde guerra vindos da Bahia era tudo quanto elle re

cebera, sendo em verdade também ludo quanto o governador do Brazil Antônio Telles da Silva lhe podiamandar, e de Porlugal, para onde dera parte do queestaya fazendo, pouco se podia esperar,, sobrecarregado como andava o rei com os cuidados e perigosde defender o seu throno recentemente restaurado.

Alguns esforços comtudo se havião feito. Pedro d'Al-buquerque, que tão heroicamente se assignalara na Tomo Ut

_ . , j cap. xiv.

defeza do no Formoso, foi nomeado governador ge-

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58 H I S T O R I A D O ' B R A Z I L .

1043. n e r a i do Maranhão, e despachado com pouco mais

de cem homens \e material em abundância. Apoz seissemanas de prospera viagem chegou elle á vista dailha, mas sem piloto a bordo que conhecesse o porto,nem querendo entrar na bahia de S. Luiz, antes desaber alguma couza sobre o eslado dos negócios, dis--

isdejun. parou as suas peças fora da barra. Fora este o fogo

que Teixeira ouvira, e cuja causa João da Paz, desobedecendo ás ordens que levava, deixara de averiguar.Calamitosas no ultimo ponto forão as conseqüênciasd'esta falta. Em logar de desembarcar a sua gente ematerial como fizera se conhecera a situação de

Naufrágio. Teixeira, seguiu Albuquerque para o Pará. Não era

bem conhecida a barra de Belém, e o navio bateun'um banco de areia. Andava mui cavado o mar e jaa destruição de quanto havia a bordo se dava porcerta, quando Pedro da Costa Favilla, que por acasopescava perto d'alli com duas canoas, veio em soccorro dos náufragos. Arreárão-se os escaleres e n'elles

e nas canoas chegarão a terra trinta e três pessoas.Mas a maré vasava o que augmentava a violência domar. Uma canoa foi repellida para a praia apezardos esforços com que buscava alcançar de novo a navio, contra cujo costado se despedaçou a outra. Osescaleres porem lograrão atracar outra vez trazendo

- Diz Baena (Compêndio das Eras da Província do. Pará) que o

governador Pedro d'Albuquerque trouxera de Lisboa cento e cincoentasoldados e copioso abastecimento de munições e petrechos de guerra.F. P

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HISTORIA DO B R A Z I L . 5 9

para terra segundo carregamento, inclusive o gover- 1043-

nador e a sua fámilia. O piloto asseverou aos queficávão, que o navio se não desfaria antes de vinle equatro horas, tempo sufficiente para salval-os a todos.Mal ganhara Albuquerque a mais próxima praia,quando viu despedaçar-se o galeão, e concluindologo que todos devião ter perecido, indesculpavel-

mente deixou de fazer o minimo esforço para ver sealguém escapara. Os que se achavão no casco, vendoquão impossivel era agüentar elle mais tempo, formarão uma espécie de jangada com as pipas daaguada, e a ella se entregarão setenta pessoas. Feilaá pressa e mal ligada era aquella fabrica, e assim

todos se perderão. O Jesuita Luiz Figueira, que voltava ao Maranhão com quatorze dos seus irmãos espi-rituaes, aqui pereceu. Tentara nadar com umacriança de quatro annos ás costas, mas fallecerão-lheas forças. Com elle se perderão oito Jesuitas. Onzepessoas restavão ainda sobre os destroços do navio.

Fizerão estas outra e melhor jangada, e n'ella se confiarão á mercê das ondas que as impellião ao acaso.Dous d'esles desgraçados, ambos Jesuitas, forão levados pelo mar no segundo dia. Na terceira manhãaterrarão os outros terra na»ilha de Joanes, onde osArnaus, uma tribu dos seus selvagens moradores,matarão seis, chegando um colono, que suecedeu estar pescando perto do logar, a tempo ainda de salvaros Ires restantes.

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60 HISTORIA DO BRAZIL.16« Com os poucos que escaparão, seguiu Pedro d 'Al-

buíu^què: buquerque para a ilha do Sol, onde Pedro Maciel e oirm ão João Velho ünhão reassumido a antiga estaçãoc os antigos projecto,s. Alli se deixou ficar até que asua gen te se restabe lecesse dos passados soffrimentos,partindo depois para Belém, onde tomou conta dogoverno. A câmara nelle resignou voluntária a sua

auetoridade, mas tão pouco lucrou Maciel com amudança, que o governador em conseqüência docomportamento d'elle e das queixas de leda a capitania, recusou admitlil-o Como capitão-mór do Pa rá,embora lhe fosse agora conferido o cargo por patentereal. Viu-se então quanto erão estes irmãos mereci-da m en te abom inados, e o pro cura dor foi encarregadode requerer ao governador em nome do povo que osdeclarasse inhabeis para jamais exercerem cargopublico na capitania, e pedisse a el-rei que, confirmando a sentença, a ampliasse a toda a raça dos Ma-eieis. Para tomar medidas com que auxiliar Teixeirana restauração do Maranhão, falleceu a temjpo

Albuquerque, que, t razendo ja arruinada asaudeaomi- chegar a Belém•, morreu logo em principios do anno

seg uin te, deixando o seu par en te Feliciano Corrêagovernador conjuneto com o sargento-mór do estado,

909-15. Francisco Coelho de Carvalho.

Evacuão os Tão adeantado estava porem T ei x ei ra ja no seuHollandezes , i

o Maranhão, empenho, que nem a perda dos esperados soecorrosde Portugal, nem a morte do governador, lhe pare-

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H I S TO RI A DO BRA ZIL . 61

cem ter impedido os progressos. Era elle agora inquestionavelmente o senhor do,paiz, não se atrevendoos Hollandezes a ultrapassar as portas da cidade.Felizmente teve de arribar á bahia de Araçagy, pertode S. Luiz, acossado pela borrasca um navio do Fayalcarregado de vinhos para a Bahia. Este navio lomá-rão-noelles, queso tinhão no porto outros três, todostão mal providos, que ninguém n'elles se aventurariaao mar sem levar na conserva alguma embarcaçãomelhor. Veio-lhes pois esta preza muito a propósito,e embarcando todos, «evacuarão os Hollandezes oMaranhão, sendo ainda quinhentos em num ero, aforauns oitenta índios. E como baldado fora tentar al

cançar o Becife, demandarão a ilha de S. Chrislovão.Era ruínas a cidade quando o inimigo a abando

nou. Não tardou que Teixeira tivesse de communicará sua corte novas de mais reconquistas. Quando primeiro invadirão o Maranhão, tinhão os Hollandezestrazido comsigo do Ceará um corpo grande de Ta-

puyas. D'estes perecera o maior numero, e a únicarecompensa que pelos seus serviços alcançarão osoitenta sobreviventes, foi serem agora relegados noseu próprio território para as desertas margens doCamocy. Indignados com similhante tractamento,inflammárão elles o descontentamento dos seus con

terrâneos, que gemiâo sob o intolerável jugo - dos1 0 próprio Barlaeus o admitte : Nec tamen hujus nefarix sedi-

tionis auetores habebantur Maranhoenses, lícel proximi et conler-

1645

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62 HISTORIA DO BRAZIL.

4644. s e u s novos alliados, e cahindo sobre um reducto que

S o T n - nas ribeiras d'aquelle rio havião levantado os. Hol-dezes pelos _ T , , . # ~ i J

índios landezes, sorprehenderao e matarão toda a guarnj -no Ceará. *•

ção. Passando depois a investir outro reducto dez.legoas mais longe, ganhárãO-no com egual fortuna.Esta segunda victoria os animou a atreverem-se como próprio forte do Cea rá, qu e ficava a cem legoas de

distancia, e m archa ndo com o incançavel ardor doselvagem que respira vingança, approximárão-sed'elle de no ute e pozerão-se de emboscada. De manhãsahirão os soldados .como de-coslume a seus differentes misteres, sem aventarem o perigo. Deixárão-

nos passar osTapuyas, eprecipitando-se depois sobre

a porta, matarão quantos havia dentro do forte. Osque tinhão ficado fora dos muros, esses mais tardeos forão caçando muito de seu vagar. Uma partidaem pregada nas salinas do rio Upanemma teve a mesmasorte, e um destacamento vindo com um oííicial hob*

landez a inspeccionar o estado da gu arniç ão , cujo

extermínio ignorava, foi cercado e trucidado. Da suaBerredo conquista derão os Tapuyas im m edia tam ente avizo aIricêyra. Teixeira, que não perdeu tempo em segurar a posse

isai-íacus.290. da recobrada fortaleza.obtém Chovião sobre Nassau as más noticias, consequen-

Nassau a s ua . . . . ,

exoneração, cias d essa denhonrosa política em que se envolvera.

O M aranhão e o Ceará estavão perdid os p ara a Com-mini, verum culpa nostratium in subditos ferocix et duriori im-*perioimputabatur. P. 290. . ";

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64 H I S T O R I A DO B R A Z 1 L .im- tudo porem cumpria vigiar por que não se tornassem

pezados aos colonos os soldados, mal em demasiavulgar n'aquellas províncias onde a perpetua escassezdos viveres fazia o povo descontente e insolente asoldadesca. De facto receavão por isto mais a paz, doque a guerra os lavradores e os senhores de engenho.

Também aconselhou que por todos os meios ho

nestos se procurasse attrahir os Portuguezes, quemais aferrados parecessem ao seu paiz, com especialidade os padres, que, comprados estes, jamais seesconderião os segredos do povo. A boatos contra ellesnão devia dar-se fácil credito, pois que se originavãoquasi sempre entre aquelles que nada tendo que

perder, invejavão os ricos e os ditosos. Também dosdesertores se havia de desconfiar sempre, nem erapara recommendar-se a practica dos lormehtos,que tão facilmente extorquia a falsidade como a verdade. Era como se Nassau previsse os perigosos tempos que se avizinhavão. Os fortes, disse elle, deviãoser freqüentemente inspeccionados para que estivessem sempre em estado de defeza, e como não podiahaver fossos em terreno secco e arenoso, era particularmente necessário ver que as palissadas se conservassem sempre perfeitas, não fosse, arruinando constantemente o tempo estes baluartes, uma brecha ouuma parte fraca attrahir o inimigo. Era de grande

importância preservar Friburgo e suas florestas, queem caso de guerra facilitarião os meios de abastecer

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H IS T O R I A DO B R A Z IL . 65

d'agua o Recife. A ponte da Boavista urgia forlifical-a 164í-

com um reducto paraJsua defeza, que erão ambas aspontes de essencial utilidade, se o Recife chegasse aser sitiado, não podendo estar ainda esquecido comoantes deformada esta communicação através do rio,soffrera a cidade fome, quasi a ponto de perder-se.Aconselhou que de modo nenhum se provocasse sem

necessidade o governador da Bahia. Estavão as províncias hollandezas expostas á vingança d'elle, quepodia mandar tropas a talal-as, ou com uma palavrasoltar contra ellas" os selvagens. Nem os própriosPortuguezes actualmente sob o dominio da Hollanda <podião ver menoscabado o representante do rei dePortugal; eerão elles um povo dócil, quando bemtractado, mas altivo e indomável quando sé sentiãoinjuriados, podendo mais sobre seus ânimos o orgu

lho da própria dignidade do que a cobiça.das riquezas. Havia pessoas que os insultavão no exercício desuas ceremonias religiosas, mas devião ser castigadascomo gente cuja loucura punha em perigo a repu

blica. Os Portuguezes que fossem claramente convictos de machinações traiçoeiras, convinha severamente punil-os, mas o mesmo instinclo da própriaconservação exigia que os não irritassem com injurias e insultos, pois quem o fizesse compromettia atéa existência do* governo hollandez, no Brazil. Ja o

Maranhão; e o Ceará erão provas da instabilidaded'um dominio unicamente fundado na força.

n i .

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66 HISTORIA DO BRAZIL.

1644. Tinha Nassau concedido licenças para uso de ar-Parte Nassau

para aEuropa.para a mas não so a colonos hollandezes, francezes e ingle-zes, que tinhão dividas que cobrar «o sertão, mastambém aos Portuguezes que residião em sítios isolados, onde d'ellas carecião para se defenderem deanimaes ferozes e de salteadores; agora advertiu aoconcelho que não fosse conceder indiscriminada

mente estas licenças. E recommendou que se castigassem asperamente o assassinato e o duello, e quese cobrassem rigorosamente os impostos ^devidos áCompanhia, a cujo pagamento se furtavão os negociantes toda a vez que podião. Tendo deixado'assimos seus últimos conselhos ao novo governo, fez-se o

conde Maurício de Nassau de vela para a Europa,apoz oito annos de residência no Brazil. Comsigolevou alguns selvagens de differentes tribus e cincoLuso-Brazileiros o acompanharão também por ordemdo governo, para que, tendo visto os Hollandezes násua terra d 'elles, podessem com o próprio testimunho

convencer os seus patrícios, de que não erão umamera raça de piratas e pescadores, como acreditavaa massa geral do povo. Não menos de mil e quinhentaspessoas de todas as hierarchias e profissões, civis,militares e ecclesiaslicas, se embarcarão na mesmafrota. Com tão cega confiança deseaíiçavão as Provin*

ííarteus. c ' a s Unidas n'umas tregoas, que ellas havião sido asprimeiras a quebrar escandalosamente;

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HISTORIA DO BRAZIL 671644.

C A P I T U L O X X

Embaraços da Companhia. — Estado de Pernam buco . — Oppressão dosPortug uezes. — Projecta João Fernandes Vieira a libertação do senpaiz. — Communica o seu plano ao governador general, torna -se sus peito aos Hollandezes, esconde-se e apparece em armas. —Batalha domonte das Tabocas.

Projectou-se por este tempo na Hollanda uma Propôe-seunião enlre as Companhias das índias Orientaes e as compa-

1

nhias dasOccidenlaes. Favorecia Nassau este plano, que, dizia kdjfe o1?™"

elle, se se levasse ava nte, faria cahir nas mãos dos dentaes-Hollandezes as Philip pin as , o Peru , o Potosi e o Prata ,sem que os Hespanhoes podessem nem sequer defender a Havana, Cartagena ou o México. Abortou poremo projecto felizmen te pa ra os Portug uezes e para oBrazil, que a vingar elle teria sido o theatrò de maislonga e assoladora guerra, ainda mesmo quando afinal lograssem recobral-o os seus antigos e maisdignos possuidores. Em verdade mal se podia esperarque se unissem duas companhias, cujas circumstancias erão tão diametralmente oppostas. No oriente

tudo prosperava, á carreira de conquistas alli encetadas não se vião limites, e os lucros resultantesd'essas conquistas erão calculaveis e certos. Mas*nò

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68 HISTORIA DO BRAZIL.

1044. Brazil , por m ais brilhantes que houvessem sido os

cEompaa°nMa feitos, apresenlavão os livros da Companhia, pelosno Brazi l . . . . ; 1 . \ér >. •

quaes devião som m ar-se as vantagens da victoria, umsaldo terrível. Nunca os Hollandezes havião sido tãocompletamente senhores de Pernambuco que comprovisões do paiz podessem abastecer o Recife, equa ndo as tregoas lhes poderião ler permitlido firmar

alli com a segurança da paz o seü dominio, arrui-nárão-se com a nefaria política que os levou a tirarvantagem da-fraqueza do seu novo alliado. Representando este papel indigno, parece a Hollanda não terjamais pensado na possibilidade das represálias, sup-pondo poder irrogar impunemente todo o insulto e

toda a injuria ao atassalhado Por tuga l .Embaraços Acarretou-lhe esta política o merecido castigo.companhia. As expedições ao Maranhão, Sergipe, Angola e Chili

exhaurirão tanto os thesouros como os armazéns doRecife, e a Companhia, calculando sempre cfrmo forrar-se a despezas immediatas, deixou de fazer remes

sas, crendo não ter que recear inimigo. O Concelho,sobre quem recahira a administração depois da partida de Nassau, ven do-se assim sem rec urs os, teve deexigir dos seus devedores prompto pagamento parapoder fazer face ás despezas civis e militares. Aomesm o tem po instavão os n egociantes da Hollanda

com os seus agentes e correspo ndentes que lhes fizessem rem essas. Até então tinh a sido o credito o intermediário de todos os negócios, e os pag am ento s agora

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HISTORIA DO BRAZIL. -69sp

necessários occasionárão unui escassez tal de nume-

lô44

-rario que não se achava dinheiro a menos de três ouquatro porcento ao mez, de modo que os que desimilhante recurso se valião depressa fi.cavão totalmente arruinados. Menos que os subditos se não viaembaraçado o governo. Vendera a credito as terrasconfiscadas e da mesma forma dispozera de grande

numero de negros (importados depois da conquistad'Angola) pelo preço de trezentas patacas por cabeça.A varíola causou grande mortandade entre estes infelizes, perda que juncta aos estragos causados pelasinundações e depois pelos vermes, arruinou muitosfazendeiros. O Concelho dos Dezanove, a quem na

mãe pátria incumbia a administração dos negóciosda Companhia, ignorando o verdadeiro estado dasprovíncias conquistadas, ordenou peremptoriamenteque os seus negros se não vendessem senão comdinheiro avista, ou por assucar, o que se consideravaequivalente. Mas impossivel era alterar repentina

mente o systema de commercio; não havia entãoquem podesse comprar com simílhantes condições,e embora repelidas vezes se abaixasse o preço porquese vendião os escravos, nem por isso sahião das mãosda Companhia, que teve de supportar a despeza demantel-os e o prejuízo resultante dos muitos óbitos,até que o Concelho central revogou instrucções tão Nieulloff.absurdas como ruinosas.

Ja era assaz. desesperado o caso quando a Compa-

P . 5 0 - 1 .

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70. HISTORIA DO BRAZIL.1644- nhia, não podendo remediar o mal, teve assim de

Aperto gerai ^ ^ • c o m e i i e > ^ a s a e s c a s s e z de dinheiro come-Pernambuco.

çou agora a sentir-se tão geralmente, que seriamenteassustadoras se tornarão as conseqüências para oEstado. Quando a mesma pessoa era devedora ao governo e a credores particulares, Ievantavão-se discutas sobre a preferencia do pagamento, e para obterem

o que era legalmente seu muitos não escrupulizavãoem empregar meios manifestamente injustos. Assimprocurava um credor preferir a outro, tentando odevedor a traspassar-lhe a propriedade mediante considerável abatimento; outros, servindo-se de meiosstrictamenle legaes, mas não menos reprováveis,

mettião sem piedade na cadeia Os desvalidos devedores. O próprio governo se via obrigado á ser rigoroso. Não podendo fazer-se pago por meios maisbrandos, cahia sobre os devedores por occasião da

eg^',.t. colheita do assucar, e aprehendia-lhes o producto,apquè se seguião todos os vexames, males e misérias

dos processos judiciaes. Muitas vezes ião os própriosmembros do concelho em pessoa pelo interior do paizassistir a estas execuções, pensando que com mostrarem-se assim zelosos pelos interesses da Companhia,produziâo bom effeito sobre o publico, mas foi muidiversa a conseqüência. Os negociantes, commissa-

rios e outros credores dos fazendeiros queixárão-sede que o governo, aprehendendo o assucar nos engenhos, os privava dos jneios de haverem o seu paga-

•i

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 71•- • r • r -•• **

mento. Alto e ameaçador se tornou o seu descontentamento, e em quanto fazião para a mãe pátriaqueixas e aceusações contra o Concelho, principiarãopara segurar-se quanto possível a seguir egual systema de rigor,"àprehendendo negros, gado, caldeirase todos os bens dos fazendeiros. Egual expediente foi •adoptado pelos mutuantes de dinhe iro. Alguns lavra

dores, indignados ao pensarem nos juros usurarios,com que havião tomado dinheiro, para espassar odia do aperto, exasperavão-se ao ver que este dia senão deixava mais alongar, e defendião á força a suapropriedade, de modo que parecião as couzas tenderpara uma insurreição geral. Mesmo onde nenhuma

resistência se offerecia mal se vião menos embaraçados os credores, pois que levadas as terras executivamente á .praça, tinhão elles de ser os .próprioscompradores, e depois, se por ventura não sabiãoadministral-as, ou não podião residir n'ellás (o queera impossivel aos negociantes e commissarios), tqr-

nava-se-Mies a acquisição um pezo mortal nas mãos.N'este estado de geral insolvencia propoz-se que JJjJjjJ^

cohtrac,tasse a Companhia com os senhores de enge- colnmahWas

nhos de assucar receber ella todo o produeto .por um PortEguezes.certo-numero de annos, com obrigação de satisfazertodas, as dividas d'elles, couza fácil por serem estes

credores a seu turno devedores ao governo. 0 Concelho na metrópole approvou a idéia, que foi feliza ponto de se fazerem;n'esla conformidade contractos

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7 2 H I S T O R I A D O B R A Z I L .

1644. pelo valor de mais de dous milhões de florins, adop-

tando logo os negociantes o mesmo systema. Comtudo so em parte pôde com este remédio curar-se omal. A tão perigosas contingências tinha andado sujeito o commercio n'estas .províncias, que mais erajogo do que negocio. Muitos Hollandezes e outrosextrangeiros erão aventureiros desesperados tão bal-

dos de patriotismo como de probidade. Os Portuguezes, que se deixarão ficar em Pernambuco, estavão.também quasi todos em circumstancias desgraçadas.D'isto a primeira causa fora a guerra que repetidasvezes lhes assolou as terras. A miséria assim occasio-nada, e o ódio que a seus. novos senhores votavãpcomo causadores d'essa miséria, como oppressores ecomo hereges, produzira um effeito não menos pernicioso aos princípios moraes d'elles mesmos do queaos interesses dos Hollandezes. Confiando nos esforçosda Hespanha a bem do Brazil, e na firme esperançade que o grande armamento do conde da Torre, tão

Tomo I I , * o • ,

cap. xv. lamentavelmente dirig ido , effectuaria a restauração,tinhão elles comprado systematicamerite a creditoengenhos de assucar, terras, negros e bens de todaa espécie. Grave erro político commettèra a Companhia, vendendo promiscuam ente a todo p compradoras terras confiscadas, em logar de attrahipj novos co

lonos d'alem -mar, como Nassau tão freqüente einstantemente recommendava. Alems d'islo vendia-astão caras, que a parte mais prudente dos seus pro-

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H I ST O R I A DO B R A Z I L . 7 3

prios conterrâneos não podia,comprar, em quanto 16U

que sem meios nem intenção de pagal-as compravão-nasos Portuguezes p o r todo o preço 1 . A expediçãoem que as esperanças d'estes se fundavão, mallogrou-se; o dia do pagamento chegou; pedir mutuado e rao único recurso; ju ro s compostos de três e quatro porcento ao me z depressa d ob rarão e tripl icarão a divida;

inventárão-se então novas manhas, empregárão-setodos os artifícios da chicana para ganhar tempo a téque a reconquista viesse saldar as contas. Quandoapezar de todas as tricas legaes chegava a final o diade ajustal-as, uns tinhão assaz valia para obterem dogoverno protecção com que zombavão dos credores,

outros escondião-se, o que e m similhante paiz n ã oera difficil. Alguns, cuja velhacaria era de mais baixocunho, deixavão-se rindo metter na cadeia, contandocom a pouca vontade d'um credor hollandez parasustental-os alli p o r muito tempo, e d e facto tão p e -zadas erão as despezas d'esta mantença , qu e o pró

prio credor muitas vezes solicitava a soltura do seuprezo para n ã o aggravar com custas accrescidas o P.319."

primitivo prej uizo. P . 304 e 137.

Achando-se n'estas circumstancias tantos Portu- vexameguezes e m Pernambuco, t inhão n'ellas u m motivo e

°p

í < MM

Portuguezespelos

conquista-1

Aitzema diz que as dividas dos Portugue zes á Companhia som- A»te».mavão quinze milhões de florins... mais de metade do capital d'ella.0 que de tão errada política se podia esperar, senão as conseqüênciasque sobrevierão ?

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74 H IS T O R I A DO B R A Z IL .

vil para insurreições, alem d'esses sentimentos na

turaes e dignos, pervertendo os quaes a seus próprios olhos desculpavâo e justificavão o fraudulentosystema que seguião. Não lhes faltava pezada razãode queixa na insolencia dos conquistadores, rudezaè brutalidade de suas maneiras, ;c sua quasi infrenelicenciosidade. Mostre um exemplo a que vexames e

perigos andavâo elles sujeitos. Promulgou-se um decreto promettendo a liberdade em prêmio aos escravos que denunciassem seus senhores por terem armas escondidas. A todo o escravo que odiasse o seusenhor,-se offerecia assim um meio fácil de tomarvingança, e sobre tal lestimunho forão alguns Portuguezes postos a tormentose suppliciados, em quantos outros escapavão á mesma sorte, perdendo tudoo que possuião. Nada mais vulgar do que ameaçar.oescravo seu senhor com denuncial-o. Sobre este estado decouzas fundarão algunsHollandezcs umaiprac-tica nefanda, mancommunando-se com os escravos,para darem a denuncia, e escondendo arm as, que de

pois achadas servissem de prova. Um escravo fiel rervelou a final a algum bom senhor, que tal cilada se lhearmara, e o pobre homem foi pedir socorro a Fr.Manoel do Salvador, tremendo, diz o padre, como.varas verdes. Era o frade mui estimado de Nassau, eassim suecedeu que fossem dous malvados apanha

dos no próprio laço, pois sendo as arm as, sobre lestimunho do negro, encontradas onde elles as havião

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P . 7 1 .

HISTORIA DO BRAZIL. 75

escondido, ficou provada a culpa, e postos os reosá 1&44,

tormentos até confessarem, forão depois com a morte Lvua^*merecidamente punidos.

Que era a Hollanda então paiz mais ditoso do quePortugal, não é couza de que se duvide; mais in-dustrioso e mais illuslrado vivia o povo debaixod'um governo livre e d'uma religião tolerante, go

zando,da regular administração de leis boas. Masraro succede poder uma nação ampliar as própriasvantagens ás suas conquistas extrangeiras. Nassaupodia transplantar florestas e arvores frucliferas emtodo o seu desenvolvimento, mas não as benéficasinstituições da sua própria pátria, que são couzas

que teem suas raizes na historia e nos hábitos e sentimentos d'aquelles a par de quem forão crescendo,e a cujo crescimento se accommodárão. Se os Hollandezes tivessem projectado a conquista do Brazil paralhe melhorarem a condição dos moradores, e n'esteintuito modelado a administração das províncias con

quistadas, ainda assim não o houverão conseguido:a lingua, a religião, os costumes, o caracter e o orgulho .nacional dos Portuguezes erão outros tantosobstáculos, fortes em si mesmos, e na sua união insuperáveis.' Mas fora a conquista uma mera especulação commercial, em que era o lucro da Companhiao único fito, a eslrella polar de toda a política» Tinhaella tornado seus subditos os Pernambucanos semdeixar de consideral-os como extrangeiros-e rivaes no

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76 HISTORIA DO BRAZIL.• - • * • * . . . * •

1644- commercio : para que pois não competissem comella nos mercados europeos, lançava-lhes pezadosimpostos sobre a exportação dos productos, á qualinterpunha mais toda a especiede óbices, obrigando-os assim a vender dentro do paiz e pelos preços queos conquistadores se dignavão dar-lhes. A tal pontose extendia este monopólio, que nem se lhes permil-lia cortar o seu próprio gado para venda, ainda que

fosse para consumo de casa : havião de vender o animal ao carniceiro hollandez, e comprara carne peloaleroso

Lucideno. p reçQ p ixa (j0 pelo Concelho.Ainda que melhor espirito houvt sse dirigido o go

verno, o proceder dos seus subalternos o terião inutilizado. Desgraçadamente é por demais sabido em

séculos mais humanos e entre mais humanos povos,quão abomináveis exemplos de rapacidade, crueldadee oppressão oceorrem na administração de colôniasremotas e mormente nas conquistas. Para seu proprio governo moral é precizo que os homens comoindivíduos tenhão constantemente consciência d'uma

justiça que tudo ve e tudo relribue; como membrosd'uma republica também carecem de ter sempredeante dos olhos a lei, supremo padrão por que devem aferir todas as suas acções. Raro é 'porem quequer a lèi quer a religião acompanhem um exercito;de ambas se suspendem as formulas, e depressa selhe desvanece a influencia. Os conquistadores estabelecerão no Recife dous tribunaes de justiça; havia no

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HISTORIA DO RRAZIL. 77

«ferior oito juizes annuaes, quatro hollandezes, 164t-

quatro portuguezes," sendo os officiaes Subalternosegualménle escolhidos entre as duas nações; mas nosuperior, que era o de áppellação, havia cinco juizeshollandezes contra quatro portuguezes, sendo d'a-quella nação todos os demais officiaes. Qüéixávão-seos Portuguezes de que a apparente equidade de no

mear em numero egual juizes das duas nacionalidades para o tribunal inferior, era uma mera decepção, por que vivendo no campo raras vezes se reunião os Portuguezes, em quanto que os Hollandezes,residindo na própria localidade, estavão sempre presentes, decidindo assim tudo a seu falante; e se seappellava para o Concelho político, mal se dignavãoos juizes hollandezes notificar os membros portuguezes do tribunal, conferindo na sua própria linguaje confirmando quanto os seus conterraiieos tinhão decretado. De facto com tão pronunciadodesprezo se vião tractados os membros portuguezes,que raramente Comparecião no tribunal, decidindo

de todas as causas a corrupção e o patronato . Egual-mente se queixavão de que a parte escripta dos processos o havia de ser em hollandez, disposição que,por mais política que podesse ser nas suas conseqüências remotas^ occasionava muitos inconvenientesimmediatos, tornando-se dobradamente mordente

por ser ao mesmo tempo um penhor de sujeição eum imposto pezado.

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78 H IS T O R I A DO B R A Z I L .1644 Carecia o governo de farinha para as suas tropas

em S. Jorge, Angola e S. Thomé, e fixando ummáximo em Pernambuco, alli a comprou. Seguiu-secomo era natural a escassez, e por conseguinte ordenou-se que cada morador plantasse uma certa porçãode mandioca nas estações regu lares , septembro e janeiro, na proporção do numero dos seus escravos. Re

presentarão os Pernam bucanos que não era este o seusystema : nem todas as terras servião para mandioca,.havendo lavradores que não cultivavão outra couza,com que supprião os plantadores de canna e os se-nhores d'engènho, a quem não fallava que fazer nasua própria labutação. Debalde porem representarão

e tiverão de obedecer ao edicto, ou soffrer as muletasque os inspectores lhes impozessem. Também se lhesordenou que conservassem em bom estado as estradas nas testadas de suas casas e terras, para que nãopozessem os mãos caminhos tropeços aos inspectores,e em cada casa devia haver una medida de meio alqueire. Não havia áppellação d'estes inspectores, quepracticavão por conseguinte as exacções mais insolen-tes. 0 meio mais barato era offerecer desde principioalgum bom presente, alias nunca faltavão pretextospara as mais arbitrarias muletas. Uns erão mulcta-dos por plantarem de mandioca maior área do quedeterminava a lei, outros, que vivião do seu trabalho

diário, nem compravão ou vendião jamais farinha,recebendo-a em troca dos seus serviços^-- por não te-

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HISTORIA DO BRAZIL. 79

rem medida em casa. Mesmo no goberno d e Nassau 1644-se fazião estas exacções, não sendo possível qu e elletudo visse po r seus próprios olhos, nem faltandoquem, interessado na continuação d'estes abusos,obstasse a que lhe chegassem aos ouvidos as queixas, vaieroso

. . .. n i Lucideno.

ou impedisse as reparações que elle ordenava. 149-53.Em quanto governador procurava Nassau porto- Apopuiari-

j - i • • -i d a d e

dos osmeios ao seu alcance reprimir os excessos dos deN a s s a u

r prejudica

Hollandezes, e conciliar o povo conquistado. Em snccJmL.verdade tanto os Portuguezes o olhavão como seuprotector, q u e F r . Manoel o chama o S. Antôniod'elles. Também n'elle respeitavão o elevado nasci-,

mento, as qualidades pessoaes, e a magnificência depríncipe que tanto contrastava com esse espirito sor-didamente avaro de dinhei ro que , na opinião d'elles,caracterizava a nação hol landeza i . Por muito qu e

1 E curioso de ver com q ue desprezo os Portu guezes olhavão osseus heréticos inimigos, ainda mesmo n'uma epocha em que á suaprópria custa experimentavão o valor e os recursos d'estas nações. O

Jesuita Bartholomeu Pereira na sua Paciecis (poema épico em dozelivros, não sobre as proezas de Duarte Pacheco no Malabar, mas sobreo martyrio deFr. Francisco Pacheco no Japão) dirige a um Hollandezum insulto caracteristicamente portugue 1:

I, turpis O lande!I, vecors, sociis fida hsec responsa referto,His dexlris ferrum premitur, non caseus 1 íto,Perfide... molle pecus mulge, compone buíyrum,Dum ferrum Lysii tractant, pelagoque triuríiphánt.

(JLib. VIII, p. 140.)« E bem se ve,» dí2 o auctor da Arte de Fu rtar, referuido-se á Hol

landa e In glaterra , « que quanto m ais buscamos estas nações com em-

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8 0 H I S T O R I A D O B R A Z I L .

644 odiassem a casa de Orange pelos seus triumphos,

defendendo a causa da rebellião e da heresia, nãodeixava a sua reconhecida nobreza" de exercer considerável influencia; e ao resignar um príncipe d'estacasa a sua auetoridade nas mãos d'um Bullestraet,d'um Vander Burgh e dos outros membros do Concelho, tornárão-se estes homens objecto tanto de dis

farçado desprezo como de ódio. Os seus própriosnomes parecião aos Portuguezes trahir a baixeza daorigem 1 , e as mesmas exaeções que no governo deNassau se reputavão effeitos da rapacidade do conquistador, erão mais odiosas sob a administração

baixadas e concertos,, tanto mais insolentes e desarrazoadasse mostrão,

pagando com descortezias e ladroices nossos pr im or es ; por que lhescheirão estes a covardia, e çonsiderão-se temidos e blasonão. Se ellesnão nos mandão a nós embaixadas, sendo piratas e canalha do inferno, por que lhas havemos nós de mandar a elles, que somos reinode Deus è senhores do mundo ? Esta razão não tem resposta; e a quédão alguns políticos do tempo, é de cobardes bisonhos, que ainda nãosabem que cães so ás pancadas se amansão. Mas dirão que não temos

y paus para espancar tantos cães. A isso se responde, que antigamenteumso galeão nosso bastava para investir uma armada grossa, e botando fogo e despedindo raios, a rendia e desbaratava toda. Sete gru-metes nossos em uma bateira bastavãò para investir duas galés, e renderão uma e-pozérão outra em fugida. Poucos Portuguezes mal armados,comendo couros de arc as, e solas de sapatos, sustentavão cercos a muitosmil inimigos, que vencião : e sempre foi nosso timbre com poucosvencer muitos. Hoje somos os mesmos e assim fica respondido, quetemos paus com que espancar a todos. Cap. 2 5 .

1 Com h omen s ainda de mais baixa origéín alcançou a Hollanda as-

signalados triumphos, e tórriárão-rse celebres pela sua boa administração : a outras causas deve-se a decadência do Brazil liollandea.F . P .

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HISTORIA DO BBAZIL. 81

<l'estes homens, agora que se consideravão filhas da ^16i4,

avareza d'uma raça de traficantes. Nem o procederdos novos governadores era próprio para desvanecertaes prejuízos. Se por um lado não gozavão entre ossoldados d'essa auetoridade pessoal, por meio da «qual e do seu poder os continha em respeito o conde

Maurício, por outro nem possuião a sua generosidade, Cigt Ius

nem os seus talentos. 5'§ 28'Uma das primeiras medidas do novo governo fói Depuuçso

1 . l.ollandeza .'i

mandar deputados á Bahia sobre pretexto de compri- Bahia-mentarem Antônio Telles pela sua chegada; deviãorepresentar-lhe que muitos Portuguezes que se havião

submettido ao governo hollandez, e contrahido grandes dividas nas províncias conquistadas, fugiãoparaa Bahia, evitando assim o pagamento, practica a quese lhe pedia pozesse cobro, quer meltendo na cadeiaestes fugitivos, quer dando sobre elles ao grão concelho informações que habilitassem os credores, a

tomar medidas para rehaverem o que era seu. Também devião pedir-lhe que em logar de acolher osdesertores hollandezes, embarcando-os para Portugal, de futuro os aprehendessc, recambiando-os parao Recife. Taes erão os fins ostensivos da embaixada,cujo objecto real era averiguar a força dos Portugue

zes na Báhia;e nas capitanias do Sul, que navios es-peravão d^Portugal|0 estaclódo seu commercio deescravos e de suasi r íág&s eom^ Buenos Ayres, e especialmente descobrir qrjáes as pessoas qjiie de S. Sal-

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82 HISTORIA DO BRAZIL.1614. vador instigavão os Pernambucanos á revolta, pois

que as havia se acreditava firmem ente.Quanto á parte publica da sua missão pouco con

seguirão os depu tados. 0 governador francam entelhes declarou que em seu poder não estava ánnuir

ao que pretendião, prometteu-lhes porem que com-municaria ao governo hollandez os nomes dos fugitivos qu e se acolhessem á Bahia, e aos protestos depaz e amizade correspondeu com outros egualmehtelisongeiros e pouco1 sinceros. Nas suas pesquizassecretas forão mais felizes os emissários, excepto

quanto ao tópico que m ais lhes impo rtava. Souberãoque o numero das tropas estacionadas em S. Salvadore fortes adjacentes orçava por 2 ,5 00 ; qu e cerca de150 praças mais estavão aquarteladas nas capitaniasdos Ilheos, Porto Seguro e Espirito Saneio; e que asduas companhias de índios e negros, de obra de

150 homens cada uma, commandadas por Camarãoe Henrique Dias, estavão divididas pelas guarniçõesdo norte ao longo da fronteira hollandeza, por sergente desesperada, que não era prud ente ter perto dacapita l. A força naval nada era, reduzindo -se a umpar de chavecos impróprios para a peleja. Adoptara-se um systema novo de m and ar de Por tugal naviosde guer ra que , reunido s na Bahia todos os m ercan tes,os comboiassem para o reino, e ordenara-se aos Bra^zileiros que, em logar de empregar caravelas e embarcações ligeiras, construíssem para o futuro navios

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HISTORIA DO'BRAZIL. $5

fortes capazes de melhor se defenderem contra qualquer inimigo. D'aqui concluirão os deputados, quea perda de tempo a espera de comboio, e as Outra*despezas addicionaes, augmentarião, o preço dos

productos importados pelos Portuguezes na Europa aponto de poder a Hollanda facilmente vendei-os maisbaratos. O-trafico de negros pareceu-lhes que nãopoderia ser considerável, por que nunca d'elle ouvirão fallar, mas também não podia haver falta deescravos na Bahia, pois que um bom custava trezentos florins pouco mais ou menos. Com Buenos Ayresnenhumas relações existião; tel-as-ião os Portuguezes da Bahia de bom grado continuado a cultivardepois da revolução, mas tendo sido tractados comoinimigos os que lá forão, havião ellas cessado inteiramente. Era opinião geral que seria isto a ruína deBuenos Ayres, cuja prosperidade dependia do : seu

commercio com o Brazil, nem era de esperar que aprata do Peru continuasse a ser embarcada n'umporto,. d 'onde corria o risco de passar ao correrd'uma costa inimiga. A respeito de correspondênciascom'os Portuguezes desaffectos residentes nos: domínios da Companhia nada poderão tirar a limpo os

Hollandezes, mas ao tempo mesmo da partida descobrirão uma circumstancia, que bem os poderá fazerdesconfiar dos desígnios do governador. Ao entraremna bahia tinhão visto sãhir dotis navios armados, que

1644.

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84 HISTORIA DO BRAZIL.

i64í. rem saber para que porto, e isto, juncto a outrossignaes suspeitos, fel-os desconfiar que o fim seriaoutro. A final soube-se por informações secretas queestes navios não ião para Portugal, mas sim paraAngola, com reforços para o povo de Massangano,que os pedira contra os negros, devendo as tropas

entrar n'aquelle logar a oceultas, sem commetterèmhostilidades contra os Hollandezes; mas exactamente.quando regressavão descobrirão os deputados, cjueimm ediatamente depois da sua chegada todos os Hollandezes e Allemães residentes em S. Salvador tinhãosido mettidos a bordo de navios portuguezes e alli

relidos para que não tivessem communioação comNo7"lo.ff' os seus agentes.Não deixa de ser provável que, se fora lealmente

UIIürGC(3HpoH'euasen servido, poderia o Concelho ter obtido informaçõesserviços aos • . j , •

Portuguezes. mais exactas, mas um dos emissários o atraiçoava;Este homem, cujo nome era Dirk1 von Hoogstrateií,e que commandava o forte de Nazareth, offereceu aogovernador os seus serviços. Era catholico, dizia, eaborrecia os hereges, a quem a necessidade até então o ligara; mas que se o rei de Portugal quizessetentar a restauração de Pernambuco, podia e queriaelle facilitar a empreza. Era Antônio Telles mui fino

estadista para que houvesse de dar credito de repentea protestos que bem podião ser fingidos para tirar

1 Theodosio Estra ter o chamão os Po rtugu eze s, ma s Dirk é a a bre viação bollandeza de The odoric, creio eu , e não de Theodosio.

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HISTORIA DO BRAZÍL. 851644.

informações, na falta de outros meios. Agradeceu

pois a Hoogstraten os seus offerecimentos, asseve-raíido-lhe qüe el-rei seu amo nenhum Outro desejotinha.íppr então alem do de guardar fielmente astregoas e continuar a viver em boa amizade Com osEstados, mas accrescentou que, se alguma couza decorresse, que viesse perturbar esta boa intelligencia,

não deixaria de fazer-lho saber para aproveitar-se CLU™1°j 1 • 5, g 53.

dos seus bons serviços.0 que estes deputados referirão so serviu para *$j£als

tornar os Pernambucanos mais suspeitos ao governo e remotos.hollandez. Sempre este desconfiara d'elles, o que olevou a tomar medidas de rigor, que nos opprimidosprovocarão*novo descontentamento e mais activo ódio..Sabia-se que elles havião escripto a D. João IV, ma-nifestando-lhe o seu pezar de não poderem comoas outras províncias provar-lhe a sua lealdade, equeixando-se de nenhuma cláusula se ter inseridono tractado de tregoas, que lhes assegurasse a süa

liberdade religiosa. O mesmo Nassau declarara quesimilhante appello para protecção extranha mereciacastigo, mas a elles parecia-lhes licito solicitar a mediação do seu governo natural para remoção derestricções que lhes affeclavão não so os sentimentos,mas até os princípios da sua crença religiosa. Todos

os fundos até então destinados para fins religiosas,declarou o novo governo que lhe ficavâo pertencendopara serem applicados á manutenção de escholas»

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86 H I S T O R I A D O B R A Z I L .

egrejas e hospitaes. Os padres serião prezos, se entrassem nãs províncias conquistadas sem s,alvo-con-

ducto, e os que n'ellas quizessem residir havião deprestar o juramento de fidelidade, nem receber asordens sacras do bispo da Bahia. Aos Portuguezesprohibiu-se reconhecer a auetoridade de qualquerpadre ou prelado que entre elles não residisse, receber-lhe o suffraganeo, ou mandar-lhe dinheiro paraseu uso. Irritou-os também uma medida de severidade, que bem havia sido provocada. Pouco antes dechegarem as noticias da acclamação, descobrira-seque alguns dos religiosos que serviâo de confessoresaos Hollandezes catholicos e aos Francezes que mili-tavão debaixo da bandeira da Hollanda, havião recu

sado a estes a absolvição em quanto  fizessem njusta,guerra aos christaos, como chamavão os Portuguezespara distinguil-os dos hereges reformados. Couza eraesta impossivel de tolerar-se. Receberão pois os rnení-bros de todas as ordens monasticas ordem de evacuardentro ,d'um mez os domínios hollandezes no conti

nente, reunindo-se na ilha de Ilamaraca, d'ondeserião transportados para as colônias hespanholas.A medida, que era de necessidade, foi executada combrutal crueldade, como o soem ser deportações simi-Ihantes. Os Hollandezes tirarão os hábitos aos fradese em camiza e ceroulas os lançarão na praia tão longe

do povoado que a maior parte pereceu.Entre os Portuguezes que se havião submeltidoaos

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 87

Hollandezes, contava-se esse João Fernandes Vieira, 1644-

que depois de perdida Olinda tão valentem ente se mentode1 1 l ' João Fernan-

assignalara na defeza do forte de S. Jorge. Nascera des Yieira-no Funchal' , na ilha de Madeira, e era filho de boa Tomo «.

' ' cap . XII L

família, fugindo aos pães ainda mui jovem para noBrazil buscar fortuna. Chegado a Pernambuco deu-se

por feliz com achar um mercador que pela comida otomou ao seu serviço. Envergonhou-se porem de talabatimento.' n u m a cidade, onde andava sem preexposto a ser reconhecido pelos seus conterrâneos, edeixando por isto Q Recife, passou ao serviço d'outromercador, que, experimenlando-lhe primeiro a sua

habilidade e princípios, confiou-lhe depois negóciosda maior importância, habilitando-o a final a com-1 A historia do principio da vida de João Fernandes conta-a Fr. Ma

noel do Snlvador com característica singeleza nas suas oitavas :

A Pernambuco chega humilde e pobre(Porcpie quem foge aos pães tem mil desgraças. -

Porem como seu sangue é sangue nobre.Para passar a vida busca traças;

Considera que o ouro, a prata, o cobre,

É o que mais se eslima pelas praça?,E assim para buscar a honesta vida,

Serve a um mercador por a comida.

Sabe-se do Ar.reeife en continentePor não vir n'elle a dar em ser magano

E não ser visto alli da muita genteQue ia e vinha da ilha cada um anno;

O coração cercado de ancias sente,Um engano o persegue e outro engano,

Em resolução parjte do Arrecife,Que não diz bem ser nobre e ser patife.

(Vai. Lus., p..!58.)

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88 HISTORIA DO BRAZIL.1644 rnerciar por própria conta. Na tomada do acampa

mento do Bom Jesus foi elle feito prizioneiro, sendouma das pessoas a quem os conquistadores por umacto infame de crueldade e injustiça obrigarão a pagar resgate pela vida. Vendo depois que erão semesperança as couzas n'estas capitanias, segundo omodo por que se fazia a guerra, deixou-se ir comos tempos, aguardando melhor ensejo, e sempre

prompto a tirar partido de toda a boa occasião que *se offerecesse. No decurso de dez annos tornou-seum dos homens mais ricos do paiz, sendo suas riquezas olhadas como um penhor da sua fidelidade, evalendo-lhe a uniforme prudência do seu proceder,a lizura de suas acções, a sua generosidade de prín

cipe, e suas maneiras insinuantes, a confiança dosHollandezes a par do respeito e amor dos Portuguezes.Um dos membros do Grão-Concelho, com quem ellevivia em intimidade, deixou-o, ao voltar para a Hollanda, por seu único agente, dando-lhe um documento, pelo qual, como por disposição de ultima

vontade, ordenava aos seus herdeiros em caso defallecimento que acceitassem como prova sufficienle apalavra d'esle seu agente, prohibindo-lhes intentarjamais processos judiciaes contra um homem emquem tão inteiramente confiava. Comprou o mesmoJoão Fernandes as propriedades do seu constituinte,

e tão bem lhe sahia quanto emprehendia, que chegoua possuir a um so tempo cinco engenhos de assucar

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 89

em plena actividade. Casou com D. Maria César, 1644-. - " • - ' ) ' ' ' • .

joven e formosa filha de Francisco Berenguer deAndrada, natural de Madeira, cuja estirpe ia entron-car nos condes de Barcelona. Durante toda estacarreira de prospera fortuna chegara elle a conhecera fundo a força e a fraqueza dos Hollandezes, e tendoo coração e a mente fixos em libertar o Brazil das

mãos d'estes hereges, nem a domestica felicidadenem a prosperidade mundana lhe poderão tirar dedeante dos olhos este grande objecto. A par de muitasqualidades boas, e algumas verdadeiramente grandes,era João Fernandes Vieira cegamente votado ás superstições romanas, e o seu horror á heresia e o

receio dos progressos que ella podesse fazer entre o. . . . . . . n „ . Vai. Luc.

povo catholico, ainda vierão fortificar-lhe mais a re- iP1?9-* ' Cast. Lus .

solução patriótica. 5,§7-Uma anecdota característica da sua calculada ge- suagenerosi-

nerosidade mostra também de que modo designios

de tal magnitude lhe affeclavão as maneiras e ohumor. Um Portuguez, cujo navio havia sido tomadoem Angola, foi desembarcado no Recife tendo apenasroupa com que cobrir-se. Depois de solicitada emvão a caridade de Gaspar Dias Ferreira, o judeo m aisrico da província, foi elle com o seu triste contoa Fr. Manoel do Salvador, o qual o aconselhoude João Fernandes se valesse. Achou-o o suppli-cante no acto de montar a cavallo, e recebeu estaresposta : « Estou com o pé no estribo para voltar a

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90 HISTORIA DO BRAZIL.

1644. minha casa, queé d'aqui duas. legoas, pelo que niotenho tempo de servir-vos; mas se quizerdes dar-vosao trabalho de ir comigo, nada vos faltará em quantoeu tiver alguma couza. Se algum dia chegarmos an^o ter que comer, cortarei uma perna, e d'ella nosmanteremos ambos. Mas não podeis ir a pé, voumandar-vos um cavallo. » Foi isto dicto com tal gravidade e com rosto tão severo, que o po bre desv alido,

com parando o extranho do discurso com a dureza dasmaneiras, a Fr. Manoel se queixou da sua má sina;a que devia mais uma repulsa. Disse-lhe o frade queraras vezes se deixava João F ern an des ver -se comsemblante alegre, mas que na bondade do seu cora-ijio podia a gente fiar-se, e effeclivãmente chegou no,

correr da tarde um mulato á porta do padre, com urnValeroso

Luciiicno. cava llo para o supp licante 1

João Fer- Cerca de dezaseis mezes antes que Nassau deixassenandes A

acc,u™f(>00pc" o Brazil, apresento u-se João Fernandes voluntaria-

conceiho. m e n t e de a n t e (j0 governador e do Grào-Concelho,dizendo saber d'alguns judeos que elle e seu sogro

Dez. de 1642. ge r e r ig.u e r e r g 0 suspeitados na Hollanda, de terem;por mão de Antônio de Andrada, filho do mesmo;Be-

renguer, mandado a el-rei de Portugal cartas, em

detr im en to do Estad o. Confessou qu e pela indicada

via se havia effectivãmente remettido uma carta,.mas

1

Não sabemos como o grave historiador Southey deu credilo à se melhante anecdola visivelmente da lavra do Fr. Manoel do Salvador?F. P .

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H I S T O R I A D O B R A Z I L . 91

declarou que continha ella apenas uma recommenda-

ção a favor de seu cunhado, para que obtivesse algumcargo no serviço portuguez; e isto offereceu-se aproval-o, mostrando copia da carta. Examinada esta,viu-se que continha o que elle dizia; João Fernandesentão; para mais confirmar o concelho na boa opinião que da sua lealdade formava, aconselhou-o,

como medida necessária á segurança do Estado, quedesarmasse os Portuguezes e todos quantos ao serviçod'elles se achassem.. Assim se fez : o conselho tornou-o superior a toda a suspeita c a medida em sinenhum estorvo lhe oppoz aos desígnios, sendo fácilprover-se de novas arm as, antes que amadurecessemos projectos. Passados seis mezes chegou effóctiva-menle n'um despacho do Concelho dos Dezanove naHollanda a accusação que elle preverá e aparara.Um Hollandez, oulr'ora ao serviço de João Fernandese que acompanhara Francisco de Andrada á Europa,testificara què se escrevera uma carta assignada porJoão Fernandes Berenguer, Bernardino Carvalho,

João Bezerra e Luiz Braz Bezerra, em que asseguravãoa el-rei de Portugal estarem providos de gente, armase d inheiro, com que restaurar as províncias perdidas;carta, dizia o Hollandez, que Andrada o portador lhecommunicara em confiança. A accusação parecetrazer em si vfhementes indícios de falsidade: teria

sido imperdoável imprudência da parte d'esles homens darem ao agente um papel, que interceptado.

.1644.

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KieuholT.P . 35.

dos seusconterrâneos

92 HISTORIA DO BRAZIL.1644. devia condemnal-os, e entregue a salvamento, nada

continha que esse mesmo agente com egual auetoridade não podesse verbalmente communicar, sobreser absurdo dizerem ao-rei que estavão bem providosde gente e de arm as, quando da falia d'uma e d'oútra

couza era que provinhão as dificuldades. Não davaa Companhia grande credito á accusação eso recom-mendava ao Concelho que vigiasse de perto os aceu-

sados.rrindpia Antes da partida de Nassau nenhum passo quea dispor x

os ânimos podesse comprouiettel-o, dera João Fernandes; masdepois d'ella vierão offerecer-lhe a opportunidade,que elle aguardava a fraqueza da guarnição, a im

prudente segurança do governo, e os crescentesvexames que uma má administração impunha aosPortuguezes. Até agora encerrados no seu próprioseio lhe havião jazido os desígnios, sendo a primeiracommunicação uma crise terrível; feita essa,jaejlenão era mais senhor do seu segredo, e jogadas n'lini

so dado a vida e a fortuna, ficavão ambos á mercê,da lealdade ou discrição alheia. Este risco não podiaelle deixar de claramente o ver, e um dia que aconsciência do perigo o opprimia com mais do queo costumado pezo, recolhido ao seu oratório, derramou o coração em orações ante um crucifixo queestava deante d'um painel da Trindade. 0 fervor com

que então se votou á causa da sua pátria, e a fé ca-tholica com que implorava o Deus Trino e Encar-

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U HISTORIA DO BRAZIL.1644- dor ao Concelho a interceder por elles. Erão estes

hom ens, allegavão os dous, desertores da Bahia, e omelhor systema de proceder seria entregal-os a Vidal,que os levaria para S. Salvador, onde serião punidoscomo merecião, e de modo tal que tirasse toda asuspeita de terem elles ou outros que taes como elles

obrado com ordem ou connivencia do governador.Se isto não conviesse ao Concelho, mandasse-os prezos para a Hollanda, que com uma ou otra couza sedarião por satisfeitos os Portuguezes, povo fácil delevar-se ás boas, mas que se não deixava governarcom rigor. Demais, tinhão os delinqüentes em Per

nambuco irmãos e parentes, que tractarião de vingar-lhes a morte, se esta se lhes impozesse. Acçres-centou Vidál, que, concedendo-lhe o Concelho paraisso um salvo-conducto, tocaria elle em Porto Calvona sua volta, e offerecendo alli aos guerrilheirosperdão dos delidos por que havião desertado, todos

os levaria comsigo. Com prazer acceitárão os Hollandezes a proposta, concedendo passaportes a quantosacompanhassem Vidal por mar, ou, se para isso chegassem tarde, voltassem por terra com o seu alteres,que partiu immediatamente para Porto Calvo a fazeralli constar o convênio. Quanto aos prizioneiros ape

nas respondeu o Concelho que faria justiça com clemência, mal porem havião Vidal e o frade deixadoa sala, expedirão-se ordens para enforcar três d'elles,decepando-se a um as mãos antes da execução, 6 o

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96 HISTORIA DO BRAZIL.

1044. e s t a perfídia. Era elle um d'esses homens superioresa todas as considerações de egoísmo, e titülos, honras e riquezas nada erão a seus olhos quando se trac-tava de servir a pátria. Tendo visto a miséria dosPernambucanos e o estado dos fortes, nem mais pensou no Maranhão, mas abraçando o plano, que JoãoFernandes com toda a franqueza lhe revelara, votou-

se d'alma e coração á execução da empreza1 Porintermédio d'elle dirigira João Fernandes um memorial ao governador geral. 0 inimigo, dizia elle,estava descuidado, mal reparadas as suas fortifica-ções, podres as suas palissadas e as suas guarniçôesfracas; com Nassau erão idos os melhores officiaes,

e dos soldados muitos os havião seguido ao expirarem os termos do seu serviço, pois que estava ceifadaa ceara da pilhagem. A maior parte dos Hollandezesque restavão erão mercadores de todas as classes^ quetendo usurpado os engenhos e terras dos Portuguezes, nellas vivião tão á vontade, como se estivessem

no coração da Hollanda. A cidade achava-se prirfci-palmente habitada por judeos, originariamente fugidos de Portugal, que alli tinhão synagogas abertascom escândalo da christandade; pela honra da fédevião pois os Portuguezes arriscar vidas e fazenda, e

1 Em um estudo histórico intitulado 0 Brazil Hollandez, inserto

no tomoXXIII da Rev. Trim.do Inst. Histórico e Geogr.aphico Brazileiro,expendemos com algum desenvolvimento as razões que nos fazem crerque a iniciativa da insurreição pernambucana partira d'André VidalNegreiros e não de João de Fernandes Vieira. F. P.

* - 4

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H IS T O R I A DO B R A Z I L . 97

dar umas e outra por bem perdidas no serviço de 16í4

Christo, seu Salvador, derrubando semelhante abo-minação. Não dissimulava elle nem attenuava as dif-ficuldades da empreza, mas lançado eslava a dado,todo o conselho viria tarde, e agora o que elle pediaera auxilio. Ao governador, a quem estava commet-tida*a preservação do estado, não podião fallecer

meios com que valer-lhe : e protestou á face deDeus, que, se.d'onde o esperava lhe não viesse soccorro, teria de pedil-o a extrangeiros. E de factodeclarávão alguns Portuguezes que, se o seu própriogoverno natural lhes recusasse auxilio, recorreriâo áHespanha, ou se enlregarião aos Turcos, antes do

que soffrer o intolerável jugo da Hollanda \ Pelomesmo Canal escreveu João Fernandes também a Camarão , que estava então na fronteira de Sergipe, exigindo d'elle e das suas tropas indígenas essa coope-ração»que os Pernambucanos sempre o havião achadopromplo a conceder, e que tanta razão tinhão de

esperar d'elle, como de quem nascera na mesmatf

província2, e alli tantas vezes se mostrara um dosmais bravos e leales subditos. Da mesma forma escreveu a Henrique Dias, cujos serviços havião sidogalardoados com o titulo de governador dos negros

1 Pensamos ser esta uma hyperbole dos panegyristas de Vieira, eque jamais o passara pela cabeça *dos heroes da restauração de Per

nambuco. F. P.s A pátria do valente caudilho Philippe Caifiarão não «ra Pernam

buco e sim o Ceará. F . P;

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98 HISTORIA DO BRAZIL..

<645. minas1 Conjunctamente enviou um memorial para

ser remettido para Portugal, no qual expunha pelomiúdo a el-rei os vexames e ultra jes, que a elle eaos seus eomprovineianos obrigavão a tomar armaspara sua própria libertação^ protestando que ne-

Vaa. Luc. nhuma lei, tregoa ou tractado os podia esbulhar deCast. Lus. . i • • •5- §54- seus naturaes e inalienáveis direitos.

vaecardozo 0 que Antônio Telles linha de fazer ao chegár-lhea buco.m" este_appello dos patriotas de Pernambuco, acompa

nhado das animadoras informações que Vidal e o seucompanheiro colherão sobre as forças hollandezas,e estado das fortalezas, era assaz claro para quemconhecia as disposições da corte portugueza. Vingasse

a insurreição, que não havia receio de ser ella reprovada; o que lhe cumpria pois era fomental-a, mascom egual cuidado recusar todo o auxilio manifesto,e olhar por não commetler abertamente quebra alguma das tregoas. Assim o mais secretamente.,quepôde mandou sessenta homens escolhidos ao com-

mando de Antônio Dias Cardozo para fazerem o queJoão Fernandes ordenasse; e lembrado de qife estenão queria inúteis conselhos, so lhe recommendouque pezasse a empreza que commettia antes de en-cetal-a, e que se fosse tarde para voltar atraz, fosse

1 Por carta patente de 4 de "setembro de 1659 nomeou D. Fer

nando de Ma?carenhas conde da Peru a Henrique Dias, crioulo de Pernambuco, governador dos pretos e pardos da referida'província.F. P.

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HISTORIA DO BRAZIL. 99

resolutamente por deante. Compunha-se pela maior 1?45-

pa rte o destacam ento de officiaes exp erientes, queviajarão cada um por seu lado, ou em partidas pequenas, não vistos ou não suspeitados, e sem armaspara não excitarem desconfiança, e, chagados ao lo^gar aprazado, forão escondidos por João Fernandes,sendo um criado fiel, por nome Miguel Fernandes, Dez. dei644.

o único que do segredo soube. Principiara o auctorda revolta â fazer nas suas differentes fazendas e nasflorestas depósitos de munições, viveres, dinheiro earmas, mas não sendo possível obter d'estas numerosufficiente, tiverão quatro d'aquelles auxiliares devoltar á Rahia a solicitar su pp rim en to. Ia a carta

que levavão tão enigmaticamente escripta, que , in -telligivel pa ra a pessoa a quem se dir igi a, n ão poderiacausar reparo aos inimigos, se nas mãos d'elles ca-hisse.

Como homens que odiavão os Hollandezes e so na DeciarajoâoFernandes

gu er ra se achavão no seu elemento pr óp rio, receberão .as su.as

•Camarão e Henrique Dias o convite para tomar armas.0 primeiro agradeceu a João Fernandes a querer dar-lhe parte na gjoriosa empreza que meditava, o segundo disse que folgava com esta occasião de pagard'alguma sorte os bons officios que de suas mãosrecebera, e fez voto de não tornar a trazer a cruz da

ordem de Christo, quelhè fora conferida, antes derestaurado Pernambuco; ambos promettérão pôr-se - ->immediatamente em marcha. Tanto havião com isto

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H I S T O R I A D O B R A Z I L . 101

e émprehendedores com ardor generoso, os anciõespatriotas com tranquilla é religiosa approvação: alguns porem nouve que a escutarão com dissimuladoterror,'resolvendo prover á própria segurança comimmediala delação ao governo hollandez. Todos porem pedirão que os deixassem ver Cardozo. Ajustou-se para o dia seguinte segunda reunião em outrafazenda pertencente a João Fernandes, e para alli sedirigirão todos separadamente e por differentes caminhos. Confirmou-lhes Cardozo o que ja tinhãoouvido a respeito da approvação e apoio do governador da Bahia, e marcha de Camarão e Henrique Diascom suas tropas. Então toda a assembléia a uma so

vez acclamou João Fernandes seu general e governador durante a insurreição. Aquelles a quem paraa empreza faltava o necessário valor, tiverão de cedermomentaneamente, fazendo coro com os demais:mas tão bem tornarão suas medidas, e tão sagazmentesouberão diffundir os seus próprios receios, que ainda

não erão passados três dias, veio todo o rancho tercom João Fernandes uns com verdadeiro outros comsimilado interesse dizer-lhe que ja o Grão-Concelhotivera noticia da reunião, e possuía uma lista de todosos nomes. Impossível lhe era saber quaes fossem osdelatores, mas que elles se achavão presentes era ma

nifesto. Dissimulando-o porem, fingiu reputar infundado o receio dos conjuradòs, dizendo que qüaesquerque fossem as suspeitas que podesse haver, concebido

1645.

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102 HISTORIA DO BRAZIL.íels. 0 Concelho, quer simplesmente se desconfiasse dodesígnio, quer tivesse havido algum traidor, elle seencarregava, de removel-as. Era bem sabido emquanta estima o tinha o governo hollandez, e paracom os magistrados mais pezava a sua mentira, qúe

a verdade de muitos. Com inteira tranquillidade èintrepidez o disse João Fernandes, e os que tinhãoatraiçoado a conspiração bem sabião que não era vãbravata; vendo-se pois em risco de ser tractados comoimposlores pelos Hollandezes, e pelos Portuguezescomo traidores, propozerão como meio de sé desenredarem tractar com o Concelho de modo ta lq uecom prazer concederia o governo a Cardozo e á suagente passaportes para voltar á Bahia. RespondeuFernandes que ocioso era fallar n'um plano â quecomo soldado e homem honrado jamais anriuiriaCardozo. E- deixando-os n 'isto , correu a dar comCardozo, referindo-lhe o occorrido, e quaes os

que suspeitava traidores, para que d'elles se guar-Cast. Lus. .

5, §41-6, dasse.Veio a tempo a advertência. Sobre ella meditava

Cardozo no seu escondrijo, quando chegou um dostraidores a dizer-lhe que sabendo ja os Hollandezes"

da sua presença, ião sahir tropas do Recife com ordem de bater as selvas até que o encontrassem, Eraimpossivel escapar, dizia o homem, e assim ó m elhorseria pára segurança tanto d'elles como dos patriotasconfederados obter-Hie um passaporte, que o livraria

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H IS T O R I A DO B R A Z IL . 1 03a elle de perigo, e ao Concelho do receio. Cardozo 1645-respondeu que condições semelhantes bem podiãoser acceitas por um bando de traidores, mas elletinha uma espada com que impor as que lhes corr-

viessem, e se o prendessem seria isso a morte dos

que o atraiçoavão, pois ficassem certos que sem serprecizo dar-lhe tratos, havia de declarar logo os seusnomes, e que a convite d'elles viera a Pernambuco,não sabendo João Fernandes sequer da sua vinda.Provocado pelo tom e modo d'esta resposta, aventurou-se o Pernambucano a ameaçar a seu turno, maslargou a fugir ao ver Cardoso arrancar da espada.Conferenciou este agora com João Fernandes, e concordarão ambos em que o primeiro dirigiria ao segundo Uma carta, que em caso de necessidade podesseser apresentada ao Concelho, para desculpal-o a ellee criminar os reveladores da conspiração. Dizia acarta que fora Cardozo attrahido a Pernambuco a re

petidas instâncias dos moradores portuguezes, confiando nos seus juramentos e protestos assignados deseus próprios punhos de acharem-se colligados parasacudir o jugo dos Hollandezes. Illudido por estaspTomessas, chegara elle ao logar aprazado, depois deter padecido.na marcha o que Deus ea sua gente

sabião, mas apenas chegara, logo se vira trahidõ.Isto porem ja elle até certo ponto o receava, vendo aanciedade com que buscavão os conspiradores oceul-tar de João Fernandes os seus actos. Havião-no estes

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1 04 H I S T O R I A DO B R A Z I L ,1G45- estorvado de apresentar os seus respeitos a uma pessoa

tão distincta entre os seus conterrâneos, como aliasteria feito por corlezia e sympathia; nem agora ofaria, com receio de levantar qualquer duvi3a sobrea sua lealdade ao governo hollandez, que tanto opregava por sua exemplar fidelidade. AccrescenlouCardozo que escrevia esta carta como única prova de

respeito que podia dar a João Fernandes, informando-o de que voltava á Bahia antes que aquellesmesmos que o linhão tentado a vir a Pernambuco,o entregassem ao Concelho. Para defendel-o d'esleperigo, tinha elle uma espada, mas se essa lhe.falhasseproclamaria alto os nomes dos traidores e recorreria

na sua desgraça ao favor de João Fernandes. , •Apromptado este bem imaginado papel, retirou-se

Cardozo para outra parte dos bosques, guiado porum servo fiel do seu confederado político. Entretantomandou João Fernandes chamar as pessoas a quemcommuhicara os seus desígnios, e dando-lhes a ler a

carta, perguntou que razão teria Cardozo para retirar-se tão precipitadamente, sem outra despedidaalem d'aquella que vião? Aconselhou aos que fossemculpados que se acaulelassem das conseqüências, poisqüe bem sabião que, tendo elle mais habilidade eespirito que gastar n'uma hora do que os outros emtoda a sua vida, também uma palavra d'ellejaleria

mais para com os Hollandezes do que todos os juramentos dos seus delatores. Quanto á carta ia guar-

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H I S T O R I A DO BRAZIL. 105

dal-a preciosamente, como documento para ápresen-

1645

-tar ao Concelho.Era Fernandes um conspirador por demais subtil Embaraça

para os Hollandezes, e tão bem tinha sabido esconderCardozo e a sua genle nos matagaes, que baldadasforão todas as pesquizas. Não se achava agora poucoembaraçado o Grão-Concelho. Tinha-se-lhe dicto quedesde a partida de Nassau meditavão os Portuguezesuma revolta em conseqüência das aggravadas extorsões è vexames de que se vião victimas; que a visitade Vidal a Pernambuco tivera por fim averiguar overdadeiro estado das couzas, que os Portuguezesconlavão até com os próprios negros da Companhia,

por serem catholicos, e que João Fernandes e seusogro Berenguer erão os cabeças da conspiração. Differentes outros havião sido nomeados, mas nos seusdespachos á Companhia queixava-se elle de não poderobter provas sufficientes para metlel-os na cadeia,nem atrever-se a dar buscas e desarmar os Portu

guezes, com receio de provocar uma insurreição im-mediata, contra a qual não sobravão meios de defeza,pois que, achando-se pouco seguros os armazéns edepósitos, e sendo impossivel tirar das guarniçõesforÇa bastante com que proteger os districtosruraes,cahiriâo ás mãos dos insurgentes todos os que mo

rassem a alguma distancia dos fortes. N'eslas circumstancias pedia o Concelho instantemente imme-diatos reforços, até cuja chegada o mais que poderia

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106 H I S T O R I A D O B R A Z I L .1645- fazer séria precaver-se quanto possível contra o pe

rigo, e continuar a vigiar com o maior cuidado;promette Entretanto tinhão chegado a S. Salvador os men-

o governador ' ,

ajudar sageiros de Cardozo, e o governador, empregandocomo de costume a mais cautelosa linguagem, pro-metteu comtudo aos Pernambucanos todo o auxilioque podesse dar-lhes, se continuassem os Hollandezesa opprimil-os, e em secreto facilitou a ida de maisvoluntários. Uns quarenta aventureiros se offerecérãopara esta arriscada empreza, e chegando todos a salvamento, forão postos ás ordens de Cardozo e aquar-telados nas florestas. Por este tempo se espalhou queos Tapuyas ião ser açulados contra o povo da Para-

hyba, eque o Grão-Concelho resolvera m andar matarnas suas conquistas todos os Portuguezes varões dequinze a trinta e cinco annos de edade. O primeiroboato não era incrível, pois que entre aquelles selvagens estava estacionado como agente dos Hollandezes um Allemão por nome Jacob Rabbi, que se

«asara com a filha d'um dos seus caciques, e accom-modando-se com pouca difficuldade ao gênero devida e com nenhuma á ferocidade d'estes selvagens,era de recear que se tornasse cruel inimigo ao principiar a gu erra. O segundo projecto era sem duvidauma imputação calumniosa. Capazes erão os Hollan

dezes de tal crim e, que ja o havião elles assim practi-cado.na Batavia; mas d'esta vez sabemos pelos despachos do Grão-Concelho que não se atrevia elle a desar-

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HISTORIA DO BRAZIL. 107

m ar os Portuguezes, embora conhecesse o próprio 1645

perigo, muito menos arriscaria uma matança geral1,Era impossivel que João Fernandes desse credito asimilhante boato, antes era provavelmente uma falsidade da sua própria lavra, pois que a fazia circular•como facto averiguado, de que oblivera noticia certa , •dando pressa aos seus associados que se apromptas-

sem , para a pa ra r o golpe que se lhes destinava. Eraque se tinha elle agora adeantado tanto qu e ja nãopodia escapar de ser descoberto, pelo que lhe importava pão perder tempo. Camarão e Henrique Diaserão esperados a toda a ho ra, e obrand o com a auetoridade de general*, que lhe fora conferida na pri

meira assembléia, nomeou capitães para todos osdistrictos, passou-lhes as patentes pela fôrma coslu-

, . . . r r Cast.Lus.

mada, e deu-lhes mstrucções. 5> §54-s.Desde muito accumulava João Fernandes mate-Preparativos

de

riaes para esta em preza. Presidente de m uitas i r m a n - J Fernanaes-dades religiosas, ousara elle comprar publicamenteconsiderável quantidade de pólvora sobre pretextode se r para fogos de artificio no s dias das festas dosdifferentes sanctos, e pelo serião recebera da Bahiadoutra porção. Tudo isto estava cuidadosamente escondido nos bosques, onde elle de egual maneira fizera

1

Absurda era semelhante imputação e so própria para irritar o povoiignorante contra o dominio hollandez. F. P.2 Ò titulo deferido a Vieira nessa primeira reunião dos cónjurados

jião era o de general; porem sim de gobernador da liberdade. F. P.

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108 HISTORIA DO BRAZIL.

1645. deposito de fructás, grão, peixe e carne tão salgada

como defumada, vinho, azeite, vinagre, sal e espíritos distillados nos seus próprios engenhos. Erão•estas couzas levadas para as malas nas ca reatas emque se ia buscar pau brazil. Também mandaraHmaior parte de seus numerosos rebanhos para cur-raes no sertão, ai legando que na várzea perto do Re

cife lhe roubavão os negros o gado, sobre morrermuito por pastar uma certa herva chamada fava.Com taes pretextos e por semelhantes modos haviaelle reunido munições de boca e de fogo para.a pre

miei)?" meditada guerra.ivojecta U m a das principaes pessoas a quem se commu-

J. Fernandes . , p* , . . , , .

uma meara o plano, tora um homem de considerável m-matança dosPeíurePosS fiuencia) Antônio Cavalcanti por nome. Abraçou este

Holandês, calorosamente o projecto, mas ao approximar-se Otempo de obrar, engrandecendo-lhe o próprio medoas difficuldades e perigos, principiou a vacillar e aencolher-se. Tinha elle um filho e uma filha ambos

casadouros, e para segural-o propoz-lhe João Fernandes casal-os com uma irmã e irmão de sua mulher,promettendo estabelecel-os ambos em dous dos seusengenhos, dando-lhes por quatro annos todo o prd*

dueto, e exigindo apenas um terço como renda pordeixar-lhos depois- ainda por outro egual período.

Foi com prazer acceita a proposta, mas mal pensavãoos noivos cujo enlace assim se conlraclava, quaes ospreparativos que lhes fazião para as bodas. Estava

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HISTORIA D O B R A Z I L . 109

visto que havião de ser convidados os amigos de am- í645-

bas as famílias, c como era João Fernandes que faziaa festa, esperava-se que por consideração para comelle açceilassem o convite todos os principaes officiaes da Companhia tanto civis como militares. Era*sua intenção porem atestar bem de vinho estes hospedes, e depois com um bando de conspiradores*cahir

sobre elles e malal-os, em quanto outra partida, entrando no Recife, se apossaria da cidade, antes quepodessem os Hollandezes, privados de seus chefes,tornar a si da consternação em que tão inesperadoaccommeltimento os lançaria. Resolvido este acto deatroz aleivosia, communicou João Fernandes o seuintento aos homens da várzea, ordenando-lhes quedesenterradas as armas que tinhão oceultas, e obli-das as mais que podessem, se apromptassem para aobra. Ao ouvirem-no não poderão elles reprimir oalvoroço, com que gritarão a uma voz : «Viva el-reiD, João IV, nosso senhor! Viva a fé catholica ro- .*..mana, que professamos! Viva, viva João Fernandes

Vieira !» Quanto ao projecto em si nunca com demasiada severidade poderemos condemnal-o, mas julgando o que o concebeu e os que assim o approvavão,èevemos recordar que pouco mais de meio séculoera passado desde que a suprema sede da sua egrejacunhara uma medalha em honra da carniçaria da

noute de S. Bartholomeo.No ardor das suas esperanças principiarão os ho-

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H O H I S T O R I A DO B R A Z I L .

1645* mens da várzea a procurar armas com uma ancie-D

da"d

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c

^ dade que não podia passar desapercebida. Soubed'isto o Concelho, mas ainda as suas informaçõeserão incompletas apezar de tudo quanto aquellêsPortuguezes mais limoratos do que traidores haviãodicto para intimidar João Fernandes e Cardozo,.enem sabendo de quem apoderar-se, nem atrevendo*se a tomar uma medida geral de prizões preventivas^affectou tomar por boato vago o que ouvia. Mas osjudeos tornárão-se clamorosos nassuas manifesta-ções de inquietação, quctinhão elles mais que perder do que os Hollandezes, certos como estavão deserem trucidados sem clemência durante a insurreição, o*u assados sem misericórdia se ella vingasse; e

assim não deixavão o Concelho com advertências, edenuncias. A mais esplicita informação veio-lhe po*rem d'algum Portuguez na forma d'uma carta,;fssi-gnada a Verdade, e na qual se aconselhava a prizãode João Fernandes Vieira, como cabeça e priíneiromotor da conspiração,. d'alguns dos seus criados, do

sogro Berenguer e de Antônio Cavalcanti, que feitoisto tudo sáhiria á luz. Aconselhava mais o auctor dacarta que se chamassem ao Recife todos os fazendeiros do território circumvizinho sobre garantia-dfcque não serião molestados pelas suas dividas, e queuma vez lá, os retivessem com o pretexto de não os

deixar exporem-se á violência dos rebeldes nos campos, tomando-se egual medida na Parahyba e em

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Porto Calvo, onde não aproveitaria menos ao governo 1645>

e a muitos particulares. Conjuramos-vos, dizia acarta, que veleis por esta pobre nação para que nãose veja forçada a fazer contra vós causa commumcom os rebeldes. A insurreição, accrescentava ella,devia rebentar em Whitsuntide. Declarava tambémo escriptor que três erão as pessoas que davão esta

informação; que em tempo opportuno não hesitariãoéllas em revelar os seus nom es, e que havião de continuar a ir communicando o que soubessem, promessa que parecia repetir-se nas palabras Plus ultra

. . . -, . Nieuhoff.

postas debaixo da assignalura. p. a.Informações tão positivas ministradas por homens procura

. . _A a Concelho

que mal procuravao esconder-se, pois que tora por- apanhartador da carta um mensageiro, por meio do qual fácilera seguir-lhes a pista, convencerão o Concelho tantoda certeza como da imminencia do perigo; pelo quese poz a deliberar por que modo colheria á mão JoãoFernandes. Lichtharjt e Hans propozerão convidal-o

para uma pescaria e depois apoderar-se d'elle, masou senão tentou á couza, ou o astuto cpnspirador senão deixou engodar. Excogitou então o Concelhooutro plano. Tinha João Fernandes muitos negócioscom a Companhia, e havia algum tempo que diligenciava fazer com ella novo contracto; resolveu-se

pois mandar chamal-o á cidade com os seus dousfiadores Berenguer e Bernardino Carvalho, sobrepretexto de. fechar o .tracto e assignar os papeis. Mas

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H I S T O R I A D O B R A Z I L . 113

bem sabia os inimigos que tinha no Recife, e que pia- 16í5-

nos contra elle se forjavão, e que quanto a pròtecção *$•}$•em nenhuma confiava tanto como na da sua casa. ^"só-e.

Não erão chegados ainda Camarão e Henrique Movimentos

Dias : achava-se este ultimo, ao receber o convite de deCD^sra0

vir a Pernambuco, empenhado n'uma expedição contra um mocambo, ou aldeia de negros fugidos, no

sertão, o que lhe retardara a marcha, que o tempoainda viera depois impedir-lhe, sobrevindo a estação"chuvosa com uma inclemencia de que não haviamemória entre as pessoas mais velhas no Brazil. 0Concelho sabia que erão esperadas estas tropas, mastendo encarregado o seu commandante em Sergipe

de dar-lhe conta dos movimentos que por alli se fizessem, recebeu em resposta que Camarão fora passara paschoa na Bahia, e que a sua gente se empregavaem cultivar a terra. Concorreu esta informação paraconfirmal-o por algum tempo n'essa seguridade, aque de tão boa mente se entregava.-Mas o procederdo cacique carijó, quer fosse accidental quer calculado, illudira os Hollandezes, que por mais vezes quese lhes dissesse que nas malas havia tropas da Bahia,jamais lograrão com todas os suas pesquizas descobrir-lhes p escondrijq, tão bem as occultara JoãoFernandes. A final chegarão porem noticias, que despertarão no Concelho toda a consciência do perigo;de S. Francisco o informarão que Camarão e Henrique elle soubesse quem proteger e quem pu nir. Una-

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as malas.

114 HISTORIA DO BRAZIL.

1645. q u e Djas tinhão atravessado o rio, e das Alagoas que

alguns homens d'estas partidas se havião aventuradoa entrar nas casas em busca de viveres; que tinhãosido vistos e falados, e que o commandante hollandez,indo em pessoa saber-lhes do intento , lhes descobriraa pista da marcha muito pelo sertão dentro, signalinfalivel de intenções hostis.

jlíeFêrnandees ^m ° i u a n t o e s t a s tropas vião pela chuva retardadaa sua marcha, não podia João Fernandes mais aguardar-lhes com segurança a chegada. Ja não havia queduvidar de que intentavão os Hollandezes apoderar-se da sua pessoa, e agora que falhara o artificio, seempregaria a força. Mandou por conseguinte a mulher, que se achava em estado de gravidez mui adean-

lada, para casa d'um parente d'ella, e retirou-se paraas matas, jamais se aventurando a apparecer em qualquer das suas terras, nem a dormir duas vezes seguidas no mesmo sitio. Acompanhava-o sempre Beren-guer com um punhado dos mais resolutos patriotas euma porção dos seus próprios escravos, cujo dedicado

affecto mostra ter elle sido bom senhor. Não tardoumuito que elle recebesse noticia certa de terem Camarão e Dias atravessado o S. Francisco, e logo mandoua carta, que a trazia, ao vigário da Várzea Franciscoda Costa Falcão, cabeça do clero alli, e um dos prin-cipaes fautores da conspiração, recommendando-lhe

que a communicasse aosPorluguezes da sua fregueziaconvidando-os a pronunciarem-se d'uma vez, para

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HISTORIA DO BRAZIL. 115

nime foi a resposta : todos erão verdadeiros e leaes 1645-Portuguezes, promptos a servir o seu rei e a sua pátria i6Ís.com vidas e fazenda.

Nenhum acto declarado de insurreição tivera logar Milagreainda. Ignorando que João Fernandes sahira de casa, s-Antoni

esperavão os Hollandezes sorprehendel-o n'ella nanoute de sancto Antônio, sancto que os Portuguezes

teem por seu patrono, e pelo mais illustre de todosos seus conterrâneos canonizados, celebrando-lhe afesta com particular devoção. Expedirão-se ordenspara prender os chefes da conspiração á mesma horapelas capitanias hollandezas. Na véspera de sanctoAntônio pois, exactamente ao fechar da noute, sahiu

do Recife uma porção considerável de tropa, emtroços de vinte e de trin ta, tomando estradas diversas,mas todos com ordem de cercar a casa e engenho deJoão Fernandes. Alli se reunirão, romperão paradentro; e acharão o logar deserto; todas as habitações estavão da mesma sorte abandonadas, que con

tando ja com isto os Portuguezes, estavão escondidospelos cannaviaes e florestas. Milagres se tinhãq feitopara animal-os a abandonar assim as suas casas.Tinha João Fernandes uma capella dedicada a sanctoAntônio, e cerca d'um mez antes do dia do sancto,achou a pessoa qüe à tinha a seu cuidado, abertas de

manhã as portas, que fechara bem á noute, levandocomsigo as chaves. Nada havia sido furtado, nem seencontràvão signaes de ter alli alguém entrado. Re-

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1 1 6 H IS T O R IA DO B R A Z I L .1645- petiu-se na segunda e terceira noute o mesmo prodí

gio, eo sacrislão agora plenamente convencido deandar aqui intervenção sobrenatural, foi referir o casoa vários padres, que affectárão ver n'isto uma peçapregada pelos vizinhos. Passou o bom do homemtoda a noute á vela para averiguar a couza : ninguémappareceu, e de manhã estavão as portas abertas.

Deu-se agora a João Fernandes conhecimento do m ilagre nocturno que se operava na sua capella; eadmitlindo-se ainda a possibilidade de haver quempossuísse uma chave falsa, fechárão-se as portas napresença de m uitas pessoas, e elle sellou a fechaduracom o seu próprio sinete. De manhã achárão-se como

de costume as portas abertas e ó sello intacto. Fácilcomo tudo isto era de fazer-se, passou por milagroso.D'aqui inferirão alguns que o sancto as convidava asahir a campo, patentear os seus desígnios e começare sem mais demora a boa obra; outros, descobrindono portento allegoria mais determinada, querião quecom este signal estivesse o patrono manifestando asua intenção de proteger os Portuguezes leaes, é comoque mostrando que sempre o encontrariãò com asportas abertas ás suas orações. Houve ainda terceiropartido, que divergia dos outros dous; era um signal,dizião, de que devião segurar suas pessoas e famíliase abandonar as casas. Para que não restasse duvida-de que era esta a interpretação genuína, veio novoprodigio confirmai a. No mesmo dia, estando-se a

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HISTORIA DO BRAZIL. 117

dizer missa na capella, cãhiu aos pés do sancto o 104E

doçel, que*sobre o altar se via deante da sua im agem .Todos concordarão á uma que era isto uma advertência, para que, desarmada a capella, e removidos os

Cast. L

haveres de cada um, se retirassem. 5 '§64

Mais felizes;, não forão os Hollandezes cm outros jiaiiogrhuscas

ponlos, posto qu e por pouco h ão sorp reh end erão uoiiandeBerenguer e Bernardino de Carvalho, com mais doushomens de importância, que estavão dormindo nacasa de refinação d'um engenho, quando forão despertados pelo rumor dos soldados nas habitaçõespróximas, mas, rompendo caminho, atravessarão o

Capivaribi com água pelo pescoço, e mctlérão-se ásmatas. Humida e tempestuosa era a noute, e por todaa parte esbarravão os Hollandezes com aloleiros eenxurradas. Mal se havião elles relirado de sua in-fruetifera busca, quando sahirão os Porluguezes deseus escondrijos, e reunindo-se como tinhão pactuadona egreja matriz da Várzea, celebrarão a festa commais ardente devoção que nunca. Fr. Manoel do Salvador pregou por esta oceasião; desde muito querecitava as suas homílias com o medo das galésdeante dos olhos, tendo-o os Hollandezes rodeado deespiões, que lhe pezassem Iodas as palavras. Aquiconhecia elle o seu au ditó rio, fallou desassom brado,

e tomando por texto : Cingi os rins, pregou um sermão de ferir fogo. Com verdadeiro sentimento portuguez, recordou a antiga gloria de Portugal, e os

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118 HIST0B1A DO BRAZIL.

1645. heróicos feitos dos avoengos, dissertando com suspeita

ingenuidade largamente sobre os recentes milagresobrados por sancto Antônio á vista de todos. Dirigia-se elle a bem dispostos e ávidos ouvintes, cuja piedade, patriotismo e superstição estavão excitados atéao ultimo ponto : e podemos dar-lhe credito quandonos conta que os fieis sahirão da egreja, derramando

lagrimas de generosa alegria, e votando-se de novop.i79. £ causa da sua pátria e da sua religião.

conceího ^ u a s P e s s o a s apenas d'entre quantas o Concelhomandara prender na Várzea, forão apanhadas : umaignorava completamente a tramóia e a outra eraSebastião Carvalho, um dos que havião escripto a

carta. Confessou-o elle agora e para confirmar a verdade das informações que dera, declarou que linhasido iniciado na conspiração, assignando um papelem que se obrigava a tomar parte acliva na execução;assignara-o porem, dizia, com medo da morte, tendoJoão Fernandes ameaçado exterminar quantos recusassem unir-se a elle, e effeclivamente mandado assassinar alguns por semelhante motivo. Carvalho ficouagora retido prezo, a seu próprio pedido, para livrar-se das suspeitas dos seus conterrâneos. Mandou oConcelho immediatamente alargar os fossos e repararas forlificações de Maurício, e aprehender para aguarnição toda a farinha que apparecesse, pagando-acomtudo por cerlo preço. Offereceu perdão a AntônioCavalcanti e João Paes Cabral, homens de grande

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HISTORIA DO BBAZIL. 119

importância entre os desContenteSj e euja deserção, 1(i4S

entendia o Concelho, devia enfraquecer e desanimarmuito os patriotas. Esperava elle poder reduzil-osfacilmente á submissão, por terem ambos as famíliasem poder dos Hollandezes. A próxima chegada deCamarão também o fez tremer pela fidelidade dosseus próprios índios, e assim resolveu passar, sendo

possível, as mulheres e crianças d'esta gente para ailha de Itamaracá, sob pretexto de pol-as a cobertodos insurgentes, mas de facto para que lhe servissem Nienll0ll

de reféns, p-45-7'Entretanto apenas soubera que se linha dado busca convida

J. Fernande

para prendel-o, vendo que impossivel era a procrasti- "P

0

1

nação, reunidos os seus associados, fora João Fer- em arma5'nandes postar-se n'uma eminência da floresta assazelevada para servir-lhe de torre de atalaia. Parece ositio ter sido aprazado como logar de reunião, poisque alli forão dar todas as pessoas que elle empregavanas suas diversas fazendas, munidas de armas desdemuito guardadas para este effeito. Lá se lhe forãotambém reunir os seus escravos; levados do amor quetinhão a um senhor indulgente e bom, da promessade liberdade e recompensa, se vingasse a empreza, edo gosto aventureiro que é innalo no homem. Aocabo de três dias achava-se elle á testa de cento e

trinta homens resolutos e de confiança, muitos poremmal armados e todos indisciplinados. Dalli.se passoupara Camaragibe, logar mui próprio para defeza,

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120 HISTO RIA DO RRA ZIL.

1645. rodeado como era de pâ n t an os , e a ce rca de d uas

mi lhas da Várzea , sendo fácil por tan to receber, eIransmittir not ic ias . D 'es te pon to env iava suas men

sagens em Iodas as d irecções , convidando os P o r t u

guezes a a rmarem-se e r eun i r em-se a e l l e ; e a t l r a -

hindo os escravos com o offerecim ento do soldo e

privilégios de so ldados , e p romessa de compra r do

seu cabeda l a l ibe rdade de todo aque l le que per tencesse a um pa t r io ta . Acudi rão mui tos ao chamado , e

cah ind o de no u te sobre as casas dos Hollandezes e

judeos, que por infe l ic idade lhes f icavão ao a lcance,

malavão os m ora do res , saqueavão os ben s e ião reu

n i r - se ao cam po dos i n s u r ge n te s . A lguns , q ue não

terião com que prover ao sustento de suas famílias,se se ausen tassem, máo grado seu se conservarão

qu ieto s , ne m forão pouco s os qu e, prezand o sobre

cast. Lus t u d ° a própria t r a n q u i l l i d a d e , desejavão v e r p r o m p -

' s "» ' t am en te su ffocada a ins ur re i çã o .

Medidas de Po r essa cobiça, q ue era a ca rac terís t ica e a m al-precaução x

conpe'oidas dição do governo da Companhia , se assignalárãD asonmeiosem pr im e i r a s m ed idas do C once lho . P re nd ia e ste gen tede extorsão. . .

a lorlo e a d ire i to pelas suas províncias : os que real

mente es tavão envolvidos na conspiração tinhão-seja

r eun ido a João Fe rnandes , e pa rec ia que so-se p r e n -

dião agora os outros para obrigal-os a pagar resga te .

Ajíonsequencia fácil era de prever-se , e muitos , que

se terião cons ervad o sujeitos , se os deixa ssem viver

não m oles tados , fug i rão pa ra os ins ur ge n t es , i nd i -

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 1 21

gnados de haverem sido prezos sem causa, ou por 1645-não se quererem ver á mercê do primeiro denunciante venal ou malévolo. Publicou-se também umbando, exigindo que todos os Portuguezes que tivessem deixado suas casas, se apresentassem denlro decinco dias no Recife, sobre promessa de perdão e pro-itecção para todos excepto para os cabeças. Havião de

prestar novo juramento de fidelidade e tornar entãoa entrar no gozo de seus bens como antes. As harpiasofficiaes converterão esta medida em novo meio deextorsão. Fizerão ver que todos os Portuguezes deviãopara sua segurança prestar este novo juramento emunir-se d'uma papeleta de protecção, pela qual ja

se sabe exigião-se emolumentos. Todos os que nãoandavão em armas forão obrigados a comprar estasprotecções.

Tanto era o lucro, no seu mais rasteiro sentido otferec• 1 ^ 1 i i i i i ° c ° n c e

mercantil, o filo do governo hollandez em todos os dinheinseus actos, que parece tel-o elle considerado como anorma do proceder de todo o mundo. De bom gradoterião os Hollandezes pilhado á mão João Fernandes,para o suppliciarem, mas agora que elle os haviabigodeado, pareceu-lhes negocio de economia comprar a submissão d'este homem, embora por preçoelevado, evitando a guerra assoladora que alias se

iria fazer contra as suas plantações e armazéns. N'esteintuito acharão meios de mandar offerecer-lhe pordous patrícios 200,000 cruzados, pagos em qualquer

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1 22 H IS T O R I A DO B R A Z I L .

1645. Jogar e com as garantias e seguranças que desejasse,

contanto que abandonando o seu projecto, deixasseem paz a capitania. Affeclou João Fernandes dar ouvidos á promessa, para ganhar tempo, em quanto nãochegavão os esperados soecorros, e quando não foimais possível prolrahir uma resposta definitiva,mandou dizer aos do Concelho que por Ião pouco não

venderia a honra de castigar tyrannos. Raivando comisto, offerecérão elles um prêmio de 4,000 florins aquem o apresentasse morto ou vivo, ao que replicouelle com uma contra proclamação, promettendo odobro da somma pela cabeça de qualquer d'elles, eaffixou os seus manifestos em todos os logares, dentroaté do mesmo Recife, convidando todos os Portuguezes a tomarem armas com elle contra os seus oppres-sores, sob pena de serem tractados como inimigos dapátria, e promettendo a todos os extrangeiros e judeosque se deixassem ficar quietos em casa, protecçíocomo vassallos da coroa de Portugal. Para ainda.maisintimidar o Concelho, escreveu-lhe, dizendo , que

não buscassem por meios tão vis enredal-o, que depressa o havião de ver fazer-lhes uma visita publicana sua cidade, para o que se estava apercebendocom 14,000 soldados Europeos e 24,000 Braziloi-ros e índios. A extravagância da primeira. ameaçaera palpável, mas os Hollandezes muito bem sa*

cast. Lus. bião das suas próprias listas de população, que asegunda não era incrível, com tanto que os Pôrai. £u c

183.

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HISTORIA DO BRAZIL. 1,23

luguezes em geral se envolvessem na conspiração. ^45-0 primeiro logar em que romperão as hostilida- J c a r a c t e r

r o i i d e Fagundes.

des foi Ipojuca, povoação perto do Cabo de S. Agostinho. Nomeara João Fernandes para commandarn'este districto Amador de Araújo, que conferiu oposto de capitão a Domingos Fagundes, mulato livre,

filho de pae nobre e rico. Algumasaneedotas contadasa respeito d'este homem pelos dous historiadoresd'esta guerra , um dos quaes era ábbadebenedictino'e o oulro frade, são por demais características doestado da legislação e da moral, para serem aquiomiltidas. Depois de ter tomado parle n'essas excursões de depredação, que tanto havião incommodadoos Hollandezes na guerra anterior, submettera-seFagundes, eslabelecendo-se em Porto Calvo. Um Hollandez, casado com a viuva de Sebastião do Souto,disse d'clle que era homem para matar sem escrúpulo qualquer outro n'um bosque, mas nunca defrente em campo aberto. Forão contar isto a Fagundes, que dahi a pouco encontrou este mestre Jah,como o chamavão, a passear com um dos seus conterrâneos. Apezar de ser tempo de paz ião armadosos dous Hollandezes, cada qual com suas pistolas ebacamarte, e o Portuguez linha um mosquete nasmãos. 0 mulato o fez parar , dizendo : Sois mestre

Jan, e eu sou Domingos Fagundes; matae-me,/se sois1 Não nos consla que Fr. Raphael de Jesus fesse abbade da ordem

benedictina. F . P . •

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124 HISTORIA DO BBAZIL.

1645. mais homem do que eu! E antes que Jan podesse

erguer o bacamorle, atravessou-lhe com uma bala ocoração. Passara-se isto no governo de Nassau, masembora houvesse uma lestimunha de vista, era tãopouca a justiça em Pernambuco, ou tão atroz se*con-siderava ter sido a provocação, ou então tão omnipo-tente foi o din he iro , que F agu nde s obteve um bilhete

de protecção e morava em segurança no Recife. Aquium soldado embarrou por elle casu alm ente com ocano da espingarda ao dar volta na rua ; mostrou-seo mulato resentido, como se a couza houvesse sidode propósito, e o soldado então assentou-lhe unimurro. Fitou-o bem o Portuguez, para que não lhe

escapasse mais, e encontrando-o depois fora da cidade, matou-o á falsa fé e fugiu para Ipojuca, onde

se escondeu em casa d 'um am igo . De cam inho visitou Fr. Manoel do Salvador, não para receber absolvição do que fizera (que tanto elle como o seu con-fessor conlavâo esta entre as obras merilorias)l, maspara communicar ao frade os seus projectos futuros.Havia, dizia elle, qu are nta ho m ens valentes, promptõsa acolherem-se com elle ás matas, reconhecendo-opor seu capitão : armas não tinhão entre todos maisque dous mosquetes e alguns sabres, mas por-se-iãode emboscada aos Hollandezes, e m atand o quantoslhes passassem ao alcance, enterrados os corpos na

1 Ha aqui uma injustiça manifesta : nun ca o assassinato foi contado por um ecclesiastico entre as obras merilorias. F. P.

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 125

espessura, se proverião de armamento. Louvou o 164s-

frade muito tão sanclas disposições, mas dissuadiu-odo projeclo, dizendo-lhe que com isto poderia causargrandes males aos seus conterrâneos, nem vinha ja.longe o tempo em que poderia dar largas ao seu zelo.pelo serviço do rei. p-m- •

E vindo era agora esse tempo em que semelhante Prmciptso

homem podia seguir meritoriamente sua vocação, hostilidades.Associou-se a Araújo para levantar uma companhia,e dentro em pouco tinha sessenta homens arroladospara a insurreição. Prompto tudo em Ipojuca espe-râvão-se so noticias dos movimentos do chefe, quandooccorreu uma pendência entre um dos habitantes e

um negociante judeo, e chegando auxilio d'ambos oslados, forão mortos três israelitas. Tirando partidoda confusão, cahiu Fagundes com os seus sobre osHollandezes, saqueando-lhes as casas, e levando tudoa ferro e fogo, e posta em fuga a guarnição, com osseus despojos se armarão os insurgentes. Exaltado

com esta victoria, accommelteu Fagundes em Porto-Salgado Ires navios carregados de assucar e farinha,e ganhando-os, passou á espada os Hollandezes. Entãotodos os Portuguezes do districlo e logares circum vi-zinhos se reunirão immediatamente á insurreição,inflammados, com a noticia, mui opportunameutechegada, de estar o sen governador em armas. Poz-seAraújo á sua frente, e assim  ficou cortada toda a com-municação por terra entre os Hollandezes do Cabb de

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126 HISTORIA DO BRAZIL .

1645. s . A g o s t i n h o e todo o p a i z ao su l , so a m u i t o c u s t o

p o d e n d o o fo r te d o C a b o a b a s t e c e r - s e d e á g u a d o r i o .Marcha o G ra nd e in qu ie ta çã o vei o c a u s a r n o Recife esta n o -

dante ticía, a c o m p a n h a d a c o m o c h e g o u d e o u t r a d e a c h a r em chefe i r oingentes. s e s i t i a d a n a eg re ja a g u a r n i ç ã o d e S . A n t ô n i o , - v i l l a

19 de un a N« 0 - de I po j uca , e a n d a r e m C a m a r ã o e H e n r i q u e164b- Dias commettendo abertamente hostilidades nas Ala

goas. Havia n'esta capitania duas companhias hollandezas, força absolutamente insufficiente para defezade tão vasto districto; despachou-se pois immediatamente um navio, para trazer d'alli a gente que podesse, deixando atraz as bagagens e os que não podessem ser recebidos a bordo que se recolhessempor terra ao forte do rio de S. Francisco. Ao mesmotempo, para manter aberta uma communicação como sul, sahiu Haus em pessoa com 220 Hollandezes e400 índios a recorrer a guarnição de S. Antônio ereduzir os rebeldes de Ipojuca. Impossível que osmeio armados e indisciplinados patriotas resistissem

• a similhante força em campo aberto, nem elles forão

Ião loucos que o tentassem. Postou-se Fagundes nasselvas com vinte homens e depois de ter morto algumagente ao inimigo que passava, fugiu a reunir-se aAraújo. Seguiu o commandante hollandez para Ipojuca, enforcou um insurgente que lhe cahira nasmãos. e offereceu perdão e protecção a todos que

dentro de três dias se lhe apresentassem. Acceitárãoo convite cerca de duzentas pessoas, sem armas nem

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HISTDRIA DO BBA7IL. 127

meios de subsistência, com que fossem reunir-se ao 16í5-

governadorj com essa duplicidade inseparável de.guerras d'esta natureza submettendo-se agora, para-em melhor õccasião poderem levantar-se. Haus deu-se j^ntão pressa em alcançar Araújo antes que podesseeste effectuar a sua juncção com João Fernandes;guiado por um traidor encontrou elle effectivamenle

os patriotas, que facilmente forão derrotados; fugirãoporem para as matas, perdidos apenas einco homens,

, ^ í • • ~ i IVieuhoff.

c tornando a reunir-se proseguirao na marcha para 49,50-2.Cast. Lus

o acampamento do general. e, §3,4.Entretanto tivera João Fernandes noticia de que Movimento

se preparavão os Hollandezes para atacal-o em Ca-

J

- Femand<maragibe, e retirou-se para um mocambo, ou escon-drijo de negros nas matas, onde Cardozo foi reunir-sea elle. De duzentos e oitenta homens apenas se com-*punha o pequeno exercito de que Cardozo foi nomeado sargento-mor, com todos os privilégios detenente general. Souberão os Hollandezes do movimento dos patriotas, e quizerão sorprehendel-os.Parra este fim devia Blaar, que d'enlre todos os seusconterrâneos tinha fama de mais cruel, sahir comduzentos Pitagoares e trezentos soldados europeos,armados de bacamartes e mosqueles, em logar dearcabuzes^ para que não os atraiçoasse o cheiro da

mecha. Descobriu Fr. Manoel do Salvador o desígnio.Este homem extraordinário, conjunctamente soldado,jirégador, poeta e historiador, possuía entre outros

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128 H I S T O R I A D O B R A Z I L .

1645. dotes um talento especial para converter judeos, e

linha ultimamente persuadido dous dos seus conversos a irem a Portugal com particular recommendaçãoao inquisidor geral. Por estes tempos tinha elle entre,mãos um calechumeno que deu irrefragavel provada sua sinceridade, informando da pretendida marcha de Blaar o seu pae espiritual. Assim avizado atempo, retirou-se João Fernandes com as suas tropaspara um logar chamado Maciape, marchando pelasselvas, e procurando não deixar vestígios da caminho que levava. Aqui vierão reunir-se-lhe com noventa homens quatro dos seus capitães. Destacou-seuma partida, que convidasse os moradores ao longodo Capeviribe a pegarem em armas com todos os seus

escravos para restauração da pátria. Commendava-aFr. Simão de Figueiredo, que havia sido capitão antes de tomar ordens, e a quem se dera uma companhia, como espécie de curato militar n'esta guerracontra os hereges. De bom grado acudirão todos aochamamento, e dentro de cinco dias tinhão chegado

ao logar de reunião para cima de oitocentos voluntários. Trazião elles apenas trinta armas de fogo entretodos, pelo que se desenterrarão as que João Fernandes havia escondido, e, limpas da ferrugem contra-hida, distribuirão-se por elles. Mas apezar de todosos seus longos preparativos não tinha o general po

dido prover-se de numero sufficiente, e grande parteda sua gente andava armada de venabulos, ou dè

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i n imigo .

HISTORIA DO BRAZIL. 129

paus, que sendo das madeiras mais- rijas do Brazil,. 1645

esticados áó fogo, não déixavão de fazer mui sof-frivelmente as vezes de piques. Com esta força marchou élle pára S. Lourenço, tendo a fortuna de encontrar no caminho um comboio de farina para oRecife, escoltado por cincoenta homens, metade dosquaes ficarão estirados no campo. Em S. Lourenço

repicárão os sinos, e os moradores lhe sahirão aoôãcontro, jurando-lhe camaradagem e obediência aprol da causa commum.

O máo tem po, que impedia a marcha a Camarão e Alravessa

Henrique Dias, estorvava egualmcnte as operações °ivisPtaUdoao inimigo : tinhão transbordado os rios e João Fer

nandes obteve assim tempo para abastecer-sè demantimentos. Apezar da vigilância dos seus agentesachava o Concelho a maior difliculdade em obter noticia dos movimentos dos patriotas, difficuldade quesempre experimenta quem se envolve n.'uma guerracontra o povo. Vindo de Ipojuca, devia Haus fazer

jnncção com Blaar. Seguia este o caminho do mocambo, quando, sabendo que os insurgentes tinhãoabandonado aquella posição, de bom grado fez altoaté poder tirar informações sobre o rumo que havif.olevado. Entretanto, dando largas a essa ferocidadequeja o havia tornado infame, lançou por todas as

èMrádàs ná direcção de Garassu1

partidas, que quéi-

« * Igunrassú. F . P:

i n . 9

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130 HISTORIA DO BRAZIL.

1 6 4 5 . márão a,s casas, assassinarão o povo sem distincção

de edade ou sexo, e taes crueldades e profanaçõescommettérão, que desafiarão as censuras de Haüs,quando chegando tomou posse do commando. Dapremeditada juncção teve noticia João Fernandes."Nem, era S. Lourenço posto defensável, nem ellequeria principiar a pelejar antes que chegassem

Camarão eDias. Levantou pois o acampamento, atra»vessou em jangadas o Capivaribi, e deixando cincoenta homens como posto avançado, seguiu* paraTapicurá *. Ja o rio não era vadeavel. Lançou-se poisde margem a margem um cabo formado d'essas trepadeiras sem folhas, em que abundão as selvas; noBrazil, e com este auxilio se passarão as tropas n'umajangada pequena, que so levava oito pessoas décadavez. Achava-se Blaar assaz perto para ver isto,,masnão para impedil-o. Um mulato o guiou ao postoavançado, mas a.pezar de completamente sorprehen-didos, romperão os Portuguezes por entre o inimigo^e, confiando no conhecimento que tinhão do^aiz,

«7-190." dispersárão-se pelas florestas, nem tardarão a reunir-C a s t . L u s . . >• * ,

s, te. se ao exercito.Desconten- Foi agora o Governador da liberdade, como elle

tamenlo . . .d <

ò r t ue

u e z0 s e J1111^^3» tomar posição n'um logar chamado

Covas. Aqui teve elle de luctar com perigo.maiSítre-

mendo do que a força militar do inimigo. Np seu1 Tapacorá.F. P.

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 1 31

próprio exercito, se tal nome merece a malarmada,indisciplinada e variegada agglomeração do seu conluiando, alguns havia que de má vontade se tinhãoligado a elle, forçados do medo, e ainda outros queaffectavão de patriotas, para melhor servirem os Hollandezes e poderem vender cara a traição habilmenteexecutada. Uns e outros querião excitar descontenta

mento, e principiarão a murmurar contra os actosdo general. Que planos tinha elle? dizião. Se queriacombater os Hollandezes, por que não havia arranjado materiaes, armas, cirurgiões e medicamentosnecessários para uma força armada? Por que não iaoccupar uma posição defensável, forliíicando-se

n'ella, em logar de andarvagando de logar em logar,escondendo-se com a sua gente como um bando deciganos?Liberdade era a senha com que elle os havia tirado de suas casas, mas o desfecho seria o desterro. Ainda bom seria se a final restasse aberta afuga para a Bahia, alvo a que João Fernandes talvez

tivesse visado desde principio : seria esta a melhorsorte que os esperava, pois que em Pernambuco nãohavia que esperar quartel. Muitos, que andavão deboa fé na causa, derâo ouvidos demasiado fáceis aestas insidiesas suggcslões. Onde tanto se sacrificavae tanto se arriscava, era natural que a anciedade pro

duzisse um estado de apprehcnsão febril, nem emguerras d'esta natureza é mais damninha a traiçãopela sua freqüente apparição, do que pela perpetua

16 Í5

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132 H I S T O R I A DO B R A Z I L ;1

•6tt' desconfiança que essa mesma freqüência engendra.

Ja o crescente descontentamento ameaçava rebentarem motim, magos padres forão de grande utilidadepara serenar os ânimos, e a maioria dos capitãestambém tinha inteira confiança no seu general. Béihinformado do que se passava, mandou João Férnatt-

• des dar um rebate falso, e Cardozo, como previa'-

mente se concertara, dividiu logo as tropas em destacamentos pequenos, tomando cuidado em separaros desaffectos. Feito isto, e trazendo os escülcas cer

teza de que nada havia que recear, desfilarão estestroços successivamente perante o general, que, areri-gando-as e louvando o ardor que n'esta como élfií

todas as occasiões anteriores tinhão mostrado, acrescentou que se havia alli quem por falta dezelo ou déanimo qüízesse deixar o serviço, partisse livrementee não molestado. Não se atreverão os traidores a fallár,e os que tinhão sido illudidos, e cujos queixumés'erãoso filhos da impaciência, prorompérão n'um

protesto unanime de obediência ao seu chefe, èarfotpela causa. Passou então João Fernandes a fazer vercomo havia jogado a sua vida e fazenda sobre o rêV:sultado d'esta grande empreza; e d'aquelle dia en¥ ;

deante se alguém fosse descoberto a alliciar contra osseüsdeveres qualquer pessoa do exercito, fosse qualfosse o posto que occupasse, seria sem duvidarianhuma enforcado como traidor. Aterrados assim !ósturbulentos, e abafada a facção na sua origèiÉ,

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HISTORIA DO BRAZIL. 133cumpria-lhe guardar-se do perigo maior d'um assas- 1645

sinato que elle.e seus amigos receavão» Para istoescolheu uma guarda de corpo que o rodeasse noutee d ia , e para que com o veneno lhe não attenlassemcontra a vida, estacionou dous soldados que nãodeixassem approximar ninguém do logar, onde umservo, de provada fidelidade lhe preparava a comida. s,

Curvara João Fernandes os descontentes com a Faitadesoccorros

mão de ferro da auetoridade, mas a parte razoável médicos.das queixas não fora perdida n 'elle . A falta de soe-*corros médicos era couza que todos podião ter motivos de lamentar, quão depressa porem não o previa

elle. Para satisfazer pois esta necessidade, mandouum destacamento pequeno apoderar-se d'um Francezque exercia a medicina no dislricto de Sancto Amaro,e trazel-o de bom ou máo grado. Ao ver-se nas mãosde tal gente clamou o pobre cirurgião que era chris-tão calhoüco romano, e sempre curara os Portuguezes como maior cuidado e carinho; se aquelles fidalgos querião leval-o para as matas e lá assassinal-o,supplicava-lhes a bondade de o malarem antes allimesmo perto da egreja, onde algum bom christão oenterraria pelo amor de Deus. Mas se querião queelle traclasse dos Portuguezes feridos, lhe dessem umcavallo, que tinha "elle uma perna doente, com que;

não podia andar. Apenou-sé pois um cavallo com amesma sem ceremonia com que se procedera a respeito do doutor, e mel lida nos alforges todaapaco-

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1 34 H IS T O R I A DO B R A Z I L .

lilha cirúrgica, fez Mestrola, assim o cbàm ão, a sua

entrada em Covas como voluntário, com a philosophiáde quem dos Portuguezes havia aprendido a levarcom paciência o que não tem remédio, ajunctandò-lhe ainda o bom humor d'um Francez.

Aqui veio Araújo reunir-se aos outros patriotas,trazendo comsigo os insurgentes de Moribeca,que

que como elle vinhão fugindo del laus, e os de S. Antônio do Cabo, ao lodo quatrocentos homens. Não setinha dissipado ainda a alegria de receber tal reforço;quando se ouviu uma trombeta e apparecérão seteíndios armados de mosquetes biscainhos, indicandologo com a superior qualidade das armas o logar

d'ónde vinhão. Pertencião ao regimento de Camarão,e trazião avizo de que o seu commandante e Henrique Dias chegarião dentro d'uma semana. A' senti-nela que teve a fortuna de annunciar a chegada d'estes

bem vindos mensageiros, deu João Fernandes dousescravos de alviçaras.

Expeiiem os Entretanto sahia-se o Concelho com uma procla-Hollandezes

asmuiheres mação, ordenando que todas as mulherese criançasenanças. c u j o s mar]dos e pães andavão entre os insurgentes,

deixassem suas casas dentro de seis dias, sob pena deserem ellas mesmas punidas como rebeldes^ e declarando que quem as acputasse cessaria de ser consi

derado debaixo da protecção dos Estados. 0 historiador hollandez diz que foi esta medida primeiramentesuggerida por alguns d'esses, que elle chama os Por-

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HISTORIA DO BRA ZIL . 135

tuguezes fieis. Em t o d a s a s luctas como esta ésempre 1645-

en t r e os seus ind ig nos conterrâneos q u e enconlrão

os que pegão cm a rm as con t ra a oppressão os mais

cruéis in imigos , mas d 'onde quer que par t i s se a lem

brança, são a culpa e infâmia d ' e s l a med ida impu-

tãveis ao governo que a adoptou. As razões que a

el la se ass ignárão, forão que ass im sobrecarregados

com as suas famílias, devia augmenlar muito o con

s u m o de comest íveis en tre os reb eld es , os quae s po r

consegu in te te r ião de mudar mais freqüentemente d e

qua r t é i s , não podendo marcha r e acampar com a

mesma faci l idade, nem esconder-se no mato de em

boscada, como linhão fe i to; que ficarião mais expos

tos a ser a tacados, e crescendo o receio com diminu í rem os meios de defeza, pe rde r ião o an im o; eque

como as mulheres , com auxi l io dos seus negros , lhes

servião de espias, contava-se assim este canal de no

vidades . Alguns Portuguezes dos mais respeitáveis

dos que não andavão a inda em arm as , apresentarão

ao Concelho .uma pet ição a favor d 'es la pobre gente ,pedindo que pois se achavão impassaveis os cami

nho s em conseqüência das inundações , se p rorogasse

pelo m enos o prazo dos seis dias até qu e as águas. •

l T O Nieuhoff.

baixassem. Mas até isto se recusou. 53-4-62.

Foi F r. Manoel do Salvad or u m dos q ue po r esta intercedei

occasião recorrerão pessoa lmen te ao gove rno h o l - | r ,M ; d o

landez. Tinha o frade vivido vida aetija e ex t raord i

nária no Recife , logrando tornar se popular, e n t r e

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HISTORIA DO BRAZIL. 137

Mostrárão-lhe os membros do Concelho a caria que 1l'':'

de João F ernandes havião recebido, e que tanto oshavia exasperado que elles agora no seu azedume setraliirâo dizendo que havia quem o entregasse mortoou vivo nas mãos d'elles, e mostrando, em prova deque não era vã bravata a asserção, uma carta quecontinha n'este sentido uma promessa em termos

metaphoricos. Affectou o frade nada entender do quenada lhe importava, mas enviou im m ediatam ente ummensageiro a João Fernandes, e principiou a proverá própria segurança, pensando que ainda mesmoquando contra elle nenhum fundamento justo desuspeita houvesse, podia lembrar-se o Concelho deque levara demasiado longe a confiança n'elle. Despachou pois os seus dous negros com todos os seus ma-nuscriptos n'u m a canoa, e sem tentar salvar ma iscouza alguma, fechou a porta de casa, sahiu, de bengala na mão como que a passeio. Mal se viu poremfora da fortiíicações, metleu-se'ás selvas, não tardand oa ler satisfacção de ouvir que o tinhão os Hollandezes

pelo maior traidor de Pernambuco. *mX*

Mandou-se pois cumprir o edicto contra as mui he-situação ('a»,, . famílias

res e crianças, sem que lhes restasse outra alterna- expulsada?.Uva, senão exporem-se ás chuvas e á? cheias, e aosreplis e bichos do m ato , ou dcixarem-sc ficar á mercê

da soldalesca desenfreada e dos selvagens que lhessollarião. « Considere-se, diz Fr. Manoel, o que po-derião fazer estas pobres miseráveis, sem saber onde

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138 HISTORIA DO BRAZIL.

1645; buscar os pães, os irmãos, os filhos, abandonadas,

dcsvalidas no meio d'um terrível inverno, sem sustento com que manter a vida nos bosques, e com aespada do inimigo, para assim dizer, aos peitos; Algumas cahião de joelhos, e com os olhos arrazados ede mãos erguidas clamavão a Deus que lhes perdoasseos peccados, e tivesse compaixão d'ellas; outras com

rosários da Virgem na mão, passavão e repassavão ascontas; umas abraçadas com os innocentes filhinhos,choravão sobre elles; outras jazião por terra comoestupefactas de afflicção; ainda outras, que jamaishavião sahido de casa excepto para a egreja pela qua-

* resma e festas principaes, e mesmo então encostadas

a seus pagens, para que não cahissem, corrião agorasobre as azas do terror para as matas, onde, atirandocomsigo para debaixo das arvores, imploravão a misericórdia de Deus e o auxilio da Virgem Maria e dossanctos com quem tinhão mais devoção, que de maisnenhuma parte podião esperar remédio ou soc-

Val. IAIC. r r r

190. corro.»contra edicto So ha systema de guerra que mereça por cxcellen-,i. Fernandes, cia o nome de máo, foi este. Era atacar os Portuguezes,

não como inim igos, nem mesmo como insurgentes erebeldes, sujeitos ás penas da lei, por muito queüsmais altas considerações de justiça lhes justificassem

a empreza, mas como entes civilizados e sociaes e nasua natureza moral e humana. Excessiva foi a angustia que esta nova derramou no acampam ento, mas

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HISTORIA DO BRAZIL. 139

João Fernandes, sabendo que os que" menos accessi- 1645-

vcis são a sentim entos no bres, mais depressa se deixâoabalar pelo medo, publicou um contra-edicto que foicom pasmo dos Hollandezes affixado nos logares maispúblicos do Recife. Os Hollandezes, dizia este papel,tinhão contra o direito das gentes e da justiça ordinária feito guerra ao sexo que a corlezia das nações e

ã sua própria fraqueza exemplavão de todos os actosde ho stilidad e. 0 decreto pub licado era pois nullopela sua própria barbaridade. Ninguém eslava obrigado a obedecer-lhe, e elle, o governador dos Po rtuguezes, ordenava a todas as suas patrícias que sob asua protecção se deixassem ficar tranquillas em casa,

pois protestava tomar sangrenta vingança da menorinjuria que a qualquer d'ellas se fizesse. Ou fossequeo-Concelho se envergonhou agora da sua m edida,ou, o que é mais provável, que a ameaça o intimidasse, 0 caso é que elle nem tornou a mandar deitaro bando , nem lhe fez d ar execução, e quem não tinhafugido ainda, não mais foi molestado por tal prin

c i p i o . '

A simples ameaça tinha bastado para exasperar os Matança dePorlUEUGZCS

Portuguezes, nem fora mister que viesse ainda mais emcunhau.violentamente excitar-lhes a indignação uma carnificina feita pelos Pitagoares e Tapuyas do Potengi nò

distrieto de Cunhau. Entrarão os selvagens n'um sab-badoá tarde, e os seus caciques mandarão um convite circular aos Portuguezes, que no dia seguinte se

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140 HISTORIA DO BRAZIL.1643. achassem presentes na egreja, para uma conferência,

depois da missa, sobre negócios de importância paraelles e serviço do Estado. Apanhados assim junctosforão passados á espada. D'esla forma perecerão trucidadas sessenta e nove pessoas, escapando apenas trêshomens, sendo porem salvas muitas mulheres pelahumanidade dos judeos e colonos extrangeiros, que

as esconderão. Os homens erão dos que tinhão entregado as armas, rendendo-se nos termos da proola*mação. É mais provável que os selvagens assimprocedessem, cedendo aos seus próprios inslinclossanguinários, do que instigados pelo governo hollandez : o effeito porem foi o mesmo. Os insurgentesapresentarão o caso como acto e feito do Concelho,e como amostra da matança geral que teria havidose a insurreição a não tivesse atalhado. Nada custoua acreditar a accusação, e os Portuguezes das capila-

cast. i.us. n^as do n o r t e , não vendo na submissão segurança,DM,§§ i9. aguardavão anciosos um ensejo de se unirem aos seusNieuhoff. . .

P . es. patrícios em armas.Tomãoos Ainda o ho rro r que esta carniçaria excitara trazia

insurgentesP

m o n L ° d a s °a c c e z o s e m r & i v a o s patriotas, quando chegou noticia

Tabocas. ^ ^UQ j j a u S ) tendo feito juncção com Blaar, e descoberto o logar do acampamento, se preparava parainvestil-o. Era Covas optimo logar para escondrijo,

não para defeza, pelo que se passou o exercito por-31 dejui. luguez para o monte das Tabocas, cerca de nove le-

1645. o i , i

goas ao oeste do Recife, logar escolhido por Cardozo,

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HISTORIA DO BRAZIL. 141

que conhecia bem o paiz, e que n'esta escolha revê- 10i

lou quão são era o seu juízo. Tirava o outeiro seunome d'uma espécie de canna grossa e espinhosaassim chamada. Perto corria para a banda do occi-dente o rio Tapicura, pobre córrego, excepto quando,como agora, a estação chuvosa lhe fazia inchar aságuas; abrindo para o sul c com cerca de meia legoade comprimento ficava um terreno plano entre o rio

e o labocal, que cercava lodo o monte com uma impenetrável estacada de cincoenta pés de espessura.Entre estas cannas e a fralda da eminência ficavaoutro terreno limpo porem mais pequeno, e depoisoutra mata de tabocas •, o viso do cabeço cobrião-nqdo lado do sul arvores, queja em si mesmas offerecião

um optimo logar de defeza, mais fortificado aindapo r uma linha exterior d'estas formidaves cannas.l'elo lado oriental corria um antigo cam inho de ca rro ,aberto quando a estes desertos se vinha cortar paubrazil, mas agora esquecido e tapado pela vegetação.A legoa e meia para o no rte erguia -se uma capella

dedicada a S. Antônio o Grande, de quem os colonosd'áquelle dislricto esperavão prolecção contra as bestas feras que a infestavão; e também havia alli algumas casinholas de taipa, a que o proprietário dera onome de cidade de Braga, chamando-as assim doseu próprio apellido e em grala reordação da sua

terra natal na mãe pátria.Deixando um posto avançado n'uns engenhos de

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142 HISTORIA DO RRAZIL,16/'5- assucar a algumas milhas de distancia, veio h$$

Rdeu°mpead?ê Fernandes acampar n'este monte. Escolhendo o cu£B,6renegado. , 1 í 1

para seu próprio quartel, mandou pelas, enqosjasarmar barracas e erguer choças em que a sua geàtese abrigasse da chuva. Votado assim á tropa o prirmeiro cuidado, o segundo foi característico do indiíviduo e do povo que elle commandava. Um  padr.fi.>

por nome Manoel de Moraes', que tendo abjuraója ocatholicismo sob a protecçâo do governo hollande^,pregava agora como theologo calvinista, estava, poracaso residindo a curta distancia, e João Fernandesfez sahir um destacamento expressamente para apoderar-se d'elle. Correu tudo bem, e Moraes foi tra-

1 Pinto de Souza, na Bibl. Hist. de Portugal, n° 67, diz que estepadre, achando-se na Hollanda, escrevera uma Historia da America,d'pnde Jan de Laet tirou muitos e bon s ma teriaes para o seu NovisÒrbis. (

A obra de\JIanoel de Moraes porem é citada por Jan de Laet (J$S

suas NoliB ad Disserlationem Hugonis Grolii de Origine GentiumAmericanarum, p. 216) como uma historia dõ Brazil e naòJda América, e nen hum a referencia a ella se faz no Novus Orbis, "cájmc("alias

suecederia, se Laet dos seus materiaes se houvera aproveitado. Jla&oNovus Orbis foi publicado três anno s apen as depois da tomada doOlindu, catando o man uscripto segun do todas as probabilidades n3oteria ainda chegado ás mãos do auctor. A obra era d'alguma extensjp,pois que a citação é do livro X,. e talvez ainda exista.,Em tal CJSO pôdeser de considerável valor, visto como tendo sido Moraes um Patífíffd,

'tirihà-rázôès "para andar bem informado. Pinlo de Souza diz qaê^elle-foi Jesuíta, eabjurou o calvinismo em 1647. . . dous annos dep.OÍÍ..da

sua,conversão por João Fernandes. Pois que esta Ceremonia teve logarem Portugal, e provável que elle tivesse sido remettido para lá, ondepoE-inlermcdío da inquisição.se reconciliasse com a Egreja. .

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HISTORIA DO BRAZIL. 145

jâdo-ao;campo dos insurgentes. Não sentindo em si 1645-

a, menor vocação para o martyrio, atirou-se elle.aos pés do general, protestando que a sua apostazianão nascera de erro do entendimento, porem decorrupção do coração, e que so cedera aos appetitesda'carne, sem que a razão se lhe pervertesse. Segundoa moral da Egreja catholica altenuava isto o delicto;

foi o padre recebido como peccador arrependido, edesde o chefe até ao ultimo soldado todos no exercitoplhárão esta reconversão como um penhor seguroda victoria que em breve alcançarião sobre seus he-

C n s t . Liif.

reticos inim igos. 6*§ 17

Continuavão os traidores do seu exercito a m achi- Murmunos. n o acampa-

nar a perda de João Fernandes, e tirando partido damenl

°-demora de Camarão e Henrique Dias para aggravara impaciência das tropas e amotinal-as, se fosse possível : «Onde estão, clamavão, estes tão esperadossoccorros, ou antes haverá soccorros que esperar?Não terão elles sido desde principio uma fábula in

ventada por João Fernandes para tirar-nos de nossaspjrcificas casas, e fazer-nos instrumentos e viclimasde sua desesperada ambição ? » Chegarão até entre osque mais descontentes ou mais desvalidos andavãoa dizer que o melhor seria cahir sobre elle, e dar-lhe logo a morte, que então poderião voltar ao Recife com certeza de perdão e recompensa. De tudofoi, o general informado, mas não era esta a occasiãodepunjr, pelo que, affectando nada saber dos de-

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144 HISTORIA DO BRAZIL.16i5 signiôs de seus inimigos, contentou-se com afastal-os

de si, dobrar a sua guarda e aquartelar Cardozoperto da sua tenda. Em quanto assim se precaviacontra os traidores, procurava aquietar a impaciênciado exercito, enviando um destacamento de quarentahomens ao encontro de Camarão e Dias, para guiai-os ao acampamento, inculcando assim saber que estavão perto .

Avançsoos Effectuada a juncção com Blaar, recebera Haus1 loll sndoziis

entretanto todos os reforços que se podião dispensarno Recife, considerando acertadamente o Concelhoque a salvação das suas conquistas bem poderia depender dos seus primeiros Iriumphos, e que em

tempo nenhum seria tão fácil como agora assentarum golpe mortal nos insurgentes. Tinha o general,hollandez comsigo mil e quinhentos homens de tropas europeas, bem armados, perfeitamente disciplinados, e costumados a terem-se por superiores a uniinimigo que tantas vezes havião desbaratado; tinhatambém uma considerável força indiana, e muitosdos escravos do serviço do arraial ião armados parao caso de necessidade. Tão em segredo havia JoãoFernandes decampado das Covas que Haus ainda esperava sorprehendel-o alli. Irritado pelo desengano,lançou fogo a um engenho, cujos ^edifícios se diz terem sido sumptuosos. Uma sentinela porlugueza,

postada sobre uma eminência, correu, avistando"òfumo, a avizar o seu general. Em quanto este fazia

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HISTORIA DO BRAZIL. 14o

sahir uma partida a reconhecer o que havia, chegou 16i5

um soldado com a noticia de que a guarda avançadaandava travada com a retaguarda do exercito hollandez, combatendo-a efficazmente, apezar da differençado numero, graças ao conhecimento do terreno e áposição que occupava nas matas. João Fernandesmandou então ordem ao commandante que retirasse

sobre o monte das Tabocas, onde eslava resolvido afazer frente ao inimigo.

Debaixo d'armas e promptos para a acção estavão Batalha doos Portuguezes, quando se ouviu um vivo tiroteio; das Taboca,i

recolherão-se os esculcas, dizendo que o inimigoavançava dispondo-sea atravessar o rio. Tinha Car- 3««•ag-

dozo aberto três picadas no tabocal exterior, pondoem cada uma sua emboscada. Com a sua guardaficou o general de reserva no cimo do cabeço, d'ondepodia avistar todo o campo, e enviar soccorro aondefosse de mister. Fagundes leve ordem de disputarcom a sua companhia a passagem do Tapicurá, e

assim que mais não podesse defendel-a, attrahir osHollandezes apoz, si na direcção das emboscadas.Como as margens do rio se achassem cobertas deselvas, lançou Haus-um chuveiro de balas para en treas arvores com o duplo fim de dispersar quaesquertropas que alli por ventura estivessem postadas, e

cruzar.o rio acobertado pelo fumo. Fagundes dispu-toua passagem, resistiu aos Hollandezes passo a passodepois d'ella effectuada, e assim combatendo e reti-

i i i . 10

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 147

Hollandezes preparados para isto, e dirigindo as balas

m5

para o sitio d'onde partião os tiros, fizerão mordera terra a muitos dos Portuguezes. Aqui foi feridoJoão Paes Cabral, fidalgo do nome e provavelmenteda linhagem do descobridor do Brazil. Querião osseus leval-o do campo, mas elle clamou: «Não énada! A elles outra vez! Viva a fé de Christo!» e .avançando para a acção, recebeu segundo tiro, queimmediatamente o prostrou sem vida.. Aqui morreutambém, o alferes João de Matos, cujo pae ja perderatrês filhos nas guerras de Pernam buco; e mal cahiu,apoderárão-se os índios do cadáver, fazendo-o empostas. Outra vez queria João Fernandes, arremessar-

se ao theatro da acção, ja não na embriaguez da victoria, porem para evitar a derrota; retiverão-no opadre Figueiredo e a importante advertência de quea bala d'um traidor partiria com mira mais cer

teira do que a d'um inimigo. Tanto se receava isto,que a sua guarda escolhida jamais o deixou, e quando

Cardozo ia ao campo, ja Figueiredo d'elle tinha voltado para vigiar o general, e retel-o á força, se qui-zesse metter-se na batalha.

Ganhava agora ò inimigo visivelmente terreno.Um padre se ergueu no momento do perigo: « Senhores e Portuguezes, » clamou elle voz em grita, « aqui

estamos.com a morte deante dos olhos. Se ha entrenós quem esteja em inimizade com outro, reconcilie-se agora com o seu próximo; e se alguém Ijver a

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HISTORIA DO BRAZIL. 149

conterrâneos lhes b ra do u em vão , lançando-lhes e m 1645-

resto o seu feio pr oc ed er ; o m edo os possu ía comdemas iada fo rça , quando na p rec ip i tação e cegue i ra

da carre ira que levavão, forão cahir em cheio sobre

uma das a las ho l landezas ; o in imigo , suppondo que

era nova emboscada , tomou medo a seu tu rno , eVai. Jbuc

fugiu a toda a d isparada, perseguido po r h o m en s q u e 200.

no mesmo acto da fuga se v ião vencedores . 6<§2 5"7-Seg und a vez forão repe l l idos os Ho llandezes , m as

ain da o todo da sua força n ão en tra ra em acç ão, e

apoz cur to tomar fôlego, marcharão com tropas

frescas ao a ta qu e. Menos des tru id ora s do qu e antes

forão agora as emboscadas por mingoa de pólvora , e

ja os Portuguezes eslavão cançados do continuo ba ta lhar d 'a lgumas horas . Exhaustos de fadiga aff rouxá-

r ã o , e a força fresca do inimigo, acossando-os de

p e r t o , rechaçou-os das emboscadas , e pene t rou no

terreno in ter ior . Foi agora que um padre postado ao

lado de João Fernandes elevou um crucifixo, e com

alto brado c lamou por Chris to , conjurando-o pelasua cruz e* paixão, e pelas dores que cur t iu sua Vir

gem Mãe aos pés d 'a qu ell a cru z, q u e nã o soffresse

que os inimigos da sua fé , que tantas vezes l he s ha

vião profanad o os :t emp los , e v i l ipend iado as im ag en s

dos seus sanctos , triumphassem sobre os que pela

h o n r a d'elle combal ião ; porem que , v is to se r sua

própria a caus a, desse aos Po rtug ue zes a victoria sob re

seus tyrannicos in im igo s , pa ra qu e se desenganasse o

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152 HISTORIA DO BRAZIL.

1C45. mento de tropas veteranas a explorar o terreno atéduas legoas de distancia : encontrou elle uma partidade cincoenta Hollandezes, escoltando (como depois seaveriguou) cerca de quatrocentos feridos1 Os Portuguezes so virão o numero do inimigo, e como aescolta se preparasse para a defeza, voltarão e cor

rerão a dar ao general avizo de estarem os Hçdlan-dezes outra vez meltendo em forma, e dispohdo^se

para nova investida. Em conseqüência d'este rebatepassarão os patriotas a noute debaixo d'armas.

Veio a luz do dia mostrar-lhes todo o alcancedo seu tr iumpho: armas e munições juncavão emabundância o campo, e com os despojòs se armarão os soldados e vestirão os negros e índios.

Pela volta das nove horas chegou um compatriotacom a noticia de que os Hollandezes fugião nadirecção do Recife, e uma mensagem de Haus,pedindo que os Portuguezes dessem quartel aos feridos, que em carretas seguião a retirada; as leis daguerra, dizia elle, auctorizavão este pedido, e se lh'o

recusassem havia a vingança de exceder a offensa.Seguro agora da sua salvação e grande victoria, cahiutodo o exercito de joelhos, rendendo graças e louvores ao Dispensador d'ella, e retumbou aquellemonte com os gritos de : « Viva a fé calholica ro-

... i . ••<-*

1 Segundo o valioso testemunho de Netscher compunha-se a forçaexpedicionária hollandeza de quinhentos homens: ve-se por tanto queexageradissimo é o numero dos feridos. F. P.

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HISTORIA DO BRAZIL. 153

mana! Viva a liberdade! Viva el-rei D.João! » em 1645

quanto João Fernandes, de chapeo na mão, andavapor entre os soldados, congratulando, louvando eabraçando-os um por Um. Immediatamente, cumprindo a sua promessa, alli mesmo emancipou cincoenta dos seus escravos, promovendo-os á classe desoldados livres, e dividindo-os em duas companhias

de vinte e quatro praças cada uma debaixo dos capitães; que ellas mesmas escolhessem. No campo dabatalha encontrárão-se trezentos e setenta Hollandezes1, alguns levara-os o rio engrossado com aschuvas, e aos que morrerão na retirada e nos hospi-laes do Recife nunca se soube a conta, asseverãoporem os Portuguezes que alli se perderão três partesda força inimiga. 0 exercito insurgente compunha-sede mil e duzentos Portuguezes e cerca de cem índiose negros; não havia mais de duzentas armas de fogo,quasi todas caçadeiras, andando a maior parte dagente armada de espadas enferrujadas, croques, ve-nabulos e dardos aguçados ao fogo. Trinta e sete

homens morrerão no campo, inclusive alguns dosprincipaes da insurreição. 0 numero de negros eíndios perdidos não se refere, mas não podião sermuitos onde o total era tão pequeno.

Uma derrota teria sido fatal, e embora a victorianão fosse egualmente decisiva, deve aferir-se-lhe o

1 O número dos Hollandezes mortos, segundo a asseveração do referido Netscher, não passou de trinta e sete. F. P

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154 HISTORIA DO BRAZIL.1645. va]or pelo mal que evitou. Cara como custou aos pa

triotas, não é extfanho que no estado de exaltação

em que se achavão, e com os princípios da sua crença,phantasiassem elles devel-aa intervenção milagrosa.Homens contundidos por balas perdidas, affirmavãoque a Virgem ou qualquer sancto da sua devoçãoamortecera a força do pellouro; e outros, que haviãosido feridos, por milagre o tinhão egualmente have

rem escapado á morte. Tão fácil era ao general acreditar ne sta s couzas, como a elles imaginal-as : a política e a superstição davão prompto curso a quantoconto se inventava, e a impudencia dos padres tudoauthenticava. 0 milagre dos pães e dos peixes foiparodiado para a batalha do monte das Tabocas.' Du

rante o ultimo ataque não tinhão os patriotas, disse-se, senão dous arrateis de pólvora, nem outras, balasalem das que na mesma occasião se fundião de pratosde estanho; com tudo dispararão mais de mil tiros eainda sobrou pólvora e bala. Appellárão até paramuitos dos mesmos Hollandezes que dissessem se no

ardor do conflicto não havião visto uma mulher.de br ilhante formosura, vestida de branco e azul celeste,trazendo nos braços um menino encantador, e tendoao lado um veneravel velho com habito de ermitão;atrevidamente affirmárão, declarando impudente-mente que os Hollandezes attestarião o mesmo,,que

estas celestes personagens distribuião pólvora e balaaos Portuguezes, e cegavão ao mesmo tempo de tal

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HIST ORI A DO BRAZIL. 155

forma os olho s aos he re ge s, qu e elles arrojavão as 1645

armas , e , não podendo encara r a v isão , largavão afugir . A mulher era essa Mãe de Misericórdia p o r

quem hav ião clamado,.cantando a Salve Rainha no

momento do per igo, e o ermitão esse S . Antônio o

G ran de , famoso o ut r 'o ra pelos seus com bates com o

ten tad or, e cuja capella t in ha ficado de scu ida da e sem

feste jos durante a usurpação, quebrando-lhes os cal- v

a

m%'.. . . • C a s t. Lu s .vinistas a i m a g e m . e, § 29-56.

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156 HISTQJR1A DO BRAZIL.

1645.

CAPITULO X X I

Da Bahia se envião tropas 4s ordens de Vidal o Martim Soares. — Maistriumphos dos insurgentes. — Restaurão todo o paiz ao sul evãp açanhpar deante do Recife. — Morticinio no Rio Grande'.— Traição dos de-

-sertores. — Marcha Camarão para o Rio Grande, onde desbarata osHollandezes. — Fome no Recife. — Escassez também no campo. —Recebem as tropas portuguezas ordens de Lisboa para se retirarem. —Obedece Martim Soares, mas -resolve Vidal proseguir na guerra.. ; ,

Retirada ^ o m °.s destroços do seu exercito continuou Haus

Hollandezes. toda a nou te, a süa retirada, sem fazer alto emquanto não chegou a S. Lourenço de Ipojuca, logardistante sete legoas do theatro da sua derrota. Aquiaguardou os seus feridos e extraviados, mandandopedir immediatamente soccorros ao Recife, d'ortde

lh 'os enviarão tão promptos, que ainda no mesmo

dia lhe vierão, não em verdade sufficientes parare to m ar a offensiva, nem havia na cidade tropas deque dispor, porem bastantes para segurança dorestoda retirada. Desde o principio da insurreição, percebeu o Concelho distinctamentó o seu perigo', sentindo a fraqueza a que pela sua imprevidente, eco*

nomia. o reduzira a Companhia. Também, tinha elleboas razões para desconfiar dos protestos do gover-

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HISTORIA DO BRAZIL. 157

nador da Rahfa, e contar com que não tardaria a vir 1645,

reunir-se aos insurge ntes um a força por elle enviada ,sendo certo que se .as tropas não tivessem ja partido,o farião sem dem ora ao receber-se a noticia d'e sta .victoria. Mandou pois a Haus que se recolhesse aoRecife, onde se considerava que seria necessária a Nlpul65!f'sua gente pa ra defeza da cidade. 6, §.37.

Cerca de três semanas antes da batalha tinhão Embaixada, t , á Bahia.

outra vez sido enviados á Rahia Hoogstraeten e outrodeputado , que alli significassem a intim a persu asão ,em que estava o governo hollandez, de que a incursão feita por Camarão e Henrique Dias de modo

nenhum fora auclorizada pelo governador po rtugu ez;e requeressem que fossem chamados os. invasorespor uma proclamação, ou qualquer outro meio maisefficaz e expedito, sendo depois punidos como me-rec ião , e que no caso de não obedecerem fossemdeclarados inimigos do rei de Portugal. Continuou

Antônio Telles com o systema ja da outra vez observado. Aos protestos de amizade, e ardente desejo demanter com a maior boa fé as ajustadas tregoas, respondeu com outros egualmente amigáveis, e agoraainda menos sinceros. Lançou em rosto aos Hollandezes os seus actos de aggressão em Angola, S. T^umié

e Maranhão, dizendo que, como soldado, não teriasoffridopacientemente tantas injurias, nem deixadoperde r tan tas e tão bella s occasiões dese fazer justiçaa si mesmo, mas que havia suffocado os seus senti-

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1 58 H IS T O R I A DO B R A Z I L .1645z mentos em obediência ás reiteradas ordens do seu rei

para que por todos os meios ao seu alcance mantivesse e fortificasse a boa intelligencia que reinava^entre Portugal e as Provincias-Unidas. As tropas quelinhão atravessado o rio S. Francisco compunhão-sède descontentes; e, quando assim se via instado porque os fizesse recolher para dentro dos seus próprios

limites, não podia deixar de sentir immenso pezar,reflectindo d'um lado quantas calamidades não estavão elles causando, e ao outro quão destituído estavade poder para satisfazer a requisição do Concelho, poisnão erão Camarão e Henrique Dias homens que porpersuasões se deixassem levar. Quanto aos Portugue

zes, de'quem o mesmo Concelho se queixava por seterem insurgido, verdade era terem-lhe elles pedidoauxilio, allegando serem subditos do mesmo rei, ehaverem-se vislo obrigados, em conseqüência de falsas accusações, que contra elles havião feito maliciosos e pérfidos judeos, a abandonar suas casas e terrase deixar mulheres e filhos, preferindo todas as misérias da fuga aos horrores do cárcere. Alem d'isto

tinhão-se mandado chamar os Tapuyas do Potengipara serem empregados contra elles, pelo que ouhavião de fugir ou ficar expostos á fúria d'estes selvagens. Pela sua parte, disse Q governador geral,maravilhava-o que o Concelho tivesse dado ouvidos

aos enredos de raça tão universalmente desprezadacomo a dos judeos; e posto que estivesse certo que.no 

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HISTORIA DO BRAZIL. 159

aetúal estado de couzas de bom grado se podião os 1645-Portuguezes de Pernambuco debaixo da sua protec-çãOj parecendo-lhes melhor, se fosse essa a únicaalternativa, serem opprimidos por seu rei natural doque por extrangeiros, com tudo, para convencer oConcelho da sinceridade da nação portugueza, queera lal que jamais houvera opporlunidade de promo

ver os próprios interesses, por mais tentadora quefosse, que lhe tivesse feito esquecer o qfie reputavadevido a -seus alliados, tomaria sobre si o encargode mediador, buscando apaziguar estes conílictosN'esfef intuito ia despachar immediatamente pessoasde reconhecida habilidade com instrucções e poderes

sufíicientes para exhortarem os revoltosos a voltar áobediência : se com exhortáções nada se conseguisse,

K i e u h o fl .

e m p r e g a r - s e - i ã o ou t ros me ios , f a zendo a força o q u e P . 56-66.

a p e r s u a s ã o n ã o p o d e r á . 6-§ 88~9-

E m q u a n t o se d e m o r a v ã o e m S . S a l v a d o r os d e p u - Medidas do

l ados renovou Hoogs t rae t en a o g o v e r n a d o r o s seus general.

o f f e r e c i m e n t o s c o m p r o m e t t e n d o - s e p o s i t i v a m e n t e a

e n t r e g a r - l h e Nazaré t h , p l a n o q u e , diz ia e l le , j a h a v i a

c o m m u n i c a d o a J o ão F e r n a n d e s . C o n v e n c eu - s e T e l l es

agora de qu e e ra Hoo gs t rae t en u m v e r d a d e i r o t r a i d o r ,

e s e m m a i s h e s i t a r p r o m e t t e u q u e , s e c u m p r i s s e e s t e

c o m p r o m i s s o , s er i a r e c o m p e n s a d o p e l o g o v e r n o p o r

t u g u e z , c o m o t ã o a s s i g n a l a d o s e r v i ç o m e r e c e r i a . R e ceou o ' H o l l a n d e z q u e a s s u a s c o n f e r ê n c i a s p r i v a d a s

co m o P o r t u g u e z exc i t a s sem a s sus pe i t a s do s e u c o l l e g à ,

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160 HISTORIA DO BRAZIL.

1645. ecom uma duplicidade poucas vezes egualada disse-f

lhe que o governador queria comprar-lhe a entregado seu forte, e que elle lhe dava ouvidos para melhorpenetrar-lhe os secretos desígnios. Devolta ao Reciferepetiu ao Concelho o mesmo conto, accrescentandoque Antônio Telles so aguardava alguns navios doRio de Janeiro para dar principio á projectada em

preza contra as capitanias hollandezas. Fora esteproceder provavelmente concertado com o governador geral; o papel que elle se propunha representarnão podia continuar duvidoso por muito tempo ainda,pelo que, achando-se ja prevenido o inimigo^ poucose lhe podia dar de confirmar as suspeitas concebidas, em quanto que era da maior importância nãoduvidar ninguém da lealdade de Hoogstraeten. Aocommando de Vidal e Martim Soares embarcarão naRahia dous regimentos em oito navios, de que eraalmirante Jeronymo Serrão de Payva. A armada detrinta e sete navios reunidos no mesmo porto paradarem á vela para o reino debaixo das ordens de

Salvador Corrêa de Sá Renavides, devia acompanhai-os até Tamandaré, onde desembarcarião as tropas,seguindo Payva para o Recife com carlas, em que ogovernador-geral informava o Concelho de que, cumprindo a sua promessa, enviará dous officiaes deconfiança a exhorlar os insurgentes, e, se o não

conseguissem por bem , obrigal-os pela força a voltará obediência.

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162 HISTORIA DO BRAZIL.

1645. incapaz de governar nyaquelle paiz. Vendo-se cer

cada por forças superiores, e cõm a água cortada,rendeu-se a guarnição apressada e cobarde, deixandosessenta índios á desapiedada vingança dos Por tuguezes. 0 auditor-geral Francisco Bravo> que acompanhava o exercito, condemnou-os como traidores ael-rei de Portugal e trinta forão immediatamente

estrangulados, dividindo-se o resto entre os officiaespara lhes conduzirem ás costas a bagagem, e distri-buindo-se as mulheres e filhos pelos habitantes dodistricto, não em verdade sob o nome de escravos,mas pelo systema pouco menos nefario de administração, como o chamavâo. A maior parte da guarni

ção, composta de oitenta homens, passou ao serviçodos Portuguezes, e dos Hollandezes estabelecidos nodistricto dous tão somente a abandonarão depois dereconquistado. Os outros pedirão protecção aos Portuguezes, e deixarão-se ficar para com vagar se arrependerem de seus peccados. Paulo da Cunha completou o seu triumpho, obrigando dous judeos aprofessar o christianismo.

Morte Veio ainda a nova da victoria do m onte das Tabocasdo Antônio , .

Cavalcanti; augmentar aos mestres de campo a alegria d estetriumpho. Sete dias se demorara João Fernandes notheatro da acção a en terrar os mortos e curar os fe

ridos. No septimo soube que tinhão desembarcadotropas da Bahia e mandou-lhes ao encontro. Ameaçados pelos Hollandezes de Ilamaracá^mandárao os

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1645.

H I S T O R I A DO B R A Z I L . 1 63

moradores de Garassú e Goyana pedir-lhe soccorro, eAntônio Cavalcanti requereu para si esta diligencia.Era Cavalcanti«o homem i que João Fernandes, apezarda projectada alliança entre as duas famílias, suspeitava de ser o instigador de todos os murmúrios contraellere de conspirar contra a sua vida. De semelhantes

desígnios nenhuma prova se encontra, mas se elletivesse cooperado de coração para o triumpho dacausa, não se houvera originado a suspeita. Morriaelle por deixar o arraial e João Fernandes por descartar-se d'elle ás boas, pelo que logo o nomeou para adiligencia, dando-lhe cento e cincoenta homens. Em

Garassú deixou-se Cavalcanti ficar inactivo, de modoque uns lhe pozerão em duvida o valor, outros a lealdade; dentro em pouco alli morreu d'um pleuriz,não deixando os seus conterrâneos, com essa pre-sumpção, que tantas vezes acompanha o zelo reli- ^ L U C

1 Fr. Manoel diz que os Hollandezes lhe tinhão mostrado uma carta

escripta por Antônio Cavalcanti, que dizia não tivessem cuidado com• a cabeça da rebellião, que uma mulher chamada a mãe dos doze pa-

triarchas, filhos de Jacob, derribaria esta imagem de Nebuchadnezzar,e que falhando ella, outros meios mais fáceis e secretos se haviãode achar; e que cabida a cabeça, em breve se tornaria o corpo pó exinza. Por este enigma entendeu Fr. Manoel que João Fernandez deviaser morto a bala"ou assassinado pelo veneno. Bem conheceu o padreque esta mulher, de que a carta fallava, foi B aila, a qual naSdncla Escriptufa (oi chamada mãe comm um dos doze patriar-

chas, e.que debaixo d'este rebuço se prometia aos Olandezes quehuma bailaJde espingarda ou arcabuz tiraria a vida a Joam Fernandes Vieira» ou o- matariam com peçonha, e que logo toda aconjuraçam da liberdade se acabaria. Yal. Luc, p. 197.

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164 HISTORIA DO BRA ZIL.

16Í5. gioso, de attribuir a sua mor te a um juizo de Deus .chegada No d ia segu in te aqu e l le , em que os pa t r io tas t inhão

D?a«ra°e de ixado o monte das Tabocas , chegârião alli com

pa r te da s suas t ropas C am arão e H en r iq ue Dia s, é

seguindo-lhes as pegadas , alcançárão-nos na segunda

noute . Pe la mesma occas ião recebeu João Fernandes-

avizo de que cento e oitenta Hollandezes se acha vão

postados em S. Antônio do Cabo , e aba land o im m e

d ia t amen te pa ra s o r p r e h e n d e l - o s , a lcançou aquel le

log ar ao ro m pe r do di a ; m as ape zar da rapidez do

seu m ovim ento forão os H olland ezes prevenido s a

t e m p o , e t inhão fug ido para Nazare th . E m S . Antônio

fez alto. As tropas bahianas estavão em Ipojuca a três

legoas d'alli, e João Fernandes escreveu aos mestres

de campo, dizendo que bem sabia terem elles sido en

viados a pacificar o paiz, mas que apezar dos boatos

que corr ião , so podião elles e e l le propor-se o mesmo

f im, o de ajudar os opprimidos e derribar os oppres-

sores . Recebida esta carta, foi Martim Soares postar-

se em Algodoães , a uma legoa do Pontal de Nazareth , 'e Vidal marchou com a sua d ivisão a encontrar João

Cast. Lus. »-, .

6, §45. l e r n a n d e s .

Entrevista I n n u m e r a m u l t i d ã o d e h o m e n s , m u l h e r e s e c r i a n -de

J. Fernandes ças , quese t i n h a reunido á volta do exercito, buscandocom Vidal. * ' i '

protecç ão, ass is tiu ao en co nt ro . D ir ig indo -se a João

F e r n a n d e s e m alias vozes, disse Vidal que a. prendel-o

vinh a por o rd em do gov ernad or ge ra l , em conse

qüência de queixas dad as co ntra e l le pelo C oncelho

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H IS T O RI A DO BRA ZIL . 16">

do Recife , e também a p u n i r o s c h ef e s d a i n s u r r e i ç ã o .

R e s p o n d e u o governador da liberdade q ue po i s o go

vernador geral ouvira as queixas dos governantes,escutasse também os clamores do povo. « Bem sei,continuou, que trazeis instrucções condicionaes, quedeveis cumprir segundo a justiça, que assistir ásduas partes, dando a cada uma o castigo ou apoioque merecer; e chegastes a um tempo que com os

próprios olhos podeis ver a miserável escravidão aque estão reduzidas estas capitanias. Os moradores,aqui no seu próprio paiz, dão-se por felizes quandoachão abrigo nos matagaes, tendo as mesmas feraspor menos terríveis que os seus oppressores. Procu-rão-me a mim, buscando protecção e salvação, e euemprehendi libertal-os e vingal-os, por força d'essalei natural que a todos auctoriza a valerem-se detodos os meios em defeza da vida e da ho nra . » A estafalia succedeu um clamor geral de confusas vozes,umas queixando-se de seus males, outras dandoexpansão á sua indig nação. Um dos soldados de Vidalsahiu então á frente, e assim arengou os seus cama

radas : « A injustiça dos Hollandezes expelliu de suascasas este povo lodo; uns andão fugidos da oppressão,outros em busca da vingança, e não temos nós todosque lamentar pães, parentes, amigos, patrícios im-molados á crueldade d'estes Flamengos, perdas quejamais poderemos esquecer, e que de continuo nos

estão bradando retribuição! Agora temos nas mãos a

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166 HISTORIA DO RRAZ1L.#

1645. opportunidade, ante os olhos o exemplo* e do nossolado a fortuna. Que faremos pois como patriotas e

como Portuguezes, senão offerecer as vidas ao serviçode Deus e da pátria? Se ha entre nós quem d'oulro

parecer seja, que volte á Bahia. » Vidal previra isto,ou por ventura o concertara : a falia foi, como elleesperara, acolhida com acclamações, e a disposiçãodas tropas, disse elle, não lhe permitlia obedecer ásordens quexecebera. Agora era elle um soldado comoos outros, e sabendo, como muito bem sabia, até queponto fora levada a paciência do povo e a insolenciados extrangeiros, de lodo o coração combateria porsemelhante causa debaixo das bandeiras de tão valente general e de amigo tão caro como- João Fernandes. Misturárão-se as tropas bahianas com asfileiras dos insurgentes, e Vidal, tendo abraçado Fernandes, com elle foi para a sua tenda, continuandoa ser seu camarada desde aquelle momento até ao fimda guerra.

Envião-se "A primeira medida foi enviar contra Nazareth umtropas contra . , - . ,

Nazareth. destacamento ao commando de Araújo. Ouvindo oque com Vidal se passara, e tendo provavelmente concertado com elle o seu proceder, affectou MartimSoares da mesma forma ceder á vontade da sua gente,mandando dizer a João Fernandes que elle com .aforça que trazia, estava á sua disposição, e marchou

também contra Nazareth. 0 corpo principal dos patriotas, engrossado com este novo soccorro, e trazendo

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1 6 4 5 .

1 6 d'ag.

Cast. Lus.6, § 4 7 * .

HISTORIA DO BRAZIL. 167

apoz si grande numero de colonos com suas famílias*

índios e escravos, abalou para Moribeca. João Fernandes queria sem demora seguir para o rio Tygipio,mas Vidal fez-lhe ver quanto os fugitivos que osacompanhavão tinhão soffrido com as inundaçõese atoleiros das estradas, e que fora deshumano nãolhes conceder algum tempo de repouzo. Fizerão poisalto por algumas horas, chegando ao rio ás seis datarde. Ia o mestre de campo na vanguarda comman-dando João Fernandes a retaguarda, e antes.de seacampar punhão-se sentinelas em todos os caminhose estradas em roda, para evitar que se levasse qualquer noticia ao inimigo.

N'aquelle dia tinha sahido Blaar a prender na Prizão dasmulheres da

várzea todas as mulheres portuguezas para servirem T a r z e a! P

a r a

• T o r servirem

de reféns e saquear as casas dos insurgentes. Com derefens-especialidade se procurou a m ulher de João Fernand e s , mas elle, prevendo o perigo, havia-a escondidanas matasy com um mulato para servil-a, em logar

so sabido d'um dos seus escravos que tinha a seucargo levar-lhe alimento e vigiar pela sua segurança.Tendo sido menos previdentes os outros chefes, forãoprezas muitas das suas mulheres e filhos, entre outras as de Berenguèr, Bezerra e Amaro Lopes, pessoascujas casas gozavâo de immunidade contra todos e

quaesquer officiaes d e justiça. As prezas forão levadaspara umas casas, conhecidas pelo nome da proprietária, D. Anna Paes, e onde Haus tinha o seu quartel

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1 68 H I S T O R IA DO B R A Z IL .

1645. general, e d'alli devião ser conduzidas para o Recifea uma legoa de distancia. Um capellão de João Fer

nandes, que officiava na várzea, e lhe sabia de todosos movimentos, para poder a qualquer hora mandar-

lhe avizos, correu com a noticia ao acampamento.Foi ella communicada ao exercito, que avançou im mediatamente a liberta r as mulheres. Guiava Fagundes a guarda avançada, e apanhando dous esculcas

do inimigo, tirou d'elles quanto podião revelar-lhe,depois do que matou-os e seguiu avante, até quechegando á vista d'uns engenhos de assucar, fez altopor ouvir rumor dentro. Andava uma partida deHollandezes entretida na obra da pilhagem, e Fagundes, considerando que se os atacasse bastava

escapar um so para se frustrar o designio tão importante de sorprehender o inimigo, conservou prudentemente a sua gente escondida até que os outros seforão com a sua preza. A' meia noute chegou todo oexercito a estes engenhos. Chovia a cântaros e iaescura a noute; recolherão-se debaixo de coberta

quantos poderão, e a aqui se comeu o mantimentotrazido de Moribeca, fazendo-se alto por Ires horas.Então, saltando repentinamente fora da rede em quejazia, declarou João Fernandes que" sancto Antônio»lhe apparecera em sonhos, arguindo-o por dorrhip"em semelhante oceasião. Depressa se poz o exercitoem movimento, e ao romper d'alva alcançou-se o Ca-pivaribe : ia mui crescido o rio, o vàu impassavel, e

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HISTORIA DO BRAZIL. 169

nem batei, nem canoa, nem jangada se descobria. 16 i j 'Ja os quartéis do inimigo estavão quasi á vista. Um

mulato da casa de João Fernandes, excellente nadador, metteu-se primeiro ao rio, e o amo o seguiu ; aágua chegou-lhe ao arção da sella, mas elle passou,e os soldados, animados com o exemplo, am arr arã oas armas de fogo á cabeça, e seguran do-se un s aosoutros pela mão para melhor resistirem ao impelo da

corrente, ganharão a outra margem.Effectuada a passagem, que a menor resistência i. Fernandes

. . ' aj liberta.

teria tornado impraticável, seguiu o exercito a floresta, até que apparecérão á vista as casas de D. AnnaPaes, e fazendo então alto, adeantou-se uma partidaa sorprehender algumas sentinelas hollandezas. Depressa se apanharão duas, que declararão estaremformando no terreiro das cosas dous esquadrões, umcom destino para Olinda, outro para a várzea, am bos com ordem de pôr tudo a ferro e fogo. Achavão-se os officiaes á meza, e apenas acabassem, marcha-rião com os prezos. Sabido isto, avançarão os Portu

guezes, avistando á enlrada do engenho outras duassentinelas, sobre as quaes atirarão; uma cahiu, aoutra fugiu, mas logo foi morla. Os officiaes á mezaouvirão os tiros, mas vendo que nenhuma sentinelavinha dar rebate, continuarão a almoçar Iranquillamente. Não tardou porem que Camarão fizesse ouvir

o seu assobio, signal para as suas terríveis tropas :tocarão os Hollandezes ás a rm as , e ao som dos tam -

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170 HISTORIA DO BRAZIL.1645. bores e cometas abafado pelas descargas da mosque-

taria e gritos de batalha erguerão-se da meza os offi

ciaes, ja tarde demais para se aproveitarem das ven-tagens que lhes poderia offerecer o terreno . Os soldados forão repellidos para dentro do edifício; Blaar,

que nem esperava quartel, nem o merecia, era deopinião que se rompesse caminho para o Recife, masqueria o impossivel, que ja Vidal lhe havia cortado

a retirada. O mais que podião fazer os Hollandezesera defender-se dentro da casa em quanto fossepossível. Havia alli para consumo das fornalhas umaenorme pilha de lenha, que serviu agora de para-peito aos Portuguezes, os quaes, furando com suasbalas de mosquete as tênues paredes da casa princi

pal, fazião grande mortandade entre os apinhadossitiados. Trouxerão então os Hollandezes as mulheresportuguezas, expondo-as ás janellas a serem-mortasavista de seus maridos, parentes ou filhos. Vendoisto, mandarão os assaltantes uma bandeira branca,propondo capitulação ao inimigo; parece porem

que então julgarão os Hollandezes 4er descoberto noque havião feito um meio seguro de salvação, poisque atirando sobre a bandeira, matarão o alteres, eao mesmo tempo, fazendo pontaria a Vidal, que seapproximara confiado na bandeira, e a quem conhecerão pela ordem de Christo, que trazia ao peito,

com um tiro lhe esmigalhárão um dos coldres, ecom outro lhe matarão o cavallo. Imagine-se como

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1 72 H I S T O R I A DO B R A Z I L .d645> este gênero de morte, e clamarão que-os queimas

sem vivos, como hereges obstinados e incorrigiveis

que erão. Oppoz-sé-lhes porem Vidal, cuja naturalhumanidade nem o caracter da epocha, nem as circumstancias do Brazil, nem a mortal superstição doseu paiz, tinhão podido suffocar, epor sua ordem foiextincta a chamma' Acabava de passar o dia S. Lourenço, e o mestre de campo soube apaziguar o povo,

observando que tendo sido este sancto" martyrizadopelo fogo, não queria que os Hollandezes morressemda mesma maneira. Permittiu-se pois a Haus e Blaarque sahissem a apresentar as suas condições. 0 maisque pedirão foi as vidas salvas, querendo tambémestipular egual graça para os Índios ao seu serviço.

Contra isto começarão a resmungar os Portuguezes,que olhavão esta gente como rebelde, e estavão exasperados pelos recentes excessos por elles commetli-<dos. Os miseros selvagens pozerão termo á discussão,e sabendo quão pouca misericórdia devião esperar,arremeltérão contra os seus inexoráveis tyrannos. Depressa forão subjugados e passados todos á espada.Canjarâo era aparentado com o cacique d'elles, maso christianismo, que lhe havião ensinado, pouco lheabrandara a ferocidade do seu caracter selvagem. Nasua opinião merecera o parente dobradamentc a

1 Honra ao digno Paraibano a quem historia imparcial confere

hoje o titulo de primeiro heroe da restauração de Pernambuco do dominio hollandez. F. P.

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 1 7 3

morte, como rebelde ao seu rei e ao seu Deus, mas *•*•para que morresse com a maior honra possível, elle .próprio lhe deu a morte, fazendo-o depois enterrarcom decência, em quanto os cadáveres dos outros fi-Cavão expostos ás feras e aves de rapina. O numerodos assim trucidados foi de cerca de duzentos. Um

dos índios, tendo recebido uma ferida mortal, cahiue ficou como um cadáver entre os mortos : mas aoprimeiro Portuguez que viu approximar-se ergueu-se com moribundo esforço, apunhalou-o três vezes,tornou a cahir e expirou. As mulheres d'estè% desgraçados índios, vendo a matança, tomavão os filhose de encontro ás pedras lhes esmigalhavâo os era- c^\'.lat.

Nieuhoff.

neos.Mais de duzentos Hollandezes aqui forão feitos Perda dos

A l l j l l a n de z e s .

prizioneiros, cahindo nas mãos dos insurgentesmais dé seiscentas armas, alem de muitos e bons cavallos e provisões ém abundância. A perda dos Por

tuguezes em mortos e feridos seria d'uns sessenta.Henrique Dias foi ferido numa perna, mas nãodeixou a acção1. Fagundes levou uma bala através dabarriga, mas restabeleceu-se. Assignalárão-se os padres comb: na victoria anterior, e aqui também a

1 Foi elle n?esta pçeasião o seu próprio cirurgião, e frigindo lã emazeite de peix e, a esbaldar a poz em cima da ferida. É provaveTqúe

os melhoramentos introduzidos por. Ambrosioyparé no tractamentbdas feridasdei tiro não. tivessem ainda, então chegado ao Brazil, peloqu e seguiu q negro"o sjstema antigo, que era matar o veneno d pólvora. "- " -• * :* '.. ;.,--"•'•_. •.'.•/• ' > ; ' - >

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1 7 4 H I S T O R I A D O B R A Z I L .1643

embellezárão c o m m i l a g r e s . N e m o s u o r d a m u t i l a d ai m a g e m d a V i r g e m foi o único p r o d í g i o i n v e n t a d o

p a r a a o c c a s i ã o . C o n t o u - s e e a t t e s t o u - s e , q u e a l g u n s

P o r t u g u e z e s , q u e t e n d o - s e estropiado p e l o c a m i n h o ,

f i c a r ã o n ' u n s e n g e n h o s d e a s s u c a r , f o r ã o a o o u v i r e m

a mosquetaria d a a c ç ã o c o m o c a p e l l ã o p a r a a c a

p e l l a d o e s t a b e l e c i m e n t o , e a j o e l h a d o s a n t e o altaf

d e S . S e b a s t i ã o , i m p l o r a v ã o o s e u a u x i l i o a b e m d o s

c o n t e r r â n e o s . I m m e d i a t a m e n t e p r i n c i p i o u a i m a g e m

a s u a r , c o m o q u e m v i o l e n t a m e n t e s e a f a d i g o u , c o n

t i n u a n d o a s g o t a s a c a h i r e m q u a n t o d u r o u o c o m

b a t e , d e m o d o q u e t o d o s o s q u e s e a c h a v ã o p r e s e n t e s

6, § 6 2 . molharão o s l e n ç o s n a m i l a g r o s a e f í u s ã o .

Biaar V i a - s e a g o r a J o ã o F e r n a n d e s indisputadamenteassassinado

p a r aC

am

B a h ? as e n n o r do c a m p o n ' u m p a i z e m q u e t ã o pouco antes

e r r a v a d e l o g a r e m l o g a r c o m u m p u n h a d o de i n s u r g e n t e s f o r a g i d o s , b u s c a n d o a b r i g o n a s s e l v a s .

P e r t o l h e f i c a v a u m d o s s e u s próprios e n g e n h o s ,

c h a m a d o d e S . J o ã o B a p t i s t a , e p a r a l á s e d i r i g i u e l l ea g o r a e m t r i u m p h o . I a a d e a n t e a m u s i c a , s e g u i ã o - s e

o s p r i z i o n e i r o s , d e p o i s v i n h ã o o s P o r t u g u e z e s e s c o l

t a n d o e m m a r c h a festival a s m u l h e r e s . q u e t i n h ã o

l i b e r t a d o , e a t r a z d e t o d o s o p o v o , a e x u l t a r e da rv i v a s , r e n d e n d o g r a ç a s a D e u s , a b e n ç o a n d o e e n

g r a n d e c e n d o o a u c t o r d a s u a l i b e r d a d e . D o s p r i z i o n e i r o s u n s alislárão-se n o s e r v i ç o d o s P o r t u g u e z e s ,

o s o u t r o s f o r ã o remett idos p a r a a B a h i a . N ã o s e p o d i a

d i s p e n s a r u m destacamento p a r a g u a r d a l - o s , p e l o

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 1 75

que se ordenou que os moradores d'um distrito os1645

escoltassem até ao outro, visto achar-se ja toda acapitania em armas, e que assim fossem levados atéá residência do governador-geral. No caminho encontrou Blaar a sorte com que ja contava, e quesuas antigas crueldades havião provocado e merecido,

sendo morto n'um logar por onde passava. Foi aúnica viclima n'esta marcha, nem os outros prizioneiros tiverão motivos de queixa; mas*os que porestropiados ficarão a meio caminho, lendo depois detranspor o resto, quando ja se não achavão debaixoda salvaguarda da ordem geral para escoltal-os,forão mortos pelo povo.

No mesmo dia d'esta segunda victoria foi Olinda Tomadaoccupada por uma partida de trinta Pernam bucanos, Vi»"'a

insurgente*.

commandadòs por Manoel Barboza, mancebo de muidistincta família. Sua irmã mais velha, como-viuva,tinha casa própria a uma legoa de Mauricia, e com

ellaresidião as irmãs, em quanto Manoel, com cincocompanheiros jovens e decididos como elle, se oc-cullava nas vizinhas florestas, aguardando occasiãode reunir-se a João Fernandes. Por aqui passou ca-,sualmente uma partida de dezaseis Hollandezes, escoltando uma tropa de negros carregados de pilha

gem. Era noute, e elles parárão á porta de D. Luiza,pedindo agasalho. Recearão os moradores, como bempodião fazel-o, abrir a taes hospedes; mas estes met-

térão a porta dentro, ouvindo-se logo os clamores

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176 HISTORIA DO#BRAZIL.

1645. das mulheres. Estava Barboza perlo com os seus camaradas, que possuião entre todos dous mosquetes,duas espadas, um croque e um pau ferrado. Comestas armas investirão os seis Portuguezes o inimigo,ou não lhe sabendo o nu m ero , ou, o que é mais provável, desprezando todo o perigo em semelhante oc-casião : fez o atrevimento com que os Hollandezes os

tomassem por mais numerosos, e também lhes foifavorável a eecuridão. Matarão a maior parle do destacam ento, pozerão em fuga o resto, e entre os despo-jos acharão armas bastantes para quatorze dos seusconterrâneos, que, sabendo d'este feito, vierão reu-nir-se-lhes na manhã seguinte. Crescendo-lhes agora

com o numero a audácia, mesmo ás portas do Becifepicavão e desafiavão os Hollandezes, chegando agoraa tomar posse de Olinda não obstante haver sobre acidade um reducto fortificado. João Fernandes*pre-

6,s§ 69°' miou-lhes o chefe com uma patente de capitão.iioogítiaeten Entretanto acampava Martim Soares deante do

Nazareth. forte de Nazareth, que mandou intimar por Paulo daCunha. Recebeu Hoogstraeten este official em publico, declarando-lhe a resolução em que estava dedefender o seu posto; mas em particular asseverou-lheque desempanharia a palavra dada ao governador-geral, apenas o mestre de campo fizesse unçção, com

o exercito sitiante para tornar airosa a entrega., Veiopois Vidal,que estava no engenho de S. João Bap-tisla, e á chegada d'elle com a sua divisão fez-se se-

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 177

gunda intimaçâo. Não era o mensageiro conhecido 16i5-

de Hoogstraeten, pelo que-declarou este cautelosotraidor que nenhuma resposta daria, se não lhe enviassem um official de graduação sufficiente. Foi poisPaulo da Cunha novamente ao forte, e outra vez lhedeu Hoogstraeten publica audiência, declarando aindaque como homem era amigo dos Portuguezes, mas

como commandante d'aquella fortaleza, devia ir-lhesobre tudo a sua pátria, e assim morreria na defezado posto que lhe fora confiado. Depois d'esla bravata, esperou Paulo da Cunha á porta, e pelo caminho lhe foi dizendo que assaltassem os Portuguezessem demora o forte pelo lado da barra que elle teria

cuidado de fazel-o cahir-lhes na mão, e occupassemtambém o logar onde se fazia aguada. Tomados estespontos, não foi difficil fazer ver á guarnição queerâo>perdidas todas as esperanças de soccorro, e quepois a falta de água devia depressa obrigal-a a capitular com quaesquer condições, melhor seria fazel-oja e obtel-as boas. Foi mais uma barganha do que

capitulação. As tropas serião pagas dos seus soldosatrazados devidos pela Companhia; quem quizessepôr-se ao serviço dos Portuguezes, poderia fazel-o,quem preferisse servir na Europa, teria passagempara Lisboa; e aos que escolhessem voltar á sua própria pátria se fornecerião meios de transporte. Trans-

miltirão-se estas condições a João Fernandes Vieira.Tinha elle levantado entre os insurgentes uma con-

m. 12

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178 HISTORIA DO B R AZ IL . .1645- tribuição que não chegou a 2 , 0 0 0 c r u z a d o s ; 9,000

erão p rec izos para es te impor tan te a jus te , e elle poz

da sua algibeira o res to . Toda a g u a r n i ç ã o e n t r o uCast. Lus.6> § 7<>-7- p a r a o se rv iço por tuguez .

sahe Em q u a n t o as t ropas ba h ia na s ass im cooperavãoLichthart 1 1 *

eTqlíadrâ activamente com os i n s u r g e n t e s , s e g u i a Salvador

-ortugueza. ( ] o r r e a p a r a 0 Recife> s e g u n d o as instrucções que trazia com a frota do r e i n o . A sua formidável vista

i n s p i r o u o m a i o r t e r r o r , e e n f r a q u e c i d o s e desani-

fásf' mados como estavão os Hol landezes com o desbarato

d o m o n t e das T abocas , se a cidade fosse investida

n ' e s l e momen to , t e r - se - i a p rovave lmen te r end idosem

c o m b a t e . Mas o a lmi ran te po r tuguez nada sab ia ,; doq u e se passava em t e r r a , e a o r d e m que trazia era

para offerecer ao Concelho os se rv iços d ' aque l la aro

m a d a bem como os das t r o p a s c o m m a n d a d a s por

Vidal e Mart im Soares , embuste que parece exceder

tan to os l imi t e s ordinários da diss imulação po l í t ica ,

que quas i se p o d e r i a c o n s i d e r a r i n s u l t o . Por tal otomarão os Hol landezes , que deliberarão se prende -

rião as duas pessoas que t i nhão v indo a t e r r a com

as car tas do g o v e r n a d o r : mas os seus navios erão

in fe r io res em n u m e r o aos de C o r r ê a , nem estavão

ape rceb idos pa ra en t r a r em fogo, pelo que recearão

provocar hos t i l idades . Mandarão p o i s , disfarçada em

l e rmos am igáve i s , uma respos ta em que se queixavâo

do p rocede r dos m e s t r e s de c a m p o , p e d i n d o ao

m e s m o t e m p o que o almirante f izesse a sua a r m a d a

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. HISTORIA DO BRAZIL. 179

sahir das balizas, onde estava com a sua presença1045,

animando os insurgentes. Isto com razão o dizião; oapparecimento da esquadra excitara a maior agitação,coroando-se de alegres espectadores as eminências, eja buscavão armas os que ainda as não havião to- .mado para poderem tomar parle no esperado ataque

ao Recife. Mas Corrêa, que desempenhara a sua missão, e tinha pressa de pôr-se a caminho com o seucomboio, não esperou sobre os ferros a resposta do

•Concelho, recebendo-a ja velejando. Recobrandoanimo então, deu o Concelho ordem a Lichthart qu e,apromptando a toda a pressa os seus navios, inves

tisse, queimasse e destruísse os Portuguezes ondequer que os achasse'.Ficara entretanto Jeronymo de Payva com os seus

oito navios na bahia de Tamandaré. Apenas concluído o arranjo com Hoogstraeten, escreverão-lhe 2ri6Ís.pt

os mestres de campo, dando-lhe parte do seu feito,e aconselhando-o que viesse para o porto de Nazareth, onde estaria seguro; e para melhor o resolverem, accrescentavão, que querião receber o sacramento no forte, que havião rebaptizado era honra

1 Jtaphael de Jesus chama isto a mais infame traição que jamaispôde conceber peito humano. 6 , § 66 . O modo por que elle nos pintatodas estas transãcções, seria ridículo á força de ser injusto, se não

fora couza tão melancbolica ver em todo o correr da historia humanaquão lamentavelmente os homens a si mesmos se enganâo, pervertendo

^pJas as leis do justo e in justo, conforme os determinão suas paixõeso.i prejüizos.

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180 HISTORIA DO BRAZIL.

1645. d'aquelle mysterio, e onde tinhão achado um livrode missa, couza, dizião, de não pequeno prestimoe de sept. para elles. Este conselho repetirão-no com mais ins

tância em segundo despacho, tendo sabido por umacarta interceptada que a esquadra hollandeza andavano mar em busca de Payva. Ambos os despachos ca-

hirão nas mãos do inimigo

1

, e os Portuguezes, nãosabendo que Nazareth era ja por elles, deixárâo-seficar n'uma bahia aberta. Alli os achou Lichthart,

içou a bandeira vermelha, e atirou-se a elles. Era'8 de sept. muito superior a sua força, e tinha por si a vantagem

da perícia e a confiança do numero. Um dos naviosportuguezes, tendo tempo ainda de fazer-se ao mar,rompeu por entre os Hollandezes e chegou á Bahia;dous forão abandonados e queimados; outros dousencalharão, defendendo-se tão bem, que o inimigonão pôde destruil-os; e os três restantes forão tomados. O navio de Payva foi abordado por três ladosao mesmo tempo, tendo-o Lichthart marcado. Defendeu-o o comm andante portuguez com a maior galhardia, e ainda depois de ser senhor da coberta o inimigo, á porta da sua câmara de espada em punhoderribou muitos, sem que o podessem fazer prizioneiro senão quando cahiu, exhausto de fadiga e daperda do sangue que de numerosas feridas, lhe cor-

via . N'esta acção perderão os Portuguezes, dizem,*;

1 Assim se dev e inferir do facto de transcrevel-os Nieuhoff, que d'ou*

Ira fôrma os não poderá haver obtido.

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H IS T O R I A DO B R A Z I L . 1 85

Serviu lambem de pretexto para se requerem armas 1645-a Linge. Seguião esles mesmos Tapuyas caminho deGoyana, havião de passar perto da Parahyba, e, seestamos sem armas para nossa defeza, dizião os Pa-rahybanos, commetter-se-ão aqui os mesmos horrores que em Cunhau. Acompanhava um presente apetição, a que veio dar algum pezo o medo do mesmoLinge, ja informado da derrota dos seus conterrâneos

no monte das Tabocas. Concedeu pois aos moradoreslicença para proverem-se de quaesquer armas quen?o fossem de fogo, e retirou-se com parte das suastropas para o forte do Cabedello. Obtida assim permissão para proverem á própria defeza, principiarãoos Parahybanos a fortificar os logares mais defensá

veis, e em breve se viu que não fora sem fundamentoo seu receio. Por quanto os Tapuyas, com um corpode Hollandezes ao commando de Willem Lambartz,que tinha sido enviado a solicitar o auxilio d'eslesselvagens, ahi vinhão assassinando quanto Portuguezachavão pelo caminho. O cacique d'elles, Jan Duny,

exigira Segundo a declaração dos mesmos Hollandezes, como. condição do seu auxilio o extermínio detodos os Portuguezes na Parahyba. Debalde tentavaLambartz refrear-lhes as crueldades, e uma parte dosTapuyas, saciada de despojos, affeclando offender-secom a ingerência do Hollandez, voltou atraz. 0 resto

continuou a avançar até chegará vista de Goyarwi,onde queria entrar de noule. Corria entre a cidade e

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184 HISTORIA DO BRAZIL.

1645. os selvagens um rio; na escuridão imaginarão elles

que se reunia uma força superior para vedar-lhes. ovau, e tomados de terror largarão a fugir. Dispersá-rão-se os Tapuyas, regressando ás suas florestas, e osHollandezes voltarão ao forte do Cabedello, ondeLambartz se embarcou para o Recife a dar conta da

Nieuhoff. l i j j - ~

cast. LUS. sua mallograda expedição.

insurreição Depois da captura de Haus e Blaar mandarão osParahyba. dous governadores, como João Fernandes e Vidal se

chamavão agora, officiaes para a Parahyba, a.com-

mandar os insurgentes. Um era sobrinho de Vidal ecomo elle natural d'aquella capitania. Mandárão-setambém um capitão do regimento de Camarão, e

outro do de Henrique Dias, para que podessem osíndios e negros alistar-se debaixo de homens-da suaprópria côr e nação. Fizerão estes emissários alto aires legoas da cidade, e mandarão a Ires moradores,nomeados governadores da província, recado da suavinda, pedindo-lhes que tomassem medidas para pro

clamar-se a liberdade na Parahyba. Tão bem forãocombinadas estas m edidas, que no mesmo dia seguirão os Portuguezes por Ioda a extensão da .capitaniao exemplo deGoyana, tendo logar a acclamação daliberdade, como se disse. Escolheu-se o engenho deS. Antônio, pertencente a Jorge Homem Pinto, comoa melhor posição para a defeza, e fortificado deu-se-lhe o nome de acampamento. Linge mandou umaforça de trezentos Hollandezes e seíscentos selvagens

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H I S T O R I A D O B R A Z I L . -185

a sorprehendel-o, simulando ao mesmo tempo um 1645-*

ataque por mar contra a cidade. Vendo as lanchassubirem o rio, deixárão-se os insurgentes enganar,ej>repârárão-se para defender a Parahyba, mas tinhãodeixado no acampamento uma força sufficiente, que,fazendo uma sortida, arremetleu contra o inimigo.Vinhão por ventura cançados da marcha os Hollan- « de sept.

j . - , . . . , , 1645/dezes; um pezado aguaceiro diminuiu-lhes a vantagem que alias tirarião de suas armas de fogo, e aconseqüência foi que carregados impetuosamentepelos patriotas, forão rolos e desbaratados, deixandono campo uns oitenta mortos. Havia sobre o campoda batalha uma egreja com a invocação de S. Cosmee'S. Damião; apparecérâo as portas abertas, sem quejamais mão de homem as abrisse, e assim teve o povoda Parahyba também o seu milagre e a sua victoria.Tanta confiança lhe inspirou este triumpho, que osinsurgentes chamarão para junclo de si as m ulherese crianças que tinhão escondidas nas florestas. Depois

entabulárão negociações secretas com Linge paracompra do forte do Cabedello, e ja estava quasi concluído o negocio, quando, dando raro exemplo deinfídelidade, um padre portuguez o revelou ao ministro calvinista, lendo o commandante hollandez,para livrar-se de suspeitas, de enforcar o agente dos

patriotas. Assim continuou o forte em poder dos Hol- Cast Lus

landezes, em quanto erão os Portuguezes os senhores meuhóff.'

do resto da capilarlia.

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1 8 6 - HISTORIA DO BRAZIL.

•1645. A o s u l d o Recife a inda corr ião peor o s negócios

EdvecPort° d o s Hol landezes . S e m espe rança d e d a r soccorro ásHoiiaVdezLs. s u a s guarnições no Sergipe, rio de S. Francisco e

Porto Calvo, mandarão ordem de evacuar estes fortes,"enterrando-se e destruindo-se as peças, mas-nempara isto houve tempo. No ultimo d'estes logaresrebentou a insurreição por oceasião da prizão d'um

dos principaes moradores, levantando-se os outros»com ChristovãoLíns á testa, nomeado capitão do districto por João Fer na nd es . Fez o comm andante hollandez sahir um destacamento a esmagal-os antes que"ganhassem forças, mas Lins armou tão boa cilada aoinimigo, que nem um so escapou. Três dias depois

sorprehendeu elle um navio que vinha subindo o rio'Mangòaba com provisões para o forte, e tendo assimadquirido armas e confiança, foi bloquear os Hollandezes. Era o commandante d'esles Klaas Florins,mero mercenário, e sabia que a sua gente não a ani-mavão melhores princípios. Fez-lhes pois ver-que*não estavão obrigados a defender a praça com immi-nente perigo de vida, pois que sendo o soldo um ímeio de vida , não era razão que houvessem de morrer1 ':'por elle. Era irrefragavel em taes circurnslanCias ':'jisemelhante lógica,*e com plena approvação da suatropa manda Florins propor uma capitulação, ouantes offerecer a fortaleza á venda; mas com uma'*'delicadeza e melindre pela sua honra, quemalsedevera esperar d'um tal raciocinador, exigiu que s

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HISTORIA DO BRAZIL. 187nomeasse um official do exercito com quem tractasse, 1645-

não se fosse dizer que elle barganhara com pessoascom quem havia vivido em intimidade. Enviarão poisos governadores um official, e por 7Q0£000 distribuídos entre e lla, sahiu a guarnição, serião um cento 17 de scpt.e cincoenta homens, com as honras militares, depondo depois as arm as. Foi a fortaleza immediatamente arrazada a pedido dos moradores, sendo as suasoito peças de bronze remettidas ao exercito dos patriotas na Várzea.

Forão quasi semelhantes as primeiras oceorrencias Abandonãono forte Maurício sobre o rio S. Francisco. Foi prezo Hollandezes

o rio

e arrancado á escolta um dos Portuguezes. Setenta s- Francisco.

soldados sahidos a castigar os insurgentes, cahirãon'uma emboscada, e perecerão todos. Pozerão entãoos patriotas, commandados por Valentim da RochaPita cerco á fortaleza, mandando pedir soccorro áBahia. 0 governador general, cançado de dissimular,enviou-lhes uma força pequena, ás ordens de Nicolao

Aranha, que partindo de Rio Real, chegou a S. Francisco em quatorze dias, jornada que , altenta a distancia e a estação, a todos maravilhou. Em despeito dafortaleza erão os Portuguezes senhores do rio, sor-prehendérão muitas embarcações pequenas e obrigarão a retroceder as que trazião a ordens do Concelho para retirada da guarnição. Tentarão os Hollandezes uma sortida, mas os quatro primeiros forãomortos logo ao transporem as portas, tão perto se

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188 HISTORIA DO BRAZIL.1645. havião postado os Portuguezes, e tão certeira a sua

mira. Ficarão os camaradas tão intimidados que nãoquizerâo expôr-se a egual sorte. Aranha offereceu-;

lhes condições,, e elles pedirão Ires dias para reflectir.

N'este subio tempo aqui chegarão caminho da BahiaHaus e os outros prizioneiros, e provado assim o deplorável estado dos negócios da Companhia no Brazil,

rendeu-se a guarnição immediatamente. Duzentos esessenta e seis homens depozerão as armas, tendoobra de oitenta sido mortos pelos atiradores porlu*guezes durante o cerco. E tão dextros erão estes, quese algum dos sitiados, avenlurando-se a olhar do altodas trincheiras para o inim igo, dobrava de ambos os

lados as abas largas do chapeo para ajudar a vista,logo lhe vinha uma bala furar mãos e chapeo. Maisd'um prizioneiro mostrou assim furadas as mãos. Degrande importância foi esta conquista ': olhava-se

1 Fr. Manoel do Salvador a embelleza na forma do costume com ummilagre. Pouco depois de ter Aranha sabido da derrota dos seus con

terrâneos na bahia de T am anda ré, e em quan to o inimigo deliberavase se renderia ou não, soou no campo um sino, e logo ouvirão os sol-,dados uma musica com o o canto da ladainha, e viu-se uma luz brilhante^« Senhores e camaradas, disse Pedro Aranha irmão do capitão, sem dúvida nen hum a devem estas ser as almas dos finados, que vêem em nosso?auxilio. Tenho com ellas especial devoção e todos os dias as encommendo,a De us, acabando agora mesm o as oraçõe s que por ellas offereço ao Altíssimo. Promettamos-lhesuma missa cantada á man hã ao rom per d'alvá,

que é o dia em que a sancta Egreja catholica costuma dizer missas e of

ferecer suffragios, por ellas.» Cantou7se effectivamente a missa, e nomomento de levantar a Deus, ao darem as tropas uma salva, também dafortaleza se disparou uma peça em signal de que a guarnição se renuiá.

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HÍSTORIA DO BBAZIL. 189

aquelle forte como a chave de Pernambuco, nem 1645

havia agora nada que estorvasse a livre passagem dosPortuguezes da Bahia, podendo de mais a mais os insurgentes supprir-se de mantimento nas extensascampinas d'este rio immenso. Também esta fortalezafoi arrazada a pedido dos moradores, e Aranha seguiu Nieui,off. 92*com as suas tropas a unir-se na Várzea a João Fer- 6.cgS98ÍTòs.

, T T - 1 1 V a ' - L u c .

nandes e Vidal. P . MUTomada Nazareth tinhão Vidal e Soares feito junc- organizo-te

ção com João Fernandes, e consultando todos sobre regimeiíto osdesertores

d modo por que recompensarião a Hoogstraeten a suatraição, em quanto do rei não recebia o premiõ que

merecia tão importante serviço, propoz-se que se organizassem todos os desertores hollandezes n'um regimento, e que este se desse a elle com o poslo de— Nada ha extraordinário no milagre, que não é mal concebido, e podiamui facilmente ter logar, mas é digno de reparo que Raphael de Jesusreprehenda Fr. Manoel pelo referir, affectando não lhe dar credito,por não ter sido precizo para a oceasião. Nam duvidamos do muytoque alcança de Deos a devoçam das almas, e do quanto as abrigaquem as inculca; porem sabemos que nam faz Deos milagres sempor que : Quando quer dar os fins, dispõem os meyos, e o quepelbs hurnanos se pôdeconseguir, escuza os milagrosos : com masevidencia neste cazo, em o qual o motivo relatado pello sobre diteaulhor, foz tam occuílo ao herege, que nam o avia de convencerdo erro,nem informar do castigo; e a doutrina Catholica nosensina,que para convencer incrédulos obra Deos a seu olhos as maravillas;e socorre aos fieis con milagres nas occaziões e apertos, aonde não

chegam as forças humanas. Cast. Lus. 6, 104. Ora este Benediclinoengolia araras sem hesitar, e a cara torta, que faz a um moscardo, talvezse etfplique por tal ou qual ciúme contra um auctor, que o precederaem todas as partes mais brillantes da sua historia.

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acampamento'do Bom Jesus, bloqueando o Recife. lj45 '

Pensou João Fernandes que seria isto dar á guerraum caracter por demais defensivo, quando convinhãooperações mais activas. Propoz que se erigisse umforte para segurança das provisões de guerra e déboca, eque para protegel-o acampassem as tropas tãoperto que jamais o perdessem de vista. Adoptado o

plano, plantou-se um forte sobre uma eminência aQuatro milhas da cidade. Escolheu João Fernandes oJogar; ninguém conhecia melhor o paiz, e pois queas trincheiras que se abrirão lhe destruião as plantações de três dos seus próprios engenhos, era evidente que nenhum outro motivo que não fosse o

bem publico podia delerminal-o na escolha. Em trêsmezes ficou completa a obra segundo todos os preceitos da arte, dando-se ao novo forte o nome de BomJesus1, que fora do primeiro acampamento. A' suasombra depressa cresceu uma cidadezinha, que sechamou Novo Arraial, e aqui estabeleceu João Fer

nandes a bem dos doentes e feridos uma d'essas instituições caridosas conhecidas pelo nome de Casas deMisericórdia, dotando-a com fundos tirados d'uma

contribuição cobrada dos Pernambucanos conformeos meios de cada um . Proveu-se a todos os soccorrosmédicos eespirituaes,e nas outras províncias suble-vadas depressa se creárão, instituições sem elhantes.

1 Pára difierença-lo do primeiro denominou-se este Arraial Novodo Bom Jesus. F. P.

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29 d'Ag.1 6 4 5 .

192 HISTORIA DO BRAZIL.

1645. Consternados vião os Hollandezes os progressos do

Preparativos i n i m i g ( K Requereu o povo do Recife que se arrazassePernambuco. 0 palácio deNassau , não fossem d'elle apoderar-se os

ins urg en tes , ao qu e não an nu iu o Concelho, dizendoque esperava aproveital-o para defeza da cidade; mandou porem demolir as casas exteriores e destruir osjardins feitos com tanta magnificência, cortando-se

também a ponte da Boa Vista. Tentou-se fortificarMauricia, mas ou por que parecesse desfavorável aposição ou por demais diminuta a guarnição, julgouo Concelho m ais acertado m an dar arrazar totalmentea nova villa; publicou-se a toque de caixa um bando,m an da nd o aos m oradores d eitar abaixo suas casas no

prazo de dez dias, findo o qual poderia qualquerapropriar-se para seu uso todos os materiaes queachasse em pé. Tão grande continuou a ser a ancie-dade do povo apezar de todas estas medidas que pornecessário o teve o Concelho pu blicar o conteúdo dosseus últimos despachos para Amsterdão, a fim de

m ostrar q ue o perigo im m inente havia sido expostoá Companhia em termos tão enérgicos como requeriaa urgência do caso.

Havia sobre a enseada um forte que da sua configuração se chamava dos Cinco Ângulos \ PropozJoão Fernandes investil-o de noute Hoogstraeten,

porem o tinha ultimamente inspeccionado, e conhc-1 Alias das Cinco Pontas, por cujo nome é ainda hoje conhecido.

F. P.

Nieuhoff.

8 8 , 9 1 - 4 .

Te n ta t i v a scontra

i ta m a r a c a .

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cendo-lhe por isso a força, dissuadiu da empreza o 1645-general, aconselhando antes uma expedição contraItamaracá, celeiro de todas as possessões que restavãoainda ao inimigo. Ficou Dias commandando no acampamento em quanto o grosso do exercito marchavapara Garassú, ordenando-se a todos os bateis dos arredores que se reunissem na foz do rio Catuama. Um

galeão, que os Hollandezes tinhão postado para defeza da passagem do canal entre a ilha e a terrafirme, foi sorprehendido e capturado, effectuando astropas desapercebidas o seu cTesembarque. Uma Hol-landeza, que provavelmente por algum crime vinhafugindo da cidade de Schoppe, como havião os con-

qaistadoresnomeado o seu principal estabelecimentona ilha, cahiu-lhes nas mãos, e no seu resentimentocontra aquelles de quem se escondia, offereceu-sea guiar os Portuguezes até dentro das trincheirasinimigas, sem que ninguém os visse. Foi ella perempéssima guia, e Cardozo, que confiara no conheci

mento que elle mesmo tinha do terreno , chegou pr imeiro com o seu destacamento ao theatro da acção.As Índias, que ao romper do dia sahião da cidade,umas por água, outras por ostras, descobrirão-no ederão rebate, servindo o tiroteio que se seguiu para <dirigir João Fernandes e Vidal com o resto do exer

cito. Apoz três investidas romperão os assaltantescaminho para a cidade, repellindo para dentro dastrincheiras com que'se tinha fortificado a egreja, os

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1 94 H I S T O R I A D O B R A Z I L .

1645. Hollandezes que alli ja se preparavão para capitular,quando a rapacidade e a crueldade'dos Portuguezeslhes vierão arrancar das mãos a victoria, ja segura.Alirárâo-se as tropas bahianas ao saque, exemplo quefoi avidamente seguido pelo regimento de Hoogstraeten. Logo no principio do assalto dera Cardozo ordemde passar os índios á espada, e esta gente, sabendo

não ter que esperar quartel, arremetteu desesperadacom o inim igo, que julgava ja concluída a conquista.Vendo os assaltantes em confusão, recobrarão animoos Hollandezes, fazendo' contra elles uma sortida, eos Portuguezes, em logar de se tornarem senhores dailha, derão-se por felizes .com effectuar a retirada,

levando comsigo aquelles dos seus conterrâneos quequizerão tomar parte na insurreição. A perda recahiupela maior parte sobre o regimento de Hoogstraeten;Camarão foi ferido; Vidal. e João Fernandes escaparãoillesos, embora uma bala levasse algum cabeJJo aoultimo, e o primeiro recebesse um tiro sobre a pistola.

Sete soldados do regimento trouxerão as sacolas cheiasde despojos, tendo perdido as armas; Hoogstraetencondemnou-os todos á morte, mas foi mitigada asentença, tirando-seá sorte um, que pagou por todos.

peste. Fortificada Garassú e segurados todos os caminhosmento. por onde de Ilamaracá podia molestal-os o inimigo,

voltarão os Portuguezes ao arraial, onde uma moléstia contagiosa os abrigou a permanecerem ociosostodo o resto do anno. Principiava ella por uma op-

no acampa-

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198 HISTORIA DO BRAZIL.

1345. gUezes fizerão durante estas hostilidades sem tregoas

nem descanço, consistiu em escravos que, vendo ogeito que as couzas ião levando, e o espirito diversoque animava as duas parcialidades, e seguros deque mais tarde ou mais cedo cahirião nas mãos dosinsurgentes, ou vinhão entregar-se-lhes, era quantoalgum mérito podia ter este proceder, ou expunhão-se a ser aprizionados. Para animar as tropas costu-mavão os generaes distribuil-os pelos aprezadores.Se tinhão pertencido a algum Portuguez, erão res-tiíuidos ao dono, pagando elle certa somma a titulode salvado, e os que vinhão entregar-se lendo sidopropriedade hollandeza, erão vendidos para asdes-

Cast. Lus.

7, § s-6. pezas da guerra.Traição dos Por este tempo tractavão os Hollandezes de dardesertores. , ,

um golpe decisivo por intermédio do regimento deHoogstraeten. A traição d'este homem fora em verdade d'aquellas que não deixão esperança de perdão;

muitos porem dos soldados, segundo se presumia,teria abraçado o serviço porluguez para evitaremmãos tractos, e esperando achar occasião de fuga, eem todo o caso sobre isso não havia duvida, nenhumd'elles podia ter motiyo que o obrigasse a ser fiel aonovo juramento logo que houvesse alguma couza a

ganhar com segunda quebra de fé. Facilmente seabriu com elles uma correspondência, e depressa seconcluiu a mercancia. Concertou-se que elles pelasua parte não atirarião com bala, e que as tropas do

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HISTORIA DO BRAZIL. 199

Recife jam ais farião pontaria sobre elles, isto até que 1645*

elles achassem ensejo de passarem-se para os seusconterrâneos durante a acção, investindo os Portuguezes. Entretanto dislinguir-se-ião, para própriasegurança, por um papel dobrado trazido no chapeo.Esla ultima parte do plano mallogrou-se por umaoccorrencia inesperada e ridícula : os Portuguezesadmirarão aquelle tope de papel, e parecendo-lhesque dava um aspecto marcial, quizerão também

i Cast. I.us.

trazel-o. 7, § 8.

Tinha João Fernandes sem pre olhos suspeitosos sobre o regimento dos desertores, e embora se diga quenão compartião eguaes receios os outros chefes, tam

bém nunca n'ellc confiarão cegamente. De tempos atempos tinhão-se mandado destacamentos d'ellespara differentes estações, de modo que no grosso doexercito ja não havia mais de duzentos e cincoentad'esles homens. Aguardavâo elles, dirigidos pelo capitão Nicolzon, a primeira opportunidade de fuga.

Para dar-lhes esse enseio, fez-se uma sortida em 9denov.J ' 1645.

grande força commandada por Garsmann, que depoisdo aprizionamenlo de Haus eBlaarlhes succedera noposto. Reunirão-se os desertores, e so um movimentocasual de Cardozo os impediu de executar o seu propósito. Durante toda a guerra da restauração de Per

nambuco jamais como n'este dia se virão em tantoperigo os Portuguezes; por quanto se no meio d'uma

disputada acção tivessem sido repentinamente accom-

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nhias : marcharão elles, indo esconder-se como de 1645-

emboscado entre as arvores do Beberibe, mas apenas, vasando a maré, se tornou vadeavel o rio, atra-vcssárão-no, e rufando tambores c dando salvas,entrarão no Recife. Não podia Hoogstraeten ser suspeito de ter tomada parte n esta traição, pelo que,mal se averiguou o facto, o mandarão João Fernan

des e os mestres de campo chamar, para se deliberarsobre o que conviria fazer do resto do regimento,visto como se assim havião procedido aquelles emquem elle confiava, que se deveria esperar dos outros, que lhe erão suspeitos? Estava elle desesperadopelo que se dera; todos, dizia, sem a minima duvidaerão egualmente culpados, e pelas leis da guerrareos de morte, merecendo lambem elle o mesmocastigo, por haver sido o commandante de taes miseráveis. Cercados immediatamente forão Iodos desarmados; deu-se-lhes busca ao quartel e apparecérãosobejas provas de communicações com o Recife, porquanto como verdadeiros Hollandezes tinhão-se elles

provido de queijo flamengo, manteiga e harenquesda Hollanda, tudo couzas impossíveis de se haveremsenão por communicações directas com a praça sitiada. Expedirão-se ordens para desarmar todos osque tinhão ido destacados para differentes estações,e mandal-os com suas famílias para o acampamento;

daqui forito remiltidos para a Bahia, bem escoltados, e em differentes partidas, a entregar ao gover-

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202 HISTORIA DO BRAZIL.

N545. nador-geral '. Os que erão calholicos forão reputados

innocentes, e obtiverão licença para ficar, bastandoa qualquer mulher calholica que quizesse descartar-se do herético marido, allegar a sua religião,para conseguir o divorcio. Não se deixarão ir os cirurgiões, cujos serviços erão por demais úteis, etambém ficarão retidos dous engenheiros, que se

empregarão nas obras do campo. Hoogstraeten eLaTour, seu sargento-mor, pedirão licença para ir servirna Bahia, humilhados como se sentião na sua actualsituação, e chegados que forão a S. Salvador, derão-

cast. Lus. lhes postos eguaes n'um regimento portuguez.os Seguindo agora a contenda com todas as minas e

Hollandezes . . . . . . . . . « i • ,

desconfião contraminas de insidiosa política, labncarao os mestres de campo uma carta ao governo hollandez, incul-cadamente escripta por um dos seus am igos, e dizendoque Nicolzon e o seu destacamento obravão de con-loio com Hoogstraeten e João Fernandes, e que a nãoter sido assim, não poderião elles ter effectuado a

1 Nieuhoff diz que os Po rtugu ezes incu lcárão mandal-os para aBahia, mas que na realidade os assassinarão com mulheres e filhospelo camino. P. 28. Se os mestres de campo tivessem resolvido dar-lhes a morte, não erão homens que duvidassem fazel-o abertamente.O facto é que muitos perecerão ás mãos do povo nos logares por ondepassavão. Sabendo-o, ficou João Fernandes extremamente indignado,ameaçando com exemplar castigo as povoações onde taes excessos sehavião commetido ; mas os Pernambucanos do seu exercito declararãoque os Hollandezes deverião ter sido todos suppliciados pela traição quelizerão, e ameaçarão a seu turno deixar o acampamento, se algum dosseus conterrâneos fosse punido por haver tirado vingança de sem elhantes perversos. Vai. Luc., p . 2 9 1 .

desertores.

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deserção em tão grande corpo, pelo que se não se

precavessem os de dentro, não tardarião a sentir oseffeitos de tão refinado estralagema. Teria esta cartaproduzido tudo quanto d'ella se esperava, se se tivessepodido adiar o desarmamento dos desertores ao serviço portuguez. Immediatamente mandou o Concelhovigiar por espias a companhia de Nicolzon, e quiz o

acaso que um d'esles agentes encontrasse dous dossoldados recemchegados n'uma laverna, a gabarem-se com o copo na mão da paga regular e boa vidaque disfructavão no arraial, m ostrando como provao seu dinheiro e a farinha de mandioca e carnefresca, que tinhão trazido nas sacolas. A um governotantas vezes enganado, em circumstancias tão perigosas e de nenhum modo escrupuloso na administração da justiça, pareceu isto prova sufficiente de desígnios traiçoeiros : os dous soldados forão sentenciadosá forca, e prezos todos os seus camaradas, que teriãoprovavelmente compartido a mesma sorte, se nãochegasse noticia do procedimento dos Portuguezes

contra os desertores, que tinhão ficado no campo,descobrindo-se assim o artificio da carta . Bemovidasassim dos seus conterrâneos, recahirão as suspeitasnos Hollandezes sobre os extrangeiros ao seu serviço.Havia trinta Francezes na guarnição do forte dosAfogados, que todos forão prezos, dando-se tratos a

quatro, que forão executados apezar de nenhum terconfessado couza alguma. Um negro Mina, que na

1645.

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204 HISTORIA DO RRAZIL.

1645. mesma noute desertou do forte, informou HenriqueDias do que se passara, c este hábil chefe armouuma emboscada ao destacamento que devia substituiros Francezes suspeitos e render os demais soldados,cuja fidelidade se tornara suspeita pelo contacto emque tinhão estado com os Francezes. Como era estauma escolta forte, aproveitarão os moradores do Re

cife a occasião para mandar a sua roupa a lavar emágua doce; cahiu o destacamento na cilada e os guerreiros pretos de Dias fornirão-se do mais lino linho.As provisões para este forte erão com. imprudenteregularidade remeltidas todos os sabbados em quantidade sufficiente para a semana seguinte, como que

desafiando assim novas em prezas, em uma das quaesteve parte Paulo da Cunha. Estava elle aquarleladon'uma. casa, que pertencia a Sebastião de Carvalho,ao homem que primeiro denunciara aos Hollandezesa premeditada insurreição. Poucas horas so estiveraPaulo da Cunha ausente quando, voltando, achou o

edifício todo consumido pelo fogo. Qualquer que fossea causa d'este accidente, convertérão-na os Portuguezes em milagre, affirmando que não obstanteterem sido aquellas casas umas das melhores daVárzea, todas de pedra e cal, com portaes, pillares eescadas de pedra de cantaria, tudo se reduzira acinzas, ardendo tão bem as pedras como a madeira,como para mostrar a cólera do ceo contra um traidor.

Logo no principio da insurreição se enviara um

Cast. IAM.

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 2 051645.destacamento ás ordens de Barboza Pinto a proteger

Transaeçõet

em Cunhau os Portuguezes. Chegando tarde para noroten8i.evitar a matança, foi a tropa aquartelar-se no mesmoengenho de assucar em que livera logar a principal ,carniçaria, fortificando-se alli e principiando a tomarreprezalias do inimigo. Mas a guarnição do forteReulen era superior, e pedia a prudência que se

abandonasse uma posição impossivel de sustentar;ora, como motivo para evacual-a, allegou-se umacircumstancia, que ou foi accidentalmente engrandecida e interpretada como milagre, ou não passoud'um artificio inventado para persuadir a mudar dequartéis homens, que, cegos deante do perigo, que

rião antes deixar-se ficar debaixo d'um bom telhado,do que retirar-se para os pantanaes. De noule ouviua sentinela um ruido como o de passos de muitosque avançavão cautelosos; deu-se rebate, tocou-se areunir, e os Portuguezes ficarão em armas á esperad'um ataque até ao dia, quando nem rasto nem no

ticia de inimigo pôde descobrir-se. Duas ou três noutessuccessivas se repetiu a mesma couza, até que concordarão todos em que era advertência milagrosa,que lhes fazião talvez as almas dos seus conterrâneosassassinados n'aquelle mesmo sitio. Retirárão-se poispara as lezirias, onde fortificarão um logar so acces-

sivel por um lado. Mal tinhão completado o seu en-trincheiramento quando na Bahia da Traição desembarcarão cerca de quatrocentos Hollandezes, que

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206 HISTORIA DO BRAZIL.

1645. marcharão no segredo da noute a sorprehendel-os

no engenho : achando o ninho vazio, seguirão a trilhados Portuguezes alé ao seu novo posto, e alli os investirão, com tanta desvantagem porem, que repel-

C6.s§ 143.' lidos com perda considerável derão-se por felizes compU98.' poderem acolher-se ao forte Keulen.

Aqui comtudo era o inimigo superior aos patrio

tas, sobre ser poderosamente auxiliado por um cacique selvagem, conhecido pelo nome de PieterPoty, que apezar de próximo parente de Camarão,e por este instantemente solicitado para esposar amesma causa, era acerrimo partidista dos Hollandezes. A sua tribu perpetrou outro morticínio na Pa

rahyba. Sorprehendeu uma porção de Portuguezesreunidos n'uma festa na noute de S. Martinho, matando todos, excepto uma rapariga, cuja peregrinaformosura, no momento mesmo em que via assassinarem-lhe o pae e os parentes, e quando estavão osselvagens ebrios de sangue, de tal modo os impressionou, que não molestada a conduzirão ao forte da

'p . 98.' Parahyba, sendo este talvez o exemplo mais singular, que jamais se recordou, do poder dá belleza.Auxiliados por estes Tapuyas erão os Hollandezes senhores do paiz sobre o Potengi, sendo para recear-seque toda a Parahyba ficasse á mercê d'elles. Paraevital-o e tirar vingança pelas crueldades commetti-

das foi Camarão destacado do acampamento. Levoucomsigo o seu próprio regimento e duzentos Tapuyas

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 207

do rio de S. Francisco. As instrucções que levava 1645#

erão de apenar p gado para consumo do arraial, vingar-se dos Hollandezes e seus alliados, e dar á mortequantos encontrasse, ordens que Camarão cumpriucom desapiedado escrúpulo. Tendo chegado á Parahyba e conferenciado com os chefes dos insurgentesnaquella capitania, tomou d'alli cincoenta homensbem peritos do terreno , eseguiu para o Bio Grande,destruindo tudo quanto não podia levar comsigo,queimando as aldeias dos Pilagoares c Tapuyas, nãopoupando sexo nem edade. Excitou este movimentogrande anciedade no Becife. Era das férteis planíciesdo (Potengi que os Hollandezes se abastecião de gadoeaiàndioca desde que os Portuguezes se tinhão tornado senhores de Pernambuco; e se este recurso lheschegasse a falhar, achando-se apertadamente bloqueados pelos insurgentes Ilamaraca e a Parahyba,mal lhes seria possível aguentarem-se até que chegassem da Hollanda os esperados recursos. Que fazer?Um movimento audaz, emprehendido como diversão,

podia obrigar Camarão a voltar do Bio Grande'; maserão os Portuguezes tão fortes no acampamento, naParahyba e deante de Itamaracá, que se não podiaaventurar um ataque sem expor a risco imminenleo que ainda restava das conquistas. Resolveu-se poisfazer um vigoroso esforço contra o mesmo Camarão.

Ja Bas, um dos membros do Concelho, fora enviadocom dous navios ao forte Keulen, e para maior re-

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208 H IS T O R I A DO B R A Z I L .,645- forço tirarão se de Itamaracá sessenta soldados e cem

índios, e outros tantos do forte Cabedello em Marga-retha, como o chamavão os Hollandezes. Reunidostodos estes contingentes, elevou-se a força a mil homens, afora um corpo addicional de Tapuyas, com-mandado por Jacob Rabbi e os filhos de Duwy. Concentradas assim tão. numerosas tropas, pareceu-lhes

aos Hollandezes que o único perigo era evadir-se oinimigo, e no Recife se discutiu se, rechaçadoCamarão a Parahyba, conviria perseguil-o alli dentromesmo, e tentar a reconquista d'aquella capitania.Considerando porem quanto arriscavão, e como estavão todos os dias á espera de reforços, que lhes

permittirião retomar sem imprudência a offensiva,resolverão os do Concelho não jogar tudo sobre umaempreza, cujas vantagens possíveis ficavão a perderde vista dos males que podia acarretar.

Antes que esta resolução podesse ser levada aoforte Keulen ja os Hollandezes tinhão acommettido

Camarão. Occupava elle uma posição forte sobre umriacho entre Cunhau e o forte. Sendo demasiadofundo para se passar a vau n'aquelle sitio protegia*-'lhe o rio a frente, e pela retaguarda lhe ficava umamata de tabocas, circumstancia que, recordando aosPortuguezes uma victoria, seria por elles olhada comofeliz agouro da outra. Ao norte e sul era a posiçãoaberta, pelo que levantarão trincheiras por aquellelado, e dando a Bezerra o posto da banda septen-

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H IS T O R I A DO B R A Z I L . 209

trional, tomou Camarão para si.o do sul. Não passava

de seiscentos homens a sua força, sendo apenas cemPortuguezes e cento e cincoenta frecheiros do rio deS. Francisco, mas o seu próprio regimento era umatropa excellente; infalliveis atiradores e perfeitamente disciplinados erão estes índios em tudo, excepto na arte da guerra , na cubiça do saque e na

usança religiosa, tão selvagens como sempre. SabiaCamarão que ia ser atacado e fez os seus preparativostanto militares como religiosos, com talento e devoção egualmente característicos. Trazia elle semprecomsigo um relicario, com um crucifixo esmaltadod'um lado e a imagem da Virgem do outro. To-mando-o na mão poz-se a orar por muito tempodeante d'elle, com tão manifesta e ardente devoção,que depois se atlribuiu a victoria tanto á sua piedadecomo ao seu gênio militar, sendo provavelmentepelo mesmo motivo esperada com confianza mesmono correr da acção. Depois formou os seus mosqueteiros em três linhas, ordenando-lhes que apontassem

de modo que se não perdesse uma bala, devendo aprimeira fila passar á retaguarda e carregar, emquanto a segunda lhe ia tomar o logar, succedendo-lhe da mesma fôrma a terceira. Havião no maiorcalor da acção de levantar o grito de victoria, a verse intimidavão os Hollandezes, e se se lhes acabasse

pólvora, balas ou mechas, em logar de pedir o quelhes faltava, clamarião S. Antônio ou S. João, e se-

111. 1 4

1645.

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210 HISTORIA DO RRAZIL..1645. r i g 0 immediatamente suppridos, lendo isto a dupla

vantagem de occultar aos hereges qualquer faltamomentânea de munições, e provocar esles escravosdo espirito infernal a blasphemarem , pois que malouvissem invocar os sanctos, não deixarião de exclamar Te Duivell e Sacremenl!

Rhineberg, quecommanda*va os Hollandezes, avan

çou pelo lado, onde se postara Camarão, e investiuas trincheiras. Soffreu porem muito no ataque, vistocomo a gente de Camarão, certa de que nenhumabala se perderia, despedia bastantes, meltendo duase três em cada carga. Por uma conseqüência tão imprevista como irrisória contribuiu isto tanto para a

própria segurança dos atiradores como para a perddo inimigo; por quanto atirando com esta carga pe-zada, e tão depressa como podião tornar a carregar,davão-lhes as suas escopetas biscainhas depois d'es-quenladas tão rijo couce no peito, que os deitavãopor terra, toda a fila ao mesmo tempo, passando-lhespor cima a descarga do inimigo. Quando pela primeira os viu cahir, teve-os Camarão por mortos,mas a sorpreza egualou a a legria, ao reerguerem-seelles sãos e salvos.

Desesperando em breve de forçar este posto, dividiu Rhineberg em três corpos as suas tropas, e continuando com um o ataque, ja agora simulado apenas, destacou os outros, uns a lenlar a passagem dorio, o outro a romper pelo labocal. Aqui repetiu-se

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 211

. a scena anterior das tabocas, e os Hollandezes, depois

1C4J

de terem cahido em duas emboscadas e recebido o

fogo de ambas , pozerâo-seenTfuga . Debalde também

ten tou o outro corpo atravessar o r i o ; promptos es

tavão os frecheiros á margem, e q u e m . s e  mettia á

água era assetteado. Erguerão agora os si t iados o

grito da victoria com todo o feliz êxito que Camarão

preverá; crendo que elles ião lançar-se sobre suas

tropas d ivididas e desanimadas , re t i rou-se Rhineberg

prec ipi tada m ente , deixando no campo cento e c in

coenta mortos e Ioda a b a g a g e m . Da parte dos ven

cedores affirma-se que não ho uvera u m so m orto e

apenas três feridos, accrescentando-se qu e m uito s

sahirão com contusões no corpo, evidente prova dehaverem podido penetrar as balas dos hereges. Não

deixava de ter sua explicação este m ila gr e : o m os -

qu ete , que com o couce derribav a o so lda do , devia

deixar alg um signal do golp e. Tendo exgotadas as

munições , não pôde Camarão persegu i r o in imigo ,

e passada uma semana no campo da batalha, voltouá Parahyba a esperar materiaes com que investir o

forte R e u l e n . Uma perda se soffrera du ra nt e a acç ão:

grande copia de gado reunida para consumo do exer

cito acampado deante do Recife, espantando-se com

o estampido dos t i ros , rompeu o cercado, e fugiu ,

ficando apenas umas duzentas cabeças. Forão estas cast. L U S .remeltidas aos m estres de ca m po , soffrendo-se qu e ) aL £ u c

andassem egual passo as novas dá victoria. Np?io»ff'

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212 HISTORIA DO BRAZIL.

1645. Em quanto estas couzas se passavão no norte, che-ordfns gárão do Governador Geral mal avizadas ordens aos

da Bahia °

para queimar mestres de campo no Várzea para que queimassemde assucar. lQ^QS og cannaviaes de assucar em Pernambuco. 0

motivo ainda era o antigo o de cortar os recursos aosHollandezes, a ver se, frustradas as esperanças de

proveito, abandonavão suas conquistas. AntônioTelles porem não considerara assaz a mudança quetivera logar; erão agora os Portuguezes, não os Hollandezes, os senhores do paiz, nem elle advertia, quese era isto por um lado fazer com que 3750 homens,que se empregavão em 150 engenhos, podessem

pegar em armas, tornando todo o seu gado converti-vel para consumo do exercito, por outro era estancar,

a esse mesmo exercito as fontes de subsistência. Tf.oclaramente viu João Fernandes o que n'esta ordemhavia impoliticoe irracional, que não quiz referen-dal-a, para dar porem um exemplo de obediência,mandou atear os seus próprios cannaviaes, ardendo-lhe n elles o valor de 200,000 cruzados. Não tardou avir da Bahia a revogação d'esta ordem, mas ja tarde;o mal estava feito, e posto que não em toda a sua extensão, senlirão-se-lhe severamente as conseqüências.

Fome Em grande aperto de provisões se vião por este

tempo os Hollandezesl. A guarnição, bando merce-1 Um alqueire de farinha de mandioca vendia-se por dezaseis. • tos

tões ou cinco patacas, um barril de.agua por um tostão e uma laranja

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HISTORIA DO BRAZIL. 213

nario' de todas as nações, principiou a murmurar, e

os Judeos, mais interessados ainda do que os própriosHollandezes na preservação d'estas conquistas, levantarão um avultado donativo para serviço do Estado. Não era porem com dinheiro que se havia deminorar a fome. Muitos soldados e negros se passarãopara os Portuguezes, chegando por estes desertores

as primeiras novas da victoria de Camarão. Referirão elles que so o boato, que o governo da praça comdiligencia fazia circular, de que todo o Hollandez emesmo qualquer pessoa ao serviço da Hollanda, catando nas mãos dos Portuguezes, morria enlre cruéislormentos, podia impedir uma deserção mais freqüente e quasi universal. Duas índias, aprizionadasao apanharem ostras entre os fortes do inimigo, forãolevadas a Martim Soares, que as interrogasse porfallar elle perfeitamente a lingua tupi, como quemtinha passado entre os Tapuyas a primeira quadrada vida, portando-se sempre para com elles comtanto tino como bondade. Reconhecerão-no logo estasmulheres, que derramarão lagrimas de alegria dandoas maiores demonstrações de gratidão e affecto ao seubemfeitor antigo. Affirmárão ellas que de bom gradose passarião todos os índios da mesma trihu para osPortuguezes, a não ser o receio de se verem tractadoscomo traidores; ese fossem do Ceará, onde Martim

por um vintém. A maior parte dos moradores so bebia água tirada decacimbas, salobra e doentia.

1645.

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2i4 HISTORIA DO BRAZIL.1645 Soares havia sido governador, é provável que a isto

se resolvessem, sabendo que estava elle no acampamento. A força dos Hollandezes, diz Fr. Manoel doSalvador, estava agora nos índios, como a de Sansãono cabello : e as mulheres, posto que antes teriãoquerido ficar onde eslavão do que volver a soffrer asprivações dluma cidade cercada, forão vestidas e

mandadas voltar, para que contassem a seus patrícios o bom Iradamente que tinhão encontrado, eas disposições dos Portuguezes a favor de quantos sequizessem passar para elles. No mesmo sentido escreverão os mestres de campo proclamações, que odesertor francez, com a característica ingenuidade

da sua nação, tractou de fazer circular em detrimentod'aquelles que pouco antes servia.

sahe vidai Junctamente com a victoria de Camarão souberãoa reunir-sê

com sr os mestres de campo que havião os Hollandezes man-Camarao. * l

dado socorros para o Potengi, districto de que de

pendia agora inteiramente a sua subsistência, porser o único logar d'onde podião tirar supprimentos.Tão importante pareceu pois obter o senhorio d'a-quellas partes, que foi o próprio Vidal reunir-se aCamarão, levando quatro companhias de Portuguezes, uma de negros Minas, e uma de crioulos. Apezardo prospero caminho que levava a insurreição, havia no arraial ainda quem estivesse em correspondência com o inim igo; uns por que estavão comprados, outros por ódio a João Fernandes, e outros

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HISTORIA DO BBAZ1L. 215

lalvez por que desesperavão do resultado final d'uma mò

lucta, em que vião d'um lado os recursos e o vigordas Províncias Unidas, e do outro a prostração dePortugal, ea ominosa indecizão e fraqueza dos seusgovernantes. Assim souberão os Hollandezes immediatamente da partida de Vidal, e sem ignorar queos segredos do seu exercito erão trahidos, nenhum

meio tinha João Fernandes de convencer de culpa aspessoas que suspeitava. Do avizo tirarão partido os- . . , , , , r , . 2-1 de feb.

sitiados, mandando para Itamaraca uma companhia *6*6.de fuzileiros e a maior parte dos seus Tapuyas, com ^mbài.o que diminuirão no Recife a numero das bocas.

Com dobrada vigor proseguiu agora João Fernan- Estratagemasu * " ° ejubileo.

des na guerra de postos avançados, não o fossem suprpor enfraquecido com a partida d'este destacamento.N'estas emprezas se assignalou Domingos Ferreira.Vinte e cinco cabeças de gado e alguns cavallos poucos pastavão de dia debaixo da artilharia do forte dos

Afogados, recolhendo-se de noute a um curral, cujaporta ficava mesmo chegada á fortaleza. Tendo bemreconhecido o logar entrou Ferreira uma. noute escura com uns poucos de companheiros escolhidosn este aprisco; amarrarão os bois, cortarão as arrea-tas aos cavallos e ião ja a sahir com a sua preza,quando, ouvido o rumor do gado, se deu«rebate,principiando-se do forte a fazer fogo ao acaso. Deitarrão-se os Portuguezes por terra entre o gado, deixá-rão-se alli ficar até que serenassem os ânimos, e

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216 HISTORIA DO BRAZIL.

1646. depois, montando os cavallos, levarão todo o gado.Salvara o commandante do forte o seu cavallo, portel-o então na estrebaria, mas vendo-se depois obrigado a mandal-o para fora, poz-lhe por guarda umcriado hollandez, que noute e dia devia vigial-o.Dormia este homem n'um vallado, passada á voltado corpo a corda com que estava prezo o animal;pois os Portuguezes cortárão-na, ganhando com issomais do que esperavão, por quanto, acordando e nãovendo o cavallo, julgou o Hollandez melhor desertardó que expôr-se á cólera do amo. Com ainda maissingular estratagema provocou Ferreira o inimigo.N'uma noute escura foi amarrar em arvores uma

porção de mechas accezas n'um sitio, que ficava entreos fortes dos Afogados, Secca e Salinas, e chamandocom uma descarga a altençâo das guarnições, retirou-se immediatamente. Continuarão os Hollandezesdos três fortes e do lerrapleno deante da porta doRecife toda a sancta noute a fazer fogo contra estas

mechas, em quanto os Portuguezes em perfeita segurança se divertião a disparar um ou outro tiro paramais sobresaltal-os. Veio a luz do dia moslrar-lhescomo havião sido escarnecidos, e então preparou oinimigo pilhas de lenha misturada com outros combustíveis, accendendo grandes fogueiras todas as

vezes que de noute se dava rebate.Tenlárão-se mais avenlurosas emprezas. Um negro

por nome Paulo Dias e por alcunha S. Felix, que era

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H I S T O R I A D O B R A Z I L . 217

sargenlo-mór de Henrique Dias, levou de assalto 1646-

n'umanoute um reducto apoz desesperada lucta; teveoito mortos e mais de vinte feridos, muitos pelo fogodos seus próprios camaradas na confusão que reinava,mas dos cincoenta Hollandezes que guarnecião oposto, so ficarão quatro. Não era sustentável o reductodepois de tomado, mas servião taes proezas tanto para

aterrar o inimigo como para acoroçoar os Portuguezes. Os intervallos de repouzo erão consagrados apracticas, que não concorrião menos para crear esseenthusiasmo e confiança 'com que so se podia^ restaurar a pátria. Proclamara Innocencio X um jubileopara quem recitasse certas orações a favor da prospe

ridade da Egreja, extirpação da heresia, e paz enlreos príncipes christaos, titulo com que se designavãoexclusivamente os calholicos. E as ceremonias paraeste effeito celebradas excitarão no acampamentotanto interesse e zelo como as operações do cerco.

Entretanto reunira-se Vidal com Camarão na Pa- VoiiaVidai. d a

rahyba. Aqui soube que os reforços que vinhão do Parahyba-Recife para o Potengi, tinhão feito alto no forte doCabedello, e tentado sorprehender a cidade, masvendo-se descobertos havião tornado a descer o riosem que se aventurassem a saltar em te rra . Formou-se agora um plano para armar uma cilada ao ini

migo; receava-se porem que os judeos alraiçoassem osegredo, pois que os Portuguezes, tendo pelo maisatroz systema de perseguição que jamais aviltou a

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218 HISTORIANDO B R A Z I L .,646- natureza humana, forçado os israelitas que entre elles

residião a professar o christianismo, vivião consequentemente em continua desconfiança de inimigosinternos. Para evitar a possibilidade d'esla traição,marcharão Vidal e Camarão algumas legoas terraadentro, sem descobrirem a ninguém o seu intento,e depois voltarão em direcção ao mar, calculando tão

bem o seu tempo, que chegarão de noute á egreja deNossa Senhora da Guia, perto dos fortes de S. Antônioe Cabedello. Aqui postarão tres emboscadas não distantes uma da outra, e mandarão quarenta homensescolhidos a attrahir o inimigo para fora de S. Antônio. Passou esta partida por perto do forte, como

voltando d'uma correria; e como com_ isto se nãodeixassem mover os de dentro , começarão os de foraa a tirar com fanfarrice contra o forte, e mostrando-sede tempos a tempos por traz d'um comoro de areia,insultavão e desafiavão os Hollandezes. Perdendo afinal a paciência, mandou o commandante buscar

soccorro ao Cabedello, e fez saltar em terra sessentaEuropeos e uns cento e sessenta índios, que castigas?sem estes insolentes provocadorçs. A' frente dos índios vinha uma pagé1 Chamavão-na Anhaguiara ouamante do diabo. Marchava ella brandindo um facãode mato, e clamando : « Deixa-me chegar a estes cães

portuguezes. Eu sou a tigre que os persegue, que1 Não sei de outro nenhum exemplo de sacerdotizas entre as tribus

tupi ou tapuya.

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I646-.

H I S T O R I A DO B R A Z I L . 219

lhes dilacera as carnes, que lhes bebe o sangue e lhes

arranca os corações. » A pé firme os esperou o troçoavançado dos Portuguezes, deu-lhes duas descargas,retirou-se em desordem, e facilmente atlraliiu apozsi os perseguidores ao meio da emboscada. De repenlesentirão esles chover balas de iodos os lados, câhindologo mais de cincoenta, entre os quaes a própria

Amante do Diabo; o resto fugiu para o mar. Vidalgrilou aos seus que apanhassem um Hollandez vivo,e logo dous soldados de Camarão se atirarão á água,c apoderando-se cada um do seu fugitivo, pelos ca-bellos os arrastarão á praia. Quando virão que haviadous seguros, matarão um e levarão o outro ao

seu chefe, que soube d'elle a força que n'aquellaspartes tinha o inimigo. Vendo por estas informaçõesque não era necessária a sua presença no Poterigi,mandou Vidal para alli Camarão com o resto dos reforços, e voltou com uma companhia a Pernam buco.

Erão agora princípios de abril e tornárão-se escas- Escassessas no acampamento as provisões, parte em razão daestação chuvosa, parle em resultado da impensadadestruição das plantações, e em parte também porque muitos braços, que alias se empregarião na agricultura, andavão na guerra, sendo taes as conseqüências que ameaçarão de ruína a causa em queJoão Fernandes empenhara os seus compatriotas.

Pouco soffria o freio da disciplina um exercito comoo dos insurgentes; principiarão os soldados a mur-

no campo.

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HISTORIA DO BRAZIL. 221

vidos a ser da mesma opinião, e provavelmente Iam- 16í6-. , . . Nieuhoff.103.

bem para elle próprio . C a s t ã » L u6 o

1 Fr. Raphael de Jesus inculca a carta como forjada, quando deviasaber que era ella authentica. Fr. Manoel do Salvador, escrevendo nomesmo logar e tempo em que estas couzas se passavão, também lhenega credito, mas de boa le. « A carta, diz elle, devia vir assignadaEu el-rey, e não Sua Real Majestade. Muito sabem os Olandezes deinercancias, mas mui pouco do modo com que os reys escrevem. »

Entra depois n'uma calorosa discussão das causas da insurreição, etermina-a ex abrupto d'uma maneira que assaz caracteriza as suasdivertidas memórias : « Esta matéria pôde amplificar quem tivermais prudência e mais vagar que eu ; por que estam tocando ascaixas a rebate, e eu vou acudir á minha obrigaçam. D P. 333. Henrique Dias parece ter sido induzido a arguir de falsa a carta, por se vercensurado n ella a si e a Camarão en razão de haverem tomado partena rebellião. Foi-nos conservado o seu desforço pessoal, que é curiosopor si mesmo, e por ser composição d'um homem tão singular."« São

tão manifestos, dizia elle, e claros os embustes e enredos de vossasmercês, que até as pedras e os paos conhecem seus enganos, alei-vosias e traiçoens, não falo demins que cõ a perda de minha saúdee derramamento de mea sangue me fiz doutor no conhecimentod'esta verdade. Quando vossas mercês mandarão â Bahia, a pedirao Governador Antônio Telles da Sylva socorro de infantaria paraaquietar estes moradores de Pernambuco, que se havião rebelado,não estava eu nem o Governador dos índios Dom Antônio FelipeCam arão na Bahia, que éramos hidos avia m uitos dias a certas

emprezas de importância no sertão, e Ia tivemos aviso dos m oradores desta terra, em como por se livrarem das crueldades, traiçoens, roubos, e tyrannias, que vossas mercês com elles usavão, seavião rebelado, e estavão com as armas nas mãos, deliberados,ou a ficar livres de tão tyrannojugo, e deitar a vossas mercês daterra ou a perderem as vidas na demanda. Ouvida sua razão econhecendo quanta razão tinhão de se levantarem, nos pozemos acaminho, e os viemos ajudar; e entrando ri esta capitania soubemos de certo, que avendo vossas mercês mandado vir a infantariada Bahia, para aquietarem a terra, tanto que virão desembarcados em terra os nossos soldados, lhes mandarão queimar os navios,

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1646.

224 H IS T O R I A DO B R A Z I L .

achou-se entre as pedras uma linda.imagem. Milagre

mais authentico jam ais se registrou.« Deus é comigo,exclamou João Fernandes, e o glorioso S. João Bap-tista, sancto do meu nome, procura^ proteger-me!Prometto erguer-lhe uma egreja neste logar, ondeappareceu a sua imagem, assim leve Deus a bom fima empreza da nossa liberdade. » Por toda a província

se derramou a fé d'este milagre, e o povo, encantadocom tal prova de favor divino, e lisongeado por verJoão Fernandes .entre si, deu generosamente cadaum conforme as suas posses, d» modo que foi possível remetter para o campo consideráveis suppri-mentos de farinha, feijão, gado e assucar.

Tentãoos Sendo na cidade muito maior a fome do que noHo l l a n de z e s J

int3ô?o ° arraial, desertava d'alli muita gente, sabendo-se pordo Potengi. e j j a q ue e s t a v a ca m a rã0 completamente senhor dos

campos do Potengi, tendo posto tudo a ferro e fogoaté debaixo dos muros do forte Keulen. Depressa foiisto confirmado por mensageiros, que trazião mais a

grata noticia de ter chegado ja á Parahyba umaboiada, que alli se reunira com destino para o acampam ento; mas veio o receio pela segurança do comboio aguar esta noticia. Tinhão os Hollandezes deItamaracá quasi exhauridas as sqas provisões, e havendo sido mandados para alli os índios do Recife,impossivel se tornara sustentar tantas bocas sem fazercorrerias pela terra firme em busca de mantimenlo.

• No Recife maior se tornara ainda o aperto por nada

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carga e d'esta lograrão praclicar umà abertura, mas

as mulheres arremessárão-se a defendel-a; bem sabião ellas o que as esperava se fossem vencedores osHollandezes, e exaltadas com a vista do crucifixo ecom as exhortações da enthusiastica heroina, que aagitava como um pendão, confiavão também no auxilio de S. Cosme e S. Damião, cujas egrejas ficavãoperto. A estes sanctos se attribuiu a salvação do logar,mas a quem ella inquestionavelmente foi devida emparte, foi ás mulheres, pois que mesmo no ardor doassalto, desalmados como erão os Hollandezes, re-cuavão-se e confundião-se, quando não vião por ondeavançar, senão rompendo por uma tropa de mulheres. Foi porem o pequeno destacamento commandado

por Matheus Fernandes, que veio decidir a contenda:tinha elle vexado seriamente o inimigo na marchapor entre as selvas, e agora vendo jogada sobre umdado a sorte da povoação, sahiu do arvoredo, ca-hindo sobre o flanco dos assaltantes com tão bemdirigido fogo e fúria tal, que os Hollandezes, desani

mados ja pela resistência que havião encontrado nabrecha, e crendo que so a confiança no próprio numero podia ter dado esta ousadia aos Portuguezes,fugirão em debandada para os seus navios, deixandono campo setenta mortos.

Entretanto chegara ao acampamento o cavalleiro

que ia a pedir soccorro, e ao mesmo tempo chegouPaulo da Cunha, que so então viu como o havião

1646.

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228 HISTORIA DO BRAZIL.

1646. bigodeado. Immediatamente se destacarão trezentos

homens , soguindo-os Vidal com três companhias omais depressa possível; encontrando porem pelo ca

minho a nova da victoria, fez alto em Garassú.D'aqui não tardou a avistar-se o inimigo, demandando o porto no intento de sorprehender a villa.Sahiu Vidal com a sua ge nte , qu e postou em duas

emboscadas : infelizm ente ficou atraz um cirurgiãoallemão da sua companhia, e picando o cavallo paraalcançar as tropas, foi esbarrar mesmo no meio do

inimigo, que sabendo d'elle o que se passava, reem-cast.Lus. barcou sem demora. Vidal regressou ao acampa-7, § 60-6. ° r

Nieuhoff. m e n t o .

uecebemos Voltara agora João -Fernandes da sua excursão."Vampo e Pouco depois chegarão dous Jesuitas; mandados porordem de l

Pernambuco Antônio Telles con ordens positivas d'el-rei para queVidal e Martim Soares voltassem á Bahia com todasas suas tro pa s, e deixassem os Hollandezes na possepacifica de Pernambuco. Tão peremptórias erão estasjnstrucções, que confundidos não souberão desdelogo que responder os mestres de campo. Era intolerável o pensamento de abrir mão dé todas as vantagens ga nh as, entre ga nd o o paiz a um inimigo tãoprofundo e merecidamente odiado; e João Fernandes, voltando a si do inesperado golpe, declarou que

a taes ordens se não devia obedecer, não sendo possível, dizia elle, que el-rei as tivesse dado, se soubesse qual era então a posição dos seus leaes subdi-

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 229

tos em Pernambuco. 0 direito da natureza resumia

1046,

todas as leis, e o seu primeiro preceito era a conservação própria; obedecer porem a taes ordens, seriaentregarem-se todos á ruina. Representemos pois,continuou elle, a S. M. o estado prospero das nossasarmas, e a perdição total que se seguiria ao cumprimento das suas ordens, e prodigamos com vigorna guerra até que cheguem novas instrucções. E sese vir que elle confirma ainda estas ordens, eupela minha parte, disse o resoluto patriota, nuncajamais desistirei d'uma empreza tão em serviço deDeus e de príncipe tão catholico, como a de livrarmilhares e milhares de almas da escravidão tempo

ral e da morte eterna, ambas certas continuandoellas sujeitas aos hereges. Com esla resolução concordou Vidal, Soares hesitou : a sua hesitação e aresposta de todas forão communicadas ao governadorgeral, mas este, não se atrevendo a tomar sobre simais responsabilidade, tornou a mandar ao acampa

mento, insistindo em que se cumprissem as ordensd'el-rei. Soares aconselhou então a obediência, Vidale João Fernandes continuarão firm es, pelo que resignou aquelle o seu commando, embarcando poucodepois para Lisboa. Tinha elle negócios na corte, ena calorosa discussão que suscitarão os seus conse

lhos, diz-se que Vidal o arguira de preferir á causacommum os seus interesses privados. Natural era aargüição, mas Martim Soares poderia refutal-a com

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230 H IS T O R I A DO B R A Z I L .im

- toda a carreira da sua vida; nem, embora seja certoque elle teria occupado logar mais elevado na historia continuando a permanecer .juncto dos seuscollegas, o devemos censurar por tel-os deixado. Sendopositivas e explicitas as ordens, so á virtude heróicacabe a força de caracter necessária para discernir

quando cessa a obediência de ser o dever do soldado,e este, o maior louvor a qüe pode aspirar o militar,

merece-o Vidal plenamente. João Fernandes nãopoderá obedecer sem tornar-se um aventureiro arri-mado á mercê d'um governo que não queria reco-nhecel-o. Não podia pois o seu comportamento n'esta• occasião ter o mérito do de Vidal, nem de tal carecea sua fama. Esludando-lhe o caracter, diminue anossa estim a, mas resta ainda bastante que admirar:

o seu fanatismo, a sua crueldade, a sua dissimulaçãopertencem ao século, mas a sua intrepidez, a suaperseverança, a sua prudência, o seu dedicado amorda pátria e consciência do seu dever, são d'elle e so

Cast. Lus. . , , .•J, § 6 7 , 7 1 . d e l l e .

Sem grande repugnância da parte d'el-rei e longovacillar do seu concelho, não havião vindo de Lisboalaes ordens. Se a lucta fosse unicamente entre Portugal e a Hollanda, enfraquecido como estava o pri

meiro d'estes paizes, não se teria curvado o orgulhodos Portuguezes, e o seu patriotismo e inabalávelpaciência os terião sustentado na cpntenda, que ondese dão as mãos estas virtudes, tornão-se invencíveis

Estado dasnegociações

com aHollanda.

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234 HISTORIA DO BRAZIL.

1646. metteu-se o inverno , ganhanflo assim os Pernambu

canos tempo para tira r partido das vantagens obtidas.Mas se as negociações de Munsler por um lado tor-navão mais afoutos os Hollandezes, por outro in-quietavão a corte de Portugal, e foi com o receiod'uma alliança offensiva e defensiva entre a Hespanha e a Hollanda que D. João IV expediu as orden

a que tão corajosamente desobedecerão Vidal e JoãoP.ÒSS.' Fernandes Vieira.

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1646.

236 H IS T O R I A DO B R A Z IL .

general cartas de avizo, em que se lhe dizia que querião matal-o a tiro, referindo-se os nomes de dezanovepessoas envolvidas na conspiração; a final, vendo queestes reiterados avizos nenhum effeilo produzião,dirigiu-se o auctor d'elles direclamente a João Fernandes, repetindo o que escrevera, e entrando emminuciosa exposição de circumstancias e provas, maso seu zelo foi reputado malícia contra aquelles queaccusava, e o homem a quem so movia o desejo ardente de salvar o campeão da sua pátria, leve a mor-

lificação de ver-se olhado como calumniador por essemesmo cuja vida tanto cuidado lhe dava. Foi tercom Vidal, juncto a quem foi mais feliz, e Vidal

arguiu João Fernandes de dar tão pouco pezo a revelação tão importan te. Este porem replicou que erãoseus parentes os accusados, e ligados a elle por muitoslaços, e se taes homens lhe machinavão a m orte, dequem se valeria? Ouvido isto mandou Vidal chamarum homem de quem podia fiar-se e que era aparen

tado com um dos conspiradores, e dizendo-lhe o quechegara ao seu conhecimento, expoz-lhe a perdiçãocerta que alcançaria os culpados, se persistissem nassuas tramas, e conjurou-o que por amor de si mesmo,vendo a infâmia de semelhantes couzas, e a ruinainfallivel que se exlenderia a todos quantos estivessem

ligados com os crim inosos, fallasse com o seu parentee procurasse induzil-o a confessar toda a traição,sobre promessa de segredo, recompensa e perdão

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 237

pleno. Fez-se a tentativa, mas o conspirador affectou 1046-

espanto ao ouvir a accusação, e indignação contra asuspeita, e João Fernandes acreditou ou fingiu acreditar que era a imputação infundada. D'ahi a poucoporem, vindo elle d'um dos seus engenho s de assucare tendo como de costume deixado atraz a sua gu ar da ,ao passar por um espesso cannavial, três mamelucosque alli o estavão esperando, lhe apontarão os mos-quetes; errarão fogo dous, mas o terceiro melteu-lheuma bala no ho m bro . Com a sua habitual intrepidezvoltou elle immediatamente de rédea, arrancando aespada e encarando o inim igo, não pôde porem saltara cerca; chegou então a sua guarda, alcançou umdos assassinos, que fez em postas no mesmo logar, e

poz fogo ao cannavial esperando queimar assim oscúmplices. Algumas pessoas porem que não sabendoo que se passara,, não procurarão agarral-os, os virãofugir. Conhecia João Fern andes o mosquete do m orto,tendo sido elle mesmo que o dera a um dos conspi-radores; não tirou comtudo outra vingança alem de

fazer saber a este e aos seus confederados qu e de tudoestava informado, exhortando-os todos a que d'então

por deante^e portassem de modo que merecessema clemência que havião encontrado. Depressa sarou ate nda. 7, gss.uo.

Foi contra Itamaracá a primeira empreza que os S e g u n ( j a

mestres de campo tentarão depois da partida de Mar- pSrtugSeze"5

tim Soares. Três logares havia em que o canal, que itamaracá.

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238 HISTORIA DO BRAZIL.1646- da terra firme separa esta ilha, é vadeavel na baixa

mar das marés da primavera, e alli tinhão os Hollandezes fundeados outros tantos navios de vigia, tantopara defeza da passagem, como para serviço d'ellesmesmos. Para melhor illudir o inimigo, celebrouJoão Fernandes a festa de S. Antônio na sua própria

13dejul . .

1646. capella com a maior pompa, e salvas de mosquelana

e de toda a artilharia do acampamento. Feito istovoltou ao arraial, e no meio d'uma noute escurae chuvosa sahiu com Vidal levando quinhentos homens escolhidos. Escolhera-se esta occasião, por queos Hollandezes, sabendo a devoção que tinhão os.Portuguezes com S. Antônio, os supporião inteira

mente occupados com os ritos do seu culto, ou fol-gánças que d'elle fazião parle . De muito serviu aescuridão e até a inclémencia do'tempo foi favorável,tornando mais difficeis de descobrirem-se os movimentos. Tinhão-se mandado adeante duas peças dedezoito, que se assestárão em Porto dos Marcos sobre

uma plataforma encoberta pelos mangues, e defronted'uma das barcas de vigia. Também se tinhão apromp»tado duas lanchas, e feito á pressa algumas jangadascom as varas das cadeirinhas das senhoras de Garassú.Em cada bote embarcarão doze homens e atraz iãoas jangad as; approximárão-se do navio de vigia á

voga surda, mas forão presentidos, perguntando-se-lhes quem erão. Responderão que amigos, e a senti-nela mandou-os passar de largo, mas os Portuguezes

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 241

experimentar meios mais efficazes. Mil e duzentos 16í6

naturaes, a maior parte mulheres e crianças, cujosmaridos e pães tinhão perecido na guerra, haviãosido embarcados para o Potengi pouco antes do ataquecontra a ilha . Por cabeça um arratel de peixe salgadosem pão de qualidade alguma, foi o mais que se lhesdeu para a viagem, de modo que ião quasi reduzidos

a esqueletos quando chegarão, servindo este expediente mais para remover do que para minorar afome. Máo grado seu havia embarcado esta pobregente, receando não fossem os Hollandezes expol-aou abandonal-a. Um acto de traição na província Morledepara onde a mandavão, tinha excitado profunda in- aco

dignação entre os índios. Jacob Rabbi, o selvagemallemão, que se tornara conspicuo pelo zelo quedesenvolvera a prol dos Hollandezes, e morticíniosque commettera, fora assassinado a instigações d'umcoronel hollandez, por nome Garsman, voltandod'iima casa onde ambos havião passado a noute. Comeste assassinio ficou Duwy, o cacique tapuya, exasperado até ao ultimo ponto, e o seu resentimento custouao Concelho do Recife um presente de reconciliação,que foi de duzentos florins em dinheiro, mil varasde panno de linho de -Osnaburgh, cem galleões devinho hespânhol, duas pipas de aguardente, quarentagallões de azeite e uma barrica de carne salgada.

A mportancia da amizade d'este regulo pôde medir-se pelo preço que por ella se pagou n'uma epocha

I I I . lü

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Nieuhoff.105-7.

242 H I S T O R I A DO B R A Z I L .1646 de escassez, e o Concelho, não admittindo as razões

com que Garman pretendeu justificar-se, mandou-orecolher prezo.Fome no Com a remoção d'estes indígenas ficara Itamaracá

mais alliviada, mais estava agora assolada aquellailha : nenhum recurso linha a guarnição alem dosmal providos celleiros do forte de Orange, eas obraserguidas pelos Portuguezes na fronteira praia, nãopermittião excursões pela terra firme. No Recifemaior era ainda o aperto; deu-se busca á cidade, equantas provisões se poderão achar, forão postasn'um acervo commum, d'onde por semana se repartia uma única libra de pão com egualdade entre soldados e moradores. Não tardou porem que se sup-

primisse aos habitantes esta miserável ração, parase poder dar dobrada á guarnição, que ja acossadapela fome principiava a dar ouvidos ás propostas doinimigo. Cães o gatos, que se dizem terem sido numerosíssimos ao começar o cerco, estavão agora consumidos ; aos ratos tinha-se dado tão porfiada caça

que se lhes extinguiu a raça no Recife; os cavalloslambem tinhão sido comidos todos, eos negros pro-curavão os ossos podres dos que havião sido enterrados, roendo-os com miserável avidez. Os escravos estávisto que soffrião mais ainda que seus senhores'; asfaces e os corpos erão como de esqueletos vivos, as

pernas inchadas e muitos morrião de inanição. Nãohavia valor, nem arte, nem empreza, que valesse:

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1646

H I S T O R I A DO B R A Z I L . 243

aventurar-se alem do abrigo dos muros em busca de

manlimento, era quasi morte certa. Occupavão Henrique Dias e os seus negros o posto mais próximo,fazendo a guerra com o espirito vingativo e incança-vel dos selvagens. Vadeando por água e lodo até ácinctura, escondião-se entre os mangues tão perlodas muralhas, que não podião mexer-se sem serem

percebidos; não davão quartel, e levou tempo primeiro que os mestres de campo e o seu próprio commandante podessem abolir o costume feroz queelles havião estabelecido de andar com as cabeças dosHollandezes de casa em casa, extorqnindo dinheiroem paga do espectaculo, como os frades mendicantes

trazem um sancto n'uma caixinha de vidro.Mez apoz mez se passara desde que o perigo da A cidade1 l i i a soccornda

cidade e as urgentes necessidades do Concelho havião ,pf°ot"™ aa

sido conhecidas da directoria central, e ainda nenhum reforço chegava. Diz-se que se teria propostouma capitulação, se os Judeos não houvessem posto

em practica toda a sua influencia e rogos para queos governadores continuassem a aguentar-se. Desesperada era na verdade a sua condição, e com razãotinhão elles resolvido morrer antes com as armas namão do que entregarem-se á discrição d'um povocuja superstição o tornava desapiedado para com

elles. N'este estado de couzas sem esperança propoz-se em concelho fazer uma sortida e romper por entreo bloqueio, ou perecer na empreza; devião ir os sol-

Hollancla.

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244 H IS T O R I A DO B R A Z I L .1646 dados na vanguarda, as mulheres, crianças e invá

lidos no centro, e na retaguarda os membros do governo com os moradores armados. Que a proposta foiseriamente feila, não pôde entrar em duvida, poisque o affirma Nieuhoff, que então se achava na cidade, andando bem inteirado de todas as medidas eplanos do governo : prova ella que estava aquella

gente reduzida á desesperação, quasi á loucura, poispara onde havia de ir, ou que poderia esperar rompendo pelo cerco para o meio d'um paiz senhoreadopor inimigo superior em forças e inexorável? Ja nacidade não havia mantimento senão para as raçõesde dous dias mais, quando se virão demandar o porto

com todo o panno largo dous navios com bandeirahollandeza; derãò fundo, e salvando com três tirosderão o grato signal de que vinhão da Hollanda.« Nos rostos de nós todos, diz Nieuhoff, se podia lerasúbita alegria por este socorro na nossa ultima extremidade. » Uma multidão, que mal podia ter-se

de pé, agarrava-se ás pedras da praia, contemplandoos navios, que trazião vida e salvação, e em vez desoltar clamores, chorava de alegria. A cada um doscapitães se deu uma medalha de ouro com esta ins-cripção: O Falcão e a Izabel salvarão o Recife. Trazião

ie*s" noticias de que se podia esperar a toda a hora um

comboi com poderosos soccorros. Salvarão Iodos osfortes, e repetidas descargas de mosquetaria atroárãoos ares, repetindo-se á noute as mesmas demonstra-

23 de j un.

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HISTORIA DO BRAZIL. 245

ções de alegria. No acampamento houve egual rego- 1646

sijo, mas por differente motivo. Era a festa de S. JoãoBaptista que João Fernandes estava solemnizandocom extraordinária pompa, por ser João o nome d'cl-rei, por ser elle mesmo também João, por ler escolhido S. João Baptista para padroeiro da sua emprezade libertar Pernambuco, e finalmente pela mila

grosa apparição da imagem d'este mesmo saneio napraia de Tamandaré. Por estes múltiplos motivosconfessou-se elle e commungou naquelle dia, ban-queleando todos os seus officiaes, em quanto os fortesdo arraial salvavão em honra do padroeiro. Mas o re-gosijo da cidade veio amortecer a alegria da festa,pois João Fernandes adivinhou a causa, vendo logo

, Nieuhoff.que as suas próprias esperanças, a ponto mesmo de P . 109.. Vai. L uc.

se realizarem, ião ser adiadas indefinidamente. p-351-Todos os recursos da mais sublil e desabusada di- Negociações

plomacia tinha Francisco de Souza esgotado para re- Portugal, n 11 i e o s E s ta do s .

tardar este armamento, lora elle educado na dou

trina de que o fim ustifica os meios e n'essa conformidade ia por deante resolutamente. 0 seu séculojulgou-o digno dos maiores elogios, e no nosso poderá esta reflexão mitigar a condemnação, que o seuproceder merece. A respeito do Brazil formara elleacertado juizo tanto sobre a possibilidade como sobre

a importância de restaurarem-se as províncias perdidas. Mas a corte de Lisboa vacillava, e tão perigosoera o estado de Portugal a luclar então com Castella

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246 H IS T O R I A DO B R A Z I L .

1 6 4 6 . s e m m ais apoio do que a enganosa amizade da França ,que alguns dos seus mais hábeis estadistas t inhãopor m elho r aband onar os Pern am buc ano s, e sujeitar-se á perda de metade do Brazil, do que arriscartudo, sem exceptuar o throno do duque de Bragança,provocando hostilidades abertas da parte da Hollanda,a quem se dizia que o rei catholico offerecera a terra

de S. Cruz com a condição de que os Hollandezes oajudarião contra os Portuguezes. Em termos enér

gicos pintavão alguns conselheiros este perigo a el-rei , que de má vontade lhes dava ouvidos, hesitandoentre o medo e sentimentos melhores. Por um lado,como Portuguez e como catholico, sympathizava elle

com os Pernambucanos no seu patriotismo e na suadedicação á fe romana, em quanto que como rei nãopodia deixar de sen tir que a generosa e inabalávellealdade d'estepovo lhe estava bradando por esforçoscorrespondentes da parte d'elle; mas por outro ladosentava-se D. João no mal segu ro thron o d'um paiz en

fraquecido e exhauslo, sem nada que o sustentasse,alem do affecto e espirito do povo. Podia isto bastarpara defeza de Por tu ga l, m as para gu err as remotasnem era sufficiente nem estava disponível. Casos sãoestes em que a m elh or política é a deganhar temp o, onaaclual conjunetura fez a irresoluçãoo mais que se

poderia ter proposto a sã prudência ; por qua nto nemse atrevendo a provocar ab ertam ente a Hollanda, nemresolvendo decididamente abandonar aquelles que

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HISTORIA DO BRAZIL. 247

por elle tudo andavão arriscando, deixou que o go- 1646*

vernador geral na Bahia e o seu ministro na Ilaya procedessem como lhes aconselhassem as circumstancias,confiando no tempo e no acaso onde o conselho so servia de tornal-o mais perplexo.

E em poucos homens se poderia tão bem confiar Artes •1 * , e manhas do

n'este estado de couzas como em Francisco de Souza. c™^™l°zT

Mas tinha de haver-se com estadistas experimentados, que, se nas suas medidas não desmentiâo a característica morosidade da sua nação, bem vião queo ministro portuguez temporizava com elles; e agoraconvidárão-no a declarar explicita e terminante-mente quaes erão as intenções da sua corte, e isso

tão brevemente, que a ser precizo no Brazil o arm amento hollandez, se não demorasse para outra estação a partida. Em resposta apresentou o embaixadorumanota, dizendo que tinha ordens do seu governopara traclar a respeito dos negócios de Pernambuco,e affectando-se da sua parte Ião apressado como os

outros realmente eslavão. Pediu que o admittissem auma conferência em quanto era de tempo de poupar-se a despeza d'um armamento que elle, attentas assuas inslrucções, asseverava ser excusada. Recusarãoos Hollandezes escutar, dizendo que elle so buscavatornar a retardar-lhes os preparativos. Offereceu-se

então Francisco de Souza a mostrar as suas inslrucções, e tendo alguns papeis em branco com a assigna-tura real, encheu um para servir-lhe na oceasião.

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2 4 8 H I S T O R I A DO B R A Z I L .165ü- Posto que elles mesmos capazes de duplicidade, não

suspeitarão os Estados a possibilidade de tão atrevidoartificio, e cabindona cilada, suspenderão os preparativos. 0 embaixador informou a sua corte do quefizera, pedindo que el-rei em recompensa dos seusserviços o m andasse prender e até cortar-lhe a cabeçaem caso de necessidade para apaziguar os Estados

com razão irritados como havião de ficar quandochegassem a saber de que modo tinhão sido burlados. Felizmente para elle propendia D. João agorapara os conselhos tímidos; declarou aos Estados queos insurgentes de Pernambuco menoscabavão tantoa sua auetoridade como a d'elle s, pois que tendo-

lhes peremptoriamente ordenado que voltassem áobediência, vira desrespeitadas estas ordens. Sendoassim, acerescentava elle, razão tinhão os Estadosde debellar os rebeldes, mas não de o hostilizarem aelle, que até onde coubera no seu poder tinha lealmente desempenhado os deveres de alliado. Esta

linguagem desenredou o embaixador da difficuldadeem que tão audazmente se pozera, pois sem o cri-minar a elle lançara toda a culpa e sobre os P ern am bucanos . Desconfiarão os Estados do caso, mas não sequeixarão. D. João approvou em segredo o que fizerao embaixador, e estimou-o em muito por isso, masnem pareceu justo nem decente manifestar publicamente esta approvação, ou conferir alguma recompensa, pois por grandes que fossem as vantagens

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lEriceyra.TÍ8.

commandante

cm chefe.

H I S T O R I A DO B R A Z I L . 2 4 9

auferidas, nem mesmo os casuistas do Concelho por- lü46

tuguez poderão deixar de reconhecer que tinhãoellas sido obtidas por uma falsidade direcla e deliberada. i-6:

Assim fora retardado até novembro o armamento, voitaschoppeque devera dar á vela no verão de 1645 ; o gelo, que «om°veio mais cedo do que de costume, releve-o prezo em

FlushingRoads até fevereiro, e depois ainda graçasa uma serie de contratempos não foi de menos deseis mezes a viagem. Levava a armada cinco membros do Grão-Concelho para renderem os antigos eseis mil homens de tropas de desembarque aforamarinheiros e voluntários. N'esta frota voltou Schoppe

a Pernambuco como commandante em chefel

Vinhaelle com a confiança que os triumphos d'outr'oralhe inspiravão, esperando achar entre os Pernambucanos a mesma falia de concerto e de habilidadeque antes encontrara, e manifestou esta opiniãod'uma maneira que parecia reflectir alguma offensa

sobre o comportamento da guarnição. A maior parledos officiaes o ouvirão calados, contentando-se com

1 Possuia n'esta epocha a Companhia das índias occidentaes um ca pital de 27 milhões de florins, pertencendo 7 á Zelândia e o resto áHollanda. Votou mejo milhão pura suffocar a revolta quando sahiuSchoppe e de cada companhia ao serviço da Companhia se devião tirartrês homens para o Brazil. Havia porem grande repugnância contra

este serviço en tre os soldados, e mu itos de serta rão , preferindo to rn arem-se vagabundos, diz Aitzema, a irem para o Brazil. Vol. 3,pag. 89.

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250 HISTORIA DO BRAZIL.1646. 0 pensamento de que o primeiro conflicto corrigiria

o juizo do general, e talvez meio dispostos, no resen-timento da honra offendiJa, a desejar que assimacontecesse. Um d'elles porem observou que Schoppenão metlia em linha de conta a differença operadapelo tempo; os mesmos homens que antes fugião soao ouvirem-lhe o nome, o atacarião agora espada em

pun ho . Pediu o general por acaso uma copa de água,e derão-lha tal qual a havia no Recife. Mal provadadeitou elle fora a nojenta bebida, e disse que ia dara todos melhor água, fazendo com que podessem irbuscal-a aonde lhes parecesse.

Evacuãoos Foi pois o seu primeiro cuidado reconquistar a

Portuguezes; i 1 T.«parahyha. p 0 s s e j e Olinda que lhe daria água, e abriria o paiz,

cujo accesso por todos os lados se achava obstruídopelas differentes obras dos sitiantes. Seguiu-se umad'essas refregas em que sobre pequena escala se jogacom arte consumada o jogo da guer ra ; para cada

movimento uma conlra-evolução adivinhando cadaparcialidade as intenções da outra, chegando a ambas os reforços exaclamenle no momento opporluno,e perdendo-se de parte a parte poucas vidas. MasSchoppe viu mallogrado o seu intento, e retirou-separa a cidade com uma perna ferida. Fel-o a experiência d'este dia reconhecer que estava mui outroo gênio do inimigo desde que elle ultimamente ocombatera, e com um mixto de respeito militar peloadversário e de orgulho nacional, observou queja-

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H IS T O R I A DO R R A Z I L . 25 3

espalhar papeis, em que offerecia perdão geral e uma

composição das dividas, evacuando os Hollandezes oRrazil, mas para isto ainda o inimigo estava por demais poderoso e soberbo, e exaltado com os reforçosrecebidos, sahiu-se elle pela sua parle com procla-mações de perdão aos rebeldes. Vendo-se que nenhumresultado d'aqui se colhia, propoz Van Goch, um dosdo novo Concelho, que no futuro mais se não dessequartel: contra isto se objectou que de facto ja elleagora poucas vezes sedava, mas se abertamente sedeclarasse esta a lei da guerra, era de recear nãotomassem armas e se reunissem aos seus conterrâneosos habitantes que ainda se conservavão quietos. Em

feliz desfecho, procederei como desesperado, e nem deixarei engenhosde assucar, nem gado, nem negros no paiz, antes do que sujeitarmo-nos á vossa obediência, ü coronel Sigismundus Van Schoppe pensamanter o campo coulra mim, como fez outr 'ora, mas como seengana! Os moradores não serão por elle, e se eu soubesse d'um

que o fosse, immediatamente o enforcara. Quando houve jamais povoconquistado tractado como nos, peor do que os mais vis escravos ? Senão fosse que aguardávamos esta opportunidade, ha muito que t e r ia -mos implorado o auxilio do rei d'Hespanha ou de França, e se esses

não quizessem saber de nos , reco rreríam os aos Turc os, ou aos Mouros. Sirva-vos esta carta de advertência ; contem ella a verdade nua ecrua. Olhae o que mais vos convém; no que estou prompto a servir-vos ; por quanto embo ra os vossos govern adores não dirijão a m im assuas cartas, sou eu, que commando aqui em chefe, não se ex tendend oo poder dos mestres de campo da Bahia a mais do que sob re as tropa sque trouxerão. Não vos illudaes , que não foi feito para vos o Brazil.Deus por certo abençoará as nossas ar m as ; se m orrem os, pe rde rem osas vidas em defeza da nossa saneta religião e da liberdade, e os querecusão acceitar nossos offerecimentos pagarão a sua obstinação coma perda da vida e da propriedade. » Nieuhoff, p . 1 1 2 .

1046-

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Nieuhoff.P. 114.

254 HISTORIA DO BRAZIL.

1646. verdade nenhuma necessidade havia de exasperar a

apaixonada inimizade de que ambas as parcialidadesse achavão ja possuídas, em razão não so da causa,mas também da natureza e caracter da guerra, porquanto onde erão tão poucos os combatentes, e oschefes pessoalmente conhecidos uns dos outros, cadaum se reputava individualmente interessado, vindo

a emulação e o ódio pessoaes estimular-lhes os esforços.

iiimierson Como havião previsto os capitães portuguezes, deuenviado ao . . .

rio de Schoppe um desembarque nas capitanias do norte.S. Francisco. J l * *

Não achou nem inimigo nem saque, mas apezar de

lerem os patriotas emigrando posto fogo ás plantações de mandioca e canna de assucar, não haviãoellas sido consumidas, em conseqüências das chuvas,e os Hollandezes, tomando posse do paiz, principiarãoa colher alli para o Recife. Vendo mallogrado o seufim immediato, e tendo diminuído consideravelmentee desanimado não pouco as suas forças em muitosataques contra as posições porluguezas, concebeu ogeneral mais vastos planos, que promellião melhorresultado. Hinderson foi enviado com uma forçaavultada ao rio de S. Francisco no duplo intuito deinterceptar os supprimentos que d'aqui tiravão osPernambucanos, e de preparar as couzas para muito

mais importante empreza. Fácil foi o primeiro triumpho ; andavão os Portuguezes pachorrenlamenle demolindo o forte Maurício, e achando-se desapercebi-

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HISTORIA DO BBAZIL. 255dos para a defeza, fugirão, atravessando o rio , para im-onde estava postado o mestre de campo FranciscoRebello a cobrir a capitania da Rahia. Abundando opaiz em provisões frescas, foi Nieuhoff mandado doRecife para d'aqui como commissario abastecer oexercito, faltando pouco para que perdesse no rio avida o sincero viajante, que tantas noticias nos deixousobre este período da historia brazileira. Uma tarde,

que elle voltava para bordo, foi o bote arrebatadopela corrente, virando-se logo, e bom nadador comoera o nosso historiador, teria assim mesmo infallivel-mente perecido, seprovidencialmente não houvesselançado mão d'um cabo que lhe atirarão. Lichthart,que havia tornado o seu nome formidável aos Portu

guezes, aqui morreu de repente, por beber água friaestando muito agitado. Também não tardou que sof-fressem os Hollandezes grande perda de gente; tendosido enviadas a Orambou cinco companhias, attrahiu-as Rebello a uma emboscada, e matou-lhes cento ecincoenta homens, mas os Pernambucanos queixarao-

se de que dispondo dos despojos retomados aos Hollandezes, attendera elle mais ao orgulho do que ácompaixão, mandando o gado para a Rahia, ondedesse testimunho da sua victoria, e esquecendo-se de

1 Ca»t. I.us.

que no acampamento deante do Recife se carecia de jfie^f

mantimento. p 'n i '

N'esta expedição se empregara a maior parte da Pane. . . . . r ° , l Schoppe por

•torça naval do inimigo, e aprestando entre tanto o ™ 1'Paia

Beconcavo.

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256 H I S T O R I A DO B R A Z I L .1646 resto em tanto segredo, que não excitou a descon

fiança dos Portuguezes, deu Schoppe com ella á velano principio do seguinte anno de 16 47 , levando comsigo a flor do seu exercito. Navegou para o S. Francisco. Sahindo, veio Hinderson reunir-se a elle, e asforças combinadas seguirão para a Rahia, e desembarcando na ilha de Itaparica, defronte da cidade,occupárão immediatamente uma posição forte e so-branceira, onde se intrincheirárão atraz de quatroreductos, protegendo os navios o lado do mar. Tãoaudaz diversão confundiu o governador geral, e o seuprimeiro pensamento foi segurar a cidade, levantando obras de defeza; mas em quanto tão mal seempregavão os Portuguezes, saqueavào e talavão os

invasores o Recôncavo. Quanto a primeira medidafora timida, foi a segunda precipitada : depois de terem quanto erguia inúteis obras dado ao inimigo temjio

investem-no de completar as suas, resolveu accommettel-o naos

Pcom ufs PoslÇã° forte que ja oecupava. Procurou Franciscoimprudenc.a. R eD e] i0 dissuadil-o, e pela sua muita experiência e

conhecido ardimento pareceu o parecer d'este officialde muito pezo aos outros chamados a concelho. 0governador porem, tão obstinado n'este ponto que seencolerizou contra os que d'elle divergião, cravandoa vista em Rebello, disse que, se naquelle concelhohavia quem desejasse achar razões com que evitar os

riscos do assalto, em boa hora  ficasse em casa na maisperfeita segurança. Se falhava a empreza, so o govci»-

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258 HISTORIA DO BRAZIL.

1646. sido, que ella facilmente se perdesse, mas os Hollan

dezes tinhão aprendido com a experiência que noRrazil mais depressa se tomavão praças do que sesustentavão ganhas, e como diversão a favor do Recifepouco mais se podia conseguir do que com a occupa-ção do rio de S. Francisco ja se fizera. Esta medidatinha posto em grande penúria de provisões o acam

pamento. João Fernandes m andou levar ao corte todoo gado das suas fazendas, distribuindo-o em rações,cujo pezo, diz o seu historiador, mais se regulavapela necessidade da quadra do que pelo uso ordinár io . Seguirão-lhe o exemplo os demais moradores, ea promptidão com que se fez o sacrifício atalhou as

queixas posto que so passageiramente cortasse o mal.Também ao mar se pedirão recursos; mandavão-sesahir pescadores regularmente a pescar nos logaresonde a artilharia dos fortes portuguezes podia prole-gel-os, e o peixe assim apanhado servia para manteras tropas, em quanto Vidal ia apenar provisões na

Parahyba e talar as plantações que alli havião feitoos Hollandezes. Voltou com trezentas cabeças de gadoe duzentos prizioneiros, quasi todos escravos fugidos.Mais rendosa foi outra expedição ao Potengi e aoCeará Mirim, districto muito ao norte d'aquelle rio,vindo d'alli para o arraial setecentas rezes. Tentarãoos Hollandezes tirar partido da ausência do mestrede campo, atacando repetidas vezes os sitiantes. Fallc-cião-lhes forças com que dar um golpe decisivo, mas

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 259

trazião noute e dia os Portuguezes em sobresalto. 1646-

Descrevião os postos do cerco um circulo de nãomenos de seis legoas, e onde alem da livre vontadenão havia outra lei que conservasse unidos os soldados, muitos, como era natura l, pedião licença parase ausentarem de tão prolongado e penoso serviço,ou mesmo sem licença se retiravão.

Alem da confiança que tinhão os Portuguezes na canhoneiaojustiça da sua causa, e da fé cega na sua superstição, p°r^e

gc"rJes

alentava-os a esperança de que de Portugal lhes viriãosoccorros efficazes. Quando chegarão novas forças aoinimigo, mandarão os mestres de campo Fr. Manoeldo Salvador a Lisboa a representar por quão pouco

não havião alcançado ja o seu grande empenho. Acre-ditavão elles firmemente que no Tejo se estava appa-relhando um armamento para cooperar com elles, eos Hollandezes egualmente o crião; estes por que otemião e conhecião a própria vulnerabilidade, e osPernambucanos, por que, fazendo elles o seu deverpara com o seu governo natural, parecia-lhes impossivel que este se recusasse a cumprir o seu para comelles. Tão possuídos estavão João Fernandes e Vidald'esta idéia, que concertarão de que modo se effectua-rião melhoras operações combinadas, mal chegassea armada, para investir por mar, e resolverãoapromptar d'antemão uma bateria de terra. Havia

perto de Mauricia uma espécie de ilhota, ou bancode areia, chamada a Seca; entre este logar e a mar-

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260 HISTORIA DO BRAZIL.1646. gem , j 0 n o r t e m e ( i i a 0 Capivaribi obra d'um tiro de

mosquete, dando a água apenas pelo joelho na va-sante. Tinhão pois os Hollandezes plantado um forteaqui, d'onde os sitiantes, se tomassem posse do sitio,podião com a sua artilharia alcançar tanto Mauriciacom o Recife. Descobrirão os mestres de campo umaposição que dominava a cidade e este ba luarte, e n'elle

determinarão erguer uma bateria. Reunidos todos osmateriaes, deixarão João Soares de Albuquerque acommandar^o acampamento, e passárão-se para oposto de Henrique Dias,'d'onde melhor dirigirião asobras. Estava o logar escolhido coberto de mato rasteiro, que occultava os trabalhos. Derão os chefes o

exemplo de metter mãos á enchada e ao alvião abrindoos fundamentos, e isto tanto excitou officiaes e soldados, que, offerecendo os moradores escravos para otrabalho, recusou-se a offerta, o que foi por venturatanto matéria de prudência como de brio, sendo essencial o segredo á realização da empreza. Tudo se

fez no mais profundo silencio, e logo que o ediíicio•• começou a erguer-se sobre a espessura, não se trabalhou senão de noute, cobrindo os muros ao amanhecercom ramos verdes. Aventarão os Hollandezes algumacouza do que se passava, mas não erão informaçõesem que podessem fiar-se, nem tinhão elles no Recifeforças sufficientes com que averiguar o facto n'umasortida, que poderia destruir ou impedir as obras.Bem protegidos pela artilharia se achavão os appro-

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H I S T O R I A D O B R A Z I L . 261

ches. Completou-se a final a bateria com um profundo 1646,

fosso, para o qual suppriu o rio a água, ficando defendida por todos os meios da arte, ao alcance dossitiantes, até onde lhes chegava a sciencia. Cortou-seentão o arvoredo na frente e rompeu um fogo, queo historiador hollandez ainda mais que o portuguezdescreve como destruidor e terrível. A maior parte

dos moradores escondeu-se em subterrâneos, sendoinexprimivel, diz Nieuhoff, a consternação que causou esta canhonada, e as scenas de horror que ellepresenciou, e de que escapou a custo, justificão oterror d'aquelles que o dever não chamava a expor asvidas. Uma vez que elle rondava forão mortos poruma bala dous homens com quem elle conversava, eoutra levou ambas as mãos a terceiro no acto de ac-cender este o cachimbo. Estava uma sobrinha deLichthart pagando uma visita de casamento a umade suas amigas perto da casa de Nieuhoff, quandoeste, ouvindo um grito terrível, correu a dar soccorro;morta jazia a noiva, e na sua agonia a hospeda, cujas

pernas ambas havião sido levadas, com taes anciasse lhe agarrou aos joelhos, 'que elle, empregandotodaaforça, mal pôde descnvencilhar-se. Vivia estesincero escriptor n'um século em que poucos profes-savão sentimentos de humanidade e nenhum faziaalarde d'elles; alem d'isto erào-lhe familiares não so

os suecessos ordinários da guerra, mas também ascrueldades que endurecem o coração; comtudo tão

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262 HISTORIA DO BRAZIL.

1646. vivamente o impressionarão estes horrores asSim ac-

cumulados uns sobre os outros, que o moverão arecordal-os, nem estas couzas, incidentaes e nada decisivas como são, devem sempre ser omitlidas na historia. Jamais se poderão com cores assaz vivas pintará humanidade os males da guerra; maldicçâo sobreos que por sua culpa os provocão, e maldicçâo lam

bem sobre os que a elles se furtão quando o deverexige um sacriticio.

»ianda-se Como as ruas ficava também o porto exposto a esteschoppe á fogo, pelo que tiverão os Hollandezes de retirar os

seus navios. De dia proseguião os Portuguezes com acanhonada, e de noute erão assaltos repetidos, n'um

dos quaes entrarão e saquearão o palácio de Nassau.Não virão os sitiados outro recurso senão chamarSchoppe em seu auxilio. Pela sua parte achava estegeneral cada dia menos promettedora a sua posiçãoem Itaparica. Bem claramente provada estava ja ainvencível paciência dos Portuguezes, que sujeitando-se a todos os sacrifícios, a todos os soffrimentos, comseus esforços mais que conlrabalançavão a inércia dogoverno. Quando da Bahia mandarão pedir soccorrosao Rio de Janeiro, escreveu o provincial dos Jesuitasao collegio d 'aquella cidade, e esta incançavel ordem

vasconcellos, logo enviou um navio com supprimenlos. Também''e 5\m§e5-6 ^e Portugal se esperava agora auxilio certo, suppondo

mui naturalm ente ambas as parcialidades que depoisd'este ataque contra o Recôncavo, seria inútil tempo-

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H IS T O R I A DO B R A Z IL . 263

rizar mais. Schoppe tornou a chamar Hinderson, quevolvera ao S. Francisco, mas mesmo depois de.assimreforçado, nada decisivo pôde emprehendér, e a ordem de recolher-se ao Recife veio muito a propósitopara poupar-lhe o desaired'uma retirada, ou talveza total ruina. Uma semana depois da partida do Hollandez chegou como governador geral o conde deVilla Pouca, Antônio Telles de Menezes, trazendo re

forços em doze navios, cinco dos quaes devião operarcontra Angola. Desembarcado Schoppe no Recife,voltou a esquadra hollandeza a infestar o Recôncavo.Teve a armada portugueza ordem de sahir a dar-lhebatalha, e logo três navios, suspendendo ferro, arre-mettérão contra o inimigo, mas o commandante,

achando na indisciplina uma excusa á imbecillidadeou covardia1, não se moveu a apoial-os. Ardeu um eD. Affonso de Noronha, filho segundo do conde deLinhares, n'elle pereceu, mancebo de grandes esperanças, que do seu patriotismo fizera prova vindo deMadrid a tomar parte na restauração da pátria. 0

segundo navio foi tomado, e o terceiro tornou a recolher-se sem haver entrado na acçãô, mas o valor heróico que mostrarão aquelles que fizerão o seu dever,não pôde cobrir o desdoiro com que os seus mais*

1 Quem soube que o commandante d'esta armada era o illustrefluminense Salvador Coçrêa de Sá e Benavides conhecerá quão injusto 6semelhante juizo. F. P.

1646.

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264 HISTORIA DO BRAZIL.1646- numerosos camaradas n'este dia afeiárão a marinha

liriceyra.

1,645. portugueza.Levanta o Previsto havia sido o perigo que ameaçava a Rahia,vieyra sendo d'elle advertido o rei de Portugal pelo Jesuita

lünhciro para

o Brazil. Antônio Vieyra, homem extraordinário não so na eloqüência mas em todas as couzas. Cantara-se na ca-:

pella real de Lisboa um Te Deum pela tomada deDunquerque pelos Francezes, e tinhão os ministros eas principaes personagens da corte concorrido poresse motivo ao beijamão em grande gala. Terminadaa ceremonia, disse Vieyra a el-rei que a dar-lhe poresta oceasião os pezames alli viera. Perguntou D. João

como assim : « Por que, rejspondeu elle, até agorateem-se visto os Hollandezes obrigados a manter naságuas de Dunquerque uma esquadra, que lhes segurasse a passagem do canal aos seus próprios navios;alliados com os Francezes ja d'isto não carecem, e aforça, Jornada assim disponível, será empregadacontra nós, podendo agora Schoppe realizar a ameaçafeita no tempo de Diogo Luiz de Oliveira, a saberassenhorear-se de tudo sem perder uma so gota desangue e so com cortar-nos por meio da sua armadatodos os supprimentos. » Mas, apontando o perigo,

«não se via Vieyra embaraçado em inculcar o remédio.Um Hollandez de Amsterdão, disse elle, offerecera-se

para conlractar quinze navios de trinta peças, e entregai os em Lisboa promptos em março seguinte, porvinte mil cruzados cada um. Do Brazil acabava de

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HISTORIA DO BRAZIL. 267

pressa possível pa ra de tudo dar conta verbal a e l-r ei . 164d

Depressa descobriu Vieyra como fundavão os Hollandezes as maiores esperanças na expedição de Schoppeá Bahia, e como por mais seriamente que elles affec-tassem negoc iar, nenh um tractado se concluiriaantes de sabido o resultado d'aquella jor na da . Tam bém viu que a contenda se ia tornando im po pu lar

na Hollanda. O comboio para o Recife duas vezes havia arribado por força do tempo, tendo perdido váriosnavios e trazendo a gente a morrer rapidamente demoléstias, de modo qu e começou a vogar a idéia deque não favorecia a Providencia estes desígnios contrao Brazil. 0 conselho do Jesuíta foi pois que se apressasse o esquipamento da armada, afim de cortar ao taJ.rT. 2"inimigo todos os soccorros. T- *> c-3

Mas tanto se demorou este esforço da p ar le de P or- Envia-selugal, que Schoppe teve tempo de sobejo p ara fazer tomaarrÔcom-

, m ando em

todo o mal que pôde. A sua vollapermittiu aos Hollan- Pernambuco,dezes retomarem a offensiva no Recife, e agora prin

cipiarão elles d'uma bateria de morteiros a incom-modara seu turno os sitiantes. Mas o engenheiro foimorto, e a outro , que se foi buscar á Pa rahyba pa rasueceder-lhe, faltava a necessária arte . Pela sua parlelambem os Pernambucanos não podião por falta depólvora continuar a canhonada assoladora. Inlerrom •

pendo pois por este lado os seus esforços, dir igi rão-nos outra vez para rem otas pa rte s, e de novo forãoas ribeiras do Potengi assoladas por Henrique Dias,

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268 HISTORIA DO BRAZIL,

1646. c o m a sua habitual boa fortuna, e costumada cruel

dade, consumindo o fogo, diz o historiador benedic-lino, tudo que tinha valor, a espada tudo que tinhavida. Os mesmos assoladores ficarão horrorizados,quando, salteado de noute um posto fortificado, virãode manhã que na sua indiscriminada ferocidade tinhão immolado não so homens, mas também mu

lheres e crianças da sua própria côr. Servião estesfossados de occupar a parte desalmada dos insurgentes, para quem era a guerra profissão e passatempo,e concorrião também para conservar levantados osespirites do exercito. A chegada d'uma armada áBahia, sem trazer socorro algum para Pernambuco,

poderia ter desgostado homens cuja lealdade assentasse em princípios menos arraigados, e desacoro-çoado ânimos menos resolutos. Jamais sobre o oceanose havião alongado olhos mais desejosos do que osdos Portuguezes, a esperarem ver a todo o momentoapparecer as velas que devião trazer-lhes a victoria,

e o galardão de seus compridos trabalhos. Desilludi-dosa final, tirarão do amargo desengano consolaçãosoberba e generosa : Nossa será pois, dizião, toda aObra, e nossos lambem exclusivamente o mérito e afama. Nem tão esquecidos porem havião sido comosoppunhão, que ja Francisco Barreto de Menezes foramandado com o posto de mestre de campo generala tomar o commando em Pernam buco, levando comsigo trezentos homens, armas e munições em dous

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HISTORIA DO BRAZIL. 209

navios pequenos. Tão diminuta força se não devera 16í6

ter arriscado sem uma esquadra que a escoltasse, eacto de m aior imprudência ainda era tirar a homenscomo Vidal e João Fernandes um commando, paraque estavão infinitamente mais qualificados do queo melhor soldado europeo. Souberão d'isto os Hollandezes, e interceptarão os navios ao mar da Parahyba, onde apoz inútil resistência forão tomados,sendo Barreto levado prizioneiro para o Recife. Depois de ter aqui jazido nove mezes logrou fugir comajuda deFranciscus de Bra, filho do official a cujaguarda fora elle en tregu e. O jovem scelerado ab ando nou os pães, trahiu a pátr ia , e renegou a sua crença.Que os Portuguezes recompensassem exigia-o a polí

tica, mas terem conferido a um indivíduo d'estalaia

a ordem de Christo, é curioso ind icio de quão aviltado Csf§ 45.s

andava o pundonor, ou de como o havia a superstição P enj.

pervertido1 5,§86

Para homens menos desinteressados, ou de menos pedem de-dedicado patriotismo do que João F erna nd es e V idal, insurgentes

1 1

' soccorrosnão teria sido Barreto n'estas circumstancias mui :iBalli3

bem acceita visita. Mas a não fingida ale gr ia , a franqueza e o respeito com que o receberão, produzirãoo melhor effeito sobre um animo generoso, e a mais

1 Concordamos com Soulhey : as traições podem ser recompensadasa dinheiro, nunca porem com condecorações. Quanto á ultima parte dojuizo, fácil é de ver que dictado foi pela intolerância religiosa doauctor.'F. P.

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270 H I S T O R I A DO B R A Z I L .

1648. perfeita confiança se estabeleceu entre todos, de

modo que uma nomeação, que facilmente tão fatalse podia haver tornado á causa dos Portuguezes emPernambuco, veio dar maior realce ás virtudes quepozem jogo. Apenas o conde de Villa Pouca soubedo escapo de Barreto, expediu ordens a João Fernandes e a Vidal que lhe entregassem o commandoi.

Contra isto clamarão alto os Pernambucanos, mas aunanimidade dos três commandantes, pois taes narealidade se tornarão, assegurou-os de que tudo iabem. Assumiu Barreto o commando na apparencia,mas conformou-se em tudo com os conselhos dosmestres de campo. Desde o principio da insurreição

tinhão elles percorrido cento e oitenta legoas deterra, do Ceará Mirim ao rio de S. Francisco, tomadonos differentes fortes perto de oitenta peças de artilharia, e morto e aprizionado, segundo o seu própriocalculo, para mais de mil e oitocentas pessoas; eaoentregarem o commando tinhão provisões por dousmezes para o exercito, vinte e quatro contos em dinheiro e o valor de dezoito mil cruzados mais emmateriaes e dividas seguras. Sabia-se ja que na Hollanda se aprestavâo novas forças, referindo a famaque os Estados fornecião navios, a Companhia gentee os Judeos dinhe iro. De Lisboa víerão noticias certasde que a expedição se destinava ao Brazil, julgando

muitos que seria atacada a Bahia, mas os chefes jamais pozérão em duvida não poder o fim principal

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 271

ser outro senão descercar o Recife, que,-a não ser a ms-falta de m unições da pa rte dos sitiantes, cahiria antesd'isso. Mandarão elles pois Paulo da Cunha á Bahiaa representarem que ponto critico se achava a contenda :.era favorável o ensejo, mas fallecião meios detoda a espécie. Recebeu-o o conde de"Villa Poucahonrosamente, escutou-o attento, e despediu-o compromessas fofas. Recorreu o emissário ao senado da

câmara, pedindo aos magistrados que inlerviessemjuncto do conde, e appellassem também para o povoa prol dos seus irmãos de Pernambuco. Àbundavãona Bahia provisões de guerra e de boca, em quantoo exercito patriótico passava severas privações porfalta de umas, nem podia por mingoa das outras ef-

fectuar uma conquista de tão indizivel importânciapara o Brazil e para Po rtuga l. Mas com silenciosa in-differença forão ouvidas suas supplicas, e merecida-mente estigmatizada pelo historiador de João Fer-1

nandes foi a hrutal insensibilidade de homens tãomortos para o bemeslar da sua pátria, como para os

soffrimenlos dos seus con terrâneo s. Em quanto Pauloda Cunha assim trabalhava debalde, chegou a esperada frota, entrando no porto do Recife toda emban-deirada e ao estrondo das salvas de mar e terra.Trazia seis mil homens, vendo-se assim outra vez

u . . Chegão mai',

os Hollandezes com decidida sup erio ridade num e- JgHouaV

rica.dMes

-De novo tentou o inim igo o effeito das pro clam a-

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272 HISTORIA DO BRAZIL.*1648- çõese das promessas. Espalhárào-se papeis, offere-

Conlrahem

suasções

os mestres cendo amnistia a todos, exceptuado o único Hoogstrae-de campo as \

opera- teri) q u e Se apresentassem dentro de dez dias; lindoeste prazo porem nem sexo nem edade se pouparia,pois que então se solta rião os Tapuyas e Pitagoares,..protestando os Hollandezes perante Deus e o mundo

que os horrores que se seguissem não lhes deviãoser imputados. João Fernandes, que parece ter sidotão prompto a disputar com a penna como com a espada, respondeu, dizendo aos Hollandezes que erapassado o tempo em que a simplicidade calholica.se fiava de promessas dehereges, olhando como homens aquelles que a Egreja com razão designavacomo m onstros. E rão os Portuguezes, acerescentava,sufficientes em numero, e com fe robusta no triumpho; nem mister havião de pólvora e bala, posto queuma e outra tivessem em superabundancia, sendobem sabido fazerem elíes mais uso da espada do que

. domosquete, do ferro do que do chumbo. Camarão

e Henrique Dias publicarão também sua resposta,tinhão elles os olhos m uito abertos, diziào, para quehouvessem de escutar protestações de protestantes, co único uso que farião das proclamações hollandezes havia de ser convertel-as em cartuchos, e re-cambial-as com a conveniente resposta inclusa.

Reconhecerão porem os chefes a necessidade de con-IraKirem os seus limites, e recolhendo as tropas quetinhão em Garassú, Pau Amarello, Jaguaribe Para-

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 2 73

tibi, e Olinda, destruirão a maior parte d'estes pos- 16í8-

tos, e encerrão-se entre Serinhaem e Moribcca. Atodos os moradores da Várzea capazes de pegaremem armas ordenarão que se apresentassem no arraial, e offerecendo perdão geral a todos os delinqüentes, ameaçarão com severo castigo todo aqu ellequenV -»a uaijunctura não acudisse ao cham am ento.

Muitos espíritos porem havião abatido debaixo do daTrôrça3

*0

. , , portugueras.

continuo mallogro de suas esperanças, e passandorevista, conheceu-se que a força toda não excediatrês mil e duzentos hom ens, mas hom ens em qu emos commandanles podião confiar, qualquer que fosseo aperto; e com esta força pequena como era em nu

mero, determinarão elles offerecer batalha ao inimigo, quando e onde quer que o encontrassem. OsHollandezes, que havião contado com ver á chegadados seus últimos reforços necessariamente levantadoo assedio, não pouco se maravilharão vendo a pertinácia dos sitiantes, e não podendo crer que fosse cila

filha do caracter do povo e dos seus chefes, imaginarão que Barreto teria trazido noticias seguras deauxilio, e debaixo d'esta apprehensão suspenderãoos seus próprios movimentos.

Mas assim que a prolongada inactividade dos Po r- saheschoppei acampo.

tüguezes claramente mostrou que não erão elles assaz fortes para operações offensivas, resolveu o inimigo sahir a campo, preparando-se para a jornadacom jejum e preces publicas, que por provirem de

i n . 1 8

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274 H IS T O R I A DO B R A Z I L .1648 hereges, forão olhadas pelos Pernambucanos como

inúteis, supersticiosas e diabólicas. Era intenção deSchoppe apoderar-se de Moribeca e d'alli cooperarcom a esquadra, que devia seguir para Nazareth.Feliz foi o seu primeiro movimento. Investiu a estancia da Barreta, onde estava Bartholomeo Soares Cunhacom oitenta homens. Ignorando que forç accom-

mettião, fez este official contra ellas uma sortida,em que perdeu metade d sua gente, sendo ellemesmo ferido e feito prizioneiro, e tomado o forte.Entretanto reunião os Portuguezes um concelho deguerra; erão de opinião alguns que desesperado seriaquerer resistir em campo a forças tão superiores,

pelo que se devião retirar para o Cabo de S. Agostinho e d'alli com o favor das florestas cançar o inimigo, protrahindo a guerra; mas os mestres decampo protestarão que perdida era a causa, abando-nando-se assim todas as vantagens ganhas, e resolverão tomar posição nas fraldas dos Guararapes, linha

de outeiros por onde tinha de passar o inimigo.Batalha dos Até agora logar o mais memorável na historia mi-uararape.. ^ ^ ^ Brazil, ficâo os Guararapes entre três e qua

tro legoas ao sul do Recife, a cerca de três ao oestedo acampam ento, e duas ao noroeste do forte que osHollandezes acabavão de tomar. Extendem-se as abas

d'esta serra até três milhas de distancia do mar,sendo plano e pantanoso o espaço intermediário;d'aqui vão os montes erguendo-se gradualmente a

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IHSTOWA DO BR A ZI L. 275

grande altura, derivando o nome do bramir das suas lfl48

torrentes. Onde a serrania mais seapproxima do m ar,passa o único caminho por uma tira de terra firme,d'unscem passos de largura, entre o sopé dos outei-ros e um tremedal extenso, situação notavelmentesemelhante ao passo das Thermopylas; e a entradapara este desfiladeiro é entre um lago, que forma o

pantanal, e um bosque, que vem descendo das montanhas. Uma legoa alem fica Moribeca, para ondemarchavão os Hollandezes, logar pequeno, mas de

• considerável importância pela sua populosa vizinhança. Occupárão os Portuguezes este passo, cujoterreno era de natureza tal, que o inimigo ao ap-

pfbximar-se não pôde vel-os. Ao alvorecer do d ia seguinte chegou um escravo, que tendo sido feito prizioneiro na Barreta, achara meios de escapulir-se de 1648

noute do campo hollandez -, ouvindo-lhe os passosderâo rebate as sentinelas e na confusão que se seguiu, também Bartholomeo Soares deu traça como

fugir obtendo assim os mestres de campo noticiacerta dos movimentos e força do inimigo. Destacou-se uma partida para, armando um tiroteio, attrahil-os melhor, e os Hollandezes ao entrarem no desfiladeiro, acharão o exercito pernambucano prompto arecebel-os n'um terreno onde a superioridade numérica de nada lhes valia. Nenhuma artilharia e poucasmunições tinhão os Portuguezes, e a ordem que havião recebido era de não fazer fogo senão quando

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276 HISTORIA DO %RAZ1L.

1648. nenhum tiro se podesse perder, e apoz a primeiradescarga, travar logo a peleja, espada em punho.Bem ferida foi a batalha; a Vidal matárão-lhe douscavallos debaixo do corpo, e o que João Fernandesmontava ficou com uma marca singular d'este diamemorável, furando-lhe uma bala de mosqueté timadas orelhas. Tomando este cavallo pelas rédeas, for

mava ja um Hollandez um golpe contra o cavalleiro,pensando talvez pôr assim termo á guerra, quandoJoão Fernandes d'um revés cortou o braço que oameaçava. Estava batido o inimigo, mas não desbaratado, e os destroços do exercito cobrirão a retirada,executada por uma noute tempestuosa de chuva,

vento e trovões, que occultavão os movimentos.'5Levarão os Hollandezes comsigo os feridos, que daBarreta expedirão por mar para o Recife, mas deixarão no campo mil e duzentos mortos', sendo officiaescento e oitenta, entre os quaes se contou Haus, quevoltara a militar no Brazil. Schoppe recebeu no cal

canhar uma bala, que o deixou coxo para os dias davida. Tomarão os Portuguezes duas peças de artilharia, e toda a bagagem, entre a qual se encontra-'rão cadeias, dizem, para os moradores da Várzea,que os Hollandezes se propunhâo levar prezos. En-

• Julgamos preferível a versão de Netscher que em presença dosdocumentos officiaes, depositados nos archivos da Haya, affirma quetiveram os Hollandezes 470 mortos e 527 feridos, inclusive o generalSchoppe. F. P.

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 277

terrirâo os vencedores os seus mortos onde jazião, 1648

com as honras e ceremonias que o tempo e o logarpermittirão : oitenta e quatro Portuguezes tinhão ca-hido, e sahirão feridos mais de quatrocentos. A perdados negros e Índios não se relata. Ainda por algunsannos mais se prolongou a guerra, mas foi esta victoria que decidiu da sorte do Brazil1. Tão poucohavia contado com ella o timorato governo da Bahia,que o conde de Villa Pouca, tendo por impossivelresistirem os Pernambucanos ás forças superiores daHollanda, tinha mandado para o rio de S. Franciscoum destacamento de cinco companhias a proteger osfugitivos. Ao chegarem as noticias e verem-se os es-landardos hollandezes, que os mestres de campo re-

mettião como tropheos, foi uma e outra couza recebidacomomaiorregosijo, embora devessem estas alegriasdespertar vergonha na câmara e no governador geralao lembrarem-se tle quão pouco havião contribuídopara a causa. Em Pernambuco e em todas as províncias a que se extendia a guerra, foi exposto o Sacra

mento no domingo seguinte á batalha.Jamais se mostrara Schoppe como agora tão em- Depou de

prehendedor e activo. Mal chegado ao Recife depois n S ^a bateria da

Asseca.

4 Desanimalo d e poder luclar co m as forças da Hollanda havia D .João IV mandado o celebre P . Vieyra em missão secreta a Haya afim d eceder as províncias suílevadas, quando d'este propositp

oveio dissua

dir a noticia do triumpho alcançando pelos Pernamijucanos nos montesGuararapes. F . P . •* > *

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278 HISTORIA DO BRAZII.

da maior derrota que havião até então soffrido no

Brazil os Hollandezes, logo se preparou para tirarvantagem da distancia do inimigo. De manhã entrouna cidade, e ao cahir da tarde mandou um destacamento a occupar Olinda, pa ra onde tencionava enviaros doentes e os feridos, por serem alli melhores osares e melhor a água. Muito maior vantagem porem

lhe proporcionou o máo comportamento do officialque commandava na Asseca, essa bateria, que portanto tempo havia incommodado o Recife, tendomesmo chegado a pol-o em risco. Deixara-se alliguarnição suffíciente não so para resistira um assaltorepentino, mas até para sustentar um cerco regular,

e com tudo foi o baluarte entregue sem defeza.Quando os mestres de campo, de volta ao Bom Jesus,fizerão a ronda, visitando os postos e rendendo asguarnições, ficarão como feridos do raio, vendo este,de todos o mais importante, nas mãos do inimigo.Teve o official commandante de passar por um concelho de guerra, cujo resultado foi absolverem-no osjuizes, mas não a opinião publica. No correr de todaa guerra não se viu um único Portuguez castigado

\%^' por haver-se portado mal, apezar de se terem dadoT. 8, p. 395. d'isso tantos e tão flagrantes exemplos.

Morte Olinda foi immediatamente reoccupada, mas adcCam.irão, , l

Asseca estava demasiado bem fortificada para sertomada com os fracos meios de que dispunhão entãoos Portuguezes, e a alegria que sentirão os Hollan-

Cast. L u s .9 , 8 5 4 2 .

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H I S T O B I A DO B R A Z I L . 279

dezes ao verem-se assim livres do maior dos horrores 1648,

d'um assedio, distrahiu-lhes até certo ponto os pensamentos da derrota que. acabavão de soffrer. Outracausa de contentamento foi-lhes também a morte deGamarão, que teve logar pouco depois da batalha.Era homem de singular engenho e distinetos talentosmilitares. 0 seu nome indiano era Poty, que os Portuguezes traduzirão na forma do costume. Philippe IV

lhe dera a ordem de Christo, o titulo de dom, e oposto de governador e capitão general de todos osíndios. Era affavel para com os seus subordinados,cortez com os extranhos, e cheio de dignidade paracom os seus superiores, moderando de tal arte as suasmaneiras, que a Iodos captivava a amizade e o res

peito. Apezar de fallar bem o portuguez, nunca conversava com extranhos ou com pessoas de elevadahierarchia senão por meio d'um interprete, não fossealguma palavra mal pronunciada ou algum erro delinguagem derogar a dignidade que elle tanto orgulho tinha em manter illesa. Lia e escrevia bem

tendo até suas tinturas de latim. Bem empregadaspenas, dizFr. Manoel do Salvador, as que os padresda Companhia e outros religiosos empregarão n'estcíndio! Todos os dias ouvia missa e rezava a ladainhade Nossa Senhora, trazendo sempre ao peito duasimagens, uma o crucifixo e outra a da Virgem; É

notável que*tendo entrado tantas vezes em combatequasi nunca sahisse ferido. Foi enterrada na egreja

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280 H I S T O R IA DO B R A Z I L .1648- do arraial com as maiores honras fúnebres. Succedeu-

lhe no posto seu prim o 1 D. Diogo Pinheiro Camarão,homem valente, e cujos serviços ja lhe havião valido

9 *%'&%'. a ordem de Sanctiago.Taia schoppe Ainda os Hollandezes erão senhores do mar, e

5* apenas a frota da Bahia deu á vela para o reino, em-prehendeu Schoppe para alli segunda expedição*

assolou o Reeoncavo até onde se atreveu a afastar-seda praia, e destruindo totalmente vinte e dous engenhos de assucar, voltou carregado de despojos.Durante a sua ausência permittiu Barreto ás tropasindigenas irem a suas casas, onde recobrassem forçase a si mesmas se sustentassem, couza de não pequena

monta agora que da cidade passara a escassez para oacampamento. Amplamente abastecião os cruzadoresinimigos o Recife com as prezas que fazião. Por quantoembora os dous paizes estivessem ainda nominalmente em paz, cruzavão esquadras hollandezes continuam ente na costa de Portugal e na altu ra dos Açores,

capturando quanto navio portuguez apanhavão. Fa-;zendo-se queixa d'isto ao governo hollandez, respondia elle que os cruzadores erão piratas, que asProvincias-Unidas não reconhecião, nem podião sup-primir; a mesma resposta que Portugal dera semprea respeito de Pernambuco c com egual sinceridade.Mas ao sul da linha era excusada a dissimulação;

1 Al ias sobi i i i l .o. F . P.

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pelo commercio

portuguez.

HISTORIA DO BBAZIL. 281

tudo alli era boa preza, e o Recife offerecia um mer- 1648-

cado aberto e meios seguros de remetter para a Eu- sóWL& l pelo com-

ropa productos e dinheiro. Grande como em si ja era

0 prejuízo para Portugal, ainda vinha augmental-o a

rebeldia de muitos capitães m erca ntes, q ue , tomandomercadorias a credito, e vendendo-as depois em se

gredo, fazião-se enconlradiços com os cruzadores

hollandezes, para que a perda de vaso e carga lhesservisse de liquidação de contas. Com este systema de

cruzeiro poderão os Hollandezes m an ter a guerra que

as prezas ganhas n'esta espécie de loteria tornavâopopular.

Entretanto soffreu a Hollanda perda e desdoiro Expedição

Cast. Lu s.9, § 54-6.

onde menos razão linha para recear uma ou outra restauraçãode Angola.

couza. Salvador Corrêa de Sá, fidalgo d'essa família,que expulsara do Rio de Janeiro òs Francezes e fundara a cidade, projectou uma expedição para restauração de Angola, obtendo o secreto assentimento'dacorte, Voltou pois de Lisboa ao Rio de Janeiro com a

nomeação de governador para alli, onde cinco naviosja o esperavâo na conformidade das instrucções que

trouxera o conde de Villa Pouca. Apenas desembarcado convocou os magistrados e pessoas princ ipaes dacidade, dizendo-lhes qu e el-rei o auclorizara a levantar um forte na bahia de Quicombo, na costa de An

gola, para assegurar supprim ento de negros ao Brazil.Em attenção ás tregoas fòra-lhe prohibido fazerguerra aos Hollandezes, mas era certo que el-rei o

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282 HISTORIA DO BRAZIL.

Í648. n g 0 condemnaria, se elle podesse, não obstante essas

tregoas recuperar pela força as praças que os Hollandezes duran te as mesmas tregoas pela força haviãotomado, e isto esperava conseguil-o se o povo do Riode Janeiro, que era o mais interessado, lhe fornecesseos meios. Foi bem recebida a proposta, levantou-selogo um donativo de 55,00 0 Cruzados1, e alistárão-se

novecentos homens. Pretou Salvador Corrêa mais seisnavios, comprou outros quatro á sua própria custa,e partiu com quinze velas abastecidas para seis mezes.Chegada á bahia de Quicombo, ancorou alli a esquadra. No dia seguinte foi tão grande a ressaca sem amenor causa apparenle, que passou,por sobrenatural;

por quanto algumas catraias, que andavão pescandofora da bahia, nem sentirão vento nem agitação maisque ordinária, e de noute, fazendo luar claro, e semque soprasse o vento, fez a capitania signal de achar-se em perigo, e afundiu-se n'um momento, escapando apenas dous da tripolação e perdendo-se assim

tão extranhamente trezentos e sessenta homens.Apezar do muito que este principio de sinistro agourolhe veio diminuir as forças, não desanimou SalvadorCorrêa. Convocou um concelho e disse aos seus officiaes que quando el-rei lhe ordenara mantivesse apaz com os Hollandezes, havião sido dadas estas ins-trucções na persuasão de que contentes com o. que

1 Alguns auctores elevam a oitenta mil cruzados este donativo.

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 2 83

tinhão ganho, não buscarião elles alargar-se mais; 1648-

mas desde a sua chegada soubera que andavão ellesguerreando os Portuguezes no sertão, pelo que era doseu dever pôr-se ao lado dos seus conterrâneos contraum povo que por nenhum tractado se deixava ligar.A resposta foi uma acclamação unanime de que ouganharião Angola ou o reino do ceo, exterminando aheresia que havia sete annos estavão os Hollandezessemeando n'aquella terra da verdadeira christian-dade.

jjjnmediatamente se fez de vela para Loanda, sem Desembarace1 e victoria

bandeira de almirante, para que o inimigo, não a decS0r

lrvea,dor

vendo, soppozesse que vinhão atraz outras forças,

noticia que elle teve o cuidado de espalhar. O primeiro prizioneiro tomado declarou que um destacamento de trezentos Hollandezes tinha sahido comtrês mil indígenas contra os Portuguezes de Massan-gano, Conservando-os em tão apertado cerco q ue Salvador Corrêa não pôde communicar com elles. Este

estado de couzas, como qu er que se interp retassem astregoas, justificava o procedimento do capitão portuguez, mas persistindo no systema de protestar paz efazer a guerra, systema a que a consciência da própria fraqueza e das injustiças soffridas induzira Portugal, mandou elle uma bandeira ao governador,dizendo que aquella expedição viera a erigir um forten um logar do paiz separado do qu e oecupavão osHollandezes, a fim de abrir e manter communicações

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284 HISTORIA. DO BRAZIL.

1648. com os Portuguezes do sertão; vendo porem de quemodo erão opprimidos e perseguidos pelos Hollandezes, não'podia deixar de defendel-os, embora, desobedecendo assim ás suas instrucções, arriscasse acabeça. Não podia ser mais favorável o ensejo; sabiaSalvador Corrêa a guarnição tão enfraquecida que

maL,poderia defender-se, e assim convidava-a a evitarinútil derramamento de sangue, rendendo-se,-comcondições honrosas. Aterrados com esta ousada, linguagem , pedirão os Hollandezes oito diaspa,ra pensarno que deverião fazer: concedeu-lhes elle dous e or

denou na volla aos seus mensageiros que, expirado o

prazo, deixassem continuar a fluctuar a bandeirabranca, se o inimigo consentisse em render-se, aliasiçassem outra vermelha, para que se não perdesseum momento.

entretanto aprom ptou a sua força, composta de650 praças de terra e 250 de már, e a todas deu

vestidos novos, como estimulo para o serviço. Reunirão também os Hollandezes toda a força que poderão apurar no forte do Morro de S. Miguel, que dominava a cidade, e no de Na Sa da Guia sobre apraia, e cobrando animo durante a dilação, resolverãoresistir. Mal se avistou a bandeira vermelha,, disparou-se a peça de signal, e Salvador Corrêa, que estava ja no seu escaler, largou na frente, seguido ,detodos os outros. A bordo dos navios ficarão apenascenlo e oitenta homens, collocando-se em lugares

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conspicuos muitas figuras com chapeos, para que osHollandezes reputassem bem tripoladas as embarcações.

"Desembarcarão os Portuguezes a duas milhas dacidade sem encontrar resistência, sendo seu primeiro cuidado ouvir uma missa, feito o que, montou

Salvador Corrêa a cavallo, e avançou a tomar possed'um convento de Franciscanos, que dominava osurgidouro e o logar da aguada. Fizerão os Hollandezes uma demonstração de defeza, mas fugirão áprimeira investida, e animados com esta vantagem,perseguirão-nos os Portuguezes debaixo do sol ar

dente do meio dia, e, entrada a cidade, occupárão ocollegio dos Jesuitas e a casa do governador. Sabendo-se então que o forte de S. Antônio havia sidoevacuado, foi também este posto immediatamenteoccupado, encontrando-se alli oito peças de artilharia, entre as quaes apenas duas encravadas. Com asseis, e outras quatro que desembarcara, erigiu Salvador Corrêa duas baterias sobre a egreja, que ficavadefronte do Morro de S. Miguel em terreno egual-mente elevado, separadas por uma quebrada as duaseminências. Pouco damno fizerão as peças ao forte,contribuirão porem para desanimar os Hollandezes,que pela rapidez das operações do inimigo avaliarão

a sua força numérica. Jogava comtudo SalvadorCorrêa um jogo desesperado; sabia ja que os Portuguezes de Massahgo tinhão sido batidos, e, não con-

1048.

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286 H IS T O R I A DO B R A Z I L .1648- tando com soccorro, estavão resolvidos a entregar a

praça, bem como conhecia também a própria fraqueza, mas egualmente se lhe não escondia que soa temeridade podia salval-o, e que com ardimentonada ha que não possa ganhar-se. Em ultimo casomelhor lhe era morrer com honra, do que, depoisde ter ultrapassado as suas ordens, retirar-se derro

tado e levar a noticia de estar Angola irremediavelmente perdida. Ao romper da aurora conduziu poisos seus 700 homens contra o Morro, guarnecido por1,200 Europeos e outros tantos negros, temerária-mente assaltando a praça; foi rechaçado com perdade 163 mortos e 160 feridos, mais de um terço de

toda a sua força. Mandou então tocar a retirar paradispor novo assalto, mas os Hollandezes, imaginandoser signal para nova investida, e feridos de terrorpânico pelo valor desesperado que havião ja experimentado, hastearão bandeira branca. Salvador Corrêa, receando que viesse a descobrir-se o estado realdo seu exercito, so lhes quiz conceder quatro horaspara concluir-se a capitulação : depressa se ajustaraas condições, que comprehendião não so a guarnição,mas todos os Hollandezes residentes em Angola, emais de dous mil homens depozerão as armas deantede menos de seiscentos. Era tarde para remediar aloucura, quando os Hollandezes a perceberão, e Sal

vador Corrêa, com verdadeiro espirito de soldado, eorgulho de Portuguez, os fez embarcar em Cassan-

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288 H IS T O R I A DO B R A Z I L .1648- elles occupavão ao ajuslarem-se as tregoas, e mais

um terço de Sergipe ainda; que lhes entregasse porvinte annos como senhor até final cumprimento detodas as condições, a ilha e forte do Morro de S. Paulo(que poria á mercê d'elles a Bahia); que como in-demnização das despezas da guerra lhes ficasse o reide Portugal pagando annualmente 100,000 florins

por vinte anno s; e que por outros dez se entregassemtambém annualmente no Brazil á Companhia milbois de jugo, mil vaccas, quatrocentos cavallos, milovelhas emil caixas de assucar de vinte arrobas'cadauma. Também devião ser reslituidos, por um orçamento equitalivo, todos os escravos que os insurgentes tinhão levado comsigo, e tudo quanto estes tinhãodestruídos havia de ser egualmente reposto, podendoos Hollandezes durante um anno depois da publicação do tractado, reclamar e aprehender o que foraseu onde quer que o achassem. Conservarião lambemas suas conquistas na África, e se os Portuguezesquebrassem este ajuste em qualquer parte alem dalinha, ficaria elle irrito e nullo em todas ellas. Nocorrer das conferências com Francisco de Souza forãoestas extravagantes exigências reduzidas a ponto de

m^oie P rescinalind° da entrega do Morro de S. Paulo, seMs

n™ ;6' contentarem os Hollandezes com 600,000 cruzadoscomo indêmnização, ou 10,000 caixas de assucar,

metade branco e metade mascavado, em pagamentosannuaes distribuídos por dez annos.

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HISTORIA DO BRAZIL. 289Por mais duros que houvessem sido os soffri- 1648-

mentos dos Portuguezes debaixo d'uríi governo exlran- no concelho° , portuguez.

geiro e d'uma superstição nacional, nem tinha anação perdido'a sua coragem, nem o seu orgulho, ea opinião publica era por que se defendessem a lodoOJÍSCO os irmãos de Pernambuco. 0 governo poremtinha consciência da sua pobreza, fraqueza e perigo,

e as difficuldades do caso trazião perplexo o gabinetede D. João IV, cuja coroa era de espinhos. Tornoupois a debater-se a questão ja tantas vezes discutidaentre os ministros. Apresentou o rei ao seu concelhoo ultimatum dos Estados, e bem assim as primeirasexigências dos mesmos, advertindo-o de que estava

' a França a ponto de fazer a paz com a Hespanha,pelo que se devia conservar todo este negocio nomaior segredo, sem que das deliberações se lavrasseacta. Mas embora o concelho tivesse ordem de nãodeixar memória do que se tractava, forão dados porescripto os differentes pareceres, que assim passarãoá posteridade, «sendo tão curiosos como característicos.

Como prefacio ás suas observações sobre as condi- Parecer dc

ções propostas estabeleceu o conde de Odemira como odemira6

«erto, que se a paz se fizesse, aproveitarião os Hollandezes o primeiro pretexto para quebral-a, sendo seuúnico fito colher á mão quanto podessem. E da parte

d'elles nem reféns, nem palavra de príncipe, nadasenão um juramento, e juramento de hereges! A

i n . 1!)

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290 H IS T O R I A DO B R A Z I L .1648- respeito do artigo que estipulava o reciproco paga

mento das dividas, observou elle, não sem algumarazão, que, tendo os Hollandezes por outra cláusulade comprar os bens de qualquer pessoa que quizesseretirar-se das províncias cedidas, a conseqüência seriareclamarem elles uma compensação de cada vez, enada receber o emigrante : por tanto, dizia elle,

dando-se de ambas as partes dividas reconhecidas, osystema mais simples seria encontrar umas nas outras. Fora este na verdade o modo mais summariopara os interessados, ainda mesmo que as sommasdevidas pelos Portuguezes não estivessem na razão decincoenta por um, circumstancia que o conde pareceter passado por alto. Quanto á cláusula de soltarem-sesem reserva todos os prizioneiros, de qualquer naçãoou religião que fossem, inclusive os judeos, conce-dendo-se plena e geral amnistia, observou elle, queaos theologos incumbia decidir do que tangia á religião, podendo o rei annuir a este artigo em tudoquanto não fosse peccado. Era porem opinião d'elle

em summa que a paz devia fazer-se, e recommendavaPinheiro como indispensável uma estipulação para excluir dos

" 'n-T'6 ' portos hollandezes no Brazil os navios hespanhoes.Mais extenso e extraordinário foi o mem orial apre-

mocurador sentado pelo Dr Pedro Fernandes Monteiro, procurador da fazenda real. Considerando, dizia elle, o

muito talento dos ministros empregados n'esta negociação, era certo que melhores condições se não po-

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HISTORIA DO BRAZIL. 291

derião obter; havia porem graves objecções a fazer 1648.

pelo lado da religião, da honra e do patriotismo. Oinstincto da conservação própria persuadiria os Hollandezes a buscarem todos os meios de enfraquecer-a Bahia; ora senhores de Sergipe negar-lhe-ião sustento, possuidores d'Angola lhe recusarião escravos,e a conseqüência seria acharem elles por toda a parte

sahida ao seu assucar com exclusão dos Portuguezes.0 pagamento das dividas era impossivel: havião estassido talvez a causa da revolta, e se então não tinhf.opodido os Pernambucanos pagal-as, muito menos opoderião agora, e segundo este tractado não lhes seriapermittido viver em Pernam buco nem fora d'alli, sepor .toda a parte podessem ser judicialmente perseguidos. E para onde havião de ir? Nada possuindo,para qualquer parte que fossem carecerião de auxilio,qHe nem a Bahia, nem o Rio de Janeiro, nem província alguma do Brazil poderia conceder-lhes, demodo que so servirião de ônus á demais população.A primeira couza que devia fazer-se, .era proceder

como se estas negociações não tivessem de terminarem paz e remelter immediatamente soccorros. Cumpria ter também presente quanto a ultima victoriatinha vindo mudar o estado das couzas. Era claro queos Pernambucanos, julgando-se abandonados porPortugal, so das próprias forças esperavão a salvação:

tanto peor para os Hollandezes. Recorrerião talvez aCastella, e com prazer faria Castella sua a causa

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292 H IS T O R I A DO B B A Z I L .

1648. d'elles. Tinha aquelle reino repetidas vezes enviado

emissários a corromper os Portuguezes em Angola,por que esta possessão lhe daria escravos para as suasminas, e podendo eventualmente tornal-o senhor doBrazil, que para subsistir carecia de negros. Erão osHespanhoes agora por tractado admiltidae nos portosde Angola e do Brazil: fáceis erão pois os meios, e

bastaria o zelo da religião para induzir a tal medidaos Pernambucanos, que, em caso de recusa, recor-rerião á Inglaterra, ou a qualquer outra potência.Convinha representar isto aos Estados, bem como aimpropriedade de prometter o rei o que quiçá nãopoderia cumprir, pois que baldado era prometter a

obediência dos Pernambucanos. Não erão elles sqbdi-tos que dependessem da protecção d 'el-re i, e se esteá força quizesse reduzil-os, ver-se-ia abandonado dopovo Portuguez, que, antes do que soffrer tal, se dariaoutra vez a Castella. Se porem fosse o caso de accei-tarem-se taes quaes erão as condições, ou rejeitarem-

se totalmente, seria em verdade a guerra a mais perigosa alternativa, sendo como era a Hollanda comas suas duas Companhias a potência mais forle daEuropa: em quanto que a força de Portugal estavanos seus domínios ultramarinos, sem os quaes severia reduzido ao maior apuro, e uma guerra com as

Províncias Unidas lhe exporia á ruina o commercio,seu principal apoio. Podião os Hollandezes simultaneamente atacar a Bahia e o Rio de Janeiro e bloquear

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H I S T O R I A D O B R A Z I L . 293

o Tejo. A armada, que a tanto custo se apparelhara 1648

para a Bahia, lá estava a pedir soccorros com quearrostar o inimigo. Excepto a Bahia e o Rio de Janeiro estavão sem defeza contra um ataque todos osdemais logares do Brazil, e o mesmo succedia noMaranhão, o mesmo na índia. Beforços impossivelera envial-os num a epocha em que a Hespanha, jaem paz com os Estados e com a França, se apromptavapara invadir, não as fronteiras so, más também abarra, bem sabendo que quem não era senhor deLisboa, o não podia ser de Portugal. A armada doanno anterior para o Brazil não se aprestara semtirar tropas da raia, pedir contribuições aos mercadores, e conceder grandes quantias aos soldados:

impossível era repetir estes sacrifícios, e por isso,rebentando a guerra, humanamente fallando tudodevia perder-se. Todos os inconvenientes secundários

-devião desapparecer ante esta consideração, e a religião, a honra, o amor do povo, tudo estava a clamara el-rei que acceitasse os termos da paz. Os povos das

provincias cedidas poderião limitar as suas lavouraspor alguns annos, a ver se os Hollandezes, não colhendo os lucros com que contavão, reslituião asterras; e quando não teria Portugal entretanto assentado pazes com Castella, e achar-se-ia em terrenofirme quando revivesse a questão.

Eis, continuava o procurador, o lado sombrio doargum ento, mas era do outro que preponderava lodo

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294 HISTORIA DO BRAZIL.

1648. 0 devido pezo da razão. Vede o estado do Compa

nhia! Os que n'ella se havião aventurado, davão-scpor felizes com vender por vinte e oito mil cruzadosacções que havião custado cem mil. Não poderá ellaaprestar o ultimo armamento sem auxilio da outraCompanhia das índias Orientaes e dos Estados, e essearmamento estava agora subsistindo de prezas, re

curso que havia de faltar-lhe, logo que Portugaldeixasse de empregar n'esta navegação as suas míseras caravelas, tomando medidas mais sabias. Impossibilitado como eslava d e abastecer-se por terra, ver-se-iaentão o inimigo forçado a vir buscar á Europa o seusustento, recahindo sobre uma empreza empobre

cida a despeza aggravada do primitivo custo, freterdemora e risco. Não podia a Companhia fazer sahirnova expedição, pois que depois da batalha de Guararapes por força havia o próximo armamento deser maior que o ultimo, tendo a fortuna dado con- •fiança e vigor aos Pernambucanos. Na Hollanda nãohavia levantar gente para um serviço, que se tornaraimpopular, por saber-se que era mal aventurado. Japara a ultima jornada se tinha havido de mister apc-nar 2 ,500 homens,, oppondo-se alguns dos Estadosviolentamente á medida. Quando esta opposição emcasa, e procedimento tal da parte de Portugal quenão lhe permitisse abastecer-se de prezas navaes, a

tivessem reduzida á ultima extremidade, de boamente acceitaria condições a Companhia, vendo-se ir

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a pique. Chamariào porem os Estados a causa a si?

Aqui cumpria recordar como erão os Hollandezes dedicados sobre todas as couzas a operações mercantis:era a ganância o seu primeiro filo, a fama a ultimacouza que mettião em conta. Fazião-nos a guerra naíndia, em Angola, no Brazil, por que lhes ia n'isso oseu interesse: ao mesmo tempo traficavão com noscono reino, por que querião o nosso sal e outros artigos, que se elles os não levassem, leval-os-ião osInglezes, e outras nações. Supponhamos pois que noseu desespero transfere a Companhia aos Estados assuas pretenções; enf o offerecerá Portugal dinheiropor ellas, e poderá alguém duvidar de que semelhantegoverno não preferisse logo uma boa somma re

donda, que seria outro tanto lucro certo, ao risco dedisputar dominios longínquos, possuídos contravontade dos moradores, e dos quaes não havia tirarnem proveito, nem popularidade? Dado porem queelles tomão sobre si a contenda, peores do que asagora offerecidas nunca poderão ser as condições da

paz. Não quererá nem poderá guardal-as a Hollanda,que para segurança própria carece de alargar suasconquistas. Um so escravo, que da Bahia se mande,pôde, lançando fogo aos cannaviaes, deitar a perderacolheita d'um anno; quererão pois os Hollandezestão perto o inimigo? E se prevessem, que, graças á

guerra que nos fazem, effectuaria Castella a conquista de Portugal, eventualidade d'entre todas a

1 I Ü S .

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296 HISTORIA DO BRAZIL.1648. m a j s perigosa para a Hollanda, não podiào, para se

fortificarem contra semelhante contingência, deixartambém de ala rgar suas conquistas, e assim se veriao resto do Brazil dobradamente em perigo . Pobre estava agora a Companhia e ás bordas da ruína. Naspropostas condições tinha tudo quanto podia esperar,sem risco, despreza nem trabalho. 0 assucar que

devia receber, e as dividas que tinha de cobrar, afarião de repente rica e florescente : os seus engenhos se verião em plena actividade, os seus numerosos navios levariâo a todos os mercados os seus pro-:duetos, que ella venderia tanto tão mais baratos queos nossos, que ninguém viria com prar-nos o nosso

assucar. Comtudo é o assucar agora o nervo principal -do reino, a primeira fonte d'esse commercio, de quedepende a sorte de Portugal, e que o faz viver, fal-lando elle, falta a receita; não haverá mais comque pagar o exercito, e irá tudo pela água abaixo.Alem d'isto, descontentes havião de ficar os solda-,

dos, vendo restituido por um rasgo de penna quantotinhão ganho á custa do seu sangue, quebrados fica-rião seus espirites e brios, e a pobreza, a ruína, oabatimento aplanarião aos Hollandezes o caminhopara fáceis conquistas nas províncias restantes doBrazil e no Maranhão.

Mas que poderá, proseguia elle,.fazer contra nos aHollanda? Enviar uma armada ao Brazil e outra ásnossas próprias costas. Se investe a Bahia ou o Rio

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de Janeiro, não tomará estas praças, providas a 1G48-

tempo, como o podem ser, ou, se as tomar, não poderá.manlel-as. Não poderá piratear contra o nossocommercio, se nossos navios navegarem de conserva,e basta que este recurso lhe falte um anno, para quenão possa ella supportar no seguinte o pezo d'umarmamento. Nas costas do reino não poderia ella as-

senhorear-se de nenhuma praça forte, d'onde infestar os mares; as nossas frotas virião em força tal,que nada terião que recear, e se no seu desespero sepozesse a capturar navios inglezes, francezes e outros, so aggravaria com isso o próprio damno. Estáo Maranhão em verdade sem defeza, mas a restauração d'Angola não deixou aos Hollandezes negroscom que cultival-o, e a hostilidade dos moradoresnão lhes permittiria tirar proveito da conquista. Naíndia podemos, é certo, soffrer damno, evital-o-iamosporem com a paz? Não guardão os Hollandezes leis,que não sejão as do próprio interesse : como observarão alli as tregoas? Ora a paz so lhes servirá para

com mais facilidade proseguirem no mesmo systema.

Passou então o procurador a examinar òs meioscom que poderia Portugal fazer a guerra. A creaçâod'uma Companhia do Brazil era o primeiro e maisobvio; erão ricos os mercadores que trafícavão para

alli e podião entrar na empreza, em que S, M. lambem tomaria parle, não como rei, mas como accio-

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298 HISTORIA DO BRAZJL.1648. n j s l a p e j 0 v a i o r , j e 200,000 cruzados. Para proteger

o comboio, podião tomar-se navios inglezes, dosquaes não faltaria offerta : haveria n'isto especialvantagem, por que, se fossem accommettidos pelosHollandezes, havião os Inglezes de bater-se por amorde si mesmos com a costumada bravura, bem podendo isto acarretar á Hollanda desavenças com a

Ing laterra . Piratas dispersos nada podião contra umafrota comboiada, e para emprehenderem qualquercouza havião os Hollandezes de apparelhar uma esquadra : se esta não encontrava a frota, era despezaperdida; se havia encontro, ahi estava o risco da peleja. Também seria ruinosa a despeza da demora, e

mallograda uma vez, não mais se repetiria a tentativa. Esta única medida bastaria, que uma força naval, e um commercio florescente tudo faria seguro :cedido porem Pernambuco, decahiria a navegação oo trafico, e tudo ficaria em risco.

Tendo assim Vossa Magestade, continuou elle,

meios que, segundo todas as probabilidades humanas, serão sufficientes para defeza de suas conquistas, com segurança para a sua coroa, dilatação da fé,e contentamento de seus vassallos, parece que offen-deria a divina Providencia não se servindo d'elles.Pois se osreaes avós de Vossa Magestade, defendendo

a fé contra os infiéis, experimentarão sem pre o favordo ceo, e desbaratarão poderosos exercites com forças tão deseguaes, que á previdçncia Humana pare-

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 299

cia impossivel a victoria; agora que Deus se nào ha l048,

mostrado menos propicio a Vossa Magestade e a seusvassallos, dando-lhe tanto en Pernambuco como nasfronteiras admiráveis victorias, ajudando-o na maiornecessidade, e-pelos meios mais inesperados, tirandode princípios os mais miseráveis resultados os maisfelizes, grave offensa seria contra essa divina Providencia, se Vossa Magestade não tivesse viva fé e segura esperança em mais assignalados favores n'estaguerra, cujo objecto é defender o patrimônio deChristo.

A esta veia religiosa seguiu-se um argumentomundano de muito pezo. Podem os ministros deVossa Magestade rejeitar este parecei", e resolver a

paz, mas ja o povo emittiu a sua opinião. 0 reinotodo banhado em gosto celebrou com festas e rego-sijos as victorias de Pernambuco, e se se vir que osPernambucanos depois de terem, obedecendo ás ordens do governo de Vossa Magestade, arriscado vidase fazenda, e adeantado tanto a causa da sua liber

dade, não so são abandonados, mas ainda contravontade d'elles entregues a seus inimigos, poderáparecer isto um exemplo desgraçado a quem tem, i i Pinheiro.

deante dos olhos el-rei de Castella, com todo o seu çoiiecçãode' Ms. Tom. 6,

poder e seus exércitos. n°7-

Apresentou o Concelho este memorial aoxei, ài- o

k

*°£™*°i0zendo que, embora nada importasse tanto como uma 'prXre'"

-, . T» • • TT • i • i Concelho a

paz estável com as Províncias-Unidas, cumpria sal-guerra a res-1 ' l tiluição.

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300 HISTORIA DO BRAZIL.1648. v a r a religião e a honra , e com o favor de Deus, com

tempo e geito, poderião melhorar as couzas. Quantoa offerecer dinheiro ou gêneros, era isto prejuízoseguro, ao passo que de modo nenhum era certo poderem os Hollandezes reconquistar Pernambuco; ena verdade devião os Portuguezes confiar em Deus,que não permitliria semelhante reconquista sobre

quem , defendendo a sua, defendia a causa do ceo.Havia homens que dizião não comportar a fama edignidade das Provincias-Unidas, perderem ellas oque uma vez tinhão possuído : mas nenhum direitolhes assistia sobre esles domínios, e com quanta maisforça se não applicava o argumento ao rei de Portu

gal ! Concordava pois o Concelho na opinião do procurador de que antes guerra do que restituição.-Tinha o rei obrigação de sustentar causa tão jusla eo mesmo Deus a tinha de defendel-a com a sua om-

Dicto. N - 5 . nipotencia.concorda a No mesmo sentido foi o parecer da Meza da Con-

Meza da . .

consciência, sciencia. Como fundamento do seu raciocínio presumiu ella que, não tendo os Hollandezes nem fé nemlei que os ligasse, não poderia obrigal-os a palavra,pelo que conviria que a Portugal se entregassem depenhor algumas cidades. Devia considerar-se bemo numero que havia de christaos nas provincias em

•questão, e o perigo de salvação a que  ficarião expostos, e o peccado que era ceder tantas egrejas á profanação dos hereges. Sérios pontos de consideração

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502 HISTORIA DO BRAZIL.

1648. forte% Demasiado vasto era o espirito de Vieyra para

olhar exclusivamente ao Brazil, e conhecendo a fundoos negócios todos de Portugal, abrangia-lhe com largos olhos todos os domínios e relações políticas,vendo claramente o perigo a que tudo estava exposto.

As objecções religiosas contra as condições pro

postas, pol-as elle 'logo de parte com a conclusivaresposta de que podia retirar-se de Pernambuco quemquizesse, assegurando-se aos que ficassem plena tolerância : era do lado opposto que estava o caso deconsciência, ebem devia o rei pezar com escrúpulose podia retardar a cessão, achando-se compromeltida

a mesma existência de Portugal. Egual facilidadeachou elle em decidir do que devia o governo aopovo insurgido de Pernam buco. Uma parte da população apenas tomara armas contra a vontade da maioria, nem o fizera por amor da fé calholica, mas pornão poder ou não querer pagar suas dividas. Quanto

ao argumento de que para os Pernambucanos seriaimpia e cruel a cessão, aflirmou elle que o desarra-zoado fora fazer a guerra por amor d'elles. Não eraPernambuco mais do que um membro de Portugal,e a impiedade e a crueldade estaria em pôr o rei todoo corpo em risco por não cortar uma parte pequena,e essa parte tão corrupta , tão difficil de conservar-se.Para com justiça se poder julg ar das condições, cumpria comparal-as com as que a Hespanha accéitara

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H I S T O R I A D O B R A Z I L . 305

da Hollanda, e da Suécia o Império, e então ver-se-ia

quão infinitamente mais vantajosas ellas erão, postoque assentadas enlre Portugal, quasi cercado por uminimigo como Castella, e a republica mais florescente,poderosa e altiva do m undo. Também á situação doBrazil devia attender-se : fácil era dizer que os Hollandezes estavão encurralados no Recife, e que as condições propostas lhes ião dar o Brazil. As capitaniasque elles reclamavão, serião em extensão obra d'uma

décima parte d'aquelle paiz, mas em valor e culturapoderião antes da guerra computír-se por um terço ;metade estava agora assolada. Possuião os Hollandezes muitos postos fortes, sendo o do Potengi o melhorque tinhão no Brazil os Portuguezes, ese elles tomas

sem e fortificassem qualquer ponto entre o cabo deS. Agostinho e o rio de S. Francisco, verião os insurgentes cortadas as communicações com a Bahia, e asi mesmos entre dous fogos, perigo de que entre todosmais se arreceavão. Na realidade não podia nem "devia proseguir a contenda. Remover os moradores,

seria remover Pernambuco, que era de homens, nãode território que Portugal carecia. Toda a rendad'estas capitanias não chegaria a um décimo do quehavia de custar a sua defeza, e quem diria que emtal occasião valessem ellas tal preço? Não faltavãogarantias da boa fé dos Hollandezes; agora, que era

restaurada Angola, dependião elles de Portugal parase supprirem de negros; os seus cannaviaes facil-

1648.

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504 HISTOR IA DO BRA ZIL.1648 mente podião ser incendiados por alguns escravos da

Bahia, e andavão os Estados negociando um tractadode sal, que efficazmente os prenderia. Offerecião-separa pagar antecipadam ente os direitos em pelrechosbellicos pelos preços do governo; empregarião quatrocentos à quinhentos navios n'esle trafico, e todasas pessoas n'elle envolvidas serião outros tantos re

féns, e suas famílias outros tantos penhores.O conselho de comprar Pernambuco era bom, sequizessem vendel-a os Hollandezes, mas querem elles.antes, dizia Vieyra; dar credito ao nosso exemplo doque as nossas vozes. Teem elles para desejarem conservar as suas conquistas, a mesma razão que nóstemos para querer rehavel-as; a sua fama tambémestá em jogo, tanto ou mais que a nossa; e quandofalíamos em offerecer um preço pagavel por prestaçõesem seis annos, convém lembrar que talvez elles contem ver Portugal no fim do primeiro prazo em estadotal, que nenhum pagamento mais haja que esperarde nós. Somos nós que vendemos Pernambuco; ven-

demol-a por interesses de maior magnitude, e havemos de reclamal-a quando nos favorecer a fortuna;tudo quanto agora se diz contra o procedimento dosHollandezes, será bom em seu devido tempo, e embronze cum pre escrever as offensas que a"elles temos,até que chegue esse momento. Mas agora acha-se o

Brazil á mercê d'elles. Poderíamos talvez aprestarum armamento: a Hollanda pode perder muitos. A

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 305

Companhia das índias Occidentaes talvez esteja po- 1648

bre: a das índias Orientaes é rica,e lirar-nos-á quantotemos no Oriente. Na Acclamação todo o mundo duvidou do nosso triumpho, mas na insurreição dePernambuco ninguém deixou de ter por certa anossa ruina, e por isso não haverá potência na Europa que com nosco queira alliar-se. Castella preferefazer com a Hollanda uma paz deshonrosa a ver-se

ao mesmo empo em guerra com ella e com a França .A França quer antes soffrer insultos da H ollanda,do que guerreal-a simultaneamente a ella e á Hespanha ; e nós, que jamais medimos as próprias forças,queremos fazer-lhes a guerra a ambas! A França, omais rico, o mais poderoso, o mais compacto, o me

nos exposto paiz da Europa ... Portugal, o mais pobre,o mais fraco, o mais dividido, o mais exposto! Semduvida nenhuma a Hespanha e a Hollanda, houvessem se ellas mantido unidas, terião subjugado omundo, e nós pensamos em resistir-lhes a ambas!Onde estão os noss.os soldados? Uma so vez se não dá

rebate no Alentejo, que não seja precizo tirar estudantes da universidade, mercadores do seu balcão,lavradores do seu arado! Onde o nosso dinheiro? Asdespezas e perdas ja incorridas subem a cinco milhões!Sessenta navios nos tomarão esteanno. O ultimo armamento podia ter-nos desenganado; para levantar

marinheiros, tivemos de esperar pela frota do Rio deJaneiro; para levantar tropas, tiramol-as das fron-

i" . 20

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303 HISTORIA DO BRAZIL.

1648. Guardemos todos os nossos recursos para a lucta comCastella, para a qual assaz necessidade temos do favorde Deus, e até dos milagres que da sua misericórdiaaguardemos. » Resumindo a final, recommendouVieyra que se não se podessem modificar as condições propostas, se acceitassem taes quaes erão. A cláusula que tangia aos judeos podia ir em artigo secreto, e facilmente se arranjaria o negocio; porquanto se nenhum subdito da Hollanda existisse noscárceres da Inquisição, estava concluída a questão,e se os houvesse, poderião ser julgados em continente,antes de qualquer discussão. Aconselhou que se mandasse dinheiro bastante ao embaixador na Haya, que

era o dinheiro o meio mais fácil e barato de vencertodas as difficuldades, e na Hollanda tudo era venal;e para se indemnizarem da perda de Pernambuco,podião os Hollandezes, ecom grande vantagem, tomaro Prata. D'esta fôrma se poderia deixar a guerra coma Hollanda para occasião mais opportuna, em que se

retomaria quanto agora se lhe cedia e quanto ellahouvesse tomado em todas as suas conquistas; masera para outra guerra e não para esta que Deus reser-

0 Papel , . . ,

Forte. Ms. vava a el-rei o império do mundo.

i'stabeiece-se Q u a n t o m a i s s e discutia o assumpto, maior era

"í^nhíT" a perplexidade do rei : não podia nem resolver-se a' sug/estío" sacrificar os seus sentimentos, sujeitando-se á exigidade Vieyra. .

cessão, nem por outro lado ousava provocar um perigo a que via claramente* todo o alcance. Incapaz

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310 HISTORIA DO BRAZIL.1648\ o ponto. Jamais paiz algum havia nos seus mais

vitaes interesses tanto soffrido do seu espirito de intolerância, como Portugal n'esta epocha. Vieyra, quecom raro talento e sublime eloqüência tinha exposto:as practicas atrozes da Inquisição, comprehendiabem todo o mal político, e toda a iniqüidade moral

'd'este tribunal neíando. A exempçãq que elle requeria, e sem a qual impossivel era que se organizassem estas Companhias, era por causa dos christaosnovos, denominação em que provavelmente a maiorparte dos mercadores portuguezes estavão sujeitos aver-se encabeçados, pois de facto não havia quem

vieyra.ser- fosse seguro. Sobresallou-se o Saneio Officio; a mis-moes. T. 12. • O 'S

^Roaue.e

tura, não de pessoas suspeitas, mas, como elle dizia,de dinheiros suspeitos, foi estigmatizada como umaabominação ; nem foi senão depois de terem as perdas de oito annos suecessivos quasi que arruinado ocommercio de Portugal e posto o governo á merçèdos seus inimigos, que pôde vencer-se este obstá

culo. Mesmo então so se adoplou metade doprojeclo,,essa porem referia-se ao que mais importava, emaisperto estava : creou-se uma Companhia do Brazil.Desde tanto tem po e com tanta obstinação se disputava este paiz, que so a contenda fez com que osPortuguezes lhe sentissem o valor, e da sua posse secnsoberbecessem : e o rei, compartindo eguaes sen-

itoefia.Pitta. limentos, deu a seu filho mais velho, Theodosio, o&81- titulo de príncipe do Brazil.

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1 6 4 9 .

Segunda

HISTORIA DO BRAZIL. 311

Em quanto se estava formando a nova Companhia,

tentarão os Hollandezes de novo recuperar a sua su- ^ a

h

r » ^perioridade no campo contra a opinião de Schoppe,que foi vencida por maioria no concelho de guerra,talvez desvairado pelo dizer de dous desertores italianos, que exageravão a falta de gente e muniçõesno acampamento, representando o exercito comoamotinado por falta de soldo.-Brink, que estava como commando no impedimento de Schoppe, aindainvalido em conseqüência da ferida recebida, aug-mentou a sua força com tirar gente dos navios, armando de partazanas e hallabardas alguns dos seussoldados mais robustos, que adextrara no manejod'estas armas para contrabalançar a vantagem que

aos Portuguezes dava o bem que se servião da espada. D'estes preparativos se teve noticia no acampamento, pelo que chamarão os chefes suas tropas aquartéis, não omittindo elles mesmos essas praclicasreligiosas que aos Hollandezes exprobravão comosupersticiosas e diabólicas. Expoz-se o sacramento

nas egrejas, e exhorlárão-se os soldados á confissãoe communhão antes da esperada batalha. Sahindocom a maior força que pôde junclar, avaliada pelosPoríuguezes em cinco mil homens1, foi Brink tomarposição nas Guararapes, campo ainda coberto dosossos dos seus patrícios. Aqui o investirão os Portu-

1 Segundo o calculo de Netscher compunha-se o exercito hollandezde írcs mil quinhentos e dez homens . F. P.

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HISTORIA DO BRAZIL. 513occorrem freqüentes nos annaes d'esta guerra. Feri- 1C49'

dos sahirão Henrique Dias com mais de duzentos. Adisparidade da perda pôde ter-se exagerado, mas foipor sem duvida mui grande, pois que os Portuguezes aproveitavão a victoria com insaciável sede devingança, sendo mais felizes os Hollandezes que sefingião mortos, do que os que pedião misericórdia.Ainda por muitos dias depois batião os índios e os

negros as matas, passando á espada os extraviadosque encontravão. Como a sua imporlancia merecia,foi celebrada a victoria 1: o vigário geral, que andava no exercito, mandou no domingo em todas asegrejas da sua jurisdicção fazer preces publicas como sacramento exposto, e as ordens religiosas porfiá-

rão em sermões e procissões umas com as outras.Pedirão os Hollandezes licença para enterrar os seusmortos, e acharão os cadáveres mutilados e despidos,mas d'està vida se não carecia para exasperar o ódioinveterado com que de parle a parte se fazia a Mceyra.712.guerra. 9, §58-84.

Poucos dias antes d'esta batalha fez a Companhia Envia acom-1 T> • 1 1 • • 1 • p a n h i a a s u a

do Brazil sahir a sua primeira frota, com todo o êxito prjmeira1 ' frota.

feliz que de tal medida se esperava. Nada poderão

1 A narração que Nieuhoff faz das bata lhas das Gu ararapes é absolutamente inexplicável : relata apenas uma acção que pela data deviafer a prim eira, e comtudo refere-se a outra anterior, de que emparte nenl uma fez menção. Talvez omitisse alguma couza o traduetor,

em quem lenho de:,*>nfiar, por não poder haver o original.

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HISTORIA DO BRAZIL. 515Tomada assim a grande m edida de crear uma Com- 1049-

i • i • Fraquezapannia, recaiuu o governo portuguez na sua carac- bambas

. . i - i . a s parciali-tenstica apathia ; abandonados a si mesmos os Per- í,íjt1es.1

r ' n o Brazil.

nambucanos, proseguirão na guerra com essa infa-tigavel perseverança, que nada podia subjugar, eque por tanto lambem por força havia de a finalvencer todos os obstáculos. Demasiado fraco para

tentar grandes couzas, foi o esforço mais audaz deSchoppe uma expedição emprehendida cm fins doseguinte anno de 1650 ao rio de S. Francisco; d'alli 1C5J

tiravão,as tropas portuguezes a maior parte da suasubsistência, e apenas souberão que vinha sobre ellesCardozo com quinhentos homens, relirárão-se os

Hollandezes sem lerem conseguido o seu fim. Dousannos mais se gastarão ainda no mesmo guerrearvagoroso, porem incessante. Tornarão os Portuguezes 1652.a talar as plantações no Potengi, queimando grandeporção de pau brazil, que alli se eslava junetando.Vendo-se agora tão aleijado por mar como por terra,

sahiu Schoppe a reconhecer os postos entrincheirados do acam pamento, soffreu porem perda bastantepara não melter-se em ou tra. Mais feliz do que a p ri meira não foi segunda expedição ao S. Francisco : ossupprimentos que os seus cruzadores costumavãotrazer-lhes, faltavão agora aos Hollandezes, e a siiaúnica esperança era que da Hollanda se  fizesse algumesforço para restabelecer essa superioridade naval,sem a qual impossivel era manter o Recife.

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316 HISTORIA DO BRAZIL.

1652. Fruslrárão-se estas esperanças pela habilidade dos

negociações, diplomatas portuguezes, e pelo correr dos acontecimentos políticos na Europa. Francisco de Souza Con-linho continuou a servir de embaixador na Haya,apezar de mostrar-lhe alli o governo, vendo-lhe bema duplicidade, o mais pronunciado desagrado, ede sertão grande o resentimenlo popular contra elle, que

os Zeelandezes publicamente declararão que haviãode atiral-o ao mar, se o podessem pilhar na viagempara o reino . A final, apoz toda essa discussão do gabinete portuguez, que terminou por deixar-se ficaro negocio como eslava, pedirão os Estados ao ministro de Portugal que se retirasse, dizendo, que porIodos os meios tinhão procurado fazer guardar o tractado de 1641, mas tão repelidas vezes illudidos, havião* resolvido fazer-se justiça á força de armas.D'um homem d'aquella tempera não era tão fácildescartar-se : par tir ia , respondeu elle, apenas recebesse inslrucções da sua corte, mas quanto a quebrade tractado, ninguém tanto como os mesmos Estados

o havia infringido, nem as presentes queixas tinhãooulro fim, senão servir de pretexto a novas injustiças.Em seguida fez cavallo de batalha das differentes in-fracções commettidas por parte dos Estados, e concluiu, dizendo que todos os pretendidos aggravosd'ellés se reduzião a não lhes ter o rei submeltido

os insurgentes de Pernambuco, couza que não eratão fácil de fazer-se, pois que pom todos os seus es-

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H I S T O R I A DO B B A Z I L . 31 7

forços o não havião elles,mesmos conseguido. D'ahi

a pouco porem, como declarasse elle aos Estados,estar outro ministro ja nomeado para substituil-o,pedirão-lhe estes que obtivesse novas credenciaes,dizendo que circumstancias se havião dado, que exi-giâo conferências sobre matérias de grande importância. Ao saber d'isto ordenou o governo portuguez

ao seu novo ministro, que apressasse a sahida, esperando que quem não era pessoalmente malquislodos Estados, poderia com mais vantagem negociarcom elles. Veio porem a morte embargar a partidado successor, e Francisco de Souza continuou porconseguinte na sua missão. Singularmente feliz foiesta demora. Empregarão os ministros hollandezesum Francez, para subornar outro, que era secretariodo embaixador, e fora esta provavelmente a razão deja não quererem elles mudança immediata. Escutouo secretario a proposta, e encarregou-se de por meiode chavôs falsas apoderar-se dos despachos d'el-rei,para que o governo hollandez podesse inteirar-se do

conteúdo. Feita a promessa, deu a seu amo conto doque se passara, e este, achando-se provido de assi-gnaturas reaes em branco, immediatamente encheualgumas folhas com as instrucções que melhoreslhes parecerão para illudir os Estados. Tinhão estesresolvido acudir á Companhia das índias Occidentaes

com 200,000 florins para specorrer o Recife, havendo ja expedido ordens para apromplar doze navios

1652.

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318 HISTOBIA DO BRAZIL.

1652. e 2,800 homens com o mçsmo destino, e uma esquadra de vinte e cinco velas contra Portugal; tãosagazmente soube porem o ardiloso Portuguez voltaras artes dos Hollandezes contra elles mesmos, quese sustarão os preparativos, demorando-se os soccorros tão necessários á conservação das conquistas no Brazil, até que couzas occorrérão, que não

Erice r permiltirão mais para aquelle fim dispor d'estas7 0

C0 - S 9 ? ' f o r ç a s >

A Hollanda Não tardou a chegar Antônio de Souza de Macedoenvolvida em °

a8?ngíaterw. P a r a render-o. embaixador. Entenderão os Estadosdever mostrar o seu desagrado, deixando-o o passar

alguns dias á espera de audiência, e elle que nadadesejava tanto como procrastinar, esperou com paciência. Quando a final lh'a concederão, representou elle como as medidas violentas tomadas no Brazilpor parte da Hollanda, havião tornado agora impossivel a restituição, ja antes difficil. Insistiu na suarazão e despeza de manter os poucos postos que osEstados ainda alli possuião, e propoz uma indem-nização pecuniária como o melhor e único meio desolução. So lhe responderão com ameaças, ao queelle tornou, que se o impossivel so podia conlental-os, claro era serem as armas o único recurso. Ja aprocrastinação tinha sido levada ao ultimo extremo,

achando-se findo lodo o prazo de dez annos do tractado ; deixou o embaixador a Hollanda e sem necessidade de declaração de hostilidades, achavão-se as

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H IS T O R I A DO B R A Z IL . 31 9

duas partes cm guerra , por haverem expirado as tre

goas. A nenhuma d'ellas convinha porem este partido : os mercadores hollandezes propozerão ao embaixador comprar licenças para traficarem com Portugal, como mesmo no reinado dos Philippes sehavia practicado a respeito do negocio do sal, e, independentemente d'esta formalidade, deixou o go

verno portuguez seguir o commercio o seu cursoregular, de modo que se achavão as duas nações empaz na Europa, onde a ambas convinha a paz, e emguerra onde quer que qualquer das potências se sentia assaz forte para operações offensivas. Talvez osHollandezes tivessem largado rédeas a espirito mais

vingativo, se quando Portugal por um acto, que lhefaz a maior honra, se expoz a uma guerra com arepublica ingleza, recusando entregar o príncipeRuperto, não houvesse Cromwell olhado este proceder com a sua habitual magnanimidade, e dandofáceis ouvidos a uma proposta accommodação, declarado a guerra á Hollanda. Este successo veio livrarFortugal d'um perigo, sob o qual bem podia haverbaqueado o throno dos Braganças. Atacados por tãoformidável inimigo nos seus próprios mares, deixarão os Hollandezes que a Companhia das índias Occi-dentaes acudisse ao Brazil como podesse; exhaustostinha esta porem os meios, e ja a sua força naval

no Recife cabia aos pedaços por falta de soccorros daEuropa. Tentou Schoppe ainda interceptar na altura

1652.

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320 HISTORIA DO BRAZIL.

1652. do Cabo de S. Agostinho a frola, que em 1 652 vol

tava ao reino, m as sendo batido com perda conside-pinheiro. ravel, veio a entrada do comboio a salvamento pela

de Ms. T . 2, barra de Lisboa dar brilhante prova da quanto forãoEriceyra.7-8. s a ] j i o s o s conselhos de Vieyra.

Resolvem N'este estado de fraqueza e embaraço de ambas asos mestres de , . . _ . , ,

campo partes podia por tempo indefinido haver-se prolra-solicitar o r r i i tr

af r o t a ° d a

ah i d o

a lucla, se não se tivessem excogitado meios deCoTraa°iTd° pôr-lhe termo sem comprometter mais do que ja se

achava o Governo portuguez. Tinha a experiência demuitos annos desenganado João Fernandes, de queem quanto o m a r estivesse aberto não haveria forças

de terra, que podessem reduzir o Recife. Sabia também que nenhuma esperança havia dè obler de Portugal socorros directos, mas a armada da Companhiapodia talvez deixar-se induzir a interromper por umcurto prazo os seus negócios para ajudar a completar esta grande e ja tão protrahida obra. AbraçouBarreto a idéia e sob pretexto d'uma romaria, reuniuos mestres de campo (a cuja classe havia sido elevadoFrancisco de Figueiroa) na capella de S. Gonçalojlogar escolhido pelo solitário que era, a sete legoasdo Recife, e a alguma distancia de Nazareth. Despedidos os ajudantes, celebrou-se o concelho na capella, declarando Barreto te r designado aquelle logar

na inteira fé de que o sancto portuguez, em cuja casaestavão, os favoreceria com seu milagroso auxilio.Figueiroa, a quem se não tinha communicado o

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 521

plano , so lh e vião as obvias diff iculdades, que repre- ,652-

sentou como insuperáveis . Bem disc ip l inado, d isse ,es tava o in imigo e bem provido; perfe i tamente en

t r inche i r ado e em numero mu i sufficiente para a

defeza : da parte dos si t iantes porem faltava arti lha

r ia , faltavão engenhe i ros , mate r iaes , so ldados e d i

nheiro . Vidal , como era de esperar , concordou com

Fernandes , eBarreto l imitou as suas objecçõesá faliade mate r ia l . Pergun tou- lhe João Fernandes se e ra

este o único inconveniente que receava, e como fosse

affirmativa a respo sta, rep lic ou immedratamenle q u e, . Cast. L u s .

esse encargo sobre si o tom ava . 10, § 6.10.

E m principios de ou tub ro sahiu de Lisboa a ar- Operacoes

mada a n n u a l , com Pedro Jaques de Magalhães por co™ omaadas

i i • n • T-i i • i armada da

genera l e por a lmiran te Br i to rreire , conhecido companhia.

então por soldado valente e hábil m a r i n h e i r o , e l e m

brado hoje por h is tor iador f ie l . Expediu-se ordem a

Barre to para que nos por tos de Pe rnam buc o se m an t i

vessem prom ptos os navios a enco rpora r-se á arm ad a

ao per pas sar esta de viagem pa ra a Ba hia, dev end o

ao mesmo tempo entrar a par te do comboio dest inada

para os mesmos por tos . A 7 de dezembro recebeu-se

este avizo, e no dia 20 appareceu o comboio á vista

do Recife . Algu ma s f ragatas hol lan deza s , qu e tentarã o

inquie ta l-o , forão repel l idas com perda, e Barre to1 Pedro Jacques de Magalhães, primeiro visconde de Fente Arcada,

era almirante d'esta frota, e vice-almirante Francisco de Brito Freire,auctor da Nova-Lusitania, ou historia da Guerra Brazilica. F. V.

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322 H IS T O R I A DO B R A Z IL .

1652. mandou um bote ao mar como que com mensagem

congratulatorio, em resposta ao que desembarcarãono Rio Doce tanto Pedro Jaques como Brito Freire.Ha razões para desconfiar de ter sido antecipadamente concertada esta medida. Requererão os mestresde campo que a armada bloqueasse o porto, excluindoos soccorros, em quanto elles completado a longa e

árdua empreza da restauração de Pernambuco; seisto porem se lhes recusasse, pedião aos seus conterrâneos que pelo menos fossem espectadores d'uma

ultima e desesperada tentativa, para que, se ellafalhasse, e tivessem os patriotas de perecer assaltandoos muros do inimigo, não succumbissem sem testi-

munhas que ao mundo proclamassem o seu heroísmoe não merecido fado. Representou Pedro Jaques quetinha as mãos aladas; que as instrucções que d'el-

rei trazia, o não auctorizavão a commetter o menoracto de hostilidade, nem as que da Companhia recebera a desviar do seu destino a armada; que jurarapreservar por todos os meios aquella frota, levando-acom a maior brevidade a seu porlo; e que, se fosseenvolver o seu paiz numa guerra com a Hollanda,com a cabeça podia pagar o delicto. Replicou JoãoFernandes que se Sua Excellencia não quizesse acec-der a tão justo pedido, havia Deus de tomar-lhe contasdo numero de almas que deixava expostas a preva

ricarem na fé; n'um caso d'estes não se lhe admittiriao receio de perder a cabeça como razão sufficiente

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HISTORIA DO BRAZIL. 323

para recusar o seu auxilio, valendo uma so alma mais 1652

do que muitos milhares de vidas. Dizem que PedroJaques cedera a este argumento, confessando elle eBrito Freire que uma força interna e irresistível osarrastava. No dia de Natal se celebrou em Olinda um ioC,as§'iL"-i3.

, , , s. . . D. Franc.

concelho, em que se assentou definitivamente no ManoeiEpa-.naphoras.

plano de operações. p-601-Por demais fraca para arrostar o inimigo, resol- o Recife

i , , , , -, , bloqueado

vera a armada hollandeza seguil-o de perto a ver se por mar.

apanhava algum navio desgarrado do comboio, maspercebendo o intento dos Portuguezes, fez-se ao marem quanto pôde. O seu desapparecimento poz em.

liberdade os barcos mercantes, que nos portos deSerinhaem, Rio Formoso, Tamandaré e Camaragibeestavão carregados para Portugal, entrando todos noporto de Nazareth, onde Barreto os empregou notransporte dos materiaes reunidos para o cerco, ed'algumas tropas que desejava chegassem frescas.Dirigirão-se proclamações em differentes linguasaos soldados que andavão ao serviço dos Hollandezes,convidando-os a desertar e ameaçando-os com a vingança d'um inimigo victorioso e desesperado, se nãoabandonavão uma causa perdida. Para ostentação deforça, todo o dia se empregavão os escaleres da armada em levar para terra tropas que de noute tor-

navão a embarcar, para se repetir no dia seguinte omesmo artificio; a final porem desembarcou ás ordens de Brito Freire toda a gente que se pôde dispen-

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324 HISTO RIA DO BRA ZIL.

1652. s a r a bordo . Os nav ios mercan tes mais somenos fo rão

enviados com combo io suff ic iente pa ra os po r tos doSul, a que se destir iavão, f icando retidos os maiores,

que e rão d ' a lg um a fo rça , pa ra a juda rem ao b loque io ,

ex tendendo - se uma l inha através do por to . Dia e

nou te r emavão gua rda a s embarcações miúdas , e

guarnec idas ambas as p ra ias de companhias de in fan

ta r ia , nem por mar nem por te r ra pod ia chegar aoss i t iados o menor soccorro . Na noute do dia 26 reco

nheceu João Fernandes com dous engenhe i ros e uns

pou cos de ho m en s escolhido s todas as ob ras da cidade,

acercando-se tanto, que por vezes t iverão de deitar-se

por te r ra , em quan to as ba las lhes zun ião por c ima .

cerco De três mil e qu inhen tos homens , mi l dos quaese tomada do ,

Recife, e m p re g a d o s em guarnecer o aca m pam en to , O l inda e

alg un s for tes adjacen tes , se co m p u n h a a força s i tiante .

Dir ig iu e l la o pr imeiro a taque contra o for te das

Sal inas , que dominava a passagem do r io , e d 'onde

ficavão a t iro de peça a cidade e a barra. João Fer

n a n d e s , q u e commandou o assal to , animou a sua

gen te , p ro m et te nd o um a missa d is t inc ta pe la a lma

de cada homem que cahisse , a lem das que e l le ins t i

tuirá para quan tos morressem na guer ra co l lec t iva-

m e n t e , e de joelhos fez rezarem todos um Padre

Nosso e u m a Ave Maria, antes de se porem em mar

cha pe la escur idão . Com ar te consummada foi dirig ida a empreza e ao romper d'alva recebeu a guar

nição es tupefacta os bo ns d ias d ' um a bater ia de

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HISTORIA-DO B R A Z I L . 3 2 5

quatro peças de vinte e quatro, ao alcance de tiro de

pistola. Foi isto a 15 de janeiro , dia de saneio Amaro,discípulo deBenediclo, e a quem se altribue especialvirtude para curar ossos quebrados, aprazendo-se osPortuguezes em acreditar que o sancto não teriamenos poder nem menos vontade de partir os doshereges, do que.de endireitar os dos seus devotos.

No correr da noute seguinte rendeu-se o forte, continuando os vencedores a fazer fogo na esperança deapanharem algum reforço que viesse do Recife, masfoi baldado o artificio.

Vendo agora bem o seu perigo, mandou Schoppeabandonar a Rarreta e o Ruraco de Sancliago, para

concentrar na defeza da cidade as guarnições, a quemordenou que destruíssem as obras, mas Camarão omoço moveu-se com tanta rapidez, que tomou o primeiro forte antes de damnificado. Era mais solidoo forte Aliena, e podia receber soccorros pelo rio . Degrande prestimo foi nas operações contra esta praçaum engenheiro francez, que com muita da sua gentedesertara para o lado vencedor; também HenriqueDias muito se assignalou, sendo tal o terror que in-cutião os seus desalmados negros, que amotinadaobrigou a guarnição os seus officiaes a renderem-se.Duzentos e quarenta homens cahirão aqui prizioneiros e entre elles o chefe dos engenheiros. D'estc

ponto se abriu uma bateria contra Cinco Pontas. 0forte dos Afogados foi abandonado aos sitiantes, que

1652.

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526 HISTORIA DO BRAZIL.

1652. levarão de assalto um reducto novo, façanha em queperdeu a vida João Barboza Pinto, que muitas vezesse distinguira n'esta longa contenda. De tanla importância era este posto, que Schoppe sahiu da cidade arecobral-o, recolhendo-se porem sem sequer havertentado a empreza.

Começavão ja os moradores a clamar por uma capitulação, com especialidade os judeos, bem certosde que, se não se capitulava, nenhuma misericórdiase lhes faria. Receava também o povo que a guarnição se amotinasse, como fizera em Altena, saqueassea cidade, e depois se rendesse. Contra a geral desa-nimação e clamores de todos, de nada podião valer

os esforços do commandante; viu elle as tropas egual-menle desacoroçoadas, percebendo bem que homensque evidentemente temião um assalto, difficilmentelhe resislirião com feliz resujtado. Cedendo pois ánecessidade abriu uma conferência no dia 23. Deboa mente terião os Hollandezes remettido tudo para

as negociações pendentes na Europa, mas os Portuguezes, que tinhão a espada na mão, não quizerão'tractar senão com referencia aos fins immediatos daguerra pernambucana, e depressa se ajustão lermos,quando a uma das partes so resta a alternativa' desubmetter-se. 0 arligo primeiro estipulou em cu

riosa phrase que todos os actos de hostilidade com-mettidos pelos subditos das Províncias Unidas e pelaCompanhia das índias oceidentaes contra os Portu-

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328 HISTORIA DO BRAZIL.

1652. teria l, excepto as peças de ferro que fossem neces

sárias para defeza dos transportes, e outras vinte debronze de calibre 4 a 18 para o navio em que o general embarcasse. A amnistia ampliou-se a todos osíndios ao serviço dos Hollandezes, incluindo-se nominalmente um certo Antônio Mendes, que devia terculpas especiaes. Também se comprehendérão os

mulatos, negros e m amelucos, mas estes não havião,como os Hollandezes, de sahir da praça com honrasmilitares. Assignadas estas condições, entrou JoãoFernandes na cidade, e recebeu as chaves dos armazéns, fortes, etc, setenta e Ires em numero, queentregou a Barreto; e bem , diz o seu historiador, se

pôde dizer que das mãos de João Fernandes Vieirarecebeu Francisco Barreto aquella cidade, e a coroade Porlugal o seu império do Brazil'

1 Schoppe foi mettido em processo por ter entregado o Recife. Ac-cusárão-no de que tend o deixado aos Portu gue zes quasi duzentas peçasde bronze, sendo cento e cincoenta peças e meias peças de bateria, e

Irezentas a quatrocentas dietas de ferro, avaliado tudo n'um milhãode rizdallers, havião os empregados civis e militares da Companhjíjestipulado que toda a sua propriedade particular ficaria salva, e n'essa

conformidade vendido tudo, recebendo em vez de dinheiro pau brazil,artigo de que havia alguns annos nada se remettia á Companhia, vindoagora grande abundância por conta d'estes indivíduos. N'uma palavraaffirmou-se que o Recife fora comprado e vendido. Grande foi o clamo r contra o ge ne ral, p or qu anto muitas m il viuvas e orphãos tinhão*embarcado o seu dinheiro na Companhia, e hospitaes havia tambémcujos fundos n'ella estavão empregados. Defendeu-se Schoppe, alie—gando que as suas inslrucções o sujeitavão ás auetoridades civis, e quapor ordem d'ellas procedera. Decidiu pois o concelho de guerra, que

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530 HISTORIA DO BRAZIL.

1652. Yr. João da Resurreição, benedictino, que serviradurante toda a guerra, embarcou n'um navio maispequeno, e sahiu do Recife, seguindo-lhe a esteira.Tomarão ambos differentes rumos, mas alcançarãoa barra de Lisboa na mesma tarde. Vidal deu fundono rio, não tencionando saltar em terra, senãoquando podesse seguir direito ao paço; o frade

conheceu-lhe o navio, e passou avante, pensandoque elle teria desembarcado, e que se eneontrariãoambos na corte, mas não-o achando alli, entendeuque não lhe assentava bem differir a communicação

E8™woa' de tão importante successo. Foi isto na noute do diaManoeraEpã- de S. José, quando devia celebrar se o natalicio do

naphoras. • 1 • 1 o i616. rei, que dizem recebera a nova como um íavor doC a s t . L u s .

io, §19-48. sancto.

Morte de Felizmente effectuada estava a restauração de Per-D. João IV. , . . . ,

nambuco, mas indecizos continuavao ainda os pontoslitigiosos entre os dous gabinetes, nem Portugal ob

teve esta vantagem sem pezada compensação de humilhação e perdas. Por mais irritados que o ficassemos Hollandezes, não podião tirar na Europa imme-diatà vingança, pois que foi pouco mais ou menospor este tempo que soffrérão dos Inglezes essa grandederrota em que pereceu Tromp, e que os reduziu á

necessidade de sujeitarem-se ás condições queCrom-well quiz impor-lhes. Seguirão porem no oriente ocurso de suas victorias, logrando, como previraVieyra, expulsar os Portuguezes de Ceylão, a sua

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Ericeyra.P. 885.

H I S T O B I A DO B R A Z IL . 331

mais rendosa e defensável possessão na índia. Pelo 1C52

que tocava a lucros, valia esta acquisição muito emuito mais do que as províncias brazileiras, e ogoverno hollandez, consolando-se com isto, e embaraçado pelas disputas com a Inglaterra, que mais deperto o interessavão, absteve-se por em quanto deinsistir na exigência de restituição. Ainda na Haya

residia um agente portuguez, continuando as duasnações a sua contenda na índia e as suas relaçõesna Europa. Assim se achavão as couzas quandoD. João IV morreu em fins do anno de 1656. Falle-ceu n'uma edade em que podia esperar ainda muitosannos de \ ida , e n'uma epocha em que Portugalmal podia supportar esta perda, assaz velho porempara ter sobrevivido a seu filho D. Theodosio, man-cebo que por suas felizes disposições, bem comopelo patrocínio que dava a quanto é digno depor um príncipe ser protegido, e não menos também por sua prematura morte, pôde comparar-secom o príncipe Henrique de Inglaterra. A rainha,

mulher de espíritos e coragem varonis, ficou regendo o reino durante a minoridade de seu filhoD. Affonso VI.

No gabinete secreto d'el-rei se achou um papelassignado de seu próprio punho com três cruzes, eno qual elle manifestava o desejo de que, se Portu

gal não podesse continuar a sustentar a porfiadalucta com Castella, se retirasse sua viuva com seus

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33 2 H I S T O R I A DO B B A Z 1 L .

*052- filhos para o Brazil. Tão provável parecia chegarafamília real aver-se reduzida a esta medida* que porconselhos dos condes de Castanhede e Soure, foi BritoFreire despachado para Pernambuco, ostensivamentecomo governador, mas na realidade, para disporáscouzas n'este sentido, e de conformidade com as ultimas disposições d'el-rei se ordenou a Vieyra, que

então se achava no Maranhão, que fosse ter com ogovernador para ajudal-o com os seus conselhos. Arazão de preferir-se Pernambuco á Bahia parece tersido a maior fortaleza do Recife, capaz de resistir aquaesquer forças que a Hespanha podesse mandar

canas em perseguição dos reaes fugitivos, lmminente era

2,P.4i6. e m v e r ( j a ( j e 0 perigo. Mais do que nunca esperavão"agora os Hespanhoes esmagar o que chamavão a re-liellião de Portugal, e os Hollandezes, a quem a pazlivrara ja da formidável inimizade de Cromwell, re-novavão suas exigências contra um paiz desvalidò,preparando-se para apoial-as com a força. Era po

rem então da política da França evitar a ruina dePortugal e Luis XIV offercceu-se por medianeiro,sendo acceito por ambas as partes. Nomeou-se poisum embaixador portuguez para negociar debaixod'esles auspícios, mas os Hollandezes, que duranteuma recente disputa com a França havião feito al

guns preparativos navaes, tendo disponível esta força;entenderão que o melhor meio de accelerar o negocio seria mandal-a ao.Tejo. Saliiu pois a armada ás

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H IS T O B IA DO B R A Z I L . 333

ordens do almirante Wassenaar, levando por com- 1652-missarios Tenhoven e De Wit, e a Ruyter, que entãose achava no Mediterrâneo, se ordenou, que viessereunir-se a ella nas costas de'Portugal e assum ir ocommando. As instrucções erão capturar, sendo possível, a frota do Brazil, fazer as prezas que appare-cessem, como meio de appressar as negociações, edeclarar guerra no caso de não serem acceitas as con

dições.Como de amigos deu a armada fundo fora da bar ra , Mandão os

Hollandezes

e como a amigos, lhe mandou o governo portuguez umao ™ ™

i a

refrescos. Em quanto aguardavão a chegada de Ruy-a ^'es0.0"ter vierão a terra os commissarios, que forão recebidos pela rainha em concelho, apresenlando-lhe ellesum memorial em latim. Principiava por condoi-mentos pela morte del-rei seu consorte, passava adesejar Iodas as prosperidades a el-rei seu filho, eencetava depois o objeclo da disputa; exigia-se resposta dentro do prazo de quinze dias, e isto, dizia,em linguagem que podei .a ter provocado alguns

actos de resentimento, se a presença e prudência darainha não houvesse refreado os seus conselheiros.Recebeu ella cortezmente com a própria mão o me--morial e outro papel que continha estas exigências :restituição de todo o território entre o rio S. Francisco e o Ceará inclusive, de toda a artilharia e ma

teriaes tomados nos differentes fortes, e de toda apropriedade particular que havia pertencido aos Hol-

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334 H I S T O R I A DO B R A Z I L .1652- landezes n'aquellas províncias; entrega de mil bois

de jugo, mil vaccas, trezentos cavallos, e seiscentasovelhas annualmente á Companhia durante seis annos; pagamento de 6 00 ,000 florins á mesma Companhia no prazo de seis mezes, e de 13,000 caixas deassucar na de treze annos. As dividas serião pagasreciprocamente, e os Portuguezes que quizessem

retirar-se das capitanias cedidas poderião vendera sua propriedade, mas não removel-a. A ilha deS. Thomé seria restituida aos Hollandezes com Angola, e tudo quanto se lhes havia tomado n'aquellacosta.

Perguntou-se aos commissarios, se trazião poderes para modificar estas condições, pois que aliasseria inútil discutil-as com elles, ao que responderãoque vinhão auctorizados a fazer o que fosse de justiça. Nomeárão-se então pessoas que com elles con-ferenciassem. Observarão os Portuguezes que muiextranho era negociarem os Estados d'esta fôrma depois de terem acceitado a mediação da França, cujoembaixador o ministro portuguez fora procurar naHaya. Replicou-se que aquelle passo não excluía amediação da França, que podia ser representada peloseu embaixador em Lisboa. Disse-se enlão que era arestituição de Pernambuco contraria á religião dosPortuguezes, impossivel, attenta a Índole tanto dos

Pernambucanos, como do povo de Portugal, e op-posta ás leis do reino, que prohibião toda a aliena-

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 335

çâo d'esta natureza durante a minoridade do sobe- ,652

rano. Os Hollandezes allegárâo exemplo de cessões de

território feitas por príncipes catholicos a potênciasprotestantes. Respondeu-se que n''estes casos os paizescedidos havião sido estados limitrophes, expostos águerra, e costumados á liberdade de religião, sendopor tanto o precedente inapplicavel a outros, ondesemelhante liberdade jamais se admittira. O rei,

acrescentou-se, nenhuns meios tinha de constrangersubditos tão remotos, e se recolhesse as suas guarni-ções, como exigia a Companhia, o único resultadoseria darem-se os Brazileiros a qualquer outra potência, que era um povo resoluto aquelle que nunca sesujeitaria ao dominio dos Estados, de que havião re

cebido tantas offensas em suas vidas, fazenda ohonra.

Prorogárâo então os commissarios por mais uma c ° * £ 1 'semana o prazo assignado, propondo um projectomodificado, em que cedião da exigência de S. Thomée Angola, pretendendo unicamente comercio livre

com ambas os logares, e a direito de erig ir um forteou na enseada do Soto, ou sobre os rios Coanza, ouLucala. Insistião ainda na restituição das provínciasdo Brazil, reduzindo porem a importância da in-demnização a três milhões de florins em dinheiro eassucar, pagaveis em oito annos. A isto responderão

os Portuguezes, que, se se pozesse de parte a exigência da impossivel restituição, Sua Magestade lhes

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536 H1ST0B1A DO BRAZIL.

1652. daria ordem para negociarem sobre o resto, custasse

o que custasse. O embaixador francez propoz agoraque apresentassem os commissarios, se tinhão poderes para tanto, um projecto, abstrahindo da restituição; e se os não tinhão se mandasse a Hollandaum embaixador, que alli podesse assentar uma pazsolida, com a mediação do rei da França e do Protec-

tor da Inglaterra; ou se n'isto se visse inconveniente,fosse a França o logar de reunião. Declarou-se a.rainha prompta a acceder a qualquer d'estas alternativas : os commissarios protestarão que nada podiãofazer sem a restituição de Pernambuco; o Francezarguiu que era islo renunciar á mediação do seu soberano, sendo o officio do mediador moderar as condições rigorosas, mas os Hollandezes insistirão emque a restituição era condição sine qua non. Apresentou a rainha o estado dos negócios perante todosos seus differentes concelhos e tribu naes , appellandod'esta sorte para o povo quanto era compativel com afôrma do governo. Todos unanimemente declararão

que hão havia na historia pátria exemplo de se terdiminuído o patrimônio do coroa durante uma mi-noridade, e que promptos estavão os Portuguezes amorrer na defeza do território ganho por seus maiores.Consultárão-se pessoas inteiradas dos negócios doBrazil, e todas protestarão ser impossivel a restitui

ção. Declararão então os negociadores que so restavaa alternativa da força, e os Portuguezes convidarão

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HISTORIA DO BRAZIL. 337

os seus Conterrâneos a dizer como os Machabeos : 1652>

Não tomamos a terra de oulrem, nem guardamos aque nossa não seja. Ao approximar-se d'este desfechoa negociação, mandou a rainha em bargar todos osnavios hollandezes em Lisboa e Setúbal, e os commissarios, que tinhão trazido inslrucções para interceptar a frota do Brazil, e capturar quanto navio

portuguez valesse a pena de se tomar, fizerão por in- couècçjotermedio do seu cônsul as mais serias representações a n» io.' 'contra esta medida, requerendo que se deixassecorrer livre o commercio entre as duas nações!Antes de partirem pedirão uma audiência de despedida á rainha, e como lhes dissessem que estava ella

indisposta, mostrárão-se mui sentidos por ficarem privados d'essa honra, e deixarão ao secretario d'Estadouma carta sellada, para ser entregue á regente. Acarta, acompanhada de tantos comprimentos, conti-

i i i - i 22 d'out.

nha uma declaração de guerra. i657.Veio agora Ruyter fazer juneção com a esquadra, 0peraçBes

e a não ter sido uma cerrarão muito a propósito, "olta1"3

houvera elle assentado terrível golpe no renascentecommercio de Portugal. A frota do Brazil, de oitentae quatro velas, esperada todos os dias , tinha sido separada pelo temporal, em latitude de 31°, vindoparte d'ella cahir no meio do inim igo ; tal era porem

o nevoeiro, que apezar de achar-se a esquadra hollan-deza dous dias inteiros no meio de quarenta naviosmercantes ricamente carregados, so pôde apanhar

m. 22

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. H I S T O R I A DO B R A Z I L . 339

Hollandezes. Por este tempo foi D. Fernando Telles t659-

de Faro mandado por embaixador á Haya, mas pensando ou que os negócios da sua pátria ião á garra ,ou que os seus particulares poderião melhorar comeste acto de traição, furtou-se á missão, e desertoupara os Hespanhoes, revelando á corte de Madrid Q S

segredos do seu governo. Sobre a palavra d'este trai

dor asseverarão os Hespanhoes aos Estados que arainha de Portugal entregaria Pernambuco, se seinsistisse na exigência, e consequentemente assim ofez a Hollanda, ainda em cima animada a isto pelo-proceder de Carlos II então a caminho para receber acoroa de Inglaterra. Ao passo que dava todas as de

monstrações de favor ao ministro hespânhol na Haya,não queria este príncipe nem receber as visitas dorepresentante de Portugal, o conde de Miranda, comose fora sua intenção não reconhecer a dynastia bra-gantina. Depressa porem mudou de idéias, e tractandodo seu casamento com uma princeza porlugueza, intimou aos Hollandezes que, se persistião no seu re-sentimento contra Portugal, faria elle sua a contenda.Também a França interveio agora mais seriamente,no intuito de desassombrar Portugal d'um inimigopara que melhor podesse resistir aos Hespanhoes.Concluirão-se pois a final as tão protrahidas negociações, annuindo Portugal a pagar em seis prestações quatro milhões de cruzados em dinheiro, assu-

. ear, tabaco e sal, como melhor lhe conviesse, e a

6 de ag. 1W

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Du Mont

340 H IS T O R I A DO B R A Z I L .

t66i. restituir toda a artilharia tomada no Brazil, quetivesse a marca das Provincias-Unidas, ou da Companhia das índias Occidentaes. Foi este o artigo preliminar d'um longo tractado de comm ercio, no fim doqual se estipulava que todos os litígios entre os suh-ditos das duas potências sobre propriedade no Brazilserião amigavelmente decididos dentro de dous me

zes, e se isto se não podesse conseguir, se nomeariãomutuamente três commissarios, que fossem aquellacolônia examinar tudo por espaço de dezoito mezes

•no próprio theatro da contenda, reunindo-se depoisem Lisboa, onde proferirião sentença final e sem recurso.

Assim terminou apoz tantos annos de reciprocafalta de sinceridade e mútuos soffrimentos, a luctaentre Portuguezes e Hollandezes. As pérfidas aggres-sões da Hollanda no principio das tregoas de dezannos derão aos Portuguezes bello pretexto para assuas subsequentes infracções do mesmo accordo;

posto que, embora tal pretexto se não desse, se nãopossa duvidar que se terião os Pernambucanos levantado contra um jugo pezado e intolerável, sendo maisque provável que Portugal, por seus princípios religiosos e brios nacionaes, ajudasse os insurgentes. Osmotivos da insurreição forão tão mãos e tão bons,

como os represenlárão os escriptores dos dous paizes.João Fernandes Vieira não teria quiçá achado quemo secundasse nos seus designios, se muitos dos prin-

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H I S T O R I A DO B B A Z 1 L . 341

cipaes conspiradores não tivessem sido homens cuja 1661,

íorle era desesperada; mas por outro lado também

nada menos do que o nobre principio do patriotismoo poderia ter feito, a elle e aos seus conterrâneos,perseverar através tantas difficuldades e decepçõestão continuas. Assim como no principio da lucta hamuita couza que deshonra ambas as partes, tambémo desfecho para nenhum a d'ellas é honroso : os Hol

landezes forão expulsos do paiz com as armas namão e os Portuguezes sujeitárâo-se a pagar a victoriaque havião ganho. Mas a Portugal se não pôde expro-brar esta humilhação n'uma epocba da maior fraqueza interna , e da maior pressão de perigo do ladoda Hespanha. N'aquelle tempo talvez a perda de

Ceylão* se reputasse de maior momento do que a restauração das províncias do Brazil: mas Ceylão maistarde ou mais cedo por força havia de cahir nasmãos d'alguma potência mais forte no mar, nem osPortuguezes, posto que de todos os conquistadoreseuropeos os mais amalgamadores na sua política, e

a este respeito os mais atilados, terião jamais chegado a formar senão uma parte diminuta da sua população. Por outro lado a reconquista de Pernambucodeixou Portugal na indispulada posse d'uma das mais4

extensas e favorecidas regiões do m undo, d'um império que em todas as imagináveis circumstancias dedesgoverno tem continuado a crescer em populaçãoe industria, que progride agora rapidamente, e que,

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542 H I S T O R I A D O B R A Z I L .,ti61- sejão quaes forem as revoluções por que esteja desti

nado a passar, ficará sempre sendo o patrimônio d'umpovo portuguez, que falle a lingua de Fernão Lopes,de Barros, de Camões e de Vieyra.

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1586.

CAPITULO XXIII

Os Jesuitas convidados para o Paraguay. — Fundão reducções no Guayra,no Paraná e no Uruguay.— Os Portuguezes de S . Paulo os atacão, ob ri-gando-os a retirarem-se para o paiz entre os dous rios.

Em quanto as províncias do norte andavão envolvidas n'esta longa e renhida lucta contra os Hollandezes, fundavão os Jesuitas no Paraguay esse dominio, cuja nascença, progresso e ruina se achão

inseparavelmente ligados á historia do Brazil.Poucos annos depois da terceira fundação de Bue- o bispoi n TI • • • . . de Tucumaa

nos Ayres, vendo D. Francisco Victoria, primeiro «"»«<•• osbispo de Tucuman, õ estado lamentável da religião dS0

BKrle

na sua diocese, escreveu aos dous provinciaes daCompanhia no Brazil e no Peru, pedindo-lhe man

dassem em auxilio alguns padres da sua ordem.Sendo Dominicano o bispo, mostra este pedido quãoestimados erão então os Jesuitas. Do Peru lhe mandarão os padres Francisco Angulo e Alonso Barsenacom o irmão leigo Juan de Villegas. Vinhão do Potosi, e forão recebidos em Salta (recentemente fun

dada) com incrível alegria, diz o seu historiador,como se fossem anjos descidos do ceo : por quanto,

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344 HISTORIA DO BRAZIL.

1586. embora corrompidos pela fartura e pela abundânciade escravos e mulheres que tinhão á discrição. Sempre lastimavão os Hespanhoes a falta d'essa religiãoexterna, cuja observância tão facilmente se accom-modava com Ioda a espécie de vicios1 Em SantiagodeEslero, então capital e sede episcopal, erguerão-se arcos triumphaes, alaslrárão-se de flores as ruas,e sahiu o governador em procissão com os soldados

e moradores mais principaes ao encontro dos Jesuitas, celebrando-se solemne acção de graças em queo bispo entoou o Te Deum. Provincial, no Brazilquando chegou o pedido, despachou Anchieta logocinco dos seus padres para esta missão; foi por superior o Italiano Leonardo Arminio, e os outros erão

Juan Salonio, Thomas Filds, Escossez de nascimento,Estevão de Grão, e Manoel de Ortega, ambos Portuguezes. Depois de terem cahido nas mãos de piratasinglezes, e experimentado, á moda dos Jesuitas,muitas intervenções milagrosas a seu favor, desembarcarão em Buenos Ayres e atravessando qs planos

de Cordoba alli encontrarão os irmãos do Peru, decuja vinda nenhum a noticia tinhão . Immediatamentepercebeu Arminio ser esta província «mais fácil desupprir-se do Peru do que do Brazil, e ainda queestavão então Portugal e Hespanha debaixo do mesmosoberano, como sempre se continuava a fazer distinc-

- * E esta mais uma injustiça do auctor para com a religião catho-ljca. F. P.

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HISTORIA DO BRAZIL. 345

ção entre conquistas portuguezas e hespanholas, pa- 1586

receu-lhe que algum mal haveria em obrarem de

concerto membros' de duas províncias, responsáveisa dous governos. Voltou pois com Grão ao Brazil,deixando porem os outros, que erão de opinião diversa. Ortega ficou em Cordoba com Barséna, e os £• j»*?-

o ' Charleíoix.

outros dous acompanharão Angulo a Santiago. T. 1,172.É dever sagrado do historiador d'estas epochas os jesuitas

relatar com escrupulosa imparcialidade o bem e o «mviaadosr r para a

m;il dos Jesuitas, sem deprimir-lhes as virtudes nem AssumPíSo-disfarçar-lhes as imposturas. Referem oschronistasda Companhia que Rarsena e Ortega, pregando entreos índios, casando-os aos centos e baptizando-os aosmilhares, virão-se a final em mingoa tal de alimento, que tiverâo de reduzir-se a uma ração diáriade doze grãos de milho. Estava Barsena, como maisvelho e fraco, quasi a morrer de inanição, quando,depois de dietas uma noute as suas orações, ordenoua Ortega que sáhisse á meia noute e fosse comprarprovisões a casa d'um Hespânhol, que morava a du-

zentas milhas d'alli. Em casos d'estes não é a impossibilidade impedimento; Ortega pediu emprestadoum cavallo, que mal o sentiu em cima, partiu comosella despedida do arco, e transpondo com a mesmaportentosa rapidez montes e valles, em onze horasfez a jorna da . 0 Hespânhol enviou immediatamente

um criado com uma partida de índios e copia deprovisões. Entretanto voltou Ortega com a mesma

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346 HISTORIA DO BRAZIL.

1586. rapidez que levara, em quanto que o comboio, vindi

(. larevou. ^ em montacio gastou doze dias pelo caminho, deT e c h 0 - , - » • J -il:.\.e- f° vendo nos com razão suppor que o segundo milagn

se operaria para manter Barsena durante este tempoalias seria inútil o primeiro. Pouco depois forão o:Jesuitas brazileiros enviados a catechizar umas tribuida raça loconoté sobre o rio Vermejo, e com ellei

foi Barsena, que tendo composto uma grammaticcd'aquella lingua, era também d'entre todos o uniccque a fallava; mas como cahisse doente e tivesse devoltar a Santiago, ficarão os Portuguezes sem meiosde se entenderem com o povo que ião converter. Aopassarem por Buenos Ayres achava-se alli D. Alonso

Guerra, bispo da Assumpção, que os tinha procuradopersuadir a acompanharem-no ao Paraguay, onde oconhecimento da lingua tupi os lhes permittiriaempregar-se com utilidade entre as tribus guaranis.Vendo-se servos sem presumo na sua actual situação,alcançarão licença de Fr. Angulo, debaixo de cuja

obediência tinhão sido postos, e partirão para aHervas.Tr.l, i ' r l

charlei^ Assumpção, onde com todas as demonstrações dei< m- dislineção e alegria os receberão.1588. F r. Luis de Rolanos, franciscano e discípulo de

^ u m ' * Francisco Solano, convertera alguns Guaranis,llSSui'6 S0Dre te r composto um catecismo na lingua d'elles.

Fora elle mandado recolher ao convento pela suaetlade e enfermidades, sem que ninguém lhe suece-desse nos trabalhos; estes porem havião preparado

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H I S T O R I A DO B B A Z I L . 347

o caminho á Companhia. Ficou Salonio na Assumpção em quanto Ortega e Filds, descendo o Paraguay,entravão na província de Guayra. Alguns mezes consumirão elles em reconhecer o paiz, e voltando entãoá capital, informarão a Salonio lerem visto duzentosmil índios que pareciãocidados talhadãos para o reinodo ceo. Reinava então uma peste na Assumpção eterritório adjacente, e as pestes são as colheitas dos

ministros de Deus, .diz Charlevoix, que dá a entenderterem os Jesuitas por esta occasião sido favorecidoscom sobrenatural celeridade de locomoção, podendoassim baptizar seis mil índios em artigo de morte. Ozelo e intrépida caridade com que procuravão osinfectados e ministravâo aos moribundos, confir

marão a boa reputação que elles havião obtido. Edi-ficóu-se uma capella e uma casa de residência páraelles em Villarica, sendo este o seu 'primeiro estabelecimento no Paraguay, e ja três annos depois re-querião os magistrados e povo da Assumpção ao rei,ao geral da Companhia e ao provincial no Peru

licença para fundarem na sua cidade um collegio deJesuitas. Sem esperarem por uma resposta, cujo resultado não podia ser duvidoso, comprarão logopelos fundos públicos terreno para o edifício; Fr.Juan Rümero, chegando do Peru com alguns padrescomo superior da missão, acceilou-o, resalvàndo a

approvação do rei e do geral, c os mais ricos moradores, tanto homens como m ulheres, porfiárão eíilre

1588

1590.

1593.

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348 H IS T O R I A DO B R A Z IL .1588- si a quem melhor trabalharia nos fundamentos. No

ardor do seu zelo não olhavão ao custo, e querendoRomero persuadil-os a moderar um pouco a escaladas despezas, respondião que Irabalhavão paraChristo, pelo que não era possível fazer demais. Seisannos mais tarde fundava-se um collegio em Cor-doba.

Aventura Muitos annos permanecerão Ortega e Filds nade O r teg a . l

Guayra viajando entre os selvagens. N uma d'estasexcursões foi o primeiro apanhado por uma inundação repentina enlre.os dous rios : espraiárão-se ambose logo toda a planície similhou um lago sem limites.Acostumados a contratempos d'estes pensavão o mis

sionário e a partida de neophytos que o aconipanha-vão, escapar, como ja por tantas vezes, marchandocom água pela cinetura, mas ia crescendo sempre ainundação até que os obrigou a buscar refugio nasarvores. Augmentava o tem poral, continuava a chuva,elevavão-se as águas, e entre os quadrúpedes e reptis

sorprehendidos pela chuva uma enorme serpente seappròximou da arvore a que Ortega trepara comoseu catechista, e enroscando-se n'um dos ramos,principiou a subir, contando os dous, que não viãomeios nem de fuga, nem de defeza, ser infallivel-mente devorados. O ramo pelo qual tentava elevar-sequebrou, e o monstro nadou para outro lado. Masposto que desapparecèsse este perigo, ainda a situação rra realmente tremenda; dous dias se passarão,

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c no meio da segunda noute veio um índio nadando 1588;

para a arvore á luz dos relâmpagos, dizer a Ortegaque seis dos seus companheiros estavão em artigo demorte; os que ainda não estavão baptizados suppli-cavão-no que lhes administrasse este sacramento, eosaneja o tinhão sido pedião absolvição antes demorrerem. 0 Jesuita ligou o seu catechisla ao ramoa que se segurava, e depois, deixando-se cahjr áágua, foi a nado exercer o seu ministério. Mal aca-baba quando cinco d'estes desgraçados cahirão e forãoao fundo, e ao voltar para a sua arvore, achou queja a água dava pelo pescoço ao seu catechisla, sendoportanto precizo desamarral-o e ajudal-o a ganharum ramo mais alto. Principiou comtudo agora aabater a chua. Nadando entre os espinhosos ramosfez Ortega na perna uma ferida que nunca chegou asarar de todo durante os vinte e dous annos que depois d'esta terrível aventura teve ainda devida.

No principio'do século decimojseptimo veio o padre DeliberaçõesEsteban Paez da Europa como visitador a inspeccio- %%la™

nar o estado da Companhia no Peru e suas dependas, de que era uma o rio da Prata, comprehendidoentão o Paraguay. Convocou os Jesuitas de Tucumane do Prata para Salta, onde reunidos se deliberassemsobre algum systema para seguir-se na conversão dosindígenas. Comparecerão todos e Paez lhes expoz os

inconvenientes que achava no melhodo de continuasviagens até agora observado. Pouca confiança, disse,

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exemplificada nos trabalhos de S. Francisco Sqlano, 1600

por Deus auctorizados com tantos milagres.Vistas as couzas a esta luz, não podia o visitador

divergir dos seus irmãos; e como melhor meio parafacilitar a obra emprehendida, propoz que todo opaiz a leste do Paraguay e ao norte do, Prata sedeixasse aos Jesuitas do Brazil, pela plausível razãode .ficar ao alcance d'elles, que ja erão senhores dalingua fallada n'estas províncias. Tucuman e Chacoreceberião do Peru os seus missionários. Tão bemacceito foi no Tucuman este plano; que mirjtas villasescreverão logo ao geral da Companhia, offerecendo-

se para fundar collegios. Na Assumpção porem dif-ferente espirito se manifestou. Ja n'esta cidade-seformara um partido hostil aos novos missionários,que, vendo-os partir todos para o concelho de Salto,observou exultando não serem estabelecimentos empaiz tão pobre como o Paraguay de gosto dos Jesuitas,

que achavão mais attractivos nas vizinhanças do Peru.Se era o zelo das almas que os movia, por que deixa-vão uma província onde abundava o traballio, eonde havião sido bem recebidos? Mas quando se disseque ologar ia ser preenchido por irmãos do Brazil,não quiz aquelle partido ver n'isto senão uma eva

siva, porquanto poderia suppôr-se quer,que o Concelho das índias deixasse missionários portuguezesformar estabelecimentos n'uma província castelhana,quer que o governcvde Portugalse encarregasse de

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352 HISTORIA DO BRAZIL.

1600. fornecer soccorros espiriluaes a um paiz que lhe nãoCharlevoix. - 0

i, 206-8. pertencia.'ortega Em quanto o visilador refleclia sobre esta impor-

mettido na , . . n j

inquisição tante objecçao, que parece ler-lhe escapado ao prin-ra Lima.cipio, foi Ortega intimado em Salto para comparecerante a Inquisição de Lima. Ao chegar alli, foi lançadon u m cárcere, onde, segundo o costume do tribunal,

o tiverão prezo sem lhe dizerem de que era accusado.Apoz cinco mezes de captiveiro poderão os superioresconseguir que elle lhes fosse entregue, para que oguardassem, com condição de o apresentarem quandose exigisse, e de não lhe permittirem nem dizer miss:i,nem sahir do collegio, nem ver pessoa alguma de

fora. N'este duro encerramento jazeu elle dous annos,até que um morador de Villarica, que em vingançad'alguma offensaTeal ou imaginaria o accusara dedivulgar o que lhe havia sido revelado em confissão,declarou no leito de morte que a accusação fora maliciosa. Então proclamou a Inquisição com as devidasformalidades a innocencia de Ortega. Este exemplobem poderá mostrar aos Jesuitas a iniqüidade d'umIribunal perante o qual a ninguém era dado escoi-mar-se da culpa, tendo o innocente, ainda mesmoquando absolvido, maior castigo no processo, do quemereceria culpado.

Tentativa Apezar de ter o visitador convocado a concelhodedesapostar

o sd o

es e Ü

a s t o"os os J e s u ' t a s do Paraguay, ficara Filds na Assumn-Assumpçáo3. ção:não lhe soffrião a edade e.as enfermidades as

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fadigas da jornada, pelo que o deixarão na posse do

edifício da Companhia. Previra-se talvez que seriaeste um posto importante. Alguns membros de outraordem, que desejavão estabelecer-se na cidade, tinhãodeitado olhos cobiçosos para a casa do próximo, eallegando o boato de que a Companhia não voltaria,propozerüo a Filds que vendesse o prédio. Remet-

tendo-os sempre para a seu superior Romero, resistiuo velho frade ' com constância ás imporlunaçõesd'estes hom ens. Se Filds tivesse morrido, facilmenteconseguirião estes outros religiosos licença para oc-cuparem o edifício vago, e depois havia de custar adesalojal-os. Conheceu Romero o perigo, e estimoubem receber ordem tanto do general Aquaviva comodo provincial do Peru para tornar a mandar Loren-zana para a Assumpção com um companheiro. Tinhãoos amigos da Companhia n'aquella cidade escripto

. ao general, queixando se de ter-lhes o visilador tiradod'alli todos os missionários. Também o bispo da Assumpção escreveu a Romero pedindo que lh'os tor

nasse a mandar o mais depressa possível, alias, dizia,recorreria ao geral , e em caso de necessidade a el-reicatholico e até a sua sanctidade. Era que este bispo,como sobrinho de Loyola, tinha particular affeição Char)eTOix

aos Jesuitas. *•**«'•

Foi o Italiano Fr. Giusepe Calaldino o escolhido jJSgJSEJ^1 Ja por mais d'uma vez advertimos ao leitor contra este equivoco

deSouthey chamando os Jesuitas de frades. F. P.

m. 23

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554 HISTORIA DO BRAZIL.

1600. p a r a acompanhar Lorenzana, e lançar com elle os

fundamentos d'uma das mais notáveis instituiçõesque recorda a historia. Naufragara, subindo o Paraguay, o batei que os conduzia, e estavão ambos emrisco de perecer de fome n'aquellas desertas margens, quando o bispo de viagem para Buenos Ayresprovidencial mente os soecorreu, dando-lhes um de

seus próprios botes bem provido para o resto do caminho. Com muita alegria os receberão na Assumpção. Até agora proviera da inveja das outras ordensa única opposição que alli havião encontrado, masnão tardou muito que não provocassem elles maisperigosa hostilidade. Bainava no Paraguay, como em

outras partes das índias hespanholas, a practica dedispor dos indígenas por encomiendas, ficando ellesdebaixo da protecção do encomendero, protecção queso no nome differia da escravidão. Nascera este systema como conseqüência necessária da premissa, depertencer o mundo novo com quanto n'elle se conti

nha ao rei d'Hespanha em virtude da doação dopapa, achando-se os Hespanhoes intimamente convencidos do direito pleno que tinhão a conquistarestes paizes, dispondo dos moradores a seu talante.Assim se foi adoptando naturalmente um principiofeudal, tomando o conquistador com a concessão de

terras que lhe fazião, também os habitantes, comogado humano de seu dominio. Havia porem duasclasses de encomiendas. Se os naturaes tinhão resis-

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tido, e sido effectivamente conquistados, tomavão onome de yanaconas, designação d'uma raça de escravos ou helotes no Peru. Segundo as intenções doConcelho das índias devião estes indivíduos ter sidoantes servos do que escravos: o encomendero os vestiae sustentava, nãò podendo vendel-os nem bannil-os,nem de modo algum maltractal-os: erão seus traba

lhadores, que lhe davão o serviço pela m antença, devendo elle ensinar-lhes um officio mechanico, eprover a que fossem doutrinados no christianismo.Se os índios se tinhão voluntariamente submettido,chamavão-se mitayos, palavra também de origemperuviana, que significava homens obrigados a uma

tarefa. Formava-sè então um aldeamento, elegendo-se magistrados municipaes d'entre os naturaes segundo o costume das villas hespanholas. Tambémestas povoações se davão a encomenderos, mas aquiso os homens de 18 a 50 annos erão obrigados a trabalhar, e isso so em dous mezes no anno, sendo ainda

exemptas as mulheres, os citracas, ou caciques comseus filhos mais velhos e os magistrados municipaes.Facilmente se comprehende que fossem estas encomiendas apetecidas,menos do que as outras, em queos naturaes erão yanaconas. Em ambos os casos erãodadas por duas vidas, lindas as quaes tornavão-se os

índios tão livres como os mesmos Hespanhoes, salvoficarem sujeitos á taxa da capitação. No decurso deduas vidas entendia-se que se acharião elles assaz ci-

1600.

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556 HISTORIA DO BRAZIL.

1600. vilizados para merecerem este adeantamento. Assimraciocinava o governo hespânhol , procurando regular o desapiedado systema que debalde tentara sup-primir1. Os regulamentos erão bons eo raciocinarespecioso; mas o systema sob re o qual os legisladoreshespanhoes especulavão como meio de civilização,

hTd Psaí' w* estabelecido pelos con qu istado res como' meio de

sóiomno!' op pressião. Fundado no espiri to ' da avareza e daTecho! p". 28. crueldade, em despeito de todos os regulamentos no

A z a r a . . . . .

T. 2, c.i2. mesmo espirito foi continuado.oppondo-se Pôde a força ser ás vezes único meio de civilizar:

a p r a c t i c ad0es^u

arva™

rempregando-a forão felizes os Bomanos; os Ilespa-t o r n ã o - s e i ~ • ~ r« • n « • -

impopulares nhoes nao conseguirão o hm proposto, mas infligirãoo s J e s u i t a s .

todos os males do processo a que recorrerão. Succe-deu por este tempo levantarem-se alguns índios,que gemião debaixo d'este systema, exterminando os

1 Azara (t. 2, c. 12) attribue a invenção d'este systema a Yrala, queo imaginou como meio de alargar as conquistas hespanholas sem des

pezas por parte do governo. Sed'alguem

se pode dizer que o inventou, é de Colombo, pois que no tempo d'elle principiou, e por elleauctorizado. Antes que Yrala entrasse no Paraguay ja este systema eraseguido nas ilhas e continente hespânhol, no México e no Peru. Também at trib ue Azara a Yrala as modificações que limitarão o termod'estas concessões a duas vidas, provendo á instrucção e emancipaçãodos indigenas. De sorte que, diz elle, selon moi il étoil impossiblede mieux combiner Vagrandissement des conquêles et Ia civüisa-tion et Ia liberte des Indiens, avec Ia recompense due aux parti-

euliers qui faisoient tout à leurs dépens. Qualquer que seja poremo mérito que possa ter a theoria, cabe elle ao governo hespânhol. Osconquistadores, talvez com a única excepção de Cortes, de nada cu-ravão, senão de se enriquecerem.

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H I S T O R I A DO B R A Z I L ,. 357

Hespanhoes que entre elles residião. Sahiu o offi-. 1600,

ciai que commandava na Assumpção, com um destacamento a castigal-os, mas pelo caminho, julgandode mais proveito tornar outro rumo, cahiu sobreinoffensivos e não suspeitosos alliados, e voltou emtriumpho com grande numero d'elles, que vendeucomo escravos. Alto clamou Lorenzana contra esta in i

qüidade. ^Començou por fazer admoestações ao com-- mandante; depois declarou aos compradores quecommettiâo um peccado de bradar ao ceo, detendohomens tão injustamente escravizados, e, vendoquão infrucliferas erão todas as representações par

ticulares, do púlpito ameaçou com a vingança divinaos delinqüentes, se não reslituião á liberdade estespobres Índios. Ouvido isto, impoz-lhe silencio o thesoureiro da cathedral, ordenaádo-lhe que em continente sahisse da egreja: prompto obedeceu Lorenzanasem revelar a menor emoção de cólera. Diz-se queesta moderação tanto impressionara o thesoureiro,que este, subindo ao púlpito, confessou em voz alta

a sua culpa por ter insultado um homem de bemque cumpria o seu dever; mas esta confissão, filhatalvez do medo, não desarmou a ira celeste; cahiuelle desde aquelle momento n'um estado de agitaçãomental, que passando depressa a convulsões, degenerou em delirio e terminou pela morte, contri

buindo este acontecimento mais para a soltura dosprizioneiros do que toda a eloqüência do pregador.

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358 HISTORIA DO BRAZIL.

160». Na historia ecclesiaslica é o mais das vezes impossível

discernir da falsidade a verdade, tão intrincadamente se acha o machinismo entretecido no fio da

narraçãoi! A repentina moléstia e morte do thesou*reiro, que não podia deixar de afigurar-se milagrosaaos olhos dos Jesuitas e dos que lhes admiravãorosprincípios e o comportamento, bem podia também por.

algum tempo impressionar os ou tros; mas elles mes^mos dizem que, embora, este negocio redundasseao principio em vantagem da Companhia, deixou*contra ella um resentimento, que desde então conti-

ia,l2i&!x' nuou a fermentar no espirito publico, i ... or

1608 Reunidos o Chili e o Paraguay numa província,Tomão-se foi Diego de Torres nomeado provincial dos dous

os Jesuitas ° *imtambimes P a^ zes- Partiu elle do Peru com quinze padres, parteemTucuman. ( j o g qUaes mandou p a r a 0 Chili, seguindo com o

resto para Tucuman. Por este mesmo tempo desembarcarão em Buenos Ayres mais oito padres escolhidos pelo geral da ordem e remettidos á custa d'el-rei.

Era ja Buenos Ayres um porto florescente, pois* que,

apezar de ser prohibidã a entrada alli a navios, extrangeiros, sempre estes lá chegavão debaixo* dedif-ferentes pretextos, estabelecendo um lucrativo commercio de contrabando. Os selvagens porem , que tãos

crua e feliz guerra havião feito aos primeiros inva*:sores do seu território, erão ainda inimigos activos

1 Toda a historia pôde degenerar em legenda si a ella hão preside o

espirito philosophico. F , P.

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H I S T O R I A D O B R A Z I L . 359

e formidáveis. Desde a primeira fundação da cidade 1608>

não menos de duas mil pessoas havião perecido ásmãos d'elles, que continuavão a incutir terror aosmoradores. Tinhão alguns sido subjugados, masreduzidos depois á escravidão, so aguardavão a primeira opportunidade de tirar vingança dos oppresso-res. Com anciedade erão aguardados os Jesuitas, de

quem se esperava a conversão e conseqüente conciliação das tribus sujeitas. Era porem tarde; o malestava feito, nem havia a menor disposição parareparal-ô, e baldado era pregar o christianismo ahomens opprimidos e escravizados pelos que profes-savão tal religião. Bem o conhecerão os Jesuitas,

declarando que a primeira medida devia ser alliviaraos índios o seu jugo. Mas o povo de Buenos Ayresnão queria ouvir fallar em tal, e com pregar em Tucuman a mesma linguagem provocou Torres tão forteinimizade, que em Cordoba e Santiago recusarão osHespanhoes toda a esmola á Companhia, declarandoabertamente que o fazião para que morressem defome os padres nos seus collegios. Tinhão estesvindo, dizião elles, a perturbar com infundados escrúpulos as consciências : debaixo da mascara deextravagante humanidade occultavão interesseirasvistas de ambição, não tendo outro fim em privardos serviços dos índios os colonos, senão monopolizai-os para si mesmos. Em conseqüência d'estaantipathia popular tiverão os Jesuitas de abandonar

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360 HISTORIA DO BRAZIL.1608: Santiago, retirando-se para S. Miguel, onde forão

Tccho. 25 . , i_ • j

charlevoix. nem recebidos.1, 216-22.Foi Torres agora chamado á Assumpção pelo bispo

e pelo governador, em virtude d'um despacho quebteem

os JesuitasMuctorizacão<epaaran de Madrid havião recebido com ordem expressa d'el-

procederem

entre os r ej para que os índios do Paraguay so pela espadaindígenas se - -T A o J J. ±

aproprio

6

" do espirito fossem subjugados, salvo se fizessemguerra aos Hespanhoes justificando assim o empregode medidas offensivas; d'outra forma não se haviãode empregar senão missionários na reducção dos indígenas, que não queria Sua Magestade subditos áforça, nem buscava privar da sua liberdade os povosd'estes paizes, senão para arrancal-os á sua vida selvagem e dissoluta, e fazel-os conhecer e adorar a Deus,tornando-os felizes n'este mundo e no outro. N'estasprotestações era sincera a corte de Hespanha; poucosgovernos teem tido crimes mais enormes por queresponder; o seu zelo tem sido literalmente um fogoardente e consumidor, mas todo o teor das suas leis

sobre os Índios dá leslimunha da sinceridade e n'estecaso até da benevolência que a animava. Torres foiconsultado sobre o modo de levar estas intenções aeffeito. Uma commissão de theologos e pessoas versadas na lingua guarani examinara o catecismo queRolanos compozera neste idioma, e tendo sido ap-

provado, mandou-se empregar exclusivamente ondequer que se fallasse aquella lingua. Era isto o maisque se fizera, alem da transitória conversão dos In-

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H I S T O R I A D O B R A Z I L . 361

dios que Rolanos doutrinara, e depois d'elle Ortega 1608,

e Filds, quando a Cataldino e Fr. Simon Maceta,

também Italiano, se incumbiu a commissão de' executar as ordens d'el-rei, auclorizando-os o governador e o bispo a reunir em aldeamentos os conversos,e governal-os independentemente da jurisdicção dequalquer cidade ou fortaleza, podendo oppôr-se emnome de Sua Magestade a quem quer, que, sob qual

quer pretexto que fosse, quizesse sujeitar estes novoschristaos ao encargo de serviços pessoaes.

Foi Guayra o thoalro a que estes missionários se Aideamentoj • , rw i • 11 i í • e m G u a J r a -

destinarão. Debaixo d este nome se comprehendiauma extensa região, a que o Uruguay servia de limiteao sul e o Paraguay ao oeste; para o oriente extendia-se até ás então ainda indefinidas fronteiras do Brazil,terminando peio norte em invios matagaes e pântanos. Pelos meados do século décimo sexto linhão algumas das tribus que habilavâo este paiz, pedido aYrala soccorro contra os Portuguezes e mais immediatamente contra os Tupis, para quem era lucrativa

caça vir aqui buscar escravos paia as capitanias dosul. Apressou-se Yrala a tomar posse da terra para acoroa de Castella, pondo-lhe o nome d'um cacique,por quem fora bem recebido. Acostumado como andava a guerras d'esla natureza, pouco difficil lhe foiintimidar os selvagens brazileiros, obrigando-os a

pedir a paz; ao explorar porem na volta uma via porágua, perdeu entre as corredeiras mais de cem ca-

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362 HISTORIA DO BRAZIL.

1609. n o a s da s u a flotilla com grande parte da tripulação,

e mettendo-se então ás florestas, por onde era misterabrir* caminho o machado, ainda mais gente lhemorreu. Recolhido d'esta desastrosa expedição, man-,dou Vergara a fundar sobre o Paraná , bem para cima,na direcção do Brazil, um estabelecimento que ser*

visse de porto interno aos navios procedentes daHes»,

panha, projecto que nada tinha de desarrazoâdo,quando navios da mãe pátria subião até á Assump-ção. Tendo cm pouca consideração estas instrucções,escolheu Vergara para a sua nova cidade situarãoacima das Cachoeiras Grandes, chamando-a Outiveros

1554. do nome da sua terra natal; como porem CiudadReal

1557 se fundasse pouco depois, Ires legoas mais acima,onde o Pequeri cabe no Paraná, foi Outiveros àban^,donada. Cerca de vinte annos mais tarde fundou

^Melgarejo outra povoação, que chamou Villa Rica.Houve un tempo em que os moradores d'estes logaresimaginarão que ião tornar-se ricos sobre todos osaventureiros anteriores. São vulgares n'esta província esses crystaes coloridos que se encontrâo encaixa^,dos em pedra, dizendo-se que fazem explosão comagranadas naturaes, e persuadidos os Hespanhoes^ de-que erão pedras preciosas do maior valor, amo-tinárrão-se capitaneados por um Inglez turbulento, chat-

mado Nicholas Colman, resolvidos a partir para aiHespanha com os seus thesouros. Foi" abafada a in«jsurreição, sendo o desengano o castigo mais pezado

1576

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 3 63

que soffrérão os revoltosos. Altisonantes mas fallazes 1609>

erão as denominações de Ciudad Real e Villa Rica.Mais por seus crimes do que póT seus talentos sedistinguiu Melgarejo; distribuiu os naturaes peloscolonos e este systema produziu como de costume ainevitável despovoação, mal que, refleclindo sobre osoppressores, deixou-os na miséria e na pobreza.

Dous sacerdotes so havia por este tempo em toda a os jesuitas

província; um era frade vagabundo, que, tendo per- suTprimeiradido o habito da sua ordem, deshonrava as vestescjericaes que em logar d'elle vestira, e o outro tãoignorante que entrava em duvida se possuiria osconhecimentos necessários para tornar validos ossacramentos que administrava. Aqui pois, como por

toda esta diocese, excepluada a capital, mal existia asombra de relig ião. Crucifixos e rosários não fallavão,é verdade, mas na m aior parte dos logares nenhum afôrma de culto se observava, achando-se os costumesn'esse estado de depravação caracteristico de todasas colônias em que prevalece a escravidão, e de

todos os paizes em que se desprezão geralmente aspracticas religiosas. Com a vinda dos dous missionários folgou o povo de Ciudad Real e Villa Rica, que,apezar de pouco curar de religião, e ainda menospensar na essência d'ella, anhelava por uma oppor-tunidade de celebrar casamentos, que até então so

havião sido contraclos civis, de deitar fora a carga depeccados desde muito accum ulados, assegurar a seus

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364 HISTORIA DO BRAZIL.

1609, filhos direito á salvação, e obter para si mesmos, em

caso de morte passaporte reg ular para o reino do ceo.Logo porem que se soube a espécie de systema queos Jesuitas vinhão auctorizados a seguir, forão vistoscom mãos olhos. De nada serviu representar aquellagente que nada promoveria tanto os seus próprios*interesses como medidas de hum anidade; que a prac

tica adoplada por ella diminuía rapidamente a população ; e que o único meio de o evitar era fazermarcharem de par a civilização e a conversão. Taparão os Hespanhoes os ouvidos a todo o raciocinio,recusarão guias, e quando um cacique das tribusentre as quaes tinhão os padres resolvido fazer,o seuprimeiro enseio, veio a Villa Rica para guial-os ellemesmo, foi posto a ferros e lançado num cárcere.Com a sua firmeza obtiverão os Jesuitas a soltura doprezo, e por elle guiados pozerão-se a caminho. Forão ;por terra até ao Paranapané, e embarcando n'este.rio, seguirão por entre os altos bosques de cedros.,que lhe bordão as margens, até á confluência* do

Pirapé. Aqui acharão umas duzentas famílias, queOrtega e Filds havião baptisado, e com ellas formarão,o primeiro d'esses aldeamentos a que pela primeiravez se deu agora a denominação genérica de reducções^A esta chamarão Loretto, nome que os successores

c^cCewoix admirarão como particularmente apropriado ao berço

i, 226-9. , j a republica christã dos Guaranis.Formada esta primeira povoação, pozerão-se os

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HISTORIA DO BRAZIL. 365

Jesuitas a peregrinar por entre as hordas selvicolas 1(sü9-

oitenta legoas em redondo, buscando convencel-as 'traficante", . . . . d'escravos.

das vantagens qüe gozanão, se reunidas quizessemviver debaixo do novo systema. Um homem de CiudadReal os acompanhava como interprete voluntário;notarão elles com sorpreza que a bagagem d'estcgradualmente ia diminuindo, principiando então a

sua vestidura a desapparecer artigo por artigo, atéqueja não restava senão um trapo, com que cingiaos rins. Indagada a causa, foi esta a resposta: « Vós,padres, prégaes ao vosso modo, e eu ao meu. Yóstendes o dom da palavra, que Deus me não concedeu,e assim procuro suppril-o por obras. Tudo quanto

tinha distribui pelos índios principaes do paiz, naesperança de que vencidos pela generosidade oschefes, mais fácil será ganhar os outros. » Concluiu,pedindo licença para volver a casa agora que deraquanto possuia, nem os padres assaz versados ja nalingua guarani carecião mais dos seus serviços. Pouco

tempo havia que elle se fora, quando se veio a descobrir que o seu objecto real tinha sido comprarescravos, dos quaes levava comsigo um rebanho inteiro, e alguma difficuldade tiverão os Jesuitas emlivrar-se da suspeita de haverem sido sócios n'estetrafico. Ch?%t

Depressa se tornou Loretto tão populosa, que a seis Milagresmilhas de distancia foi precizo fundar outra reducção, com a invocação de S. Ignacio, em honra do

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366 H IS T O R IA DO B R A Z IL .1609- patriarcba da Companhia l. Pouco depois se fundarão

mais duas, e alargando-se com as suas conquistas.asvistas de Castaldino e Maceta, principiarão a ver oque poderia fazer-se com os meios que a Providencialhes pozera nas mãos, e conceberão a idéia d'umarepublica christã modelada pelo ideal que elles

charlevoix. mesmos formavão da perfeição christã. Milagres, diz

um historiador jesuita, erão necessários para quesortisse o plano, nem d'elles foi avaro quem o concebeu. Não devemos despir do seu machinismo estahistoria, pois que se pozessemos de parte os prodígios, relatando simplesmente os factos, não pintaria-mos fielm ente os Jesuitas. D'estes contos, como' dos

outros todos, muitos se podem explicar humanamente, nos outros não nos resta alternativa senãoentre o milagre e a falsidade ; o protestante não hesitará na escolha, o catholico que o fizer terá dado

1 Azara (t. 2, p . 225) diz que foi este o primeiro aldeamento, e quese fundou á força com o auxilio dos habitantes do Yaguarão, e de

muitos destacamentos de soldados hespanhoes.; também affirma e procura provar que todas as reducções formadas durante os primeirosvinte e cinco annos seguintes forão egualmente estabelecidas com coac- ,ção. Não se supponha porem que elle faça d'isto matéria de accusaçãocontra os Jesuitas, pois que antes lhe parece terem estes feito bemempregando a força para fins bons e prudentes. Se as couzas assim setivessem passado, tambein eu os não criminaria a elles, mas creioque Azara se engana. E certo que. os Jesuitas seguirão no Paraguay osystema encetado por Nobrega no Brazil, nem é menos certo que os

meios de que servirão forão unicamente os da persuasão. Que o medodos Paulistas levasse muitos índios buscar abrigo nas reducções, èmais provável.

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HISTORIA DO BBAZIL. 367

um passo para a reforma V As primeiras d'estas in- 160P-

tervenções divinas dizem que forão exemplos de terror, e o caso que se refere caracteriza o espirito daCompanhia e da Egreja. Fora o cacique da reducçãode Loretlo um dos primeiros conversos, e da sua sinceridade ninguém duvidava, por ter elle principiadopor despedir as mulheres, mas passado algum tempo

começou a cohabitar com ellas em segredo, voltandoa final abertamente ao seu primeiro gênero de vida,Debalde o admoestarão os missionários, chegando aameaçal-o com a vingança do ceo, e por fim a sepa-ral-o da communidade dos fieis. Foi então que elleexperimentou o rigor da justiça, do que desafiara,incendiando-se-lhe a cabana, quando se achavan'ella a sos, e perecendo elle miseravelmente nas

1 Charlevoix.

chammas. 23°-A' vista da prosperidade d'estas reducções em Mettese

Lorenzana

Ouayra requererão ao governador do Paraguay que entrelhes mandasse também um missionário alguns Gua

ranis d'entre o Paraná e a Assumpção, que tendovivido em termos amigáveis com Cabeza de Vaca,havião-se, maltractados pelos Hespanhoes depois daprizão d'elle, vingado desde ent":o com perpétuashostilidades. Remetleu o governador o requerimentono, bispo, que era um dominicano, por nome Lizar-

1 0 auctor se engana. Póde-se duvidar d'autenticidade de certosmilagres, que não foram ainda propostos pela Igreja á crença dos fieis,sem tender para o protestanfemo. F. P.

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368 HISTORIA DO BRAZIL.

1609. raga, e este prelado respondeu que nenhum dos seus

clérigos se atrevia a ir metler-se entre anlhropopha-gos, nem na escassez que havia.de operários da vinliado Senhor lhe assentava bem privar de soccorrosespirituaes os catholicos por causa de genlioSíGom 1

esta resposta não contava o governador, que^ levandocomsigo o provincial Torres foi em pessoa ter com o

bispoTepresentando-lhe ambos quanto importava ao^bem-estar dos Hespanhoes, serviço d'el-rei, e causade Christo, aproveitar-se toda a opportunidade dereduzir por estes meios os ind ígenas. Replicou Lizar-

, raga com a pergunta se podia o governador dar-lheuma boa escolta para os seus padres, pois que d'ouira

forma nenhum nomearia para semelhante servjço,.Tornando-se assim evidente nada haver que esperar^

por este lado, so resta-va arranjar Torres missionários : dirigiu-se elle pois ao collegio, convocou os• * • • •

irmãos, e expostas succinctamente as circumstaneiast

cravou os olhos no reitor Lorenzana, dizendonas

palavras do Senhor a Isaias: « Quem enviarei, e qpemirá por nós? » Lorenzana atirando-se-lhe aos pés,respondeu : « Eis-me aqui; enviae-me! » Fr. Francisco de S. Martinho, que pouco antes havia chegado,obteve licença para acompanhal-o, com o duplo fimde coadjuval-o no que podesse, e formar-se debaixo

das vistas de quem com razão era lido por missionáriocompleto.Apoz um anno de bem succedidos esforços virão-se'

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HISTORIA DO BRAZIL. 36ff

os padres postos em perigo por uma d'éssas c i rcum- 161(r-

stanôias e m que é difficil conciliar o dever com a a primeiraprudência . Ardentemente desejava uma índia receber f °

h T e.

1 " o Paraná.

o baptismo, e recusando-lhe o seu consentimento omarido aferrado ás ant igas supe rstiçõe s, fugiu ellacom a filha e foi buscar abrigo n'esle crescente aldea-mento. Exasperado achou o homem muito, quem

abraçasse a s u a causa, q u e e m alta estima e r a elletido entre os seus conterrâneos; n ã o se reputandopdrèm assaz forte para accommeller a reducção,cahiu sobre uma horda de Mahomas, que erão alliadosdos Hespanhoes , e matando muitos, levou outros para .serem comidos. Lorenzana empregou os caciques

convertidos como mediaueiros para a soltura d'estesprizioneiros, m a s a resposta que tiverào foi que osoffendidos se n ã o darião p o r satisfeitos em quantonão tivessem bebido o sangue do ultimo Mahomapelo craneo do missionário mais velho. Assim provocados reunirão elles a s u a gente e lograrão resgatar

os prezos.Erão j a tão numerosos por este tempo os conver

sos, que se tornou necessário buscar logar mais com-modo, e m q u e podessem permanentemente estabelecer-se. Alli se levantou uma egreja, fundando-se aprimeira das treze reducções do Paraná com a invo

cação d e S. Ignacio Guazú

1

, ou o grande . Antes po-1 Alias Guaçú, adjectivo da lingua tupica que significa grande.F. P :

I I . 2i

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370 H1STOBIA DO BRAZIL.

i6io. r e m de bem formado o estabelecimento, appareceu

o inimigo com forças taes, que Lorenzana julgouprudente queimar, não fossem ser profanadas, as alfaias da egreja, que se não poderão instantaneamenteremover, e fazer retirar as mulheres, as crianças e os .inválidos. O seu companheiro S. Martim deixOti-seimpressionar pelo perigo a ponto de perder o accofdo,

e apezar de restabelecer-se depois ale certo pontoficou tão fraco do susto que foi necessário tornar amandal-o para a Assumpção, e d'ahi a pouco dar-lhelicença para retirar-se da companhia. Terminou comtudo pelo sobresalto o mal, que os selvagens, não seatrevendo a investir com homens que a pé firme os

aguardavão, retirárão-se, principiando a reducção aflorescer de novo, depois de ter por algum tempoTecho. 51. soffrido de moléstias, flagello ordinário d'estes esta-t.harlevoix. , ,

1,275. belecimentos.chega do Em quanto á esquerda do Paraguay estas couzas

Hespanha um . m i i c í

visitatior.se passavão, tractava lorres de lançar os íundamen-1611, tos d'uma povoação análoga do lado occidental entreos Guaycurús, na dupla esperança de livrar da activahostilidade d'estes selvagens os Hespanhoes, e deabrir communicação mais fácil com Tucuman. Estafogosa tribu, de espirites mais altivos do que nenhuma das dos Guaranis, suspeitou que querião armar-lhe uma cilada para eseravizal-a, e mandou áAssumpção espiões que descobrissem a naturezad'esta trama. Poucas esperanças de bom êxito dava

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 371

a empreza, quando a Tucuman chegou D. Francisco t612

de Alfaro na qualidade de visitador por el-rei, comordem de abolir em todas estas províncias o systemade servidão pessoal, regulando o modo por que devião ser lractados*'os índios das encomiendas, paraque da parte d'elles mais se não desse razão dequeixa, sem que comtudo ficassem privados de seuslegítimos direitos os Hespanhoes. Convocou elle emSantiago uma assemblea, na qual se declarou illegalo systema de serviços pessoaes, sendo o respectivo'decreto assignado pelo governador do Chili, governador e bispo de Tucuman e outras pessoas princi-paes. Passando depois a Cordova, publicou o visitador esta resolução, e as ordens de el-rei, os edictos

do vizo-rei e os decretos da Audiência Real de Cha-rcasno mesmo sentido. Aqui porem tinha o povo maisinteresse n'esle abuso do que o de Santiago, sendopor isso menos tractavel, e D. Francisco, que nãotrazia com sigo nem a convicção do dever, nem a forçade caracter, que tal commissão exigia, apartou-se

tanto do espirito como da letra das suas instrucções,partindo á pressa para a Assumpção e deixando emTucuman as couzas pouco mais ou menos como asachara. A historia dos seus aclos aqui offerece umacuriosa prova de quão pouca auetoridade real a corted'Hespanha possuía sobre estas remotas colônias e

quão fácil era illudil-a. Principiou o visitador porensaiar as suas forças, prohibindo toda a caçada de

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372 HISTORIA DO BRAZIL.I612. índios para reduzil-os á escravidão, e declarando que

se não concederião mais encomiendas. A ordem seguinte foi que nenhum nas ja estabelecidas seriaobrigado a trabalhar para o encomendero, mas so apagar um ligeiro tributo em gêneros, e que quem tivesse yanaconas havia de conceder-lhes terras, quecultivassem por sua própria conta. Mal deitou elle este

bando quando os principaes moradores lhe representarão, que se assim os privavão dos serviços dos índios, não lhes era possível pagar ao rei os seus tributos. Realmente era verdade dependerem elles detão nefario systema e ir este decreto privar de todosos seus criados tanto os clérigos como os leigos. Com

homem como Alfaro não era difíicil chegar a umcompromisso. Quanto aos mitayos concordou elleem que em logar de tributo servissem o encomendero um mez no anno, prazo que não tardou a dobrar-se , e que pelo resto do tempo recebessem saláriopelo seu trabalho. Meramente nominal foi esta ordenação, e a favor dos yanaconas nada se fez. 0visitador asseverou á corte que ficava cumprida a suacommissão; assim satisfez o governo, e deixando ascouzas como estavão, satisfez também o povo do Paraguay. D'esla forma ficou o negocio quasi dousséculos, até que pelos annos dé 1780 descubriu oConcelho das índias que existião ainda no Paraguayas encomiendas, expedindo então ordens para aboliralli o systema como ja o fora por todo o reslo da Ame-

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HI STO RIA DO BBAZIL. 573

r i ca . O povo represen tou , de ixou-se con t inuar o 1612-

abuso e os índios das encomiendas são ainda hoje Au m a ra ça de e sc ra v os . 2,206-18.

Mais fácil fo i ao v is i tador cre ar novo gra va m e do Nova fôrmade oppressãc

que r emo ve r o an t ig o . Impoz a todo o homem de côr dos lndios-

de 18 a 50 annos de edade uma capitação d e três

patacõ es , talvez sem c on sid era r que não havia no

Pa raguay nem d inhe i ro , nem commerc io . E ra in s t i tuir de facto nova fôrma de servidão, pois que com

o prete xto de habilital-os a p a g a r a tax a p u n h ã o s e

estes homens debaixo da protecção, como se d iz ia ,

d'algum eccles ias t ico , ou outro Hespânhol em boas

c i r cums tanc ia s , pa ra paga r ao the sou ro po r e l l e s ,

que a seu turno devião servi l -o . Depressa começarãoos gove rnado res a t i ra r par t id o d 'es ta o rdena ção , ap -

plicando-a sem distincção de sexo nem edade, e dando

esta pobre gente aos seus af i lhados, que sob o t i tu lo

de pa t ronos ou p ro lec to res , se tornavão na rea l idade

seus sen ho res , e sem pag ar couza n en hu m a, tão

faci lmente se defraud ava o e r á r i o . Ainda hoje cont i

nua o ab us o, posto que p ar a c im a talvez de m etad e

da raça , tendo-se to rnado mais do que meio se lva

gem, se substrahe a e l le , v ivendo em logares d is tan

tes da sede do governo e de toda a sociedade c iv i l i

zada , onde ninguém sabe d 'e l les , ne m exerce ou

quiçá possue auetoridade a l g u m a .

Outra medida do vis i tador fo i uma tenta t iva de

conci l iar o systema das encomiendas c o m o q u e p r i n - .

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374 H IS T O R IA DO B R A Z I L .1612- cipiavão a estabelecer os Jesuitas. Três aldeamentos

indigenas havia perto uns dos outros ao norte da Assumpção sobre o riacho Guarambare, que do orientevem desaguar no Paraguay. Populosos erão estesestabelecimentos, contando suas trezentas famíliascada um, e o terceiro quasi mil, mas como fossempossuidos por encomienda, não querião os Jesuitas

encarregar-se de doutrinar e dirigir pessoas a quemnão.seria fácil persuadir ser leve o jugo do Evangelho, quando sentião pezar-lhes tanto o dos Hespanhoes. Alfaro conseguiu vencer a repugnância dospadres, promettendo-lhes que o systema seria ouinteiramente abolido, ou tão modificado que havião

elles de ficar satisfeitos. Não foi cumprida a promessa, tanto Jesuitas como índ ios se cançárão de esperar, e no fim de dous annos foi abandonada adesesperada empreza.

Effeitoda Por mais inconseqüente comtudo que fosse o prados jesuitas ceder do visitador, razão tinhão os Jesuitas parase

Assumpção. da r e m p 0 r satisfeitoscom a mais importante dasísaâsmedidas. Decretou elle em nom e d'el-rei que os Guaycurús e Guaranis jam ais fossem dados en encomienda,sendo sempre considerados como vassallos im media -tos da coroa, e que aos Jesuitas se deixasse exclusivamente o encargo de doutrinal-os, civilizal-os e redu-zil-os a reconhecer por soberano eb-rei catholico.Decretou também que os padres que n'estas missõesse empregassem, recebessem do erário a mesma

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376 HISTORIA DjO BRAZIL.

1612. ferido para Cordova. Arranjados em Tucuman os

negócios da Companhia, dirigiu Torres a sua atten-ção para as bandas de Guayra, onde Calaldino eMaceta carecião de auxilio, e para coadjuval-os, en^viou-lhes Antônio Rodriguez de Montoya, natural deLima e o prim eiro historiador d'estas missões. Quatroreducções estavão ja creadas, mas ainda estas insti

tuições se achavão na infância. Talvez que nem osmegmos Jesuitas- percebessem ainda entf;o todo palcance do systema que, nascendo dos seus princípios,se desenvolvia com o bom resultado d'esles, mas queainda não tinha tido tempo de produzir effeito prO"fundo e permanente sobre os selvagens aldeados.

Continuamente estava fluctuando a população d'estesestabelecimentos : vinhão os índios movidos pela curiosidade, camaradagem ou esperança, e ião-sequando cançados de sujeição ou impacientes de privações ; ou quando lhes sobrevinha o desejo de voltaraqs antigos hábitos de vida errante, ou quando,ojsterrores que lhes havião imbuído os pagés prevale-ciâo sobre os que n'elles podião excitar os padres. OsHespanhoes de Villa Rica, acreditando no que dese-javão, propalarão que abortara o plano, e que osJesuitas nenhum fruclo colhião de seus visionáriosesforços. Chegarão estes boatos á Assumpção, ondeparecerão tão bem fundados, que os superiores daprovíncia pensarão seriamente em recolher os missionários e abandonar o que se tinha principiado.

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HISTORIANDO BRAZIL. 377

Teve Montoya de ir em pessoa a com suas represen- 1612-

tações dissuadil-os d'este intento.Sejão quaes forem os motivos de ambição que aos ummiiagre

u 6 J C SU lt í lS .

Jesuitas do Paraguay se possão imputar nos seus dias i6U.de prosperidade, é fora de duvida que n'esta epochanada senão o zelo podia actuar sobre ellesj. ou ani-mal-os nos árduos trabalhos por que passarão1 En-sinavão-nos a esperar milagres, a acredital-os facilmente, tenlal-os com ousadia e invental-os semescrúpulo. É difficil ás vezes nas suas chronicas distinguir os effeitos da credulidade e imaginação dosda falsidade deliberada : é que jamais lhes pareciarqprovado o engano que devia produzir um fim pio,

ou causar uma impressão boa segundo as idéiasd'elles. Refere Montoya que, cahindo perigosamenteenfermo, lhe requererá um índio de boa indole ecomportamento os seus soccorros espirituaes: ouviu-oelle de confissão, e administrou-lhe os sacramentos,feito o que, e suppondo o doente ás portas da m orte,

deu ordem para o en terro , e foi olhar por suas obrigações. Morreu effectivãmente o homem, e dispu-nhão-se as couzas para enterral-o, quando Montoyatornou-a ser chamadodizendo-se que o morto resus-citara, e outra vez queria ve lo . O conto que o índionarrou foi no estylo usual de taes resurreições, fre-

1 Semelhante juizo d'um protestante sobre a abnegação dos Jesuitasno principio da sua gloriosa empreza lhes é summameite honroso.F. P.

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378 H IS T O R I A DO B R A Z I L .1614- quentes na historia fradesça. Mal tinha a*alma deixado

o corpo, disse e lle, mettendo-se n'um canto da choça,quando o diabo pretendeu apoderar-se d'ella, clamando: «Es minha.» Retroguiu a alma que,nãopodia isso ser, pois que ella se havia confessaaVo.bem,,e recebido o viatico em devida forma. Tornou o djafepque a confissão não fora completa, não se tendovo

peccador confessado de haver-se embriagado duasvezes. Protestou a alma que fora mero olvido, mas odiabo insistia que isto viciava toda a confissão,, tornando a absolvição nulla e irrita., quando eis queapparece S. Pedro acompanhado de dous anjos,4avista do que poz-se o demo em fuga. Aqui interrom

peu Montoya o índio, pergunlando-lhe como sabiaque fora o príncipe dos apóstolos quem tão oppor-tunamente viera em seu auxilio. Respondeu o.ho-

mem que d'isso não podia duvidar, e posto qüe nuncahouvesse visto imagem ou pintura do sancto, descreveu-o tal qual é costume represental-o, prpse-

guindo depois na sua historia. 0 sancto o cobriu como seu manto, e lá forão ambos, tendendo os ares,até que chegarão a um formoso paiz, em que çlara,-mente avistarão uma cidade grande e de fór-ma cirrcular a irradiar uma luz deslumbrante.. Aqui, parouo apóstolo e disse : «Olha a cidade de Deusyondecom Elle moramos, mas o momento de também en-trares não é vindo ainda. A' tua alma cumpre volverao seu corpo e passados Ires dias irás á egreja.» Diclp

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H I S T O R I A DO B R A Z IL . 379

isto, soltou-o", e desappare.cendo.logo toda a scena, lôlí*-

achou-se o Índio restituido á vida e de perfeita saúde.Montoya inferiu da- narrativa que devia elle morrerno terceiro dia, mas sem o dar a perceber perguntou-lhe o que entendia pelas palavras do apóstolo.Respondeu o índio que estava convencido de que nodomingo seguinte, que era o terceiro dia, serião seu

corpo levado á egreja para se enterrar, e que sohavia sido restituido á vida, para edificação de seusamigos e conterrâneos. O resuscitado comeu, bebeue contou a sua historia aos estupefactos espectadoresque á volta d'elle se arrebanhavão. No domingo fezuma confissão publica, tendo cuidado de não omitlir

os dous peccados que lhe lembrara o diabo, e concluída ella, morreu quasi instanteneamente1. 0 sys-

1 As observações de F. Charlevoix sobre esta lenda são tão características como a mesma historia : L e caractere de Vtiomme Apos-tolique, dontje viens d'abréger le récit; Ia réputation qriil Sétoilfaile en Espagne ãêtre un des plus savans hommes de son tems;les actions héroiques que nous lui verrons faire dans Ia suite; Ia

haüte idée qu'il a laissée dans lAmérique de sa sainteté'; et Ia partqriil a eue à Vétablissemenl de Ia Republique Chrétienne, dontj'aidonné Ia description, ne permettenl pas de révoquer en doute ceça't/ a publié dans un ouvrage imprime sous ses yeux. D'ail-leurs, ce qriil a execute avec des travaux immenses, et un courace qriaucun obstacle ria jamais pu ébranler, pouvoit bien as-surément engager le ciei à y coopérer par des merveilles sensibles.A quoi on peul ajouler que ce seroit peut-ê.re faire trop d'hon-neur à Ia sagesse de ceux, donl Dieu a bien voulu se servir pour

former dans le centre de Ia barbárie, une Êglise si merveüleuse,que de croire que le ciei ne ia point quelquefois secondée par destraites sensibles de sa loute-puissance; et quiconque examinera les

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380 HISTORIA DO BBAZIL.

1614. tema e caracter dos Jesuitas, e da Egreja a que per

tencem, não ficarião bem representados, se a historiarejeitasse sempre fábulas como esta.

o provincial .A Torres succedeu F r . Pedro de Onate n o proyin-deCadmittir cialato. Sete annos antes l inha-o aquelle fundado

homensa

d i r e i t o "c o m s o s e t e Paa"res e a g ° r a entregou-o ao successor

á companhia. c o m c e n t 0 e dezanove. Contra a sua administração se

erguerão queixas : accusárão-no de ter á mingoa degente admillido como missionários homens que nãohavião passado pela discip lina previa que exigia oinstituto, do que resultou como conseqüência naturalter elle depois de expulsar alguns, q u e prematuramente recebera. Não pareceu isto a Onate motivo

para censurar o seu antecessor, cujo proceder justi-ficavão a necessidade do caso e o exemplo deLoyola.Outro item da accusação foi haver elle permitlidoque os missionários se metlessem sos entre os índiose residissem longo tempo em partes remotas, dandoassim logar a escândalos n'um paiz onde a mais levefraqueza d ' u m Jesuita se elevava á altura de crime,não faltando quem a exagerasse para desacreditar a

choses sans prévenlion, conviendra que toute Ia prudence hurriüineria pu, sans les secours des miracles, porler un si bel étailüée-mént à une si grande perfeclibn. Aussi s'en est-il fait plus íTwtt,et assez pour faire comprendre à ceux qui riétoient que les in -strumenls du souverain MaUre des cceurs, qrien vain ils auroienttravaillé à ce bel éd ifice, sil rien avoit été le principal ouvrier,

et que tout ce qriils peuvent apporter de soins et de vigilance pourle conserver dans Vétat oü nous le voions, seroit inutile, sHlneveilloit lui-même à sa comervation. L. 6, p. 292.

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 381

ordem. A isto respondeu o provincial que o mais 161*-

que se podia fazer era escolher para estas longínquasmissões homens de prudência e virtude, e mandatos recolher apenas constasse que principiavão a re-laíar se, sendo levar longe de mais a desconfiança nanatureza bumana não julgar dignos de andar fórádas vistas do superior homens que tudo tinhão aban

donado para se dedicarem ao serviço de Deus e dopróximo; que não se devia suppor tão injusto o povoque tornasse Ioda a ordem responsável pelas faltasd'um ou outro confrade; e que sempre a honra dacompanhia se poderia salvar com cortar-se o membro gangrenado.

Dirigia a reducção de S. Ignacio Guazu Fr. Roque intervém oGonzalez de Santa Cruz, homem de mui nobre fami- nas missões.lia e nascido na Assumpção. Fundou elle segundoaldeamento em Itapua, onde uma das lagoas ou pântanos d'aquelle pais alagadiço, desaguando no Paraná, forma uma espécie de porto. Por intervençãod'elle forão as missões protegidas pelo governo, pois

que o irmão serviu algum tempo de governador durante uma vaga occasionada por m orte, e D. FernandoÁrias, que foi nomeado successor, desposara-lhe recentemente a irmã. Querendo dispensar todo o seufavor, resolveu este novo governador visitar as reducções do Pa ran á, e por mais que Gonzalez procu

rasse fazel-o ver que semelhante passo seria maisprejudicial que benéfico, apenas pôde conseguir li-

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582 H I S T O R I A D O B R A Z I L ,1614- cença para ir adeahte dispor os índios para receberem

uma visita, que elles não sem razão verião com olhosdesconfiados. Levou Árias uma escolta de cincoentahomens, eao chegar a Itapua organizou a reducçãoá moda de villa hespanhola, nomeando os magistrados que o cunhado lhe indicava. Não tardou que oavizassem de que os selvagens do paiz circumvizi-nho, não podendo conceber que um governador eum destacamento de soldados viessem sem desígniohostil, se reunião para cahir sobre elle na volta; maisque depressa tractou o governador de reembarcar,mas ja trezentos índios se havião postado abaixod'uma corredeira, por onde elle devia passar. Gonzalez, que ia com elle como melhor guarda dó quetoda a escolta, assumiu um ar de auetoridade, a queo seu caracter e influencia entre estas tribus lhe davão d ireito , e conseguiu mover os selvagens a abste-rem-se de hostilidades. Pensando augmentar estafavorável impressão, offereceu o governador ao cacique em nome do rei d'Hespanha um bastão como in

sígnia de commando, mas a resposta que lhe deu oindígena foi que havia muito que elle mandava n'a-quelle paiz sem semelhante pau, e assim o guardasseo governador para outro índio que o cobiçasse, se podesse achar tal homem . Tinha Gonzalez salvado d'umperigo o governador, mas não pôde dissuadil-o de

preparar contra as tribus do Uruguay um a expedição,-para a qual chamou a serviço a milícia das provin-

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H IS T O R I A DO B R A Z I L . 383

cias; recusou esta ir, elle nenhum meio tinha de mít

coâgil-a, e assim incorreu na vergonha de ter formado um projecto, geralmente desapprovado, e com-promètteu asua auetoridade, tentando debalde leval-o Clwrlev0i!i

a e f f e i t o . ****•'Posto que tivesse sido censurado o ultimo provin- opposição

1 contra

ciai por haver admittido tantos membros novos ácom- os Jesuitas-r • • • - . . 161 7.

pannia, exigia mais operários o vasto campo queella cultivava. Representárão-se ao novo geral da ordem, Vitelleschi, a bella perspectiva que se abria,e a necessidade de enviar mais soldados de Christopara entre os pagãos, e logo vierão da Itália trinta esete missionários a tomar parte na tarefa. Era Viana,

que conduzia este destacamento, natural da Navarra,e perto passava o seu caminho : ao saber-se que ellese approximava mandarão os principaes magistradosuma deputação a convidal-o que chegasse alli, mas oJesuita, lembrando-se que o seu conterrâneo Xavierrecusara em análoga conjunetura visitar sua mãe,

julgou feliz o ensejo para imitar o que se lhe anlo-íhava acto de virtude heróica. Representárão-lhe que,sè elle acceitasse o convite, seria posto em liberdadeum de seus sobrinhos, então prezo por uma accusação criminal; mas com egual firmeza e mais sãmoral replicou elle que se seu sobrinho era cul

pado, queria vel-o castigado em expiação do delido, e se éra innocente devia da rectidão do juizesperar a sua liberdade. Na Hespanha se offerecérão

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384 H IS T O R IA DO B R A Z I L .

16Í7. mais voluntários, que receberão todas as.demonstrá--ções do favor real, achando-se n'este ponlO perfera»-mente de accordo a religião e a política da corte,» eá sua chegada ao Prata, escolherão-se d'enlre ellesprofessores, que abrissem classes nos coliegios* de'Ruenos Ayres, Santa Fé e S. Miguel. Assim reforçadas continuarão a florescer as missões, apezar 'demuitos e formidáveis obstáculos. Conseqüência dagrande e repentina mudança d'uma vida errantepara outra fixa, causarão as moléstias terríveis estra-'gos entre os conversos, consolando-se d'estas os Jesuitas com a reflexão de que erão as epochas de mortalidade o tempo das colheitas do ceo. Não lhes valiaporem a mesma consolação contra os males que lhes

acarretava a perversidade dos homens. Por um ladovexavâo e escravizavão os Hespanhoes de Villa Ricaosíndios, e para evitar este perigo havia sido que tinhãoos Jesuitas fundado os seus aldeamentos alem do Pa-ranapané e Pirapé, mas fugindo d'um inimigo, pu-nhão-se ao alcance de outro, pois que alli se virão

expostos ás correrias dos Portuguezes de S. Paulo dePiratininga. Também freqüentemente encorttravãoopposição entre os mesmos índios, lendo de contenderora contra caciques, que, possuindo o orgulho e opoder do heroísmo selvagem, olhavão com desprezo ainactividade de seus reduzidos conterrâneos e com in

dignação a sua sujeição, ora contra pagés que se va-lião de todos os artifícios em apoio de sua abominável

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H IS T O R I A DO B R A Z I L . 385

inipostura. Por vezes apparecia algum impostor de ca

racter mais atrevido. Do Rrazil veio á reducção do Lo-retto um índio com um homem e uma mulher moçaem'sua companhia; reuniu á volta de si os Guaranis,vestiu um gibão depennas, que era a vestimenta de ceremonia das pagés, e tomou na mão um maracá, feitonão d'um cabaço, como era costume, mas do craneo

d'uma cabra. Conhecendo assaz do que pregavão osJesuitas, para misturar algumas doutrinas d'estescom as suas próprias invenções impudentes, proclamou-se senhor absoluto da morte, das sementeiras edas colheitas, sendo-lhe sujeitas todas as couzas;podia anniquilar os homens com um sopro, e com

um sopro volver a creal-os; era trino em pessoa, ecomtudo um so Deus, pois que com o esplendor doaspecto produzira o companheiro, e a mulher provinha de ambos. Este discurso acompanhava-o comberros e ameaças de extermínio contra todos que selhe oppozessem, agitando a matraca á face deFr. Ca-taldino, e com gestos extravagantes ameaçando des-truil-o a elle e aos seus conversos. 0 Jesuíta porem,confiando na sua auetoridade sobre os Guaranis, or-

. denou-lhes que agarrado o impostor lhe applicassemo chicote, remédio soberano em casos taes. Apenaso sujeito sentiu malharem-se em cima a bom malhar,começou a urrar que não era Deus, mas nem por issodescançou o açoúte antes de lhe ter por cem vezesafagado as costas, repetindo-se a dose no segundo e

'25

1617.

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386 H I S T O R I A DO B R A Z I L ,1617- terceiro dias, para que, tendo blasphemado da Trin

dade, recebesse triplo castigo, e lhe ficasse o numerotrês bem impresso na memória. Não deixa de sercurioso o desfecho d'esta historia, que foi tornar-seo impostor um fervoroso converso, levando por todo.

charfeVotx! o resto de seus dias uma vida exem plar, a que poztermo uma morte edificante.

separão-se Tendo ouvido fallar nas reducções do Paraná e naos governos 0

d°dopJftua*

y felicidade que disfructavão os Guaranis christaos,forão alguns índios do Uruguay a Itapua, desejososde verem com os olhos próprios o estado dascouzas.Alli os acolheu Gonzalez, e tão satisfeito ficou com aimpressão que parecia terem recebido esles sei vagens,.

-que se resolveu a exlender o systema das reducçõesao rio, d'onde elles vinhão. Fundou pois Gonzalezuma aldeia com a invocação da Conceição em Ibila-ragua, e emYaguapua formou-se outra, em que ficouF r . Thomas deürvenia, em quanto Romero percorriao paiz, mandando para alli novos conversos. Ppr este

tempo se deu grande mudança política n'estas províncias, separando-se do Paraguay o governo doPrata, e dividindo-se conjunclamente as dioceses,sendo limite o Paraná1. Ficarão debaixo do antigogoverno as reducções do Paraná e Guayra, passandoas do Uruguay para o novo, cuja sede se estabeleceu

1 OTebiquary, diz Charlevoix, mas o-seu traductor latino corrige oer ro . 0 Tebiquary formava a linha divisória, entre as reducções e osHespanhoes do Paraguay.

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H I S T O R I A DO B R A Z I L . 387

em fiuenos Ayres. Com bem mãos auspícios principiou este. Poucos dias depois de ter dado à vela emLisboa o novo governador, D. Diego Gongora, para irtomar posse do seu cargo, recebeu o Concelho dasíndias denuncia de que elle levara a bordo do seunavio fazendas de contrabando, para arranjar algunsdos seus amigos. O contrabando é um d'esses delidosque as restricções oppressivas produzem naturalmente, e era couza tão comezinha que nunca funccio-nario algum publico por tal tinha sido molestado. A-

denuncia fora provavelmente maliciosa, mas era impossivel desprezal-a, e mandou-se a Ruenos Ayresum commissario por nome Melone para inquirir do

facto. Este foi achar o novo governador excessivamente popular, nem na verdade havia couza quemelhor podesse tornal-o tal do que facilitar o commercio de contrabando: e apenas transp irou o objectoda sua missão, foi o commissario advertido de que iãotomar-se medidas para reembarcal-o para a Hespa

nha antes que podesse lograr o seu intento. Parecenão ter sido este homem talhado para tão melindrosoencargo, pois que tendo necessariamente contra si aparle mercantil do povo, ainda foi brigar tambémcom os Jesuitas, deixando-se arrastar por alguns ar-rebatamentos de cólera, de que tirarão partido aquel-

les que lhe temião os processos judiciaes. Persuadirãoo reitor do collegio, Fr. Gabriel Perlino, a exercer oprivilegio que possuía a sua ordem, de nomear um

1620.

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588 HISTORIA DO BRAZIL.

1620. j u i z conservador, o qual poderia ao mesmo tempo

proteger os Jesuitas contra o commissario, e inhabi-lital-ò a proceder contra o governador. Conhecendopouco os caminhos dos homens deixou-se Perlinofacilmente convencer, e com egual facilidade levara escolher uma d'essas pessoas, que mais razão tinhãopara desejar descartarem-se de Melone, que cffecti-

vamente foi compellido por uma sentença do novomagistrado a voltar á Hespanha. Alli se queixou elleao Concelho das Índias, e este, olhando o procedimento do juiz conservador como um attentado contraa sua auetoridade, queixou-se de Perlino ao geral.Era flagrante o caso: Vitleleschi desapprovou imme

diatamente o que o reitor fizera, privou-o do seucargo, declarou-o incapaz de exercer o logar de superior, e mandou-o recolher-se ao Peru, d'onde viera.Mais felizes não forão os outros cúmplices. Um ouvidor enviado a tom ar conhecimento da causa, condem-nou-os a pagar uma muleta de oitenta mil coroas

Charlevoix. l°

5U-20. d e o u r o .

Dirigia por este tempo Cataldino as reducções deGuayra, e Gonzalez as do Paraná, sendo-lhe lambemsubordinadas as do Uruguay. Quiz o governador deRuenos Ayres ver este ultim o rio explorado da suafoz até ás nascentes, mas era couza que ninguém se

não um Jesuita podia então emprehender com algumaesperança de salvação, e Romero se encarregou daempreza. Achou selvagens que andavão nus com a

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HISTORIA DO BRAZIL. 389

pelle pintada, e o cabello cahido até meio corpo, 1620'vivião de montaria e volataria. Apezar das ameaçasd'estes índios, seguiu o padre avante até chegar ásprimeiras tribus guaranis, umas cem legoas maisacima; outras cincoenta mais o terião levado á Con-cepcion,- onde elle esperava encontrar neophytos,qüe o conduzissem até ás cabeceiras do rio, m as can-çada do Irabalho e perigo de luclar contra tal tor

rente, obrigou-o a sua gente a retroceder. Mandouagora o governador D. Luiz de Cespedes pedir a Gonzalez, que , descendo o rio até Buenos Ayres, viesseconcertar com elle medidas para se proseguir nadescoberta. Pôde o Jesuita convencer Niezú, caciqueda nova reducção, a acompanhal-o com alguns dos

seus, esperando qu e o que elles ião ver em BuenosAyres produzisse boa impressão a favor da companh ia . Bem c alcu lada para este effeito foi a recepçãoque tiverão, pois que, quando apoz uma viagem devinle e cinco dias chegarão á capital, a cavallolhessahirão ao encontro o governador com todas as pes

soas principaes da cidade, fazendo um esquadrão decavallaria e um batalhão de infantaria exercício napresença dos índios. Forão esles depois conduzidoscom trombelas á frente á casa do governador, ondeos ba nq ue teár ão , e depois se guirão para o paço dobispo. Para mostrar aos conversos o respeito quetinhão os Hespanhoes aos príncipes da Egreja, poz ogovernador ambos os joelhos em terra de an te dob ispo,

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390 HI STO RI A DO BR Z1L.16 2°- fallando-lhe por algum tempo n'esta altitude, e

beijando-lhe depois.a mão. Celebrou-se um tractado

com Niezu, que prometteu inteira obediência a el-reide Hespanha e aos seus governadores, sob condiçãode não ser o seu povo jamais obrigado a servir osHespanhoes^ e serem os Jesuitas as únicas pessoasencarregadas de inslruil-o. Ao cumprimento d'estascondições empenharão o governador e o bispo a sua

palavra, declarando formalmente Niezú primeirocacique de todos os índios que se" convertessem naprovíncia do Uruguay. O bispo então investiu de todaa sua auetoridade os Jesuitas, e o governador deu aGonzalez uma patente, permiltindo-lhe a elle e aossuperiores da companhia estabelecer reducções por

toda a extensão do seu governo, sobre presenleal-ocom alfaias de egreja e vasos sagrados para as duasreducções ja fundadas no Uruguay. Também DiogoVera, Portuguez, que negociava com Buenos Ayres,deu uma considerável somma de dinheiro para completar os editicios ja começados ri'aquelles logares.

Mas apezar de se observarem n'eslas Iransacções todasas devidas formalidades, viu-se que o governador eos Jesuitas se nãoenlendião mutuamente, porquanto,tendo Gonzalez no seu regresso escolhido situaçãopara dous estabelecimentos novos, nomeou O governador dous Hespanhoes que os superintendessem

como corregedores, e terceiro para o mesmo cargona Conceição. Ignorantes como erão perceberão logo

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H I S T O R I A D O . B R A Z f L . 394

os índio s qual seria a conseqüência d'esta política; 1626'!Niezú ausentou-se; muitos conversos declararão rotoo compromisso pela outra parte contractante; astribus não reduzidas do paiz vizinho tomarão armaspa ra expellir os Hespanh oes; e o provincial F r . Ni-colas Durand Mastrilli teve de ir em pessoa e a todaa pressa abafar o crescente de sconten tam ento, paraapaziguar o qual foi precizo que o governador man

dasse recolher os corregedores, abstendo-se de Ioda a

ultenor ingerência.Entrou agora Gonzalez na Serra de Tape, districto Entr5o

Jesuitasmontanhoso que borda pelo oriente a província do no TapeParaguay, extendendo-se por umas duzentas legoaspara leste e oeste. Do lado occidental d'esla região 1627

nascem as num erosas correntes que formão o Ybicuy,affluente do Uruguay, e ao oriente íicão as nascentesdo Yacuy, que vae formar a Lagoa Grande dos Patoschamada na sua foz Rio Grande de S. Pedro. Dizem

os Jesuitas que n'esle paiz (que descrevem como ornado de todas as bellezas imagináveis de valles e

montes debaixo d'um clima criador) vive um am -phibio feroz chamado Ao, um pouco parecido com aovelha na figura, m ais voraz porem do que um tig re ,e com não menos formidáveis prezas e garras;quando um índio, para escapar a a lgum, trepa a uma

arvore, o an im al ou espera debaixo com paciência

até que a preza caia exhausta, oq reúne com seusberros outros da mesma espécie que quaes caslores se

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3 92 H I S T O R I A DO B R A Z I L ,le27- põem a roer o tronco l Este ao suppõem elles que seja

o famacosio dos primeiros natura listas. Também fal-lão d'um passarinho branco chamado-sineiro*, porsemelhar a sua voz o toqued'um sino; d'uma espéciede palmeira rasteira 3, de cujas fibras se faz um fiofino como seda; e d'uma arvore chamada escapü,d'onde depois de nado o sol cabe um orvalho copiosocomo aguaceiro. Os Tapes, que derão á região o seu

nome, são do tronco dos Guaranis, mansos por Índole, e mais dóceis ao mando dos Jesuitas do queoutra nenhuma tribu da America do Sul. Vivião empopulosas aldeias, sendo tão numerosos que Tape setornou nas reducções nome genérico como o de Guarani, comprehendidas n'elle todas as subdivisões.

D'esta vez não fez Gonzalez mais do que reconhecero paiz. Com admirável presença de espirito se livrouelle d'um perigo imminenle durante a sua jornada.Investirão-no os Tapes, e os seus índios repellirãobravamente o ataque, mas os inimigos voltarão ácarga com gente fresca, e perdida era toda a espe

rança de resislir-lhes. Vendo isto, tomou o Jesuítanuma mão a sua podoa, que sempre trazia comsigo,

1 Techo, Charlevoix e Dobrizhoffer dizem que o ao excava a raiz atéfazer cahir a arvore, operação impossivel. 0 traductor latino de Charlevoix diz non eradicat, sed grex tolus truncum corrodere certat.Pouco mais provável é isto.

2

No Brazil chamão esta ave ferreiro, por se parecer a sua.vozexactamente com o som do martello a dar na bigorna.5 A macahiba do Brazil.

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394 HISTORIA DO BBAZ1L.1627. primeiro alimento que subslituia o leite materno.

Aventurou-se Montoya a ir pregar a este povo; masquando disse que vinha a ensinar-lhes o modo porque escaparião aos tormentos a que alias estavão coh-demnados, responderão-lhe que mentia se affirmavaterem elles de ser eternamente atormentados, e logofizerão chover uma nuvem de flechas sobre elle esobre os que o acompanhavão. Sete dós seus índiosficarão mortos, o missionário fugiu com o resto, e Osselvagens, devorando os que tinhão cabido, mostrá-rão-se pezarosos de não poderem n'aquella festa

Tecko. 51. provar carne de padre tendo por taça o craneo doChar levoix . * * i •>

aso. Jesuíta.Põe-se Pouco antes se tinha um cacique chamado Pindóbé

debaixo du. posto de emboscada a Montoya para com ei-ov Tendoprotecção

dos jesuitas. sahido com uma partida de aluados e gente da fsuatribu a apanhar folhas de caa, ou herva do Paraguay,de que muito goslavão os Índios, foi este selvagemna sua volta atacado por Tayaoba, escapando com

Ires companheiros apenas. Cançado da guerra an-thropophaga que entretinha com os vizinhos (tendosua mãe sido recentemente apanhada e devorada etendo elle mesmo por um triz escapado a egual sorte)julgou o cacique seria prudente procurar a protecçãodos Jesuitas, que se estavão tornando ja potência  for

midável entre as tribus do Paraguay. Convidou-ospois a estabelecerem-se-lhe no paiz, e deu-lhes umlogar de residência, que foi fortificado com trincheira

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HISTORIA DO BRAZIL. 595

e estacada. Aqui se arvorou a cruz, e metlidos diffe- 1627-

rentes nomes n

v

uma urna, sahiu o da Encarnação,que foi o que se deu á nova reducção, onde depressase reunirão mais de mil familias. Para dirigil-a foinomeado Fr. Chrisloval Mendoza. Colligárão se osinimigos de Pindobé e enviarão um mancebo a descobrir qual seria a força d'elle : tornando-se suspeito,foi o espião agarrado e posto a tormenlo para revelaros desígnios dos seus, m as supp ortando valorosam ente a tortu ra negou saber couza alguma de pro-jectos hostis. Assistia o Jesuita a estascena, e abandonando toda a esperança de descobrir couza algu m a,tomou o breviario para recitar o officio, visto o que,crendo ou que o livro revelava tudo, ou que alguma

terrível conjuração ia ter logar, declarou o mancebode mola próprio ao que viera enviado, e sabidas assim as intenções do inim igo , fácil foi frustral-as.

O m esm o Tavaoba e o seu povo se deixarão impres- conversãoJ i > • de Tayaoba.

sionar pela fama que havião adquirido os Jesuitas,

mandando este feroz guerreiro em segredo dous deseus filhos á reducção de S. Francisco Xavier a ver

se-.seria verdade o que d'estes estabelecimentos se

dizia. Alli forão descobertos e interrogados affavel-mente por F r . Francisco Dias Tano sobre o que p re -tendião, confessarão que examinar qual era real

m ente a vida dos padre s e dos seus conversos, e quesatisfeitos com o qu e tin hã o visto ião aconselhar aopae que recebesse os Jesuitas. Despedidos bem en-

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396 HISTORIA DO BUAZ1L.

1627. roupados, cumprirão elles a sua promessa, e em horamais feliz emprehendeu Montoya segunda missão aesta tribu, que tão mal o tractara primeiramente.Demarcou-se sobre o rio Guebay nova reducção quese chamou dos Sete Àrchanjos, e investido Tayaobano poder de cacique com todas as formulas e tilulosem laes occasiões costumados, baptizárão-se vinte eoito dos seus filhos crianças, principiando elle mesmo

com os adultos da sua familia a passar por um cursode doutrina preparatório. A conversão d'este chefefez com que muitos dos seus antigos admiradores oolhassem com aversão, conseguindo dentro em poucoos seus antigos pagés levantar contra elle uma forçaformidável. Tayaoba e os demais guerreiros pedirão

então a Montoya que não deferisse por mais empo obaptismo, e este os bíiptizou como precaução conveniente conlça semelhante perigo. Sahirão elles a ac-comrmetler o inimigo, porem com máo resultado, demodo que por felizes se derão com poder retirar-separa o logar onde se havião lançado os fundamentos

da nova reducção, aguardando alli occasião maisyiiianiados propicia. D'isto se valeu o povo de Villa Rica e comHespanhoes l A *

d e v i i i a R i c a . 0 p retexto de vingar Tayaoba, fez sahir um destacamento contra os inimigos d'elle para apanhar escravos. Bem penetrou Montoya o motivo, representandologo que.as ordens do rei prohibiâo fazer a guerra aosíndios de Guayra, e que uma medida como aquellapor força havia de retardar o progresso das missões.

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HISTORIA DO BRAZIL. 397

Não fizerão caso d'elle, pelo que não viu melhor meio 1627-

do que acompanhar em pessoa a expedição, na esperança de prevenir ou pelo menos attenuar o mal quereceava . De conversos se com pun ha o grosso da força;vencidos outra vez pelo numero, tiverão de entrincheirar-se, devendo então a salvação a um estratagema que implica grande falta de sagacidade emtodas estas tribus. Parece que os Índios não faziãogrande provisão de seitas, fiados em apanhar as quese trocavão no combate. Sabendo d'isto, recommen-dou Montoya á sua gente que recebesse as descargasdo inimigo sem lhes corresponder, e desarmadosassim os assaltante s, tiverão de retirar-se. En tre osdespojos do campo achou-se um vaso gran de de m ilho

e carne, de que a gente de Montoya lhe trouxe umpedaço que elle comeu, soppondo ser caça ; mas aochegar-se ao fundo do cântaro apparecérão uma cabeça e mãos hu m ana s, que o missionário reconheceupelas d'um homem que costumava servir-lhe de aco-lyto no altar e que cahira na ultima batalha. Volveu

o inimigo á carga com grandes forças, cercando Montoya e os soldados villaricanos. Propozerão estes abrircaminho, esperando conseguil-o com o auxilio dassuas armas de fogo, ouvido o que vierão os conversosdizer a Montoya que devião os Hespanhoes depois deromperem por entre o inimigo melter-se ás matas e

voltar para cqga, que havião elles índios sabido acampo por amor do seu missionário e não dos Villa-

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1627.

598 H IS T O R I A DO B R A Z I L .

ricanos, mas elle persuadiu-os a que não abandonas

sem os Hespanhoes. Por pouco não foi falai a conseqüência. Correu o inimigo ao assalto e de novoexhauriu suas setlas; uma sortida o poz em fuga eaproveitou-se o ensejo para a retirada , mas o commandante dos Hespanhoes, não querendo recolher-secom as mãos vazias, formou o execrável desígnio de

escravizar esses mesmos índios que na hora do perigolhe havião valido. Tencionava accusando-os de teremmettido Montoya e os Villaricanos n'este risco com ointento de atraiçoal-os, principiar por enforcar-lhesdous dos seus chefes. Descobriu o Jesuita ainda atempo esta projeclada villania, e na véspera do dia

em que devia ella ser executada, ordenou secretamente aos conversos que de noute se dispersassem nafloresta, e fossem encontral-o em certo logar n'umdia aprazado. Admirado de não os ver de manhã,perguntou o commandante a Montoya o que era feitod'elles, e teve em resposta que visto não carecerem

mais de auxilio os Hespanhoes havia elle dado deconselho aos. seus Índios regressassem ao seu aldea-mento. «E bom conselho lhes destes, padre, » tornou-lhe o desalmado, carregando nas palavras, evolveu a Villa Rica depois d'esta segunda decepção.Umas contra as outras voltarão as tribus hostis agora

a sua fúria. Um cacique, que promettera ás suasmulheres regalal-as com as Peruviana^ de Montoya,foi morto; outros forão achados no bosque immola-

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H IS T O R I A DO B R A Z I L . " 399

dos a golpes de maça, e ainda outros forão devorados lc27'

no correr da guerra. Entretanto foi florescendo empaz a reducção dos Sele Archanjos e dentre oitentaregulos que havia no districto; abraçarão a nova re- J ^ J f ;ligião não menos de sessenta. °1_5 '

A Ruenos Ayres chegou por este tempo um reforço M a n d ã o o sJ O r r * Hollandezes»

de cerca de quarenta Jesuitas, escapos com difficul- terrfa™ peis

dade a um cruzador hollandez que eslava á espreita herctlC0S-d?elles. Mandou este navio a terra vários exemplares 1028.d'um manifesto impresso na Hollanda em linguahespanhola e dirigido aos habitantes do Paraguay edo Prata , convidando-os a sacudir o jugo da Hespanhae do papa, e offerecendo-lhes para isso auxilio. Forãoestes papeis levados todos ao governador e entrou emdiscussão se se deixarião circular, entendendo muitaspessoas que nada podia ser mais próprio para excitargeralindignação contra os Hollandezes. Mas o provincial Mastrilli ponderou que sem perigo se não podião expor semelhantes pensamentos deante da m ul

tidão e como mais prudente queimárão-se os papeis.Entre os frades recemchegados vinha Fr. NicolasHenard, que fora pagem de Henrique IV.

Muito desejavão os Jesuitas extender os seus esta- Entra<)

belecimentos para o lado do oriente, a fim de abri- 0noJ<caíoIs

rem communicação com o mar. Fora por isto que

Gonzalez reconhecera a montanhosa região do Tape,e no mesmo intuito entrou elle agora no Caro, paizpossuído pelos Caaroans e a cerca de dez legoas do

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400 HISTORIA DO BRAZIL.

1628. Uruguay, caminho direito da costa. Acompanhou-o

Rodriguez, e sendo esperada a vinda de ambos, havião-se reunido muitos caciques para recebel-os; arvorarão os missionários a cruz, demarcarão logar parauma egreja, baptizárão as crianças, e principiarão adelinear uma reducção, mal pensando que estava aponto de rebentar uma colligação dos indígenas

contra elles. O primeiro motor d'esta trama era umcerto Potirava, que, tendo pertencido á reducção deXavier, a deixava com ódio mortal aos Jesuitas pelaspeias que lhe punhão, e quiçá pelos castigos soffri-dos. Niezú, o cacique que em Buenos Ayres fora festejado com tanta adulação e distincções, andava ja

cançado de suas relações com os Jesuitas :ja descobrira, que quaesquer que fossem as outras vantagensque podesse tirar do seu novo systema de vida, trocara uma auetoridade real por outra nom inal, eaprendendo do exemplo que lhe davão os seus mestresespirituaes a conhecer quanto poder andava unido aocaracter sacerdotal entre um povo crédulo, principiou a representar o papel de impostor, e a aspiraraos foros de inspirado ou de divindade. Não linhaelle porem rompido abertamente com os padres(apezar de se ler dado pela mudança nas suas disposições e procedimento) q.uando Potivara veio fazerd'elle instrumento da sua vingança; pondo-lhe deantedos olhos a vergonha de despedir suas mulheres eviver como um escravo debaixo das ordens dos Jesui-

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H I S T O B I A DO B B A Z I L . 401

tas, que não tardarião a escravizal-o realmente, se 1628-

não empregasse meios vigorosos para prevenir o caso.Formou-se uma vasta conspiração entre os selvagens,queá nova preferião a antiga vida, e os Caaroans,entre os quaes e com os quaes estavão Gonzalvez eRodriguez fundando a reducção de Todos os Sanctos,entrarão no segredo. Quasi concluída estava a egreja,

e depois de ter celebrado missa reunira Gonzalez osíndios para pendurar o sino. Curvava-se elle paraatar a corda quando um golpe de macana o prostrousem vida, e outro lhe esmigalhou o craneo. O gritoque levantarão os matadores attrahiu d'uma próximacabana Rodriguez, que também foi assassinado damesma forma; mutilados os cadáveres, forão arrastados em triumpho e a final queimados com a egreja,alfaias e imagens. Entre historiadores ecclesiaslicosda religião catholica todo o martyrio é incompleto seo não acompanhou algum milagre, e sendo estes osprotomartyres do Paraguay, tanto mais era de esperara concomitância miraculosa, e tanto menos de dis

pensar-se. Fr. Charlevoix, escrevendo em França, eem meados do século décimo oitavo, affirma sobre ojurídico depoimento de grande numero de testimu-nhas oculares, que ao voltarem os índios ao fogo,terminada a festa, acharão os corpos quasi inlactos epara maior confusão d'elles assim lhes faltou uma

voz, que parecia sahir do coração de Gonzalez : « Ter-namente vos amei e pagasles-me a ternura com uma

i i ' . 10

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402 H IS T O R I A DO B R A Z I L .

1028. morte cruel, mas so tivestes poder sobre o corpo, ea

alma goza da gloria dos sanctos no ceo. Caro vos custará o vosso parricidio, e meus filhos vingarão exemplarmente o indigno tractamento que destes á imagem da Mãe de Deus. Comtudo, não vos abandonarei,e ainda haveis de experimentar o meu amor. » Convém notar que assim como sempre se referem mila

gres por estas occasiões, assim lambem são ellessempre perdidos para os que os presenciâo. Caarupé,o cabeça dos conjurados, em logar de se deixarcommover pelo prodigio, mandou abrir o peito doJesuita e arrancar-lhe o coração, e erguendo-o aoar, disse : « Aqui tendes o coração, que ainda agora

nos ameaçava. » Depois, diz a lenda, trespassou-o,duas vezes com uma setta e atirou-o a segunda fogueira, que se accendeu para consumir os restos doscorpos. Dous jovens, que ajudavão á missa aos Jesuítas, e a quem os matadores não fizerão mal, forãolevar a noticia a Romero na Candelária, que erau*reducção mais próxima. Aqui o povo, que era datribu chamada Caasapaminianes, clamou vingança,e Romero lhe disse que o sangue dos martyres se nãovingava com sangue, mas, accrescenlou, seria grandeprova de affecto recobrar os restos mor taes dos sanc-

• tos. A isto sahiu pois uma partida de duzentos, queeffectivamente trouxe os semiqueimados cadáveres,e também (dizem os escriplores jesuítas) o coração,que nenhuma marca tinha do fogo, e a seita, que o

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HISTORIA DO BRAZIL. 403

varara. Passados alguns dias, tentou Caarupé sor- 1628

prehender Candelária, mas montando a cavallo á

frente dos conversos, desbaratou Romero os invasores.

Apenas soube que havião sido mortos Gonzalez e Desbaptizan • - i i N i e z ú

Rodriguez envergou Niezú um vestido de pennas, o» conversos.reuniu o povo, apagou os fogos, e com um maracdna mão declarou que Fr. Juan de Caslillo, jovenJesuita ultimamente encarregado d'uma reducção nopaiz d'aquelle regulo chamada Assumpção, deviamorrer : « Tigres d 'estas selvas, exclamou, aguçãe osdentes, e dilacerae um homem que me offendéu. Senão me obedeceis, volverei aos ceos, e armarei oselementos contra vós como meus inimigos. «Imme

diatamente se pozerão todos em marcha para assassinar Castilho, guiados por Potirava e Quarabay, paed'uma das mulheres de Niezú. Pelo caminho toparãocom alguns índios que andavão em busca de Gonzalez, para que os admittisse n uma reducção; offe-recerão-se aquelles para conduzil-os, e apresentando-

os a Castillo, pedirão o presente, que por taes occasiõesera de costume. Mal tinha elle distribuído seus donativos, agarrárão-no os emissários de Niezú : pediuo padre que o não matassem, antes lhe tomassemquanto tinha, retendo-o escravo, mas elles responderão que so lhe querião a vida, e arraslando-o por

uma corda d'esta fórmá o matarão miseravelmentecom innumeraveis golpes. D'ahi a pouco chegou Niezú

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404 HISTORIA DO BRAZIL.1628. a gozar do seu triumpho e desbaptizar as crianças da

reducção. Consistiu esta curiosa ceremonia em lavar-

lhes a cabeça com água quente, esfregar areia nalingua e raspal-a com uma concha, para tirar quaes-quer restos do sal com que havia sido tocada : e paraque a.dessagração fosse completa, enfiou o selvagemo vestido de pàgé sobre as vestes sacerdotaes do Jesuita. Partiu os vasos sagrados, lançou fogo á egreja,

e disse ao povo que d 'aquelle dia em deante era outravez seu o paiz; ninguém temesse mais assolações,tomasse cada um quantas mulheres quizesse, comoseus pães havião feito sem pre, e quanto a elle mesmo

charlevoix. ninguém mais lhe disputaria a divindade.Derrota da D'aqui seguiu Niezú para S. Nicolao sobre o Pira-

sraçao. ^.^ Tinhão-se os dous Jesuitas retirado em tempopara a Conceição, e o selvagem lhes arrazou a casa,tentando porem debalde, segundo se affirma, repetidas vezes lançar fogo á egreja. Em quanto n'isto seoccupavão os seus sequazes, reuniu-se a .gente dareducção, deu sobre elles e pol-os em fuga. Animou

isto o povo da Conceição, mas era mui grande o sobre-salto em que todos andavão. Vastos havião sido osplanos de Niezú, tractava elle de instigar todas astribus orientaes e geral ia evidentemente tornar-se alucta contra o crescente dominio dos Jesuitas. A

"todas as reducções e cidades hespanholas ao perto e

ao longe se mandarão mensageiros a dar conta doperigo e pedir auxilio. Entretanto acompanhou Fr.

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H IS T O R I A DO B R A Z I L , 405

Diego de Alfaro um cacique catechizado, por nomeNieuguir, com oitocentos homens contra este formidável inimigo, pensando com acerto que quantomais depressa fosse accommettido, mais facilmenteseria subjugado. Chegado á vista das forças hostisexigiu Alfaro que lhe entregassem Niezú com quantos houvessem tomado parte nos assassinatos. Uma

.descarga de settas foi a resposta, mas os selvagens,que parecem ter sido sorprendidos, facilmente sedeixarão derrotar, sem que Niezú soubesse desem-volver coragem no momento do perigo, sendo bempelo contrario um dos que primeiro fugirão. Escapou-se elle atravessando o Uruguay, mas tal terrorhavia inspirado que ficarão sem pre as reducções commedo do seu reapparecimento até que passados annosse soube ter elle sido morto por uma horda errante.Quebrada não estava ainda a força da confederação,e para supprimil-a se fazião grandes esforços portodo o paiz.. Manoel Cabral Alpoino, abastado Portu

guez estabelecido em Correntes, trouxe uma tropade cavalleiros hespanhoes á sua própria custa; e detodas as reducções vierão forças bem como das menos•felizes aldeias de índios administradas por Francis-canos debaixo do systema das encomiendas. Debaldetentou obter auxilio do governo D. Diego Boroa*

reitor da Assumpção, que fazia as vezes do provincialausente, até que desenganado recrutou gente á custada companhia, è com ella veio em pressa. Apenas

1628.

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406 HISTORIA DO BRAZIL.

1628. reunidas marcharão estas forças a toda a pressa de

baixo do commando de Cabral para a Candelária,onde Romero se via ameaçado dos Caaroans. Aquialcançarão os cavalleiros rápida victoria, mais felizainda por cahirem prizioneiros todos os caciques quemais activps se havião mostrado contra os padres.Doze d'entre elles forão suppliciados. Polivara esca

pou da batalha; sendo porem entregue por aquelles.de quem esperava protecção, teve também por castigoa morte. Bem querião os Jesuitas, segundo affirmão,evitar estas execuções, sendo so a instâncias d'ellesque forão perdoados outros muitos criminosos, e aúnica consolação que tiverão por não poderem salvar

o resto, foi ver morrer todos como verdadeiros penitentes. Ainda maior régosijo lhes forão as provas domilagre do coração de Gonzalez, e colligirão-se at-testados para apresentar á cúria romana quando serequeresse a canonização dos martyres. Entre outrascouzas depozerão testim unhas, que não houvera mão

que se tingisse no sangue dos Jesuitas, que não ficasse coberta de pústulas, nas quaes pelo fétido queexhalavão insupportavel aos mesmos criminosos, oimpossivel era deixar de reconhecer um signal dacólera divina.

Voltarão os vencedores á Conceição em procissão

conjunctamente funerea e triumphante. Erigirão-sepelo caminho arcos festivaes, e accenderão-se- fogosde alegria. Os ataudes, em que ião os sanctos restos,

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HISTORIA DO BRAZIL. 407

erão alternadamente levados por caciques indios e 1628-

Officiaes hespanhoes, marchando de um e outro lado1

Jesuitas, que de toda a parte afflüião a assistir á so-leinnidáde. Seguia-se o exercito em ordem de batalha,eno meio os prizioneiros; apoz vinhão as criançasda reducção, depois as mulheres, logo atraz os homens e por fim os caciques. Na Conceição se enter-1

rárão os corpos, mas o coração de Gonzalez e a settacóm que fora transpassado, mandárão-se para Roma.Não pouco difficuldade houve em guardal-os do povoda^Assumpção, por onde passarão, pois que tambémalli se prezavão relíquias de martyres, querendotodos obter um bocadinho do coração. Em honrad'esles successos se celebrou nsaquella cidade umofficio solemne. Era Gonzalez natural da Assumpção,e um de seus irmãos (conego da calhedral) cantouo Te Deum em acção de graças pela coroa do marty-rio. Os sentimentos qúe por estas occasiões se sus-citão, ennobrecem e quasi sanctificão a superstição, cbwievofr.

i* F • , • 3 5 9 - 6 2 .

que os cnama a existência.Altamente favoráveis forão estes últimos aconte- crescentepoder

címentos á crescente influencia dos Jesuilas. Ao des-dos ,eíuitas-prezo-da morte estão costumados os selvagens, maspara o que se seguiu á dos Jesuitas não estavão elles 1620.preparados. Ficarão dispostos a acreditar quanto" mi

lagre lhes contassem, e o régosijo publico pela sortedos\ue tinhão sido exaltados ás honras do martyrio(régosijo em que todas as classes tomarão parte),

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408 HISTORIA DO BRAZIL.

1629. bem como a confiança, com que não so os Jesuilas eos conversos, mas todos os Hespanhoes descançárãono patronato e intercessão d'esles novos sanctos, tudoisto os impressionou tanto pela sua extranheza,como pela sua sinceridade. Nem elles podião contem^plar sem admiral-a a conducta dos Jesuilas, o seudesinteressado enthusiasmo, infatigavel perseverança, e as privações e perigos a que se sujeitavãopor nenhum respeito mundano. Aos que so tinhãoouvido fallar d'esles homens portentosos, ganhaya.acuriosidade de vel-os, eos que uma vez cahião sobainfluencia d'estes espíritos superiores e sentião o contagio do exemplo, não tardavão a submeller-se aolucrativo sacrifício das suas velhas superstições. Posto

que mal houvesse ainda attingido essa forma perfeita,,que depois adquiriu, ja este systema ganhara raízes,desenvolvendo-se rapidamente, quando foi atacadopor Paulistas do Brazil, inimigos tão formidáveiscomo inesperados. D'aquelle mesmo logar ondeAnchieta dedicara os seus dias e as suas noutes.a

preparar o caminho para â conversão dos selvagens,devia partir a mais implacável e feroz guerra aosmissionários. .„

os Paulistas. Tão memorável papel representarão os Paulistasno Brazil e no Paraguay, que de importância se tornaseguir-lhes separadamente a histeria, expurgando-a

de fábulas e appreciações errôneas. Quando pela primeira vez principiarão os Portuguezes a pensar se-

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1029.

H I S T O R I A DO B R A Z I L . 409

r iamente em occupar o Brazil, não querião nem o

governonem os respectivos donatários qu e os colonosse afastassem da costa para o sertão. Sendo o fim

principal obter productos para o reino, não podiãoestes vir do interior d'um paiz invio e selvagem;nem podia a população de Portugal fornecer aventureiros bastantes para se exporem a esse perp etuo

gu er re ar que nas posições sertanejas de todos os ladosos am eaçava. Por esta razão forão os donatários auc-torizados a fundar quantas villas quizessem sobre a

costa e sobre rios navegáveis, mas se formavão estabelecimentos no interior devião esses ficar a não menos de seis legoas de distancia uns dos outros, re

gulamento que parecia envolver uma prohibiçãoindirecla. Com o mesmo fim se inserira nas instruc--ções com que veio o primeiro governador generalThomé de Souza, que ninguém sem licença especialtraficasse no sertão. Não era possível povoar simultaneamente as costas, e o interior, e na preferenciad'esle antevia-se o mallogro d'esse commercio, cujaimportância era devidamente apreciada em Lisboa,percebendo-se porventura também que quanto maisdas relações com a mãe pátria se afastão os colonos, Gasparda

Madre~ i J ataoremais frouxos se tornao os laços que os prendem, e de oeus.

Memór ias .

menos segura a sua obediência. i< § m

Mas este systema de política colonial so era prac- Fun(!ac5o, , . . . . i • _ j da cidade de

ticavel ate onde coincidia com as inclinações dos^ s. rauio.

colonos. A Bamalho, que Martim Affonso de Souza

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410 HISTORIA DO BRAZIL.

15JW. achara residindo nos campos de Piratiiiinga, e que

fez uma alliança entre os seus conterrâneos e.os naturaes, não se pôde negar licença de alli se deixarficar, estabelecendo elle com sua família o que entãose chamava uma força, isto é uma casa forte. Tãogeralmente notórias se tornarão em breve as vantagens d'esta situação, que D. Anna Pimentel, goveiv

nandoem nome de seu marido Martim Affonso entãogovernador da índia, revogou, cedendo provavelmente aos desejos dos colonos, todas as prohibiçõesexistentes e permittiu a todos estabelecerem-se alli.Desde esse tem po principiarão a decahir os estabelecimentos sobre a costa; gradualmente se foi despo

voando S. Vicente, e o florescente commercio de*Sanctos com Angola e com a mãe pátria definhou,extinguindo-se fina lmente. Mas nos deliciosos camposde Piratininga multiplicavão-se tão rapidamente oscolonos, que nove annos depois de levantadas pro-hibição, permittiu Thomé de Souza a creaçãO,d'umavilla, com a condição de que antes de concedido oforal se ergueria alli uma fortificação, com sua trincheira e quatro baluartes guarnecidos de artilharia.Estas obras, bem como egreja e cadeia, fel-as Ramalhòá sua custa. Tinha-se elle alliado com os Goayanazies,tomando para si a filha de Tebyreçá, um de seusregulos, e pois que a chamão Isabel, é provável queelle a desposasse; dos seus filhos porem se diz queerão uma legião, sendo assim evidente haver-se elle:

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8 d'abr.1553.

H IS TO RIA BO BR A ZI L . 4 1 1

conformado com o costume dos índios, tendo quantas- 15í4-!

mulhefes lhe pedia o gosto ou o interesse. Concluídas, taes quaes erão, as forlificações, subiu Antôniode Oliveira, representante do donatário, a serra, eplantou o pelourinho nas terras de Ramalho, ele-vando-as assim a villa, com todos os privilégios inhe-rentes, e a denominação de Villa de Sancto André,

de que foi o mesmo Ramalho primeiro alcaide-mór,tendo sido antes guarda-m ór do campo.

Ficava S. André a cerca de meia legoa da borda,do campo, no sitio hoje chamado Fazenda de S. Bernardo, propriedade do convento deS. Bento da cidadede S. Paulo. Corre por esta região o rio Tietê *, no

qual deságua o Piralininga, que dá ao campo o nomeque elle mesmo tira da quantidade de peixe que, retirando-se depois d'uma cheia, deixão as suas águas mogo de

i -, í i i i i ) . ' Toledo Lara.

sobre as ribeiras a seccar ao sol. A orla d este no ordone?.•m K o t 8 e a t '

mais pequeno tinha sua residência Tebyreçá, ou Anchietam.s.

Martim Affonso^ como o chamavão pelo nome debaptismo. Resolvendo porem transferir de S. Vicentepara aqui o collegio dos Jesuilas, escolheu Nobregauma eminência entre o rio Tamandoatey e o córregoAnhamgabahú a Ires legoas de S. André, e Tebyreçácom Cay-Uby, outro cacique convertido, e seus povosdeixárão-se persuadir a m udar-se também para alli,erguendo o primeiro suas tendas onde está hoje o

1 Antes chamado Rio Grande e Anhambi pelos Portuguezes.

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412 HISTORIA DO BBAZIL.

1553. convento de S. Bento. Aqui edificárão uma egreja

como poderão, e como succedesse celebrar-se"a primeira missa no dia em que se commemora a conversão de S. Paulo, escolheu-se este apóstolo para padroeiro da egreja e do novo aldeamento, que por issose ficou chamando de S. Paulo. Ficava elle poremperto de mais de S. André para que podessem flores

cer ambos, e com mãos olhos o viâo Ramalho e a suageração mameluca, não so por que homens, que,vivião em aberta e habitual violação dos preceitos einstituições do christianismo, não podião deixar deser hostis a quem pugnava pela observância d'estesdeveres, mas também por que vendo bem como a

sua própria villa nascente perdia a importância, jareceavão as conseqüências que não tardarão a seguir-se. Fortes com o favor do governador erão os Jesuitasentão demais a mais altamente populares. Nobregarepresentou a Mem de Sá que a situação de S. Andréfora mal escolhida, por ficar na extrema do campo,e assim exposta aos ataques que partissem das vizinhas malas, em quanto que assente em pais aberto,nenhum risco corria S. Paulo de ser sorprehendida,pelo que aconselhava que para aqui se transferissemo pelourinho e o foral, accrescentando ainda comorazão para a mudança, não haver em S. André sacerdote que administrasse os sacramentos, podendo-se com a proposta remoção sanar os dous malespolítico e religioso. Em conseqüência d'isto fez-se a

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1581.

H I S T O R I A D O . B R A Z I L . 413

transferencia que Ramalho receara, plantando-se o 15eo-

pelourinho em frente ao collegio dos Jesuitas. Menosrazão de queixa linha elle porem do que os malfadados indígenas. Vendo esles a nova affluencia dePortuguezes, e como elles dia apoz dia lhes ião tomando mais terras , levantarão seus arranchamenlos.Passados alguns annos assignou o donatário a cadauma das duas tribus uma área de seis legoas quadradas; fora sufficiente em extensão a assignação,assim ella tivesse sido respeitada, mas é que_nãofaltarão invasões, apezar de se reservarem expressamente os direitos d'esles índios em todas as sesma-rias posteriormente concedidas a Portuguezes. Ac-tualmenle mal possuem os miseráveis descendentes

d'este povo um palmo da terra que foi de seus pães.Em i 581 passou-se de S. Vicente para S. Paulo a sededo governo da capitania.

Tal foi a origem d'esta cidade. Admittindo-as ambas, são fáceis de conciliar, por mais que entre sidivirjão, as noticias que dos moradores dão os Jesuí

tas, seus inimigos, e os Portuguezes seus apologistas:tanto os crimes como os serviços dos Paulistas forãoda maior magnitude, e pela absurdidade facilmente sereconhece a linguagem da exageraçâo eda falsidade.Pela sua situação tinha a cidade como que cortadasas relações com as outras povoações l : pouca ou

1 Do único cam inh o, que da costa alli levava, ainda em 1797 se

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414 HISTORIA DO RRAZIL.158i- nenhuma communicação tinha com Portugal, e

commercio não o havia por falta de sahidas, mas osolo era fertilissimo e ameno o clima. A semelhantelogar devião naturalmente affluir aventureiros, desertores e reos de policia : alliárão-se elles com asíndias, e a mescla de sangue indígena, que por todoo Brazil foi grande, em nenhuma parte foi talvezmaior do que aqui. Com este cruzamento melhoroua raça, desenvolvendo-se o espirito de empreza; euro-peo em constituições adaptadas ao paiz. Mas os mameiucos crescião sem freio de lei nem religião. Lei,mal se pôde dizer que existisse n'uma terra ondequalquer practicava impunemente quantas mortesqueria, e quanto a religião, era supprida por uma

grosseira idolatria, de tão pouca influencia sobre oscostumes dos seus adherentes, que estes, commet-

tendo os mais horríveis e flagrantes crimes, conti-nuavão a ter-se por bons catholicos, alimentando amais viva fé na Virgem Maria e"nos sanctos do pa-raizo.

Desimiçâo Dous objectos havia que os Paulistas se propunhãoindígenas, com incançavel actividade, o trafico de escravos Índios

e a descoberta de minas. Ao chegarem os Jesuitas aoBrazil erão excessivamente numerosos os naturaes aolohgo da costa. Para exprimir a multidão que haviad'elles, dizia Thomé de Souza a el-rei que, se os ma-

dizia que era talvez o peor do mundo. Desde então tem melhoraJomuito.

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tassem para o mercado, não se lhes daria fim. Más 1581-

ao passo que se robustecião e estabelecião mais engenhos de assucar, tornavãor,se mais tyrannicos oscolonos, tractando os indigenas como uma raça deanimaes inferiores, creados unicamente para usod'elles. Innumeros d'estes pobres índios definhavãona escravidão, outros vivião acabrunhados -de duro

trabalho e desapiedados tractos, e os que escapavãoao captiveiro fugião para os sertões, onde a quatro-' centas e quinhentas legoas do mar ainda mal se jul-gavão seguros. Onde quer que os Portuguezes- se havião junctado, tivera logar esta destruição. Prose-guindo sempre no systema inaugurado por Nobregae-Anchieta, ião os Jesuitas, quando para o seu zelonão achavão mais emprego na costa, buscar os indígenas ás suas abrigadas, sendo estas jornadas m uitasvezes obra para deza?eis a dezoito mezes. A fama quehavião adquirido, induzia freqüentemente os naturaes a dar-lhes ouvidos, seguindo-os para a costa.D'isto se aproveitavão os caçadores de escravos, e dis

farçados quaes Jesuitas altrahião muitas vezes os selvagens com este o peor de todos os sacrilégios, Debalde promulgava a corte decreto sobre decreto afavor dos Jesuitas e em bem dos índios, os mesmos,cujo dever era fazer executar estas ordenações, se-achavão freqüentemente envolvidos na culpa que

havião de punir e atalhar. Não menos impoliticoque perverso era este procedimento. Se como Thomé

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416 HISTORIA DO BRAZIL.*

1381 • de Souza e Menl de Sá tivessem os governadores seus

successores apoiado os planos dos Jesuítas, nunca oscolonos se terião visto baldos de trabalhadores livres,mas com a sua tyrannia despovoarão tão completamente a costa (excepto onde os selvagens dominavãoferoz e continuamente guerreando), que a não tersido o zelo perseverante dos missionários, não se te

rião podido manter as colônias nos princípios doGuerreiro, século décimo seplimo, nem a rara população europea

1605. P . ii3.;foqUvera resistido aos piratas inglezes.Expedições Severamente se sentirão na guerra dos Hollande-°lm buscas zes os effeitos d'esta ruim política, pois que, se nãode escravos

ede minas, houvera o inimigo achado alliados entre as tribus dePernambuco e do Potengi, não teria por tanto temposustentado o terreno, nem posto em Ião grave risco aexistência dos Portuguezes no Brazil. No correr daguerra não forão investidas as provincias dó sul, florescendo por tanto o Rio de Janeiro mais do que teriasuccedido se houvessem continuado em paz a Bahia e

.Pernambuco. Mas a perda das possessões africanasaffectou duramente esta parte do paiz; não tendomais aonde ir buscar escravos, e consumido o abastecimento de naturaes, que lhe ficava ao alcance, restava o sertão como único recurso aos Portuguezes

-que d'ahi forão effectivamente suppridos pelos Pau

listas. Para justificar estes homens nada, e para atte-nuar-lhes o nefario proceder bem pouco pôde dizer-se; mas alem dos princípios communs a todos os

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traficantes d'escravos, algumas circumstancias espe-ciaes houve que os determinarão. O germen e, paraassim dizer, o grosso da população, era de mamelu-cos criados no ódio hereditário contra a sua tribumaterna, e obedeciâo ao instincto d'uma naturezapervertida, perseguindo homens que julgavão seusmorlaes inimigos. Alliando-se com as tribus que encontrarão no campo de Piratininga, adoptárão os

Paulistas em geral as mesmas inimizades, seguindocomo natural conseqüência as mesmas guerras; nemse deve esquecer que pela sua crueldade serão osselvagens sempre olhados das raças mais civilizadasantes como bestas feras do que como homens, especialmente se são cannibaes como quasi todas as tribus

brazilèiras. Annos duravão ás vezes as expedições ácata de escravos. Qualquer aventureiro resoluto, comoGarcia, mas com mais companheiros da sua côr, sepunha á testa d'um exercito de selvagens confederados, partindo audazmente a bater o paiz. Nunca sepozera em duvida a existência de minas no interior,

ede tempos a tempos tentara o governo descobril-ascom o bom êxito apenas sufficiente para prova deser a presumpção bem fundada. Mas erão os Paulistasincançaveis nas pesquizas; para elles, buscar minas»e caçar escravos tudo era um, e a partida que eraassaz forte para segurança própria também o era

para aggredir, servindo um bando de índios paracompensar uma expedição perdida em procura de

i n . 27

15 8 1.

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418 HISTORIA DO BRAZIL.

1581. ouro% jQe sustento durante as entradas no sertão ser-

vião os pinhões, alimento ordinário dos selvagensn'estas partes (as mais férteis do Brazil), e que tantohavião valido a Cabeza de Vaca nas suas marchas.Comião-se crus, assados ou cozados. Deixado atraz opaiz que dava aquelle fructo, raras vezes falhava acaça ou a pesca. Também crescia aqui uma espécie

de palmeira, de que como da mandioca se fazia farinha, e de que parece ter-se feito uso n'cstas expé-vídà'dl/oaò dições pelo nome que se lhe dava de farinha de

cVAlmeida.

3,1, § 2,5. guerra.inimizade ^om ° ze^° de homens que sabião estarem curn-PauS e prindo o seu dever, se oppunhão os Jesuitas ao traficoJesuitas. . . . . .

de escravos índios; nunca houve mais sancta causa,nunca houve quem a uma causa se votasse com valdrmais heróico. Assim tornarão elles seus implacáveisinimigos desde a fundação deS. Paulo os mamelucdà,e na verdade a maior parte do povo. Terem sido crea-das por esta ordem odiosa era razão bastante para

que os Paulistas vissem com olhos hostis as reducçõesdeGuayra, e uma causa que os Jesuitas devião haverprevisto, ainda mais veio exacerbar este sentimento.Consummada porPhilippelI a usurpação dePorlugal,

•nada se tentou para como as duas coroas un ir os*dousreinos, procurando antes uma política banal e myope

assegurar a cada paiz as vantagens exclusivas dassuas colônias. Estavão porem ainda por demarcar oslimites na America do Sul Favorável era esta incer-

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teza aos Portuguezes, que nos Paulistas possuião uma i581,

raça de homens mais hardida ainda do que a dosprimeiros conquistadores,, em quanto que extinctasjazião entre os Hespanhoes do Paraguay toda a acti-vidade é empreza. Depois de Nuflo de Chaves mal sehavia feito entre elles uma tentativa para alargar assuas possessões e descobertas. Mas ò systema introdu

zido por Ortega e Filds á imitação dos seus irmãos noBrazil, produziu importante mudançai Extendião osJesuitas continuamente os seus estabelecimentos e osseus planos, e infelizmente para os seus conversos epara 'elles mesmos extendião-nos na direcção dooriente por um paiz dentro, que os Paulistas conside-ravão como pertencente a Portugal'e ainda maisparticularmente como seu próprio terreno de minase escravos. 0 que é certo é que se estes aventureirosse não houvessem movido, ter-se-ia a Hespanha apoderado da costa do Brazil ao sul de Paranaguá, e hespanholas em vez de portuguezas terião sido no sertãoas minas de Goyaz, Mato Grosso e Cuyabá.

Foi em 1629, quando ja vinte e uma estavão for-

1 F r. Gaspar da Madre de Deus (§ 165) citaVaisselte (Hist. géograph.ecclésiast. et civile, t . 12 , p . 215 , édition de 1755.) em apoio de sern Para<rnay n ümitp nTÍHontnl Ha Mpitania rle S. Vicpnte, concluindouuqui que devia aquelie . ^ w i ou.i<-ora.n' .,uu Iodas as terras entre acosta e o indicado rio perlencião de direito á coroa de Portugal, como

pretendião os Paulistas, e não á de Castella. Suspeito muito que Vais-setíe se referisse á província e não ao rio, e que muito bem lhe entendessem o sentido.

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Atacãoosas reducções.

420 H IS T O R I A DO B R A Z I L .

i°29- madas, que os Paulistas principiarão a sua guerra

pSas contra as reducções. Cahirão sobre a da Encarnaçãona.Guayra, mas evidentemente com poucas forças,e achando-se alli Montoya pôde intimidal-os ou per-suadil-os a que tomassem outro caminho. Curta foia folga. Depois d'islo veio D. Luiz de Cespedès governar o Paraguay. Tinha havido ordem expressa para

que quem fosse aquelle paiz tomasse o caminho deBuenos Ayres, sendo prohibida a jornada por terrapelo Brazil, para se evitarem conflictos com os índios,mas D. Luiz alcançou licença de seguir esta via. Maisconhecido do que no tempo de Cabeza de Vaca eraagora o paiz, e seguindo caminho direito, passou o

governador por S. Paulo exactamente quando alli sepreparava uma formidável expedição contra as reducções, compondo-se a força, segundo se diz, denovecentos Paulistas e uns dous mil índios tupis, aocommando de Antônio Raposo, distincto caudilhon'eslas emprezas. A alguns dias de jornada d'aquellacidade embarcou D. Luiz num rio, que o levou aoLoretto, onde se demorou algum tempo, mas apezarde ter visto os preparativos em S. Paulo, e de Montoya, sabendo bem onde iria cahiro raio, o suppli-car que lhe desse tropas para sua defeza, negou-lhaselle, pretextando nenhumas poder dispensar. Desla

vez acharão os Paulistas para as suas hostilidades ummotivo, que devia parecer sufficienle a homens quetinhão a intelligencia corrompida pelo coração. Um

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H I S T O R I A D O B R A Z I L . 421

cacique, por nome Totaurana, evadindose, depois de 1629-ter sido uma vez apanhado por uma partida de caçadores d'escravos, commandada por Simão Alvares, refugiou-se na reducção de S. Antônio. Alvares, que também n'esta expedição commandava um destacamento,soube onde elle estava, e exigiu a sua entrega, maso Jesuita Mola, que era alli o direclor, respondeu quenão podia restiluir á escravidão um homem que

d'ella escapara, tendo nascido livre, e que se achavaagora sob a protecção d'el rei. Communicárão estaresposta a Raposo, e Mola antevendo que a conseqüência seria um ataque contra a reducção, principiou pelo preparativo, que mais urgente lhe pareceu, baptizando quantos julgou em estado de rece

berem o sacramento, e gastando n'esla obra setehoras consecutivas, até que não podendo mais levantar o braço, foi precizo que alguém lh'o erguesse.Deu-se o assalto, e foi saqueado o Jogar; quem tentouresistir, foi trucidado ao pé mesmo do aliar, e maisde 2,500 índios forão arrastados escravos. De nada

valerão as admocstações, as supplicas, as lagrimas doJesuita, e quando este lembrava áquelles dcsalmadosa justiça divina, respondião elles que quanto a isso,tinhão sido baplizados, e havião pois de entrar noceo. Da mesma fôrma se destruirão outras três reducções : debalde se revestião os Jesuitas com asvestes do altar , sahindo de cruz alçada ao encontrodos Paulistas; homens da tempera d'estes não erão

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422 H IS T O R I A DO B R A Z IL .629- mais sensíveis á religião do queá hum anidade, e le

vando comsigo todos os índios de que podião lançarmão, adeante de si os ião tangendo com a barbaridade que sempre caracterizou e caracterizará esteabominável trafico, de modo que a maior parte lhesmorreu pelo caminho, exhaustos de fadiga, misériae fome. Quando ja nem a força dos açoutes podia

obrigar algum a seguir mais longe, deixavãomo queexpirasse abandonado ou fosse pasto das feras e abutres; nem se soffria que pae ficasse com filho oufilho com pae nesta tremenda extremidade, e o azor-

rague punha o sobrevivente em marcha. Mansilla e»Maceta tiverão a coragem de seguir a partida tão deperto como lhes era possível, confiando no que lhes»deparassem as selvas para subsistência, e administrando as consolações que podião aos moribundos-,de que ficava juncado o caminho. Nove mezes gas-1'tárão os Paulistas n'esta expedição, de que trouxerãopara casa 1,500 cabeças de escravos, gabando^se deque nunca havião •feito melhor caçada. Chegadosa S. Paulo, apresentarão os dous Jesuitas suas queixasao governador, mas em breve se desenganárão deque ainda que elle tivesse a vontade, faltar-lhe-ia opoder para fazer-lhes justiça . Seguirão para o Rio deJaneiro, onde solicitarão uma ordem para soltura dosseus neophytos e protecção das reducções. Aqui os

remettérão para o governador geral como quem sopara taes medidas tinha auetoridade, e assim forão

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á Bahia. Succedia isto no governo de Oliveira, que os 1C39-escutou comi apparente interesse, nomeando umSyndicante para acompanhal-os a S. Paulo e fazeralli cumprir inteira justiça, mas os Jesuitas bem virão que so a força poderia dar efficacia a estas ordens.Mas também pedião elles o que o governador em temponenhum poderia fazer. Ja os infelizes índios tinhãosido vendidos e dispersos pelo paiz, e muitas pessoas

d'alta posição, que elle não ousava ou não queriaoffender, erão compradoras; alem d'isto tinha Oliveiranegócios urgentes, que lhe prendião a attenção, poisacabavão os Hollandezes de estabelecer-se em Pernambuco , e todos os pensamen tos 1he absorvia uma guerra,que bem podia, m al sabia ellequãocedo, vir bater-lhe

á própria porta. Mao como era o século e perversacomo era a gente, alguns exemplos de bondade appa-recião ainda, como sempre os ha nas peores epochase entre os peores povos. ^ío Rio de Janeiro forão dozeíndios restiluidos aos Jesuitas por pessoas que oshavião comprado para darlhes a liberdade. Um tal

Jeronymo da Veiga aconselhou a Macela que fosse áHespanha queixar-se ao rei em pessoa, e offereceu-separa costear a despeza, mas o missionário descobriraque outra expedição se aprestava do mesmo gênero,pelo que julgou necessário volvera toda a pressa aoseu posto. Apenas os dous Jesuitas chegarão a

S. Paulo, forão agarrados c postos em custodia. Logoatraz d'elles chegou o syndicante, que procurou dar

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424 HISTORIA DO BRAZIL.

1630. cumprim ento ao seu mandato, mas disparárão-lhe

um tiro e os moradores lhe declararão que primeirose lornarião pagãos do que deixal-o executar as suasinstrucções. Teve elle pois de sahir da cidade a todaa pressa, sendo logo depois postos em liberdade osdous missionários, que o reilor docollegio até entãotinha debalde reclamado, e lá forão elles outra vez

caminho da Guayra, sem que da sua jornada levas-Tcclio.69 73!°7G. sem outro proveito alem da consolação de terem atéCharlevoix.

367-580. á ultima cumprido o seu dever.Effeitos Destruídos quasi totalmente estavão os fructos de

íaçôeVsoiwé tantos trabalhos'dos Jesuitas n'este paiz selvagem.is conversos. . , -

Conceberão os Índios uma suspeita de que havia ainvasão sido d'antemão concertada entre os missionários e os Paulistas, e de que o único fim para queos reunião assim em reducções, era para enlregal-ostraiçoeiramente á escravidão. Felizmente linha Maceta, quando seguia os invasores, podido obterá forçade instâncias a liberdade d'um cacique chamadoGuiravera e a da mulher do mesmo com mais seispessoas. Este homem, que fora antigamente mortalinimigo dos missionários, tornando aos seus antigos,hábitos de vida depois de reduzido , volveu agora paraentre os seus conterrâneos e com a mais zelosa gratidão justificou d'esta calum nia os padres. Não pôdeporem contrabalançar a impressão que enlrèos naturaes fizera a ultima assolação, sendo evidente quereunidos elles assim em grandes communidadesnum

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so dia se reduzião á escravidão mais do que anteriormente em muitos annos. D'esta disposição dos espíritos não deixarão de aproveitar-se os pagés. Concertados entre si erigirão alguns d'estes pelloliqueiro.scada um o seu logar de culto no cimo d'um monte,expondo á adoração os ossos d'alguns dos seus prede-ce sores e pronunciando oráculos. Algumas adeptasalli entrelinhão fogo perenne, e facilmente se poderia

haver d'este principio originado um culto ritual, seainda com tem po se não houvesse descoberto a couza.Montoya e seus confrades lançarão fogo aos templose ás cabanas que os cercavão1, e trazendo os ossos èmtriumpho, exposerão-nos na praça da reducção maispróxima, onde depois de calcados aos pés pelos índios

forão publicamente queimados. Havia um índio tãohorrivelmente configurado, que d'elle se diz que nãolinha no corpo parte que não. estivesse deslocada.Este desgraçado monstro, sedento de poder, que doutra fôrma não podia' empolgar, arvorou-se em objectode culto, e depressa achou adoradores, havendo

mesmo quem fugisse das reducções para ir reverenciar esta divindade vivenle. Apenas d'isto souberãoos Jesuitas, lançando mão d'elle, o entregarão aosrapazes para escarneo; ao mao effeito de ensinar a

1 Na traducção de Techo se diz que forão queimar os templos e osauctores da maldade. Desconfio que o original não diz semelhantecouza. A mo da dos autos de fé, por mais que fosse do gosto dos Je -su;tas na Europa, nunca se introduziu no Paraguay.

1630.

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426 HISTORIA DO BRAZIL.

1650 mocidade a zombar da fealdade não sealtendeu, mas

os discípulos do pobre deus ficarão efficazmente curados, vendo-o tão sem meios de proteger-se a simesmo, e acabou a historia por pedir este infeliz1

aleijado que o instruíssem na fé, e buscar na con-'versão todos os bens que podia gozar ainda.

fêem-se Inimigos como estes desapparecião, tão de pressa»

brigados se descobrião, mas contra os Paulistas outras armas;vacuar a ' 7

3uayra. erão necessárias e debalde a favor das rçducções sepedia protecção ao governador do Paraguay: não eraelle amigo dos Jesuitas, e vendo o perigo com indif-

ferénça senão com prazer secreto, nenhum auxiliolhes dava. Fizerão os Paulistas nova invasão : uma

reducção foi destruída, outra evacuada, epara completar o mal armarão os moradores de Villa Ricaciladas aos fugitivos, de modo que os que escapavãoás mãos dos caçadores portuguezes ião cahir nas doshespanhoes. Depois de emvão ter requerido justiçaaos magistrados d'esta villa, seguiu Fr. Francisco1

Diaz Tano para a Assumpção, onde se queixou aogovernador que friamente lhe respondeu, que levantarem os Jesuitas por couzas pequenas alarido grande,tornando-se assim odiados onde quer que apparecião.Em nome d'el-rei apresentou então Tano por escriptouma requisição formal de soccorro para a província

de Guayra ; mas foi esta traclada com tanto desprezocomo as representações verbaes. D. Luiz de Cespedesnão disfarçava o desejo que linha de destruir o sys-

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tema dos Jesuitas, substituindo-o pele das encomien- 1630,

das, e entretanto para pôr em ainda maior apuro asreducções, prohibiu todas as communicações pelo rioParaná entre as províncias de Uruguay e de Guayra,obrigando assim quem d'uma queria passar-se a outra, a descrever um rodeio de mais de cem legoas,seguindo o Paraguay. Contra este regulamento tãoprepotente como oppressivo appellou Tano para a

audiência real de Chuquisaca, que immediatamenteo revogou, mas de volta d'estes negócios veio o Jesuita* achar os Paulistas outra vez a talar o paiz. N'estamiséria resolverão os missionários evacuar Guayra,passando-se para alem do Paraná com todos os índiosque se deixassem persuadir a seguil-os. Cruel neces

sidade era esta. As duas reducções mais antigas deS. Ignacio e Lorelto, que forão as ultimas que permanecerão intactas, rivalizavão enlão com as melhores povoações do Paraguay, contando a primeiranovecentos famílias, e a segunda oitocentas. Asegrejas erão maiores que as da capital, e melhores

os seus ornatos, tendo os moradores chegado a essegrau de civilização que se propunha o systema. Pos-suião os conversos grandes rebanhos de gado, tinhãoextensas plantações, cultivavão algodão de que fabri-cavão seus vestidos, e não so provião amplamente áprópria subsistência, mas até da sua abundância

soccorrião os aldeamentos novos. Não restava agoraalternativa entre a emigração e a escravidão : houve

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428 HISTORIA DO BRAZIL.

1650. muitos índios que não se poderão resolver a arrostar

o mal menor mas certo, e d'estes uns voltarão aosseus antigos habites de vida selvagem, os outros ca-hirão nas mãos dos Paulistas. Raivando de ver quealguns lhes escapavão, perseguirão estes malvadosos emigrantes. Acompanhada de todas as tristes circumstancias de confusão, pressa e terro r se effectuou

a fuga : embarcarão os fugitivos no Pa raná. .. mas láestavão as cachoeiras que passar.Ao entrar na Cordilheira de Maracayú, mede o

clioeiras do

Paraná. p a r a n £ 2,100 toesas, quasi uma milha marítima, delargura media, e profundíssimas são as suas águas.De repente se contrahem as montanhas, deixando um

canal de trinta toezas apenas, en'esle

estreito cahetoda aquella massa de águas 52 pés francezes de altura n'um angulo de 50 grau s. A seis legoas de distancia se houve o estrondo da queda, e uma nuvemde vapor, visível a quasi egual distancia, precipita-se á roda em perpetuo aguaceiro com intensidade talque, segundo diz Azara, quem visita o logar despe-seinteiramente para approximar-se. Perto d'alli nenhuma ave se avista, nem animal algum, excepto oyaguarete, o animal mais feroz da America do Sul;acima e abaixo das cachoeiras são de diversas espécies os peixes. D'aqui até á foz do Yguazú, trinta etrês legoas de distancia, succedem-se um as ás oulras

as corredeiras, os redomoinhos, as voragens. Ao chegarem a este si lio, não tendo tempo para levar por

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1630.

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terra as suas canoas alé uma parte navegável do rio,desembarcarão os emigrantes, abandonando-as ao

rio que as fez em pedaços l Mais penosa que a primeira se tornou pois a segunda parte da jornada,sendo precizo romper caminho pelas florestas, vivendo do que ellas deparavão, e quando a final alcan-.çárão os fugitivos uma parte do paiz sobre a margemesquerda, onde esperavão ficar em segurança, e dos

destroços das outras se formarão duas reducções,rebentou entre elles conseqüência dos passados soffi i-mentos, uma peste, que os ceifou aos centos. Furiosas com tercm-se cevado nos mortes, arremettião asferas com os vivos e dos restos de treze reducçõespopulosas existião no fim do primeiro anno escassas

quatro mil pessoas2

. Os Hespanhoes, que tão mansostinhão assistido a esta destruição, ou perversos sidoconniventes njella, não tardarão a sentir lhe as conseqüências; que os Paulistas, não achando ja outra *«">i

1 Temos presente um interessantíssimo manuscripto do sern. J . P.

Gay, vigário de S. Baja em Missões, intitulado Historia da Republicajesuitica do Paraguay, no qual assigna-sea esta cataracta, mais conhecida pelo nomedeSa/ío de Guayra, 2,100 braças em sua maior largura que se reduzem inslantaneamente a 30 braças; e precipitando-sed'uma altura de 80 palmos continua o rio Paraná por espaço de 33 legoas seus saltos lançando-se de pçecipicio em precipicio. F. P.

s Charlevoix, que orça em 100,000 a população das reducções emGuayra, diz que não ficarão 12,000. Parece porem exagerado o calculo, pois que dos dous maiores aldeamentos compunha-se um de 900

e o outro de 800 famílias. É pois mais provável o numero que Techo,auetoridade mais antiga, dá do remanescente d'estes Índios .

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430 HISTORIA DO BBAZIL.1631. preza, vierão saquear-lhes as habitações, destruindo

completamente Ciudad Real e Villa Rica.Reducções Tantas calamidades terião desanimado homens,no Tape entre , . . . . . 1 i •

os itatines. estimulados por motivos mais baixos que o zelo religioso. Continuarão os Jesuitas os seus esforços com o

- mesmo ardor, mas infelizmente ainda para um lado,que os expunha aos ataques dos seus vigilantes ini

migos. Renovando as suas tentativas no Tape, formarão alli depressa quatro reducções, e outras tantasentre os Itatines, que vagavão pelo paiz a leste doParaguay sobre os rios que desaguão n'aquelle e noParaná, entre os 19 e 22 graus de latitude sul. Naorla do norte d'esta região ficava uma antiga povoá-

ção hespanhola chamada Xeres, onde os habilantesdesejavão ter um collegio de Jesuitas. Teria isto con-vindo aos planos da companhia, e contribuido paraa segurança d'um logar de maior importância paraos Hespanhoes do que elles pensavão, pois que fortemente occupado teria este posto sustado por aquelle

lado o progresso dos Brazileiros em direcção ás minas.Mas extincta a primeira geração de aventureiros, parecem os Hespanhoes do Paraguay ter perdido todo Q

vigor, enerfia c tino; contentando-se com opprimiros naturaes na sua vizinhança rmmediafa, so contendas intestinas podião despertal-os da habitual pre

guiça, em quanto anno por anno se tornavão cadavez mais audazes e emprehendedgres os Paulistas.Destruidos os florescentes estabelecimentos de Guayra,

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tiqueira a cem milhas apenas da cidade de Paraty '63i-

sobre a costa. Embora va no Paraguay perder o seunome, é o Paraná muito maior do que este, continuando ainda por três legoas o seu curso, antes quea lodosa corrente com que se misturou lhe turbeas águas. Depois de tornado rio considerável correpela.maior parte na direcção do sudoeste, até que

apoz a sua juncção comoYguassu torna para o oestea unir-se ao Paraguay1, Na primeira parle d'estecurso são geralmente alcanliladas as ribas orientaes,e planas e pantanosas as oppostas, compostas ou deflorestas de gigantescos troncos, ou de savanas ricasporem mal habitaveis, exlendendo-se a duas legoas

do leito as inundações periódicas, e se alem d'estealcance se quizesse fundar uma povoação, não haveria lá água. As correntes, que por este lado desaguãono Paraná, inundando o paiz na estação chuvosa,desapparecem na secca, ou tornão-se tão salgadas eamargas, que nenhum animal quer beber d'ellas.Se se abrem poços, é o mais das vezes tão ruim aágua, que não tem serventia, sendo alem d'isso quasisempre trabalho perdido, pois que por faUa de pedra

1 0 Paraná (que em tupi significa mar) toma este nome na confluência do Parahyba, que vem do centro da província de Goyaz, e dorio Grande que sae do interior da de Minas-Geraes nascendo na terrada M antiqueira. Serve de lim ites ás províncias de Minas, Goyaz,

S. Paulo e Pa r a n á ; dividindo outrosim o Brazil do Estado oriental, eda Confederação Arg entina. Recebe então o Paraguay e o Uruguay,adquirindo o nom e do Rio da Pra ta. F. P .

i n . 28

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434 HISTOBIA DO BRAZIL.1631 cem legoas em redondo, com que revestir-lhes as pa

redes, cahem estas durante as cheias. Desde oYguassú até ao mar é navegável o rio, porem comrisco. Ha alli sorvedouros, que engolem instantaneamente um bote, e de continuo se estão formando edesapparecendo ilhas pela força da corrente. Ondequer que se juncta um monticulo de areia e alguns

destroços, rebentão as sementes de. plantas aquáticas, e assim, crescendo as arvores e aggregando-se aterra, formão-se no volver de annos ilhas cobertasde arvoredo. Uma mudança na corrente dirige-lhe ocurso contra este pouco compacto solo; as areias sãoarrastadas pela força da água, as arvores ficão prezas

umas ás outras pelas raizes entrelaçadas que formãoum chão unido, e solta assim ahi vae fluctuando ailha, até que as raizes se desprendem e toda a ma-china se desfaz como uma embarcação, que naufraga.Todas estas ilhas ficão debaixo das cheias, que oceor-

rem duas vezes por anno, principiando a maior émDTbi"i9sw' dezembro e durando àlé fevereiro, e tendo logar a

e 208. m e n o r e m meados de jun ho . ,i

umguay. É nas serras de S. Catharina, perto da ilha domesmo nome, que nasce o Uruguay'. Apoz um curso

1 Ha aqui um singular equivoco de Southey que cumpre reclificar.

E inexacto que o rio Uruguay nasça na província de S. Catharina pertoda ilha d'este nome. Os mais acreditados geographos do Brazil marcama sua derivação na Serra Geral (província de S. Pedro do Sul), correndo por dilatado espaço com o nome de Pelotas, e tomando nos Cam-

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H IS TO RIA DO BR A ZI L . 4 35

•de quasi mil milhas vae elle engrossar as correntes 1G31-

unidas do Paraná e Paraguay, formando com ellas oPrata, massa enorme de água doce, que no mappamais parece um braço de mar do quèum rio . Na suafoz tem o Uruguay umas quatro milhas de largo,mas em muitos logares se espraia por mais de sete.No ponto da juncção dividem o Paraguay numerosas

ilhas, de que está cheio o Prata cerca de sete legoaSacima de Buenos Ayres, e nenhum dos seus canaestraz tanta água como o Uruguay, embora o excedãocollectivaménte. Estão estas ilhas cobertas de vegetação rasteira, pela maior parle juncos e pecegueiros,com algumas palmeiras, nenhuma de mais de seis

a sete pollegadas de diâmetro : alli se crião innume-raveis bandos de aves, tão notáveis pelo brilho daplumagem como pela doçura da voz. Também abundao yaguarete, ou leopardo da America do Sul, e n'eslasilhas passão homens o verão a caçal-o por causa dapelle. Grande coragem e não menor destreza exigeeste exercício : com o poncho envolto no braço esquerdo, e sem outra arma alem d'uma grossa maça,provoca o caçador o animal, evitando-lhe o pulo, ederriando-o ao mesmo tempo com um golpe no espinhaço. Se o não consegue, apara o yaguarete nobraço esquerdo, como num escudo. Também cortadores de madeira passão o verão n'estas ilhas, sof-

pos da Vaccaria o nome pelo qual é mais conhecido, serve de limitesao império do Brazil e á republica Oriental. F. P.

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436 HISTORIA DO BRAZIL.

1631. frendo horrível perseguição de mosquitos e moscas,-

e sustentando-se de peixe e carne de vacca, que umavez ou outra lhes vem da próxima margem do rio.Egualmente cheio de ilhas é o Uruguay. E tão baixaa sua ribeira esquerda desde o Rio Negro até á suafoz, que, enchendo a maré, ficão a maior parte dosvimes cobertos até meia haste. Sobem bateis o rio até "

Yapeyu, onde uma cachoeira obstrue a navegação,mas ja quarenta legoas abaixo d'esta povoação sãotantos os penedos, as corredeiras e os redomoinhos,que so quando inchada pelas chuvas se pode navegar com segurança a corrente. É desde fins de julhoaté principios de novembro que se achão mais cres-

Patriota. cidas ás águas. Usão aqui os índios de canoas dobra-'P?ÍO. ' dás, algumas das quaes de setenta pés de compri-

Viagens pela

margem mento, com câmaras elevadas e cobertas de pelles, edo norte do ' r 7

Prata. M S. s e r v e m_ s e de remos, não de velas.

Hnvião Onde o Paraná e o Uruguay mais se approximãoos Jesuitas . -

.um. um do outro é entrei 7o e 18ü de latitude sul, tomandoemissário a . '

M a d n d . a ( j U j | Q p rj[m e i r o d'estes rios uma direcção occid$|ital.N'este logar protegidos pelos doüs rios e por immen-sos matagaes, que lhes ficavão alraz, fixarão os Jesuitas mais uma vez os seus perseguidos conversos.

O numero dos que para aqui se passarão diz-se queera de doze m il; fizerão-se derrubadas, trouxerâo-sesementes de grandes distancias, e de novo principiarão a prosperar as couzas. Temião porem os índios a

1638.

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H I S T O R I A D O B R A Z I L . 457

* que lhes dessem armas de fogo, com que proteger-se 1638-

a si, suas mulheres e filhos. Bem convencidos da necessidade e justiça d'esla medida estavão os Jesuitas.Um dos princípios do governo hespânhol era nãopermittir a introducção de armas de fogo entre osíndios que linha sujeitos; a conservação própriaexigia esta política obvia, que cessava porem de ser

applicavel ligados os índios aos Hespanhoes não comoescravos a senhores, mas como homens que entresi gozão dos mesmos benefícios de instituições civis ereligiosas. Era de importância tal este negocio emparticular, e o estado das missões (por um lado aprometterem tanta couza boa, e por outro tão amea

çadas da actividade dos Paulistas e da supina indiffe-rença dos governadores) exigia tão urgentemente aintervenção de poderes mais altos, que o provincialDiego de Boroa enviou Montoya a Madrid e Diaz Tanoa Roma. O primeiro representou ao Concelho dasíndias quão impossivel era que as reducções em quecom tanta difíiculdade se plantara a fé calholica,agora tão felizmente llorescente continuassem aexistir sem que se fornecessem aos índios armas defogo para defeza contra os caçadores de escravos e osselvagens alliados d'estes. A equidade e política dorequerimento erão egualmenle manifestas; o Jesuilaprometleu que as armas havião de ficar sob a guarda

dos missionários para serem somente entregues naoccasião do perigo, e em nome da companhia se

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4 3 8 H I S T O R I A DO B R A Z I L .1638 comprometteu a carregar com toda a despeza e ar

ranjar tudo o mais de modo que o governo nemtivesse trabalho nem desembolso de qualidade alguma. Apurar-se-ião esmolas bastantes para a compra das armas, e alguns padres, que tinhão militadoantes de entrar para a companhia, instruirião osÍndios no manejo d'ellas. Forão bem acolhidas estas

representações. El-rei confirmou todas as leis anteriores a favor dos índ ios, e declarou contrario a todoo direito divino e hu m ano , é da alçada do sanctoofficio o procedimento dos Paulistas que tinhão levado de Guayra mais de trinta mil escravos*,.principiando ja a mesma obra de destruição no Tape e no

Uruguay. Ordenou-se que fossem postos em liberdadeos índios escravizados, e punido como reó de altatraição quem no futuro commettesse mais^ d'estest

crimes.Um decreto mais importante,por ser demaisfácil execução, dispunha que todos os índios convertidos pelos Jesuitas nas provincias de Guayra; Tape,

Paraná e Uruguay ficassem considerados'vassallosimmediatos da coroa, e exemplos de todo ò serviçopessoal, fosse qual fosse o pretexto com que quizessemimpor-lho. Fixou-se-lhes o tributo, que todavia nãodevia principiar a ser cobrado antes de 1649, sup-

1 Ha visível exageração neste calculo : por quanto em quinze milorçava o numero dos indigenas trazidos em captiveiro da Guayra umaauetoridade de grande peso cilada pelo visconde de S. Leopoldo emseus Annaes da Província de S. Pedro do Sul'. F. P.

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HISTORIA DO BRAZIL. 439

pondo-se que então poderião elles pagal-o. E não so 1638

concedeu o rei auctorização aos Jesuitas para armarem os seusconversos, mas até expediu aos governadores do Prata e Paraguay ordens expressas para que ^ " J , ^velassem pela segurança das reducções. WJ-458.

Depressa se patentearão os bons effeitos d'esta me- o Jesuita* Alfaro*morto

dida . De caminho para o Paraná apoderou-se um p Pgjjj

troço de Paulistas de dous rapazes indios que acom-panhavão missionários n;uma excursão religiosa, esegurou-os, pensou ella, amarrando-lhes as mãos.De noute porem , dorm indo os salteadores, chegarão Derrota

i * ' o d estes pelo

estes rapazes resolutamente os punhos ao fogo até o df°ParagUâj.qu eim are m as cord as, e effectuada a fuga forão da rrebate. O governador do Paraguay D. Pedro de Lugoeorre u a intercepta r os invasores com um a boa escoltae quatro mil índios, acompanhado do .superior dasmissões Fr. Diego de Alfaro e de mais alguns Jesuitas. Tendo-se Alfaro um dia adeantado a cavallo,achando-se ia próximo o inimigo, foi redondamente

morto por uma bala de mosquete, disparada por ummameluco que bem o conhecia. Apoz isto forão immediatamente atacados os Paulistas, provavelmentemuito inferiores em nu m ero : m orreu grande parted'elles, e dos que escaparão á morte quasi todoscahirão prizioneiros. Os selvagens da mesma parcia

lidad e forão en tregu es aos Jesuitas, e Os Paulistasconduzidos para a Assumpção, que ficava a oitentalegoas. Aqu i todo o m un do esperava vel-os suppl i -

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440v HISTORIA DO BRAZIL.

1059. ciados como bandidos, mas D. Pedro, contentando-se

com reprehendel-os asperamente e exhortal-os a nãocontinuarem a provocar com a repetição de taes crim es a vingança do ceo , m andou-os pa ra B uenos Ayres,

recho. 104 cujo g ove rnad or, por elles con graç ado , lhes pe rm ittiuCharlevoix. .

450. voltarem a suas casas,«..w, -„. . Não foi inteiramente destituído de bons effeitos a

'iSagoYberad° morte de Alfaro, pois que subsistia ainda entre osíndios uma tal ou qual suspeita de que os Jesuilas os,

reunião em aldeamentos para com mais facilidade os.entregarem aos compatriotas. Desenganou-os esteacontecimento. Succedeu no cargo de superior dasmissões Fr. Cláudio Ruier, natural do Franco Con

dado, não tardando a ser convidado pelo governadordo Prata a ajudar com um corpo dos seus conversos

n'uma empreza de egual util idade para as reducçõese para a navegação do Paraguay. Ao sul do Paraná,n'essa parle do seu curso que toma quasi exacfa-,mente a direcção do oeste, fica uma extensão de pân

tanos e água de não menos dé mil milhas quadradas,antes chamada lago dos Caracaras e em tempos maisrecentes lago Ybera. Ficavão-lhe perto d'uma das

cachoeiras do Paraná as leziras oriehtaes. Corre estaregião parallela aquelle rio, e é de forma quasi quadrada, excepto onde extende pela ponta do sudeste

um comprido braço qu e term ina constituindo o Mi-ranay, rio considerável tribu lario do Uruguay. Dolado do sudoeste partem três rios, o S. Lúcia, o Rio

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H IS T O R I A DO B R A Z I L . 441

de los Bateles (talvez dicto assim por ser navegável 1639-

por bateis), e o Rio de Ias Comentes, que todos cahemno Paraguay, sem que nenhum d'elles seja vadeavelem estação alguma. D'onde vêem estas águas, nãohavendo montanhas perto, é questão curiosa. Azaraaffirma virem ellas unicamente filtradas do Paraná,accrescenla porem que não se descobriu ainda outro

exemplo análogo a este. Em muitos logares é esta•vasta região um lago perfeito, mas pela maior partecobrem-na plantas aquáticas, e aqui e alli algumasarvores, formando o todo um labyrinlho impossivelde explorar-se nem a pé, nem a cavallo, nem porágua. Tinhão-se referido contos phantasticos sobre

uma raça de pygmeos, que se dizia habitar-lhe osmais internos escondrijos, mas por este tempo achavaalli guarida um bando de selvagens das tribus Cara-cará, Capasaca e Menepo, que engrossados com osfugitivos das reducções infestavão as communicaçõespor água e por terra entre os estabelecimentos hespanhoes, assassinando os viajantes, e levando a prezapara os seus valhacoulos entre os juncos e as cannas.Ultimamente tinhão investido uma das reducções,queimando-lhe a egreja, e tão serio se tornara o malque ogovernador do Prata sentiu a necessidade d'umesforço vigoroso. D. Juan de Garay sahiu de BuenosAyres com um destacamento d'IIespanhoes; Romero

veio reunir-se a elle com um corpo de índios disciplinados mais próprios para semelhante guerra do

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442 HISTORIA DO BRAZIL.

1639. qUe os Europeos, pois que para onde podião fugir os

selvagens, podião elles seguil-os, e effectivãmente>OSTecho. forão acossando de escondriio em escondriio, até queCharlevoix. " 1

Azara, i, si. qUem escapou á m orte rendeu-se.voita da Entretanto, deixando Montoya em Madrid, seguira

Europa Diaz . ' A í i • ~

Tano. Diaz Tano para Roma, a expor o estado das missões

ao geral, da ordem. Profundamente impressionadopela descripção das misérias causadas pelos caçadores de escravos, fel-o Vitelleschi que então occupavaaquelle cargo, repetir o conto a Urbano VIII, quejustamente indignado vibrou as mais severas censuras da Egreja contra todos quantos sob qualquer

pretexto escravizassem os índios, quer convertidosquer por converter. De volta a Madrid soube Tanoque o seu collega obtivera do governo quanto desejava, e ainda o rei lhe prometteu passagem livrepara uns trinta missionários que elle queria levarcomsigo. Havião de embarcar em Lisboa. Mais pode

roso que em Madrid era aqui o partido da escravidão,e o ministro Miguel de Vasconcellos prohibiu o embarque, recorrendo porem á duqueza de Mantua ob-

..tiverão os padres licença de partir. Acossado pelotempo teve o navio de arribar ao Rio de Janeiro.

Tumultos Aqui consultou Tano com Fr. Pedro Mota, visitadorno Brazil J

osStàs. d° Brazil, e com approvação do resto da clerezialeuna egreja dos Jesuitas a bulla da excommunhão. NaBahia talvez que sem risco se houvera podido fazeristo, mas o Rio de Janeiro ficava perto demais de

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HISTORIA DO BRAZIL. 443

SI Paulo, e ligados com osPaulistas achavão-se mui- -1659-

tos dos seus moradores implicados nos mesmos crimes. Tinhão estes homens a gentalha por si, e assaltando com ella o collegio, arrombarão as portas,e terião assassinado os Jesuilas do Paraguay, se ogovernador Salvador Corrêa não convocasse o povo áegreja, persuadindo-o a marcar para o dia seguinte

uma reunião em que com calma se discutisse a matéria e se lhe buscasse remédio. Celebrou-se a reuniãona egreja dos Carmelitas, e para salvarem as vidas,propozerâo ou consentirão os Jesuitas que os inimigos da bulla appellassem d'ella para o papa, o queteria por effeito suspendel-a até ulterior decizão. 25

1640i.ul"

Também se diz que forão elles compellidos a assignari , . i i • • i Annaes do

uma declaração, renunciando a todo o direito de se Rjodejan.* ' _ C 15, Mi.

constituírem advogados dos Índios, e promettendonunca mais molestar por semelhante motivo os habitantes da capitania : se tal papel se assignou foidebaixo de coacção, que, sem ser necessário recorrerá casuística, tornava o compromisso manifestamenteirrito e nullo. A maiores extremos ainda chegou amalula de Sanctos, derribando o vigariogeral quepublicava a bulla, calcando-o aos pés, e ameaçando-o ;

de morte com punhaes aos peitos, se não revogasse '".••>as censuras e ássignasse a áppellação para o papa. Aapaziguar os amotinados sahiu o superior dos Jesuítas, nas mãos o ciborio; deante d'elle se prostrá-rão alguns, outros ficarão de pé, protestando que

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444 HISTORIA DO BRAZIL.

1640. (j0 f u n (} 0 da alma adoravão Deus presente no sacra

mento, mas que não se sujeitarião a perder os escravos, sua única propriedade. Aplaçou-se a finais o •tumulto, declarando alguns religiosos de outra ordem que a bulla não affectava aquelle povo, porquanto tinha-a o papa mandado publicar não havendo impedimento legitimo, a universal opposição

era porem impedimento bastante. Até com tão miserável subterfúgio como este se deixavão tranquilli-zar apprehensões fundadas não na religião e naconsciência, mas n'uma mesquinha superstição quecontribuirá para destruil-as ambas. Em S. Paulo,sabendo-se mais immediatamente implicado, e co

nhecendo que a excommunhão se dirigia em particular contra elle, levantou-se o povo e expulsou dacidade os Jesu ilas. Sabido isto no Rio de Janeiro deuo capitão d'um navio surto no porto uma salva dealegria, pelo que merecidamente o castigou o governador. Deu-se Diaz Tano pressa em deixar um paiz,onde corrião perigo a sua vida e as dos companheiros, e deu á vela para Buenos Ayres, tendo experimentado tanto o estado flagieiosd da opinião pubjica

Techo.iss. no Brazil, como a perfeita sympathia dos JesuilasCharlevoix. , l

*l

453-6. portuguezes1.

1 Charlevoix erra quando diz que Diaz Tafio partiu do Rio de Ja

neiro em conseqüência da revolução de Portugal. As próprias datas,que elle indic a, o con tradizem : Diaz Tano fez-se de vela em prin cípios de novembro, e a revolução rebentou no Io do mez seguinte. Pa-

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HISTORIA DO BRAZIL. 445

Logo depois da sua partida chegou a nova da re- 1641,

voluçãobragantina, e expediu o marquez de Montai- osPauHsta»1 eleger um

vão ordens por todo o Brazil para que se proclamasse reiseu-D. João IV. Julgarão alguns Paulistas que bom seriaaproveitarem a occasião que lhes offerecia esta mudança de governo, e em logar dé quebrarem a cabeçacom duvidas sobre o partido que tomarião, ou de seexporem a inconvenientes, seguindo antes uma doque outra parcialidade, elegerem um de seus conci-

. dadãos rei de S. Paulo, proclamando a sua independência. Tudo favorecia um tal pronunciamento.Frouxos e fáceis de totalmente se despirem erão oshábitos de obediência a qualquer auetoridade legi

tima. Um único caminho havia por onde poderiãoser accommetidos os Paulistas, e esse, difficil paraum viajante, seria inaccessivel a um exercito. Parapor alli se defenderem bastava-lhes rolar pedras parabaixo, e pelo outro lado tinhão o sertão todo abertoa seus commeltimentos. Fácil foi aos fauetores d'este

plano induzir o povo a abraçal-o com enthusiasmo,e se tivessem achado um chefe á medida de seus desejos, émais do.que provável que se tivessem tornadoos Paulistas um povo independente, em breve o maisformidável da America do Sul. Cahiu a escolha sobreAmador Bueno da Ribeira, homem de grandes ri

quezas e boa estirpe, aparentado com as melhoresrece elle ter mal comprehendido Techo, n'esta parte da historia seuúnico guia.

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446 HISTORIA DO BRAZIL.1641:1 famílias de S. Paulo pelos casamentos de seus,nove,

filhos. Natural de Sevilha fora seu pae, rsua mãeu m aPortugueza da nobre família dos Pires. Concordarãopois na escolha os Paulistas d'ambas as nações e sodo mesmo Amador Bueno veio toda a opposição. Emdespeito do sangue paterno, considerava-se elle Portuguez, e talvez que assaz conhecesse a natureza tur-,,

bulenta dos seus patríc ios, o os perigos que rodeariãosemelhante coroa, para ambicionar a realeza. Assimquando para acclamal-o se lhe junctou a multidãodeante da casa, protestando contra tal acto, a.conjú-

rou elle instantemente a proc lamar el-rei D. João IV*A recusa exasperou o povo, que o ameaçou com a

morte, se não quizesse ser rei. Ouvido isto, tomandona mão a espada com que defender-se, evadiu-se pelaporta do quintal, correndo quanto as pernas davão arefugiar-se no convento dos Benedictinos. 0 povo oviu e o seguiu, gritando : a Viva el-rei AmadorBueno I» Elle porem clamava : a Real, real, porD. João IVI» e como levasse a deanteira, alcançou oconvento e trancou as portas. Sahirão o abbade e osmonges a parlamentar com as massas. Apparecérãoentão também o demais clero e d 'entre òs princlpaesmoradores os que não tinhão entrado no coníoio :procurarão todos da justiça dos direitos de Bragançaconvencer o povo, e terminou o dia pela acclamaçãõde João IV. Deixou Amador Bueno numerosa e prospera descendência nas capitanias de S. Paulo, Goyaz,

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HISTORIA DO BRAZIL. 447

Minas Geraes, Cüyabá e Rio de Janeiro, tendo o f o- lM1'-

verno sem pre reconhecido a favor dos netos o méritodo avô l . •-•-. , ... r

Longa serie de más conseqüências para os estabe- Mãos efMtos. , . da revolução

lecimentos dos Jesuitas no Paragu ay produziu a revorno Paraguay.lução portugueza. Um dos effeitos jmmediatos foinão se admittir alli mais missionário algum^ que nãofosse subdito nato do rei de Hespanha; erão sempreescassos os operários pa ra esta vinha, e agora qu eestava prestes a embarcar em Sevilha grande reforço,foi excluída a maio r p arte em virtude d'aquelle prin cip io. De necessidade foi pois aba ndo nar um a missãocujos fundamentos se havião lançado com a melhor

perspectiva de bom resultado entre as formidáveisIribus do Chaco. Outra conseqüência foi tornarem-se

* Segundo Fr. Gaspar da Madre de Deus é esta a origem da tantasvezes repetida fábula da republica de mamelucos de S. Paulo, quecomtudo mais parece ter nascido da fama do caracter e insubordinaçãodos antigos Pau listas. 0 mesm o Fr . Gaspar, o primeiro que publicoueste interessante episódio da historia hrazileira, o desfigurou com suppor

alguns Hespanhoes os primeiros motores da trama por motivos damais recôndita política, querendo desunir S. Paulo das províncias por-tuguezas no Brazil, na esperança de em breve o encorporarem naspossessões hespan holas do Paraguay e do Pra ta. Com igual absurdidadefazem os Ànnaes do Rio de Janeiro figurar n'este negocio os Jesuitas,como buscando recuperar assim a perdida influencia. N'um caso foi*espirito nacional, no outro o ódio de partido, que suppriu o logar daauetoridade, infundadas e gratuitas ambas as assereões *.

" Discordando da opinião de Southey, exarada nesta nota, inclinamo-nospara a de F r. Gaspar, qu e de posse de valerosos documentos e inspirando-seem verídicas tradições escreveu suas Memórias. F . P

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4 4 8 H I S TO RI A DO BRA ZIL .

i64i. gUerra legitima as incursões dos Paulistas, legali

zadas assim todas as atrocidades d'estes caçadores deescravos1. Não perderão comtudo tempo os Jesuitasem valerem-se dos meios de defeza que tão tardiamente lhes havião sido permittidos. Approximava-seuma alcateia de caçadores de escravos, composta déquatrocentos Paulistas e muitos Tupis. Para lhes resistir reunirão-se das differentes reducções quatromil conversos, indo trezentos d'entre elles armadosde armas de fogo e o resto de fundas ou arcos, segundo o costume antigo; levavão também uma peçade artilharia. Assim equipados ordenou-se-lhes, naphrase de Techo, que preparassem corpo e alma,quando vierão os esculcas annunciar que a um diade jornada se achava o inimigo, descendo em trezentosbateis um dos rios que.desaguão no Uruguay. Mar-chárão-lhe os índios ao encontro, e alegres ao veremreunida tão grande preza correrão osJPaulistas aoataque, mas o primeiro tiro de peça lhes metteu três

dosDrau°iistas canoas no fundo. Contribuindo talvez para a.derrotarre'duÍiddos°s o espanto produzido, forão os Paulistas desbaratados,

perseguidos, dispersados, perecendo cento e vinte nabatalha e na fuga, e cahindo muitos nas mãos dosGualaches, tribu anthropophaga que os devorou to-

1 Condemnando com o auctor o iníquo commercio d'escravos não

achamos razão para tão severo mostrar-se para com os Paulistas porum acto tolerado ainda modernamente, e até defendido por notáveispublicistas. F. P.

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450 HISTOB1A DO BRAZIL.

1642. ]0gar u m reconhecimento, que a todos os especlado-Charlevoix. •, . • j

«3. res deixou commovidos.Festa secular O anno secular da companhia com tanta solemni-compaWa dade celebrado na Europa, também no Paraguay foi

no Paraguay. x . . .

festejado com a pompa que o paiz permittia. Houveem Cordova um carnaval de oito dias, sahindo á rua

uma procissão em que sancto Ignacio de Loyola figurava a lançar fogo que consumia a hydra Heiesia e ogigante Paganismo. Nas reducções houve acções degraças, danças, festas, illuminações, sermõeserepresentações dramáticas. N'um logar erigirão os índiosseiscentos arcos triumphaes, decorados com quantos

ornatos e couzas bonitas possuião, exhibição dos benefícios que elles mais que ninguém no mundo deviãoá associação, cujo centenário celebravão. Em outraparte houve corridas de canoas no Paraná á luz dearchotes. Ainda em outra andou uma companhia dedançarinos militares, que nos escudos trazião as

letras que compõem o nome deLoyola, fazendo freqüentemente alto ordenados de modo que formassemas letras algum anagramma, baluzeira então muitoem moda, e usada n'eslas occasiões. Também n'umareducção se representou um drama cujo assumptoera uma irrupção de Paulistas, ja se sabe devidamentederrotados e punidos a final. Na Incarnacion foi acompanhia personificada por um gigante velho,.,seguido de cem rapazes vestidos de varias cores sym-bolicas dos differentes deveres dos Jesuitas, a cantar-

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HISTORIA DO BRA ZIL . 451

lhe os louvores. Logo se lhes encorporou um rebanho 1042-de cem bois, e assim forão seguindo, passando porbaixo de cem arcos triumphaes, até á egreja, a cujaporta se offertárão cem pães, ardendo cem tochassobre o a ltar, aos pés do qual se depozerão cem composições em honra da companhia. Sahiu também umcarro triumphal de enormes dimensões, carregadode imagens de sanctos e marlyres, heróicos filhos de

Loyola, que tinhão obtido a sua coroa.Com a fundação da companhia dos Jesuilas ne

nhuma razão linha para folgar a Europa, mas noBrazil è no Paraguay pode perdoar-se-lhes a superstição, pelos nobres esforços que fizerão a prol dos oppri-midos índios e pelo bem que praclicárão. Nunca po-

dir.o pois estas tribus com demasiada gratidão ealegria festejar-lhes o centenário.

F IM DO T O M O T E R C E I R O .

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ÍNDICE

D O T O M O T E R C E I R O

CAPITULO XIX. — Tregoas de dez annos en tre Portugal e as ProvínciasUnidas. — Aproveitão-se d'ellas os Hollandezes para tomarem Sergipe,Loanda em Angola, a ilha de S. Thomé e o Maranhão.— Antônio Tellesda Silva governador do Brazil. — Jornada dos Hollandezes contra oChili. — Recuperão os Portuguezes do Maranhão a ilha, obrigando osHollandezes a evacuar San Luiz. — Nassau rendido no governo . — Suaultima recommendação ao Grão-Consclho.. 1

CAP. XX. — Embaraços da Companhia. — Estado de Pernambuco. — Op-pressão dos Portuguezes. — Projecta João Fernandes Vieira a libertação do seu paiz. — Communica o seu plano ao governador general,torna-se suspeito aos Hollandezes, esconde-se e apparece em armas.— Batalha do monte das Tabocas.. 67

CAP. XXI. — Da Bahia se envião tropas ás ordens de Vidal e MartimSoares. — Mais triumphos dos insurgentes. — Restaurão todo o paiz aosul e vão acampar deante do Recife. — Morticínio no Rio Grande. —Traição dos desertores. — Marcha Camarão para o Rio Grande, ondedesbarata os Hollandezes. — Fome no Recife. — Escassez tambémno campo. — Recebem as tropas portuguezas ordens de Lisboa para seretirarem. — Obedece Martim Soares, mas resolve Vidal proseguir naguerra. 156

,CAP. XXII. — Attentado contra a vida de João Fernandes. — Segundaempreza contra Itamaracá. — 0 Recife soecorrido por uma armada da

Hollanda quando no maior apuro da fome. — Volta Schoppe a tomar

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454 ÍNDICE.*

o commando, e em prehende uma expedição contra a Bahia. — VemBarreto commandar os Portuguezes. — Batalha de Guararapas. — Re s

tauração d'Angola.— Negociações com a Hollanda.— Fundação da Companhia do Brazil. — Segunda batalha de Guararapas.:— Cerco e tomadado Recife. — Negociações e ajusle final com a Hollanda. '255

CAP. XX II I. — Os Jesuilas convidados para o Paraguay. — Fundão redu cções no Guayra, no Paraná e no Uruguay.— Os Portuguezes de S. Pauloos atacão, obrigando-os a retirarem-se para o paiz entre os dousrios. . 345

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