história da redenção ( pdf ) jose borges dos santos júnior

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Olá amigos! Encontrei este extraordinário livro espremido na estante e verifiquei que trata-se de uma obra praticamente extinta. Foi publicada na década de 1950 e não encontrei nem um exemplar disponível exceto, os dois exemplares precários que encontrei em sebos virtuais. Também na internet não encontrei nada digitalizado disponível. Meu amigo Paulo fez uma ótima digitalização para que pudéssemos utilizar o livro em atividades de discipulado e para preservar a obra, bem como disponibilizá-la na net. Sou muito grato pela vida e pelo ministério do Rev. Jose Borges dos Santos Júnior por esta extraordinária obra que reúne todo o plano de salvação. Foi estruturado para uma lição por semana, ÓTIMO PARA DISCIPULADO. Não conheço o portador dos direitos autorais desta obra, e espero que o mesmo compreenda que a minha intenção é tão somente divulgar, disponibilizar e preservar esta obra magnífica.

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Page 1: História da Redenção  ( pdf ) Jose Borges dos Santos Júnior

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Page 2: História da Redenção  ( pdf ) Jose Borges dos Santos Júnior

Jcsé Borges dos Santos Júnior

H i s t ó r i a

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R e d e n ç ã o

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Composição, Impressão e Distribuição de

"O PURITANO"órgão oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil

Page 3: História da Redenção  ( pdf ) Jose Borges dos Santos Júnior

“ A SEMENTE É A PALAVRA DE DEUS” . Quando ogrande Semeador disse essas palavras, o que então existia eram as Escrituras do Velho Testamento que Êle citou tantas vêzes e de maneira sempre respeitosa. Depois que Êle deixou o mun­do, vieram as outras Escrituras — os Evangelhos, os Atos e as cartas do Novo Testamento. Tudo isso é o celeiro onde o semeador, fiel à sua missão, pode encontrar a bendita semente da verdade revelada, para lançar com esperança e confiança no coração dos homens.

Conservo bem firme no meu espírito a convicção de que a tarefa mais importante da Igreja continua sendo a dissemi­nação da Bíblia. Assim, também, o trabalho dos pregadores do Evangelho, dignos áêsse nome, consiste em expor com tôda a fidelidade possível os ensinos do grande Livro de Deus. . . .

Haverá expositores e expositores: uns mais, outros me­nos cultos, mas a grande contribuição cultural que os prega­dores poderão dar ao país é a exposição sistemática, perse­verante e competente da Bíblia.

Não nos impressionemos com as modernices que andam por aí: emparelhada com estas modernices, que põem em dú­vida a Inspiração, apresenta-se uma impressionante decadência de costumes.

“Prega a palavra” , escreveu há muito tempo o apóstolo, e acrescentou: “ Tempo virá em que não sofrerão a sã doutri­na, mas procurarão para si mesmos mestres conforme os seus próprios desejos e desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas.”

Compete-nos ensinar a Palavra. A maior necessidade é estudar e expor a Bíblia.

Estas lições, onde não há qualquer pretenção a ensino original, tem por objetivo oft jecer ao povo simples e piedoso das igrejas um,a singela exposição das Escrituras, em que o leitor possa acompanhar com facilidade o fio da História da Redenção, e ver a continuidade da intervenção da Providência. E’ um livro para o povo.

Um povo que conheça as Escrituras e obedeça ao seu ensino, será sempre um grande povo!

O Autor.

Page 4: História da Redenção  ( pdf ) Jose Borges dos Santos Júnior

NOTAS EXPLICATIVAS

As lições constantes dêste curso são genuinamente bí­blicas. Seguem o fio histórico das Escrituras Sagradas. Seu objetivo não é ensinar noções históricas, geográficas ou socio­lógicas da Bíblia. Não é tão pouco o ensino de moral. Tem uma finalidade doutrinária e religiosa.

A análise dos acontecimentos e a apreciação dos perso­nagens visam destacar as doutrinas fundamentais da revelação que se acham na Bíblia. Por isso entendemos que nenhum no­me quadra tão bem a êste curso como “ História da Redenção” . Porque a Bíblia não foi escrita para ensinar geografia, nem qualquer outra ciência, nem ainda moral. Seu objetivo é a redenção dos homens.

Para bom proveito do estudo é indispensável que alunos e professores usem a Bíblia.

Método: Os professores devem exigir que os alunosleiam, durante a semana, os trechos indicados e tragam res­pondidas as perguntas do questionário.

Como as lições tratam de assunto profundo da revela­ção, vão surgir muitas perguntas interessantes e algumas bem difíceis de responder. Em vez de dar uma resposta qualquer, os professores devem consultar os pastores ou, se preferirem, os redatores da lição.

Além das lições sôbre a Bíblia há seis lições suplemen­tares sôbre perguntas do Br^ve Catecismo.

As lições abrangem um ano de estudo.

E ’ um trabalho modesto, onde aparecem imperfeições de quem, está no meio das aperturas de um pastorado intenso.

José Borges dos Santos Jr.

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A HISTÓRIA DA REDENÇÃO

Leitura: João 1:1-18.

O estudo desta matéria deve começar com uma pergunta:De onde viemos, para onde vamos e para que existimos ?Cada um de nós quando nasce já encontra uma família,

uma cidade, um povo, uma raça da qual faz parte. Acha tam­bém as organizações, as invenções, tudo aquilo que o homem realizou até o dia em que nós aparecemos neste mundo e des­cobrimos que existimos. Encontramos o que já existia antes do homem e aquilo que o homem inventou e construiu.

De onde veio o mundo? De onde veio a raça que está no mundo,' aumentando, lutando e sofrendo? E para que é que existe essa raça? Para onde vai, ou melhor, para onde marcha a civilização dessa raça?

São perguntas legítimas, inquietadoras, normais e até obrigatórias. Há um livro que trata da matéria dessas per­guntas e apresenta as únicas respostas verdadeiras e satisfa­tórias. Êsse livro é . a Bíblia.

Que é a Bíblia ?O nome está dizendo: é uma biblioteca especializada

num assunto — religião.Examinando essa biblioteca descobrimos que ela come­

ça com uma narrativa que se prolonga até os primeiros anos da era cristã. Verificamos que os primeiros livros dessa bi­blioteca apresentam uma seqüência histórica. Podemos dizer que começa com a história do homem e termina com a história da raça separada para um fim especial. Não existe uma his­tória de todos os homens, isto é, da humanidade inteira em todos os tempos, mas apenas uma história geral.

Só a Bíblia trata da história do homem no seu início. Podemos dizer que há dois modos de contar a história do mundo e do homem: o divino e o humano.

A história humana pode-se chamar história geral, his­tória da civilização, etc..

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À história divina, muitas vêzes chamada história sa­grada, deve chamar-se, com mais propriedade, história da re­denção.

Êsse título convém mais porque inclui não só os fatos vis­tos pelos olhos de Deus, mas também a revelação dos princípios que interessam à redenção do homem.

Comparando uma história com outra descobrimos alguns pontos de diferença:

1) Só Deus conhece a origem do mundo e do homem. E somente Êle vê o plano completo do mundo e da raça que nêle habita. Em outras palavras: os homens narram aquilo que já aconteceu. Deus também, mas que já era do seu conhecimen­to antes que acontecesse. Jó 38:4. Isaías 46:9-11.

2) O homem vê apenas a conduta dos outros homens. Deus vê o homem interior, sabe os motivos, conhece as causas da conduta e, por isso, não pode cometer enganos. Ao passo que o homem, considerando os fatos, pode apenas presumir os motivos íntimos que os produziram. I Samuel 16:7. Salmo 139:1, 2, 3, 4, 14, 15, 16.

3) O historiador humano depende do testemunho de ou­tros homens para escrever a história. Deus é a testemunha constante, onipresente, infalível nn sua apreciação dos fatos. Apoc. 3:14 e 1:5.

4) Por muito que o historiador procure ser imparcial êle, ainda que não o queira, está sujeito à contingência de contar a história de um ponto de vista unilateral e até faccioso. A história geral é uma prova disso.

Os marcos, em geral, são guerras, conquistas onde os protagonistas dificilmente são apresentados com imparcialidade.

A Bíblia, não. Ela narra a história com uma finalidade específica e superior que exige a apresentação do homem, quem quer que êle seja, exatamente como êle é e sem nenhum retoque.

Que finalidade é essa?Levar o homem ao reconhecimento de seu estado peca­

minoso e de sua completa dependência de Cristo para à sua sal­vação. I Cor. 10:11, Gál. 3:24. Daí o nome — História da Redenção.

Divisão:

A história da redenção, no Velho Testamento, está di­vidida em sete períodos.1. Da Criação ao Dilúvio (Adão a Noé). Gên. 1 a Gên.7;2. Do Dilúvio à Chamada de Abrão (Noé a Abrão). Gên.

7 a Gên. 12.

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3. Da Chamada de Abrão ao Êxodo (Abrão a José). Gên. 12 a Êx. 12

4. Do Êxodo à Fundação do Reino (Moisés a Samuel). Êx. 12 a I Sam. 10.

5. Da Fundação do Reino ao Cativeiro da Babilônia (Samuel a Jeremias). I Samuel 10 a II Crônicas 36.

6. Os 70 anos de cativeiro. (Daniel) II Crônicas 36 a Es- dras e Nehemias.

7. Da Volta do Cativeiro ao Nascimento de Jesus — (Nehe­mias e Esdras). Esdras, Nehemias e Malaquias.

QUESTIONÁRIO:

Onde podemos encontrar a verdade? João 17:17. Que impressão tem o homem depois que Deus lhe mostra a verda­de? Jó 42:3. Como é que sabemos a história da criação? He­breus 11:3. A Bíblia narra só o que já aconteceu? Apoc. 1:1. Qual é a finalidade das narrativas da Bíblia? I Cor. 10:11. Quem marca as horas e os tempos da história? Dan. 2:21. Desde quando Deus conhece os fatos da história ? Isaías 45:21.

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CAPÍTULO I

AS ORIGENS

Leitura: Gênesis 1.

A nossa biblioteca religiosa, a Bíblia, tem um livro espe­cializado neste assunto: a origem das coisas.

Não é um livro científico, porque a ciência é muito va­riável, é humana, é relativa, é militante, não é definitiva. Há uma ciência para cada época, mas a Bíblia fala para tôdas as épocas.

O livro especializado tem exatamente êste nome — ori­gens, princípios.

Quando e como nasceu o mundo?O primeiro verso da Bíblia, em poucas palavras, res­

ponde com perfeita sabedoria a essa pergunta.Quando nasceu? — No princípio.Antes de existir o mundo não existia calendário, por­

que o calendário faz parte do mundo. Por isso a Bíblia diz, magistralmente, apenas isto — no princípio.

Como nasceu? — Deus criou.Não podia nascer do nada, portanto, antes do mundo

existir, já existia o Eterno, o que não tem princípio.Nestas primeiras palavras a Bíblia estabelece a mais

verdadeira distinção entre as coisas que existem — o Eterno e o principiado. Só Deus não tem princípio. O mais são os céus e a terra, imensos, misteriosos, insondados — mas tive­ram princípio.

A palavra Gênesis significa origens e, por isso, o livro começa a sua narrativa indicando o* Àutor eterno e a criação temporal.

Há dois grandes livros: o livro da natureza e o livro da revelação. Livros de Deus.

No primeiro, vemos apenas o livro e, pelo seu grande

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estilo, percebemos indiretamente a existência do Autor eterno.No segundo, aparece o nome, o caráter, o pensamento

e, também, os desígnios dêsse mesmo Autor.A interpretação da natureza chama-se ciência. A in­

terpretação da revelação chama-se teologia.Há conflitos entre a teologia e a ciência. A teologia

e a ciência passam, mas a verdade de Deus que aparece nos seus livros, permanece para sempre.

O Gênesis apresenta simplesmente um sumário das origens.

1.° O grande ato onipotente da criação universal — os céus e a terra.

A palavra terra, aí, não significa globo terráqueo, mas a parte material de tôda a criação universal, como a palavra céu indica a criação de todos os sêres espirituais. Repitamos: a expressão os céus e a terra inclui tudo o que teve princípio, tudo o que não é Deus.

Assim, pois, a primeira declaração da Bíblia refuta o materialismo, o ateísmo, o politeísmo e o panteísmo, assim como a segunda declaração exclui completamente o deísmo.

2.° Seguindo do geral para o particular, a narrativa trata da criação do cenário da vida humana. A narrativa se caracteriza: a) pela unidade do plano da criação; b) pela ordem progressiva, fazendo aparecer, primeiro o simples e, depois, o complexo; c) pelo princípio de economia, porque Deus ia usan­do o que já tinha criado; d) pelo monogenismo da obra, por­que atribui tudo a um Criador só; e) e pela finalidade da criação, porque, após à conclusão de cada fase do plano, o Autor dizia que estava bom, isto é, cumpria bem a sua finalidade.

Há dois verbos empregados nessa narrativa para indi­car os atos criadores. O verbo barah, usado em três lugares, para indicar a criação da matéria, da vida animal e da alma. Nos outros é o verbo asah, que significa ageitar, afeiçoar, dar forma.

A ordem da criação, como está no primeiro capítulo do Gênesis, é a seguinte:

1.° dia — Atividade luminosa da matéria: luz cósmica.2.° dia — Condensação e individualização sideral da ma­

téria: aparecimento da expansão ou espaço.3.° dia — Individualização da terra e o aparecimento

dos mares e continentes: criação da vida vegetal.4o dia — Individuálização da luz: luz sideral, solar e

lunar.5.° dia — Animais inferiores.6.° dia — a) aves e mamíferos; b) o homem.

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Alguns teólogos propõem a seguinte analogia com os da­dos da ciência:

1. Início de atividade da matéria — resultado a luz. Vs.3.2. Desagregação planetária: a terra — Vs. 6-8.3. Configuração das terras e das águas — Vs. 9-10.4. Sinais da vida: vegetais e protozoários. Vs. 10-12.5. Luz solar que dá energia e com a luz lunar e sideral ofe­

rece os meios para divisão do tempo — Vs. 14-18.6. Aparecimento de várias espécies da vida animal. Vs.

20-23.7. Aparecimento dos mamíferos, vertebrados superiores.

Vs. 24-25.8. Aparecimento do homem — Vs. 26-30. — (Prof. Dana,

da Universidade Yale).A ciência bem fundamentada nos fatos e na experiên­

cia concorda com a Bíblia no seguinte: o homem não pode criar nem a matéria, nem a vida, nem a alma. A ciência conclui pela negativa: o homem não pode. A Bíblia pela afirmativa: Deus criou.

A criação está dividida em duas grandes fases: a pri­meira narrada do verso 1 ao verso 13; a segunda, do verso 14 ao verso 27. Ambas iniciam com a luz e terminam com a cria­ção de uma coisa inteiramente nova.

A linguagem do livro não é científica. E’ uma lingua­gem simples, própria para expressar os grandes acontecimen­tos da criação, em termos exatos e ao mesmo tempo accessíveis ao entendimento de qualquer leitor. E nisso está uma das grandes maravilhas do livro. Diz exatamente o que é neces­sário, sem empregar uma linguagem técnica. Um exemplo é a palavra “ dia” . O vocábulo hebráico significa período ou me­dida de tempo. Pode também indicar a duração de qualquer pe­ríodo luminoso. No texto de Gênesis 1 é empregado para indicar períodos luminosos de duração muito diferente. Verso 5 — período indeterminado de luz; verso 14 — períodos divisio­nários do ano, 24 horas; verso 18 — período em que o sol está acima do horizonte; Gên. 2 :4 — período geral da criação. Ve- já-se também Levítico 25:29 e Juizes 17:10.

Só Deus, que assistiu à criação, nos poderia dizer como as coisas se passaram.

A narrativa do Gênesis é sóbria, simples, inteligível, bre­ve, simplesmente magistral.

Há mistérios muito grandes que um dia, talvez, pos­samos compreender perfeitamente, mistérios que não anulam as certezas alcançadas.

Disse um grande professor americano, Bowne; há duas grandes perguntas:

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Quem fêz o mundo?Só há uma resposta racional: Deus criou o mundo.Como Deus criou o mundo?Não há resposta racional. Nós, os crentes, fazemos

nossas as lindas palavras que se encontram na carta aos He­breus: “ Pela fé entendemos que os mundos foram criadospela Palavra de Deus” .

QUESTIONÁRIO:

Como era a terra 110 princípio? Que é que não pode andar misturado? Quem deu nome às coisas? Que houve no pri­meiro dia? A erva foi pintada antes, ou depois de nascer? Que existiu primeiro: a galinha ou o ovo ? Quem foi 0 primeiro relojoeiro? Que é que vem primeiro, a tarde ou a manhã? Qual é o feitio do homem? Qual é a finalidade do homem? Que tal a criação?

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CAPÍTULO II

A CRIAÇÃO DO HOMEM

Leitura: Gên. 1:26-31 2:5-24.

Disse Camões que o homem é “ um bicho da terra, tão pequeno” . Entretanto, apesar de todos os contratempos e re- vêzes que o poeta descreve, o homem encheu a terra e dela tomou conta. E’ que assim estava escrito e para isso foi êle criado.

Que sabia Moisés das dimensões da terra? Entretanto, afirmou que Deus, depois de criar o homem, lhe disse que enchesse a terra e a dominasse.

Moisés, autor do livro, não escreveu de si mesmo, mas por inspiração divina.

O livro das origens faz duas narrativas. A primeira é a narrativa geral da criação e nela aparece como parte e, em resumo, a criação do homem. A segunda trata só da cria­ção do homem. Preparado o cenário grandioso, vai aparecer" o protagonista. À narrativa da sua criação o Autor consa­gra um capítulo especial.

A lição pode ser dividida em três partes:

1.°) O ATO CRIADOR

A narrativa mostra que há diferença entre a criação do homem e a criação dos animais.

Na criação dos animais a expressão que Deus usou foi a seguinte: “ Produza a terra” . Na criação do homem, é di­ferente, disse: — “ Façamos o homem” .

O verbo designado para expressar o ato criador é, outra vez, o verbo barah, indicando que Deus vai introduzir um ele­mento novo — a vida racional.

Quando trata dos animais o livro diz apenas o seguinte:

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“ conforme a sua espécie” , o que mostra que êsses sêres vivos não têm semelhança com espécies anteriores.

Falando do homem, porém, diz: “ Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” , em vez de falar “ conforme a sua espécie” . O homem foi feito segundo um feitio anterior. E, para que êsse aspecto da criação ficasse bem marcado, o Autor repete a expressão, dizendo: Fêz Deus o homem à suaimagem.

A narrativa diz que Deus fêz o homem do pó, mas não diz como foi que Deus fêz. E é notável que Deus não se di­rigisse à terra para dizer “ produza” . Não diz também se era pó animado ou inanimado.

Em qualquer dos casos, o aparecimento do homem exi­giu um ato criador e onipotente. O homem é uma criação imediata e direta de Deus. Deus o fêz.

Nêsse ato criador o que Deus fêz não foi apenas o in­divíduo, mas o casal, isto é, o homem. Em outros termos: a raça humana. Daí a expressão que se vê no verso 26 — “ do­minem”, e no verso 27 — “ macho e fêmea” os criou” .

2.°) A NATUREZA DO HOMEM

Do que se disse acima, ficou estabelecido que o homem é um ser não só diferente dos outros animais, mas de ordem superior. E’ a chave de ouro da criação. As Escrituras di­zem dêle duas coisas:

a) Que tem alma vivente.Os animais também têm alma vivente. O homem é se­

melhante aos animais. Não era preciso que a Bíblia dissesse isso para nós o sabermos. Como os animais, êle é da terra, Veio da terra e voltará para a terra. Gên. 2:7 e 3:19. Ecl. 3:18-20.

b) Que é semelhante a Deus.Tem, portanto, uma natureza dupla. E’ como diz

o Eclesiastes quando descreve a morte do homem: “ O póvolta à terra como o era, e o espírito volta a Deus que o deu”. O homem não é só da terra.

Em termos mais precisos, ou acadêmicos, poderíamos dizer que o homem é personalidade: tem consciência própria e determinação própria. Consciência própria, porque se dis­tingue de tudo mais e nada faz sem saber o que está fazendo. O homem não se confunde com as outras coisas. Tem deter­minação própria, porque tem a faculdade de obedecer ou não obedecer, conforme queira.

Deus plantou uma árvore no jardim. Se o homem fôsse apenas um animal, teria colocado uma cêrca ao redor dessa

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árvore. Em vez de fazer uma cêrca, fêz uma proibição, por­que o homem não é um animal. O animal é apenas instinto; o homem é mais do que isso; razão e consciência.

A lição nos apresenta o homem ideal, no seu estado de inocência, livre, bom, feliz e sem malícia. Gên. 2:16, 17, 25— Ecl. 7:29.

3.°) A FINALIDADE DO HOMEM

Diz a narrativa que Deus tomou o homem e o pôs no jardim para o lavrar e guardar. Essa declaração ensina vá­rias coisas importantes.

a) O homem foi feito para se associar com Deus no trabalho de realizar na terra um plano divino, isto é, para cuidar daquilo que Deus fêz: é cooperador de Deus.

b) O trabalho, longe de ser castigo ou causa de sofri­mento, é, pelo contrário, a verdadeira finalidade do homem. E’ uma expressão da vida inteligente. O castigo consiste, como se verá depois, na degradação do trabalho, isto é, na sujeição ao estômago — trabalhar para comer.

c) Deus não entregou ao homem uma obra consumada e sim alguma coisa que o homem deve afeiçoar. Só isso lhe dará felicidade. Fêz um jardim, um lugar de felicidade, mas que o homem tinha de lavrar e guardar.

Essa lição sugere outra mais importante e profunda— o próprio homem é também assim. Deus o fêz inocente e feliz, mas deixou nas suas mãos confirmar sua inocência e felicidade pela obediência voluntária.

E’ necessário observar que Deus não colocou o homem simplesmente no cenário grandioso do mundo, mas num lugar adequado, com circunstâncias favoráveis à felicidade e neces­sário à prova, disciplina e à estruturação definitiva da sua per­sonalidade.

Mostra a narrativa que o homem é um ser gregário: “ não é bom que o homem esteja só” . Ao descrever a criação da mulher a narrativa mostra que a família é uma instituição idivina. Nela, e não no homem individual, está a unidade pri- maTiarda grei humana. A mulher foi tirada do homem e, por­tanto, é do mesmo elemento. E, por isso, não obstante certas diferenças constitutivas, não é inferior ao homem.

Comparando-se com a narrativa bíblica o desenvolvimen­to da raça na terra em todos os seus aspectos e, recorrendo a dados positivos da ciência e não a hipóteses precárias e discutí­veis, sente-se que, apesar de resumida, a narrativa bíblica da criação do homem é grandiosa e verdadeira. Não faz da cria­tura humana um ser tão alto que não pudesse ainda subir

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mais nem o faz tão baixo que êle não pudesse perceber a sua grandeza e a sua dignidade. Não nos apresenta uma fantasia, mas traços verdadeiros que, não obstante a longa evolução do homem até o dia de hoje, se conservam vivos e apegados em sua natureza.

QUESTIONÁRIO:

O homem era carnívoro? Que encargos recebeu o ho­mem? Quem foi o primeiro jardineiro? E o segundo? Quem fêz a árvore da ciência do bem e do mal? A árvore da ciência do bem e do mal era agradável à vista e boa para comer? De onde formou Deus todo o animal do campo e tôdas as aves do céu? Quem fêz o primeiro batizado? O Eden era um jardim? Como era o primeiro regador? Que semelhança há entre o ho­mem e o animal ? Quando e por quem foi feita a primeira nar- cotização ?

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CAPÍTULO III

O PRINCÍPIO DO PECADOLeitura: Gên. 8 Texto Áureo: Rom. 5:12

Disse Pascal que duas coisas nos impressionam quando consideramos o homem: a sua grandeza e a sua miséria. Êsse contraste aparece também em nossa maneira de tratá-lo, por­que falamos dêle como se fôsse a chave de ouro da criação e o tratamos, muitas vêzes, como se fôsse o pior inimigo, e dêle nos precavemos por mêdo e desconfiança. Em outras palavras: há diferença entre o homem idealizado, que é perfeito, e o homem real que é uma contradição de grandeza e miséria.

O homem terá sido sempre assim?Diz a literatura e a Bíblia que não. Ovídio, nas meta­

morfoses, fala de uma época em que o homem era bom, justo e feliz. Depois, se corrompeu. A Bíblia diz que Deus fêz o homem bom, mas o homem caiu e se degradou.

Quando e como caiu?O livro das origens tem um capítulo dedicado a êsse

tenebroso acontecimento que transformou completamente a fe­licidade do homem e os seus destinos na terra. O livro das origens não vai desvendar o segrêdo da origem do mal; vai apenas contar como foi que o homem principiou a ser pecador.

Pela narrativa sabemos que havia pecado e sêres pe­cadores antes do homem também se fazer pecador. Quando êsses outros sêres se tornan - pecadores, não sabemos. Deus deixou a explicação dêsse mistério para mais tarde. I Cor. 13:12. Sabemos, também, três coisas: que houve uma tenta­ção, um ato pecaminoso inicial e uma irremediável mudança moral do homem depois dêsse primeiro ato pecaminoso. Esta é a divisão do nosso estudo.

1.°) A TENTAÇÃO

0 tentador disfarçou-se sob as aparências de uma cria-

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tura que, segundo diz a narrativa, era astuta. Sabemos que não se trata de uma serpente qualquer, porque a Bíblia o diz: Apoc. 12:9, O tentador tomou a forma de um animal que a mulher já conhecia. Revestido dêsse disfarce, o tentador pro­cedeu com o seguinte método:

a) Fêz a mulher pensar naquilo que Deus tinha proibido.

O pensamento nas coisas que uma pessoa não tem e não pode ter, aguça o desejo de possuí-la. Mas nada aguça tanto o desejo como pensar numa coisa proibida. Primeiro passo da tentação: fazer pensar em coisas proibidas.

b) Confundiu a verdade com o êrro, o bem com o mal. Fêz promessas que, em parte, se cumpriram, e em parte, não. Por exemplo: êles ficaram sabendo, por experiência, o que era o bem e o mal, mas não se tornaram como Deus.

c) Exagerou, de um lado, as prerrogativas do homem e, de outro, a severidade de Deus, dando a entender que Deus sonegava de suas criaturas aquilo que lhes deveria conceder e que Êle reserva para si mesmo só. Apelou para uma neces­sidade natural — a curiosidade, e indicou um meio ilegal para satisfazê-la — a desobediência.

d) Procurou, astutamente, introduzir o assunto da ten­tação e entabolar conversa, aparentando ignorar os termos da proibição. Negou a veracidade de Deus — “ não morrereis” .

E’ impressionante a marcha da tentação no espírito do homem. Uma idéia, uma impressão agradável — “ agradável à vista” ; uma imagem deleitosa — "“ boa para comer” ; um de­sejo intenso — “ desejável para dar entendimento” ; e um des- fêcho trágico — “ tomou e comeu” .

O tentador não obriga; sugere o ato, valoriza, embeleza o objeto da tentação. O resto fica por conta do pecador. O diabo deixa a semente na terra e vai embora.

2.° O ATO PECAMINOSO

O ato de comer aquêle fruto não era, talvez, em si mes­mo pecaminoso, o pecado foi a desobediência. Quando a mulher e o homem comeram o fruto da arvore da ciência do bem e do mal, já tinham pecado. O simples fato de pôr em dúvida a veracidade de Deus e, de deliberar sôbre as vantagens de co­mer aquêle fruto, já era pecado. O ato exterior é pura reve­lação do pecado que já está estabelecido dentro do coração. Cabe aqui uma pergunta.

Quando e como se estabeleceu o pecado no coração?No momento em que a mulher estabeleceu como norma

e princípio da sua conduta a sua própria vontade em vez da

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vontade de Deus. Em outras palavras: o pecado começou exa­tamente no momento em que a mulher resolveu verificar se seria mais vantajoso comer o fruto do que obedecer à ordem de Deus. Ainda que não praticasse a desobediência, já tinha do que se arrepender.

3.°) RESULTADOS DEFINITIVOS DO PECADO

A experiência já ensinou que os atos morais do homem modificam o seu caráter. Cometida a desobediência, o homemjá não era o mesmo. Primeiro, foi a perversão da sua natu­reza, com os seguintes aspectos:

a) Aparecimento da malícia. Gên. 3:7;b) Diminuição do afeto. Gên. 3:12;c) Revolta contra Deus. Gên. 3:12;d) Perda do bom senso, porque se escondeu de Deus.

Gen. 3:8.Em segundo lugar veio a destruição da sua felicidade.a) Sentia-se envergonhado, atribúindo à nudez o que

tinha causa no sentimento de culpa.b) Atemorizou-se com aquilo que antes lhe causava

grande alegria, isto é, a presença de Deus.c) Foi lançado para fora do jardim.Em terceiro lugar veio uma degradação lamentável.O trabalho que, até ali, tinha sido um traço de nobreza

do homem e de sua semelhança com Deus, tomou a forma de uma sujeição detestável, porque o homem passou a depender dêie para satisfazer o seu estômago.

Finalmente:— o homem perdeu o acesso à fonte da vida perene e começou o pavoroso reinado da morte.

Nessa narrativa não há romance, nada de imaginativo, mas o realismo cru com que a revelação divina apresenta ao homem a tragédia da sua queda e o começo da sua miséria moral.

QUESTIONÁRIO:

A pergunta da serpente estava certa? E a resposta da mulher? Quando se disse a primeira mentira no mundo? De onde vêm o mêdo? De quem era, afinal, a culpa? Para onde voltará o homem? As árvores são um bom esconderi­jo? Deus sabia onde Adão estava? Já existia dor antes do pecado ? Antes do pecado o homem dominava a mulher ? Pode- -se obter pão sem sofrimento? Quem foi o primeiro alfaiate?

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CAPÍTULO IV

O PROGRESSO DO MAL

Leitura: Gên. 4:5.Texto Áureo: II Tim, 3:13.

Cometido o pecado, deu-se uma divisão insanável. Des­de êsse dia duas grandes fôrças se antagonizam no mundo, numa luta sem tréguas. A divisão e o antagonismo aparece­ram já no seio da primeira família. Tendo se apoderado de uma parte da criação, o diabo começa a empregar enormes recursos para manter a praça conquistada.

Na presente lição, veremos o crescimento rápido e ater­rador do mal, crescimento incontrolável.

O objetivo desta lição é mostrar primeiro as caracterís­ticas da poderosa corrente do mal que defluiu, desde Adão até agora, engrossando-se cada vez mais. E, depois, as manifes­tações alarmantes do crescimento incontrolável do pecado.

1.° As duas correntes antagônicas aparecem na Bíblia sob muitas figuras e fatos: Noé e os anti-diluvianos; José e os seus irmãos; Josué, Caleb e seus companheiros; Esaú e Jacó; Salmo 1:6; as dez virgens, ovelhas e bodes (Mat. 25). Justos e ímpios.

As fôrças do mal se caracterizam especialmente pela violência: Faraó, Acab, Herodes, César. Essa corrente é cha­mada na Bíblia “ filhos dos homens” . A sua preocupação do­minante é a posse de coisa« Nota-se que, desde o início, êles procuram afastar as funestas conseqüências do pecado, recor­rendo à riqueza, à ciência, como também à arte. Para realçar bem o êrro, ou melhor, o engano dessa atitude, a narrativa bí­blica diz dos outros apenas o seguinte: — “ êles andaram com Deus”. Uns construíram cidades, pondo nelas a sua confiança, outros acharam melhor andar com Deus.

2.° O progresso do pecado não se fêz esperar. Cor­rompida a natureza, o tentador deixou o homem entregue a si

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mesmo. A semente lançada tinha germinado e, agora, vai cres­cendo assustadoramente. O mal que vai crescendo apresenta os seguintes aspectos:

a) Formalismo e exterioridade do culto.Qual foi o êrro de Caim? — duplicidade. Por fora, ato

de culto; por dentro, coração afastado de Deus.Como sabemos disso?A narrativa diz duas coisas: primeiro, que Deus não

olhou nem para Caim, nem para seu sacrificio. A razão é simples: Deus olha primeiro para o coração e, só depois disso e achando o coração reto, olha para aquilo que está dentro. Diz mais: Que Caim não fêz bem. Se tivesse feito bem Deus teria olhado. Isaias 1:13-15. Jer. 17:9-10.

A carta aos Hebreus diz que Abel ofereceu maior sa­crifício pela f é : Q que agradou a Deus, em Abel, foi um fato interior, um fato do coração — a fé. Era o que faltava a Caim. Por fora, homem religioso; por dentro, homem divorciado de Deus, procurando sanar o mal com o culto exterior.

b) Inimizade contra o homem e aversão a Deus.Caim não foi tentado pelo diabo. O que provocou o seu

ato de violência foi o ato de Abel. Fatos e circunstâncias que teriam estimulado em outras pessoas a prática do bem, desper­taram nêle as manifestações do mal. E’ que o mal já estava nêle.

Em que forma?Amor supremo a si mesmo. Como conseqüência, ódio

aos homens e aversão a Deus.Que mal tinha feito Abel?Nenhum. — Entretanto, Caim o aborreceu, como se êle

tivesse sido a causa da sua rejeição. I João 3:14, 15. Logo depois, o mesmo Caim, declara que se afastara de Deus e se escondera dêle.

c) Violência. A simples aversão não tardou a mudar-se em ódio que o moveu a um ato de violência. A causa de não ter sido aceito era êle mesmo. Era, pois, contra si próprio que se devia virar. Mas, em vez disso, aborreceu Abel e o matou. Essa violência vai ser manifestada na sua descendência.

Como diz Marcus Dodds, a maldição do pecado se ma­nifesta de modo terrível. Quem a executa é o próprio homem. “ No dia em que dêle comerdes, c itmente morrerás” . Mas a primeira morte não foi morte natural, mas um homem matou outro homem. Isso ensina que o mal vem de nós mesmos e não de Deus.

d) Luxúria e cinismo.Fortes uns contra os outros e violentos na prática do

crime, os filhos dos homens são fracos para governar os seus instintos de luxúria. Na geração de Caim aparece o primeiro

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caso de poligamia. Mais grave do que isso é que a primeira poesia registrada nessa narrativa tão breve, são versos em que Lamech proclama o crime que cometeu. Nada é pior do que a perda do idealismo da vida moral. Reconhecendo-se mau, o homem se acomoda nesse estado, habitua-se com a sua triste deformação e até se vangloria dela.

Ao mesmo tempo em que a corrupção tomava êsse im­pulso assustador, manifestava-se, de outro lado, o poder vitorioso do bem. Os homens começaram invocar o nome do Senhor — surge e principia a geração dos piedosos: Seth, Enos, Matuza- lém, Enoque e o patriarca do dilúvio, que agradaram a Deus.

Deus nunca ficou sem testemunhas.

QUESTIONÁRIO:

Para onde é que Deus olha? Em que consiste o perigo de não fazer bem as coisas? O derramamento de sangue é inocente? Quem foi o primeiro arquiteto? Quem foi o pri­meiro vaqueiro? Quem foi o primeiro músico? E o primeiro caldeireiro? Quem viveu mais tempo? Todos os homens mor­rem? Quantos anos viveu Enoque?

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CAPÍTULO V

O DILÚVIO

Gên. 7, 8, 9.Texto Áureo: Luc. 17: 26 e 27.

Certa vez Jesus declarou aos seus opositores: “ Errais porque não conheceis as Escrituras e o poder de Deus” . E é por isso também que o homem peca.

A narrativa do dilúvio, tantas vêzes posta em dúvida, exemplifica o que acabamos de escrever. Por essa narrativa se vê que a semente do pecado é vigorosa. Depois de germinar, atinge depressa pleno desenvolvimento. De outro lado, o dilú­vio, a primeira hecatombe de que temos notícia, exemplifica o que diz a carta aos hebreus: “ Todo o pecado e desobediência recebeu a merecida retribuição” . Cheia a medida, Deus não retarda mais a execução da sua justiça.

O objetivo desta lição é mostrar que bases temos nós para crêr na impressionante narrativa que encontramos no livro das origens quando o homem, pela primeira vez, chegou a um estado de completa corrupção.

1.° A BASE NATURAL

A narrativa do dilúvio apresenta certas dificuldades.a) De onde viria tanta água?Pelo texto se vê que não foi apenas chuva. Houve um

cataclisma de proporções i- .ás amplas. A Bíblia diz que a água veio do céu e da terra, isto é, as chuvas e as fontes do grande abismo. — Gên. 7:11. O grande abismo são os oceanos. Houve, pois, junto com a chuva um transbordamento dos ocea­nos. Êsse fenômeno, entre outras causas, podia ter duas:

I) — Levantamento do fundo dos mares e submersão dos continentes. — (Cuvier).

Provas: Há lugares longe dos oceanos a grandes altu-

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ras onde existem camadas de ostras, horizontais, oblíquas e verticais. Encontram-se ossos de animais, de várias espécies, reunidos num lugar só. Em certas regiões árticas onde nunca teria sido possível a vida, encontram-se cadáveres de animais. Bergiér cita o fato de se encontrarem ossos de animais de um continente noutro continente.

II — Um grande degêlo rápido produziu ou auxiliou a inundação (Bernardin de Saint Pierre). O degêlo avolumou a inundação marítima. Êsse cataclisma foi súbito e universal, pois deixou vestígios em tôda a parte.

b) Como pôde Noé reunir os animais?A narrativa diz que êles mesmos vieram ter com Noé.A observação mostra que os animais percebem o cata­

clisma muito antes do homem. Reunem-se, instintivamente, no primeiro lugar que encontram. Êsses fatos mostram que há uma base natural para aceitar, sem dificuldade, a narra­tiva. Acresce ainda que, em tôdas as raças, existem tradi­ções curiosíssimas de um grande cataclisma em que o. mundo todo foi destruído pela água. Mas, além dessa base, existem outras mais firmes.

2.°) BASE SOBRENATURAL — O PODER DE DEUS

Êle é o autor do mundo. Se o homem que é simples cria­tura pode provocar hoje o desencadeamento das fôrças imen­sas da natureza, não há razão para duvidar do poder de Deus e dos seus recursos para fazer coisas incomparàvelmente maiores.

O pigmeu que fêz a bomba atômica só tem razões para crêr nas imensas possibilidades do Criador de tôdas as coisas. Aliás, quando Jesus falou da ignorância dos seus opositores, disse que era ignorância das Escrituras e do poder de Deus. Essa ignorância acha mesmo muita dificuldade para crêr no ensino claro das Escrituras.

3.°) A BASE ÉTICA

A extrema perversão do h. iem e o limite da paciência de Deus. Gên. 15:16. I Pedro 3:20. II Pedro 3:9. Rom. 4:24.

I) A paciência de Deus deve ter um limite: quem o afirma é a própria incredulidade. Há pessoas que dizem duvi­dar da existência de Deus somente porque o castigo dos pe­cadores tarda em vir. Se Deus existisse, dizem êles, os homens não viveriam impunemente no pecado como vivem. Então, uma vez que Deus existe, há um limite para a sua longanimi-

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dade. A perversão chega a um limite que exige a imediata in­tervenção de Deus. Foi o que se deu naquela época e em mui­tas outras que terminaram num cataclisma.

II) A história é uma série de ciclos proféticos. Há fatos particulares que profetizam outros mais gerais. Como escrevemos acima, em certas épocas de extrema perversão mo­ral a punição de Deus vem catastroficamente. Veja-se o caso de Herculano, e Pompéia, impressionante pela destruição sú­bita e pela requintada perversão daquelas cidades.

Cumpre lembrar que Deus não pune sem aviso. Jonas U 3:1-10. Gên. 19:12-14. II Pedro 2:5.

4.°) A BASE DA FE’

Mas, acima de tudo o que foi dito, está a palavra auto­rizada de Jesus Cristo. Mais de uma vêz se referiu Êle ao dilúvio como quem fala de um fato histórico incontestável. E quando falou do dilúvio foi sempre para avisar solenemente os homens da iminência de catástrofes semelhantes, mas incom­paravelmente maiores.

A análise da narrativa do dilúvio apresenta os seguintes aspectos:

a) Completa degenerescência moral do homem, carac­terizada por sensualidade e violência.

b) Continuação da estirpe dos piedosos, não obstante a corrupção geral. Noé era diferente dos seus contemporâneos, apesar das suas imperfeições.

c) A narrativa mostra a ação contínua da providência divina, no aviso dos pecadores, nos recursos para a salvação de Noé e na orientação de tôdas as coisas para a preservação da semente humana.

Há quem se preocupe com discutir se o dilúvio foi par­cial ou universal. Perda de tempo. O certo é que o gênero humano todo então existente foi atingido pelo cataclisma. E ninguém escapou a não ser aquêle que Deus quis salvar.

O essencial é a lição que Jesus aponta nesses aconte­cimentos. E’ indispensável estar de sobreaviso para não ser f alcançado inesperadamente pelos juízos severos de Deus, na í hora das grandes catástrofes.

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QUESTIONÁRIO:

Há pessoas que só pensam no mal? E ’ possível servir a Deus no meio da perversão? Qual era o sinal da corrupção dos antidiluvianos? Quem foi o primeiro engenheiro naval? Quem disse que Noé era justo? Como expressou Noé o seu espírito de obediência? Quantas pessoas entraram na arca? Quem fechou a arca? Quanto tempo durou o dilúvio? Quando virá outro dilúvio?

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CAPÍTULO VI

A NOVA ERA

Leitura: Gên. 9:20-29; 10, 11, 12:1-9.Texto Áureo: Isaias 65:17.

Inicia-se, com a lição de hoje, a terceira era da história da redenção. A primeira foi até a queda do homem. Não co­nhecemos a sua extensão. A segunda vai até o dilúvio. E’ uma fase da história caracterizada por terríveis manifesta­ções do mal. A terceira era começa depois do dilúvio. Só exis­te a família de Noé, salva miraculosamente do grande ca­taclisma.

Após o dilúvio Deus estabelece um novo pacto de bene­volência com a raça porque, se não fôra assim, teria de des­truí-la mesmo. E nesse pacto êle garante aos homens a dura­ção contínua das circunstâncias favoráveis e indispensáveis à vida.

A lição pode ser em três partes.

1.°) REVELAÇÃO DA RAÇA HUMANA

a) A natureza da raça.Antes de descrever a difusão das famílias da huma­

nidade, tôdas elas descendentes de Noé e seus filhos, a Bíblia narra um episódio muito triste da vida de Noé. Embriagou-se com vinho e deu ensejo, assiW a que um dos seus filhos zom­basse dêle. Êsse fato não foi narrado, nem para ridicula­rizar o Patriarca, nem para acusar o seu filho pouco respeitoso, mas com o fim de mostrar que, não obstante a sua sincerida­de e a retidão relativa da sua vida, Noé era participante das fraquezas da raça decaída. O pecado tinha entrado no homem e não saía mais, sendo necessário uma constante vigilância para que êle não se apodere definitivamente da criatura hu­mana, nêste mundo. Depois de agradar a Deus, pela justiça

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da sua vida, o patriarca se descuidou e o pecado infligiu-lhe uma derrota humilhante. O homem é pecador, e só Deus o pode livrar dêsse estado.

A fraqueza de Noé, narrada como está na Bíblia, pode provocar duas reações muito diferentes dos leitores. Muitos alegarão essa hora de fraqueza de um homem bom para des­culpar as fraquezas da sua própria vida e a tomarão com pre­texto para continuarem na prática do mal. Outros, porém, verão nesse episódio um sinal, um aviso necessário para to­marem cuidado e não tombarem como Noé tombou.

b) A seguir aparecem as origens raciais.Essa genealogia que aparece no livro das origens esta­

belece o contato das eras pré-históricas com povos que já fazem parte da história. Aí se diferencia, outra vez, a Bíblia da ciên­cia. A ciência vai até um certo ponto, e pára. A Bíblia, porém, mergulha mais fundo nos tempos desconhecidos da história e, mediante a revelação divina, traz ao nosso conhecimento fatos que ficaram sem testemunho.

2.°) A ORIGEM DAS LÍNGUAS E A DIFUSÃO DA RAÇA

O livro das origens vai narrar agora quando e como os homens começaram a falar línguas diferentes. Até aqui, embora divididos em famílias, os homens tinham um traço de união — falavam a mesma língua. Não se tinham esquecido do dilúvio, mas não se lembravam mais da causa que o pro­duzira.

E’ lamentável que as lições morais do passado pouco ou nada aproveitem às gerações seguintes. Em vez de remover a causa do castigo, o pecado, os homens fizeram uma nova ten­tativa para sustar as suas conseqüências, usando recursos me­ramente humanos e externos. Resolveram edificar uma tôrre. Nesse ponto fêz-se uma interferência divina. Usando as leis simples da natureza humana, Deus provocou a diversificação das línguas e manifestou-se externamente, verbalmente, uma realidade interior do coração humano — a divisão dos homens. Não sabemos que processo Deu usou, mas a ciência moderna da linguagem tem elementos positivos para provar que as lín­guas hoje faladas no mundo, têm tôdas origem numa língua só. Trombetti, na Europa, e Bertolazo Stella, no Brasil, têm obras que provam abundantemente o monogenismo das línguas.

3.°) A ORIGEM DA RAÇA ESCOLHIDA

Nessa era começa o fio histórico mais importante: a

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história do povo hebreu. Podemos dizer mais importante pelos seguintes motivos:

a) O povo hebreu é a raça escolhida para depositária dos oráculos divinos. — Rom. 3:1, 2.

b) O povo hebreu surge nesse ponto remotíssimo da história, destaca-se pela superioridade dos seus conceitos reli­giosos, e não desaparece mais.

c) Jesus Cristo, figura culminante da história humana, é filho do povo hebreu.

A ponta do fio histórico começado nessa era é o pa­triarca Abrão.

Convém notar o seguinte:

I — Deus não' escolheu um homem perfeito, escolheuuma criatura humana com suas fraquezas, mas cheia de fé, e a quem Deus mesmo ia disciplinar e aperfeiçoar.

II — O patriarca da raça hebraica se caracterizou por uma fé profunda. Hebreus 11:8. Imprimiu à sua descendên­cia um cunho moral e espiritual inegualado.

III — No comêço dêsse fio histórico Deus, chamando a Abrão, fêz uma miniatura profética da história do povo he­breu. Basta examinar as promessas da chamada de Abrão, para verificar que os fatos aí profetizados têm se repetido su­cessivamente na história dêsse grande povo.

“ Far-te-ei uma grande nação” — e fêz mesmo.“ Engrandecerei o teu nome” — o nome do hebreu é gran­

de. Salomão, Davi, Mendelson, Einstein, Rotchild, os grandes pilotos das descobertas marítimas, etc..

Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem”. — A história das nações per­seguidoras de hebreus, bem como dos povos que os tra­taram bem, confirma impressionantemente essa profecia. Basta lembrar, de um lado, os nomes de Portugal e Espanha e, de outro, Holanda e Estados Unidos da América do Norte.

“ Em ti serão benditas tôdas as famílias da terra” .Qual é a maior bênção dos homens? Não é Jesus Cris­

to? Pois bem: Êle era descendente de Abrão.A vida de Abrão, errante pelo Egito e Palestina, foi

uma prefiguração histórica da vida errante da sua descendên-

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eia através dos séculos, pelo mundo inteiro.Certa vez Frederico, o Grande, perguntou a um teólo­

go se êle podia dar uma prova da inspiração da Bíblia numa palavra só. A teólogo respondeu: Judeu.

Êsse capítulo, que acabamos de estudar na sua simpli­cidade, é uma das provas da inspiração do livro das origens e de tôda a nossa biblioteca.

QUESTIONÁRIO:

Qual foi o primeiro ato de Noé ao sair da arca? Quem foi o primeiro geômetra? Quantas línguas havia no princípio? Quantos eram os filhos de Noé? Desde quando os homens têm permissão para comer carne? Porque é que o homicídio é crime? Quem foi o primeiro vinhateiro? De onde vieram to­das as nações ? O hebreu é bênção ? Quando ? A quem foi que Abrão edificou um altar? Qual foi a fraqueza de Abrão?

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CAPÍTULO VII

FEBCALÇOS DÂ PROSPERIDADE MATERIAL

Gên. 13, 14, 15 e 18, 19.Texto Áureo: I TIm. 6:10.

A prosperidade material é uma fôrça de.dois..PjqIqs:pode ser bênção e pode ser maldição.

— ^jJrõspCTiHaHe material"T~Sempre uma prova. Podeser, antes de mais nada, simples pròviT~dê" caráter porque a prosperidade honesta requer muita energia e fôrça de ca­ráter. De outro lado, a prosperidade alcançada submete o ho­mem a provas tão fortes que só mesmo um caráter consolida­do pode resistir. Além disso, a prosperidade material acar­reta encargos pesados, provoca reações desagradáveis e, às vêzes, se transforma numa causa de sofrimento muito gran­de. Há ocasiões em que a prosperidade material é mau sin­toma, mas há outras em que é sinal de bênção. Pode-se dizer que, muitas vêzes, o imenso poder do mal se incorpora na pros­peridade material para melhor subjugar e destruir os homens.

A, história da redenção^no§ apresenta uma narrativa que exemplifica essas verdades na vida de dois homens, co­locados dentro das mesmas circunstâncias criadas pela pros­peridade. Êsses homens reagiram de modo muito diferente: foram Abrão e Ló.

A lição apresenta os seguintes aspectos:

1.°) PROSPERIDADE E CONTENDA

Enquanto eram pobres, Abrão e Ló puderam viver jun­tos, com amizade e entendimento. A mesma terra supria re­cursos suficientes, tanto para a vida de um como para a vida de outro. Mas a riqueza de ambos cresceu tanto, que a terra “ já não tinha capacidade para poderem habitar juntos” . Não foi o povo que aumentou — foi o gado. Não era para bôcas

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humanas que faltava alimento. O que esgotou a capacidade da terra foi o crescimento excessivo da riqueza. Tiveram de separar-se.

Mas a lição mostra, nesse ponto, uma influência fre­qüente e nefasta da riqueza: gera contendas.

( Os cães rosnam e se mordem uns aos outros, por causa de um osso. Os homens,, não: contendem depois que estão com o açougue todo em casa.] O mal não está na prosperidade. O mal é aquêle princípio que se introduziu na essência da raça e que aparece com o seu poder e vigor sempre que haja uma ocasião favorável. A pobreza recalca, a prosperidade dá ex­pansão a esse princípio do mal. Gên. 13:1-8.

2.°) PROSPERIDADE E INGRATIDÃO

Quem iniciou Ló na prosperidade material? — Abrão. Tinha sido o amigo, o protetor, a mão que dirige e ajuda. Na hora da separação, Ló, que sempre dependera do tio e agora estava rico, escolheu egoisticamente para si a parte da terra que lhe parecia mais fértil, mais opulenta, mais vantajosa. Escolheu as campinas, deixando para o velho tio o terreno aci­dentado e difícil das montanhas. Não soube ser agradecido, mas, na escolha que fêz, Ló revelou que o seu senso moral es­tava embotado, porque tomou em consideração somente o as­pecto material da terra, sem cogitar do caráter moral dos seus habitantes que, aliás, eram extremamente corrompidos.

/ A prosperidade material o absorvera tão completamente que êle, j parece, não tinha mais visão dos valores espirituais e morais.

Será que a prosperidade material é assim tão maligna que embota sempre o senso moral dos homens?

Não. A prova é a atitude generosa e, ao mesmo tempo, confiante em Deus com que Abrão se comportou na mesma con­tingência. Nas mesmas circunstâncias, com as mesmas ten­tações, os dois homens reagiram diferentemente. Gên. 13:9-18.

3.°) PROSPERIDADE E PERIGO

Onde há mel, aí se ajuntam as abelhas. O dinheiro sem­pre atrai os malfeitores. Disse alguém: difícil é ganhar di­nheiro. Mais difícil ainda é defendê-lo daqueles que o desejam obter de qualquer jeito. Havendo dinheiro, há perigo. Foi o que Ló aprendeu depois que estava em Sodoma e Gomorra.

Tendo sido bem recebido pelos habitantes de Sodoma e Gomorra, Ló não percebeu que o povo o tratou assim por causa do gado numeroso que êle trazia. Não percebeu tam­bém que, se êle desejava aquelas terras, outros havia que as

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desejavam também e que haviam de disputá-las pela violência, E foi o que aconteceu. Veio a guerra e êle perdeu as terras cobiçadas, a fazenda que tinha levado e a própria liberdade. Gên. 14:1-13.

O perigo do dinheiro é o espírito interesseiro dos ho­mens. Mas nem todos são assim interesseiros. Há homens que se dirigem por aquilo que podemos chamar o dever bem compreendido. Assim era Abrão. Logo que teve notícia da guerra, correu em auxílio de Ló, arriscou a vida, derrotou os inimigos, reconquistou a fazenda e os prisioneiros, e não acei­tou por êsse enorme serviço nenhuma paga. Mas recebeu a bênção de Deus. Gên. 14:13-24.

4.°) PROSPERIDADE E RUÍNA MORAL Gên. 18, 19.

A prosperidade material não impede e, às vêzes, até fa­vorece a corrupção moral. Também não susta a execução da justiça divina. Foi o que aconteceu a Ló e à sua família. Dia chegou em que a maldade dos homens daquela cidade encheu as medidas e veio o castigo. Na destruição de Sodoma e Go­morra convém observar o seguinte:

a) O aviso foi feito primeiro a Abrão, que não estava na cidade. Havia nisso uma expressão carinhosa da amizade de Deus para com o seu servo fiel. — Gên. 19:17-19.

b) Deus não executou o castigo sem salvaguardar as medidas rigorosas da justiça. Havia reclamações: foi verifi­cá-las. Gên. 18:20-22.

c) No livramento de Ló apareceu tanto a justiça como a misericórdia de Deus. Misericórdia em avisá-lo, em forçá- -lo a sair da cidade e em retardar o castigo até que êle saísse — (Gên. 19:12-16). Justiça, em salvar-lhe a vida, mas apenas a vida. Em Sodoma ficaram os bens e, até certo ponto, a dig­nidade de Ló.

d) A lição ilustra a posição dos crentes neste mundo corrompido.

Abrão é o tipo do crente santificado, sem compromisso algum com o mundo, embora vivendo no mundo.

Ló é o tipo do crente meio mundanizado. II Pedro 2 :6-8. Connhece o pecado, aflige-se com êle, mas não larga dêle.

A mulher de Ló é o tipo do crente completamente mun-

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danizado. O corpo saiu de Sodoma, mas o espírito ficou lá e ela pereceu na injustiça da cidade.

O mal não está na prosperidade, mas no coração dos homens. O mal não é o dinheiro. Disse o apóstolo: “ O amor do dinheiro é a raiz de todos os males” .

QUESTIONÁRIO:

Quando começou a briga? O que foi que Ló não olhou? Quem serviu doze anos? Quem abençoou a Abrão? Quem era Melchizedec? Para onde olharam os anjos? Por que motivos Deus não escondeu os seus planos a Abrão? Onde ficou Abrão? Quantos justos salvariam a cidade? Quando saiu o sol?

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CAPÍTULO VIII

A DISCIPLINA E O EXERCÍCIO DA FE'

Leitura: Gên. 15Texto Áureo: Hebreus 11:8

A história da redenção tem por objetivo conduzir os homens a Jesus Cristo. Para alcançar êsse objetivo mostra, de um lado, o homem com suas qualidades e suas grandes fra­quezas, e, de outro lado, a sabedoria, a justiça e, principalmen­te, a imensa misericórdia de Deus.

Sua descrição dos homens é realista. Mostra o homem como êle é, sem retoques. Poderíamos dizer que as descrições da Bíblia são como retratos de carteira de identidade: apare- cejn também as cicatrizes.

A Bíblia”nõs ensina que não há homens propriamente bons. Os melhores homens, ao lado de atos inspiradores de fé e obediência, foram sujeitos a fraquezas muito tristes.

| Não nos esqueçamos de que o pecado, entrando no ho­mem, gerou um conflito incessante não somente entre homens e homens, mas dentro de cada homem. Êsse conflito é mais vivo e mais forte no coração dos homens crentes que sincera­mente procuram obedecer a Deusa Os melhores homens não são homens perfeitos, mas hQmeH,s-que- Di3ua_tirou do barro co­mum para disciplinar, afeiçoar e, afinal, tornar bons. ~...

T5ra, para que vejamos essa verdade era tôda a sua cla­reza e admiremos a perfeição e sabedoria da obra divina, é que a Bíblia mostra os homens tais quais êles foram durante muito tempo, com todos os seus êrros, defeitos e qualidades.

Abrão é incontestàveimente um dos melhores homens da Bíblia. Na süãTvIcIãrapárece, de um lado, a sábia direção da Providência divina e, de outro lado, o patriarca sujeito a pro­vas, tentações e disciplinas da vida comum com suas derrotas e vitórias.

A interferência de Deus na vida de Abrão nos autori-

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za a dizer que Deus, na sua maneira sábia de afeiçoar os cren­tes, promete bênção, sonda o coração, expõe a provas e tenta­ções muito fortes, manda cumprir ordens muito difíceis e supre, quando é preciso, as necessidades vitais dos crentes.

Para não prolongar esta lição, vamos resumir a histó­ria do patriarca em três grandes traços do seu caráter, nos quais aparece o contraste da fé e da fraqueza e a disciplina da fé.

1.°) FRAQUEZAS DO PATRIARCA

Abrão, como todos os homens, viveu dentro da hora da sua época ao nível da sua natureza decaída, enfrentando as mesmas dificuldades, trabalhos e oportunidades.

A primeira fraqueza do patriarca, que destoa da sua vida de fé, é o caso de-Jíasae-e-Jsmael. Deus havia feito ao patriarca a promessa de torná-lo pai de numerosa descendên­cia. Os anos iam passando e o filho não nascia. Um dia Sa- rah, a espôsa de Abrão, de acôrdo com a ética do tempo, suge­riu a Abrão que fizesse de sua escrava Hagar sua concubina, o que o patriarca fêz, antecipando-se assim à Providência. Re­pitamos: a §aa^.aqueza-fflLter-se antecipado à Providência. Não teve paciência de esperarque Deus cumprisse, notempo próprio, a promessa em que êle, Abrão, tinha crido firmemen­te. Teve energia para crer na promessa, mas não teve paciên­cia para esperar muito tempo que ela se cumprisse.

Outra fraqueza do patriarca parece que era o mêdo. Por causa dessa fraqueza duas vêzes êlementiu narapoupar a vi­da, chegando mesmo a comprometer-gfsua dignidade, bem como a integridade da sua família. Gên. 12:11-20, especialmente o verso 12; Gên. 20:1-11.

O mêdo é uma das fraquezas mais fàcilmente explorá­veis da natureza humana. Mêdo dejnorrer, mêdo de pobreza,mêdo de -castigo, mêdo.de sofriméníõ. Por causa do mêdo ohomem fraqueja e arrisca, muitas vêzes, sua honra, sua de­cência e sua dignidade. O pâd£L_.é.,..jiiuítas vêzes, o pai da mentira. Desde cêdo o diabo tem explorado o mêdo para con­servar os homens debaixo do seu poder. Só a graça de Deus e a intervenção da sua sabedoria salvaram o patriarca de um desastre irremediável, quando êle se deixou levar pela fraque­za do mêdo.

Êsse fato estabelece um problema muito difícil, por­que Abrão era um homem de fé. Tanto assim que foi cha­mado o “ pai dos crentes” . Ora, a fé exclui completamente o mêdo. Mas a explicação é fácil: o diabo não ataca sem exami­nar cuidadosamente-^? praça e sem ter descoberto os pontos

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vulneráveis. E sabia muito bem onde estava o ponto vulnerá­vel do patriarca e foi diretamente a êle.

Grande maravilha é a Bíblia! Nas poucas palavras de uma narrativa simples exibe aos homens de todos os tempos as peças delicadas do mecanismo complexo da vida humana, onde o bem se mistura paradoxalmente com o próprio mal.

2.°) DISPOSIÇÃO PARA CRER

Essa é, talvez, a característica peculiar de Abrão. Onde quer que chegasse erguia o altar para exercício da sua vida religiosa. Mesmo quando tudo parecia mostrar que êle não chegaria a ser pai, creu, sem vacilação, na promessa que Deus fêz de dar-lhe inumerável descendência. — Gên. 15.

No tempo em que povos aguerridos e fortíssimos habita­vam a terra da Palestina e êle era apenas um criador de gado, errante de terra em terra, creu firmemente na promessa que Deus lhe fêz de torná-lo senhor daquela terra. Gên. 15.

E’ fácil crer em promessas que não tardam. Abrão creu em promessas que demoraram muito. Diz a Bíblia, em dois lugares, que Abrão creu no Senhor e isso lhe foi imputado por justiça. Creu na hora que Deus falou. Daí se tira uma lição muito simples e importante: a fé é coisa íntima do coração e invisível. Deus, porém, sonda a alma dos seus filhos e sabe o que se passa no mais interior do homem. Êle conhece o que há no homem. Êle sabe quando há fé e conhece a verdadeira finalidade da fé. E, vendo fé sincera, trata o homem que não é justo, como se o fôsse. Imputa-lhe fé como justiça. Era isso que havia em Abrão e que tanto agradava a Deus — dis­posição para crer nas promessas divinas. Por isso, foi êle chamado o amigo de Deus.

3.°) DISPOSIÇÃO PARA OBEDECER

Mas, onde há disposição para crer, surge necessaria­mente disposição para obediência. A fé, a verdadeira fé, apa­rece de dois modos. Aos olhos de Deus, que vê o coração, e aos olhos dos homens, que £' podem ver as obras, isto é, a obe­diência.

Das vêzes que Abrão mostrou a sua disposição para obe­decer, duas se destacam de maneira impressionante. A pri­meira, quando êle deixou tudo e partiu para o desconhecido, atendendo à chamada de Deus. Gên. 12.

Convém citar aqui as palavras da carta aos hebreus: “ Pela fé Abrão, sendo chamado, obedeceu, indo para um lugari

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que havia de receber por herança; e saiu, sem saber para onde ia” .

Nessa passagem podemos fazer a análise de dois ele­mentos paradoxais da fé : ignorância e conhecimento.

Ignorância: Abrão saiu sem saber para onde ia.Conhecimento: Abrão sabia duas coisas: a ordem era

de Deus. Deus sabia o lugar para onde o mandava. Daí, a sua disposição para obedecer.

A segunda vez que Abrão mostrou a sua disposição para obedecer foi numa prova dolorosa e decisiva da sua carreira. Deus o mandou imolar Isac.

Deus prova o homem pela prosperidade, pela alegria, pelo sofrimento, pela pobreza.

Para quê?Para lhe dar oportunidade de mostrar e exercitar a

sua fé.Deus prova o homem. A expressão da Bíblia é outra: —

“ tentou Deus a Abrão”.Como pode ser isso, se as Escrituras dizem que Deus a

ninguém tenta?Tôdas as vêzes que Deus dá uma ordem ao homem Êle

o coloca diante de duas alternativas: obedecer ou desobede­cer. Não é que esteja tentando no sentido em que o diabo tenta. Não. Mas, consideradas as dificuldades, as lutas, os so­frimentos e as perdas que o homem tem de encarar para fazer o que Deus manda, é incontestável que certas ordens de Deus colocam o homem dentro da experiência de uma tremenda ten­tação para não cumprir a ordem.

No cadinho dessa prova suprema e decisiva, Deus co­locou Abrão quando lhe mandou imolar o seu filho.

E terá necessidade de submeter os homens ao sofrimen­to das provas, para saber se êle tem fé?

E’ claro que não. A prova tem dois objetivos, como já se disse. Primeiro, exibir a fé do patriarca ao mundo inteiro, fazendo dela um modêlo, uma inspiração, um estímulo para outros crentes. Segundo, a fé, faculdade espiritual, como tôdas as outras faculdades deve ser exercitada para desenvolver-se e fortalecer-se. O próprio crente deve saber até onde chega a fôrça da sua fé.

Não há página mais comovedora do que a narrativa do sacrifício de Isaque. Filho da velhice, longamente esperado, cumprimento da promessa divina. E a ordem era de Deus. Abrão não vacilou, obedeceu.

Como se explica que Deus exija do seu servo um sacri­fício humano?

Marcus Dodds pensa que aproveitou essa prova exata-

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mente para mostrar que Êle não deseja, nem manda fazer ó sacrifício de criaturas humanas.

E’ certo que a redenção exige o sacrifício de alguém. Deus quer redimir a humanidade. E assim como depois da ordem dada, deixou que Abrão fôsse até o momento supremo de erguer o cutelo para depois fazê-lo suspender o gesto e apon- tar-lhe o cordeiro que devia substituir o filho, assim também Êle faz primeiro o pecador sentir a exigência justa do seu pró­prio castigo, para depois mostrar-lhe que êsse castigo foi exe­cutado para sempre no sacrifício de Jesus Cristo.

Abrão obedeceu com mêdo e dor no coração, mas obede­ceu porque sabia que as ordens de Deus atendem a razões certas e justas. Não são arbitrárias, não desdizem, nem desmentem as promessas divinas. E Deus havia dito: — “ Em Isaque será chamada a sua descendência”.

Obedeceu porque, se Deus ordenou o sacrifício, é porque havia necessidade dêle.

Como conciliar a execução do sacrifício com o cumpri­mento da promessa?

Essa devia ter sido a perplexidade do patriarca. Mas não era descontrolado por perplexidades. Era dirigido pela fé. Deus prometeu a descendência, Deus mandou executar o filho. Parecia uma contradição. À Deus competia resolvê-la, a Abrão competia obedecer, e obedeceu.

E quando o filho, que nada sabia, lhe perguntou: — “ Onde está o cordeiro para o sacrifício?” O patriarca res­pondeu somente isso: — “ Deus proverá” .

O coração rebelde tem a capacidade maligna de trans­formar uma prova divina em tentação de não fazer o que Deus deseja. Abrão, porém, era diferente. Seu coração cheio de fé transformou uma prova dolorosa numa vitoria espiritual e num exemplo singular de obediência.

QUESTIONÁRIO:

Quem foi o primeiro astrônomo? Quanto tempo ia du­rar a prova dos hebreus? Quando é que vem o castigo? Que idade tinha Abrão quando nasceu Isac? Qual era o parentes­co de Abrão e Sara? Quem carregou a lenha para o sacrifí­cio? Para onde se dirigiam juntos Abrão e Isac? Como se ficou chamando o lugar do sacrifício de Isac? Quantos dias viajaram Abrão e Isac? Porque é que as bênçãos das nações vieram da descendência de Abrão? Quantas vêzes o anjo falou com Abrão?

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CAPÍTULO IX

ELOS HUMANOS DA PROVIDÊNCIA DIVINA

Leituras: Gên. 24, 26, 27.Texto Áureo: I Cor. 9:27

Uma leitura superficial da história da redenção poderia dar a entender que há estirpes piedosas e estirpes pecadoras. Uma observação mais atenta mostra coisa muito diferente.

Na descendência dos melhores homens vai aparecendo sempre o estigma do pecado. Foi o que se deu na descendência de Abrão: Isaque e Ismael; Esaú e Jacó, e assim por diante. Percebe-se nesse fato a seleção contínua que a Providência tem de ir fazendo para impedir que a raça se decomponha comple­tamente. E’ uma interferência incessante da Providência, den­tro da raça humana e até mesmo dentro da própria raça es­colhida.

Isaque era filho de Abrão, crente piedoso, filho da pro­messa divina, não apresenta, entretanto, o mesmo caráter altivo do patriarca Abrão. Era homem mais ou menos passivo, que se deixava levar pela fôrça das circunstâncias, bem como pela ação dos outros. Não obstante isso, foi um elo na imensa ca­deia da providência divina. Era o filho de Abrão e o pai de Jacó. Com êles forma a trindade patriacal dos hebreus. Quan­do mais tarde os hebreus fizerem a sua invocação, hão de fazê- -la mencionando o Deus de Abrão, de Isaque e de Jacó.

Na história dêsse patriarca podemos destacar alguns episódios principais que serão analisados sob os seguintes tí­tulos :

1.°) INDÍCIOS CLAROS E DESÍGNIOS DESCONHE­CIDOS

E’ o que vemos, por exemplo, nos arranjos do casamento de Isaque. Quem se encarregou de tudo foi o pai. Éle apenas

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aceitou a noiva e, como disse o texto, amou-a intensamente.Quais eram os indícios claros que a Providência tinha

dado?O propósito de Deus separar uma estirpe dentre todos

os povos. Orientado instintivamente por êsses indícios, Abrão não quis que seu filho se casasse com gente estranha. Não lhe faltariam alianças por meio do matrimônio do filho com os príncipes da terra. Mas, se isso se desse, talvez se prejudicasse a linhagem escolhida. Por isso Abrão mandou o seu mordo­mo à casa dos antepassados e parentes buscar uma noiva para o filho. Gên. 24:1-14.

Quem seria a noiva 7Isso, nem êle sabia, nem o mordomo. Êste, porém, foi à

terra onde o seu senhor o mandara e, depois de orar, pediu a Deus um sinal. E, por meio dêste, escolheu a noiva. Perce­be-se na narrativa Deus que dirigiu tudo.

Parece que Rebeca não era lá muito piedosa. Os acon­tecimentos posteriores apresentam falhas muito graves do seu caráter. Não foi uma boa mãe no sentido pleno da palavra. Mas os desígnios de Deus são insondáveis, e Rebeca também entrou como um elo na misteriosa corrente da providência di­vina.

Já nesse tempo a noiva era consultada para dar o seu consentimento no matrimônio. Gên. 24:58. Também já se fa ­zia depender da bênção divina a felicidade conjugal. Naquele tempo procurava-se a mulher que tivesse capacidade para su­prir às necessidades do lar. Dados êsses passos, o mais ficava a cargo da Providência.

2.°) F R A Q U E ZA DO HOMEM E SOCORRO DE DEUS

E ’ impressionante como certas fraquezas se transmitem de pais a filhos. Vimos que uma das fraquezas de Abrão era o mêdo e, por causa do mêdo, mentiu. Em Isaque aparece a mes­ma coisa. Indo a uma cidade chamada Gerar, por amor à vida, enganou o povo dizendo que Rebeca era sua irmã. Como no caso de Abrão, foi a Providência que o livrou de um desastre muito grande.

O mentiroso é sempre um fraco. A mentira revela duas coisas: interesse pelas coisas materiais ou mêdo do sofrimen­to físico.

Deus não tardou a mostrar ao patriarca que não havia razão para temer, uma vez que êle tinha por si o amparo da Providência.

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3.°) DILIGÊNCIA HUMANA E BÊNÇÃO DE DEUS

Não obstante a sua relativa passividade, Isac mostrou-se diligente. Quando apareceu a fome na terra êle formulou ime­diatamente um plano, que só não executou porque Deus não lho permitiu. Encontrando-se em Gerar não perdeu tempo na ocio­sidade, mas preparou a terra, fêz uma grande sementeira e teve uma grande colheita, porque Deus o abençoou. Como êle tivesse cavado alguns poços e os filisteus cheios de inveja o hostilizassem, êle não perdeu tempo numa contenda inútil e nociva. Abandonou aquêles poços e cavou outros. Novamente a bênção de Deus recompensou a sua diligência. Segue-se daí uma lição muito im portante: Deus abençoa aquêles que se es­forçam por fazer o melhor que podem.

E ’ certo que há uma Providência que vela, que dirige os acontecimentos, que dispõe as circunstâncias e da qual tôdas as coisas necessàriamente dependem. Nem sempre os desíg­nios sábios dessa Providência aparecem com suficiente clareza. Mas aos homens incumbe cumprir com diligência os deveres claramente ensinados na Bíblia e reconhecidos pela consciência. E nisso Isaque foi um modelo.

Não podemos term inar esta lição, sem apontar o traço mais importante do caráter de Isaque. E ra homem de oração. Gên. 24:63. E foi quando êle estava no campo buscando soli­dão para orar, que viu pela primeira vez a noiva que vinha chegando. Se não teve uma espôsa perfeita, teve, entretanto, suficiente paciência para suportar as imperfeições dela.

Q U E STIO N Á R IO :

Em que Deus abençoou Abrão ? Qual o sinal de uma boa espôsa? Qual o traço característico de Rebeca? Que foi que mais interessou a Labão ? O servo de Abrão era crente ? Quan­to tempo durou o banquete ? Onde estava Isaque quando Rebeca chegou? Qual foi a fraqueza de Isaque? Qual é o resultado da prosperidade? Qual foi a promessa de Deus a Isaque?

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CAPÍTULO X

O HOMEM NATURAL

Leitura: Gên. 25:24-84 e 27 a 32:21.Texto Áureo: I Cor. 2:14.

Jacó é o vulto central na história do povo hebreu. Em certo sentido êle é o verdadeiro pai da raça. Abrão teve vá­rios filhos, mas de Isaque veio a linhagem israelita. Isaque teve dois filhos, mas a linhagem passou a Jacó. Os filhos de Jacó constituíram a grande família israelita. Em outras palavras: de Abrão e Isaque procederam vários povos. De Jacó, porém, um povo só. E é digno de nota que êsse povo conserva, através dos tempos, as mesmas características que podemos descobrir em Jacó.

Mais uma vez vamos lembrar que a história da reden­ção descreve os homens tais quais êles são. O retrato de Jacó impressiona muito mal. E’ um homem de personalidade forte e cheio de defeitos. E’ um homem como todos os homens peca­dores, no seu estado natural. E’ um explêndido espécimen do homem natural.

O têrmo natural vem de um verbo latino que significa nascer. O homem natural, portanto, é o homem como êle nasce, sem as modificações da graça divina e antes da conversão. E’ o barro sem modelagem. E’ bom conhecê-lo, para melhor apre­ciar, depois, a obra que Deus fêz com êle.

Verificado que o povo hebreu, salvo alguns indivíduos, apresenta sempre as mesmas características que marcaram Ja- ,có, o pai da raça, como homem natural, segue-se que a raça foi separada para uma função histórica que exerceu e da qual lhe advieram benefícios e privilégios temporais. Entretanto, só participam dos benefícios perenes do pacto da graça e das pro­messas maiores que Deus fêz ao patriarca Abrão, aquêles filhos da raça natural que, pela conversão, passam também a fazer parte da raça espiritual. E convém saber que nessa raça espi-

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ritual, que são os filhos da promessa, estão incluídos também filhos de outras raças, chamados gentios, que eram homens naturais, mas que se converteram. Rom. 9 :6-8.

Para melhor esclarecimento do assunto vamos estudar os aspectos mais salientes e marcantes do homem natural, que aparecem na pessoa de Jacó.

1.°) ASTÚCIA E VIOLÊNCIADois irmãos, filhos do mesmo pai e da mesma mãe, por­

tadores do mesmo sangue, e tão diferentes um do outro. Um, amigo do campo e da caça, afeito à violência, insofrido, impre­vidente, profano — Esaú. O outro, amigo da casa, afeito às subtilezas e às intrigas com que se defendem dos mais fortes aqueles que, pela sua fraqueza física, acabam descobrindo que a inteligência é uma fôrça maior — Jacó. Mas os dois tinham unuiTaco comum. Aquele traço que São Paulo descreve em duas~írases^apidares: “ Homens amantes de si mesmos” — e que só tratavam do que era seu. Em uma palavra: egocêntricos. O “ eu” era o centro do mundo e de tudo. Um usava a violência, outro a astúcia, mas cada um usava o que podia a serviço ex­clusivo de si mesmo. Tão diferentes um do outro nos aspectos acidentais e, na essência real da sua natureza, iguaizinhos como duas gotas de água.

Dois episódios mostram as diferenças acidentais da con­duta e a igualdade da natureza.

O primeiro é a velha história do prato de lentilhas, em que Esaú, profanamente, insensatamente, insofridamente atirou fora, com as suas grandes prerrogativas a sua própria digni­dade pessoal. Julgou a matéria em função do seu prazer pes­soal, sem qualquer referência aos interêsses da grei. Só bus­cava o que era seu, imediatamente seu.

Nesse mesmo episódio aparece, pela primeira vez, a saga­cidade incrível de Jacó e a sua mais incrível ousadia para explo­rar, em seu benefício exclusivo, a fraqueza do seu próprio irmão. Gostava muito de todos, mas no fundo era amigo de si mesmo. Um, porque desprezou; outro, porque explorou; ambos agiram em função de um mesmo princípio: era o homem natural.

O outro episódio incomparàvelmente mais grave, porque nele aparecem além da astúcia, a mentira, a fraude e também o desrespeito ao pai já velho e cego é o caso da bênção que Jacó tomou. Aí é que se vê bem o homem natural que crê mais na sa­bedoria dos homens que na sabedoria de Deus; que confia mais na posse imediata, embora fraudulenta das coisas, do que no cumprimento remoto das promessas divinas. Realmente, o ho­mem natural aparece aí em tôda a sua plenitude, em Jacó, em Rebeca e no próprio Esaú. Ninguém tomou em consideração os

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direitos alheios. Cada um tratou de buscar apenas o que era seu. Nenhum pensamento acerca da justiça de Deus. Tanto assim, que todos os meios, inclusive a mentira e a fraude, lhes pareceram úteis para alcançarem o seu objetivo.

2.°) PECADO E SUPERSTIÇÃO

Praticada a fraude, seguiram-se as conseqüências inevi­táveis, isto é, o pecado medrou e com êle apareceu o mêdo. Esaú jurou matar Jacó — violência. Rebeca resolveu salvar o filho e, para não ouvir recriminações de Isaque alegou um motivo ra- soável que Isaque aceitou para mandá-ío embora — astúcia.

Jacó partiu. No caminho teve uma experiência religiosa verdadeira, mas ainda aí aparece o homem natural. A visão foi magnífica: ouviu as promessas de Deus, mas entendeu-as como homem natural. Em vez de religião, superstição.

Quatro coisas assinalam, nesse passo, a religião do ho­mem natural.

a) Ignorância — “ Deus está neste lugar e eu nãosabia” .

b) Mêdo — Em vez de alegria e sentimento de segu­rança pela presença de Deus, Jacó temeu.

c) Contradição — Disse que aquêle lugar era a porta do céu, mas era um lugar terrível.

d) Espírito utiliatário, aliás, uma das marcas incon­fundíveis do homem natural: promessas interesseiras. Tratou, imediatamente, de explorar as possíveis vantagens daquela ex­periência religiosa “ Se me abençoares dar-te-ei o dízimo” .

3.°) ENGANO E CONTENDA

Na visão que Jacó teve Deus lhe declarou que não o lar­garia mais, até que êle tivesse feito tudo o que tinha determina­do. Em outras palavras: estava decidido a endireitá-lo mesmo. Vamos ver o esmeril em que Deus vai afeiçoar a personalidade do patriarca.

Combinou circunstâncias para tirá-lo do lar onde a co­modidade e outros fatores iam .amolecer o seu caráter. Jacó foi parar longe e achou-se numa luta que não lhe deu mais sossêgo.

Dois elementos devem ser especialmente mencionados: o amor de Jacó e a astúcia de Labão. Com o amor a Raquel, Deus colocou um freio na bôca de Jacó, de modo que êle mesmo não quis voltar para casa. Com a astúcia de Labão, colocou diante dêle um adversário da mesma fôrça, que o obrigou a exercitar as suas fôrças e desenvolvê-las completamente. Mas, acima de tudo, essa luta incessante o levou a sentir que dependia mais da

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bênção e da proteção de Deus do que da sua própria astúcia. Era o homem natural contra o homem natural, exatamente como disse São Paulo: “ Enganando e sendo enganado” . Jacó, o en­ganador, encontrou um enganador mais traquejado do que êle mesmo e, assim, aprendeu que o engano é causa de contenda e não fator de segurança.

Para terminar esta lição, convém realçar; mais uma vez, que a inconstância, os interêsses e os enganos dos homens não anulam a fidelidade de Deus e não impedem a ação da Provi­dência. Não sabemos como, mas o certo é que Deus combina os movimentos independentes das criaturas humanas, de modo maravilhoso, para realizar os desígnios da sua providência.

Qual era o desígnio de Deus na fuga de Jacó?Hoje nós o sabemos, mas êles não sabiam. Tirá-lo do

ambiente amolecedor do lar mal organizado, para a luta onde ia temperar o seu caráter. E todos, sem saber, concorreram para isso: Jacó e Rebeca, para evitar a fúria de Esaú; Isaque, para evitar o casamento de Jacó com as etéias; e o próprio Esaú, para não ser obrigado a cumprir o seu juramento de matar o seu irmão, favoreceu a fuga.

QUESTIONÁRIO:

Quando começou a luta entre os dois irmãos? Qual era a perícia de Esaú? Que significa Edon? Há negócios insensatos? Que é que Isaque não sabia? Tôdas as mães ensinam só coisas boas? Tudo o que os homens atribuem a Deus é verdade? Quantas vêzes Jacó enganou Esaú? Todos acham o céu um lugar feliz? Que promessa fêz Deus a Jacó?

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CAPÍTULO XI

O HOMEM ESPIRITUAL

Leitura: Gen. 31-32.Texto Áureo: II Cor. 5:17.

Não importa o que o homem tenha sido, desde que êla se torne uma nova criatura. Deve-se levar em conta não aqui­lo que o homem foi e sim aquilo que Deus fêz dêle. E’ por isso que Deus conserva com vida durante longos anos, com imensa paciência, homens que são grandes pecadores. E’ para fazer deles grandes servos e grandes provas do seu poder. Jacó é um dos melhores exemplos. Por isso, também, Jesus procura­va os grandes pecadores do seu tempo. Luc. 7 :39. Gal. 6:15.I Tim. 1:15,16.

Na última lição, Jacó nos foi apresentado como o homem natural, isto é, como tinha nascido. E’ tempo de afirmar uma doutrina bíblica da mais alta importância: depois de Adão cair, ninguém nasce crente. A conversão é indispensável. E' preciso nascer de novo, disse Jesus. Tôda religião que um homem tem não substitui o novo nascimento. Às vezes vem mais cêdo, às vezes mais tarde. Em alguns casos é mudança repentina, noutros um processo mais lento, mas é sempre o ponto de partida indispensável da vida espiritual. Em Jacó tardou muito. Os seus anos já iam adiantados, quando êle passou pela crise da conversão. Foi na volta para a terra de seus pais que o fato se deu.

Vamos fixar nesta li^ão os aspectos mais importantes.

1.° UMA COMPREENSÃO NOVA

Depois de cometer os êrros Jacó nunca mais teve sos- sêgo. Vivia sempre fugindo, evitando alguém, escondendo al­guma coisa, encontrando novos conflitos, inventando e pra­ticando mais enganos — tragédia do homem natural desde Adão até agora. Nos homens via apenas os inimigos. Ao en-

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trar de novo na terra de seus pais teve mêdo da vingança de Esaú, a quem tinha prejudicado e ofendido. A té então não ti­nha percebido que não era apenas Esaú, mas também Deus e a sua justiça que tinham sido agravados pela sua conduta pe­caminosa. A té a experiência da luta com o anjo no vale de Jaboque, nunca tinha pensado nisso.

O simbolismo daquela luta é lindíssimo. Jacó imagina­va que Esaú podia impedí-lo de entrar novamente na terra de seus pais. O anjo que lutou com êle veiu lhe ensinar que Deus também se opunha a essa entrada, até que êle tomasse um rumo direito na vida. Pela primeira vez compreendeu que se tinha pôsto em inimizade não somente contra os homens, mas também contra Deus. Desprezando e violando o direito dos homens, até aquele dia, tinha estado em luta contínua contra o Altíssim o e, por isso, nunca tivera descanso. A té en­tão tinha tido apenas uma compreensão carnal. Só agora co­meçava a ver os fatos com os olhos de homem espiritual. Daí uma visão nova de si mesmo, de seus recursos e do seu engenho. Y iu que não podia confiar inteiramente na astúcia. Com ela conseguira tornar-se rico, mas não se fizera feliz. E viu m a is: que só da bênção de Deus lhe viria a segurança e o descanso que em vão tinha procurado por tôda a parte.

2.° L U T A E V ITÓ R IA N E C E SSÁ R IA

A conversão de Jacó se deu antes de êle atravessar o ribeiro do Jaboque. Não ficava bem que êle regressasse à casa de seus pais no mesmo estado espiritual em que saíra de lá. Estava na fronteira geográfica e tinha chegado tam­bém à fronteira espiritual. Não convinha que atravessasse uma sem também atravessar a outra. A té então tinha lutado com os homens, tinha lutado contra Deus, entendendo que a causa do desassossêgo estava nos outros. Só não havia lutado con­sigo mesmo. Subjugara, pela astúcia, o irmão violento; ven­cera, pela astúcia, a sagacidade de Labão. O seu nome signifi­cava suplantador. Sabia vencer e suplantar os outros, mas não sabia vencer-se a si mesmo. O texto diz que êle ficou só. Não se via por ali nenhum inimigo. Nessa altura é que o anjo apa­receu e lutou com êle. Diz o texto que o anjo não conseguiu prevalecer contra Jacó. Uma leitura superficial daria a en­tender que Jacó superou o anjo fisicamente. Mas o narrador se encarrega de desfazer essa interpretação, porque diz que o anjo, não podendo prevalecer contra Jacó, tocou-lhe na juntura da coxa e a deslocou. O que mostra que o anjo dispunha de fôrça para vencer fisicamente o patriarca.

A resistência de Jacó, portanto, não era física. Devia ser espiritual. E foi preciso que o anjo o atingisse fisicamen-

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te, para que êle compreendesse que não tinha outro recurso senão submeter-se. Jacó, até ali, havia suplantado os inimigos e, nesse dia, suplantou-se a si mesmo. Aprendeu que só há um meio de prevalecer com Deus depois de lutar com Êle — é submeter-se.

Antes da submissão estava pronto a fazer o que Deus mandasse, se primeiro Deus fizesse o que êle desejava. Gen. 28:20,22. De agora em diante, faria tudo sem condição algu­ma. A luta, a verdadeira luta, deve ter sido íntima, como tam ­bém o foi essa vitória sôbre si mesmo.

3.° M U D A N ÇA R A D IC A L

A té aquêle momento Jacó ainda era o mesmo homem ego­cêntrico, confiado nos recursos humanos, desassossegado e a- medrontado, livrando-se de um inimigo para ver-se ameaça­do por outro. Escapara de Labão, seu tio, e temia encontrar-se com Esaú, seu irmão. Trazia na mente ainda o plano de con­quistar a terra, prevalecendo-se da sua astúcia e da fraqueza de Esaú. Por isso, mal soube que o irmão lhe saía ao en­contro, mandou-lhe uma série de presentes. Na hora crítica em que sentiu mêdo, fez-se religioso e pediu a proteção de Deus. Mas, apesar de orar, como êle mesmo disse, tinha con­fiança era nos presentes para aplacar o irmão. Gen. 32.

Depois da crise já era outro homem. Sua própria ati­tude com Esaú era outra. E vê-se no capítulo 33 que a sua confiança agora estava posta era mesmo na bênção de Deus. E ’ um exemplo daquilo que disse Paulo: “ A s coisas velhas tinham passado, e tudo se fizera novo” . Não era ainda uma pessoa perfeita, mas tinha mudado completamente a raiz da sua vida moral. Jacó, daí em diante, era de fato Israel.

Convém notar as duas circunstâncias mais importan­tes dessa mudança.

a) Deu-se quando êle se achava só. Com efeito, o proble­ma espiritual deve ser resolvido entre Deus e o homem só.

b) Foi durante uma luta e por meio dela. Ninguém obe­dece a Deus sem lutar muito consigo mesmo, sem se vencer completamente.

Ficam bem aqui as palavras do hino 244:

Salvador, eu hoje venho me render;Só por ti vencido poderei vencer;

QU ESTIO N ÁRIO

Que encontrou Jacó no seu caminho de volta? Que circunstâncias atemorizavam Jacó? Que coisa era maior

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do que Jacó? Que é que aparecia primeiro: o presente, ou o irmão? Em que é que Jacó de fato confiava? Quem ficou na companhia de Jacó? Qual foi o novo nome de Jacó? Desde quando Jacó manquejava? Qual o primeiro encontro de Jacó no caminho? Onde passou Jacó a noite decisiva da sua vida?

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CAPÍTULO XII

CAMINHOS DA PROVIDÊNCIA

Leitura: Gen. 37 Texto Áureo: Isaias 46:10

A história da redenção atinge um dos seus pontos cul­minantes na vida de José. Além de uma narrativa emocio­nante, cheia de lances interessantíssimos, a história de José é uma exposição clara e persuasiva da existência de um pla­no que a Providência, a despeito de tôdas as circunstâncias contrárias, vai realizando através da história.

Em Jacó, era esquisito que Deus tivesse escolhido um homem máu para um plano bom e perfeito; em José, o misté­rio é o sofrimento de um homem bom. Na história de Jacó vemos a mão da Providência executando o seu plano com uma personalidade defeituosa — o trabalho consistiu em afeiçoar o homem ao plano. Na história de José vemos a continuação do mesmo plano, por meio de um homem excepcionalmente bom. Contra êsse homem se levanta a hostilidade não só dos extranhos, mas da própria família de Israel. E os aconteci­mentos que seguem, dirigidos pela mão invisível da Providên­cia, convergem todos na consumação do que Deus tinha deter­minado fazer.

Pode-se dizer de José que êle é o tipo do homem que Deus dirige. A narrativa da sua vida nos apresenta o mais impressionante exemplo da vida dirigida.

A lição apresenta os seguintes pontos importantes:

1.0) PREVISÕES PROFÉTICAS DA PROVIDÊNCIA

Um dos fatos impressionantes na história de José são os sonhos dêle e de outras pessoas e que êle interpretou.

Os sonhos se cumprem?Nem todos. Os de José, bem como outros que aparecem

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na Bíblia, foram meios que Deus usou para mostrar aos ho­mens o que só Êle sabe, isto é, uma parte do seu plano. Se usarmos a linguagem de Daniel, diremos que “ o Deus grande fêz saber aos seus servos o que há de ser depois.”

Os sonhos da história de José apresentavam as seguin­tes características:

a) Eram sonhos bem nítidos e sem confusão. Além disso, repetiam-se com outras imagens, mas apresentando sempre a mesma idéia. Gênesis 37:7 e 9 é um bom exemplo.

O primeiro sonho apresentava a imagem de molhos de ce­real; o segundo sonho apresentava a imagem dos astros. Essa repetição tinha por objetivo destacar a idéia contida na reve­lação e mostrar que o sonho tratava de desígnios de Deus e não d.e meras imaginações da mente humana, tão comuns nos outros sonhos. Gên. 41-32 e Gên. 37:6-10.

b) Êsses sonhos não tratavam de interêsses particulares ou individuais. Tinham em mira interêsses gerais de raças e, por meio delas, a salvação daa humanidade.

c) Êsses sonhos se cumpriram à risca.Cabe aqui a afirmação de uma doutrina. Deus revelou

antecipadamente o que estava para acontecer. Revelou por­que sabia de antemão. Se sabia, então tudo estava certo. Essa certeza é o plano de Deus. Os sonhos da narrativa da histó­ria de José são as primeiras amostras dos caminhos da Pro­vidência, isto é, dos planos.

2.°) TENTATIVAS INÚTEIS PARA IMPEDIR OS DE­SÍGNIOS DA PROVIDÊNCIA

Uma vez que Deus ia executar o seu plano por meio de José, resulta que tudo quanto se fizesse contra êle, era também oposição ao plano divino.

Os irmãos que já não gostavam dêle, depois de ouvir a narrativa dos sonhos, começaram a hostilizá-lo abertamente.

Qual a causa da inimizade dos irmãos de José?a) A superioridade moral e intelectual dêle. Eram maus,

e a retidão de José realçava essa maldade. Além disso, êle não suportava a vida depravada que êles levavam e os acusa­va perante o pai. Gen. 37:2.

b) A parcialidade de Jacó que tratava José com mais ca­rinho.

c) Os sonhos de José que êle despreocupadamente, contava aos irmãos.

d) O único motivo razoável dessa inimizade era a parcia­lidade de Jacó.

Em que direção se manifestou a inimizade dêles?Primeiro, procuraram matá-lo; depois, mudando de

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idéia, venderam-no aos Ismaelitas que o levaram para o Egito. E fizeram isso, como disseram, para impedir a todo transe que se cumprissem os sonhos dêle. Em outras p alavras: ainda que o não soubessem estavam tentando impedir os desígnios da Providência.

Aparece nêsse ponto o aspecto mais maravilhoso da ação da Providência — aquilo que os homens fazem para im­pedir, contribui para que se cumpram os desígnios providen­ciais de Deus.

Sabiam êles que estavam se opondo ao plano de Deus?E ’ claro que não. I Cor. 2:8. Mas também não igno­

ravam que estavam praticando um ato mau. E is aí o perigo de fazer mal aos homens: a ofensa é contra Deus.

Alcançaram êles o seu objetivo?Também já vimos que não. Causaram sofrimento a

José e a Jacó, mas fizeram exatamente o que era necessário para acontecer o que êles não desejavam. O ímpio quando procura impedir o plano de Deus parece alcançar durante al­gum tempo o seu objetivo, porque a Providência não tem pressa. E um dia êsses disígnios sábios e certos se cumprem mesmo.

3.°) A S P R E P A R A Ç Õ E S D A PR O V ID ÊN C IA

A hora suprema da vida de José ainda não tinha soado no relógio de Deus. Antes que ela chegasse, devia êle chegar ao lugar que lhe estava designado. Mais do que isso, era in­dispensável que estivesse preparado espiritual e moralmente para êsse momento de imensas responsabilidades.

A sorte do filho de Jacó mudava a cada passo. Dois elementos contribuíram para que êle, submetido a tantas pro­vas, finalmente triunfasse. De um lado a sua fidelidade e, de outro, a bênção de Deus. Gen. 39:2, 21-23.

Muitas vêzes José pensou que tudo estava perdido. E ’ que os caminhos de Deus não são os nossos caminhos. Se Deus impedisse a ação dos irmãos invejosos, José, talvez, nun­ca teria ido além de simples criador de ovelhas. Se Deus des­vendasse a calúnia da mulher de Potifar, José teria ficado o resto da vida como simples mordomo do capitão de guarda. Deus, porém, queria fazer dêle outra coisa mais alta — o vice- -rei do Egito, o salvador da raça.

V árias vêzes a carreira de José pareceu fru stra d a : é que ainda não estava completa a sua preparação e Deus o queria perfeitamente adestrado para a missão que lhe tinha desig­nado.

Grande lição as Escrituras nos ensinam com a vida de José. Quando Deus deseja um homem, manda primeiro pro-

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vá-ío e exercitá-io na escola das tentações, do sofrimento e da paciência.

Antes de terminar esta lição, convém lembrar que José é um tipo prefigurativo de Jesus Cristo: um bom entre os maus, vendido por algumas moedas de prata, que sofre para salvar aquêles que o maltrataram.

QUESTIONÁRIO:

Com quem andava José? Por que o detestavam? Quem re­preendeu José? Onde se perdeu êle? Quando comeram pão? Quem estava sempre com José? Que coisa perdeu José? Que outra coisa não perdeu? Que serviço prestava José? A memória é sempre fiel?

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CAPÍTULO XIII

A HORA DA PROVIDÊNCIA

Leitura: Gen. 41 Texto Áureo: I Pedro 5:6

Tôdas as coisas têm o seu propósito determinado e há tempo certo para o propósito. Ecl. 3:1.

Ninguém diria quando José foi preso, quando o copeiro mór sonhou e depois se esqueceu do companheiro que tinha interpretado o sonho, ninguém diria que tantas coisas dife­rentes e desconcertadas fôssem peças articuladas de um plano só, o grande plano de Deus na história.

Deus mostrou antecipadamente uma nêsga dêsse plano na vida de José. Que lições tão boas para a edificação do crente.

Vistos êsses fatos, já não podemos perder a confiança na mão poderosa e sábia que dirige o curso dos acontecimentos.

Afinal chegou a hora de Deus usar o homem que Êle vinha preparando há tanto tempo. Poderíamos dizer que o homem e a hora chegaram juntos, para cumprir o plano de Deus.

1.°) O PLANO E A SUA FINALIDADE

José disse a Faraó que o sonho das vacas magras e das vaeas gordas, das espigas grandes e das espigas fracas não era um sonho qualquer. Era um aviso de Deus. No sonho Deus mostrou que viria, primeiro, a provisão, depois, a fome. O que parece indicar que, embora sejam insondáveis os desíg­nios da Providência, o homem pode tomar na sua execução uma parte operosa e inteligente.

Junto com o sonho, Deus deparou um homem que o pu­desse interpretá-lo.

Que finalidade estaria sendo visada?Observe-se o seguinte:

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a) Os sábios fracassaram na sua tentativa de interpreta­ção. O copeiro logo se lembrou de José. Evidentemente, Deus desejava que a interpretação fôsse feita pelo seu servo: assim José se tornaria pessoa influente e poderia proteger a raça escolhida.

Ficaria nisso a finalidade do plano?Parece que não. P ara proteger a raça Deus poderia ter

impedido a fome, mas não o fez. E ’ que Deus move os homens por meio da necessidade. E ra preciso levar a raça escolhida ao contacto com uma civilização superior, a fim de prepará-la para a sua missão histórica. Em outras p alavras: Deus não os trouxe do Egito para salvá-los da fom e; enviou a fome para trazê-los ao Egito.

Podemos corrigir aqui um êrro grande a respeito da ora­ção. A oração não existe para nos desembaraçar da necessida­de, mas a necessidade para nos induzir à oração.

2.°) O PLAN O DA PR O VID ÊN CIA E A A T IV ID A D E DO HOMEM

Se Deus predisse a Faraó o que estava para acontecer, então parece que tudo já estava prefixado e, portanto, nada restava para Faraó fazer. Podia cruzar os braços. Essa, po­rém, não foi nem a opinião, nem êsse o conselho de José. Pelo contrário: recomendou medidas urgentes para prevenir a mi­séria, enceleirando trigo durante os anos de fartura. A f ir ­mou uma verdade importante: uma vez que Deus já prefixou e mostrou o que há de fazer, nós ficamos sabendo com tôda a exatidão o que também nos compete fazer.

Se Deus não tivesse um plano sábio e exato, se os acon­tecimentos se dessem ao acaso, se o mundo andasse à matroca, então, sim, não adiantava nada o nosso esforço. Podiamos cruzar os braços. Mas há um plano, uma direção firm e dos acontecimentos, uma articulação sábia das circunstâncias. Po­demos agir e trabalhar com tranquilidade. Não perderemos nem o tempo, nem os esforços.

3.°) SU R PR E ZA S E O PO RTU N ID AD ES DO PLAN O

Nada como um dia depois do outro. Naquela hora som­bria em que José, amedrontado, teria suplicado a seus irmãos que lhe poupassem a vida, êle, que era sonhador, estava longe de sonhar que um dia as posições se inverteriam. E foi o que se deu.

Podemos dizer, muito reverentemente, que há um cer­to humorismo nas execuções da Providência. Ora, vejam os:

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Qual foi uma das causas da irritação dos irmãos de José?O sonho que parecia predizer que êles se prostariam

diante dêle. Para impedir isso, trataram-no com deshumana dureza. Pois bem, quando foram comprar trigo no Egito, cum­priram literalmente o sonho de José, prostrando-se diante dêle. Gen. 42:6; 43:26; 44:14 e 50:18.

Mas a execução do plano não traz apenas surprezas; traz também explêndidas oportunidades que os homens, infe­lizmente, nem sempre sabem aproveitar.

José era sábio: aplicou aos irmãos o tratamento que se tornava necessário e, assim, pôde verificar que êles não eram homens completamente perdidos. Repeliram com energia o roubo da taça, colocaram-se solidariamente ao lado de Benja- min e voltaram com êle ao Egito. Um deles, preferiu fazer-se escravo a voltar sem o irmão para casa.

Quantas surprezas! E, além do mais, José foi longâ- nimo com seus irmãos.

A singela exposição que acaba de ser feita nos mostra que ao redor de nós há fôrças e circunstâncias que não obede­cem ao nosso comando. Nunca sabemos o que elas nos obriga­rão a fazer.

Jacó, por exemplo, resolveu não mandar mais ao E gi­to buscar trigo. E mandou.

Vimos também que a hora do castigo chega mesmo e que Deus, haja o que houver, conduz as coisas para um des- fêcho feliz, quando e como só Êle sabe.

Q U E STIO N Á R IO :

Quem ficou em companhia de José? Que sonho se cumpriu? O estômago argumenta? Se não houvesse fome Jacó teria dito “ pode ser que fôsse êrro” ? Confiou Jacó em Deus, ou no presente? Quantas vêzes se cumpriu o sonho de José?

.Quem era como Faraó? A que hora José almoçava? Os f i­lhos de Jacó disseram a verdade? Só as mulheres choram?

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CAPÍTULO XIV

A EXATIDÃO DA PROVIDÊNCIA

Leitura: Gên. 45 a 50.Texto Áureo: Gên. 50:19.

Para o observador pouco instruido e superficial, o céu dá uma impressão de desordem: as estréias parecem espalha­das no firmamento, sem plano ou disposição. Entretanto, sa­bemos que, apesar dessa aparência, há no firmamento uma disposição planejada de todos os astros que ocupam posições rigorosamente exatas e executam movimentos regulares e har­moniosos. Nada acontece por acaso e nada fica fora do seu lugar.

A mesma impressão errônea temos da história e da vida humana. Parece que os fatos acontecem sem plano e sem or­dem, como se não existisse um govêrno, uma Providência para dirigir os acontecimentos.

As lições que estamos estudando ajudam a perceber que essa desordem é também aparente. Os fatos da história humana obedecem a causas e leis muito mais misteriosas que as causas e leis do mundo físico. São incomparavelmente mais difíceis de compreender e de explicar, mas, nem por isso, deixam de obedecer à direção sábia de uma Providência e de executar um plano.

O fim do livro de Gênesis demonstra, de maneira mui­to simples, esta verdade que estamos enunciando: a exatidão da Providência. Podemos estudar o assunto em três aspectos.

1.°) OS TEMPOS DA PROVIDÊNCIAI V .. M-.

Aí aparecem as nossas primeiras impressões erradas porque, às vêzes, parece que a Providência tarda. E, para cor­rigir o êrro dessa impressão, a sabedoria popular comete outro êrro dizendo: Deus tarda, mas não falha” . A verdade é que

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Deus nem tarda nem falha. Pedro disse: “ Mil anos para o Senhor é como um dia e um dia como mil anos” . Pode-se dizer que nos processos da Providência o tempo não conta, porque tudo chega na hora exata.

José subiu ao seu lugar de governador na hora pre­cisa; Jacó desceu ao Egito no momento prefixado e, também, propício e oportuno. E o povo que veiu com êle, a sua família, teve de ficar no Egito durante 400 anos. Ora, se retroceder­mos um pouco até os dias de Abrão, verificaremos duas coisas importantíssimas.

a) Deus tinha dito exatamente isto: “ Peregrina será a tua semente em terra que não é sua, e servi-los-hão. E afli- gi-los-hão quatrocentos anos.” Gên. 15:13.

b) Essa medida de quatrocentos anos obedecia a duas razões importantíssimas. A primeira era a necessidade de pre­parar aquêle povo na escola do trabalho e do sofrimento. Outra era uma questão de justiça: Deus não entregaria a terra ao povo escolhido, sem que os cananeus, pela sua degradação, se tornassem indignos de nela permanecer. Gên. 15:16.

Jacó saiu de Canaan para o Egito, levando apenas um pequenino agrupamento de famílias. Quando voltou mais tar­de era um grande povo e se espalhou pelo mundo, para nunca mais desaparecer. Quatrocentos anos foi o tempo que a Pro­vidência gastou na preparação dêsse povo.

Os cananeus que viram partir a tribu de Jacó, não assis­tiram a sua volta. Seus descendentes, porém, quatro séculos de­pois, viram subir um povo numeroso, agressivo e irresistível.

Convém repisar aqui o que já foi dito, resumidamente, acima. Um povo fortaleceu a sua fibra moral e criou uma ca­pacidade combativa vivendo quatrocentos anos num meio hos­til e sujeito à opressão e ao sofrimento. Outros povos, no mes­mo prazo e na mesma ocasião, degeneraram e perderam a sua capacidade de resistência, colocados num meio altamente fa­vorável.

Qual é a explicação dêsse contraste, dêsse paradoxo?Só existe uma: é a bênção de Deus que faz o homem e

não o meio.Não é, também, o sofrimento, só por si, que aperfeiçoa

e enfibra moralmente o homem, Há povos colocados num meio hostil que se degradam. O sofrimento que aperfeiçoa é o so­frimento permitido, administrado e dirigido pela Providência de Deus. Essa é a interpretação de Exodo 3 :2.

Êsse povo histórico é símbolo do israel espiritual que vive como peregrino neste mundo presente. Heb. 11:13-16. Heb. 13:14.

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José teve um papel saliente no plano divino. Para isso Deus o protegeu miraculosamente. Foi ainda de modo mira­culoso que êle lhe revelou os sonhos, combinou as circunstân­cias e usou até a hostilidade dos inimigos para alcançar aquê- le fim. Os irmãos invejosos, o capitão da guarda, os compa­nheiros de prisão, o grande Faraó, a fome e a fartura, horas longas de sofrimento, tudo a Providência usou para um fim só. E depois que as coisas aconteceram é que José ficou sa­bendo disso. Gên. 45:5-8.. João 13:7.

No mundo onde reina o pecado, muitas vêzes a Provi­dência tem de usar o sofrimento. No encontro de José com Jacó há um ráio de luz que ajuda a entender o grande pro­blema do sofrimento. José chorou longamente* Dois pensa­mentos poderiam ter se cruzado no seu espírito:

a) Tudo isso poderia ter sido evitado, e não foi.b) Mas, se fôsse evitado, o meu povo não teria sido

salvo da fome.Poderíamos perguntar: — Quem pecou? José ou seus

pais, para que isso acontecesse?E a resposta seria: nem êle, nem seus pais. Foi para

que se manifestassem nêle as obras de Deus. Porque neste mundo onde o pecado entrou, quase sempre, para a salvação de muitos, é indispensável o sofrimento temporário do justo.

Um dia José vai desaparecer. Chegará o sofrimento e a opressão. Terá Deus desamparado o seu povo? Deus tinha desamparado José quando êle estava na prisão?

E’ que os instrumentos da Providência agora vão ser outros. Chegou a hora do esmeril da disciplina, da agressivida­de do meio. Os homens desaparecem, permanece a Providên­cia. A ferramenta se embota e se troca, mas o artista, sem parar, continua o seu trabalho com outros instrumentos. Ou­tros homens vão aparecer no processo secular dessa obra gran­diosa. Uns, amigos, outros, adversários irredutíveis. E todos servindo a mesma finalidade.

Há na lição três encontros notáveis do Jacó.a) O encontro com José, perante quem êle também se

inclinou, cumprindo o sonho.b) O encontro com Faraó: Jacó, José, Faraó — mar­

cos culminantes da obra da Providência.c) Antes, porém, de sair de Canaan houve outro en­

contro. Jacó não quis partir sem se encontrar com a própria Providência, isto é, com Deus. Êle, que estava sendo instru­mento nas mãos dessa Providência, não queria mais andar às

2.°) OS INSTRUMENTOS DA PROVIDÊNCIA

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cegas: desejava, pelo contrário, viver uma vida conscientemen­te dirigida. Gên. 46:1-3.

3.°) A JUSTIÇA DA PROVIDÊNCIA

Não adianta ter pressa, não adianta fugir. Nem impa­ciência, nem temeridade, porque um dia a justiça vem mesmo.

Um dia, lá nas pastagens de Canaan, os filhos de Jacó ouviram, sem piedade, as súplicas aflitas de José. Para fugir à ira do pai, encobriram o crime, ensopando a túnica de José no sangue de um cordeiro.

Naquele tempo as comunicações eram difíceis, e José tinha sido vendido como escravo. Situação que encurtava a vida. Mas a justiça da Providência vem mesmo. E anos depois os irmãos de José tiveram de enfrentar a iminência dessa justiça. Gên. 42:21-24 e 50:15-18.

Morto Jacó, os irmãos de José temeram a sua vingança. Para isso concorreram vários fatôres:

a) A consciência. Tinham errado: era de justiça que fôssem castigados. Gên. 42:21.

b) O seu espírito vingativo. Quando tinham razão, não poupavam ninguém. Nunca tinham sido inclinados à cle­mência. Tinham sido surdos às súplicas aflitas de José. Não podiam esperar também a clemência de quem tinha razão para castigá-los. Gên. 50:15.

c) A simples análise psicológica dos fatos. José era bom filho. Por amor ao Pai e, a fim de poupar-lhe um des­gosto grande, não tinha castigado os irmãos. Morto Jacó, ces­sara o motivo. Nada mais impedia o castigo. Os irmãos de José viram a justiça da Providência. Mas José também viu e, por isso, não quis tomar o lugar da Providência e não casti­gou os irmãos. Quando êstes o procuraram, perguntou-lhes:

— “ Porventura estou eu no lugar de Deus” ? Gên. 50:19 e 20.Sabia que tinham errado, sabia que mereciam o castigo,

mas também sabia que a justiça pertence a Deus. Rom. 12:19-21.Não podemos encerrar esta lição sem mencionar alguns

aspectos importantes.Antes de morrer, Jacó abençoou os filhos e profetizou,

em palavras resumidas, o papel das tribus que dêles iam des­cender. Entre essas profecias, destaca-se uma de caráter mes­siânico. Refere-se a Judá! Não era o mais velho e, entretanto, Jacó o apresenta como cabeça do povo. E a história confir­mou essa profecia. Êle é o pai do povo judeu, da parte fiel a Jeová que não se misturou com os gentios. Da sua estirpe vieram os grandes reis: Davi, Salomão e Jesus Cristo. Êle mesmo foi o protótipo de Jesus. Apresentando-se a Jacó como

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fiador de Benjamim; aos irmãos como defensor de José; a José. como intercessor de Benjamin e seu substituto. Precedeu a Jacó no Egito; não era o mais velho, mas o mais sensato.

QUESTIONÁRIO:

Quem mandou José para o Egito? Os homens choram? Que bastou a Jacó? Quantas pessoas sairam com Jacó do Egi­to? Desde quando os Israelitas têm negócios? Que foi que Jacó deu a Faraó? Como foram os dias de Jacó? José sabia mais do que Jacó? O que era José? Qual foi a última mentira dos irmãos de José? Que foi que José não quis tomar?

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CAPÍTULO XV

TRANSIÇÕES HUMANAS E FIXIDEZ DA PROVIDÊNCIA

Leitura: Êxodo 1 — 2 Texto Áureo: Habacuc 2:3

Uma das grandes maravilhas da sabedoria e do poder de Deus consiste no seguinte: Deus usa homens mutáveis para realizar um plano eterno.

E’ maravilha porque os homens mudam constante­mente. Mudam, porque duram pouco. Sua existência é muito hreve. Não dá para realizar nenhuma grande obra de prin­cípio ao fim. Alguns começam, outros continuam e, afinal, outros têm de acabar. Só Deus permanece.

A história da redenção mostra a realização multise- cular do plano de Deus. Perante a prolongada execução dêsse plano a existência de homens como Moisés, que viveu 120 anos, é um relance fugaz e passageiro do tempo.

Só Deus permanece. Os homens mudam, não só por­que desaparecem rapidamente, mas também porque seus pro­pósitos, seus sentimentos, suas decisões não são estáveis. Nos­sos sentimentos aparentemente mais firmes, são sujeitos a mu­danças imprevisíveis e radicais. Só Deus não muda.

Convém dizer agora o dogma da imutilidade: Deus é imutável em sua natureza, em seus atributos, em seus planos. Para dizer essa grande verdade as Escrituras Sagradas usam uma expressão breve: Deus é fiel.

A história da redenção, no ponto em que nos achamos, exemplifica a grande doutrina da imutabilidade divina. Desa­pareceram os grandes vultos de José, Jacó, Isac e Abrão. Du­rante quatrocentos anos não apareceu um homem que se des­tacasse. Enquanto isso a pequenina tribu que desceu de Ca- naan multiplicou-se numerosamente, desdobrando-se em uma grande nação.

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Que era feito das promessas de Deus aos três primei­ros patriarcas?

Se dependessem dos sentimentos e da memória dos des­cendentes dêsses mesmos patriarcas, nunca se cumpririam. Éles não foram absolutamente fiéis ao passado. Deus, porém, continuava fiel: ia dar cumprimento ao que prometera. E’ dêsse assunto que vai tratar a nossa lição, contrastando a ins­tabilidade do homem com a fidelidade de Deus.

1.°) FASE DE CRESCIMENTO

Entre o final do Gênesis e o comêço do Êxodo trans­corre um período de quatrocentos anos, sôbre os quais a Bí­blia nada diz. Podemos representar êsse período com um rio subterrâneo. O rio desaparece pequenino debaixo da terra, percorre uma grande distância e, quando aparece, está engros­sado e caudaloso.

As primeiras palavras do Êxodo descrevem a grande mudança do povo hebreu. Deus o tinha colocado num am­biente favorável ao seu crescimento: terra fértil, nação orga­nizada e boa-vontade do povo.

Êsse fato faz lembrar o que disse Jesus:

“O reino de Deus é assim como se um homem lan ­çasse semente à terra. E dormisse, e se levantasse de noite ou de dia, e a semente brotasse e crescesse, não sabendo êle como.” Marcos 4:26-27.

Entretanto, ainda não eram um povo, uma nação pro­priamente dita. E Deus tinha em vista, não somente um povo, mas um povo especial capacitado para ser o depositário dos seus oráculos. Para isso era necessário mais alguma coisa que Deus promoveu.

2.°) FASE DE DISCIPLINA

Os homens mudam, porque passam ràpidamente, e uma geração não endossa o que as gerações anteriores fizeram.

Mudam os sentimentos e o homem já não é o mesmo. Assim aconteceu no Egito com os israelitas.

Dois fatores contribuíram para a mudança radical que se deu no ambiente que, de favorável, se tornou hostil.

a) O povo aumentado encheu a terra, incomodou os egípcios, despertou suspeita e inveja. A reação não se fêz esperar.

b) O vulto e a obra de José eram coisas de um passa­

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do longínquo. Quatrocentos anos tinham passado. Estava para aquêles dias como o descobrimento do Brasil está para nós hoje.

Diz o texto que se levantou um rei que não conhecia José. Reunidos êsses dois elementos, originou-se uma reação hostil contra os hebreus, que foram obrigados a lutar por sua vida e segurança. Passaram à dura condição de escravos.

Deus não ignorava essa reação — usou-a para disciplina. Os homens duros e fortes se fazem no trabalho e na luta. Deus estava forjando e temperando um povo muito forte. A forja foi o Egito e sua reação hostil — o artífice foi Deus.

Cabem aqui duas observações muito importantes:a) O que o homem procura fazer para impedir os

planos de Deus, Deus usa para realizá-los. Ex. 1:10-12.b) Nem sempre o sofrimento destrói o homem. Há

casos em que êle, pelo contrário faz o homem mais vivo e mais forte. E é preciso lembrar a fragilidade do homem, bem como a fôrça esmagadora do sofrimento.

Sabe-se, hoje, que as pirâmides e outras obras grandio­sas do Egito custaram o sacrifício de milhares de vidas de es­cravos que morreram, não só por excesso de trabalho, mas também por insuficiência de alimentação. Com os hebreus se deu o contrário.

Em que consiste a diferença?Aquêle sofrimento não vinha ao acaso — era um sofri­

mento permitido, prescrito e dirigido pela sabedoria de Deus. E para que se visse que era assim, Deus usou uma figura admi­rável: a sarça ardente. Os gravetos frágeis da sarça queima­vam, sem se consumir. Figura magistral para dizer a Moisés que a carga pesada não esmagaria os hebreus: era disciplina para fortalecê-los.

A disciplina, porém, foi mais longe. Passou da injusti­ça de uma sobrecarga de trabalho para um crime positivo. Faraó deu ordem às parteiras para eliminar os recém-nasci­dos do sexo masculino. Faraó era mau e também hábil. Dis­farçou o seu crime com um arranjo particular. A morte dos meninos poderia ser atribuída aos acidentes tão comuns na circunstância do nascimento. Mas a ordem do déspota esbarrou numa dificuldade muito grande, num fator aparentemente im­ponderável e fragílimo — o sentimento religioso. As partei­ras não cumpriram a ordem, porque temeram a Deus. De onde se aprende que religião é alguma coisa mais do que uma fantasia, uma doutrina, uma teoria — é uma fôrça viva.

E’ verdade que essas mesmas mulheres depois menti­ram a Faraó, para justificar a sua desobediência. Infelizmen­te, ninguém é perfeito. E a Bíblia quando apresenta os seus

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heróis mostra-os tais quais êles são, sem o mínimo disfarce. E quem for perfeito atire a primeira pedra.

3.°) FASE DE REAÇÃO

A disciplina deu os resultados esperados. Não só for­taleceu o povo que se multiplicou assustadoramente, mas des­pertou nêles o desejo de sair daquela terra tão boa e, mais do que isso, a necessidade de procurarem a Deus. Ex. 2:23.

A reação dos hebreus manifestou-se de várias maneiras e em várias pessoas. A do povo, em geral, já vimas qual foi: clamaram a Deus. Êsse clamor a Deus, nas horas aflitas, vai fixar-se no povo hebreu e se manifestará, impressionantemen­te, durante tôda a sua história. E’ uma das atitudes mais co­muns do homem: procurar na aflição e desprezar na prospe­ridade. Salmo 78:34-37.

A melhor reação, porém, foi a da fé. Os pais de Moi­sés, não obstante o que estava acontecendo, não descreram do seu Deus. Observa-se que êles agiram com muita fé. Heb. 11:23. Enquanto puderam, esconderam o menino. Note-se também a sua diligência. Criam em Deus, mas iam também fazendo a sua parte. Para isso adotaram um plano sagaz. Mais uma vez aparece a sabedoria providencial de Deus, com­binando e dirigindo as atividades dos homens, para consumar o seu plano.

Outra reação notável foi a de Moisés. Poderíamos cha­má-la a reação da solidariedade. Criado no palácio, onde tudo contribuiria para amolecer-lhe a fibra moral, aos 40 anos re­conheceu os laços que o ligavam ao seu povo humilhado no cativeiro e colocou-se ao lado dêle.

Foi uma deliberação tão heróica, que a carta aos he­breus a designa como uma escolha de fé. Heb. 11:24-26.

Por êsse espírito de solidariedade comprometeu a sua própria segurança quando matou o egípcio, e foi obrigado a fugir para o deserto.

Nesta lição observamos a rápida mudança dos homens e das circunstâncias. Nossa visão superficial das coisas per­cebe só o exterior. Atrás dessa movimentação de homens bons e maus, que entram e desaparecem no imenso cenário da vi­da, opera o que nós não vemos: a mão da Providência, cons­tante, sábia e imutável. E o plano de Deus lentamente, pro­gredindo sem atrazo, vai se realizando de modo perfeito, ca­minhando para a sua consumação final.

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QUESTIONÁRIO:

Quantas pessoas entraram no Egito? A influência dos heróis passa? O sofrimento e o trabalho enfraquecem os po­vos? Qual era o receio de Faraó? Desde quando os hebreus lidam com jóias? Há vantagem em ser mulher? Os pais de Moisés confiavam no acaso? Quanto tempo ficou Moisés na casa dos pais? O crime compensa? Que acontece quando os homens clamam a Deus?

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CAPÍTULO XVI

A VOCAÇÃO DO LIBERTADOR

Leitura: Êxodo 8 e 4. Atos 7:18-35. Hebreus 11:24-26 Texto Áureo : Hebreus 5:4.

“ Aproximando-se o tempo das promessas que Deus tinha feito a Abrão, nêsse tempo nasceu Moisés” : palavras de Este­vão no seu discurso perante o sinédrio em Jerusalém. Essas palavras mostram que tudo tem o seu tempo certo: na hora pró­pria aparecem os homens de Deus escolheu e designou para os grandes feitos do seu plano.

Moisés, o libertador, é, sem dúvida, o grande vulto do Velho Testamento. Sua vida está cheia de episódios épicos, bem como de exemplos incomparáveis de dedicação ao povo de Deus.

Esta lição vai estudar a chamada que Deus lhe dirigiu para realizar a obra dificílima de libertar, organizar e consti­tuir um povo.

A vida de Moisés está simètricamente dividida em três períodos, de quarenta anos cada um (Atos 7:23 e 30). Sua obra começou aos 80 anos. Poderíamos assim dizer que os qua­renta anos de trabalho assentam sôbre a base larga é sólida de oitenta anos de preparação. Essa preparação constou de duas partes bem distintas: durante quarenta anos conviveu e se preparou com os grandes sábios do Egito. (Atos 7:22). Nisso êle se parece com São Paulo que, antes de ser cristão, estudou aos pés de Gamaliel. E daí se aprende que a verda­deira cultura intelectual não é incompatível com a vida pie­dosa e o ministério sagrado. Nessa época o Egito apresentava elevado grau de civilização e, nesse meio civilizado, Moisés recebeu a instrução humana indispensável à sua função his­tórica.

Mas a cultura intelectual, só por si, está longe de ha­bilitar o homem para fazer o serviço de Deus. Moisés necessi-

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tava de outra preparação. Repelido pelo seu povo, foi para a zona rural, onde Deus o sujeitou a uma disciplina severa. O homem palaciano, durante 40 anos levou a vida rude de pastor de gado. Na solidão do deserto formou o hábito da comunhão com Deus. No fim dêsse tempo estava preparado — veio a vocação.

1.°) U M A E X P E R IÊ N C IA E S P IR IT U A L D IR E TA

Uma verdadeira vocação começa do seguinte modo: uma experiência que humilha o homem, que lhe faz sentir a reali­dade e a grandeza de Deus, bem como sua inteira dependência do auxílio divino. Visão da grandeza da obra e das necessi­dades do povo; visão de Deus também. Foi assim com Isa ias: Is. 6 :1-10: assim foi com Paulo: Atos 9:1-20; assim tem sido com muitos servos de Deus. Assim como Paulo, Moisés podia dizer: “ A minha vocação não a recebi de homem algum ” .

Na experiência espiritual de Moisés destacam-se os se­guintes elementos:

a) Uma figura que Deus lhe apresentou, a fim de prepará-lo para o sofrimento e as lutas do ministério. Ex. 3:2 — era um paradoxo: um arbusto sêco que ardia sem se consumir. A vida do homem de Deus é também um paradoxo, onde a fragilidade humana contrasta com o poder de Deus.

b) Uma revelação específica de Deus e sua natureza. Êx. 3: 6, 14.

c) Uma apresentação das grandes necessidades e a fli­ções do povo. Êx. 3:7.

d) Uma comissão definida. Êx. 3:16-18.e) Uma antecipação das dificuldades, e a promessa do

auxílio de Deus. Êx. 3:19-21.

2.°) UM E STA D O E S P IR IT U A L AD EQ U AD O

A preparação a que Deus sujeitou Moisés no deserto o tinha levado ao estado que convinha para receber a grande vocação.

Aos quarenta anos Moisés entendia que era o homem designado para livrar o seu povo. (At. 7 :2 5). Tinha razões para pensar assim. E ra homem culto, desfrutava uma posi­ção de destaque, e sua vida estava rodeada de circunstâncias visivelmente providenciais. Pode-se dizer que êle, talvez, se considerasse até indispensável ao plano de Deus. Só isso bas­tava para mostrar que êle não estava preparado. Quarenta

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anos depois, após a severa disciplina do deserto, Moisés pen­sava de outro modo. Deus o chamou e Moisés, recebendo a or­dem para se dirigir ao povo, respondeu que êle não era o ho­mem para fazer aquêle trabalho. Á s razões que alegou eram certas e fortes:

a) A incredulidade do povo. Êx. 4:1.b) A sua incapacidade oral. Êx. 4 :10.c) A consciência viva do seu fracasso na primeira ten­

tativa. Em duas palavras: vista a grandeza da obra, Moisés não se viu apto para realizá-la. Essa é a atitude do homem que Deus usa — homens que se esvaziam. Deus não usa ho­mens cheios de si.

Isaias na sua vocação mostrou o mesmo espírito de hu­mildade. O homem é como um vaso, aliás, essa figura é da Bíblia mesmo. Para encher-se do poder de Deus, deve primeiro esvaziar-se de si mesmo.

3.°) A U TO R ID A D E D IR E T A D E D EU S

A maior dúvida de Moisés era se o povo reconheceria nêle o enviado de Deus. Receava que lhe contestassem a auto­ridade profética.

A fim de que não lhe faltassem evidências dessa autori­dade profética, Deus lhe conferiu o poder de realizar certos milagres. Primeiro, o milagre da vara feita cobra. E depois que Moisés realizou êsse milagre, Deus lhe disse. “ E ’ para que creiam que te apareceu o Senhor teu Deus” .

Êsse portento visava mostrar, tanto a Moisés como ao povo, que, Deus querendo, um cajado de pastor pode transfor- mar-se noutra coisa. Por exemplo: no bastão de um condutor de povos.

O segundo milagre foi o da mão que ficou leprosa e, a seguir, foi curada instantaneamente.

Deus disse a Moisés que êsse milagre faria ainda mais profunda a impressão do povo. Êx. 4:8. Ensinava também êsse milagre que Deus pode ferir a mão que se recusa a fazer o trabalho que Êle mandou.

O terceiro milagre foi o das águas do rio derramadas na terra e mudadas em sangue.

O povo poderia apegar-se à terra onde vivera quatro­centos anos, porque era terra fértil, regada e fertilizada pelo Nilo. O rio era a fonte da vida. O milagre tinha por fim mos­trar que aquêle mesmo rio podia mudar-se em font.e de morte.

Feitos êsses sinais, como Moisés se mostrasse indeciso e temeroso, Deus lhe indicou um companheiro a fim de que êle

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não se sentisse tão sòsinho. Enviou-lhe Aarão. Porque a obra de Deus, como disse Paulo, não é obra de um homem só, mas de muitos. Cada um no seu tempo, com o dom que Deus lhe concedeu e para a tarefa que Deus lhe designou.

A lição que acabamos de estudar mostra que a vocação não é apenas a chamada que o homem recebe na hora de fazer o trabalho. E’ alguma coisa mais profunda. Deus faz nascer os homens com os dons necessários, coordena e dirige as cir­cunstâncias e coloca o homem no ponto em que êle deve estar para cumprir bem a sua missão. Assim pensaram de si mes­mos homens como Paulo que escreveu:

“ Deus, que desde o ventre de minha mãe me separou, e me chamou pela sua graça.” Gal. 1:15.

QUESTIONÁRIO:

Onde Deus foi procurar o mais sábio legislador? Moi­sés era curioso? De que foi que Moisés teve mêdo? Deus é indiferente às aflições do seu povo? Moisés tinha grande con­fiança em si mesmo ? Com que nome Deus se apresentou ? Que é que Deus sabia de antemão ? Desde quando os hebreus andam carregados de coisas? Quem fêz tôdas as coisas? Quem foi o irmão que se alegrou?

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CAPÍTULO XVII

VASO DE IRA

Leitura: Êxodo 1:1-14. 5, 7:1-18 e 8.Texto Áureo: II Tim. 2: 21.

Disse alguém, com grande sabedoria, que o homem nun­ca está vazio. Seu coração é como um vaso aberto. Um copo, ainda que não pareça, não pode estar vazio. Estará, pelo me­nos, cheio de ar. A ciência já demonstrou experimentalmente que é impossível esvaziar de modo completo um recipiente qualquer.

O homem também é assim: está sempre cheio de algu­ma coisa. Por isso as Escrituras o representam sob uma figu­ra simples e magistral — vaso. Atos 9:15; Romanos 9:23;II Tim. 2:20, 21.

Não seria mais interessante dizer instrumento?Não. A figura melhor não é instrumento, ou ferra­

menta, mas vaso. No simples instrumento, ou na ferramen­ta, só existe o material e a forma. O vaso contem sempre al­guma coisa.

Deus usa vasos cheios. Deus usa homens, e o homem só pode estar cheio de uma de duas coisas: ou cheio de Deus, ou cheio de si mesmo. E aí está o segrêdo do pecado, ou da santidade.

Há uma expressão muito comum, cujo alcance e pro­fundidade nem todos percebem: cheio de si. Em francês a ex­pressão é um pouco melhor: “ rempli de soi même”, isto é, re­pleto de si mesmo. Não sobra espaço para mais nada. Reple­to! O difícil é encher-se dos outros. Fil. 2:3, 4. O indis­pensável é encher-se de Deus. Ef. 5:18.

A Bíblia designa o homem cheio de si mesmo com o no­me de vaso de ira. Está naturalmente em reação constante contra tudo e contra todos. E tem de receber, por isso, a ine­vitável reação de todos. Ira por dentro e ira por fora.

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A história da redenção, no ponto em que nos achamos, apresenta um exemplo impressionante de um vaso de ira — Faraó.

Deus não encheu o coração de Faraó, mas usou aquêle homem cheio do que êle estava.

Tocamos aqui numa das verdades mais profundas da revelação. Verdade que, aliás, já observamos nos irmãos de José, quando se opuseram aos planos divinos. Deus sempre usa o homem, mesmo quando êsse homem obstinadamente se opõe à sua vontade. De duas uma: ou o homem se esvazia para Deus o encher, isto é, o homem se submete e, nesse caso Deus o usa como vaso cheio da sua graça, de sua sabedoria e do seu amor, ou o homem não se esvazia mesmo, e Deus o usa como vaso de ira.

O homem não pode impedir que Deus o use. Sua liber­dade consiste apenas em escolher entre esvaziar-se, ou não es- vasiar-se. Entre submeter-se, ou não submeter-se. Em qual­quer das hipóteses, Deus o usará na execução dos seus planos eternos. Isso é que encontramos escrito, com tôda a clareza, em Atos 4:26-28.

E’ impressionante que ninguém é vaso de ira, sem re- resistir livremente a graça e as ordens de Deus. E ninguém re­siste sem se encher. O grande perigo é estar cheio de si mesmo.

Faraó não foi pior do que qualquer outro pecador que não se submete completamente, à vontade de Deus. E’ um espécimen intensamente colorido pela luz da revelação, para que se veja e saiba o que é o pecado, e se distingam as duas únicas alternativas que o homem tem diante de si.

A nossa lição visa apresentar alguns traços mais sa­lientes dêsse vaso de ira.

São Paulo, escrevendo aos romanos, mostra que o ho­mem que não está cheio de Deus está cheio de outras coisas. Rom. 1:28-31. O retrato de Faraó corresponde exatamente à dissertação de São Paulo.

Examinaremos apenas três aspectos que incluem todos os outros.

1.°) IMPIEDADE

ímpio é aquêle que se afasta deliberadamente de Deus. São Paulo expressa o conceito de impiedade nêstes termos: “ A ira de Deus se manifesta sobre tôda a impiedade, porque o que de Deus se pode conhecer nêles se manifestou. . . E êles não se importaram de ter conhecimento de Deus” !

O primeiro e grande pecado é a impiedade. O homem não se interessa pelo conhecimento de Deus, desconhece a Deus, não busca, não investiga — não se importa. Os outros males

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são conseqüência dêsse primeiro mal tão grande. Rom. 1:23, 24, 26, 28. Aversão a Deus, amor ao mal. Ninguém ama sem odiar; ninguém odeia, sem amar.

Faraó era ímpio: não investigava. Quando Moisés lhe falou em Jeová, Faraó declarou: “ Não conheço o Senhor, nem tão pouco deixarei ir Israel” . Ignorância voluntária e deso­bediência deliberada.

Jó expressa a impiedade, magistralmente, nas seguintes palavras: “ E, todavia, dizem a Deus: retira-te de nós, porque não desejamos ter conhecimento dos teus caminhos. Quem é o Todo-Poderoso, para que nós o sirvamos? E que nos apro­veitará que lhe façamos orações? Vêde, porém, que o seu bem não está na mão dêles; esteja longe de mim o conselho dos ím­pios!” Jó 21:14-16.

Faraó não manifestou apenas o desprêzo pelo conheci­mento de Deus, fêz mais do que isso: tomou uma atitude posi­tiva e agiu enèrgicamente contra a ordem divina, para mos­trar que pouco lhe importava a ordem de Deus. Assim, opri­miu ainda mais os filhos de Israel. Ex. 5 :4-19.

2.°) INIQUIDADE

Paulo disse que Deus entregou os homens que não se im- pprtaram com êle, a um sentimento perverso, e que êsses ho­mens estão cheios de tôda a iniquidade. Rom. 1 :28, 29.

A palavra grega que Paulo empregou é injustiça. João empregou a palavra anomalia. Ambas expressam o mesmo fa­to, a saber: é aquilo que está fora da lei. Pode ser a lei natu­ral, a lei que sustenta o direito de todos à vida, ao respeito às alegrias legítimas da vida.

Faraó é o exemplo do homem que violava, sem escrú­pulos, essas leis que garantem o direito à vida. Matava lenta­mente pelo excesso de trabalho, pela insuficiência da alimen­tação, e fêz matar pela violência. Declarou que sobrecarrega­va o povo de trabalho, para enfraquecê-lo. Ex. 1 :10, 11. Uma coisa é certa: explorava o povo para ficar mais rico, ou, me­lhor, enriquecia à custa do sofrimento, da exaustão e das afli­ções de um povo — inquidade. Também é certo que Faraó ale­gou não conhecer a Jeová, mas, se não sabia quem era Jeová, sabia, entretanto, que estava transgredindo as leis elementares e essenciais da justiça e da humanidade. Alegava razões de ordem teológica e política, para justificar o crime perante o seu povo. E, assim, mandou matar os recém-nascidos. Ini­quidade nos atos e nas explicações.

Convém observar o que Paulo diz do ímpio: “ Está cheio de tôda a iniquidade, malícia, avareza, maldade, inveja, homi-

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cídio, contenda, engano, malignidade. São murmuradores, de­tratores, aborrecedores de Deus, inventores de males, sem mi­sericórdia.

Leia agora as seguintes passagens do livro de Exodo: 1:10. 1:11. 1:16. 5:7, 17, 18. 1:9. 1:16, 22. 10:8-11. 8:28-82. 10:22, 29.

Faraó exemplifica, de maneira impressionante, o vaso de ira e mostra que ninguém se esvazia de Deus sem se encher de coisas nefastas e perigosas.

3.°) INFIDELIDADE

Paulo diz explicitamente “ infiéis nos contratos”. Nós poderíamos acrescentar infiéis aos compromissos, infiéis à ver­dade reconhecida e confessada, infiéis às intenções honestas que formularam em horas de avivamento espiritual — infiéis.

A palavra que Paulo emprega é “ violadores de contra­tos, quebradores da palavra”. Uma palavra em português in­dica a causa íntima e profunda dêsse grande mal: instabilidade.

Faraó era assim. Prometia muitas vêzes, e não cum­pria nunca. Prometia na hora do perigo, na iminência do pre­juízo, quando estava com mêdo, e voltava atrás quando pas­sava a calamidade. Ex. 8:8-15, 32.

A instabilidade moral é uma defesa. O “ eu” se defen­de. Quando se vê ameaçado promete o que lhe pedem, pro­mete abrir mão de vantagens, lucros grandes e prazeres inten­sos. Promete para não sofrer nem perder. Passado o perigo, o “ eu” se defende de outra forma, procurando reter aquilo que prometeu abandonar. Tudo gira em tôrno do “ eu” , porque o homem está cheio de si mesmo e tudo faz para não descer do trono onde, vaidosamente, se assentou, e de onde não sai nem para ceder o lugar a Deus. Para êle só existe uma lei: a sua vontade individual, o seu capricho, o seu desejo. Em outras palavras: as exigências instintivas e egoista da sua natureza. Instável nas suas atitudes morais, expressa, entretanto, uma estabilidade imutável. Serve sempre a si mesmo. E’ o ini­migo de Deus e dos homens; é o incrédulo.

Resta, para finalizar, uma palavra breve sôbre um pro­blema difícil. Já vimos que Deus usa todos os homens para o seu plano. Usa até o homem que está cheio de si, como Faraó. Mas a Bíblia diz que Deus endureceu o coração de Faraó. A explicação mais simples é a seguinte: quando Deus dá uma or­dem coloca o homem entre duas alternativas. Ou obedecer, ou desobedecer. Ninguém desobedece sem resistir muito e, para resistir, é preciso endurecer-se. Foi o que aconteceu com Fa­raó. As ordens de Deus que poderiam abrandá-lo, se êle se

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esvaziasse, fizeram-no ainda mais duro, porque êle não se es­vaziou. Êle mesmo resistiu e, para resistir, se endureceu ain­da mais.

E’ claro, pois, que dando ordens a quem resiste, a quem não se esvazia, Deus demonstrou o endurecimento do pecador e faz aumentar êsse endurecimento.

Convém repetir o que São Paulo disse: “ Não há dife­rença, porque todos pecaram”. Isto é, não há homem que não tenha ficado cheio de si mesmo. Faraó é apenas um exemplo que a luz da Revelação pôs em foco, para advertência dos outros pecadores.

Só há duas alternativas: submissão incondicional a Deus, por meio de Jesus, ou resistência e obstinação.

QUESTIONÁRIO:

Faraó ignorava muita coisa? Que obras fizeram os he­breus? Faraó era bom político? Desde quando se bate nos homens ? Que é que vem primeiro: devoção, ou obrigação. Ex. 5:17. Deus fêz mal ao povo de Israel? Ex. 5:21, 22. Basta prometer? O ímpio pede oração? Ex. 10:17. Faraó sabia que estava pecando? Ex. 10:16. Que profecia fêz Faraó? Ex. 10:28.

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CAPÍTULO XVIII

INTIMAÇÕES DA PROVIDÊNCIA

Deus não pune sem aviso. Colocado no Éden, o homem não ficou sem saber que conseqüências seguiriam a sua deso­bediência. A história da Redenção está cheia de exemplos de castigos grandes, que vieram só depois que Deus avisou os trans­gressores. Gên. 6. I Pedro 3:20. Jonas 3:4. Isaias 1:19, 20 etc.. O caso de Faraó é outro exemplo. O castigo que vai ser aplicado ao Egito é muito grande, mas Deus antecipou esse castigo corn avisos repetidos, instantes e solenes.

Tinha chegado a hora do povo sair do Egito para cum­prir a sua missão histórica. A partida não se faria sem resis­tência. Resistência de Faraó ao mandamento divino; resis­tência do povo hebreu sempre inclinado à incredulidade e, às vêzes, uma certa resistência de Moisés, agitado por lutas ín­timas provocadas pelo espetáculo da grande aflição do povo.

Nesse período em que aparecem a resistência do pecador, a tendência da incredulidade e o sofrimento do homem de Deus, manifesta-se também e, principalmente, o poder, a sabedoria e a misericórdia de Deus.

Poderemos dar a essa lição o nome de “ Intimações da Providência” porque, na verdade, a Providência está intiman­do os homens a cumprirem, sem demora, o plano de Deus. Ve­rifica-se que se não fôsse a fidelidade divina, o plano não se­ria cumprido mesmo. Poderíamos dizer que a lição apresenta a luta da Providência com os homens que não querem cumprir o plano de Deus.

Podemos distinguir três intimações da Providência.

1.°) INTIMAÇÕES VERBAISDeus se dirige ao homem, pela palavra. Foi exatamen-

Leitura: Ex. 5, 7:1-18.Texto Áureo: Hebreus 2:2-3.

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te o caso de Faraó, dos hebreus e de Moisés. Deus primeiro fa­lou declarando o que desejava, o que ia fazer e também avi­sando que a desobediência seria seguida de grandes castigos. Êxodo 5:1 e 6:1.

Vejamos quais foram as reações.Faraó repeliu, terminantemente, o pedido de Moisés.

Ninguém resiste à vontade de Deus, sem alegar alguma coisa. Duas foram as alegações de Faraó.

a) Não sabia quem era Jeová e, portanto, não es­tava na obrigação de acatar o seu enviado.

b) Alegou que o pedido de Moisés não passava de umpretexto para afastar o povo do trabalho e que isso constituía grande ameaça à economia do país.

Tomou uma providência mundanamente sábia: aumentou o trabalho do povo.

O povo hebreu, a princípio, recebeu com alvoroço e ale­gria a palavra de Moisés. Logo, porém, que Faraó aumentou a carga do trabalho, descreu de Moisés e se rebelou contra êle. Êxodo 5:20, 21.

Era natural êsse desânimo. A interferência de Moisés provocara as medidas opressivas de Faraó. Entretanto, se o povo tivesse prestado bem atenção às palavras de Deus, sabe­ria que Deus tinha previsto e anunciado a resistência de Faraó. Mas o povo só prestou atenção à promessa do livramento e, por isso, surpreendeu-se dolorosamente com as aflições, caindo no desânimo.

O.

E’ notável que também Moisés que era o porta-voz dos avisos divinos, diante do sofrimento do seu povo ficasse per­plexo e desanimado, chegando a atribuir aquêle fracasso apa­rente à sua inabilidade. E’ que êle também se esquecera de que Deus antecipara e predissera a rebeldia de Faraó. Aparecem aí aspectos diferentes da incredulidade.

Em Faraó é a incredulidade motivada pelo interêsse. Não fêz nenhuma investigação para saber quem era Jeová, por­que lhe convinha muito reter o povo hebreu trabalhando no Egito.

No povo, vemos a incredulidade causada pelo mêdo de enfrentar a luta. O povo descreu logo na primeira prova. De­sejava a libertação, sem os trabalhos e as lutas.

Em Moisés, a incredulidade produzida pela perturbação emocional. O sofrimento, muitas vêzes, é uma realidade que perturba a mente e deforma a visão espiritual.

Por essas e outras causas ficam sem efeito positivo os solenes avisos verbais da Providência.

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2.°) AVISOS MIRACULOSOS

Visto que o homem distraído com as ocupações desta presente vida ou retido pela incredulidade, deixa de prestar atenção aos solenes avisos verbais da Providência, Deus em­prega outro meio para se dirigir a êles: os milagres. Aliás, a finalidade do milagre é precisamente essa: chamar a aten­ção do homem para as mensagens de Deus.

Era preciso que Faraó percebesse bem que Moisés não falava em seu próprio nome e que estava investido de autori­dade divina. Para isso Deus habilitou Moisés a produzir uma série de fenômenos tão estranhos, tão inesperados, tão fora da ordem habitual dos fenômenos naturais, que Faraó teria de prestar atenção. Um dêles foi a vara mudada em serpente. Êsse milagre deveria ter impressionado a Faraó. Não impres­sionou, porque os magos do Egito, não sabemos com que meios, talvez a prestidigitação, conseguiram imitá-lo. Faraó por isso mesmo, não creu no milagre de Moisés.

Se Faraó tivesse investigado, teria descoberto duas coi­sas: a esperteza dos magos e a veracidade de Moisés. Não investigou. Não convinha investigar, porque essa investiga­ção o levaria onde não queria ir, a saber, à análise moral da sua conduta e à necessidade de submeter-se.

Se víssemos milagres, dizem alguns, creríamos. Faraó viu e não creu. Os judeus, no tempo de Jesus, viram e não creram. (João 12:37). Porque os avisos miraculosos da Pro­vidência muitas vêzes, ficam também sem resposta.

3.°) INTIMAÇÕES CALAMITOSAS

Deus não castiga sem avisar. Sabemos disso. Isto é, não castiga definitivamente. No caso de Faraó foi exatamente assim. Antes de dar ao soberbo monarca dos egípcios a mere­cida punição, Deus foi até o limite extremo da sua bondade. Falou-lhe pela voz do profeta, despertou-lhe a atenção pelos fatos miraculosos e, como êle resistisse, falou-lhe, também, pela linguagem severa do sofrimento e da calamidade.

Era preciso que o homem sentisse que a desobediência às leis naturais da justiça e às ordens explícitas de Deus, acar­reta sofrimentos e destruição.

Faraó viu tudo isso quando o magestoso Nilo se trans­formou em sangue, quando as rãs invadiram o país. Viu, re­conheceu que estava errado, prometeu submeter-se forçado pela calamidade. Passado o perigo, ficou como estava. A mudança tinha sido superficial.

Nesses avisos calamitosos da Providência, Faraó, se qui­sesse, teria visto a mão divina. Não podia atribuir os fenô-

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menos à simples operação da natureza, porque êles vieram e desapareceram no momento exato em que Moisés mandou. E isso, como disse Moisés, para que Faraó soubesse que ninguém há como o Senhor.

Mas o arrependimento de Faraó não era bem arrepen­dimento : era mêdo. Passado o perigo, passou também o mêdo. Permaneceu o interêsse, e Faraó continuou a resistir.

A importância desta lição é grande, porque mostra, de um lado, a paciência, a longanimidade, a insistência de Deus que deseja a salvação do pecador. Mostra, também, que os mi­lagres e as calamidades têm um sentido espiritual: são apêlos de Deus ao pecador obstinado. De outro lado, mostra até onde chega o poder do pecado no coração do homem que entende, reconhece, promete, mas resiste sempre.

QUESTIONÁRIO:

Que introdução deu Moisés às suas palavras, quando falou a Faraó? Que é que Faraó não sabia? Quem chamou a Moisés de mentiroso? Quando foi que Moisés duvidou da sua capacidade? Deus se revelou perfeitamente a Abrão, a Isac e a Jacó? Deus faz conta de multiplicação? Quem era mais velho: Moisés ou Aarão? Como foi que Aarão demons­trou a impostura dos magos do Egito? Qual foi a primeira intimação calamitosa da Providência? E a segunda? O des­canso melhora sempre os homens?

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CAPÍTULO XIX

ULTIMATOS DA PROVIDÊNCIA

E’ bom saber que a longanimidaüe üivma é perfeita, é longanimidade e não conivência com o pecado. Por isso, tem um limite.

Nas fábricas de pólvora há um dispositivo muito aper­feiçoado, que avisa os operários quando está iminente alguma explosão. Aquêle sinal é, por assim dizer, um aviso urgente. E’ o último aviso. E’ preciso fugir para não perecer.

Há nas disposições misericordiosas da Providência avi­sos assim: são avisos derradeiros, fortes, inapeláveis, dirigi­dos ao pecador .

Na lição que hoje estudamos, a História da Redenção apresenta os avisos finais que Faraó recebeu. Se adotássemos a linguagem da beligerância moderna, poderíamos dizer: “ Ul­timatos da Providência” . Repelidos êsses avisos, segue-se o castigo final e definitivo.

Aparece nesse ponto uma lição impressionante. O homem adia a sua submissão a Deus, desprezando as oportunidades que a graça lhe depara, acabará, um dia, rejeitando definiti­vamente a própria graça de Deus.

Mas, que é que Faraó adiava indefinidamente?Humilhar-se e deixar sair o povo. Êxodo 8:8, 25, 28;

9:27, 28; 10:10, 11, 16, 17, 24 e 28.Vê-se, pois, que rejeitar a graça não é escolher o cas­

tigo só pelo castigo: é adiar a submissão a Deus, para gozar o bem mais próximo, o lucro imediato, sem levar em conta o mal que pode vir depois.

No caso de Faraó, o lucro imediato era o serviço dos hebreus. Se êle pudesse obter ao mesmo tempo, a oferta da graça e o lucro imediato, não rejeitaria a graça. No comêço das

Leitura: Êxodo 8-10.Texto Áureo: Apoc. 3:20

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provas não rejeitou a graça, mas adiou a aceitação. Por estar mais perto o lucro e parecer mais longe o castigo, é que o ho­mem adia a aceitação e não abre mão do lucro. Aceitar a gra­ça é humilhar-se. No caso de Faraó era voltar atrás, reco­nhecer o êrro, reparar o mal. Não era fácil. Salmo 51:16, 17; Isaias 57:15 e Mat. 23:12.

Examinemos agora os últimatos da Providência que Fa­raó repeliu.

1.°) O TESTEMUNHO PROGRESSIVO DAS CALAMIDADES

Vê-se que as pragas variavam muito, mas o mal que produziam era cada vez maior. Antes da praga dos gafanho­tos Deus disse a Faraó o seguinte: “ Êles comerão o resto que ficou” . Em outros termos: as pragas foram eliminando pro­gressivamente os recursos vitais do Egito. Os castigos ante­riores sempre deixavam alguma coisa. O novo castigo ia re- duzí-los à miséria total. Pode-se observar que o progresso foi lento, levou tempo.

Quando veiu a peste nos animais todo o gado dos egí­pcios morreu. Segue-se a êsse flagelo a sarna dos animais e dos homens. Depois, se vê que houve um espaço grande en­tre êsses flagelos. Essa série de ultimatos culminou com a praga das trevas. Não temos elementos para determinar, nem a origem, nem a natureza dêsses flagelos. Sabemos, porém, como disse Moisés, que eram causados pelo poder de Deus e para os altos fins da sua providência.

A praga das trevas poderia ter sido uma cegueira geral dos egípcios. Alguns pretendem que tenha sido uma nuvem de areia, ou de pó escuro. Esta segunda hipótese é inaceitável, porque na casa dos hebreus não havia escuridão. O fato é que houve trevas e elas representam o estado em que se acha o ho­mem que se obstina em desobediência a Deus como Faraó o fêz. Êxodo 10:28.

Durante a praga das trevas deu-se a ocorrência mais grave. Faraó chamou Moisés e cedeu em parte. Mas Deus não aceita senão a submissão completa. Perante essa exigência Faraó, diferente do que fizera as outras vêzes, antes que o fla­gelo passasse, recusou atender a Moisés. Estava nas trevas que êle mesmo provocara. Deliberou nas trevas, rejeitou a graça nas trevas e, nas trevas, depois de repelir o enviado de Deus, ouviu a sua sentença final. Êxodo 10:24-29.

Êsse passo da História da Redenção ensina o seguinte: Deus, rejeitando o homem para sempre, confirma apenas o que o proprío homem para decidiu.

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2.°) 0 TESTEMUNHO INSUSPEITO DOS HOMENS

Referindo-nos aqui aos apêlos que Faraó recebeu do seu próprio povo, apêlos repetidos e aflitivos. Primeiro foram os sábios na praga do piolho que, atemorizados, disseram: “ Isto é o dedo de Deus” . Êxodo 8:19. Depois foram os servos de Faraó que procuraram persuadi-lo à obediência. Êxodo 10:7. Mais edificante ainda foi o exemplo de egípcios que, na praga da saraiva, aplicaram o seu coração à Palavra de Deus. Re­colheram e salvaram o seu gado.

Yê-se que os avisos da Providência não são inúteis por­que, não obstante a resistência de alguns e o máximo exemplo dos maiorais, outros atendem e escapam ao castigo.

E’ digno de menção que êsse testemunho dos próprios estranhos ao povo de Deus nunca tem faltado. Durante a vida de Jesus ouviu-se, mais de uma vez, êsse testemunho de alguns contra a obstinação da maioria. João 7:47-51. João 10:21. Êste é o sentido das tocantes palavras que o ladrão arrependi­do disse ao seu companheiro impenitente: “ Tu nem ainda te­mes a Deus, estando na mesma condenação” ? Luc. 23:40.

3.°) O TESTEMUNHO DA CONSCIÊNCIA ESCLARECIDA

Y-“ Pela tua própria bôca te condenarei” , está escrito na

parábola das minas. Luc. 19:22. O homem acaba sendo o seu próprio acusador, porque a Providência, ao mesmo tempo que lhe fala pela Palavra de Deus, pelos fatos miraculosos, pela voz sinistra das calamidades e pelo conselho dos homens, fa­la-lhes também pelos imperativos indeclináveis da sua pró­pria consciência.

E’ exatamente o caso de Faraó. O que êle sentiu não foi apenas mêdo quando as calamidades chegaram, mas foi reco­nhecimento do êrro que êle confessou com as suas próprias pa­lavras. Êxodo 9:27; 10:16, 17. Houve uma vez em que Faraó reconheceu mesmo que já estava ultrapassando os limites da longanimidade divina. Foi quando disse: “ Somente mais esta vez” . Mais tarde, quando o castigo final chegasse, a sua cons­ciência havia de fazer-lhe sentir que êle mesmo tinha decidido que não queria mais ouvir. Êxodo 10:28.

A obstinação é má conselheira. De degrau em degrau o homem desce para uma condição irreparável.

Finalmente, a História da Redenção nos mostra que Deus executa o seu plano, sem forçar a liberdade dos homens, sem deixar de exercer a misericórdia e mantendo sempre os prin­cípios da justiça. De qualquer maneira estaremos dentro dos planos de Deus, para felicidade ou para tristeza nossa.

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Felicidade, ou tristeza, dependem só de fazermos aqui­lo que alguns egípcios fizeram: aplicarmos a Palavra do Senhor ao nosso coração.

QUESTIONÁRIO:t i -

Para que é que Deus queria o povo? Os hebreus foram atingidos pelas pragas ? Os animais sofrem por causa dos êrros dos homens? De onde vieram as pragas? Ós ímpios reconhe­cem os seus pecados? Foi somente Faraó que endureceu o seu coração? Uma unha faz diferença? Moisés marcava datas exatas? A coceira maltrata? Deus suspende o sofrimento dos ímpios ?

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CAPÍTULO XX

LIVRAMENTO E CASTIGO

E’ coisa certa e impressionante que a mesma causa pro­duz efeitos diferentes e até contraditórios. A luz atrai as bor­boletas e afugenta as feras. A história da Redenção apresenta numerosos exemplos dessa verdade certa. O mesmo fato pode ser alegria de uns e tristeza de outros. A verdade que alguns procuram e amam, outros odeiam e repelem. A palavra de Je­sus e também os seus milagres produziram sempre efeitos di­ferentes: Alguns ouviram e se converteram, outros se afasta­ram definitivamente de Jesus. Podemos dizer que a verdade separa os homens. Um bom exemplo está em João 6:66-69.

A lição de hoje apresenta essa dualidade de resultados produzidos por um ato da Providência. Para uns foi livra­mento, para outros castigo.

Quatrocentos e trinta anos depois da entrada ao Egito, che­gou o dia da saída dos israelitas. Entraram no Egito 66 pes­soas. A Bíblia não diz quantas pessoas saíram. Dá apenas a conta dos homens e diz que eram coisa de seissentos mil. Não é difícil perceber o desarranjo que êsse deslocamento em massa ia produzir na economia e no trabalho dos egípcios. Era na­tural que êles reagissem contra. Era natural, mas não era justo. Porque, se a partida dos hebreus perturbava a economia dos egípcios restaurava também a liberdade e os direitos dos hebreus. E se os epípcios estavam edificando grandes cidades de tesouros com facilidade e economia, era à custa da explo­ração do trabalho e do sofrimento dos hebreus. O mesmo ato da Providência produzia, pois, dois resultados: desarranjava a economia de uns e aliviava o sofrimento de outros. Daí o título da nossa lição. O mesmo ato da Providência é “ Livra­mento e Castigo” .

Leitura: Êxodo 11-14Texto Áureo: Salmo 145:17

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Para bem aproveitar o ensino dêsse grande episódio da história da Providência, convém analisar todos os aspectos que êie apresenta.

1.°) A PREPARAÇÃO ESPIRITUAL

Pode-se dizer que a partida dos hebreus foi um dos mo­mentos culminantes da sua história. Não travaram combates. Não estavam ainda organizados social e politicamente. Eram apenas uma grande multidão. Só uma intervenção sobrena­tural explica o êxito do seu empreendimento. Cremos no que a Bíblia ensina. Êxodo 20:22; 3:20, 21; 7:4.

Para comemorar êsse fato importantíssimo Deus esta­beleceu a pascoa. Essa instituição tinha por fim lembrar pere­nemente aos israelitas que a sua libertação era um fato sobre­natural. Mas, além de ser um rito comemorativo, a pascoa ju- dáica era também uma figura da páscoa cristã, assim como a libertação dos hebreus prefigurou a libertação dos crentes por meio de Jesus Cristo. Daí a importância de certos pormeno­res da páscoa:

a) Havia um sacrifício. O sangue do carneiro sacrifi­cado era pôsto nas ombreiras da porta, para salvação do pri­mogênito. Figura evidente do sacrifício de Jesus Cristo e do seu sangue derramado para salvação do pecador.

Todos são pecadoi-es. O que separa uns dos outros é a aplicação do sangue de Jesus, pela fé, isto é, dos benefícios ad­quiridos por Jesus Cristo. Êxodo 12:13.

b) Outra figura magistral para descrever o porte e as atitudes do verdadeiro crente que participa de tôdas as coi­sas lícitas desta vida, mas sempre pronto para andar avante, ou partir. Êxodo 12:11.

c) A páscoa era celebrada depois da preparação de sete dias, em que êles comiam pão sem fermento. Outro símbolo instrutivo: referia-se à necessidade da preparação espiritual, isto é, de santificação. Êxodo 12:15.

2.°) DIREÇÃO DIVINA

Logo que o povo saiu do Egito apareceu a manifestação visível da direção divina. O povo não ia peregrinar ao acaso. Não conhecia a rota, nem podia saber, de antemão, quais se­riam as dificuldades. Uma coisa, porém, sabia: tinha uma di­reção, cujo sinal estava constantemente perante os seus olhos: a coluna de nuvens de dia, a coluna de fogo de noite. Êxodo 13:17-22.

Sabemos que o povo hebreu foi uma prefiguração his­tórica da Igreja de Cristo. A coluna de nuvem e de fogo é

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também uma prefiguração, um símbolo. Assim como o povo hebreu foi dirigido na sua longa peregrinação pelo deserto, tam­bém a Igreja deve ser dirigida. O livro dos atos dos apóstolos mostra que a verdadeira Igreja é, de fato, dirigida pelo Espí­rito Santo. Jesus nem permitiu que os seus discípulos come­çassem o trabalho antes que descesse o Espírito Santo para dirigi-los. Atos 1:4, 8; 2:47; 8:26, 29, 39; 13:2; 15:28; etc..

Dentro em breve iam aparecer dificuldades e perigos muito grandes, naquela viagem prolongada para a terra prome­tida. Era preciso que o povo visse um sinal bem claro da di­reção de Deus, para sentir que não estava sòsinho nem desam­parado.

Há uma observação muito instrutiva sôbre essa coluna de nuvem e de fogo. Foi na passagem do mar vermelho. “ E o anjo de Deus, que ia diante do exército de Israel, se retirou, e ia atraz dêles. Também a coluna de nuvem se retirou de dian­te dêles e se poz atraz dêles.” Vê-se, por êsse versículo, que a coluna era apenas um sinal visível de uma presença invisível.

Essa presença invisível dava aos hebreus a garantia de direção certa e proteção infalível, mas exigia uma atitude per­manente de reverência e santidade. Êxodo 23:20-23.

Essa mesma presença invisível apresentava dois aspec­tos opostos: luz para uns, e escuridão para outros; sossêgopara os hebreus, e temor para os egípcios. Êxodo 14:20.

A explicação é simples. Deus é perturbação para aquêles que se opõem à sua vontade.

3.°) A JUSTIÇA DIVINA

A história da Redenção apresenta neste ponto uma lição simples, profunda e muito instrutiva sôbre uma questão difí­cil: a severidade de Deus. Porque o castigo dos egípcios foi muito severo. Primeiro foram feridos no seu afeto, porque perderam os filhos primogênitos. Depois o seu rei, junto com um numeroso exército, pereceu afogado no mar.

Se nós considerarmos isoladamente êsse castigo êle nos parece, não só severidade excessiva, mas também notória par­cialidade. Deus a favor de uns, contra os outros. Consideran­do no conjunto dos acontecimentos, êsse castigo aparece como expressão perfeita de justiça.

a) Os egípcios, admoestados várias vêzes pela palavra, pelos milagres e pelas calamidades parciais, persistiam obsti­nadamente na sua oposição contra Deus. Resistiram mesmo ao apêlo mais forte que foi a morte dos primogênitos. Não havia, pois, recurso para mudá-los de seu intento.

b) A sua obstinação não consistia numa resistência

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abstrata à vontade de Deus. Êles persistiam era na exploração do trabalho excessivo, do sofrimento e da humilhação dos he­breus. Persistiam na violação iníqua dos direitos da liberdade do povo. E’ verdade que a libertação dos hebreus acarretaria perturbação econômica, diminuição de lucros e possíveis pre­juízos materiais. Para não perderem coisas, sacrificavam ho­mens. Êsse é o grande crime de todos os tempos: sacrificar os homens às coisas.

A Providência, se não agisse, tornar-se-ia conivente com êsse crime. Agiu durante muito tempo denunciando o crime e infligindo uma disciplina parcial. Os opressores não atende­ram mesmo. Deus não tarda, nem falha. E’ longânimo e, na hora própria, põe termo ao crime.

Deus seria parcial se abandonasse indefinidamente os mais fracos à exploração dos mais fortes; os oprimidos à incle­mência dos opressores. Naquela contingência, ou destruia os egípcios obstinados e conscientes do seu crime, ou abandonava nas suas mãos o povo numeroso e indeciso, que lutava pela sua vida. A Providência agiu na hora própria e com justiça. Êxo­do 14. Veja-se o verso 30. Há nesse verso uma expressão in­teressante, que esclarece o nosso ponto de vista: “ Assim sal­vou o Senhor a Israel da mão dos egípcios” .

A justiça da Providência tem exatamente essa finali­dade: tirar o látego das mãos do opressor.

No verso 31 aparece outra expressão elucidativa: “ Viu Israsl a grande mão que o Senhor mostrava aos egípcios” — mão que opera e não permite a injustiça.

Esta lição, como já se disse, assinalou uma fase decisi­va na história do povo hebreu. Saíram do Egito e entraram na fase disciplinar e preparatória para a sua missão histórica.

QUESTIONÁRIO:

Quem era o grande na terra do Egito ? Qual foi o maior clamor? Quem faz diferença entre os homens? A salada é antiga? Qual é o sinal da Redenção? A páscoa era culto? Ajustiça poupa os grandes? Qual foi a derradeira mudança deFaraó? Qual foi a ordem de Deus aos filhos de Israel? Ondeestava o anjo de Deus?

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CAPÍTULO XXI

ALIMENTO E COMBATE

Leitura: Êxodo 16-18 Texto Áureo: Rom. 8 :28

Os sociólogos modernos demonstraram que o desloca­mento de grandes massas humanas cria problemas e dificul­dades. Alguns problemas atuais, de ordem moral, estão sendo ocasionados pela movimentação de homens com suas famílias, de uma para outra parte. Quase sempre, os homens que se deslocam em massa, esquecem os velhos padrões de moral, re­laxam. os costumes e se abandonam a desregramentos. Por isso é fácil imaginar a enormidade da tarefa confiada a Moisés.

Várias coisas contribuíram não só para manter um re­lativo estado moral dos hebreus em marcha pelo deserto, mas também para imprimir uma estrutura tão sólida que havia de durar através dos séculos. Êsses fatores, só por si, não teriam produzido o efeito disciplinar benéfico que se faz sentir até hoje na existência dêsse povo. Mas prescritos, dosados e apli­cados pela mão de Deus, todos êsses fatores influíram no ades­tramento, na disciplina e no fortalecimento dos filhos de Israel. Eram fatores de natureza diversa, e podemos resumi-los em duas classes, para mostrar duas ordens de coisas indispensá­veis como instrumento da Providência para formação do ho­mem e do povo: alimento e combate.

l.o) A DISCIPLINA DOS ELEMENTOS NATURAIS

Vem, em primeiro lugar, a luta inevitável contra a hos­tilidade do ambiente material. Uma vez em marcha, o povo sentiu logo a falta de um elemento vital — água. Estavam no deserto: sol e poeira. Milhares de criaturas: nomens, mulhe­res, velhos e crianças. Uma exigência inadiável de água em grande quantidade. Durante três dias não acharam água.

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Era um sofrimento indisível. Por pouco haviam escapado dos inimigos implacáveis e agora enfrentavam um inimigo pior — a sêde. De repente aparece água, e o povo foi beber àvidamen­te e não pôde. Eram águas amargas, talvez salobras. Então, veio a revolta. Realizou-se aí, o segundo grande milagre. Sob uma ordem de Deus, Moisés lançou um pedaço de madeira nas águas, que se tornáram potáveis. Isso aconteceu no deserto de Sur. Dias depois, no deserto de Sim, a sêde sobreveio outra vez. O povo se revoltou. Então, veio o terceiro milagre. Deus tirou água da pedra.

No meio dessas dificuldades, conforme se diz em Deute- ronômio capítulo 8, o povo estava aprendendo duas coisas: a lutar com dificuldades muito grandes e a sentir que vivia dià- riamente na dependência do poder de Deus.

Há nesses episódios lições práticas para os crentes de todos os tempos.

Uma é que os crentes não vivem sem lutas. Também êles enfrentam dificuldades e sofrem grandes privações; outra é que Deus, que permite a privação do crente, não a deixa ir além de um limite suportável e, na hora crítica, intervém para trazer livramento e salvação.

Não há dificuldade, nem crise, que Deus não possa trans­formar em bênção. Deus, que tirou a água da pedra, sabe tam­bém tirar benefícios das lutas, das provações difíceis e até das tentações dos crentes.

Na hora dessa disciplina dos elementos materiais, e por meio dela, Deus mostra a instabilidade do coração humano, a tendência do homem esquecer-se das bênçãos do passado, para ver só as dificuldades do presente, e deixar-se levar pela incre­dulidade. Porque os hebreus, sempre que aparecia alguma di­ficuldade nova, se revoltavam contra Moisés e murmuravam contra Deus. Em outras palavras: revelavam uma fé super­ficial e uma propensão imanente e permanente para a incre­dulidade. O homem é assim mesmo. Êx. 15:22-24; 17:2 e 7.

Diz a Palavra de Deus que êsse é o objetivo das difi­culdades que aparecem na vida dos crentes. Deut. 8:2.

2.°) A PROVISÃO DIVINA

A mera disciplina dos elementos materiais serviria para criar uma reatividade enérgica naqueles homens, mas levá-los- -ia a um de dois extremos: ou a uma confiança exagerada em si mesmos, se conseguissem vencer as dificuldades, ou a desâ­nimo, e, talvez, desespêro, em caso contrário.

Deus, porém, estava educando o povo, e um dos fins dêsse processo educativo era despertar e desenvolver o senti-

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mento de confiança nÊle. Tornava-se, portanto, necessário que os homens vissem, nas horas extremas, aparecer o socorro de Deus. E viram muitas vêzes.

O caso típico e representativo é o maná, o pão diário, durante quarenta anos, de várias aplicações culinárias, com propriedades nutritivas suficientes.

Quando os homens perguntaram: — “ O que é isto?” Veio a resposta de Moisés: — “ Isto é o pão que o Senhor vos dá para comer” .

Quando, mais tarde, o Senhor se referiu a êsse pão, de­clarou que o seu suprimento diário, cuja origem ninguém sou­be determinar, tinha uma finalidade: ensinar ao homem que êle não vive só de pão, mas também da Palavra que sai da bôca do Senhor. Deut. 8:3.

3.°) A OPOSIÇÃO BENÉFICA DOS INIMIGOS

Um agricultor contou-me, certa vez, uma observação que fêz num grande bosque de eucaliptos. A ventania forte, de vez enquando, quebrava algumas árvores das maiores. Mas eram sempre árvores que ficavam bem para dentro do bos­que e, por isso mesmo, mais bem protegidas. Não se lembrava êle de ter visto quebrada qualquer das árvores situadas nas orlas da floresta, isto é, mais para fora. E’ que essas árvores que ficavam mais expostas, cresciam lutando com o vento e fi­cavam fortes.

Deus estava preparando um povo que dependesse dÊle, que reconhecesse essa dependência, que confiasse nÊle para in­vocá-lo nas horas extremaá de angústia, mas também um povo bastante forte para contar consigo mesmo e saber lutar.

Para alcançar essa finalidade, êsse povo que estava em formação tinha de ficar exposto a oposição dos inimigos e cres­cer lutando. E a luta começou cêdo. A primeira batalha foi com- os Amalequitas. A análise dêsse combate apresenta um esquema sugestivo.

a) Soldados lutando valorosamente contra inimigos. Deus não faz a parte do homem.

b) O profeta intercedendo na montanha pela vitória dos combatentes. Enquanto as mãos de Moisés se conservavam erguidas na intercessão, os filhos de Israel prevaleciam. Deus supre a deficiência dos homens que confiam nÊle quando êles oram.

c) A intercessão cansou Moisés, e foi necessário que Aarão e Hur sustentassem as mãos cansadas de Moisés. Deus abençoa a cooperação dos homens na obra espiritual.

Em conclusão, podemos ver melhor neste estudo da sa-

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bedoria de Deus, a sabedoria misteriosa da Providência com­binando auxílio e oposição, dosando socorro e trabalho, per­mitindo sofrimento e mandando alívio, tudo para criar no povo o conjunto de energias e propriedades indispensáveis ao cum­primento do seu papel histórico. Deut. 8:4, 5.

QUESTIONÁRIO:

Em que dia chegaram os filhos de Israel ao deserto de Sim? Que é que deu saudade fios israelitas? Contra quem mur­murou o povo que falou de Moisés? Quando apareceu a gló­ria do Senhor? A que hora o Senhor entregava o pão? Que quantidade de maná era lícito colher ? O maná era crú ? Quan­to tempo durou a provisão do maná? De onde foi que Deus tirou a água? Os generais ganham as batalhas sozinhos?

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CAPÍTULO XXII

A VOCAÇÃO E A LEI

Leitura: Êxodo 18 - 20 Texto Áureo: I Pedro 2:9

Muitos povos têm imigrado, movidos por forças dife­rentes. Por isso também nem sempre os grupos humanos que se deslocaram constituíram povos fortes e nações progressistas.

Alguns imigram obrigados pela penúria — caso muito freqüente. Outros seduzidos pela fascinação das riquezas fá­ceis. Caracterízam-se pelo espírito aventureiro e pouco escru­puloso. Outros têm emigrado compelidos pelo seu idealismo, ou melhor, pelo amor aos princípios. Perguntemos: que moti­vos obrigaram os hebreus a se deslocarem para uma terra tão distante ?

Se examinarmos bem as passagens que descrevem as ati­tudes várias vêzes assumidas por aquêle povo, veremos que, em geral, não era idealismo. Pensavam no livramento do castigo e nas facilidades de uma vida mais cômoda.

Se o futuro dêsse povo dependesse apenas dos motivos e tendências que manifestavam, êles jamais teriam realizado a sua missão histórica. Entretanto, como já dissemos noutra lição, aquêle povo estava sendo dirigido pela mão da Providên­cia. A coluna de nuvem e de fogo, bem como a marcha pelo deserto, além de uma realidade histórica, eram também figu­ras de uma realidade maior. Assim como o povo, sem saber o caminho, era dirigido pelo deserto, pela coluna de nuvem e de fogo, assim também êsse mesmo povo que ainda não tinha qualquer idealismo estava sendo dirigido para uma alta fina­lidade no palco e no cenário da história. O povo não tinha idealismo, mas Deus tinha plano.

O que movia o povo era, talvez, a necessidade, o mêdo, o desejo de livramento, comodidade e descanso. O que movia

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a mão condutora da Providência era o propósito sábio de al­cançar um objetivo necessário e bom.

Havia, pois, uma tarefa indispensável e difícil: afeiçoar aquela grande massa humana para o papel que havia de de­sempenhar. Deus, por um processo demorado, trabalhou, dis­ciplinou e afeiçoou a personalidade irrequieta, egoísta e ambi­ciosa de Jacó, para fazer dêle o grande patriarca da raça elei­ta. Agora, ia também preparar a raça para instrumento de uma tarefa da mais alta significação espiritual. Três passos iniciais eram necessários:

1.°) ORGANIZAÇÃO — Êxodo 18.

O povo que saiu do Egito estava com a fibra temperada pela disciplina sadia do trabalho, da sobriedade e do sofrimen­to. Era bom material humano. Em outros têrmos: era ma­téria prima em estado bruto. Não tinha, porém, organização. Podemos supor que tudo se processava primitivamente, pelo re- gimem patriarcal, isto é, pela autoridade de cada chefe de fa­mília. No deserto, porém, apareceram problemas muito difí­ceis. E, como Moisés era o condutor do povo, tôdas as questões vinham parar nas mãos dêle. Se fôsse no tempo de hoje, diría­mos que a mesa de Moisés ficou cheia de papéis e processos sem despachos. Êle sòsinho não dava conta. Naquele tempo não havia nem mesa, nem papel, nem sêlo. Mas o resultado foi o mesmo. A Bíblia diz que o povo ficava em pé diante de Moi­sés, o dia inteiro. Êxodo 18:13. Êle sòsinho não dava mesmo conta. Estava faltando organização.

Que é que vem a ser organização?A nossa lição vai mostrar.O sogro de Moisés, que apareceu no acampamento para

visitá-lo, percebeu logo a grande falha. Moisés, insensatamen­te, queria fazer tudo: o que só êle podia e também o que os outros podiam fazer. Os encargos mais pesados e também os mais leves. Resultado: obstrução, desorganização, desconten­tamento, indisciplina. No tempo dos apóstolos aconteceu a mes­ma coisa — Atos 6:1. E a medida proposta para resolver o problema foi a mesma — organização. Jetro, o sogro de Moi­sés, mandou dividir o povo em grupos pequenos de dez, cem e mil, e escolher homens capazes para ficarem à testâ dêsses gru­pos, resolvendo as questões menos importantes, de modo que Moisés tivesse de tratar só dos assuntos mais difíceis. Isto é organização: divisão e distribuição de trabalho, segundo a ca­pacidade de cada um. Veja-se também em Atos 6:2, 3, 4. Êsse foi o primeiro passo para fazer de um numeroso agrupamen­to o esbôço de um povo.

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2.°) VOCAÇÃO

A Providência tinha resolvido fazer dos filhos de Israel um povo especial. E tinha deliberado isso há longo tempo, isto é, Deus elegeu aquêle povo para uma grande missão histórica.

E’ preciso, porém, saber o que disse um grande teólogo: “ Deus quando faz o profeta, não destrói o homem” . O ins­trumento humano que Deus usa não é um autômato inconscien­te e constrangido. Por isso, depois da eleição, vem, necessària- mente, a vocação. Paulo disse que Deus o separou para o mi­nistério quando êle ainda estava no ventre de sua mãe. Isso foi a eleição. Pode-se, em rigor, dizer que a eleição não tem tempo porque é eterna. O que Paulo estava pretendendo dizer é que antes do seu nascimento já estava eleito. Mas a vocação não é assim. Tem hora marcada e constitue um fato histórico. Paulo foi chamado no caminho de Damasco. Eleito, desde mui­to tempo, Deus o chamou em determinado momento para que êle cumprisse, consciente e voluntário, o desígnio apontado pela Providência. Isso é a vocação.

Com o povo de Israel foi a mesma coisa. Três mêzes de­pois de sair do Egito, no deserto de Sinai, o povo recebeu a sua vocação histórica. Foi, talvez, o ponto culminante e, por assim dizer, crucial da sua história. Até então, embora tivesse aceitado as disposições auxiliares da Providência, não ouvira falar claramente, nem da sua eleição, nem de seu papel. Não tinha também assumido qualquer compromisso. Nessa ocasião Deus o chamou, Deus o convidou para associar-se, livremente, ao grande plano eterno. Deus lhe ofereceu o privilégio grande das responsabilidades morais e espirituais. E o povo depois de ouvir a Moisés, examinar as condições da proposta divina e de uma devida preparação espiritual, celebrou o pacto com Deus. Êxodo 19, principalmente os versículos 5-8.

3.°) A LEI

Na vocação dos filhos de Israel êles se comprometeram a observar a Lei do Senhor. À vocação, por isso, seguiu-se a promulgação da lei. Primeiro Deus mostrou que podia promul­gar a lei. Duas razões havia para isso:

a) O povo já tinha reconhecido a autoridade de Jeo­vá e se comprometeu a guardar a lei. Êxodo 19:8.

b) Jeová tinha mostrado que Êle era o Senhor da terra e do céu, dizendo: “ Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito” .

Deus resumiu a lei em dez mandamentos, que abrangem a generalidade das relações humanas. Êsse decálogo é apenas uma expressão verbal da lei. Mais tarde aparecerá uma con-

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densação verbal mais perfeita dessa mesma lei. Deut. 6:5 e Lev. 19:18. Jesus reuniu essas duas passagens e disse que elas são o resumo da lei. Mat. 22:37-40.

Convém repetir que êsses mandamentos são apenas ex­pressões verbais da lei. A palavra humana não esgota, nem pode conter tôda a lei. Antes dessas expressões verbais já a lei existia: porque o homem não foi criado sem lei. E quando o homem fôr restaurado definitivamente à perfeição e santi­dade originais, não haverá mais necessidade da expressão ver­bal da lei, isto é, de lei escrita ou falada. Hebreus 8:8-11. Je­remias 31:31-34. A imperfeição moral do homem é que exigiu a lei falada, a lei escrita. O homem perfeito tem a lei escrita inerente no seu próprio coração, na sua própria natureza.

Convém ilustrar. Há pessoas de memória fraca e pre­judicada: Precisam de lembretes e notas escritas. Quando a memória é perfeita, não há necessidade disso. O mesmo se po­de dizer da natureza moral: quando ela estiver aperfeiçoada completamente, não haverá necessidade da lei escrita — o ho­mem saberá, por si mesmo, o que é direito.

A expressão verbal do decálogo pode-se dividir em duas grandes partes extremas e uma intermediária:

a) Mandamento sôbre as relações com Deus. São os três primeiros.

b) Mandamentos referentes às relações com Deus e com os homens: o quarto mandamento.

c) Mandamento referente às relações com os homens: os seis últimos.

Se os homens observassem êsse decálogo, a vida seria muito diferente. Séculos sôbre séculos decorreram desde que Deus promulgou essa lei tão simples, tão prática, tão necessá­ria. Os hebreus não a guardaram também: quebraram o pacto. Daí aprendemos uma lição. A simples expressão verbal da lei é insuficiente para salvar o homem. Dá-lhe, é certo, uma no­ção mais exata do dever, mas não lhe dá forças para cumpri-lo. O povo israelita é uma demonstração histórica dessa verdade. Foi isso que disse Estevam ao Sinédrio em Jerusalém: “ Vós que recebestes a lei por ordenação dos anjos, e não a guardas­tes” . At. 7:53.

Cabe aqui uma pergunta: qual é a finalidade da lei, nessecaso?

Responde Paulo: “ A lei serve de guia para nos levar a Cristo” . Gal. 3:24. A lei é o metro moral e tem uma função: fazer o homem sentir a sua deficiência moral e, portanto, a sua completa dependência de Cristo para satisfazer a lei.

O povo de Israel teve uma dupla função histórica:

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a) Receber essa lei, guardá-la zelosamente e transmi- tí-la ao mundo.

b) Demonstrar historicamente que o homem, ainda quando conhece a lei, não a guarda perfeitamente e, portanto, precisa de um Salvador.

QUESTIONÁRIO:

Como se chamava o sogro de Moisés? Quem era Ger­son? O beijo é antigo? Um homem humilde pode dar conse­lhos a um homem ilustre? Onde foi que o povo recebeu a lei? Em que dia o Senhor se manifestou? Que foi que Moisés disse ao povo quando desceu do monte? Onde é que Deus estava? Que foi que Moisés expôs aos anciãos? De onde foi que Deus falou?

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CAPÍTULO XXIII " iggt

A SOBERANIA DE DEUS#

Leitura: Êxodo 20:3, Atos 17:34, Apoc. 15:1-8.Texto Áureo: Isaias 42:8.

A grande contribuição do povo hebreu para o mundo inteiro é a sua concepção religiosa, o seu monoteísmo. O de­cálogo estabelece não só a concepção monoteísta como idéia, mas a exclusividade de Jeová como objeto de culto. “ Não te­rás outros deuses além de mim”. Qualquer transgressão dêle importa em pecado muito grave. Só Deus é Deus: adorar ou­tros sêres é adorar o falso e ficar, por isso, com a alma sem­pre inquieta e insatisfeita — porque só Deus satisfaz a alma humana.

Embora monoteísta, o povo hebreu mais de uma vez transgrediu êsse mandamento e, por isso, ficou exposto às mais severas penalidades da justiça divina. Os mesmos pecados e transgressões dos hebreus contra êsses mandamentos têm sido e estão sendo cometidos por outros povos e grupos que se jul­gam monoteístas.

Convém, pois, examinar as formas freqüentes e mais comuns de transgressões do primeiro mandamento.

O primeiro estatuto do decálogo estabelece a suprema­cia de Jeová e, sendo Êle o Deus Supremo, o único Deus ver­dadeiro, é claro que só Êle pode receber culto e adoração.

Culto e adoração consistem em dar a Deus o que só Deus tem o direito de receber, e em pedir a Deus o que também só Deus pode dar. Não é, pois, difícil perceber qual é a natureza das transgressões do primeiro mandamento.

1.°) APOSTASIA

Quem fala dêsse pecado, em termos bem explícitos, é São Paulo. “ Ninguém de maneira alguma vos engane; por-

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que não será assim sem que antes venha a apostasia, e se ma­nifeste o homem do pecado, o filho da perdição. O qual se opõe, e se levanta contra tudo o que se chama Deus, ou se ado­ra ; de sorte que se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus.” II Tes. 2:3-4.

O apóstata, isto é, aquêle que se afasta do seu lugar, segundo entende São Paulo, é todo aquêle que se coloca a si mesmo no lugar de Deus. O texto não trata propriamente de algum personagem histórico, mas de todo indivíduo que, no seu próprio coração, coloca a Deus em segundo lugar, que aten­de mais à sua própria vontade que à vontade de Deus. E’ o homem ególatra.

Muitas são as formas que pode assumir a egolatria, isto é, o culto de si mesmo: a vaidade, a soberba, a avareza, etc.. Em qualquer dêsses pecados a essência é uma só: o homem está dando a si mesmo, ao seu querer, ao seu capricho, a su­premacia que só a Deus se deve dar. Estima-se a si mesmo, como se fôsse Deus.

2.° A IN VO CAÇÃO DOS SAN TO S

E ’ outra transgressão do primeiro mandamento. Há, indiscutivelmente, uma forma de culto em que os santos são objetos de adoração. O Concílio Tridentino diz que aquêles que afirm am que invocar os santos é contrário ao ensino das Escrituras, pensam Impiamente. Além disso a existência de santuários consagrados a santos e de oração que lhes são di­rigidas, mostram que existe êsse culto pecaminoso. Contra essa transgressão do primeiro mandamento podemos alegar as seguintes razões:

a) Não há exemplo dos apóstolos e dos primeiros cris­tãos se dirigirem aos santos.

b) Jesus Cristo ensinou que tôda oração e apêlo dos crentes aflitos, devem ser feitos diretamente a Deus, em nome de Jesus Cristo.

Uma coisa é certa: a invocação dos santos tem com- tribuido para afastar muitas almas sinceras do verdadeiro cul­to. Casos há em que êsse culto tem feito nascer uma prefe­rência afetiva pelo santo invocado, em detrimento do amor que o homem deve a Deus. E’ transgressão não só do primeiro man­damento, mas também daquele grande preceito que Jesus Cristo colocou acima de todos: “ Am arás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração”.

3-°) A AD O R A ÇÃO DOS SAN TO S

A s Escrituras não poderiam ser mais claras do que

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quando ensinam que só a Deus se deve adorar. Mat. 4:10. E não há distinção na Bíblia entre culto mais alto e culto secun­dário. Tudo é culto. Culto é adoração e pertence a Deus.

Os apóstolos e os primeiros cristãos só adoravam a Deus. No Apocalipse, onde aparecem cenas magestosas de adoração, não se menciona qualquer outro ser adorado a não ser o pró­prio Deus. Apoc. 4:10 ,11. Apoc. 5:8 e 14. Apoc. 7 :9 ; etc..

Os apóstolos jam ais consentiram em ser adorados. Nun­ca permitiram que os homens lhes apresentassem qualquer for­ma de reverência que pudesse, de qualquer modo, ser confun­dida com adoração. Atos 10:24, 25, 26. Atos 14:14, 15. Os sêres celestiais que apareceram aos homens não consentiram em ser adorados. Apoc. 22:8, 9.

Diante dêsses fatos podemos afirm ar, com tôda a segu­rança, que prestar culto a qualquer criatura é pecado muito grave. Só Deus deve ser adorado.

Esta lição mostra a necessidade de evangelizar o Brasil onde o povo, que não conhece a Bíblia, está transgredindo o primeiro de todos os mandamentos. Mostra também que é preciso instruir os crentes evangélicos, a fim de que êíes man­tenham em tôda a pureza o verdadeiro culto.

Q U E STIO N Á R IO :

Que serviço Deus alegou para dar os mandamentos? Qual é o primeiro mandamento? Quem pediu para ser adora­do? Mat. 4:9. Como se chama aquêle que toma o lugar de Deus? II Tes. 2:3, 4. Que homem não quis tomar o lugar de Deus? Gên. 50:19. A quem devemos invocar sempre? Rom. 10:18. Em nome de quem devemos orar sempre? Que homem repeliu a adoração? Atos 10:25, 26. Os anjos aceitam adora­ção? Apoc. 22:9.

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CAPÍTULO XXIV

A ESPIRITUALIDADE DO CULTO

Leitura: Isaias 44: 1-20. Êxodo 20: 4-2.Texto Áureo: Deut. 4: 15.

O segundo mandamento estabelece a espiritualidade do culto e proíbe terminantemente a idolatria. Por essa proibi­ção ficam interditas quaisquer representações visíveis de Deus. Uma das perfeições de Deus é justamente a sua invisibilidade. Assim ensinou São Paulo, quando disse que as perfeições de Deus são invisíveis. (Rom. 1:20). E também quando excla­mou : “ Ao Rei dos séculos, imortal, invisível, ao único Deus seja honra e glória para todo sempre.” (Tim. 1:17). Noutro lugar êle diz que nenhum dos homens viu e nem pode ver a Deus. (I Tim. 6:16). São João ensina que jamais homem al­gum viu a Deus. (João 1:18 e I João 4:12). Moisés lembrou aos hebreus que no dia em que Jeová se manifestou a êles, êles ouviram a voz das palavras, mas não viram semelhança ne­nhuma. E fez, então, o seguinte aviso muito solene: “ Guardai, pois, com diligência as vossas almas, pois semelhança nenhu­ma vistes no dia em que o Senhor vosso Deus em Horeb falou convosco do meio do fogo. Para que não vos corrompais e vos façais alguma escultura, semelhança de imagem, figura de ma­cho ou fêmea.” (Deut. 4:15, 16).

Qualquer representação material da divindade, pois, é pecado muito grande. Tanjo assim que no segundo mandamen­to, depois de interditar peremptoriamente o uso de imagens para o culto, Deus diz que a punição dos idólatras alcança a posteridade até a terceira e quarta geração.

Uma simples observação da história mostra que êsse castigo vem mesmo. Os povos idólatras são povos decadentes e corrompidos na vida moral. O homem não degrada o culto, sem deformar-se a si próprio; não degrada o seu conceito de

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Deus, sem embrutecer-se moralmente. A doutrina é de São Paulo. Rom. 1 :23, 24.

Na lição anterior aprendemos que a adoração só se deve dar a Deus. As Escrituras não indicam nenhuma forma de culto que se possa dar às criaturas. O segundo mandamento ensina que Deus não pode ser adorado sob nenhuma represen­tação visível, ou sob qualquer figura material. E a razão é clara. Não é possível fazer nenhuma representação visível que não seja cópia, ou figura das coisas que o homem já viu. E tudo que o homem já viu, é criatura. Fazer uma representa­ção visível de Deus é, portanto, apresentá-lo sob figura de qualquer coisa criada; é dar uma idéia falsa e errada do Cria­dor. E’ exatamente isso que as Escrituras proíbem. Deut. 4:16, 17. Rom. 1:23, 25.

Mas o mandamento, além de proibir as representações materiais de Deus, proíbe também qualquer outra forma de idolatria. O homem, feito à imagem e semelhança de Deus, não pode inclinar-se para adoração diante de nenhum objeto ma­terial, nem de qualquer outra criatura. O mandamento diz ex­plicitamente: “ Não te inclinarás, nem as servirás.”

Ainda que o assunto não seja agradável, é preciso apre- sentá-lo aqui. Um dos erros grandes do romanismo é a idola­tria. Nos nossos templos não há, nem poderia haver imagens. Se as imagens usadas no culto romano são idolatria, então man­da a nossa lealdade a Deus e aos homens que nós, usando a linguagem mais caridosa e cheia de respeito, denunciemos, en­tretanto, êsse grave pecado.

Convém examinar os argumentos e as razões apresenta­das pelos romanistas, a fim de justificarem o uso das ima­gens no culto e para o culto.

1) Afirmam que Deus também mandou fazer imagens, quando mandou Moisés fazer os querubins e a serpente de bron­ze. Êxodo 25:18-21. Números 21:5-9. João 3:14, 15.

Responde-se: Os querubins foram feitos por ordem ex­pressa de Deus. A excessão veio de quem o podia dar. A Igre­ja Romana não poderá mostrar qualquer ordem que Deus te­nha dado para fazer imagens que estão sendo usadas no seu culto. Ninguém se ajoelhava diunte dos cherubins, nem lhe dirigia orações, nem lhe fazia promessas, nem trazia consigo pequeninas cópias, como os romanos fazem com as imagens que usam. Ainda mais: os querubins estavam colocados no santo dos santos, isto é, no santuário mais interior, onde nin­guém os via, a não ser o sumo sacerdote. A serpente de bron­ze foi uma representação de um castigo severo que Deus man­dou. E, quando os hebreus começaram adorá-la, Deus man­dou destruí-la. II Reis 18:4.

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Repisemos o seguinte: proibida a fabricação de imagens para qualquer uso de culto, o homem que teme a Deus não ou­sará mais fazê-las, a não ser que Deus mesmo expressamente o determine, e somente para os casos e fins que êle determi­nar. E êsse foi o caso da serpente de metal e dos querubins. Fora dêsses não há outro, e já se viu que não foram feitos para objeto de culto.

2.°) As imagens são representação que auxiliam a con­centrar a atenção e facilitam o culto.

Responde-se: Essas imagens não representam coisa ne­nhuma. São meras criações da imaginação humana. A prova disso é que, no caso das imagens da Igreja Romana, o mesmo santo é representado sob figuras muito diversas, como acon­tece, por exemplo, com a virgem Maria que hora é loira, hora morena e, às vêzes, até mulata. Além do pecado da idolatria, essas representações constituem uma falta de respeito muito grande. Nenhum de nós gostaria que a pessoa querida de sua própria mãe fosse representada dêsse modo pouco respeitoso. Além disso, o culto só se deve a Deus, a quem não é possível representar de maneira nenhuma. O uso de imagens, portanto, em vez de ajudar, perverte o culto.

3.°) As imagens são usadas como os retratos de famí­lia, e ninguém diz que guardar o retrato de um pai, de uma irmã, de um amigo, é pecado.

E’ verdade e, por isso mesmo, é que o argumento não tem valor nenhum. Porque ninguém fêz com os retratos de família aquilo que faz com as figuras e imagens de santos. Nin­guém se ajoelha diante dêsses retratos, ninguém lhes atribue milagres.

Alguém poderá dizer que a oração é dirigida não a ima­gem, mas ao santo que ela representa.

Na prática não é assim. Antes de tudo convém lembrar que Jesus não mandou, nem autorizou fazer oração a santo ne­nhum; oração é só a Deus e em nome de Cristo.

Na prática vemos carregar determinadas imagens, ti­das como miraculosas, de uma para outra parte. O povo faz peregrinações ao santuário de determinadas imagens. Se o povo em vez de orar à imagem, orasse ao santo, usaria qual­quer imagem do santo, em qualquer lugar, sem as despèsas e o sofrimento de uma viagem muito longa.

Mas, quem observa as imagens do culto romanista, vê logo que não existe entre elas e os retratos de família qualquer analogia. Muitas dessas imagens são grotescas, disformes e não tem a mais remota relação com o suposto original. Além disso não há respeito, onde não há obediência. Ora, os santos que existem mesmo e estão no céu, são pessoas tementes e obedien-

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tes a Deus, e não podem receber com agrado uma homenagem que transgride a lei de Deus.

4.°) As imagens não são para adorar, mas servem para fins pedagógicos, isto é, para o ensino, para ajudar as pessoas menos cultas entender certos mistérios e verdades da revelação.

A prática mostra que não é verdade. As imagens em vez de contribuir para o melhor conhecimento de Deus e suas relações com os homens, o que tem feito é perverter o culto. A prova é que os ignorantes, isto é, os que mais precisam de ensinos é que acabam adorando as imagens.

Mas a Igreja Romana não usa imagem para ensino, em lugar nenhum, em tempo algum. O único uso de imagens que nela vemos é para culto mesmo.

Em conclusão: Há 4 razões fortes para combater o uso das imagens no culto.

a) E’ uma violação da lei de Deus, punida com seve­ridade. Apoc. 21:8.

b) E ’ uma ofensa muito grave contra Deus. Rom. 1 :25.c) E’ uma insensatez. Is. 44:16, 17, 18, 19, 20..d) Produz conseqüências morais e sociais terríveis.

Rom. 1 :28, 29.E’ o que se vê na prática. Não há um país idólatra que

não seja também um país de perdição moral, de decadência social e de muita superstição.

QUESTIONÁRIO:

Que é que Deus proíbe no segundo mandamento? Como é o castigo dos idólatras? Até onde chega a misericórdia de Deus? Onde ficarão os idólatras? Que fazem os idólatras? Rom. 1.23. Que acontece à sabedoria dos idólatras? Rom. 1:22. A quem é que o idólatra honra? Rom. 1:25. Podemos ser indi­ferentes à idolatria? Rom. 1:32. Qual foi o sentimento de Paulo perante a idolatria? At. 17:16. Qual é a diferença en­tre o verdadeiro crente e o idólatra? I Cor. 12:2, 3.

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CAPÍTULO XXV

O DESCANSO DO SENHOR

Leitura: Êxodo 20:8-11 e 23:10-13.Texto Áureo: Marcos 2:27.

“ Desperdicei o tempo e agora é êle quem me consome” , diz Shakespeare.

Na verdade o tempo, tão abstrato, imponderável e mis­terioso, é condição, fator indispensável para o homem alcan­çar outros valores. Ninguém desperdiça tempo sem prejudi- car-se irreparavelmente. Uma das maiores tolices afirmadas por gente de bom senso é: “ Tempo é dinheiro” . Grande to­lice, porque o corpo vale muito mais do que o dinheiro. O di- dinheiro é um valor convencional, depende do homem. O tem­po é um valor absoluto. O homem depende dêle. Dinheiro per­dido, pode ser recuperado, multiplicadamente. O tempo, disse Bach, é o único bem que não se pode possuir duas vêzes.

Destas considerações e de outras que poderíamos acres­centar, transparece imediatamente a importância do quarto mandamento. E’ o mandamento do tempo. Os intérpretes apressados e superficiais vêem no quarto mandamento ape­nas a indicação de um determinado dia santo, e disto fazem grande cabedal. Quero repetir: interpretação superficialís- sima. O mandamento não visa apenas um dia, abrange o tem­po todo do homem. E’ o mandamento do tempo.

Não encontramos na Bíblia uma divisão do ano e do mês, feita por Deus. Êsse encargo Deus o deu aos homens, deixan­do-lhes para isso os movimentos regulares dos astros. Gên. 1:14. Mas não confiou ao homem o privilégio da única divi­são exata do tempo, indispensável ao equilíbrio das relações de homem para homem, e do homem com Deus. Deus estabe­leceu a semana, a semana de sete dias. Repito: o mandamento é uma divisão exata de todo o tempo do homem, em períodos

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regulares de sete dias, e não a simples determinação de um dia santo.

Duas perguntas podem ser provocadas pelo quarto man­damento.

1.°) Porque é que guardamos o domingo e não o sá­bado?

2.°) Que necessidade há de separar uma parte tão grande do tempo, do tempo breve da nossa vida? Em outras palavras: qual é a finalidade do mandamento sabático?

I) P ara responder à primeira pergunta, convém ana­lisar cuidadosamente o quarto mandamento.

a) O mandamento não exige a guarda de um dia por­que êle se chama sábado. O mandamento não exige mesmo a guarda de um determinado dia. O que o quarto mandamento estabelece, como já disse atrás, é a divisão do tempo em perío­dos regulares de sete dias cada um. O mandamento não marca um dia, mas uma semana. Dêsses sete dias o mandamento deixa seis para o homem, para o seu trabalho, suas diversões, seus interêsses individuais, e separa um para o Senhor. A im­portância, pois, do preceito não é um dia da semana chamado sábado, mas a divisão do tempo e a aplicação honesta dos dias, a saber: seis no trabalho e um no descanso.

b) O mandamento não diz em que dia da semana se deve começar a contagem, nem diz que o sétimo dia da sema­na será chamado sábado. A expressão sétimo dia da semana não aparece na Bíblia. O que a Bíblia diz é apenas o seguinte: “ Trabalharás seis dias” . Depois de seis dias, só pode vir um dia — o sétimo. Note-se, porém, que é o sétimo dia da conta­gem e não o sétimo dia calendariado, o sétimo dia da folhinha que, por tradição, se chama sábado.

De acôrdo com a leitura do mandamento, uma pessoa que trabalha quaisquer seis dias e separa, regularmente, o dia que vem depois, a saber, o sétimo da contagem, essa pessoa guarda a letra do mandamento porque divide o seu tempo em períodos regulares de sete dias, dos quais seis emprega no seu serviço e um reserva para o Senhor.

Cabe aqui uma pergunta: Nesse caso, porque é que to­dos somos obrigados a guardar um dia só?

Há duas respostas.Nunca foi possível que tôdas as pessoas, sem excetuar

uma só, pudessem repousar no mesmo dia. P ara muitos guar­darem o mesmo dia é indispensável que alguns façam o seu re­pouso em outro dia. P ara o povo hebreu ir ao templo, ou ao tabernáculo dar culto ao Senhor no dia separado para isso, era indispensável que serventuários e sacerdotes do templo traba­lhassem no sábado. Mat. 12:5. E isso na vida antiga, menos

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complicada, e distâncias curtas percorridas a pé. Hoje, com as distâncias longas e a necessidade de condução, de assistên­cia hospitalar e outras, para que muitos possam aplicar a lei do descanso sabático é preciso que alguns trabalhem nesse dia.

Mas há outra resposta. Se cada pessoa marcasse, arbi­tràriamente, o seu dia de repouso, ninguém poderia observar o descanso, porque resultaria um inevitável desencontro de ati­vidades, de serviço e relações. Tornou-se, pois, necessário re­gulamentar a aplicação do mandamento, marcando para todos um dia só, excetuando, naturalmente, aquêles cujos serviços fôssem indispensáveis nesse dia.

Quando João afirma que Jesus violou o sábado, não es­tava dizendo que Êle quebrou o mandamento. O que Êle esta­va quebrando era a regulamentação mosáica, a regulamenta­ção que permaneceu até a era apostólica. Nessa época, os após­tolos começaram a fazer o repouso no primeiro dia, estabele­cendo uma nova regulamentação do mandamento. Depois da ressurreição de Cristo, os discípulos passaram a reunir-se no primeiro dia da semana. Daí é que data a nova regulamenta­ção. E quem separa seis dias e descansa naquele que vem depois dêsses seis de trabalho, guarda a letra do quarto mandamento. Se êsse dia separado para o descanso fôr o primeiro dia da semana, então será observado a letra do quarto mandamento e a regulamentação apostólica.

c) O mandamento diz explicitamente o seguinte: “ Tra­balharás seis dias. . . O sétimo dia é o sábado. . . ”

E’ preciso lembrar que a palavra sábado, na linguagem do Velho Testamento, não significava o que hoje está signifi­cando, isto é, dia de semana. A palavra sábado é descanso. Qual­quer período separado para descanso do homem, ou da terra, era chamado sábado, ainda que durasse muitos dias. O pri­meiro exemplo é o ano sabático. A linguagem usada é exata­mente a mesma do mandamento que estabelece o dia sabáti­co. Lev. 25:1-7. Em Êxodo 23:10-12, vem juntos o sábado de um ano e o sábado de um dia. Em outras palavras: uma sema­na de anos para a terra, uma semana de dias para o homem. Depois de trabalhar seis anos, o ano que se seguia era necessà- riamente o sétimo, e chamava-se sábado. Havia também um dia anual, o dia da expiação, que podia cair em qualquer dia da semana, porque era o dia do mês sabático. Lev. 16:31 e 23:27-32. Êsse dia era também chamado Sábado, porque nêle o povo era obrigado a cessar o trabalho e descansar. Segue-se, pois, que o vocábulo Sábado, no quarto mandamento, não está indicando um certo dia da semana, porque a Bíblia não é folhi­nha. Está indicando, sim, o dia em que o povo havia de des­

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cansar, após os seis dias da contagem. Êxodo 23 :12, 10 e 31:13-17.

As Escrituras usam mesmo a expressão “ sábados” para indicar êsses períodos de descanso. Acrescente-se ainda que o sábado em que Deus descansou e que vem citado no quarto mandamento, é um sábado que ainda não terminou. Dura des­de o momento em que Deus acabou a criação. Gên. 2:1-3. He­breus 4:1-11.

Concluímos, pois, a exposição dêsse assunto, com o se­guinte resumo.

A letra do quarto mandamento divide o tempo do ho­mem em períodos regulares de sete dias, dos quais seis são para o indivíduo e um para o Senhor. Mas, para que o man­damento fôsse cumprido, era preciso regulamentá-lo. Moisés marcou, então, um determinado dia para ser o dia de descan­so. Desde então, êsse dia ficou sendo chamado sábado. Deus deu a lei, o mandamento, e Moisés fêz a regulamentação. No tempo dos apóstolos foi feita outra regulamentação. Conti­nua o mesmo mandamento, a mesma lei, sem ser mudada, mas com outra regulamentação.

II) Qual a finalidade do dia do sábado?Até aqui tratamos da letra e sua regulamentação. Ago­

ra vamos tratar do espírito. Jesus responde: “ O sábado foi feito para o homem”. Nesse caso, parece haver uma contradi­ção na Bíblia, porque em outros lugares a Bíblia diz que os sábados são do Senhor.

A explicação é simples e preciosa. O têrmo homem pode ser empregado em dois sentidos: pode indicar o indivíduo e pode indicar a raça. Deus concede ao indivíduo seis dias e se­para um para a raça. Deus não tem necessidade do nosso tem­po, Deus é eterno. Mas o homem, o indivíduo não deve nem pode viver só para si, para seus interêsses individuais e ter­renos. Deus, então, divide o tempo de tal maneira, que uma parte seja empregada em benefício da raça. O sábado foi feito para o homem, isto é, para a raça, para defesa, proteção e cul­tivo espiritual da raça. O sétimo dia não pertence ao indiví­duo. Se êle fôr honesto, não gastará consigo mesmo aquilo que é dos outros. Se fôr temente a Deus, observará zelosamente a sua lei, na letra e no espírito. Cuidará de si mesmo material e espiritualmente. Materialmente, durante os seis dias, como diz o mandamento, fazendo tôdas as coisas, para não ser obri­gado a invadir o tempo do Senhor. Cuidará de si, espiritual­mente, no sétimo dia, a fim de que possa estar habilitado a ser uma bênção para o seu semelhante. E’, portanto, o dia do descanso para restauração das fôrças físicas. O homem não

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tem o direito de extenuar-se, porque pertence à raça. Não po­de estragar o que não é seu e tornar-se, depois, uma sobrecar­ga para os outros. E’ o dia do culto. E’ também o dia da assis­tência aos enfermos, aos desamparados, aos presos.

Há quem alegue não ter tempo para a visitação dos en­fermos, aflitos e necessitados. A essa alegação pode-se opor uma pergunta: Que faz então no tempo do Senhor?

O descanso sabático é uma garantia da liberdade indi­vidual daqueles que são obrigados ao trabalho assalariado para viver. Diz o mandamento: “ Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus; não farás nenhuma obra nêle, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu boi, nem o teu jumento, nem animal algum teu, nem o estrangeiro que está dentro de tuas portas; para que o teu servo e a tua serva descansem como tu.” Deut. 5:14.

Vistos o espírito e a letra do mandamento, convém lem­brar que êle é de aplicação universal, no tempo e no espaço. Não há época, nem lugar onde não seja necessário obedecer êsse preceito. Jesus não disse que o sábado foi feito para o judeu, diz coisa muito diferente. “ O sábado foi feito para o homem”. Onde quer que esteja o homem, portanto, é preciso obedecer a êsse mandamento.

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CAPÍTULO XXVI

PROMESSAS E REGULAMENTAÇÃO

Leituras: Êxodo 21-24.Texto Áureo: Rom. 13:9.

A terceira parte do decálogo são seis mandamentos so­bre as relações humanas. Êsses preceitos mostram o grande valor do homem aos olhos de Deus e, por isso mesmo, o gran­de respeito que se lhe deve.

A fim de que não ficasse pairando qualquer dúvida so­bre a interpretação e a aplicação dêsses preceitos, Deus deu a Moisés uma exposição particularizada de todos êles. Encon­tramos essa exposição nos capítulos 21, 22, 23 de Êxodo.

Depois de dados os mandamentos, além de mostrar as­pectos particularizados e aplicação, era preciso também pres­crever as diversas penalidades, não só para que a lei se tornas­se prática, mas também para impedir que os homens exage­rassem o castigo de qualquer transgressão.

Podemos resumir o assunto dêsses capítulos no seguin­te título: “ Respeito ao homem” .

1.°) RESPEITO À VIDA E À INTEGRIDADE FÍSICA

São severas as leis contra o homicídio. A revelação es­tabelece a pena de morte para o homicídio intencional e volun­tário. Êxodo 21:12 e 14. No caso de um homicídio involun­tário, o autor não seria executado pela justiça, mas tinha de fugir para uma cidade de refúgio, porque, se os parentes da vítima o encontrassem, era-lhes permitido matá-lo — tal era o respeito à vida humana que a lei impunha.

A severidade da lei ia mais longe. Punia, sem remis­são, todo o insulto físico, “ ôlho por ôlho, dente por dente” . Os donos de animais eram responsáveis pelos danos que êles causassem a qualquer pessoa. No caso, por exemplo, do ani-

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mal ser bravio, e do seu dono não ter tomado providências para conservá-lo prêso, se êle matasse alguém, o dono pagava com a própria vida o seu desleixo.

Essas e outras medidas mencionadas pormenorizada­mente, tinham o duplo objetivo de mostrar a natureza sagra­da da vida e a obrigação indeclinável de reparar qualquer dano feito contra ela. Nesse ponto a história da Redenção co­meça a mostrar que, depois do pecado cometido, a justiça exi­ge inexoravelmente uma reparação completa. E, portanto, o pecador tem diante de si duas alternativas só: ou recebe o cas­tigo que a justiça exige, ou aceita a reparação cabal que Jesus Cristo ofereceu na cruz em seu lugar, “ ôlho por ôlho, dente por dente” . . .

2.°) RESPEITO À PESSOA.

Vários são os pecados contra a dignidade da pessoa. O falso testemunho, isto é, pecado de língua. Pecado freqüente e quase sempre tratado e tolerado com benevolência. Aparece, muitas vêzes, sob a forma perigosa e maligna da maledicência. Algumas vêzes assume a forma torpe da mentira, por interêsse, por mêdo, ou por vingança. Outras vêzes sob a forma de preva­ricação, nos tribunais. Em qualquer dos casos, êsse pecado atenta contra a dignidade da pessoa humana, e grande a seve­ridade com que as Escrituras condenam. Quando a ofensa das palavras era contra os pais, o castigo era a morte. Êxo­do 21:17. O livro de Provérbios diz que Deus aborrece seis coisas e abomina a sétima. A sétima coisa que Deus abomina é a seguinte: “ O que semeia contendas entre os irmãos” .Prov. 6:19.

Qualquer que seja a condição, o estado, a raça do homem, a Bíblia exige que se respeite a sua pessoa. E menciona vá­rios casos. Assim é que proíbe afligir o estrangeiro, o órfão e a viúva. Por isso, também, proíbe a penhora definitiva, bem como palavras pouco respeitosas para com os magistrados.

Ensinando-nos êsse respeito, a Revelação nos mostra que as distinções econômicas, raciais, de estado civil, ou quaisquer outras, são puramente acidentais. Em todo lugar, e em qualquer condição, o homem apresenta sempre a mesma essência digna de respeito.

S.°) RESPEITO À PROPRIEDADE

A legislação divina mandou punir com todo rigor os atentados contra a propriedade. A reparação, porém, era fei­ta em espécie. O ladrão, em certos casos, tinha de fazer a res­

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tituição total e, em outros, tinha de pagar o dôbro. Em outras palavras, pois, o castigo do roubo era sempre a restituição. Restituído o objeto roubado, e feita a necessária indenização, não havia qualquer outro castigo. Não havia a pena de pri­são. No caso do ladrão não poder pagar, havia uma pena se­veríssima — era vendido pelo furto.

Essa severidade tinha em vista impedir o furto e, além disso, estabelecer a natureza da verdadeira propriedade. Só é próprio aquilo que é legitimamente ganho. Por isso, tam­bém, a verdadeira propriedade é sagrada porque é produto de trabalho e até de sofrimento.

Êsses mandamentos que se referem ao respeito do ho­mem pelo homem, devem ter por base um sentimento mais pro­fundo: temor a Deus, ao Deus invisível, mas presente para di­rigir o seu povo.

Cumpridos os mandamentos, pelo temor ao anjo de Jeová que ia adiante para dirigi-lo, cumpridas seriam também as pro­messas feitas por Deus: vitória sôbre os inimigos, prosperida­de material e bênção para a família.

Nesse ponto a história da Redenção mostra figurada­mente, por meio do povo hebreu, a condição futura da Igreja. Os hebreus teriam de enfrentar inimigos e lutas com êles. O que lhes prometia não era isenção de lutas e trabalhos, mas cer­teza da vitória final. O mesmo se pode dizer da Igreja e do crente em particular. João 16:33.

QUESTIONÁRIO:

Que nome se deu às regulamentações da lei? Que re­gulamentação deu Deus ao quinto mandamento? Qual era o preço da vida? Até onde vai a responsabilidade do homem? Êxodo 21:23. O criminoso pode regatear? Êxodo 21:31. A imprevidência é pecado? Êxodo 21:33. Que restituição tinha de fazer o ladrão? Quem perdia o direito à vida? Quem de­fende os direitos dos desamparados? Que é que cega o homem?

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CAPÍTULO XXVII

DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Leitura: Êxodo 25-27.Texto Âureo: Êxodo 39:32 e 40:34.

“ O homem não vive só de pão, mas de tôda a palavra que sai da bôca de Deus”. Estas palavras distinguem no homem duas form as diferentes de vida: a do corpo, alimentado pelo p ão; a da alma, pela fé na Palavra de Deus. O homem depen­de da terra para o pão do corpo e da Revelação para o sustento da alma. A Revelação lhe traz o ensino de Deus, isto é, diz-lhe o que deve crer acêrca de Deus e os deveres cujo cumprimento Deus requer.

Mas a vida não depende apenas da palavra escrita; de­pende também da comunhão com Deus. A alma não vive sem o contato divino — daí a necessidade do culto. Depois de dar a lei para dirigir a conduta, Deus revelou e estabeleceu os meios pelos quais o povo de Israel lhe devia prestar culto: estabe­lecer a comunhão com Êle e sentir constantemente a sua pre­sença. Deus deu as disposições para a conduta e também as disposições para o culto. Essas disposições eram, em parte, transitórias e em parte, definitivas. Eram transitórias na forma e definitivas no seu conteúdo.

Para se entender bem o que acaba de ser escrito, deve­mos lembrar que o tabernáculo e seus pertences foram as dis­posições dadas por Deus para a celebração do culto.

Êsse tabernáculo foi feito para um povo que estava em trânsito pelo deserto. A sua construção e a sua forma adap­tavam-se às exigências do transporte e das condições em que se encontrava o povo hebreu. Mas êsse tabernáculo, como se verá mais abaixo, tinha um sentido espiritual, um sentido per­manente. Assim , pois, embora digamos que o tabernáculo e os seus pertences eram disposições transitórias do culto, reco­nhecemos, entretanto, que nesse mesmo tabernáculo, bem como

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no culto que nêle havia de ser celebrado, havia um significado permanente.

E’ preciso lembrar que o povo israelita foi chamado, preparado e dirigido para receber os oráculos de Deus. A for­ma do tabernáculo, ou as disposições transitórias do culto, eram apenas para os filhos de Israel, mas o sentido, ou melhor, o conteúdo espiritual dessa forma transitória, era para o mun­do inteiro. São Paulo diz que tôdas aquelas coisas acontece­ram aos filhos de Israel como figuras, e estão escritas para ensino nosso. I Cor. 10:11.

Desde essa época o culto dos filhos de Israel ia centrali­zar-se no tabernáculo. Nas disposições dêsse tabernáculo es­tavam, materialmente, a parte transitória e, figuradamente, os elementos definitivos do culto.

1.°) FIGURA DO VERDADEIROEssa expressão, que se refere ao tabernáculo, é bíbli­

ca. Aparece na carta aos Hebreus 9:24. O tabernáculo dos hebreus, portanto, era um símbolo, uma figura e representava, na sua forma transitória e material, uma realidade superior, viva e eterna.

Que realidade era essa ?A Bíblia vai responder. Antes, porém, de ver a respos­

ta, cumpre dizer que tabernáculo é morada. Aquêle povo, que transitava pelo deserto, morava em tabernáculos. Moisés ti­nha o seu tabernáculo, isto é, a sua morada. Nessa morada é que o povo ia procurá-lo, habitualmente.

E qual era o destino daquele tabernáculo do culto?Respondem as Escrituras: “ Disse o Senhor a Moi­

sés: ali virei e falarei contigo” . Êxodo 25:22. Considerando, pois, que êsse tabernáculo era o lugar onde Deus se manifes­tava e falava aos homens, concluímos que êle era figura do verdadeiro tabernáculo onde Deus se manifesta aos homens.

Vejamos agora, pela Bíblia, qual é êsse verdadeiro taber­náculo. Diz a carta aos Hebreus: “ Cristo não entrou num san­tuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém, no mesmo céu” . Não servia qualquer material por muito precioso que fos­se; só serviria para o tabernáculo o que fôsse dado voluntària- mente pelos filhos de Israel, para êsse fim. Noutro lugar a car­ta aos Hebreus diz que êsse tabernáculo e seus pertences serviam de exemplos e sombras de coisas celestiais. Então, aquêle taber­náculo era uma figura dos céus. O tabernáculo que o Senhor fundou, ou como diz São Paulo, “ Não feito por mãos, eterno nos céus” .

O tabernáculo dos hebreus era portátil e, assim, enquan­to marchavam, ou quando acampavam em qualquer lugar, es­

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tava no meio dêles a figu ra do céu. Não era, porém, uma figura sem realidade, mas uma disposição transitória para a manifesta­ção especial de Deus enquanto não vinha a definitiva. Mais tarde êsse tabernáculo foi para o templo. Jesus deu a entender que êsse templo também era figura, isto é, figu ra dÊle Jesus C risto ; João 2:19-21. E, na realidade, Jesus era Deus entre os homens, e não numa form a transitória, mas definitiva. “ E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” . A verdadeira tradução não é habitou, mas tabernaculou. E o nome que o anjo deu a Jesus Cristo foi “ Deus conosco” . Assim como Jeová se m anifestava no tabernáculo dos filhos de Israel e alí lhes falava, assim tam­bém Deus se manifestou aos homens em Jesus Cristo e lhes falou por meio dÊle. Hebreus 1 :1 .

Aquêle tabernáculo era, portanto, uma figu ra de Jesus Cristo. Mas as figuras da Bíblia são muito ricas e podem re­presentar mais de uma realidade, ou vários aspectos dessa rea­lidade, ao mesmo tempo. São Paulo declara que os crentes são templos do Espírito Santo. De sorte que aquêle tabernáculo, fei­to por mãos humanas, era também uma figu ra histórica do ho­mem em cujo coração Deus se m anifesta e habita. E, assim como os filhos de Israel levavam o tabernáculo da manifestação de Deus para onde quer que marchassem, assim é o homem no qual Deus habita: o céu está dentro dêle.

2.°) MODÊLO C E L E S T E

0 tabernáculo dos filhos de Israel era feito, e nem podia ser de outro modo, de material terreno. Mas o modêlo era ce­leste. Aliás, essa foi a recomendação expressa que Moisés re­cebeu e que lhe foi mandada não só no tocante ao tabernáculo em geral, mas também no que se referiu aos pormenores e per­tences. Êxodo 25:40; 26:30; 27:8. Sim, m atéria da terra e modêlo do céu. E ra uma disposição transitória para o culto, mas, nem porisso, deixava de ser importante e, portanto, não podia ser feita de qualquer maneira, nem segundo o capricho e a invenção dos homens. O modêlo tinha de vir do céu. Isso nos ensina que Deus mesmo deve ditar as leis do culto e dar-nos os métodos pelos quais devemos entrar em comunhão com Êle. Ensina mais o seguinte: Aquêle tabernáculo era uma figu ra transitória para representar o tabernáculo eterno, mas a figu ra que Deus mesmo escolheu. E, se a simples figu ra foi feita con­forme o modêlo celeste, então aquêle outro tabernáculo a que se referiu Sâo Paulo, a saber, o homem, tem de ser feito segundo o modêlo do céu.

Moisés observou pontualmente a ordem para fazer tôdas as coisas do tabernáculo, de acôrdo com aquêle modêlo. Êxodo

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39:32,43; 40:16,19.21,23,25,27,29, e 32. E o resultado foi o seguinte: “ Então a nuvem cobriu a tenda da congregação; e a glória do Senhor encheu o tabernáculo” . Ex. 40:34.

Dessa figura viva se aprende uma lição para o taberná­culo verdadeiro que é o homem, e que Jesus expressou nestas palavras: “ Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para êle, e faremos nêle morada.” João 14:23

3.° MATERIAL TERRENO

O modêlo era celeste, mas a matéria era terrena. Que lição importante: Deus é o Autor, o Criador da matéria e, por­tanto, ela também pode ser modelada de acôrdo com o plano di­vino e até para os fins do culto. Poderíamos até dizer que a matéria, nesse caso, revestiu uma forma espiritual, isto é, do céu.

Entretanto, Deus exigiu certos requisitos para a matéria do tabernáculo: a madeira da arca e das tábuas era madeira muito preciosa. A arca e todos os seus pertences tinham de ser cobertos de ouro puro. Em uma palavra: material do melhor, do mais custoso, material inalterável. Daí uma lição muito instru­tiva - a Deus se deve dar o melhor:- Não só nos tabernáculos materiais onde celebramos o culto, mas principalmente no ta­bernáculo vivo onde desejamos que Êle se manifeste. A matéria é terrena, mas é matéria para receber modelagem celeste. Um escultor não grava as concepções do seu gênio, da sua arte em qualquer material. Escolhe sempre o mais próprio, o mais rico, o mais duradouro. Por isso é que o ouro e a prata são do Senhor. Não o ouro e a prata que os homens trazem nas mãos - êsse tam­bém é dêle — mas o ouro fino e puríssimo dos afetos superiores da nossa natureza.

Mas o tabernáculo, como se disse atrás, é figura do ta­bernáculo humano. Pergunta São Paulo: “ Não sabeis que o nos­so corpo é o templo do Espírito Santo?” Êste nosso corpo é tran­sitório, como transitório era aquêle tabernáculo que Moisés fêz, porque é um corpo animal. São Paulo diz que outro corpo virá, corpo espiritual, revestido de imortalidade — tabernáculo defi­nitivo. I Cor. 15:44, 53. E, para demostração mais clara dessa grande esperança, disse que o modêlo dêsse tabernáculo é aque­le tabernáculo perfeito do corpo glorioso de nosso Senhor Jesus Cristo. I Cor. 15:49. Fil. 3:21

A história da redenção mostra no tabernáculo dos filhos de Israel o esbôço material e histórico do céu onde Deus se ma­nifesta - o céu que é a morada do Altíssimo, onde Jesus entrou como nosso precursor, preparando o nosso caminho; do céu que havia na alma de Jesus Cristo, o tabernáculo vivo e perfeito de

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Deus entre os homens. E, finalmente, do cén que começa aqui mesmo, no coração de cada crente sincero, e dos tabernáculos imortalizados e definitivos que serão os corpos ressurretos, ou transfigurados de todos os crentes.

QUESTIONÁRIO: •• - •/-. *> ,»• ■■ • .;*■ 7 ~ - _ . . , r.*

Que material Deus pediu? Quem foi projetista do taber­náculo? Onde ficavam guardadas as tábuas da lei? De onde é que Deus falava? A que é que Moisés devia prestar atenção? Qual era a côr do véu? Que é que se usava para a iluminação? Quando foi que Deus se manifestou no tabernáculo? Êxodo 40: 34 Porque é que Moisés não podia entrar na tenda ? Êxodo 40 : 35. Quem é que avistava a nuvem e a coluna de fogo no taberná­culo? Êxodo 40:38.

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CAPÍTULO XXVIII

O SACERDÓCIO

Leitura: Êxodo 28-31.Texto Áureo: Heb. 4:14.

Uma das diferenças radicais entre a Igreja Evangélica e a Igreja Romana é a hierarquia sacerdotal. Na Igreja Ro­mana existe o ofício sacerdotal, reservado para um grupo de homens que ficam entre Deus e o povo, e sem os quais, se­gundo êles mesmos pretendem, o povo não se pode chegar a Deus. Na Igreja Evangélica os crentes vão a Deus direta­mente, pela mediação exclusiva de Jesus Cristo, sem quais­quer outros intermediários.

Não vamos concluir, por isso, que o sacerdócio é uma invenção da Igreja Romana. A história da Redenção, no ponto em que a estamos estudando, nos diz quando, por quem e para que foi instituído o sacerdócio. E é o caso de perguntar: Onde está a verdade? Na Igreja Romana com o seu sacerdócio, ou na Igreja Evangélica com o acesso direto a Deus?

Poderíamos dizer, em duas palavras, o seguinte: O sa­cerdócio da Igreja Romana é um anacronismo, isto é, a Igreja Romana continua manter uma instituição que teve o seu pa­pel histórico assinalado pelo próprio Deus, como disposição transitória, até que viesse o sacerdócio real e definitivo de Jesus Cristo. No sacerdócio da Igreja Romana existe uma sombra, um vestígio de uma grande verdade, a rnesma verdade que persiste até o dia de hoje, a verdade expressa no sacerdócio mosáico. Mas êsse sacerdócio romano conserva, desnecessá­ria e usurpadoramente, uma forma transitória que envelheceu e se tornou inútil. Essa é a matéria da lição que vamos estudar.

1.°) UMA INSTITUIÇÃO DIVINADeus mesmo instituiu o sacerdócio, e, quando instituiu,

separou uma classe de homens aos quais concedeu a exclusi­

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vidade do ofício. Êxodo 28:1-3. A carta aos Hebreus declara que qualquer um não pode ser sacerdote. “ E ninguém toma para si esta honra, senão o que é chamado por Deus, como A arão ” . Heb. 5:4

Instituído êsse sacerdócio, ficava interdito a qualquer outra pessoa oferecer sacrifício diretamente a Deus. E Deus puniu, com severidade, tôdas as tentativas feitas por outras pessoas para excercer essa função que Êle reservara exclusi­vamente aos sacerdotes. II Cron. 26: 16-21

O sacerdócio foi instituído por Deus para uma fin ali­dade precisa e também para suprir a mais profunda necessi­dade do homem, a saber, a necessidade da comunhão com Deus.

Qual era a finalidade do sacerdócio?Responde a Bíblia: “ Porque todo o sumo sacerdote, to­

mado dentre os homens, é constituído a favor dos homens nas coisas concernentes a Deus, para que ofereça dons e sacrifí­cios pelos pecados.5’ Heb. 5:1. Por essa passagem ficamos sabendo que, sem sacerdote, ninguém se aproxima de Deus; sem sacerdote o homem nada pode oferecer a Deus. Em re­sumo, sem sacerdote o homem está irremediavelmente sepa­rado de Deus.

Podemos expressar essa verdade com uma velha pa­lavra e a figu ra que ela invoca: O sacerdote, no paganismo, era chamado pontífice, isto é, o que faz a ponte. Sacerdote é o en­genheiro espiritual que liga a margem da humanidade com a margem da divinidade, colocando a ponte sôbre o abismo da separação. No sacerdócio da Igreja Romana se expressa essa verdade vital da Revelação. O êrro é que aquêle seu sacerdócio é apenas uma continuação inútil do sacerdócio judáico, porque o sacerdócio judáieo foi instituído por Deus, como figu ra antecipada do verdadeiro sacerdócio exclusivo de Jesus Cristo. Vindo êsse sacerdote, como veiu, e estando em exercício o seu sacerdócio perfeito, o sacerdócio judáico que o prefigurava, perdeu a razão de s e r : é inútil e usurpador. Êsse é o grande assunto da carta aos Hebreus.

Os sacerdotes judáicos só podiam ser mesmo uma figura do grande sacerdote, Jesus Cristo, o que se pode ver pelas ra­zões abaixo.

a) Eram mortais e, por isso mesmo, o seu sacerdócio era transitório — Hebreus 7:23. Jesus Cristo é diferente: o seu sacerdócio permanece perpetuamente. Heb. 7:23.

b) Eram pecadores. Jesus Cristo era santo, inocente, imaculado e separado dos pecadores. Hebreus 7 :26, 27.

c) Tinham de repetir o seu sacrifício. Jeus Cristo ofereceu um sacrifício só. Hebreus 7 :2 7; 10:12-14.

d) Não entravam no tabernáculo verdadeiro. Na li-

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çao anterior verificamos que o tabernáculo mosáico era umà simples representação histórica do verdadeiro tabernáculo que é o céu. Jesus entrou nêsse tabernáculo. Hebreus 6:20; 9:24.

Além dessas razões tão claras e tão fortes, há também a declaração explícita e formal das Escrituras: “ O Novo Con­certo envelheceu o primeiro. Ora, o que foi tornado velho, e se envelhece, perto está de acabar.” Heb. 8:13.

2.°) NECESSIDADE DO SACERDÓCIO

Como já se disse atrás, o sacerdote é constituído para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados do povo. Isso quer dizer que, depois de pecar, o homem não pode mais se aproxi­mar de Deus sem sacrifício. As Escrituras afirmam essa ver­dade nas seguintes palavras: “ sem derramamento de sangue, não há remissão.” Heb. 9:22

Podemos formular a necessidade do sacrifício e do sa­cerdócio, nas seguintes palavras: o pecado separa o homem de Deus. Para haver uma aproximação é preciso tirar o pecado. Mas a Bíblia ensina que sem sacrifício não se tira pecado. Heb. 9:22. O homem, pois, que se volta para Deus precisa de um intermediário que, em seu lugar, ofereça a Deus os dons e os sacrifícios exigidos para tirar o pecado.

Até o dia em que Deus separou a Aarão e seus filhos, não estava instituído oficialmente o sacerdócio. Nêsse dia Deus o instituiu, não só para ensinar a necessidade do sacrifício, mas também como figura do verdadeiro sacerdócio de Jesus Cristo.

Não é sem razão que os cultos dos filhos de Israel nunca se celebraram sem sacrifício. Pode-se dizer que a essência do culto era o sacrifício, bem como o altar era o dispositivo central do tabernáculo. Em outras palavras: o israelita não celebrava culto sem sacrificar e, instituído o sacerdócio, não podia mais celebrar o culto sem o sacerdócio.

Depois que veiu Jesus Cristo, êsse imperativo do sacri­fício não desapareceu, mas se apresenta sob outras formas: o crente, ou melhor, o cristão não pode prestar culto ao seu Deus, sem sacrifício. E, portanto, não pode prescindir do sa­cerdote. Mas agora é o sacrifício de Cristo, e o sacerdote é Jesus Cristo. O centro do culto cristão é o sacrifício de Jesus Cristo, feito na cruz.

3.°) SÍMBOLOS E PREFIGURAÇÕES DO SACERDÓCIO JUDÁICO

Separada a família sacerdotal, Deus estabeleceu todos os detalhes da apresentação dos sacerdotes. Eram formas tran­

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sitórias, que expressavam um sentimento permanente. Vamos estudar apenas alguns.

a) A lâmina de ouro, com a legenda “ Santidade ao Se­nhor” . A s vestes de linho fino e outros dispositivos para ensi­nar a idéia de santidade.

Sem santidade é impossível agradar a Deus. Mas aque­les sacerdotes não eram santos. Tanto assim, que tinham de oferecer sacrifício pelos seus próprios pecados, diàriamente, Heb. 7 :27. A sua santidade era formal, exterior, simbólica — prefigurava apenas a santidade de Jesus, que vinha de dentro —- verdadeira santidade. O sacerdote hebreu representava; Jesus era a própria santidade.

b) O sacerdote levava sôbre os seus ombros duas pedras com os nomes das tribus de Israel, para memória diante do Senhor. Isto significava que o sacerdote quando comparecia perante o Senhor, em nome dos filhos de Israel, levava sôbre si um pêso muito grande — as pedras estavam nos ombros. Símbolo sugestivo da responsabilidade que Jesus assumiu quan­do resolveu comparecer perante o Pai, em nome do seu povo.

c) O sacerdote hebreu levava sôbre o peito um quadrado, de um palmo de cumprimento, e nesse quadrado doze pedras, em quatro ordens, com os nomes dos filhos de Israel. Diz a Bíblia que assim o sacerdote, quando entrava na presença do Senhor, levava sôbre o seu coração o nome dos filhos de Israel. Outro símbolo sugestivo de Jesus Cristo e seu amor aos homens, pelos quais comparece diante do Pai, onde vive para interceder pelo seu povo. Hebreus 7 :25.

Bastam essas explicações para percebermos que o sacer­dócio hebreu era apenas uma figura, figu ra que passou e, por­tanto, desnecessária no momento presente. O sacerdócio da Igreja Romana é, portanto, inútil.

Terminando, convém dar certo destaque às disposições tomadas para que todos os pertences do santuário e do serviço sacerdotal, desde os vasos e instrumentos, até o óleo e o in­censo, ficassem reservados exclusivamente para o serviço di­vino. Eram objetos santos, isto é, separados só para Deus. Infelizmente, não se observa hoje êsse rigor e zêlo. Coisas con­sagradas ao serviço de Deus são, às vezes, usadas para outros fin s: cânticos, templos e até homens.

Depois de restaurado à perfeita comunhão com Deus o crente, em certo sentido, é também um sacerdote. Foi isso que São Pedro escreveu e que Jesus confirmou no Apocalípese. “ Vós sois a geração eleita, o sacerdócio real” . I Pedro 2:10. “ Jesus, que em seu sangue nos lavou dos nossos pecados, e nos fêz reis e sacerdotes” . Apoc. 1:5 . Depois de salvo pelo sacri­fício de Jesus, o crente recebe o privilégio de sacrificar-se pelo

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serviço do seu Senhor e daqueles à quem consagra a sua vida. Nesse sentido todos os crentes são sacerdotes, sem hierarquia, sem privilégio de casta.

QUESTIONÁRIO:

A quem Deus chamou para o sacerdócio? Os sacerdotes exerciam o seu ofício vestidos de qualquer modo? Que é que estava escrito nas pedras sacerdônicas ? Que é que estava gra­vado na lâmina de ouro ? O bordado é antigo ? Quem escolheu os sacerdotes? Heb. 5:4 Qual é a finalidade do sacerdote? Heb. 5:1 Qual é o sacerdote que convém Heb. 7 :26

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CAPÍTULO XXIX

A QUEBRA DA FIDELIDADE

Leitura: Êxodo 32-34 Texto Áureo: II Tim. 2:12-13

Um dos grandes objetivos da História da Redenção é contrastar a instabilidade do homem com a imutabilidade de Deus: a infidelidade do povo com a fidelidade de Jeová.

Os israelitas exibiram durante a sua longa história a mais completa versatilidade. Eram inconstantes, variavam a cada passo, desanimavam perante qualquer dificuldade, não obs­tante as provas da assistência sobrenatural de Deus, dadas nos grandes acontecimentos do passado. Pior do que isso: eram mur- muradores, inclinados à indisciplina, exigentes, propensos à re­beldia. Lembravam-se, com saudade, de certas vantagens que desfrutavam no Egito, mas não se lembravam do chicote e da sobrecarga de trabalho. Enfim, um retrato vivo e histórico, um retrato perfeito do homem que Deus procura e protege, chama e abençoa; retrato do homem que recebe os benefícios, promete obediência e, na primeira oportunidade, deixa de ser fiel. Sim, um retrato perfeito do homem, por que o homem, infelizmente, é assim mesmo. Só Deus é fiel.

A lição de hoje narra uma das grandes quebras da fide­lidade. Dias antes, o povo havia feito o seguinte compromisso: “ Tudo o que o Senhor tem falado, faremos” . Pretendendo, com isso, observar pontualmente o concêrto que Deus lhes havia pro­posto. Bastou que Moisés se ausentasse por alguns dias, para que êles pusessem de lado um compromisso tão solene e caíssem no culto grosseiro da idolatria. Foi o episódio do bezerro de ouro. O episódio apresenta alguns aspectos de alto relêvo:

1.°) MANIFESTAÇÕES DO ESTADO PECAMINOSO

O pecado aparece mesmo. O pecado não é uma coisa es-

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tranha ao homem, nem externa, mas intrínseca. O pecado nâo é como o micróbio de uma doença grave. O pecado é coisa dife­rente. O pecado é o estado do homem que peca mesmo, sempre e em tôda parte. A análise do episódio do bezerro de ouro com­prova essa verdade e demonstra a realidade do estado pecami­noso do coração humano.

a) O povo. Aparece nêle o perigo de uma inclinação pecaminosa latente, isto é, escondida. Ninguém diria que aquele povo tão pronto para assumir um compromisso solene perante o Sinai, poucos dias depois faltaria ao seu compromisso. Não faltou! A causa disso foi a fôrça de uma inclinação pecamino­sa que estava escondida no coração, esperando a primeira opor­tunidade. O coração é como uma semente: dentro da semente há uma fôrça invisível, imponderável, mas muito poderosa à espera das condições favoráveis ao seu aparecimento. Choveu, e fêz calor, a semente brota, isto é, a fôrça que está dentro dela se manifesta. Assim é o coração. Havendo oportunidade, o que está dentro dêle aparece.

O povo tinha motivo para sentir-se inquieto, talvez can­sado, mas não para ser idólatra. A idolatria já estava no cora­ção, idolatria e outras coisas que apareceram nessa ocasião.

b) Aarão. Durante a ausência de Moisés era êle o guia espiritual do povo, o guardião da fidelidade. Tinha sido o porta-voz das mensagens solenes e severas contra Faraó e en­tretanto, não disse uma palavra contra o pecado do povo. Nin­guém caia, sem consentir, ninguém consente, sem ajudar. Con­sentiu e ajudou. Ninguém deixa de reagir contra o pecado, a não ser que também se encontre em estado pecamino­so. Quando São Paulo chegou em Atenas e viu a idola­tria, reagiu imediatamente. (Atos 17:16 em diante). O mesmo São Paulo declara que o pecado não consiste apenas em prati­car o mal, mas também em consentir que o façam. Mas o estado pecaminoso, em Aarão, aparece de outro modo, isto é, numa forma que caracteriza inconfundivelmente o estado pecamino­so. Quando Moisés chegou e interpelou Aarão, ouviu dêle uma explicação pecaminosa. Mais do que isso, ouviu uma confissão de pecados, mas também uma confissão pecaminosa. Mais uma uma vez se aprende que o homem que se acha em estado pecami­noso, nada faz sem pecado, mesmo quando parece que está fa­zendo o que Deus manda.

Foi Aarão quem pediu ouro para fazer o bezerro, a idéia também foi dêle. O povo apenas lhe tinha pedido um Deus que o dirigisse. Aarão fêz o molde e fundiu o bezerro. Depois fêz um altar diante do bezerro, preparou, animou e dirigiu o culto do ídolo. Com a chegada de Moisés, viu-se apanhado em flagrante. Como não podia mais esconder o seu pecado, confessou. Confes­

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sou, porém, transferindo a responsabilidade para a inclinação pecaminosa do povo. Confissão pecaminosa, porque acusa ter­ceiros e esconde o principal responsável. Mas a confissão de Aarão tem outro aspécto curioso. Era uma confissão explicativa, por isso mesmo incompleta e mentirosa. Para verificar isso é só ler o que êle disse. “ Quem tem ouro, arranque-o; deram-mo, lancei-o no fogo, e saiu êsse bezerro” . Tôda confissão pecamino­sa é assim desde Adão quando se escondeu da presença do Senhor. Adão também confessou assim — escondendo o mais que podia a sua responsabilidade.

c) A indignação pecaminosa. Moisés era grande servo de Deus. Já estava há muitos dias em comunhão com Deus. Rea­giu impetuosamente contra a idolatria do povo e censurou às­peramente seu irmão que consentira na quebra da fidelidade— mas quebrou as táboas da lei — porque, apesar da sua grande consagração ao serviço do Senhor, da sua comunhão com Deus, da sua crescente e visível santificação, ainda trazia consigo al­guma raiz de pecado: não era perfeito. Sua indignação era justa sua censura necessária, sua reação sadia, mas vinha misturada com pecado. Não foi essa a única vez que o grande servo de Deus, que era o homem mais manso da terra, viu brotar do seu coração a semente maligna que estava lá dentro, e que êle vinha combatendo com inteira honestidade. Por um gesto semelhante a êsse, quando bateu com a vara na rocha em vez de lhe falar como lhe mandara o Senhor, Moisés foi repreendido e não pôde entrar na terra da promissão.

0 pecado não perde ocasião. E’ uma fôrça interna pode­rosa que procura espandir-se. Muitas vêzes leva os homens a derrotas muito grandes, em horas de perturbações que o homem não pode evitar. Por isso, a justiça humana é precária, por isso ninguém pode ser juiz em causa própria, por isso é preferível mais brandura que severidade. Porque, muitas vêzes, o zêlo e o rigor vêm misturados com sentimentos de natureza pecamino­sa. Êsse foi o caso de Moisés.

2.°) MANIFESTAÇÕES DA FIDELIDADE E EXTREMOS DA CONSAGRAÇÃO

A infidelidade do pecador dá ocasião a manifestações especiais da fidelidade de Deus. Deus não violou o concêrto. Pa­rece, pois, que perante a infidelidade do povo, Deus não tinha mais obrigação de cumprir as promessas. Entre os homens seria assim porque, entre êles, a infidelidade desobriga da fidelidade. Deus é diferente. Disse o apóstolo: “ Se formos infiéis, êle per­manece fiel; não pode negar-se a si mesmo” . A fidelidade de Deus é absoluta, soberana, não depende da fidelidade do homem.

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Deus é fiel a si mesmo, a seus planos, a suas intenções eternas e não obstante a versatilidade dos homens, cumprirá o seu de­signo. Deus, no caso em aprêço, foi fiel às promessas que fêz a Abrão, a Isac e a Jacó, cujos descendentes ali estavam faltando com a palavra. Deus não falta. Não obstante o pecado do povo, foi longânimo, ouviu a oração de Moisés, prometeu a sua pre­sença constante, escreveu novas táboas, renovou o pacto. Êxodo 32:38.84. Castigou o povo, mas não retirou a sua beneficência, nem anulou o seu concêrto. Salmo 89:30-34.

Nesse ponto aparece, em plena luz, a grandeza moral de Moisés. Percebeu, sem dificuldade, que aquêle pecado poderia acarretar a rejeição do povo. Ofereceu-se, então, como vítima e substituto para receber o castigo, afim de que Deus perdoasse a quebra da fidelidade. Êxodo 32:31-33. Deus não aceitou o ho­locausto mas ouviu o pedido.

A grandeza de Moisés nunca apareceu tão bem, como quando êle se consagrou ao sacrifício de si mesmo, para impedir a rejeição do seu povo. Essa é a verdadeira consagração, pois, como disse São Paulo “ Por um justo pode ser que alguém ouse m orrer... ” Rom. 5:7. Moisés dispos-se a sacrificar-se pelos in­fiéis.

3.°) BENÇÃO DA FIDELIDADE

Diz a carta aos Hebreus que Moisés foi fiel em tôda sua casa. Heb. 3:2. Não obstante às suas imperfeições, Moisés era, de fato, fiel, ao plano de Deus, bem como aos propósitos que des­de cêdo formulara no seu próprio coração. Só a sua fidelidade explica a sua consagração. E não ficou sem recompensa. Vamos mencionar apenas três grandes compensações da sua fidelidade.

a) Uma promessa da presença permanente de Deus. Êxo­do 33:14.

b) Uma manifestação especial e particular da glória de Deus. Êxodo 33:18-23.

c) A transfiguração visível do seu rosto, depois da co­munhão com Deus. Êxodo 34:29.

A lição que acabamos de estudar mostra três coisas im­portantes.

a) A tendência humana para a infidelidade.b) A fidelidade imutável de Deus.c) A vantagem do homem ser fiel.

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Ainda que o homem quebre a fidelidade, Deus cumprirá o seu plano. Mas aquêles que forem fiéis participarão das ale­grias e das boas ações da consumação desse plano.

QUESTIONÁRIO:

O homem pode viver sem religião? Quem fêz o bezerro? Que saiu do fogo? Quem acusou o povo? Quem escreveu as ta- boas da lei? Quando foi que Deus castigou o pecado do povo? O povo gosta de censuras? Quando é que a coluna de nuvem descia? Como é que Deus conhecia a Moisés? Que é que Moisés não sabia?

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CAPÍTULO XX X

EXIGÊNCIAS DA JUSTIÇA

Leitura: Levíticos 1-7 Texto Áureo: Isaias 5§:5

O culto mosaico centralizava-se no altar. Não havia ato de culto sem sacrifício, o que importava em duas noções funda­mentais :

a) O povo estava sempre pecando e, portanto, havia uma permanente necessidade de oferecer uma satisfação à jus­tiça, por meio do sacrifício. Sem isso o homem não podia mesmo se aproximar de Deus.

b) Uma vez cometido o pecado, não se pode mais evitar o sofrimento. A justiça exige a punição do pecador ou de al­guém em lugar dêle. A descrição dos sacrifícios é, por isso mes­mo, pormenorizada, e distingue os diversos erros que podiam ser cometidos e a sua expiação correspondente.

l.o) ERROS EM GERAL

Havia sacrifícios destinados a expiar os erros das pessoas mais responsáveis, bem como os erros coletivos do povo.

a) Erros dos sacerdotes. Os homens designados para ministrar o culto, embora separados pela natureza da sua fun­ção, não deixavam, contudo, de ser homens: estavam sujeitos ao êrro e pecavam mesmo. Por isso, como diz a carta aos He­breus, antes de oferecer sacrifícios pelos pecados do povo, ti­nham de oferecer, diariamente, sacrifícios pelos seus próprios pecados.

b) Vinham, depois, os sacrifícios pelos pecados dos príncipes, porque as autoridades também erram. Não deixa da ser êsse um dos aspectos mais deprimentes da condição humana porque a autoridade a quem incumbe executar o castigo contra

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o pecado, também está sujeita a castigo, porque não deixa de pecar.

c) Erros da sociedade. A lei mosaica previa, com gran­de sabedoria, que a sociedade também peca. Outro aspecto de­primente da condição humana, porque a sociedade humana pune e repele o indivíduo por causa do pecado e, no entanto, ela tam­bém está sujeita ã punição porque peca. Desta maneira a legis­lação mosaica estabeleceu duas coisas.

I) Uma verdade: ninguém está isento de pecado. Nem o sacerdote, nem a autoridade, nem a sociedade, nem o indiví­duo.

II) Um preventivo para sustar a execução inexorável do castigo contra qualquer dessas entidades pecadoras. (Lev.1-4

2.°) PECADOS OCULTOS

Tratava-se, nésse caso, de duas formas de pecado:a) O pecado consciente, mas desconhecido. Em outras

palavras: a única pessoa a saber do pecado é o pecador. Não houve escândalo público, mas o pecador sabe que errou. Às vêzes sabe na hora, às vêzes sabe depois.

b) Pecados de ignorância. E’ impressionante a clareza da lei de Moisés nesse particular. Transgressão da lei, é trans­gressão, haja conhecimento ou não da lei transgredida. O texto chega a ser explícito até êste ponto: “ Se alguma pessoa pecar e obrar contra algum de todos os mandamentos do Senhor, ainda que o não soubesse, contudo será culpada e leverá a sua ini­quidade” .

Para todos êsses casos a lei dispunha de um sacrifício,a fim de que a pessoa que transgridiu a lei ocultamente, ou por ignorância, fôsse perdoada. E para que a ninguém faltasse o recurso do perdão, a lei propunha animais de pequeno porte e custo mínímo, que estivessem ao alcance de qualquer transgres­sor.

O que ficava bem claro é que, depois de pecar, ninguém se livrava da pena. Ou aceitava a expiação que Deus lhe pro­punha, ou sofria ela mesma o castigo, (Lev. 5).

Em consonância com êsse ensino da legislação mosaica está a doutrina do Novo Testamento. A primeira palavra de Cristo na cruz foi: “ Pai, perdôa-lhes, porque não sabem o que fazem”. Ignoravam, mas nem por isso deixavam de ser culpa­dos. Tanto assim que Jesus implorava perdão para êles. E a base dêsse perdão era o sacrifício de Cristo. Sem derramamen­to de sangue não há remissão de pecados.

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3.°) PECADOS VOLUNTÁRIOS

A lei mosaica prescrevia medidas severas contra certas formas especiais de pecado — os chamados pecados voluntá­rios. Nesse caso a pessoa era obrigada a fazer duas coisas: fazer a reparação do mal praticado. Nenhuma pessoa que pre­judicasse os outros podia deixar de oferecer uma reparação perfeitamente justa, e, depois de oferecer essa reparação im­posta pela lei era obrigada a oferecer o sacrifício de um carnei­ro. Desta maneira a lei mosaica fazia distinção entre o dano feito ao homem e a ofensa feita a Deus. E ensinava que, em qualquer pecado contra o homem, há sempre uma ofensa contra Deus.

Os sacrifícios para expiar a culpa obedeciam aos se­guintes requisitos:

a) Eram animais sem mancha, perfeitos. Assim, por meio de um símbolo, o povo aprendia que só o que é perfeito e sem mácula satisfaz a justiça de Deus.

b) A pesaoa que oferecia o sacrifício colocava a sua mão sôbre a cabeça da vítima, para indicar que, embora o sacri­fício fôsse exigido pela lei, o ofertante o fazia voluntariamente. Em outras palavras: Deus oferece no sacrifício de Jesus a re­missão dos pecados dos homens. O sacrifício para essa remissão já foi efetuado, mas é indispensável que o pecador aceite volun­tariamente o meio de remissão que Deus lhe oferece. A vítima, depois de imolada, era queimada para ensinar que, uma vez ofe­recido o sacrifício, a culpa está tirada para sempre. (Lev. 6).

QUESTIONÁRIO

Quem chamou a Moisés na tenda da Congregação ? O que é que se não deve fazer? Quem era obrigado a oferecer um no­vilho sem mancha? Quando é que os anciãos tinham de pôr as mãos sôbre a cabeça do novilho? Os príncipes pecam? O jura­mento era pecado? A ignorância exclui a culpa? Qual era a pena para o pecado voluntário? Feita a expiação o perdão era pleno? Que é necessário para a expiação do pecado?

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CAPÍTULO XXXI

LIMPEZA E SAÚDE

L e itu ra : Levítico 13-15 Texto Á ureo: Hebreus 1 0 :22

A legislação divina dada ao povo israelita, além da sua alta finalidade espiritual extensiva a todos os homens, tinha em vista a formação integral da raça eleita, isto é, a formação do corpo e do espírito.

Não haverá injustiça na eleição de um povo só?Mais de uma resposta se pode dar a essa pergunta.

Vamos dar a mais simples e completa: “ Sm ti serão benditas todas as fam ílias da terra ” . O povo israelita não foi eleito para receber sozinho os benefícios da redenção: foi eleito para ser depositário dos oráculos divinos e transmití-los a tôda humanida­de. Foi um povo sacerdotal. Êxodo 19:6. Jesus disse que a sal­vação vem dos judeus. João 4:22. A revelação foi entregue di­retamente aos judeus. Isaias 2:3. João 1:3 1. Por êsse motivo é que Jesus disse que não tinha sido enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel, e ordenou que seus discípulos, du­rante o tempo em que Êle estava na terra, não ministrassem fora dos têrmos de Israel. E ra ainda o tempo da Revelação, e a Revelação foi feita diretamente aos judeus para que êles, seus depositários originais, a divulgassem depois no mundo inteiro. Mat. 28:19.

Ora, para que êsse povo fôsse capaz de desempenhar tão alta missão histórica, eram indispensáveis duas coisas:

a) Prepará-lo física e mentalmente.b) Fazê-lo viver sob a dispensação sobrenatural da

Providência.Na legislação mosaica, por isso, havia dois elementos

bem distintos:a) O elemento de ordem moral e espiritual aplicável ao

mundo inteiro.

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b) As leis civis que, no caso do povo israelita, e em virtude da sua alta missão histórica, tinham fôrça de lei reli­giosa. Mas, com êsse aspecto se aplicava a êles tão somente.

E’ dessas leis que vamos tratar na presente lição: leis que tinham em vista a preparação física e mental do povo.

Essa legislação mosaica mostra a relação íntima que há entre limpeza e saúde. A falta de limpeza no corpo e na casa é sempre veículo de enfermidade. As impurezas do corpo, dos alimentos e do ambiente são o meio mais favorável para desen­volver os germens das enfermidades perigosas. Hoje, a ciência ensina isso com a sua autoridade. Naquele tempo era preciso que êsses conhecimentos indispensáveis à saúde de uma raça em formação, viessem amparados pela autoridade divina, a fim de que o povo os cumprisse.

Podemos distribuir êsses preceitos em três classes gerais:

1) PRINCÍPIOS HIGIÊNICOS DE ALIMENTAÇÃO. Levítico 11

Os israelitas não podiam comer qualquer espécie de carne. A carne de muitos animais era proibida como causa de impureza. A expressão bíblica é “ animais imundos” . A proibi­ção era tão severa que o homem que tocasse no cadaver dêsses animais era considerado imundo durante certo tempo. Lev. 11:27. Podemos fazer idéia do motivo dessa interdição tão seve­ra, se lembrarmos que entre êsses animais estava, por exemplo, o porco, cuja carne hoje sabemos é muito prejudicial à saúde.

E’ interessante que não havia interdição de nenhum ve­getal.

Parece que o objetivo dessa legislação era ensinar ao homem a importância do alimento — como fator de saúde e re­sistência. O que os hebreus ficaram sabendo, pela Revelação divina, o resto dos homens levou séculos para aprender e até agora há povos que ainda não aprenderam: comem qualquer coisa e de qualquer modo; comem e não se alimentam, por isso, vivem fracos e tendem a desaparecer.

2o) PRINCÍPIOS DE HIGIENE PREVENTIVA CONTRA DOENÇAS. Lev. 13-14

Parece que a enfermidade mais perigosa, na época, era a lepra. Não podemos afirmar se era exatamente a morféia dos nossos dias. Entretanto, era uma enfermidade devastadora, re­pulsiva e contagiosa. Além disso, podia-se confundir com outras enfermidades. Não havia médicos. Não havia, nem podia haver noções de microbiologia — ramo da ciência que apareceu há

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bem pouco tempo. A legislação mosaica, entretanto, estipulava medidas que visavam proteger os sãos contra o perigo do con­tágio desde a segregação do enfêrmo até a destruição das suas roupas, das coisas do seu contato. Lev. 13:48-52. Só muitos séculos depois é que a ciência estabeleceu, pelas suas descober­tas, a necessidade de separar os enfermos de moléstias conta­giosas, e prescreveu regras severas de limpeza para impedir o contágio. A legislação mosáica antecipou de séculos essas pres­crições da ciência.

3o) PRIN CÍPIO S DE H IG IE N E S E X U A L E DE PRO TEÇÃO À M A TE R N ID A D E .

Faz apenas cem anos que o grande Semelweis teve de enfrentar uma tremenda luta para ensinar os médicos do seu tempo que era indispensável lavar as mãos, cuidadosamente, no intervalo dos exames das doentes para impedir o contágio da febre puerperal. A higiene mosaica já estabelecia providências para proteger a mulher que dava à luz, conservando-a inteira­mente separada depois de nascida a criança. Não eram, natural­mente prescrições exatamente iguais às da ciência de hoje, mas não deixavam de salvaguardar as parturientes.

Além dessa medida, havia uma série de recomendações meticulosas sôbre questões de sexo, tanto do homem como da mulher, tôdas tendentes a evitar a promiscuidade e a fa lta de cuidado num dos aspectos mais importantes da vida e da saúde. Qualquer deslise, ou descuido higiênico, exigia completa separa­ção durante pelo menos um dia.

Educado com êsse rigor de princípios higiênicos, o povo hebreu deve ter formado uma mentalidade rigorosamente es­crupulosa sôbre um dos aspectos mais importantes da vida hu­mana. Fêz-se o povo dos profetas, um povo vivaz, isto é, que não desaparece mesmo; um povo de homens inteligentes e luta­dores. E ’ preeiso não esquecer que dos judeus sairam os grandes músicos, os grandes pensadores como Spinoza, Mendelssohn, Einstein e outros. Mas, acima de tudo, o hebreu foi o povo de­signado para, recipiendário e depositário dos oráculos de Deus.

E sta lição tem algumas aplicações práticas para todos os homens e impõe alguns deveres aos crentes.

a) A limpeza do corpo, dos alimentos, da casa, do am­biente, enfim é uma expressão da verdadeira vida religiosa. E ’ um dever imperioso, porque defende o homem da doença e do sofrimento. Á s regras de alimentação dadas aos hebreus podem não ter a mesma importância que os mandamentos referentes à vida espiritual e moral, mas são úteis e necessárias.

Que é o corpo humano?

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Diz a Bíblia que é o templo do Espírito Santo. Logo se percebe a importância capital das prescrições mosaicas de hi­giene e limpeza. Incumbe às nossas igrejas incutir no nosso povo a noção dessa importância e promover assim, pela obser­vância daquilo que a Bíblia e a ciência ensinam a saúde e, com ©la, eondições favoráveis a uma vida espiritual.

QUESTIONÁRIO

Qual era o vegetal imundo? Que peixes era permitido comer? Os hebreus precisavam de muita água? Quanto tempo durava a segurança de uma pessoa que tocasse em cadaver de animal imundo? Quem estabeleceu diferença entre o limpo e o imundo? Que doença grave aparecia entre os hebreus? Quem examinava os enfermos? As roupas do doente eram perigosas? Que ritual cumpria o leproso depois de curado ? Que razão havia para observar êsses preceitos de higiene? Levítico 11:44-45.

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CAPÍTULO XXXII

SANTIDADE E ALEGRIA

LEITURA: Levítico 16-18 e Êxodo 30:17-18 Texto Áureo: Hebreus 12:14

A santidade é para a alma o que a limpeza é para o corpo: fonte de saúde espiritual e, conseqüentemente, de alegria. A lim­peza do corpo, dos alimentos e da casa, além de necessária e be­néfica é também um símbolo: representa a limpeza interior, lim­peza da alma, isto é, santidade.

O objetivo da legislação mosaica era duplo: ensinar há­bitos de limpeza indispensáveis à saúde da raça e criar na mente do povo, por meio dêsses hábitos, a noção da santidade. Assim como um homem deve andar limpo para poder viver na com­panhia dos outros sem o perigo de contrair ou de transmitir en­fermidades, assim também é necessário que o homem se con­serve santo, isto é, moralmente limpo para conviver na socie­dade dos justos e na companhia de Deus.

A idéia primária de santidade contém duas noções: pu­reza e separação para Deus. Podemos reuní-las em uma noção só: aquilo que separamos para Deus tem de ser puro. Essa é a idéia que vamos encontrar através de tôda a Bíblia, tanto nas representações figurativas do Velho Testamento, como no en­sino do Novo: santificar é separar para Deus.

1.°) EXCLUSIVIDADEO que é de Deus é de Deus só. Essa idéia aparece primeiro

nas recomendações referentes às especiarias destinadas ao culto divino. Êxodo 30:22-38. Moisés recebeu do Senhor duas receitas de perfumaria: uma para o óleo que serviria para ungir a tenda da congregação, os utensílios do culto e os sacerdotes; outra era para o incenso que devia ser queimado durante os sacrifícios. Dadas as receitas, veiu a ordem expressa de reservá-las exclusi­vamente para o serviço divino, com a pena de morte para o indi-

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víduo que usasse essa mesma receita para outros fins. Êxodo 30:33-38. Duas lições aprendemos com isso:

a) A santificação tem do ser definitiva. O que se deu a Deus está separado definitivamente para o uso dêle. E’ como diz o texto - “ Não o farei para vós mesmos: santo será para o Senhor” .

Há nessa noção um aspecto superior e particular da san­tificação. Santificar não é apenas purificar, tirar as impurezas separar do pecado; santificar é separar para o serviço de Deus. O pecado virá depois da santificação, se aquêle objeto, ou aquela pessoa for usada para outros fins. Nesse sentido é que Jesus se santificou a si mesmo. João 17:19. Êle não tinha necessidade de purificar-se, porque era santo, Mas separou-se para um ser­viço específico que lhe foi determinado por Deus, a saber, a re­denção dos homens. E depois de separar-se para êsse fim, não podia mais voltar atrás.

b) Deus não admite mistura, nem confusão.Quem lida ou tem trato com perfumes, sabe que êles

têm uma função associativa, isto é, nós associamos o perfume com pessoas, com acontecimentos, com lugares. E quando senti­mos êsse perfume, imediatamente nos lembramos das pessoas, dos acontecimentos e dos lugares associados com êle. Aí está a razão psicológica pela qual Deus interditava o uso profano da perfumaria do santuário. Era preciso que êsses perfumes asso­ciados com os momentos solenes do culto divino, não ficassem também associados com os ambientes e os fatos rotineiros da vida.

Tem havido, recentemente, um descuido lamentável com as coisas reservadas para o culto divino, principalmente com a música. Porque a música tem ainda maior poder associativo que os perfumes. E os hinos cantados em horas de profunda emoção espiritual, são também cantados nas horas folgazans de uma viagem para um pique-nique, ou de uma viagem qual­quer — o que é um grande pecado, porque é uma profanação. O que é do Senhor é do Senhor.

2.°) IMPERATIVO

Os textos da Bíblia são explícitos e as figuras mostram que não há meio têrmo nessa matéria: “ Sêde santos” ; “ Santos sereis” . O motivo dessa exigência imperativa é que Deus é per­feitamente santo e reage, enérgica e necessariamente, contra a falta de santidade. A noção dêsse imperativo aparece não só nas ordens enfáticas de Deus, acima citadas, mas nas figuras, nos símbolos e nas exigências rituais do culto.

a) A pia de cobre entre a tenda da congregação e oaltar.

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Tanto para entrar na tenda, como para se chegarem ao altar, os sacerdotes tinham de lavar-se nessa pia de cobre. E a ordem acrescentava que deviam fazê-lo, para que não mor­ressem.

Que é que se ensina com isso?Uma lição simples e de maior importância: o homem

não pode aparecer diante de Deus no estado em que se encon­tra habitualmente. Há de se santificar primeiro. E, caso ouse comparecer sem a necessária santificação, será punido. Êxodo 30:17-21. A nossa própria experiência demonstra a verdade implacável dessa lição: o estado pecaminoso destrói a felici­dade. Aquêle que se acha em pecado é como os morcegos que fogem da luz: não tolera a presença de Deus, porque essa pre­sença lhe causa indizível sofrimento. O povo israelita sentiu isso a primeira vez que Deus começou a se manifestar. Êxodo 20:18, 19. Foi também isso que Jacó sentiu quando acordou em Bethel. Gen. 28:16, 17. Foi isso que Pedro sentiu na presença de Jesus. Luc. 5:8. Essa reação inevitável da nossa própria natureza é que não devemos de maneira nenhuma ignorar, nem esquecer, a fim de não cairmos na miseranda situação descrita no Apocalipse: “ E diziam aos montes e aos rochedos: caí sôbre nós, e escondei-nos do rosto daquele que está sentado sôbre o trono” . Apoc. 6:15-17.

b) As vestes sacerdotais.O ministrante do sacríficio, como já se viu, não podia

nem entrar no santuário, nem fazer o sacrifício pelo povo, sem as abluções purificadoras. Mas havia outra exigência: tinha de vestir-se com as roupas prescritas pelas ordenações divinas. Eram roupas de linho branco puríssimo.

A santidade não é uma virtude negativa, simples au­sência de pecado. Tem de ser uma expressão positiva de jus­tiça ativa, de obediência à vontade de Deus. Não há meio têr- mo: quando o homem aparece diante de Deus, ou agrada, ou desagrada. Há de apresentar-se com aquilo que Deus já mos­trou que lhe é agradável. E Êle já o declarou: “ Eis aqui o meu Filho amado em quem me comprazo” . Aquelas vestes sacer­dotais representam a justiça de Jesus Cristo, sem a qual não podemos mesmo comparecer diante de Deus, nem para serví-lo; a justiça de Cristo que se faz nossa, pela fé. Aliás, aparecem no Novo Testamento várias declarações que confirmam o que acabamos de dizer.

(I) “ Sem fé é impossível agradar a Deus” — e há uma fé que agrada a Deus: é a fé em Jesús. Há uma justiça sem a qual não poderemos comparecer diante de Deus. Diz São Paulo: “ A justiça de Deus, pela fé em Jesús Cristo” Rom. 3:22

(II) Uma figura do Apocalipse: “ Aconselho-te que de

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mim compres vestidos brancos, para que te vistas e não apareça a vergonha da tua nudez” . Vergonha da nudez foi a primeira coisa que o homem sentiu depois que pecou; nudez que o ame­drontou quando ouviu a voz de Deus soar no jardim, nudez com a qual êle não pôde apresentar-se diante do seu Deus, sem so­frer muito.

Que figura impressionante e magistral da nudez peca­minosa do coração. E é tão insensato o que procura escondê-la, como Adão quando tentou esconder-se de Deus entre as árvores do jardim. Só existe um recurso — a justiça de Cristo, alcan­çada pela fé no seu sangue. As vestes brancas do sacerdote hebreu, sem as quais não podia entrar no santuário, represen­tavam a justiça de Cristo.

c) O sacrifício.A história da redenção mostra que, depois de organizado,

o povo israelita começou um serviço contínuo de sacrifício. Diz o texto que era para expiação do santuário, por causa das im­purezas do filho de Israel e das suas transgressões. O pecado exige castigo e afasta a proteção de Deus. Tornava-se, pois, necessário usar um meio eficaz para tirar o pecado que afastaria inevitàvelmente as bênçãos de Deus. Dizem as Escrituras: “ Sem derramamento de sangue, isto é, sem sacrifício, não há remissão de pecado. A continuidade do sacrifício tinha em vista uma ação contínua de remissão de pecado, para manter a con­tinuidade da proteção divina e da comunhão com Deus. Mas a Carta aos Hebreus também diz que o sangue daqueles animais não podia tirar pecados. Portanto aquêles sacrifícios eram uma figura de sacrifício eficaz de Jesus Cristo. Hebreus 9:7-14.

Aquêles sacrifícios eram quantitativos, renovavam-se atravé? do tempo; eram temporais e, como diz a Carta aos He­breus, não passavam de uma alegoria. O sacrifício de Cristo é qualitativo e efetuou uma eterna redenção, isto é, não há con­tinuidade de sacrifício, mas uma ação, uma eficácia contínua do sacrifício de Jesus Cristo. Porque assim como aquele povo israelita pela condição de sua natureza não podia deixar de pecar, assim também o povo de hoje que crê no evangelho, pela mesma condição da sua natureza decaída, não deixa de pecar. E só a continuidade da eficácia do sacrifício de Jesus Cristo vai operando a remissão do pecado e promovendo a santificação.

Tendo pecado, ninguém mais pode se achar na presença de Deus sem sentir um sofrimento muito grande. Por isso quem peca não pode mais evitar o sofrimento, porque, mais dia menos dia, êle tem de achar-se na presença de Deus. E só há duas al­ternativas: ou sofre o pecador, ou sofre alguém em lugar dêle, isto é, alguém que, assumindo a sua culpa, tenha entrado em lugar dêle e antes dêle na presença de Deus. E’ exatamente isso

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que a Carta aos Hebreus diz de Jesus: “ Porque Cristo não entrouno santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém, no mesmo céu, para agora comparecer por nós perante a face de Deus.” Hebreus 9:24.

A necessidade do sacrifício era tão imperativa para qual­quer homem se aproximar de Deus que os próprios sacerdotes que ministravam não podiam fazer os sacrifícios pelos pecados do povo, sem ter primeiro oferecido um sacrifício pelos seus próprios pecados. E nisso reside a diferença entre o verdadeiro sacerdote que é Jesus Cristo e os sacerdotes hebreus que eram meras alegorias para educação do povo. “ Não necessitava, como os sumos sacerdotes, de oferecer cada dia sacrifícios, primei­ramente por seus próprios pecados, e depois, pelos do povo; por­que isto fêz Êle uma vez oferecendo-se a si mesmo. Porque a lei constitue sumos sacerdotes a homens fracos, mas a palavra do juramento que veiu depois da lei, constitue ao Filho, que pa­ra sempre foi aperfeiçoado.” Heb. 7:27-28. Na presença do Deus Santo ninguém pode entrar sem primeiro tirar o pecado.

A tristeza no mundo foi trazida pelo pecado. A tristeza continua no mundo porque o pecado aí está. O caminho da ale­gria, portanto, é a santificação. Não julguemos, porém, que a santificação não tem preço. A lição que acabamos de estudar mostra duas coisas:

a) Sem santidade não existe alegria verdadeira e du­radoura. Existe, sim, a iminência implacável do sofrimento.

b) Sem sacrifícios de alguém não é possível anular o pecado e sustar as suas temerosas conseqüências. Sem sacrifí­cio não existe recursos para alcançar completa santidade. O preço da felicidade, isto é, o preço da santificação é o sacrifício de Jesus Cristo.

QUESTIONÁRIO:

O cobre é antigo ? Havia perigo de morrer no santuário ? O estatuto da purificação era temporário? Qual era o castigo da profanação? Quem morreu diante do Senhor? Quem apa­recia sôbre o propiciatório? Qual era o primeiro sacrifício? A favor de quem era oferecido o segundo sacrifício? Onde fi­cavam as vestes sacerdotais? Quem é o grande Sumo Sa­cerdote?

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CAPÍTULO XXXIII

LEIS DE HUMANIDADE

Leitura: Levítico 19-21 Texto Áureo: Levítico 19:18

O mal dos fortes é desconhecer as dificuldades dos fra­cos e menosprezá-los. Um povo que se desenvolve, adquirindo uma fibra resistente, pode ignorar as vicissitudes de outros po­vos menos capazes e também ensoberbecer-se a ponto de passar a maltratar os mais fracos. A história de qualquer povo exem­plifica essa verdade, mas o orgulho do povo judeu é a sua melhor demonstração.

Êsse povo que adquiriu, pela disciplina secular da Pro­vidência, as mais altas virtudes raciais, passou a considerar-se incomparavelmente superior aos outros povos, esquecendo-se de que o seu engrandecimento moral e racial era uma bênção dagraça e do favor de Deus.

Mas o orgulho racial não se detém nas atitudes; chega aos atos em que se manifesta a indiferença pelo bem dos outros e aos atos de maldade. Os povos que se envaidecem assim per­dem o senso de humanidade. Não foi por falta de previsão divina que o povo judeu chegou a êsse estado de envaidecimento racial. Na previsão dêsse pecado de desumanidade Jeová fêz sentir aos filhos de Israel que não havia nêles nenhuma virtude especial que os colocasse acima dos outros povos. Deu-lhes também leis destinadas a educá-los num largo e profundo espírito de huma­nidade. A lição de hoje é uma simples menção expositiva dessas leis humanitárias.

1.°) LEIS DE AMPARO Ã POBREZA

Era preciso que o rico, o homem agasalhado e forte, não se esquecesse dos aflitos e desamparados. Muitas podem ser as causas da pobreza: às vêzes, é a vadiagem. Pode ser também

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a doença, a incapacidade física, a falta de trabalho, a viuvez, etc. E todos os pobres são humanos. Na sua grande miseri­córdia e sabedoria, Deus ditou leis para amparar essa pobreza.

a) Leis agrárias. O lavrador não podia colher tudo, mas tinha de deixar espigas, bagas de uva e de oliveira — sobejos da sua fartura — para os pobres recolherem. Não era uma esmola humilhante, dada ocasionalmente ao pobre que men­digasse à porta; era o direito garantido por uma lei divina de ir ao campo e recolher com o seu trabalho, sem quebra da sua dig­nidade, o que sobejava de uma seara que Deus tinha abençoado. Levítico 19 :9-10.

b) Leis do trabalho. Visavam a proteção do traba­lhador que vivia do trabalho diário. Uma das maiores iniqui- dades é protelar indefinidamente o pagamento do diarista, do homem que depende do salário para atender às exigências da sua fome e da fome de seus filhos. E’ um crime de lesa huma­nidade. Êsse crime vem sendo praticado e tolerado no nosso meio social. Há quem chegue a lucrar juros dessa delonga cri­minosa. A lei de Moisés, tão antiga, interditava êsse crime. Levíticos 19:13.

Além de garantir a paga do salário, a lei interditava tôda e qualquer opressão que visasse explorar o trabalho e a necessi­dade do jornaleiro. Essa lei protegia, tanto o trabalhador isra­elita, como o estrangeiro. Já sabemos que, infelizmente, os is­raelitas nem sempre observaram essas leis tão sábias e tão hu­manas. De certo, foi a êles que Tiago dirigiu estas palavras de aviso e censura: “ Eia pois agora, vós, ricos, chorai e pran­teai,. . . Eis que o jornal dos trabalhadores que ceifaram as vos­sas terras e que por vós foi diminuído, clama; e os clamores dos que ceifaram entraram nos ouvidos do Senhor dos Exércitos.” Tiago 5:1-4. Jeremias 22:18.

2.°) LEIS PARA A DEFESA DA PESSOA HUMANA

Era preciso que os hebreus vissem acima dos bens ma­teriais outros valores mais importantes, e aprendessem a res­peitá-los. Daí uma série de preceitos para defender, no indiví­duo, aquilo que lhe dá valor real, a saber, a sua própria essência humana: Pobreza, pecado e outras circunstâncias que inferiori­zam o homem, são meios circunstanciais que não atingem a es­sência da sua natureza. Pecado não é apenas aquilo que destroi os bens materiais da vida; pecado é tudo quanto pode danificar o homem diretamente.

Já naquele tempo se tornavam necessárias medidas para proteger as pessoas de idade avançada. O que hoje se tornou coisa comum — faltar com o respeito aos velhos — já naquele

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tempo tinha sido interditado severamente pela Palavra de Deus.a) Preceitos sôbre a língua. Os pecados de língua apa­

recem em duas formas distintas. A primeira que podemos cha­mar positiva: a mentira, a falsidade e a maledicência. Notável é a figura que a Bíblia emprega para mostrar a torpeza da ma­ledicência: “ Não amaldiçoarás o surdo, nem porás tropêço dian­te do cego” . Censurar, acusar, ou criticar alguém na sua ausên­cia, é o mesmo que amaldiçoar uma pessoa que não pode ouvir e que, portanto, não pode se defender. Nessa forma positiva es­tava incluída a delação a a intriga.

A outra forma que podemos chamar negativa, é o silêncio pecaminoso diante dos erros do próximo. Lev. 19:17. As Escri­turas impõem ao homem o dever espinhoso e dificíl de chamar a atenção do seu próximo para os erros que êle esteja cometendo.

b) Preceitos sôbre o exercício da justiça.Uma das coisas mais difíceis é justamente aplicar a jus­

tiça. E’ mais fácil aplicá-la contra os pequeninos e, às vêzes, a sensibilidade, ou melhor, o sentimentalismo impede a sua perfei­ta execução. O preceito bíblico abrange ambos os aspetos. “ Não aceitarás o pobre, nem respeitarás o grande. Tôda a injustiça constitue ofensa à dignidade humana. O exercício da justiça não era exigido apenas no tribunal, mas também no negócio. Leví­tico 19:35, 36.

c) Preceitos de moralidade. Eram vários. Todos êles tendentes a fazer respeitar a dignidade da mulher e também a moral da família. Para todos êsses delitos havia penas severas, inclusive a de morte, em certos casos. Lev. 20.

3.°) LEIS DE AMPARO AOS SACERDOTES.

Essas leis visavam, primeiro, a seleção dos homens, de modo que o sacerdote, física, social e moralmente, fôsse um tipo representativo e respeitável de homem e, também a lei ro­deá-los de garantias, para que não lhes faltasse a subsistência. Levíticos 21.

Essas leis que acabamos de estudar foram promulgadas para que tôdas as classes sociais, bem como quaisquer indivíduos nelas integrados, fôssem respeitados e se fizessem respeitar como sêres humanos.

Muitas vêzes, as circunstâncias materiais ou sociais, co­mo a pobreza ou a deformidade física, podem levar o homem a perder o senso do seu valor, se êle não for tratado com sufi­ciente humanidade. E não há homem mais perigoso do que aquêle que chegou a perder o senso do seu valor.

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QUESTIONÁRIO:

Qual é a razão da santidade no homem? A quem deve o homem temer? Para onde é proibido virar-se uma pessoa? Como deve ser o sacrifício? O que é que se não deve guardar até o dia seguinte ? Como o israelita devia amar o seu próximo ? Desde que ano em diante era lícito colher o fruto das árvores? Que é que era proibido arredondar? Que é que devia ser tra­tado como natural? Qual o motivo pelo qual se tornava neces­sário observar todos os mandamentos?

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CAPÍTULO XXXIV

ORDEM PARA CULTO E GOVÊRNO

Leitura: Números 1-4 Texto Áureo :l-Cor. 14:40

A vida interior, isto é, uma verdadeira vida religiosa reflete-se, necessàriamente, na vida exterior.

A história da redenção mostra que um dos cuidados de Moisés, e por determinação de Deus, foi pôr em ordem o povo que êle estava dirigindo. Os primeiros capítulos de Números tratam exatamente da organização do povo.

Convém lembrar aqui uma verdade fundamental da Reve­lação: Deus é Deus de paz. Paulo disse isso numa ocasião em que recomendava aos coríntios o dever de manter a ordem no culto divino. Com efeito, um dos fatores da paz é a ordem. A desordem provoca desentendimentos, atritos, irritações e acaba mesmo pertubando a paz. A primeira referência ao Espírito de Deus, feita na Bíblia, vem depois da descrição da terra: “ Sem forma e vazia” , isto é, em desordem. Diz o texto que o Espírito de Deus pairava sôbre a face das águas. Para que? A leitura do primeiro capítulo de Genésis responde: para pôr em ordem e organizar. Considerando isso, podemos perceber a impor­tância do trabalho de Moisés quando organizou o povo. Havia, naturalmente, vários objetivos nessa organização.

1°) A CONTAGEM E NUMERAÇÃO DO POVO (Números 1)

Tinha em vista dar ao povo um conhecimento exato de si mesmo, seu poder ofensivo. Até então haveria, talvez, uma estimativa aproximada que podia ser exagerada ou depreciada, conforme o pessimismo ou otimismo do momento. Era neces­sário que o povo tivesse um conhecimento exato. Foram, pois, contados todos os homens de guerra, e o número dêles alcançou

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603.550. Não foi apenas uma contagem numérica, mas nome por nome. (Números 1 :17). E aí se aprende que a Bíblia sem­pre deu valor pessoal ao indivíduo. O homem não era apenas uma unidade combativa: era uma pessoa.

Uma vez que o povo tivesse conhecimento exato de sua capacidade ofensiva, dispuha também de uma escala para cal­cular com. exatidão a sua maior ou menor necessidade do au­xílio de Deus, para fazer frente aos inimigos que aparecessem. Por essa escala ia ficar sabendo que, embora os seus soldados combatessem valorosamente, a vitória era devida mais ao au­xílio de Deus, do que ao valor dos soldados. (Deut. 8:17-18)

2.°) A DISPOSIÇÃO DAS TRIBUS NO ARRAIAL E A ORDEM DE MARCHA

Outra coisa que se tornou indispensável foi organizar o povo para acampar-se e também para viajar. Não é difícil re­conhecer a necessidade dessa organização para disciplina, para higiene e, principalmente, para o trabalho. Moisés tratou de aplicar esta regra sábia: Um lugar para cada homem, e cada homem no seu lugar. Embora estivessem no deserto, os filhos de Israel não eram uma orda de aventureiros. Em vez disso, apre­sentava o aspecto de um povo, de uma enorme cidade, ainda que habitassem em tendas.

Deus é o autor da ordem e da disciplina. Também não há garantia nenhuma de sossêgo onde cada um faz o que quer, •sem qualquer atenção ao lugar e sossêgo dos outros.

Essa disposição ordenada, não só facilitava o trabalho, mas também fazia com que as marchas se processassem regu­larmente, sem desperdício de tempo e energia. Ainda que não pareça, essa ordem e essa disciplina são revelações de caráter e expressões de vida religiosa.

Tomadas essas disposições, e também porque cada tribu tinha junto de si o seu próprio exército, Moisés podia movi­mentar o povo para viajar, e sabia onde estava situada cada unidade de combate, a fim de deslocá-la para o ponto necessá­rio no caso de necessidade.

Aprendemos aí uma lição de grande utilidade: não basta crescer, não basta multiplicar as unidades, é preciso também saber dispô-las em ordem para não desperdiçar a fôrça.

3.°) DISTRIBUIÇÃO DO TRABALHO (Números 1:47-54 e 3-4)

Os levitas não foram contados entre os combatentes. Competia-lhes um outro trabalho: cuidar do tabernáculo, bem

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como de todos os seus pertences e do seu transporte. Os filhos de Aarão ficaram reservados para o serviço do santuário. E’ no­tável que, além de separar as trihus de Levi e os filhos de Aarão, Moisés, por ordem divina, determinou a tarefa de cada um. As­sim, por exemplo, os koatitas ficaram encarregados da arca, da mesa, dos castiçais, dos altares e vasos do santuário. Os me- raritas ficaram encarregados das taboas do tabernáculo, seus varais, suas colunas, etc. E assim cada levita tinha a sua tarefa específica. Onde havia tanto trabalho, com tantos detalhes por­menorizados — serviço do sacrifício, montagem, transporte e desmontagem do tabernáculo — era preciso que cada pessoa tivesse a sua tarefa assim bem demarcada para não haver con­fusão, atritos ou atraso.

Não deixa de ser admirável o quadro apresentado por um povo, que se desloca pelo deserto levando consigo seu riquís­simo e suntuoso santuário em perfeita ordem e sem nenhum atraso. Há nêsse fato também uma linda figura da Igreja: São Paulo, escrevendo aos coríntios, mostrou que o Espírito Santo distribui os dons particularmente a cada um, como quer. Isto é, êle procede com a Igreja, como Moisés procedeu com o povo no deserto (I Cor. 12:1-11). Entre os filhos de Israel os levitas não tinham todos a mesma tarefa: alguns ficaram encarrega­dos até de tarefas bastante humildes. Cada um, porém, ficava no seu lugar e cumpria pontualmente o seu dever. E’ o que, muitas vêzes, faz falta na Igreja. A humildade das tarefas, po­rém, não dcpreeia o homem, porque tôdas são igualmente ne­cessárias. Essa é a grande lição figurada na distribuição que Moisés fêz e que São Paulo ensinou, quando escreveu, ao co- rintios: “ Os membros do corpo que parecem ser os mais fracos, são necessários” (I Cor. 12:22)

Além dessas disposições havia outras que tinham em vista o saneamento higiênico e moral do acampamento. O le­proso e as pessoas que se contaminassem de qualquer maneira tinham de ficar fora do arraial. A razão dada era de ordem re­ligiosa, mas a finalidade, percebe-se bem, era proteger o povo de tôda e qualquer contaminação perigosa.

Além de outras aplicações desta lição há uma que convém destacar: a Deus não agrada a desordem e a confusão, porque é exatamente por meio da confusão que o tentador desnorteia e desvia as almas. E’ por meio da desordem que êle irrita e faz errar os homens. Cuidar da ordem, dissipar a confusão, dispôr cada coisa no seu lugar próprio, é trazer para a vida material uma das perfeições admiráveis de Deus.

QUESTIONÁRIOEm que mês Deus falou a Moisés no deserto de Sinai?

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Qual era a idade para um homem ir a guerra? Porque é que os levitas não foram contados? Onde os filhos de Israel deviam assentar as suas tendas? Que acontecia ao estranho que fôsse armar o tabernáculo? Como é que os filhos de Israel marcha­vam? Quem era Itamar? De quem eram os levitas? Com que idade o levita podia servir no santuário? Quantos eram o» levitas?

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CAPÍTULO XXXV

O POVO DIRIGIDO

Leitura: Números 9-12 Texto Áureo: Josué 1 :9

Um dos aspectos mais interessantes da peregrinação is­raelita pelo deserto era a coluna de nuvem, de dia, e a coluna de fogo, de noite. A coluna, como já disse em outra lição, era um sinal visível da presença contínua de Deus, da sua proteção e o instrumento para dirigir o povo. O povo hebreu era um povo dirigido. Por muito simples que pareça esse fato, êle é de gran­de importância. Durante 40 anos, como Abraão no passado, êle perambulou sem lugar fixo. Essa vida errante foi uma prefi­guração da existência histórica do povo judeu após a destruição de Jerusalém. Mas, além disso, é uma figura da verdadeira Igre­ja, que não tem sede fixada em qualquer lugar, e que mantém a sua unidade por meio da direção única do Supremo Pastor que é Jesus Cristo (João 10:16)

Há várias lições sugeridas pela coluna que acompanhou os israelitas no deserto.

1.°) UM SINAL ADEQUADO Êxodo 13:20-22Nuvem de dia , fogo de noite. Por isso era bem visível.

O israelita que desejasse obedecer a direção divina, tinha ao alcance dos olhos um sinal inconfundível. Fôsse de noite, fôsse de dia, lá estava aquela impressionante manifestação da pre­sença de Deus. O povo sabia que não estava sozinho, desprote­gido, largado ao acaso. O Deus onipresente manifestava ao povo escolhido a sua presença invisível, com um sinal que se adaptava a tôdas as horas e circustâncias. Se aquêle sinal desaparecesse, o povo poderia ficar desnorteado e desesperado, não porque Deus deixasse de estar presente, pois é sabido que Deus está em tôda a parte, mas se a nuvem desaparecesse seria sinal de que Deus manifestava o seu desagrado e se negava a dirigir o povo.

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2.°) UM SINAL COLETIVO Êxodo 40:86-38Não era um sinal particular para os chefes do povo, nem

reservado à classe sacerdotal. Diz o texto que, de contínuo, a nuvem estava perante os olhos dos filhos de Israel. Moisés dava as ordens, mas embora êle fôsse o grande profeta de Deus, os filhos de Israel não caminhavam enquanto a nuvem não se le­vantasse para dizer-lhes que Deus estava mandando partir.

E’ interessante a expressão usada pelo escritor bíblico: “ sempre que a nuvem se alçava, os filhos de Israel partiam; onde a nuvem parava, aí assentavam o seu arraial; segundo o dito do Senhor partiam e, segundo o dito do Senhor, paravam” (Números 9:17, 18). De sorte que a coluna era a forma de lin­guagem que Deus usava para se dirigir ao povo todo, numa ordem só, a fim de que não houvesse engano possível.

A nuvem, nesse caso e nesse aspecto, era uma figura da Revelação. Porque a Revelação de Deus é sempre de caráter geral, ou coletivo, isto é, para o povo todo. Deus ilumina, par­ticularmente um ou mais indivíduos, mas a Revelação é sempre para o homem em geral.

3.°) UM SINAL INSUBSTITUÍVELA coluna dissipava tôdas as dúvidas de qualquer israeli­

ta, sôbre a direção que era necessário tomar. Não havia con­fusão possível. Embora Moisés lá estivesse, e fôsse o profeta, Deus falava diretamente ao povo para indicar-lhe a direção da jornada e o lugar do arraial. Como hoje, embora haja minis­tros e pregadores, Deus fala ao crente é pela Bíblia, de modo direto.

4.°) SINAL DE APROVAÇÃO OU REPROVAÇÃOPor aquela coluna o povo ficava sabendo se Deus se agra­

dava ou não se agradava da sua conduta. Quando Moisés aca­bou o tabernáculo, o sinal da aprovação de Deus foi a nuvem que desceu e cobriu o tabernáculo. Quando Miriam e Aarão se febelaram contra Moisés, o sinal da reprovação divina foi tam­bém a nuvem que se retirou do tabernáculo. Era também sinal de proteção: de noite a coluna de fogo afugentava os animais perigosos, e, de dia, a coluna de nuvem ficava sôbre os filhos de Israel para protegê-los do sol. Êsse fenômeno que não tem ex­plicação natural, durou até à entrada dos israelitas na terra da promissão. E, segundo a interpretação paulina, era uma figu­ra do batismo. O que é bem claro é que era um fato muito im­pressionante e era de se esperar que sendo guiados dessa forma sobrenatural, os israelitas não cometessem deslises e nem erros. Já vimos, entretanto, que não foi assim. No trecho que ora

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estudamos aparecem alguns dêsses erros que perturbaram a or­dem e disciplina do povo.

a) Rebelião na retaguarda. Números 11:1O incidente é interessantíssimo e instrutivo. O povo quei­

xou-se e isso pareceu mau aos ouvidos do Senhor. Então veiu fogo do céu e consumiu os que estavam na última parte do ar­raial.

Porque será que o castigo atinguiu só a retaguarda?De certo porque aii se concentrava a resistência: lá es­

tavam os pessimistas, os descontentes, enfim aquêles que, cheios de má-vontade, iam se deixando ficar para atrás. Os otimistas, de certo, estavam na vanguarda. Sempre foi assim e será.

b) A insinuação dos estranhos. Números: 11:4Diz a Bíblia que os filhos de Israel tornaram a chorar,

porque não tinham carne para comer. E acrescenta que o de­sejo de carne foi provocado pelo vulgo que estava no meio dêles. Pergunta-se: que vulgo era êsse? Em Êxodo 12:38 se diz que saiu com os israelitas uma grande mistura de gente. A murmu­ração do povo, nesse caso, foi provocada pela má companhia que êles traziam consigo. Nessa ocasião êles se lembraram dos manjares do Egito e, esquecidos da natureza do cativeiro, che­garam a dizer que comiam tudo isso de graça.

Apesar das repetidas demonstrações do poder de Deus, êles puseram em dúvida a possibilidade de Êle lhes dar carne no deserto. O próprio Moisés chegou a participar dessa increduli­dade (Números 11:21-22). Deus, por;m, mostrou que podia prover aquêle povo de carne abundante, lançando mão de um recurso natural — o vento que trouxe as codornizes do deserto. O povo insofridamente colheu as aves e, quando estava satis­fazendo o seu desejo, veiu o castigo e muitos dêles pereceram.

Qual a razão dêsse castigo?A concupiscência, isto é, o povo não estava passando

fome, tinha alimento abundante e nutritivo. Era natural que ti­vesse desejo de comer carne, mas era pecaminoso que fizesse dêsse desejo insatisfeito o motivo para se lamentar e murmurar contra Deus. Dessa murmuração resultou uma medida nova: Deus escolheu uma espécie de tribunal. Foi essa, talvez, a ori­gem do Sinédrio.

c) O ciúme dos irmãos. Há sentimentos guardados no coração que, mais hora menos hora, aparecem mesmo. Miriam e Aarão, irmãos de Moisés ressentiam-se, talvez, da supremacia que o irmão desfrutava. Na primeira oportunidade êsse ressen­timento recalcado apareceu. O pretexto foi o casamento de Moi­sés com uma mulher cushita. Talvez fôsse justificável, pelo menos em parte, uma certa reação dos dois irmãos. O que não tinha razão de ser foi o que êles disseram: “ Porventura falou

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o Senhor sòmente por Moisés? Não falou também por nós?” Era, talvez, razoável a reação contra o casamento do grande pro­feta naquela idade e com aquela mulher. Mas o que apareceu não tinha relação nenhuma com o fato — mero ressentimento que estava recalcado há muito tempo no coração. Em geral é assim: a reação legítima contra um êrro serve apenas de pre­texto para a manifestação de sentimentos inconfessáveis e pe­caminosos alimentados secretamente.

A justiça de Deus não se fêz esperar. Veiu a censura dos dois irmãos, a defesa de Moisés e o castigo de Miriam, que ficou leprosa durante sete dias.

Estes acontecimentos ilustram a história da Igreja e a carreira cristã onde, apesar de uma influência constante da Pro­vidência, aparecem freqüentemente alternativas de obediência e rebelião, de fé e incredulidade.

QUESTIONÁRIO:

Em que dia a nuvem cobriu o tabernáculo? Quando é que os israelitas acampavam? De que é que os israelitas se guar­davam ? Em que dia partiram do deserto de Sinai ? Quem par­tiu em primeiro lugar? Como se chamava o sogro de Moisés? Que dizia Moisés quando assentavam o arraial? Qual foi o cas­tigo em Taberah? O que é que Moisés não podia fazer sozinho? O que é que Moisés disse que seria bom?

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CAPÍTULO XXXVI

INCREDULIDADE E DERROTA

Leitura: Números 13-14 Texto Áureo: Hebreus 3:12 e 19

“ Não sejas incrédulo, mas crente” , disse Nosso Senhor Jesus Cristo a Tomé, que recusava aceitar o testemunho dos condiscípulos sôbre o fato da ressurreição. E, após a rendição do discípulo, acrescentou: “ Bemaventurado os que não viram e creram” . Há, portanto, maior bemaventurança em crer sem verificar como Tomé verificou. E deve, portanto, haver enor­me desventura em não crer. E há mesmo. A incredulidade é o grande pecado e causa de males irremediáveis. A carta aos Hebreus diz que muitos israelitas não puderam entrar na terra da promissão por causa da incredulidade. Hebreus 3:19.

A lição que hoje vamos estudar trata exatamente dêsses israelitas incrédulos. E’ um dos episódios decisivos no destino de uma geração inteira.

A incredulidade arrastou-os a uma vida errante, que durou quarenta anos, e vedou-lhes a entrada na terra prometi­da. O povo tinha chegado em Cades-barnea, no deserto de Pa- ran. Estavam às portas da terra prometida, e receberam ordem para conquistá-la, mas, em vez de atender à ordem, quiseram ve­rificar primeiro o que havia na terra prometida. Deus permi­tiu que fizessem o exame. Da verificação resultaram dois rela­tórios: um otimista, outro pessimista. O povo adotou o rela­tório dos pessimistas e manifestou, assim, a sua incredulidade.

Além do seu valor histórico, êsse episódio apresenta uma série de lições muito instrutivas sôbre a incredulidade em todos os tempos.

1.°) MANIFESTAÇÕES DA INCREDULIDADEA incredulidade se manifesta uniformemente no momen­

to em que Deus exige do homem decisão, trabalho, luta, des-

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prendimentn e renúncia para apropriar-se' das bênçãos con­tidas nas promessas divinas. Foi assim que a incredulidade se manifestou no episódio que estamos estudando.

a) Os israelitas começaram por exagerar as dificul­dades que teriam de vencer para possuir aquela terra. Exage­raram a ponto de infamar a terra. Exageraram o tamanho dos gigantes e a inexpugnabilidade das fortalezas. Porque a incredu­lidade sempre exagera os problemas, as dúvidas, os sofrimen­tos e tudo aquilo que procura alegar para não fazer o que Deus está mandando.

b) Contradição. A incredulidade é contraditória. Os homens que foram espiar a terra de Canaan, disseram que a terra era boa, farta, tão boa e tão farta que os seus habitantes eram desenvolvidos e fortíssimos. E, entretanto, para impugnar o testemunho de Caleb, o otimista, afirmaram que essa mesma terra consumia os seus moradores. Números 13:32

c) Pessimismo. Exageradamente otimista, quando quer satisfazer alguma exigência do prazer, o incrédulo torna-se rapi­damente pessimista diante das exigências naturais do imperativo do dever. Só vê e só alega as dificuldades do empreendimento. Os israelitas em Cades procederam exatamente assim. Alí estava pe­rante os seus olhos a prova da fertilidade da terra; o seu passado estava repleto de fatos atestadores do auxílio onipotente de Deus. Não tiveram olhos para qualquer dêsses elementos animadores da sua esperança; só tiveram olhos para ver as dificuldades. Por­que o pessimismo só vê as dificuldades. Movido por êsse pessi­mismo, filho da incredulidade, os israelitas cometeram grandes desatinos. Falaram contra Deus, insultaram a Moisés e ten­taram mesmo apedrejá-lo, com Aarão Josué e Caleb, e resol­veram voltar para o Egito. Porque a incredulidade sempre con­duz o homem para trás, para aquilo que êle voluntáriamente já tinha rejeitado e condenado como mal.

2.°) RAIZ DA INCREDULIDADEOnde estaria a causa dessa irredutível incredulidade dos

filhos de Israel? Não seria o produto das circuntâncias difi­cílimas em que êles se encontravam?

Não. Nem tão pouco era fruto da experiência, porque desde a sua partida do Egito até aquêle momento, tudo quanto lhes acontecera era próprio para excitar e desenvolver a fé, e não para provocar a incredulidade. A carta aos Hebreus, que se refere a êsse incidente, mostra onde estava a raiz dessa incre­dulidade. Estava no coração dêles; no coração endurecido e obs­tinado — coração cheio de incredulidade, propenso para se afas­tar de Deus. Heb. 3:8 e 12. A causa íntima da incredulidade, portanto, é a tendência para afastar-se de Deus.

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E porque será que surge essa inclinação para afastar-se de Deus?

E\ ainda, a carta aos Hebreus que responde: O homem prefere fazer o que lhe apraz, em lugar daquilo que Deus lhe manda; Entre os seus caminhos e os caminhos de Deus, inclina-se mais para seguir os seus. E resiste mesmo.

Incredulidade e infidelidade são atitudes que coincidem. Diante das dificuldades que aparecem, o incrédulo deixa de ser fiel ao que prometeu.

\°) CONSEQÜÊNCIAS DA INCREDULIDADEAs conseqüências da incredulidade são muitas. Algumas

próximas, outras remotas.O acontecimento que estamos estudando focaliza vários

resultados desastrosos da incredulidade.a) Tendência para a rebelião e para a indisciplina. Não

surgia uma dificuldade sem que aquêle povo não tentasse pro­vocar uma rebelião contra Moisés.

b) Instabilidade. As mudanças de um para outro es­tado de espírito eram freqüentes e rápidas. O mesmo povo que agora, cheio de animação, reafirmava suas promessas de obe­diência e de perseverança na execução do plano divino, daí a pouco largava tudo, disposto a regressar ao Egito. E assim foi durante quarenta anos. O Salmo 78 descreve pontualmente a instabilidade dos filhos de Israel, e diz que a causa era íntima: “ O seu coração não era reto para com Deus” . Salmo 78:37.

c) Temeridade. Os mesmos homens que alegavam a existência de grandes perigos na terra prometida e, não obs­tante a promessa de Deus ajudá-los contra êsses perigos, receia- vam enferntá-los, não hesitavam, entretanto, em voltar atrás, por um caminho difícil, sem o auxílio e a proteção de Deus. A incredulidade é temerária.

Entre as conseqüências remotas, vale a pena destacar uma, a maior de tôdas: interdição da terra prometida.

Viajaram durante 40 anos, sempre pelos mesmos cami­nhos, suportando rotineiramente as mesmas aflições e, afinal, morreram no deserto, quando poderiam ter alcançado o abjetivo da sua marcha em poucos meses. A Bíblia diz que êles foram impedidos de entrar por causa da sua incredulidade.

Esta lição deve terminar com três observações.1) A incredulidade não é uma atitude improvisada e,

sim, o desfêcho amadurecido de um processo prolongado que nasce num simples ato de desobediência às ordens de Deus.

O episódio de Cades-barnea foi o último de uma série de dez incidentes, em que os israelitas provocaram a Deus e resis­tiram à sua vontade.

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2) Não obstante o grande volume de incrédulos que estava na maioria, houve quem permanecesse crente e per­sistisse em cumprir o que Deus estava mandando. Lá estavam Josué e Caleb, grandes servos de Deus que não se intimidaram, nem com os inimigos de fora, nem com os inimigos de dentro. E viram, além das dificuldades do caminho e da rebeldia dos companheiros, a mão invisível e poderosa de Deus que os dirigia.

3) Finalmente: A incredulidade não impede a realiza­ção dos planos de Deus.

QUESTIONÁRIO:

Que é que os 12 espias representavam? Onde se encon­travam os israelitas ? Que havia no vale de Escol ? Quanto tem­po gastaram para espiar a terra? Havia só uvas e maçãs naque­la terra? Quando é que os homens parecem gafanhotos? Qual era a condição para conquistar a terra? Que caminho tiveram de seguir os Israelitas? Quem não pôde entrar na terra da pro­missão? Quando foram derrotados os israelitas?

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CAPÍTULO XXXVII

A ROTINA DA VIDA

Leitura: Números 20-21 Texto Áureo: 3:7-9

Os israelitas poderiam ter alcançado a terra da promis­são em poucos meses, mas gastaram cêrca de 40 anos. Em outras p alavras: êles retardaram de 40 anos o gôzo das bênçãos prometidas pela Palavra de Deus. Durante êsses 40 anos leva­ram uma vida errante, desconfortável, cheia de vicissitudes e contrariedades. Se olhássemos êsse período da sua história, sem conhecer as inclinações dêsse povo, formaríamos uma opinião errada a respeito da Providência, pois ficaríam os com a impres­são de que Deus mesmo, sem qualquer motivo justo, foi a causa dêsse atraso de 40 anos.

Convém fazer aqui uma distinção cuidadosa entre dois aspectos dêsse atraso. O povo não retardou o plano de Deus, porque ninguém pode atrasar o que Deus resolveu fazer na hora própria. O que o povo atrasou foi a posse da felicidade. Essa distinção ficará mais clara se olharmos outro lado da ques­tão. O povo, incrédulo, não impediu que Deus conduzisse a grande nação israelita à terra prometida, embora êles mesmos por causa da sua incredulidade, não tivessem alcançado essa terra para destrutar a felicidade que nela estava reservada. Em outras p alavras: O homem repele a felicidade que Deus lhe pro­mete, mas não impede que Deus estabeleça um estado de bema- venturança para outras criaturas. A marcha dos israelitas foi uma perda de tempo, não para o plano de Deus, mas para êles que caminharam durante tanto tempo, sem alcançar o fim da viagem. E nessa viagem sem fim gastaram a vida.

Que figu ra de muitas vidas que chegam ao fim , sem al­cançar um f im ; vidas que não saem da rotina.

A causa da viagem rotineira dos israelitas foi a sua in­credulidade, a sua recusa de fazer o que Deus mandou (Hebre-

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us 8:17-19). Aqueles homens eram como tantos outros homensde todos os tem pos: homens que contornam as dificuldades, pro­curando evitá-las, em vez de crer nas promessas de Deus e no auxílio divino; homens do caminho largo, que fogem da porta estreita. Foi a êles que São Paulo se referiu quando disse: “ Homens que sempre aprendem e nunca podem chegar ao conhe­cimento da verdade”.

Nessa viagem rotineira dos israelitas aparecem algumas fraquezas humanas de conseqüências lamentáveis, fraquezas que levaram a Providência não só a adiar a conquista da Terra, mas também a impedir que a maioria dêles nela penetrasse.

1.°) A R E V E L A Ç Ã O D EFO RM AD A.

Não deixa de ser muito impressionante o fato de Deus não ter permitido que Moisés e Aarão entrassem na terra pro­metida. Aliás, Moisés desejou muito e pediu insistentemente a Deus que lhe permitisse entrar, mas o Senhor não deixou. Não foi por infidelidade, pois a própria Bíblia diz, não só que Moi­sés era fiél, mas também que nunca mais se levantou profeta igual a êle. (Heb. 3:2 Deut. 34:10-12).

E qual foi a causa dessa proibição?O fato de Moisés ter cumprido uma ordem um pouco di­

ferente do que Deus tinha mandado. O povo, sedento, reclamou água. Havia alí uma grande rocha, e Deus mandou que Moisés falasse com a pedra. Mas o grande profeta de Deus estava ir­ritado com o povo e em vez de falar com a rocha, nela bateu duas vêzes com a vara. Alterou e deformou a mensagem. Muito se aprende nesse episódio.

a) E ’ preciso cuidado no transm itir a mensagem de Deus, para não dizer diferente do que Êle disse e emitir noções erradas. Se os grandes como o profeta Moisés podem cometer um êrro grave assim, quanto mais nós que não alcançamos a sua elevada estatura.

b) A justiça de Deus não poupa nem os servos mais fiéis quando erram. Assim foi com Davi e com Jonas.

c) Nossas atitudes podem pertubar a visão e a com­preensão que o povo tem de Deus. O povo, sempre inclinado à incredulidade, estava murmurando contra Deus. Deus resol­veu fazer uma revelação da sua imutabilidade: não só perma­necia fiel, mas imperturbável perante aquêle povo rebelde. “ Falai à rocha” , disse Êle a Moisés, e a rocha dará água. Se Moisés cumprisse pontualmente essa ordem, o povo teria uma visão da serenidade divina e do império de Deus sobre tôdas as coisas, porque essas obedecem docilmente à sua voz. Em vez disso, viu um profeta irritado, batendo furiosamente na pedra,

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e deve ter tido a visão de um Deus irritado que, para ser obe­decido, precisa pratiear a violência, Em outras palavras : Moi­sés não deu uma visão, uma idéia, uma compreensão perfeita de Deus, E não podia dar mesmo — só Jesus Cristo (Núme­ros 20:1-13) ■

2,°) DEM ON STRAÇÕES DA IN SE N S A T E Z DA IN C R E D U LID A D E

O povo em Cades-barnea se recusou a entrar na terra» porque teve mêdo dos inimigos. Acreditou mais nos dez espias que difamaram a terra, do que nas promessas de Deus. Ima­ginou que Deus os poderia colocar naquela terra somente se lá não, houvesse, nem fortalezas, nem homens aguerridos e for­tes. Insensatez, porque o poder de Deus é grande, porque Êle vence grandes dificuldades.

Na sua viagem rotineira os israelitas iam ter uma de­monstração prática da sua insensatez. A li no deserto, ainda que não pensassem, estavam expostos aos ataques de inimigos. Nas suas viagens, ainda que rotineiras, teriam de encontrar-se com povos agressivos e hostis. Algumas vêzes experimentaram parlamentar, e foi inútil. Uma vez foi em Edom, cujo rei lhes re­cusou, terminantemente, passagem pelo seu território. Outra, vez foi quando tiveram de enfrentar o rei Harad. E a terceira vez foi com Sehon, rei dos amorrheos. Edom era parente lon­gínquo, era descedente de Ismael. Pois bem, que é que o povo aprendeu? Uma lição simples. Se tinha de confiar nalguma coisa, não era nos homens, porque estes eram inteiramente ma as, sem qualquer senso de humanidade e solidariedade, e sempre dispos­tos à agressão. Insensata, pois, era a sua incredulidade, que os inclinara tantas vêzes a voltar ao Egito, onde êles não éncon- trariam , nem compreensão, nem misericórdia. Entretanto, to­das as vêzes que esbarravam numa dificuldade, logo manifes­tavam o seu desejo de voltar ao Egito. Mas êles descobriram, praticamente, a insensatez da sua incredulidade, quando vence­ram inimigos mais fortes do que êles. Èsse foi o caso do rei de Harad e também do rei'dos moabitas e de Og, rei de Basam. Se venceram estes, então poderiam ter vencido também os povos que habitavam na terra prometida. Não há humilhação maior para o homem do que descobrir o que poderia ter feito de grande e de bom, no tempo próprio, se não se tivesse deixado levar pela fraqueza da incredulidade. O pior, o mais humilhante é que êle, em geral, só vê isso quando não há mais remédio (Números 20:14-21. 21 :l-3 e 2 1 :20-35).

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S.0) A P O ST A SIA , CASTIG O E SALVA Ç ÃO .

Um dos aspectos mais instrutivos da ação da Provi­dência consiste na demonstração clara e prática da justiça de Deus, Deus não tem obrigação de dar aos homens as razões da sua conduta. Entretanto, se digna a dar essas razões e assim não deixará no espírito das criaturas inteligentes a menor dú­vida sôbre a perfeição impecável da sua justiça. E ’ isso que se lê em Apocalipse 1 5 :3-4.

Durante a longa marcha dos israelitas a Providência de Deus foi mostrando, com fatos incontestáveis, a exatidão da jus­tiça divina em não perm itir que a maioria dêles entrasse na terra prometida.

N a lição de hoje há um. episódio onde se vê, em tôda a sua força, a maligna inclinação daquêle povo. A bôca fala aquilo de que está cheio o coração. Enquanto as coisas andavam bem, o povo se continha; a menor dificuldade era faísca que fazia deflagar a rebelião. 0 episódio é o das serpentes ardentes. 0 povo não podendo passar pela terra de Edom teve de fazer o ca­minho muito longo e sofreu muito. Pretendem alguns que o so­frimento aproxima o homem de Deus. No caso que estudamos, fêz o contrário. Entre as palavras murmuradoras e rebeldes saiu uma por excelência maligna. “ A nossa alma tem fastio de pão tão v il” — era uma referência ao pão sobrenatural que Deus lhes ministrava. A verdade é que êsse povo não perdia oportunidade para se afastar de Deus. Tudo servia de pretexto, até a bênção de um alimento miraculoso. A isso se chama apos­tasia. Então veiu o castigo.

Às vêzes é bom o homem perder o que tem, para saber o quanto vale. Reconhecido o êrro, Deus deu o remédio: mandou fazer a serpente de metal. Há nesse fato uma lição mais pro­funda do que se poderia imaginar.

Qual era o grande pecado do povo?Duvidar das promessas e do poder de Deus.Que atitude deveria tomar quando caisse em si e verifi­

casse que estava errado?Confiar firmemente nas promessas de Deus. Naquela

contingência atroz Deus fêz uma promessa: “ Todo o mordido que olhar para ela v iverá” . E quem confiou, creu; e quem creu, deixou o êrro perigoso da dúvida e recebeu a bênção da cura. Se o israelita continuasse teimosamente na atitude da incredu­lidade, poria em dúvida a eficácia de um simples olhar para a serpente de metal, e morreria mesmo. E ’ por isso que o Evan­gelho diz que a serpente é uma figu ra de Jesus. Não podemos entrar nos mistérios insondáveis da sua morte, mas devemos

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crer no que Deus prometeu. Só assim escaparemos do castigoda nossa própria apostasia.

QUESTIONÁRIO:

Onde morreu M iriam? — • Que apareceu a Aarão e Moi­sés? ------V ara é só para bater? — Que rocha era aquela? I Cor10:4 — Os homens brigam com Deus? -— Onde morreu Aarão?— O povo daquele tempo chorava muito? — Há caminhos apertados? — O olhar vale alguma coisa? (Heb. 12:2) — Para que é que Deus mandou juntar o povo?

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CAPÍTULO xxxvni

DUPLICIDADE HUMANA

Leitura: Números 22-25 e Apocalipse 2:1,4 Texto Á u reo: Tiago 1 :8

“ O homem de coração dúplice é inconstante em todos os seus caminhos” . Com estas palavras Tiago aponta a causa ínti­ma da versatilidade dos homens. Se houvesse um coração singelo e sincero, um coração inteiramente voltado para Deus, o homem seria constante. Não existem corações onde não haja, de vez em quando, algum sentimento bom e disposições honestas. O que há é corações divididos: nem inteiramente bons, nem completamen­te maus. Por isso é que Deus exige um coração inteiro e satanaz ae contenta com o coração dividido. A expressão “ coração intei­ro” quer dizer coração perfeito» onde não existe mais nada mau e tudo pertence a Deus.

A história da redenção mostra, através de muitos fatos, o conflito entre Deus e satanaz, por causa do coração humano. Deus, para possuir o coração inteiro; satanaz, para conservar o coração dividido.

A presente lição narra alguns episódios que mostram as­pectos dessa duplicidade perigosa e pecaminosa.

Os israelitas tinham chegado nas campinas de Moab, e Balac, rei dos moabitas, percebeu o perigo daquele povo invasor que se acampara diante das suas terras. Mandou chamar Ba- làão, profeta, para amaldiçoar o povo, e aí começa o grande a» contecimento que exibe os aspectos da duplicidade humana.

1.°) V IO LÊ N C IA E SU PE R STIÇÃO

Duas coisas que andam sempre juntas. Os violentos são, em geral, medrosos e, por isso mesmo, dados à superstição —~ era o caso de Balac. Se dispusesse de fôrça suficiente, esmaga­ria implacavelmente os israelitas. Só acreditava na fôrça, na

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compulsão violenta. Não acreditava na fôrça interior dos prin­cípios e, por isso, vendo uma fôrça grande, êle que dispunha de fôrça menor tratou de procurar o auxílio de supostas fôrças in­visíveis. Êle que só acreditava na fôrça, e que não cedia senão obrigado pela fôrça supôs que aquele numeroso povo cedesse so­mente constrangido pela fôrça. Essa é a psicologia dos violentos Por isso mandou chamar Baiàão para que amaldiçoasse o povo, certo de que essa maldição anularia o poder ofensivo dos israe­litas .

Eis aí uma boa amostra de superstição: o homem invoca o auxílio das fôrças invisíveis e sobrenaturais, imaginando que Deus, sendo invocado, ajuda a qualquer um independente dos princípios da justiça. Quem não acredita em princípios não deve recorrer ao invisível. Quem não obedece aos princípios não deve pedir o auxílio de Deus. Não adianta nada, porque o au­xílio de Deus é sempre uma aplicação impecável de princípios de justiça e retidão.

Mas onde está a duplicidade?E ’ simples: o violento, sentindo-se forte, não olha prin­

cípios, não atende a razões — esmaga o mais fra c o ; sentindo-se fraco, recorre àquilo que implicitamente negaria se estivesse com a fôrça na mão. Foi exatamente o caso de B alaão: dois pe­sos e duas medidas. Uma para os dias de fôrça e outra para os dias de fraqueza. O mesmo fêz o rico da parábola, o mesmo fêz o mordomo incompassivo. Crer que Deus nos possa tratar com misericórdia, quando tratamos os outros sem misericórdia, é pura superstição, porque essa crença implica na duplicidade que Deus abomina.

2.°) P A L A V R A S R E T A S, D ESEJO S PECAM IN O SO S E CO N D U TA AM BÍG U A

E ’ o caso de Balaão. A narrativa sem uma análise mais profunda nos deixaria perplexos, porque, à primeira vista, não parece que Balaão tivesse feito alguma coisa má. Assim é que êle acompanhou os enviados de Balac, porque Deus lho tinha per­mitido. Entretanto, foi repreendido no caminho pelo anjo do Senhor. Basta examinar o episódio, para ver onde estava o êrro de Balaão. Que havia pecado não há dúvida nenhuma. Nós o sabemos, primeiro, porque o próprio Balaão o reconheceu quan­do disse: “ Pequei” e, segundo, porque o anjo do Senhor decla­rou: “ O teu caminho é perverso diante de m im ” . Examinemos o fato.

a) Balac fêz uma proposta vantajosíssim a a Balaão. Tendo consultado ao Senhor se poderia aceitá-la, Balaão ouviu uma negativa perem ptória: fazer o que Balac pedia era desfa»

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zer o que Deus tinha feito, porque Balac queria que se amaldi­çoasse o povo que Deus já tinha abençoado. Deus é Deus, imu­tável, perfeito e sábio nos seus caminhos. Deus não volta atrás, Deus não se deixa influir pelos caprichos de homens que só se lembram dÊle em horas aflitas, e sem qualquer respeito aos seus princípios. A resposta de Deus fechava definitivamente a questão.

Mas, embora Balaão se conformasse exteriormente com a recusa de Deus, doeu-lhe, entretanto, perder a convidativa ofer­ta de Balac. Obedeceu, mas agastado e contrariado. A prova é que no dia seguinte, voltando os mensageiros de Balac, êle vol­tou a insistir com Deus. Coisa pouco sensata, porque a primeira resposta divina tinha fechado o assunto. Deus, então, permitiu que êle fôsse, mas impôs uma condição. Se Balaão examinasse a condição que Deus impôs, e estivesse honestamente disposto a cumprí-la, não teria ido. A razão é simples.

Qual era a condição?Falar só o que Deus mandasse.Que é que desejava Balac?Amaldiçoar o povo. Ora, isso evidentemente Deus não

mandaria fazer. Mas Balaão foi — queria ganhar a recompensa, queria acomodar a vontade de Deus com o interêsse do homem. Mantinha no coração uma atitude indecisa: ia ver em que para- vam as coisas, para resolver depois. Por fora parecia obedecer, mas o coração era perverso. Quem o visse teria a impressão de um honrado e honesto servo de Deus. Mas o Senhor olha para o coração, e lá estava a semente maligna.

Há nêsse episódio um lance muito sugestivo, que podere­mos formular nesta frase talvez um pouco forte: quando a cons­ciência dos homens se cala, é preciso que os burros falem. Os acontecimentos posteriores mostraram a impossibilidade de aco­modar a vontade de Deus com os interêsses de Balac. Só a in­sensatez de Balaão não percebeu isso. E eis aí o perigo do cora­ção dúplice: o homem perde completamente o discernimento. Foi isso que Judas disse: “ Ai dêles, porque foram levados pelo engano do prêmio de Balaão” .

3.°) FORMALISMO E CONIVÊNCIA

Não se pode dizer que Balaão só desobedeceu. E’ notá­vel que êle não disse uma só palavra contra o povo de Israel. Até onde o texto narra os fatos, nada se diz sôbre qualquer paga que Balac lhe tivesse dado. Em outras palavras: êle nada fêz que pudéssemos chamar de desobediência. — o pecado ficou no cora­ção. E nós nada mais poderíamos acrescentar, se outros textos da Bíblia não trouxessem mais algumas informações sôbre o assun­

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to. No capítulo 25 de Números vem a narrativa da cilada que os moabitas armaram aos filhos de Israel: o que não podiam fazer pelas armas, fizeram pelas astúcia. Usaram o sexo como arma de guerra. Ora, no Apocalipse está escrito que Balaão é que su­geriu o emprego dêsse meio de desmoralizar o povo de Israel. (Apocalipse 2:14).

Aí aprendemos que o pecado estando no coração, sempre acha meios de aparecer na conduta. Não pôde amaldiçoar, mas não soube desistir da recompensa. E assim foi êle a causa indi­reta mas, primária, do fracasso temporário do povo de Deus. Não fazia, mas ensinava e, com isso, lucrava — duplicidade tão comum naqueles que condenam, mas exploram luerativamente o vício dos outros.

Nada exemplifica tão bem a conduta instável dos homens de coração dúplice, como esta comparação tão simples de Jesus Cristo: “ Uma cana agitada pelo vento” .

A história da redenção descreve, nos fatos que acabamos de estudar, aquilo que São Tiago disse nas primeiras linhas da sua carta: “ O que duvida é semelhante a onda do mar que é le­vada pelo vento e lançada de uma para outra parte” .

QUESTIONÁRIO:

Qual a causa do mêdo de Moab? A quem Balaão con­sultou ? O mêdo é teimoso ? Que condição Deus impôs a Balaão ? Como era o caminho de Balaão ? Quantos altares edificou Balac ? Como eram as tendas de Jacó? De que foi que Deus privou a Balaão ? Qual seria o fim dos amalequitas ? Como conseguiram os moabitas enganar os filhos de Israel ?

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CAPÍTULO XXXIX

O OCASO DO LIBERTADOR

Leitura: Números 27 — Deuteromômio 31 e 34.Texto Áureo: Deut. 34:10

Os homens assinalam as épocas. Sem êles, sua ação e sua grandeza os anos não passariam de datas incolores. Seriam menos que frascos vazios. Moisés é um dos marcos mais desta­cados da história do povo israelita. Foi êle quem serviu de ins­trumento nas mãos da Providência para conduzir o povo nume­roso que emigrou do Egito. Foi êle quem deu estrutura civil e religiosa a êsse povo. Durante 40 anos êle suportou a carga pesada de orientar e dirigir êsse povo errante, em marchas con­tínuas pelo deserto. Quando êle morreu, o povo não era mais uma simples aglomeração numerosa de homens e mulheres, mas estava transformado numa nação disciplinada e pronta para conquistar a terra prometida. Moisés foi um vulto tão grande, que o povo israelita, durante muitos anos, alimentou a esperan­ça do cumprimento de uma promessa especial: “ O Senhor teu Deus te despertará um profeta no meio de ti como eu, a êle ouviremos”.

O escritor que encerrou o livro de Deuteronômio escreveu que nunca mais se levantou em Israel profeta como Moisés. E, de fato, na dispensação do Velho Testamento não apareceu mais ninguém da estatura de Moisés. Estevão só achou têrmo de com­paração com Moisés no vulto singular de Jesus Cristo (Atos 7: 37-38). João, o evangelista, falando das duas grandes dispensa- ções divinas, a lei e a graça, disse que a primeira veiu por meio de Moisés e, a outra, por meio de Jesus Cristo. Um foi o legisla­dor, o outro o Redentor. Cristo era Deus feito Homem; Moisés era apenas homem, mas era grande.

A lição de hoje fala dos dias finais do grande profeta hebreu. Há nesse ocaso de uma vida ilustre lições que se aplicam de muitas maneiras e para muitos fins. Lições que mostram a

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continuidade da Providência, a despeito da duração fugaz dos seus instrumentos. Grandes que sejam, êsses instrumentos se gastam e acabam depressa, mas a Providência continua sem in­terromper a execução da sua obra e a consumação do seu plano.

1.°) A B E N E V O L Ê N C IA DE DEU S

Não obstante a severidade com que havia tratado a falta de Moisés, Deus lhe concedeu alguns privilégios especiais antes da morte.

a) Fêz-lhe saber que o fim se avizinhava. Assim o grande profeta pôde se preparar, pôde ainda dispôr tôdas as coisas para que a sua morte não desorganizasse o povo pelo qual tinha dado a sua vida.

b) Deixou-o permanecer no trabalho até o fim. Moisés não conheceu a humilhação da decadência, não foi pôsto de lado, serviu sempre. “ E ra Moisés da idade de cento e vinte anos quando m orreu: os seus olhos nunca se escureceram, nem perdeu o seu v ig o r” . Deut. 34:7

e) Êle mesmo, antes de subir ao monte onde havia de morrer, investiu o seu sucessor no encargo que tinha sido seu.

d) Deus não lhe permitiu entrada na terra prometida, mas deixou-o avistar de longe aquela terra desejada onde o povo de Moisés se tornaria, mais tarde, uma grande nação. Ninguém mais teve êsse privilégio. Alguns há que trabalham a vida in­teira por um ideal e morrem sem a certeza de que êsse ideal seja um dia realizado.

e) Morto Moisés, Deus mesmo o sepultou. E quando Josué foi chamado pelo Senhor para continuar a grande obra, a expressão que Deus usou não podia ser mais elogiosa: “ Moisés, meu servo” .

2.°) A IM PO R TÂN CIA D A L E I

Mais uma vez fica bem lembrar a figu ra sugestiva que Jesus usou: “ A palavra é a semente” . Morto Moisés, o que ficava da sua vigorosa personalidade, da sua profunda sabedoria, da sua experiência de comunhão com Deus, desapareceria com as pri­meiras gerações senão fôsse a palavra escrita. A árvore morre, mas deixa na semente pequenina a possibilidade da continuação e expansão indefinida da forma de vida que nela esteve, com as mesmas propriedades e características. Foi-se Moisés, mas f i­cou a lei que êle escreveu. E antes de m orrer êle dispôs tudo para que essa lei fôsse guardada com zêlo e fôsse lida periodi­camente ao povo. E quem conhece a história posterior dos he­breus, reconhece logo a influência dessa lei. Embora se trans-

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viassem muitas vêzes, os israelitas nunca deixaram de reconhe­cer a grandeza de Moisés, o profeta a quem Deus tinha falado cara a cara.

3.°) O CÂN TICO DE VITÓRIA

No ponto final da vida Moisés se porta com a mesma ati­tude que teve nos dias culminantes da sua vida ilustre. O que parece ter caracterizado bem o grande legislador hebreu foi a sua fé. Na hora crítica em que o povo, amendrontado e incrédu­lo, só via os inimigos ferozes, o mar fechando o caminho e a imi­nência da morte, Moisés não perdeu a serenidade, não se descon­certou. Moisés viu outras coisas: a mão de Deus e o livramento miraculoso. Diz a carta aos Hebreus que “ Moisés deixou o Egi­to não temendo a ira do rei, porque estava firme vendo o invi­sível.” (Heb. 4:27) Foi com essa mesma visão da fé que Moisés chegou ao fim da vida. Suas últimas palavras são um hino admi­rável de louvor à sabedoria e à fidelidade de Deus. Nelas descre­ve antecipadamente as repetidas infidelidades do povo e a imutá­vel misericórdia de Deus. E assim, naquele momento crítico em que os homens sentem pesar no coração a sombra da tristeza, Moisés, desprendido de si mesmo, antevia o engrandecimento futuro do povo que êle conduzira durante 40 anos.

Dificilmente reunirá alguém tantas qualidades e virtu­des salientes: cultura, energia, brandura, fidelidade, firmeza, confiança em Deus, humildade e dedicação. A vida de Moisés ensina uma grande verdade: Deus tem homens para tôdas as horas, para tôdas as tarefas do seu plano grandioso e perfeito.

QUESTIONÁRIO:

Que se avistava do monte Abarim? Para onde iam osmortos? Que havia em Josué? Que deu Moisés a Josué? Quan­tos anos tinha Moisés ? Quem ia adiante de Josué? Quem guar­dava a lei ? Moisés era poeta ? Que é que não há em Deus ? Onde foi enterrado Moisés?

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CAPÍTULO XL

BALANÇO HISTÓRICO

L eitura: Deuteronômio 1-S Texto Áureo: Salmo 78:38

Deus não ordena nenhum passo importa,nte sem exigir a devida preparação. Terminada a peregrinação no deserto es­tavam os filhos de Israel, finalmente, às portas da terra prome­tida, junto ao Jordão. Tinha chegado o momento crítico na his­tória daquele grande povo que vinha sendo acompanhado pelo grande homem de Deus, desde a saída do Egito. Moisé3 não atravessaria com êles o Jordão. A lí term inava a sua carreira singular, e o povo havia de partir sem êle. Não era fácil. Antes de subir à montanha, de onde não desceria mais, Moisés, como se fôsse o chefe de uma casa comercial que tivesse de transmi­tir negócio a outra pessoa, fêz primeiro um balanço daqueles 40 anos e o apresentou ao povo. Êsse balanço é o resumo histórico que se encontra nos primeiros capítulos de Deuteronômio.

Mais de uma vez, antes de estudar bem o assunto, me pa­receu que êsse resumo histórico era uma repetição secundária demais para figu rar na Bíblia e num livro tão profundo como é o de Deuteronômio. Mas ainda uma vez verifiquei a certeza das palavras de São Paulo: “ Tôda a E scritura divinamente inspi­rada é ú til” . O exame dêsse trecho exemplifica essa verdade.

Qual seria a razão de ser dêsse balanço histórico? São várias as razões.

1.°) Os filhos de Israel estavam encerrando a fase mais importante e Interessante da sua história. Embora não pareça, os 40 anos de deserto constituem a epopéia dos filhos de Israel. A unificação do reino com David, a edificação do templo e ou­tras obras grandes com Salomão, os dias em que falava a voz dos grandes profetas como Isalas, são fases muito importantes, mas nenhum dêsses períodos tem a significação da peregrinação no deserto.

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E ’ notável que havendo os hebreus residido 400 anos no Egito, nada saibamos pela Bíblia dêsse período, a não ser que o povo se multiplicou aos milhares. Já a peregrinação no deserto, que durou apenas 40 anos, é narrada com todos os pormenores. Pelo menos três vêzes aparece na Bíblia o resumo dessa jornada. Além dos primeiros capítulos de Deuteronômio, temos uma nar­rativa comentada no Salmo 78. E, no Novo Testamento, o dis­curso de Estevão, salvo uma ou outra frase, repete a narrativa da peregrinação no deserto.

Interessante é a analogia desses 40 anos com os três anos do ministério de Jesus: 30 anos de vida e 3 anos de ministério, isto é a décima parte. Também quase nada sabemos da vida de Jesus nesses trinta anos. Os hebreus tiveram 400 anos no Egito e 40 no deserto, isto é, a décima parte. Não é também coisa du­vidosa a importância dessa fase da história israelita : é o hiato cheio entre o cativeiro e a terra da redenção. Mas o mais im­portante é que durante êsses 40 anos o povo recebeu a lei, os princípios fundamentais do culto e viveu inexplicavelmente, isto é, sob a dependência completa da intervenção de Deus.

Era, pois, natural que Moisés, o sábio capitão dêsses dias, recapitulasse os acontecimentos principais quando se despediu do povo.

2.°) E ra preciso dar aos israelitas uma noção exata da sua herança espiritual e das grandes responsabilidades quando entrassem na terra prometida.

O relato de Moisés mostrou que a entrada na terra da promissão não era propriamente um interêsse dos israelitas, mas de Deus. Aquêles 40 anos faziam sentir que êles chegavam, a Canaan por uma firm e determinação de Deus. Não era por acaso. Aliás, podemos dizer que, a despeito dêles, da sua má-

* vontade, da sua falta de idealismo, êles estavam alí em vésperas de conquistar o lugar privilegiado do mundo, de onde mais tarde ia se irradiar a luz salvadora do Evangelho.

Onze jornadas haviam sido feitas desde o Sinai até Ca- des-barnea. Dez vêzes resistiram a Deus. Mais de uma vez pre­tenderam voltar ao Egito, mas o propósito de Deus permaneceu firme, e éra preciso que êles não se esquecessem disso. E ra ne­cessário que o povo tivesse noção daquilo que era da sua he­rança espiritual, porque era exatamente essa herança que êles transportavam para a terra de Canaan. Não entravam ali como conquistadores para explorar uma das terras mais abençoadas do mundo; entravam para estabelecer uma forma superior de culto, isenta de elementos estranhos à Revelação de Deus. Por isso Moisés repetiu mesmo a narrativa de tôdas as infidelidades e a advertência contra a idolatria, a feitiçaria e a imoralidade. Am i­go de novidades como todos os outros povos, era certo que êles

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mais de uma vez haviam de menosprezar o culto espiritual de Jeová, deixando-se atrair pelas form as exóticas e pecaminosas de culto encontradas em Canaan. Não eram um povo qualquer, mas o povo sacerdotal do Senhor.

8.°) Era também necessário que o povo reconhecesse a perfeita justiça e misericórdia de Deus em todos aquêles acon­tecimentos.

A justiça aparece em vários fatos. Prim eiro no castigo dos israelitas rebeldes. Os israelitas peregrinaram no deserto até que se consumiu a geração dos homens de guerra que não creram na Palavra do* Senhor em Cades-barnea. Só dois homens entraram — Josué e Caleb. A justiça de Deus aparece também na ordem para destruir os Cananeus e na explicação que foi da­da. O Senhor falou, pela boca de Moisés, que expulsava aquêles povos da terra de Canaan exatamente por causa do pecado, da sua grande depravação moral. A justiça de Deus aparece de modo ainda mais impressionante no caso de Moisés, a quem Deus não permitiu mesmo que entrasse na terra prometida. (Deut. 4 :21). O povo devia saber que, assim como Deus expul­sava os Cananeus por causa do pecado, assim também não pou­paria nêles qualquer injustiça. (Deut. 7:10 ).

Mas essa justiça, tão exata e pontual, anda sempre acom­panhada da misericórdia. Não fôsse isso e Deus os teria aban­donado definitivamente nos momentos de rebeldia tantas vêzes repetidas. No Salmo 78, que repete o relato histórico de Moisés, o poeta declara várias coisas: que êles se esqueceram das obras maravilhosas de Deus; provocaram o Altíssimo na solidão, ten­taram a Deus nos seus corações; falaram contra Deus e não de­ram crédito às suas maravilhas. Declara mais que o coração dêles não era reto, mas acrescenta: “ Êle, que é misericordioso, perdoou a sua inquidade e não os destruiu, antes, muitas vêzes desviou dêles a sua cólera e não deixou despertar tôda a sua ir a ” (Salmo 78:38)

Era com estas instruções reavivadas na memória que o povo ia entrar na terra prometida. E como se vê da história o povo pecou muitas vezes, mas nunca se esqueceu dos dias em que a sua existência era um milagre diário da Providência, dopoder e da bondade de Deus.

Há um aspecto singular da epopéia israelita: não tem ficção, isto é, os fatos são históricos e rigorosamente verda­deiros. Não exalta heróis como é comum nos cantos épicos da literatura humana. Descreve os homens com o realismo cru da verdade que nada respeita. Essa epopéia é um espêlho do cora­ção com as suas fraquezas, suas alternativas e contradições, suas esperanças e derrotas. Espêlho fiel da vida im perfeita dos

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agrupamentos religiosos, onde a esperança e a fé se mesclamtantas vêzes com a incredulidade.

Parece que os crentes deveriam ler mais e meditar bem profundamente a narrativa dessa fase que acabamos de estudar, cheia de lances empolgantes e de lições aplicáveis à vida espiritual,

QUESTIONÁRIO:

Quantas viagens de Horeb até Cades-barnea ? O que era bom de fazer? Quando é que não se deve atentar para pessoa alguma? Como é que o Senhor levava o povo? Há casos em que Deus não ouve os homens? Havia gado no deserto? Quem era Og ? De que tamanho era o leito dêle ? Até quando deveriam os rubenitas combater? Qual foi o ultimo pedido de Moisés?

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CAPÍTULO XLI

A REGRA DE FE'

Leitura: Deut. 4-6 e Josué 1 Texto Áureo: Josué 1:8

O romanismo não é um ramo da cristandade paralelo da Igreja Evangélica — é um ramo divergente. Partidos da mes­ma origem, estão hoje completamente afastados em pontos es­senciais. Dêsses pontos um é a Bíblia, isto é, a Regra de Fé e Prática.

Não vamos dizer que o êrro principal da Igreja Romana contra a Bíblia consiste no ensino de doutrinas diferentes das doutrinas Bíblicas. Nem é, tão pouco, dificultar a leitura da Pa­lavra de Deus; não é também impugnar como falsas as Bíblias chamadas protestantes. Tudo isso são erros grandes, mas são apenas erros consequentes do êrro fundamental. Êsse êrro con­siste em colocar a autoridade da Igreja acima da autoridade da Bíblia.

Não é difícil percebemos a falácia das razões apresen­tadas pela Igreja Romana, para sustentar o seu ponto de vista tão nocivo.

Se perguntarmos: — Quem nos pode dizer que a Bíblia é a Palavra de Deus? Respondem: — Só a Igreja Católica Ro­mana.

Mas se perguntarmos: —- Que provas pode dar a Igreja Católica Romana de que tem autoridade para dizer que a Bíblia é a Palavra de Deus? Respondem com Mateus 16:18 e 19, isto é, respondem com a própria Bíblia; um círculo vicioso.

O ponto de vista da Igreja Evangélica é inteiramente outro: a autoridade suprema não é a Igreja, mas a Bíblia, isto é, a Regra de Fé e Prática.

O Breve Catecismo da Igreja Presbiteriana pergunta: — Que regra nos deu Deus para nos dirigir na maneira de O Glori­ficar e gozar ?

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O ítomanismo responderia: a Santa Igreja Católica Ro­mana é a regra que Deus nos deu para nos dirigir na maneira de O glorificar e gozar.

O racionalismo, representado pelo espiritismo e outras correntes religiosas dos nossos dias, responderia: — A razão hu­mana é a regra que Deus nos deu, etc. . .

O superficialismo de algumas escolas protestantes que estão tomando pé, diria que é a experiência.

O misticismo, filho de um culto perigoso da emotividade ou das decepções inevitáveis do racionalismo, afirmaria que é o sentimento.

A Igreja, fiel ao Evangelho e ao exemplo de Jesus Cristo, responde: — A Palavra de Deus, que se acha nas Escrituras do Velho e do Novo Testamento, é a única regra para nos dirigir na glorificação de Deus e na comunhão com Êle.

Da importância e da necessidade imprescindível dessa regra de fé tratam os capítulos de Deuteronômio, em grande parte, e o primeiro capítulo de Josué.

A linguagem dêsses caoítulos é clara, solene, enfática e não paira dúvida nenhuma sôbre o assunto fundamental que apresenta.

Esta lição visa apenas os aspectos práticos dos ensinos contidos nesses capítulos.

1.°) REGRA ESCRITA

Nada de tradição oral. A parte central de lei foi grava­da pelo dedo do próprio Deus, em páginas de pedra. Do res­tante mandou o Senhor a Moisés que fizesse um traslado num livro, para estar diante dos sacerdotes e levitas e, posterior­mente, para o rei que viesse a ser eleito. Deut. 17:14-19.

A Josué foi dito que pautasse a sua vida pelo livro da lei. Josué 1 :8. E se disse mais que tivesse o cuidado de fazer de acôrdo com o que estava escrito.

O Senhor Jesus, quando aparecia na sinagoga, tomava o livro para ler. Luc. 416. Quando era interpelado pelos inimigos, a autoridade que Êle invocava era sempre a palavra escrita. Lucas 10:26. Não invocava nenhuma tradição oral, mas sempre a palavra escrita. Na parábola do Rico e Lazáro, disse: “ Têm Moisés e os profetas” . Quando quis dar aos seus discípulos, in­clinados à incredulidade, uma prova decisiva de que Êle era o Messias, explicou-lhes o que dÊle se achava em tôdas as Escri­turas. Lucas 24:27. E a grande bênção que sôbre êles derra­mou consistiu nisto: “ Abriu-lhes o entendimento para com­preenderem as Escrituras” . A sua fórmula habitual para con­firmar alguma coisa era “ esta escrito” . Luc. 24:46. Ao diabo

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foi assim que Êle respondeu, E a autoridade da palavTa escrita ê tão grande que o próprio diabo a reconheceu e se dirigiu a Je­sus nestas palavras: “ está escrito” .

Quando Lucas pretendeu oferecer a Teófilo um elemento de certeza, ou melhor, um recurso para certificar-se da verdadè do Evangelho, usou a seguinte fórmula: “ Pareceu-me bem €S- crevê-las” ,

A razão é simples: as palavras, como as folhas sôltas, voam e se perdem; só a palavra escrita tem garantia de fixidez. Os sentimentos variam, a experiência se contradiz, muitas vê­zes ; a razão é falaz e, como diz o escritor sagrado, só a Palavra de Deus permanece para sempre. Por isso é sábia a resposta do Breve Catecismo: “ A Palavra de Deus, que se acha nas Es­crituras do Velho e do Novo Testamento. . . ”

Para que não houvesse o perigo de se perder ou alterar a Revelação Divina, Moisés ordenou que os preceitos fôssem escritos até nas ombreiras das portas. No Apocalipse a ordem do Espírito de Cristo ao vidente foi: “ Escreve” . E a noção que aparece sempre na Bíblia é de livro, de Escritura, isto é, pala­vra fixada. E’, portanto, regra imutável.

2.°) REGRA DIVINA

Nada de autoridade humana, produto de experiência, nem de princípios da razão, nem do sentimento. A fórmula que encontramos em Deuteronômio e em tôda a Bíblia é: “ Diz o Senhor” ; “ Assim falou o Senhor” ; “ Havendo Deus, antiga­mente e de muitas maneiras, falado aos pais, pelos profetas, a nós, ültimamente, nos falou pelo Filho” .

Notemos que é Palavra de Deus, por isso mesmo, uma autoridade superior, independente, absoluta, inquestionável — a única autoridade que pode exigir submissão incondicional da personalidade humana.

À luz dessa declaração é que podemos entender o que Je­sus disse nessas palavras: “ Se alguém amar pai, ou mãe, ou ir­mão, ou irmã mais do que a mim, não é digno de mim.” E ainda mais: “ Não vim trazer paz à terra, mas espada” . Sim, porque a Palavra de Deus manda coisa que contraria a autoridade da­queles que não estão sujeitos a Deus. E, por isso, quase sempre aquêle que toma como regra suprema a Palavra de Deus provoca contra si a autoridade molestada da família, das sinagogas e até do Estado.

Não só no livro de Deuteronômio, mas nos profetas e no Novo Testamento os escritores inspirados deixam bem claro que a autoridade das suas palavras é divina. Moisés não se cansou de repetir esta expressão: “ Estas palavras falou o Senhor” .

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“ Também o Senhor me ordenou; o Senhor vosso Deus falou con­vosco” . O Senhor fêz ouvir a sua voz”. Deut. 4:5, 12, 14, 15, 53, etc. Na certeza de que o Evangelho era divino é que Paulo pregava e dizia: “ O Evangelho que por mim foi anunciado, não é segundo os homens Dorr-ue não o recebi, nem aprendi de ho­mem algum, mas pela Revelação de Jesus Cristo.

3.°) REGRA ÚNICA

Só a Bíblia. O conceito evangélico dessa matéria está bem expresso nas palavras do Breve Catecismo: “ A Palavra de Deus, que se acha nas Escrituras do Velho e do Novo Testamen­to, é a única regra” .

a) REGRA EXCLUSIVA. Só a Palavra de Deus. Deu­teronômio 4 :2. Nada podemos acrescentar e nada podemos dimi­nuir. O mesmo se diz em Deuteronômio 12:32. E o mesmo se declara, com solene admoestação, no livro do Apocalipse capí- tu1r> 22:18. O homem não tem c o ^ ^ tê ^ ia alcnma r^rn acréscimos ou cortes naquilo que Deus lhe revelou. Oportunas são as palavras do sábio em Provérbios 80:6. “ Tôda a palavra de Deus é pura; nada acrescentes às suas palavras, para que te não repreenda e sejas achado mentiroso” .

b) Suficiente. Orando Jesus foi intern^ado ne^o es­criba, pediu-lhe o resumo do que estava escrito na lei, e acrescen­tou: “ F ^ e isso e viverás” . Na parábola do Hco e T,4zam. êle disse: “ Têm Mo‘sés e os profetas, ouçam-nos” . A Josué Deus deu a garantia de êxito completo se observasse o que estava escrito.

c) Ind;spensável. O abietivo do discurso de Moisés no livro dé Deuteronômio é exatamente mostrar oue o povo não po­dia presc’ndir a Palavra de Deus. Do conhecimento e da obser­vância dessa P alvra ^er>°ndiam no futuro a sua prosperidade, e sua esperança. Em Deuteronômio 8 o escritor mostra que as­sim como o ho^pTvi cjí-r^-n^o do pão n^ra a vida d/> '’o^no. a ^ m também depende da Bíblia para a vida da alma. E Jesus refir- mou êsse ensino quando declarou que a e-arantia da felicidade é o ouvir e praticar a Palavra de Deus. (Mat. 7 :24. Mar. 3:31-35. Lucas 11:28).

Não há na Palavra de Deus nada que não seia útil. Mais do oue isso — indispensável. Jesus disse: “ Da lei não cairá um só til” . São Paulo escreveu oue “ tôda a Palavra de Deus é útil para instruir. . . para que o homem de Deus-seia perfeito” (II Tim. 3:16-17). Entre os iudeus essa noção era tão clara que as crianças já eram instruídas na Bíblia, isto por ordem divina. (IITim. 3:15 Deut. 6:7). E Jesus Cristo não só usou a Bíblia tôda na parte que estava escrita no seu tempo, e que era o Velho

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Testamento, mas censurou a seus discípulos o não crerem em tudo o que os profetas disseram.

Finalmente: A Bíblia é uma regra prática. Nela encon­tramos elementos práticos.

a) Princípios de conduta. E princípios que se enca­deiam tão bem, que podem ser resumidos num princípio só: “ Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” ; ou então a fórmula ativa que Jesus Cristo deu: “ Aquilo que vós quereis que os ho­mens vos façam, fazei-lho também vós a êles, porque esta é tôda a lei e os profetas.” A Bíblia não é um livro de regrinhas, mas um livro de princípios.

b) Exemples. Bons e maus exemp^s. A Bíblia é um espelho onde o homem, nos exemplos que vê, descobre sem difi­culdade o que fiça bem e o que f .ca mai; o que traz alegna e o que produz tristeza e até dessspêro. Na Bíblia há um exemplo incomparável — Jesus Cristo.

c) Mas a Bíblia não apresenta apenas o idealismo da vida moral, seus princípios e seus exemp^s. A Bíblia contém um elemento muito mais importante: é aquilo que poderíamos chamar o oojeto da fé, a saber, o que o homem deve crer — as promessas de Deus, Promessas de perdão, de salvação, de paz, de comunhão com Êle e de vida eterna. Isso é a essência da Bí­blia. E nessas promessas, bem como em várias provas que Deus já deu do seu cumprimento, é que se apoia a verdadeira fé.

QUESTIONÁRIO:

Para que é que o povo devia ouvir e cumprir os estatutos?Qual deveria ser a sabedoria do povo ? O povo chamava a Deus ? Criança deve aprender religião? Que figuras era permitido fa­zer? Que testemunhas Moisés invocou? Quando é que o homem acha a Deus? O que é que Deus fêz o povo ver? Que ordem Deus deu a Josué? Com que promessa o amparou?

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CAPITULO XLII

LIÇÕES DA PROVIDÊNCIA

Leitura: Deuteronômio, 8-9 Texto Áureo 8:5

O capítulo 8 de Deuteronômio é um dos mais lindos, mais profundos e mais instrutivos da Bíblia. Nêle se ensinam algu­mas das lições mais práticas para a conduta religiosa e se ex­plicam alguns princípios da disciplina da Providência.

A primeira e grande verdade ensinada nêsse trecho é que a prosperidade é sempre fruto da fidelidade e obediência aos mandamentos divinos. Mesmo num ambiente favorável o homem não pode esperar a bênção da prosperidade permanente, a não ser que observe os princípios que aprovou e aceitou como ver­dadeiros.

A segunda verdade importante é que os revezes e vicis­situdes que pertubam a vida dos crentes não são ocasionais. Déus mesmo permite e prescreve essas vicissitudes para fins muito sábios: para disciplina espiritual e, principalmente, para manifestar o que está dentro do coração do homem (Deut. 8 :2 ). Diz explicitamente o texto que as vicissitudes daquela jornada tinham como fim dar a saber o que estava no coração dos filhos de Israel.

E ’ o caso de perguntar: Deus, então, não sabiá? Não é Êle conhecedor dos segredos mais íntimos do coração ?

Sabia sim. Mas os filhos de Israel não sabiam. Igno­rantes como eram das fraquezas íntimas do seu coração, estavam enganados e respeito de sí mesmos e imaginavam que seriam capazes de guardar perfeitamente os mandamentos divinos. As humilhações e tentações do deserto mostraram àquele povo que êle era bem mais fraco do que supuha ser.

A terceira verdade dêsse trecho é que o objetivo da disci­plina da Providência que inclue, tanto as bênçãos como o sofri­mento, é ensinar ao homem que êle depende inteiramente de

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Deus e principalmente da sua Palavra. Podemos até formular essa verdade nos seguintes termos: o homem não vive sem pão— ou come, ou morre; Assim também não vive sem a Palavra de Deus — ou obedece, ou não tem salvação.

Outra verdade que aparece nesse trecho é que nós não podemos fazer uma idéia exata da obra de Deus, senão depois que Êle a concluir. (Deut. 8:16). Enquanto marchava, comba­tia, acampava, sofria fome, curtia sêde, o povo não podia mes­mo ter uma idéia do desfêcho que aguardava aquela vida erran­te de 40 anos. E, por isso, o texto diz com tôda a evidência: “ Para te humilhar, para te provar, para no teu fim te fazer bem”.

São sempre assim os caminhos misteriosos da Provi­dência : primeiro a cruz, depois a corôa. Foi pensando nisso que São Paulo escreveu que as aflições do tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada.

Depois de apresentar essas verdades, Moisés dirige uma série de apelos veementes ao povo de Israel. Para justificá-los lembrou com nitidez aquêles fatos sobrenaturais que marcaram os 40 anos de peregrinação no deserto: “ Nunca se envelheceu o teu vestido, nem se inchou o teu pé nêstes 40 anos” (Deut. 8 :4).

E’ perigoso esquecer os benefícios de Deus — perigoso 8 fácil. Então o legislador apela aos filhos de Israel para que se­jam reconhecidos.

Em que consiste o reconhecimento?No caso dos israelitas, em admitir que até a severidade

de Deus era ternura de Pai. Mesmo quando os humilhava e tentava, era movido pelo amor, pelo desejo de conduzí-lo3 a uma felicidade perfeita (Deut. 8:5). Era o caso de dizer-se que êles deviam beijar a mão que os maltratava, porque essa mão era benigna e benfazeja.

Outro apêlo do legislador era para que não se deixassem levar peia vaidade e pelo orgulho. Depois de conquistada a vi­tória, cada um tende a atribuir a si mesmo o mérito do êxito alcançado. Daí à ingratidão e ao esquecimento é apenas um passo. (Deut. S:12-14,17).

Para tornar mais viva ainda a lição contra a vaidade e o orgulho, o legislador hebreu trata de lembrar aos israelitas que o motivo da sua escolha era a bondade de Deus e não o mé­rito dêles. Inclinado como era à vaidade, aquele povo facilmente se inclinaria a pensar que Deus achara nêle algum merecimento de justiça e retidão que o d.stinguia dos outros povos e por isso é que o designara para aquela grande missão histórica. Para que isso não acontecesse Moisés primeiro declarou que êle era povo obstinado (Deut. 9 :6), e, depois, passa a dar as provas de que, desde o dia da saída do Egito até o dia em que chegaram

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àquele lugar, tinham sido sempre rebeldes. Mencionou primeiro o episódio do bezerro de ouro em Horeb. E lembrou mais que, se Deus náo o destrinu, foi porque ivioisés intercedeu por éies. Lembrou, a seguir, a murmuração por causa de carne em Taueran, por causa da agua em jcceficum e, ímalmente, a sua rebena em Cades-barnea. Declarou que essa rebelião não era coisa ocasionai, era um estado permanente da sua natureza: “ Rebeldes fostes ao Senhor, descte o dia em que vos conheci” . (Deuteronômio 9:24).

Nesse ponto o admirável legislador hebreu ensina uma grande lição sôore o dever de interceder insistentemente, de­moradamente a favor dos que erram. Durante quarenta dias e quarenta noites esteve prostrado diante ae Deus, orando pelo povo (Deut. 9:26). Há dois aspectos distintos nêsse exemplo de Moisés:

a) Êle antecipa o ensino de Tiago sôbre a intercessão: “ Orai uns peios outros para que sax-eis” .

b) E’ uma figura antecipada de Jesus Cristo, o grande e perfeito intecessor.

As lições acima apresentadas se aplicam aos crentes da todos os tempos. A mesma Providência que dirigiu os filhos de Israel, hoje dirige a Igreja, aplicando aos crentes a mesma dis- cipuna. Como os israelitas, não se deve ao merecimento dos crentes, nem à sua fidelidade a assistência providenciai de Deus. Porque os homens de todos os tempos são portadores da mesma natureza inclinada à rebelião contra Deus.

QUESTIONÁRIO:

Quais os mandamentos que influem na prosperidade? A memória ajuda a vida religiosa? Fome e tentação são indícios de que Deus abandonou? Onde está o testemunho da bondade de Deus? O ferro sai da terra? Havia animais venenosos? Quando é que Deus faz bem? Havia perigo dos hebreus serem desalojados da terra prometida? Os inimigos que estavam na terra prometida eram fortes? Desde quando êles eram rebeldes?

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CAPÍTULO XLIII

RELIGIÃO E SUPERSTIÇÃO

Leitura: Deuteronômino 10-13 Texto Áureo: João 7 :17

Há substâncias que em seu estado genuíno ou normal são alimentos de grande poder nutritivo. Uma vez alteradas transformam-se em venenos perigosos. Exemplo: O açúcar, tão agradável no paladar, é grande fonte de energia. Uma vez fermentado é cachaça, álcool, veneno! Assim a religião. Criado para a comunhão com Deus, o homem é naturalmente religioso, não vive e nem pode ser feliz sem religião. Não há povo que não seja religioso. Na vida espiritual os homens têm encontrado a verdadeira fonte de sua energia e dè inspiração. Em poucas palavras: sem religião o homem nem descobre a sua razão de ser, nem consegue ser feliz. Entretanto nada é pior do que as perversões da religião.

O idólatra pratica uma forma de religião e, entretanto, incorre na ira de Deus. A idolatria é religião alterada, é vene­no espiritual. Não salva, agrava a situação do pecador perdido. O povo de Israel foi sempre muito religioso e, contudo, estava quase sempre desagradando a Deus. Tinha religião, mas dege­nerada . Era, talvez, mais supersticioso do que propriamente re­ligioso. Entretanto, se caiu rio êrro da superstição, não foi por falta de aviso. Deus, por meio de Moisés, preveniu os filhos de Israel, não só indicando os princípios essenciais do culto ver­dadeiro e legítimo, como denunciando formas pecaminosas de culto, cuja prática Êle abominava e havia de castigar.

Que é que distingue a religião da superstição?

1.°) OS PRINCÍPIOS MORAIS

Religião e caráter são aspectos diferentes de uma reali­dade só, verso e reverso da mesma moeda. Na base, no âmago

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da religião judaica estava a lei. Era a estrutura, a espinha dor­sal, o sustentácmo interno. A idéia de pecado continha duas no­ções : primàriarnente ofensa a Deus. E, depois, dano ao homem. Tanto era pecado ofender a Deus como prejudicar o homem. O livro de Deuteronômio repete constantemente a recomendação de observar os estatutos e preceitos que Deus estabeleceu (Deut. 10:4, 13; 11:1, 8, lí>, 18, 22, etc.). Junto com as normas explí­citas do culto vinham as mais severas recomendações sôbre a justiça, sôbre o amor ao próximo, ao estrangeiro, o respeito à propriedade, enfim, a discriminação pormenorizada da lei mo­ral. Importante é o motivo dado para a obediência dos princí­pios de moral: não era a satisfação da consciência, nem o res­peito social, mas o amor e o temor de Deus. (Deut. 11 :l-2).

Na religião do Velho Testamento a idéia de justiça está sempre associada à idéia de santidade. O que agracia a Jeová é pureza e retidão. E êsse é o aspecto primordial da religião de Jesus. O seu primeiro grande d.scurso é o sermão da montanha, todo êle cheio de princípios de moral e, no meio, engastado como uma jóia, o princípio que resume todos os outros: “ Aquilo que vós quereis que os homens vos faça, fazei-lho também vós a êies, porque essa é a lei e os profetas” (Mat. 7:12). Nesse mesmo discurso Jesus dá um critério para separar os verdadeiros dos falsos mestres: a conduca (Mat. 7:16). Não há engano possí­vel: religião sem moral e sem princípios é superstição.

2.°) DOUTRINA REVELADA (Deut. 12)Não há religião sem conhecimento certo, sem doutrina

definida e positiva.Os princípios e as regras de culto do povo israelita não

foram inventados por êle3, nem foram deixados ao seu capricho. Deus mesmo revelou e estabeleceu tudo, chegando ao ponto ds exigir que o culto fôsse celebrado só no lugar que Êle próprio in­dicasse. Depois de apresentar as regras do culto, proioiu ter­minantemente que os israelitas introduzissem normas e costu­mes religiosos de outros povos. Assim, de modo singelo, e por meio das normas, Deus começou a mostrar um fato importante: o conhecimento religioso tem uma fonte só, a revelação divina. Não há religião, por grosseira que seja, que não tenha algum conhecimento. Mas onde o conhecimento não é o que Deus mes­mo revelou, o que existe é superstição. No Novo Testamento essa verdade aparece em tôda a sua clareza. Ao lado dos princípios mora s, Jesus Cr.sto ensinou várias doutrinas e afirmou que tôdas elas eram de origem divina. Disse também que a fé na sua doutrina era implicitamente fé nÊle. E essa fé daria ao ho­mem a vida eterna. Entre as doutrinas de Cristo podemos citar a do novo nascimento, a da imortalidade, a da ressurreição do

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corpo e outras. A tarefa da qual incumbiu a Igreja foi enainarao mundo, com os seus princípios, essa doutrina (Mat. 28:20). Nos Atos dos Apóstolos lemos que os primeiros discípulos per­severavam na doutrina dos apóstolos. São Paulo mandou a Ti­móteo : “ Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina” (I Tim. 4:18). O mesmo apóstolo diz que um dos sinais dos últimos tempos é a intolerância dos homens contra a sã doutrina e o seu apêgo às velhas fábulas enganadoras. E’ ainda o mesmo apóstolo quem diz aos crentes que os soberbos é que não se conformam com as sãs palavras e a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Essas passagens tôdas dão a entender que a estrutura e riqueza da verdadeira religião são as verdades e doutrinas reveladas.

3.°) OBRAS MIRACULOSASA história da redenção no Novo Testamento está cheia

de episódios de caráter sobrenatural. Tôdas as vêzes aue o es­critor sagrado procura despertar a atenção dos filhos de Ismael para a h'stóri'a dos seus maiores, lembra-lhes as maravilhas que a mão de Deus tinha operado. Essas obras eram invocadas como provas da contínua operação de Deus em benefício do seu povo e como razão forte para dêle exigir completa obediência.

Poderia, porém, acontecer o que, aliás, sempre tem acon­tecido : aparecem falsos mestres e profetas mentirosos, fazendo grandes prodígios. O povo, habituado a ouvir a narrativa de portentos como prova da autoridade divina de quem os pratica­va, deixar-se-ia facilmente enganar por êsses profetas falsos?. Contra êsse perigo veiu um aviso claro e bem preciso. (Deut. 13) Á Revelarão disse oue profeta oue fizesse prodís^o e ensmasse doutrina diferente daquela que Deus já tinha revelado, ainda oue o prodígio se cumprisse, era profeta falso. Não era possível ha­ver encano : o poder de Deus nunca se poderia pôr a serviço do êrro. Em outras palavras: a verdade e o poder de Deus s°mr>re andam juntos. Daí aprendemos uma lição aplicável a qualquer tem po: a verdadeira religião consta de três coisas —- princípios mora'8, doutrinas e poder de operar m aravilhos, ou se]a, cará­ter, verdade e poder. Sem isso, tudo mais é superstição.

QU ESTIO N ÁRIO

As ped^ss da lei eram ^soeras? Onde ficavam guardadas as táboas da lei? Que é aue Deus nede do homem? Que é oue Deus faz ao órfão e ao estrangeiro? Que é que prolonga os dias do bomem? Durante quanto tempo Deus cuidava da tQrra pro­metida? Onde deviam ficar as palavras reveladas? Que é que Deus põe diante do homem? Os profetas falsos fa^em m aravi­lhas? Para que é que Deus permite o aparecimento de falsos profetas ?

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CAPÍTULO XLIV

NOVAS LEIS DE HUMANIDADE

Leitura: Deuteronômio 15, 19, 20, 22, 24 Texto Áureo: Gal. 6:2

A religião que Deus revelou, sendo aplicada com sinceri­dade e honestidade, deve tornar o homem muito humano, A in­diferença para com o seu semelhante é sempre indício de falta ou de perversão da religião. Parece que o bem estar, o sossêgo, a prosperidade e o conforto material tornam o homem menos sensível à necessidade e ao sofrimento do seu próximo.

E’ notável o cuidado minucioso com que Deus lembrou aos filhos de Israel os deveres e os princípios de humanidade. Além da recomendação de princípios e deveres, ordenou Êle certas providências destinadas a impedir que os filhos de Israel se deixassem brutalizar. A êsses princípios e providências pode­mos chamar de leis e princípios de humanidade.

1.°) PREVISÃO CONTRA O EMPOBRECIMENTO

Era o ano da remissão. Eram providências destinadas a impedir que qualquer israelita chegasse a empobrecer. Essa providência incluia empréstimos e escravos. No ano da remissão os devedores ficavam quites e o escravo, sendo hebreu, ficava fôrro. O legislador esclarece bem o obietivo da lei, dizendo: “ Para que entre ti não haja pobre” (Deuteronômio 15:4)

2.°) PROTEÇÃO CONTRA A VINGANÇA

Eram as cidades de refúgio, destinadas aos homicidas. Nessa providência se revela o espírito compreensivo da legisla­ção mosaica. Ninguém deixava de reagir ativamente contra o homicida. Sabendo que os parentes da vítima, movidos de legí­tima indignação, talvez não se pudessem conter e procurassem

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eliminar o homicida, a legislação mosaica distribui pelos terri­tories do país as chamadas cidades de refúgio. Urna vez come­tido o homicídio o autor ficava exposto à vingança dos parentes. Se estes o apanhassem fora da fortaleza de refúgio, poderiam matá-lo. Estavam apaixonados, ressentidos e a presença do ho­micida era uma provocação. Uma vez, porém, dentro da cidade de refúgio ninguém pod;a lançar mão do homicida até aue se provasse que êle era culpado. A legislação mosaica distinguia do's tipos de homicídio: o intencional e o ocasional. Intencional, como o nome está dizendo, era aquêle em que havia ódio e pre- meditação. Para êsse tipo de homicídio não havia remissão» Mesmo quando êle se abrigasse na cidade de refúfirio era entre- gue à j ustiça para ser executado. O outro era o homicídio em que havia ausência de ódio e o autor feria o seu próximo por êrro, ou desastrosamente. Uma vez dentro da cidade, tinha a sua vida garantida.

3.°) LEIS DE GUERRA

Essas leis eram várias. Tôdas elas visavam a proteção do homem bem como a garantia do seu direito ao gôzo legítimo da vida. Visavam também impedir que o povo se entregasse a excessos depois da vitória. Podemos mencionar as seguintes:

a) Lei de conscrição, Havendo guerra eram dispensa­das as seguintes pessoas: os que tivessem acabado de construir uma casa e não a tivessem ainda habitado. Também os aue ti­vessem plantado vinha, sem ter feito ainda a primeira co’heita. E ra o princípio pelo qual nunca se deve impedir que aquêle que trabalhou seja o primeiro a receber os benefícios do seu traba­lho. Eram também dispensados os recem-casados. E, finalmen­te, os medrosos.

b) Lei de moderação. Por essa lei, mesmo depo;s de estar em guerra, não se devia atacar uma cidade sem primeiro oferecer-lhe a oportunidade de se entregar sem luta. Só depois de oferecida e rejeitada essa oportunidade, era lícito atacá-la e destruí-la. Conquistada a cidade, era expressamente uroibido qualquer ato de vandalismo. As árvores frutíferas deveriam ser carinhosamente poupadas. (Deut. 20)

c) Lei de respeito à dignidade. Naquele tempo era cos­tuma a poligamia. O soldado que aprisionasse uma mulher podia fazer dela sua esposa. Como, porém, o povo era inclinado aos costumes bárbaros, e pod;am essas mulheres passar por grandes humilhações, a legislação mosaica tomou providências para pro­tegê-las completamente. Mulher prisioneira, feita espôsa, adqui­ria direitos (Deut. 21:10-14)

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4.°) LEIS DE BOA-VONTADE

Essas leis visavam promover o espírito de auxílio entre os filhos de Israel e impedir que qualquer circunstância local, ou algum resentimento, servisse de pretexto para que êles aban­donassem o próximo em qualquer situação difícil (Deut. 22:1- 9). Entre essas leis havia uma que se destacava peló seu pro­fundo espírito de assistência humana, — era aquela que manda­va acolher o servo fugido, tratá-lo, e proibia terminantemente devolvê-lo ao seu senhor. (Deut. 23:15)

5.°) LEIS DE CARIDADE

Eram tôdas aquelas que tinham por objetivo proteger as classes obreiras e as pessoas desamparadas. Era proibido opri­mir o trabalhador nacional ou estrangeiro, delongar a paga do jornal, negar assistência legal ao estrangeiro, penhorar a viúva. (Deut, 24:11-18) No caso de ser preciso tomar algum objeto como garantia de empréstimo, era proibido entrar na casa para recebê-lo. E no caso da pessoa ser pobre e o objeto tomado em penhor ser alguma peça de roupa, era obrigação devolvê-lo an­tes do pôr do sol. Em outras palavras: de pobre não se tomava penhor.

Além dessas leis havia uma série grande de leis para pro­teger a mulher. Analisando a moralidade, a justiça e o espírito profundamente humano dessas leis, vemos que o mundo, apesar da sua evolução secular, está muito longe de executar hoje o que elas já determinavam naquela época remotíssima. O que tem faltado ao homem não são leis. A história da redenção deixa bem claro que o homem, ainda quando dispõe de conhecimento, não realiza de forma nenhuma o bem: vive no pecado.

QUESTIONÁRIO:

Qual era o objetivo do ano de remissão? A quem é que Deus mandava abrir a mão ? De que é que o povo de Israel deve­ria se lembrar? Quanto tempo durava a escravidão? Quantas eram as cidades de refúgio? Qualquer homicida estava garan­tido dentro dessa cidade? Os animais devem ser tratados com caridade? Onde deveria ficar o escravo fugido? Onde se rece­bia o penhor? Quando se devia pagar o salário dos obreiros?

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4.°) LEIS DE BOA-VONTADE

Essas leis visavam promover o espírito de auxílio entre os filhos de Israel e impedir que qualquer circunstância local, ou algum resentimento, servisse de pretexto para que êles aban­donassem o próximo em qualquer situação difícil (Deut. 22:1- 9). Entre essas leis havia uma que se destacava pelo seu pro­fundo espírito de assistência humana, — era aquela que manda­va acolher o servo fugido, tratá-lo, e proibia terminantemente devolvê-lo ao seu senhor. (Deut. 23:15)

5.°) LEIS DE CARIDADE

Eram tôdas aquelas que tinham por objetivo proteger asclasses obreiras e as pessoas desamparadas. Era proibido opri­mir o trabalhador nacional ou estrangeiro, delongar a paga do jornal, negar assistência legal ao estrangeiro, penhorar a viúva. (Deut. 24:11-18) No caso de ser preciso tomar algum objeto como garantia de empréstimo, era proibido entrar na casa para recebê-lo. E no caso da pessoa ser pobre e o objeto tomado em penho” ser alguma peça de roupa, era obrigação devolvê-lo an­tes do pôr do sol. Em outras palavras: de pobre não se tomava penhor.

Além dessas leis havia uma série grande de leis para pro­teger a mulher. Analisando a moralidade, a justiça e o espírito profundamente humano dessas leis, vemos que o mundo, apesar da sua evolução secular, está muito longe de executar hoje o que elas já determinavam naquela época remotíssima. O que tem faltado ao homem não são leis. A história da redenção deixa bem claro que o homem, ainda quando dispõe de conhecimento, não realiza de forma nenhuma o bem: vive no pecado.

QUESTIONÁRIO:

Qual era o objetivo do ano de remissão? A quem é que Deus mandava abrir a mão ? De que é que o povo de Israel deve­ria se lembrar? Quanto tempo durava a escravidão? Quantas eram as cidades de refúgio? Qualquer homicida estava garan­tido dentro dessa cidade? Os animais devem ser tratados com caridade? Onde deveria ficar o escravo fugido? Onde se rece­bia o penhor? Quando se devia pagar o salário dos obreiros?

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CAPÍTULO XLV

SEVERIDADE E BENIGNIDADE DE DEUS

Leitura: Deuteronômio 27-30 Texto Áureo: 29:29

A coisa principal que as Escrituras nos ensinam, diz o Breve Catecismo, é o que o homem deve crer acêrca de Deus e o dever que Deus requer do homem.

Que é que o homem deve crer acêrca de Deus?O principal objeto da fé são as promessas divinas. Diz

a carta aos Hebreus que aquêle que se aproxima de Deus deve crer que Êle existe e que é galardoador daqueles que o buscam.

Um dos aspectos peculiares da Revelação divina, no Anti­go e no Novo Testamento, é a misericórdia de Deus, a sua imen­sa bondade, a sua paciência para com os que erram. Jesus Cristo nos mostrou a benignidade de Deus, apontando-nos a provisão das bênçãos materiais que Êle distribui por igual entre justos e pecadores. Mas, acima de tudo, Jesus nos mostrou a bondade do Pai, no seu próprio amor. Êsse é um dos aspectos fundamen­tais da Revelação — o amor de Deus.

Mas a Bíblia não se refere apenas ao que o homem deve crer acêrca de Deus; fala também do dever que Deus requer do homem. E, revelando êsse dever, trata com tôda a clareza da se­veridade de Deus. Antes da entrada na terra prometida o legis­lador que, aliás, tinha de ficar aquém do Jordão, fêz um discur­so em que frisou bem êsses dois aspectos importantes da Reve­lação. Falou da bondade de Deus e recapitulou os deveres. Po­diam contar com a bondade divina, mas não podiam ignorar a sua severidade.

1.°) A EXISTÊNCIA DE UMA LEI ESCRITA

Ninguém poderia protestar ignorância, nem alegar es­quecimento. Deus, que tinha revelado os deveres, não podia ser

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responsabilizado pelos erros que porventura tivessem sido co­metidos. Havia um aviso estipulado naquela lei, que era dever dêles conservar e ler para conhecer e praticar.

2.°) APLICAÇÕES PARTICULARIZADAS DA LEI

Além da lei escrita, havia uma série de maldições, ao todo doze, que exortavam o povo contra certas formas especí­ficas de desobediência, a saber: idolatria, desrespeito filial, apropriação indébita, maldade, injustiça, incesto, bestialidade, homicídio intencional e desrespeito à lei.

3.°) MANIFESTAÇÕES HOSTIS DA NATUREZA

Para que o povo não tivesse dúvidas quanto à sua signi­ficação, o capítulo 28 de Deuteronômio apresenta uma série de acontecimentos adversos que seriam inevitáveis se êles não ob­servassem cuidadosamente e lei divina. Podemos destacar os seguintes: sêca prolongada, enfermidades dolorosas e incurá­veis, pragas nas searas e nos pomares, escassez das colheitas, guerras e cativeiro e, finalmente, exílio. Estes fatos todos se­riam testemunhos temporais da severidade de Deus e provas da necessidade de observar pontualmente os deveres estipulados na lei.

4.°) O TESTEMUNHO DA HISTÓRIA

Êste testemunho já tinha sido invocado várias vêzes e constava de duas ordens de fatos:

a) Os castigos aplicados aos rebeldes, a partir dos egí­pcios até os primeiros reis cananeus derrotados, bem como aos próprios filhos de Israel, quando transgrediam obstinadamente algum mandamento do Senhor.

b) A proteção sobrenatural que Deus tinha dispensado durante aquêles 40 anos. O texto diz: “ Não se envelheceram os vossos vestidos, nem se envelheceu no teu pé o teu sapato; pão não comestes... para que soubesseis que eu sou o Senhor vosso Deus” (Deut. 29:5-6)

Com êsses fatos perante os olhos, os hebreus deviam sen­tir profundamente o dever de observar as ordens do Senhor.

5.°) A CLAREZA DA LEI

Duas declarações importantes fêz o legislador:a) Uma para dizer que os mistérios insondáveis da vida

espiritual não deviam servir de pretexto para que alguém recu-

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sasse obediência aos mandamentos do Senhor porque, se havia coisas encobertas, essas ficavam reservadas para o Senhor. A lei, porém, constava de coisas reveladas, que não seria difícil compreender se as quisessem executar.

b) Outra para dizer ao povo que a lei do Senhor é bem clara, ao alcance do estudo e da compreensão de qualquer pes­soa bem intencionada. Tão clara a lei, que o fiel bem intencio­nado nem siquer fica dependendo de qualquer intérprete para conhecê-la. Se houvesse, pois, qualquer devio para outros deu­ses, a causa estaria no coração do transviado e não em qualquer dificuldade ou obscuridade da lei. (Deut. 30:11-20)

Finalmente: Tendo apresentado tôdas essas razões para que o povo fôsse fiel ao dever e não ignorasse perigosamente a severidade de Deus, o legislador lembrou, mais uma vez, o aspec­to fundamental cia Revelação, a saber: a misericórdia de Deus sem limites, misericórdia que conservava sempre aberta a porta de uma nova oportunidade para os que se arrependessem do êrro. Se a severidade era extrema, a misericórdia era sem fim. E seria eficaz sempre que houvesse arrependimento sincero.

Com êsse discurso, Moisés encerrou a sua grande obra de legislador com que formou a fibra de um povo especial, o po­vo da Revelação. As vicissitudes dêsse povo, suas derrotas e sua capacidade de resistência, são confirmações inequívocas da sa­bedoria das leis que recebem na sua origem.

QUESTIONÁRIO:

Onde seriam escritas as palavras da lei ? Qual era o mon­te das maldições? Quando é que o povo devia dizer amém? Quando viriam as bênçãos? Onde seria bendito o israelita? Que veriam os povos da terra ? Quando é que os israelitas cerra­riam cie cima? Na Palestina chovia pó? Para que são as coisas encobertas? Quem é a vida dos fiéis e a longura dos seus dias?

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CAPÍTULO XLVI

A FINALIDADE DO HOMEM

Leitura: Salmo 19 — Rom. 1 Texto Áureo: Rom. 11:36

Para viver é preciso comer, diz o materialismo dialético. Em outras palavras: somos obrigados a trabalhar para comer, e comemos para poder viver.

Ficaríamos satisfeitos com esssa fórmula que inclue a dura realidade da nossa existência, se não surgisse uma pergun­ta : — e para que é que vivemos? A isso o materialismo não res­ponde. De outro lado, sabemos instintivamente que tôdas as coisas têm a sua finalidade: nada existe que não seja útil. Mes­mo aquêles sêres cuja finalidade ignoramos, devem existir para um determinado fim. No mundo em que vivemos, como disse um grande filósofo ocidental, parece que tudo existe para o ho­mem. À medida que os anos passam e a ciência avança nas suas conquistas, o homem vai tirando proveito de tôdas as coisas que existem ao redor dêle. Se tôdas as coisas, como parece, existem para o homem, é o caso de repetir a pergunta: — e o homem para quem é que existe?

E’ com êsse problema, tão humano e tão difícil, que o Breve Catecismo da Igreja Presbiteriana inicia o seu ensino, perguntando: — Qual é o fim principal do homem? E responde:— O fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre.

Nessa resposta temos de considerar os seguintes ele­mentos :

1.°) FIM PRINCIPAL

O homem poderá atingir outras finalidades acidentais. O homem que abraça uma carreira, faz dela a finalidade de sua vida. Por muito grande, porém, que seja o seu desprendimento

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no exercício dessa profissão que abraçou, ela não constitue a finalidade principal da sua vida.

O que inquieta o espírito do homem é o desejo de saber qual é a razão da sua existência como homem. Em outras pala­vras : para que é que Deus o criou.

A profissão que êle escolheu e exerce servirá, talvez, de meio para alcançar neste mundo a sua finalidade, mas não cons­titue em si mesma o fim principal para o qual êle existe.

Tôdas as coisas podem preencher várias finalidades além da sua finalidade principal. Tomemos como exemplo uma fruta— servirá para alimento, para remédio e até para adôrno. Qual­quer dessas finalidades, entretanto, é puramente secundária. A finalidade essencial da fruta é a semente que está dentro dela, isto é, a propagação da espécie. Assim o homem: deve ter tam­bém uma alta, finalidade que constitue a sua razão de ser. Diz o Breve Catecismo que essa alta finalidade é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre.

2.°) GLORIFICAÇÃO DE DEUS.

O homem existe para dar a Deus alguma coisa, isto é, glória. Devemos, porém, observar aquilo que o Salmista disse: “ Nada podemos dar a Deus que êle já não tenha” . Nada pode­mos acrescentar à sua glória. Como, pois, poderemos glorifi­cá-lo ?

A Bíblia responde a essa pergunta de várias maneiras: primeiro pelas palavras do apóstolo São Paulo, em Romanos 1:21 “ Tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças” . Parece que o primeiro modo de glo­rificar a Deus é dar-lhe graças, reconhecendo a sua perfeita sabedoria, a sua imensa bondade e a sua justiça. No mesmo lugar São Paulo diz que “ os pagãos mudaram a glória de Deus incorruptível à semelhança da imagem de homem corruptível” . Dessas palavras inferimos que um dos aspectos da glória de Deus consiste em Êle ser diferente de tôdas as outras coisas que existem. E’ uma grandeza absoluta, sem têrmo de comparação. Reconhecer essa grandeza é glorificar a Deus. Outra resposta quem nos dá é Jesus Cristo, na oração sacerdotal. Disse Êle: “ Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que me deste a fazer” . Por essas palavras de Jesus, aprendemos que a obediência é a maneira prática da criatura glorificar o seu Cria­dor. Assim é que os céus glorificam a Deus, como diz o Salmo 19. Os grandes mundos, as estréias resplandescentes, os planetas e seus satélites obedecem rigidamnte às leis prescritas pelo pen­samento de Deus, e assim manifestam a sua glória. Há, porém,

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uma diferença entre o homem e a criação material na glorifica­ção de Deus. Os sêres inanimados obedecem inconsciente e in- voluntáriamente, isto é, não podem deixar de obedecer. O homem não: obedece quando quer e, por isso, pode glorificar a Deus de modo diverso e superior.

a) Reconhece e admira a grandeza do Criador, nas coi­sas que estão criadas.

O êxtase que o homem experimenta diante das coisas ma­ravilhosas que a mão de Deus criou, admiração que êle sente quando vê o mar, o céu, uma fiôr delicada, uma pedra faiscante, enfim uma obra prima que saiu das mãos do Criador, é a forma primária e expontânea de glorificar o Criador.

b) Pressente e procura descobrir o pensamento de Deus na ordem material. E quando êle descobre as leis misteriosas que regem os acontecimentos, e com isso se alegra, ainda que o não queira, está glorificando o Criador.

c) Pressente, por instinto, a existência de Deus. Pro­cura conhecê-lo e, descobrindo as suas leis, esforça-se para cum- prí-las com fidelidade. Nesse caso, êle está reconhecendo a so­berania, a justiça e outras perfeições de Deus, e com isso está, conscientemente, tributando ao Criador a glória e a honra que só a Êle são devidas. Dêsse modo é que o homem pode melhor glorificar a Deus, colocando-0 acima de tôdas as coisas e sub­metendo-lhe a sua consciência e a sua vontade para uma obe­diência incondicional.

3.° FELICIDADE ETERNA DA CRIATURA

As analogias mais remotas demonstram que o sofrimen­to é causado sempre pela frustração de alguma finalidade, tanto moral, como física.

Um órgão quando fica,impedido de funcionar regular­mente logo traz sofrimento. Na vida moral acontece exatamen­te a mesma coisa. Por isso há muita gente infeliz, não só por não estar cumprindo o fim que Deus lhe designou, mas também por estar pervertendo a finalidade de muitas coisas. Aliás, o pecado nada mais é do que a perversão dos fins justos e bons que Deus propôs.

A felicidade da criatura, pois, está subordinada ao cum­primento de uma condição: a glorificação de Deus. Criado para Deus, para compreendê-LO e Servi-LO, e dêle receber eterna­mente, o homem não pode ser feliz se não cumprir essa fina­lidade. Podemos terminar com as conhecidas palavras de Sto.

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Agostinho: “ Tu nos criaste para ti mesmo, ó Deus, e o nosso co­ração não achará descanso enquanto não repousar em ti”.

QUESTIONÁRIO:

Sôbre quem se manifesta a ira de Deus? Onde foi que Deus se manifestou? Porque é que os pagãos não têm desculpa? A quem é que os homens honraram e serviram mais? Porque é que Deus entregou os pagãos a um sentimento perverso? O êr­ro é só praticar o pecado? O que é que um dia faz? Há vozes sem linguagem? Que é que alumia os olhos? A verdade e a Jus­tiça andam juntas?

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CAPÍTULO XLVII

DEUS

Leitura: João 1 :1-18; 4 :21-24 ; 14: 6-11 Texto Áureo: Rom. 10:17

Pode-se, pois, saber que existe um Deus, disse Pascal, sem saber o que Êle é. E acrescenta, noutro lugar, “ só há duas espécies de pessoas razoáveis: os que servem a Deus de todo o coração, porque o conhecem, e aquêles que o procuram de todo o coração, porque não o conhecem.” E não há mistério mais fas­cinante do que o mistério de Deus. O homem não se desinteressa dêsse mistério, sem alguma atrofia da sua natureza. Sua única razão de ser é o conhecimento e o gôzo de Deus. E, embora êle resista friamente aos sentimentos expontâneos de adoração do seu próprio espírito, tenderá, inevitavelmente, pelo menos de vez em quando, para o alvo superior da sua existência.

Poderemos nós saber quem é, ou o que é Deus? Em vez de arriscar um resposta qualquer, e há muitas, vamos examinar a Bíblia.

1.°) As Escrituras declaram: “ Deus nunca foi visto por alguém” (João 1:18). O mesmo apóstolo, noutro lugar, de­clara: “ Ninguém jamais viu a Deus” . (I João 4:12). E Paulo escreveu: “ Deus, a quem nenhum dos homens viu, nem pode ver.” (I Tim. 6:16)

Se nenhum homem viu a Deus, parece que nenhum homem pode dizer o que Êle é. O mais que poderíamos dizer, perante essas passagens, é que Deus é invisível. E, portanto, que qual­quer representação de Deus em forma visível, é falsa.

Mas, se jamais homem algum viu a Deus, então como podemos saber que Êle existe?

Podemos dar pelo menos duas respostas positivas a essa pergunta.

A primeira resposta é de São Paulo: “ As suas coisas in-

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visíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem e claramente se veem pelas coisas que estão criadas.” Não é preciso ver o autor, bas­ta considerar inteligentemente a obra maravilhosa que êle fêz, para saber que êle existe. Essa obra admirável sugere alguns pensamentos:

a) Um autor anônimo: nada assinou do que fêz, nem precisava. Os homens sim, precisam assinar as obras que pro­duzem, para não haver confusão. Mas as obras de Deus são di­ferentes, inegualáveis, inconfundíveis. Já se sabe ao vê-las, que só mesmo a onipotência e a sabedoria eterna poderiam pro­duzi-las.

b) Deus é o Criador. Os homens inventam coisas, má­quinas, engenhos. Um exemplo: o aeroplano. Mencionamos o primeiro homem que voou: seja Santo Dumont. Não se pode dizer que êle é o criador do avião, no sentido em que Deus é o Criador. As razões são simples. Antes de Santos Dumont voar, êle observou cuidadosamente, o vôo dos urubús — já havia vôo antes dêle voar. Êle sozinho não faria o aeroplano. Naquele apa­relho houve o emprêgo de diversos materiais: ferro, bronze, seda, etc. Quem inventou tôdas essas coisas? E além disso, os homens que contribuíram para tornar possível a invenção do aeroplano, inventando coisas, apenas inventaram. Inventar é achar. Os homens apenas acham meios de aplicar e usar o que já está criado na natureza. Deus não inventou, Deus criou. An­tes dÊle criar nada havia, a não ser Êle mesmo.

c) Deus é o sustento de tôdas as coisas. Um relojoeiro fabrica um relógio, depois de muito tempo morre, e o relógio continua funcionando sem êle. Deus é diferente. Criou o mundo e o mundo continua dependendo dêle para existir. O relógio não depende do relojoeiro para existir. O relógio não depende do re­lojeiro para funcionar, mas depende de um conjunto de leis, de uma combinação de fôrças. Essas leis são o pensamento de Deus, essas fôrças são expressões físicas do poder de Deus. Exata­mente o que Paulo diz: “ Tanto o seu eterno poder, como a sua eterna divindade”. E noutro lugar, para deixar bem claro o princípio da origem, manutenção e finalidade divina de tôdas as coisas: “ DÊie, e por Êle, e para Êle, são tôdas as coisas” (Romanos 11:36).

Poderemos, portanto, dizer: Deus é o princípio, o sus­tento e o fim de tôdas as coisas.

2.°) A segunda resposta pode ser dada com algumas declarações da Bíblia, que nos habilitam a dizer o seguinte: “ Deus nunca foi visto por homem algum, mas foi ouvido muitas vêzes. As Escrituras não dizem que Adão viu a Deus, mas afir-

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mam que êle ouviu a voz do Senhor soar no Jardim. Moisés de­clarou aos filhos de Israel o seguinte: “ O Senhor vos falou do meio do fogo, mas não vistes semelhança nenhuma” . Na Carta aos Hebreus o escritor afirma que Deus antigamente, havendo falado muitas vêzes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profe­tas, a nós falou-nos nestes últimos dias, pelo Filho” .

Então, é bem verdade: nada podemos saber de Deus, pela vista, mas podemos saber muita coisa por meio daquilo que Êle mesmo disse, isto é, pela sua palavra.

A passagem citada da Carta aos Hebreus, apresenta dois modos da Palavra de Deus.

a) Falou pelos profetas.b) Falou pelo Filho.Em ambos os casos é palavra. Ora, que é Jesus? “ No

princípio era o Yerbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” . “ E o Verbo se fêz carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória” .

Há, pois, um conhecimento de Deus que nos é dado na Bíblia e só na Bíblia. A natureza dá-nos a entender a existência, o poder e a divindade do Criador. As Escrituras não d.ão a en­tender: as Escrituras trazem diretamente aos homens o que Deus diz de si mesmo.

Repitamos: homem algum jamais viu a Deus, mas os ho­mens o têm ouvido muitas vêzes. E agora, com a Bíblia, e depois da vinda de Jesus Cristo, podem ouví-lo quando quiserem para saber o que Êle é. Aliás, é isso o que diz São João: “ Deus nunca foi visto por ninguém; o Filho Unigénito que está no seio do Pai, Êsse o fêz conhecer” (João 1:18).

Certa vez Jesus declarou: “ Ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquêle a quem o Filho o quiser revelar” . Um conhecimento de Deus, sa­tisfatório, portanto, depende inteiramente da revelação de Jesus Cristo.

Quando Filipe lhe pediu “ Senhor mostra-nos o Pai” , Jesus disse: — “ Quem me vê a mim, vê o Pai” . E’ preciso dar a essas palavras o seu sentido verdadeiro e profundo. A visão física de Jesus não é a visão de Deus. Êle, porém, era o Verbo, o próprio Verbo de Deus, sua conduta, suas palavras, seu cará­ter, tudo nêle falava de Deus, era mensagem de Deus, era Deus se revelando aos homens. Tanto assim que Êle acrescentou: “ As palavras que eu vos digo, não as digo de mim mesmo, mas o Pai que está em mim é que faz as obras” (João 14:7-10). Por isso alguém disse, com muita sabedoria: “ O paganismo não precisava que o cristianismo lhe dissesse que Deus existe, mas

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o cristianismo nos mostrou a face de Deus, na face de Jesus Cristo” .

Pois bem, Jesus é uma pessoa, então também Deus é uma pessoa. E Jesus não era uma pessoa qualquer, mas uma pessoa perfeita, diferente em tudo das concepções mais elevadas que os mais elevados pensadores jamais fizeram de Deus, Uma pessoa harmoniosa, justa, cheia de bondade, que vem ao encontro dos homens para tirá-los da sua miséria, da sua ignarância e da sua perdição.

Jesus nos disse muitas coisas a respeito de Deus. Por exemplo: “ Deus é espírito” . Por isso mesmo, uma vez que haja sinceridade no coração, podemos adorá-LO em qualquer lugar. Deus é o Pai universal. “ Pai Nosso” que estás no céu” . Deus toma sempre a iniciativa do bem, e o seu desejo é que sejamos tão perfeitos como Êle é perfeito.

Ora, dirá o leitor dessa lição: quem é Deus?A lição, talvez, não tenha dito. Entretanto colocou nas

toãos do aluno o meio de achar a solução infalível e certa, tão infalível e tão certa que, em vez de dizer o que é Deus, a lição o manda ao lugar onde se encontra a resposta desejada —- a Pa­lavra de Deus.

QUESTIONÁRIO:

O que havia no princípio? Que fêz Deus no princípio? Onde estava a vida no princípio? Quem esclarece a todos os ho­mens? Qual foi o grande milagre do Verbo? Quem revelou a Deus? O que é que Deus procura? Qual é a condição para co­nhecer a Deus? O que é que bastava a Filipe? De quem eram as Palavras de Jesus?

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CAPITULO XLVIII

OBÂÇÂO

Leitura: Mateus 6:5-15 e Lucas 11:1-13 Texto Áureo: Mat. 6:6

Nada é mais importante do que a oração. Pode-se dizer que a oração é o campo experimental da verdadeira vida religio­sa. Disse alguém, e com muito açêrto, que a oração é a respira­ção do crente. O homem pode ficar muito tempo sem se alimen­tar e também pode passar algum tempo sem beber água, mas sem respirar não fica mais do que alguns minutos. O mesmo se diz da oração: é um exercício espiritual que deve ser respeitado a curtos intervalos.

A oração é o método de vigilância ensinado por Jesus (Lucas 21:36). E’ o recurso para alcançar de Deus certas bên­çãos especiais como, por exemplo, a bênção do Espírito Santo. (Lucas 11:13). E’ por meio da oração, ensinou Jesus, que os crentes conseguem remover as grandes dificuldades morais da vida, bem como vencer o poder do diabo (Mat. 11:23, 24 e Mat. 17:21). São Tiago nos ensina que por meio da oração consegui­mos vencer as aflições, promover a cura dos doentes e a conver­são dos pecadores. Tudo isso confirma aquela declaração de Je- stJs: “ Importa orar sempre” . E também a ordem de São Paulo:“ Orai sem cessar” .

Reconhecendo o grande valor da oração, importa saber se tôdas as orações alcançam o mesmo resultado.

, Para responder a essa pergunta é preciso, desde logo, distinguir oração e reza. Muitas pessoas não fazem outra coisa senão recitar orações decoradas. Outras repetem constantemen­te frases e fórmulas rotineiras que não expressam nenhum de­sejo ou sentimento. A fórmula mais perfeita de oração é o “ Pai Nosso” , no entanto, muita gente faz dessa oração admirável uma reza morta. O poder da oração, a sua essência, a sua virtude não

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está na fórmula. 0 que dá vida à oração é o espírito, o sentimen­to, a sinceridade daquele que ora. Deus ouve homens e não obe­dece a fórmulas.

Oração não é uma receita que pode ser aviada por qual­quer um. A oração tem como ponto de partida e como base um estado de alma de quem realmente procura comunhão com Deus. Certa vez os discípulos pediram a Jesus: “ ensina-nos a orar” . Jesus respondeu de duas maneiras. Primeiro repetiu a fórmula breve da oração dominical. Mas, depois, disse uma parábola e fêz algumas observações para ensinar que o elemento essencial da oração é o sentimento de necessidade e também sentimento de confiança (Luc. 11:1-13).

Vamos nós neste estudo recorrer ao ensino do mesmo Mestre, para aprender alguma coisa bem simples que nos habi­lite à prática eficaz da oração.

Uma das lições mais claras de Jesus sôbre êste assunto está em Mateus 6:5-15. Nesse trecho Jesus apresenta algumas das lições mais práticas sôbre a oração. Tentaremos expressar essas grandes lições em fórmulas bem reduzidas.

1.°) APRESENTA-TE DIANTE DE DEUS (Mateus 6:6)

Jesus começou lembrando que algumas pessoas do seu tempo, quando iam orar, gostavam de apresentar-se diante dos homens para serem vistos e glorificados por êles. Era um modo comum de perverter o espírito da oração. Porque aquêle que ora se dirige a Deus e não aos hornens. Ao contrário, isto é, em vez de orarem para serem vistos, pelos homens, Êle mandou que os seus discípulos orassem para serem vistos secretamente pelo Pai.

Realmente, o homem que ora, o que faz é expôr o coração a Deus. Êle se mostra ao Pai com seus desejos, seus problemas, suas alegrias, seus planos, suas fraquezas e seus pecados.

Para que esta exposição seja feita de modo eficaz, Jesus deu uma regra que parece não ter importância e que, entretanto, influe decisivamente na experiência da oração: isola-te. Para f?e expôr sem receios e sem interrupções importunas que o per­turbem, o homem deve isolar-se de tudo e de todos para ficar a sós com Deus. (Mat. 6:6)

Nessas duas observações já encontramos um conceito exa­to de oração. Em vez de fazer uma apologia com as palavras, ou de dizer um discurso, o homem expõe a Deus o que deseja, o que teme, o que procura, o que pensa. E’ como diz o Breve Catecis­mo: “ a oração é um santo oferecimento dos nossos desejos a Deus” .

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Muitas vantangens e benefícios podem ser auferidos pela exposição dos desejos, planos e temores a Deus. O maior de to­dos consiste em termos uma visão mais justa e apropriada dos nossos próprios desejos e sentimentos quando estamos na pre­sença de Deus.

2.°) CONFIA NA SABEDORIA E BONDADE DE DEUS (Mat. 6:8)

Os gentios, como Jesus mostrou, não confiam. A prova é que falam muito, repetem muitas vêzes a mesma oração, ima­ginando que à força de insistirem com Deus, alcançarão o que desejam (Mat. 6:7).

Penso que dentro da própria cristandade há muitas pes­soas que fazem a mesma coisa. Algumas até imaginam que o hábito de repetir orações é sinal de fé. Creio, porém, que o êrro maior é pretender ensinar a Deus o que Êle deve fazer em nosso benefício. O mais que a oração nos permite é expôr o desejo a Deus. Expôr, não impôr. A razão é que Deus é sábio, e além de sábio, perfeitamente bom. Jesus o disse nessas palavras: “ Vosso Pai celestial sabe o que vos é necessário antes de vós lho pedirdes” . Aquêle que ora, se confia na bondade e sabedoria de Deus, expõe o seu desejo, porque se o desejo é justo, Deus o cum­prirá. E se não for conveniente Deus o mostrará.

3.°) ASSOCIA CONTIGO TODOS OS HOMENS (Mat. 6:11-13)

Foi nesse momento que Jesus deu a fórmula modelar de oração. Nessa fórmula Êle impôe uma condição para o homem orar eficazmente: nada pode pedir para si mesmo só. Deus não é o Deus dêle só, mas o Pai de todos. Na oração não há cabi­mento para o egoísmo. O que ora a Deus tem de ser sempre um intercessor: é o Pai de todos que se invoca; o pão de todos que se pede; o perdão de todos que se implora; o livramento e proteção de todos que se espera.

E’ notável que o sentimento da oração tem de ser diferen­te das circunstâncias materiais da oração. Falando das circuns­tâncias materiais, Jesus disse: “ Entra no teu quarto e fecha a tua porta”, isto é, isola-te. Falando dos sentimentos, disse: “ VÓ3 orareis assim: Pai nosso que estais nos céus” , isto é, associa-te.

4.°) ENTREGA-TE À VONTADE DE DEUS (Mat. 6:10)

Nas concepções pagãs da oração transparece a idéia de

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uma imposição da vontade humana à vontade divina. Segundo essas concepções, os homens descobrem fórmulas com as quais podem obrigar os sêres do mundo invisível e fazerem o que êles desejam — é o caso de Aladim e da lâmpada maravilhosa. Mas a verdadeira oração é o contrário — oração é submissão à von­tade de Deus. (Mat. 6:10). Se examinarmos bem a oração que Jesus Cristo fêz, cheio de angústia no Gethsêmane, veremos que Êle expôs confiantemente ao Pai o que desejava e o que temia (Luc. 22:42). Mas, ao' mesmo tempo, submeteu-se incondicional­mente à vontade do Pai.

5.°) IGUALA-TE AOS PECADORES (Mat. 6:12, 14, 15)

Humildade e justiça. Humildade porque, nesse espirito, o homem não se acha melhor do que os outros. Reconhece e con­fessa que é pecador, e suplica a mesma graça indispensável do perdão como um favor coletivo. — “ perdoa-nos” (Mat. 6:12). Justiça, porque estabelece uma condição só da generosidade de Deus para os seus pecados e da sua própria generosidade para os pecados dos outros. Em outras palavras: no mundo em que todos pecam só existe um meio de reabilitação — perdão. E assim como o que ora espera perdão de Deus, deve também es­tar pronto para perdoar. Sem estabelecer essa igualdade o ho­mem não pode ter a esperança de ser ouvido na oração.

Poderia aparecer aqui uma pergunta: — Não é necessá­rio que as orações sejam feitas em nome de Jesus?

E’ sim. E’ indispensável. Então, como se explica que nessa fórmula magistral e perfeita não aparece como chave áu­rea o nome do Salvador?

Essa pergunta nos ajuda a esclarecer um ponto funda­mental da oração: orar em nome de Jesus não é apenas dizer o nome dÊle. Muitas pessoas há que usam êsse nome sem nenhum direito e, de fato, não estão orando em nome dÊle. Essas pes­soas usam o nome de Jesus, como quem coloca um rótulo numa garrafa, sem se importar com o que está dentro dela. Repita­mos, mais uma vez, que a virtude da oração está no espírito do homem e não nas suas palavras. Ora em nome de Jesus quem tem os sentimentos dÊle, ou outras palavras, aquele que lhe per­tence. Assim tal seja o sentimento e o espírito de uma pessoa, se ela é de Cristo, pode orar o “ Pai Nosso” em nome de Jesus e só em nome de Jesus será ouvida nessa petição, ainda que não pronuncie o nome do Salvador.

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CAPÍTULO XLIX

A DIVERGÊNCIA DE DEUS

Leitura: Mateus 5 e Romanos 7 Texto Áureo: Rom. 3 :23

A Bíblia é um livro de realidades: realidades da fé e realidades da experiência. O seu ponto de partida é uma reali­dade concreta e incontestável da experiência humana: o pecado. O homem instintivamente sabe o que é o pecado, embora lhe dê outros nomes, ou procure explicá-lo de modo a disfarçar-lhe a essência maligna. Não é difícil verificar que o homem dispõe de conhecimentos instintivos acêrca do pecado.

1.°) Porque acusa, censura e castiga os que erram.2.°) Porque atribui o sofrimento a erros que porven­

tura tenha cometido.É notável que essa noção instintiva não envolve apenas

um elemento moral, mas compreende a idéia de ofensa à divin­dade. Aliás, êste segundo elemento de ofensa à divindade apa­rece, às vêzes, isolado do elemento moral. Por exemplo: o su­posto pecado de comer carne na sexta-feira santa. A única noção envolvida é a de uma ofensa a Deus.

Seja como for, o certo é que o homem tem uma noção instintiva de pecado. Mas a Bíblia é o livro que nos oferece um conhecimento exato dessa matéria tão importante. Antes de examinarmos o ensino das Escrituras, porém, vamos fazer três afirmativas apoiadas pela nossa experiência.

1.® SOU PECADOR

Só os inconscientes, os irresponsáveis e os mentirosos negam seu estado pecaminoso. Nenhum homem que se conheça bem falará com verdade se negar que é pecador. Disse um sábio pele vermelha, na América do Norte; “ Há só dois homens bons: um já morreu e o outro ainda não nasceu”.

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Não há homem que não tenha ainda sido obrigado, maisde uma vez, a desculpar-se de erros que cometeu, alegando, às vêzes, ignorância, outras, a influência maléfica do ambiente ou a fôrça indomável do seu próprio temperamento.

Não seria assim se não houvesse pecado. Essa é a pri­meira realidade incontestável: sou pecador. O testemunho da nossa experiência é esmagador e faz lembrar a história daquela criança a quem a mãe perguntou: —“ xVíeu filho, porque é que você só faz coisas erradas ? Porque é que não faz também coisas boas?” E a criança, honestamente, respondeu:— “ Fazer coisa boa cansa muito” . Todos nós sabemos disso: para fazer o mal não é preciso qualquer esforço, basta deixar o corpo à vontade.

2.° O PECADO ME TORNA INFELIZ

E não é difícil dizer porque. Primeiro, porque me incom­patibiliza com todos os outros seres humanos. É verdade que a educação social e a severidade da autodisciplina atenua um pouco essa incompatibilidade. Mas o certo é que viver junto com qualquer pessoa é muito difícil. Em seguida verifico que o pecado me torna infeliz porque me enche de mêdo. Mêdo da morte, mêdo de Deus, horror do sofrimento e até aversão às coisas ideais da vida. Mas há ainda uma coisa pior que o pecado faz : obriga-me, tantas vêzes, a aparentar o bem que é necessá­rio, e que eu, de fato, não procuro nem realizo. Foi essa tragé­dia humana que o poeta pagão imortalizou nos seguintes versos: “ Video meliora, proboque, deteriora sequor. Vejo o que é bom, e aprovo; sigo, porém, o que é mau. Sim, o pecado me infelicita porque gera dentro de mim o conflito, humanamente insanável, entre o que eu sou e aquilo que devia ser.

3.° NÃO POSSO ACABAR COM O PECADO.

Posso, muias vêzes, tentar explicá-lo, catalogar rigoro­samente suas diversas modalidades, estudar suas causas mais profundas, escondê-lo, disfarçá-lo, sofrer estoicamente as suas temerosas consequências, mas uma coisa não posso fazer — aca­bar com êle.

E o mais grave é que não sei dizer quando começou em mim o pecado. Muitas vêzes, me iludi a mim mesmo, julgando poder dominá-lo quando bem me parecesse. Só então descobri èsta medonha verdade: o pecado pode mais do que eu.

As três afirmativas que acabamos de fazer e analisar servem apenas para nos mostrar que a Bíblia ao tratar das realidades da fé, realidades que ainda não podemos verificar, parte, entretanto, de uma realidade simples, incontestável e cer­ta — o pecado.

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Que diz a Bíblia sôbre o pecado?Várias coisas. Vejamos, principalmente, o que disse

Jesus. No sermão da montanha Êle tratou, em nrimeiro lugar, de dois aspectos importantes do pecado: “ Foi dito aos antigos: não matarás” , . . “ não cometerás adultério” . . . “ não per­jurarás” , e tc ... Homicídio, adultério, perjúrio — atos pe­caminosos, porque são transgressões da lei de Deus.

É preciso, porém, le-mhrar aue não há homicídio sem homicida: adultério, sem adúltero; periúrio, sem periuro. E tanto isso é verdade oue cometido, por exemplo, o homicídio, o castigo recai é sôbre o homicida, isto é, sôbre o homem. Em ou­tras palavras: a punição é do pecador e não do pecado. Mas êsse é o primeiro aspecto aue Jesus considerou — atos. Consi­derou-os. aliás, para apresentar um outro aspecto muito mais importante e profundo. “ Qualnuer oue sem motivo se encole­rizar contra o seu irmão, será réu de juízo” . “ Qualquer que atentar numa mulher para cobiçar, já em seu coração cometeu adultério” .

Jesus apresenta, pois. um conceito de pecado mais pro­fundo. a saber, o sentimento mau no coracão já é pecado. A ética do Evanorelho. portanto, anresenta uma exis-ência global. A tragédia do pecado não se realiza somente em atos e palavras, mas em sentimentos, estados íntimos do coracão humano. Um ato pecaminoso é uma transeressão; um estado ou senti­mento pecaminoso é uma diverorência permanente da lei de Deus. Mas o ensino de Jesus sôbre essa matéria experimental da raca humana vai um pouco mais lonsre. Ainda no sermão da mon­tanha Êle faz uma afirmativa aue. bem analisada, não deixa de ser chocante: “ Não pode a árvore boa dar maus frutos” . Aliás, mais tarde, Êle repete essa afirmativa, aplicando-a exatamente ao assunto aue estamos estudando. “ Ou fazei a árvore boa e o seu fruto bom, ou fazei a árvore má e o seu fruto mau, poroue pelo fruto se conhece a árvore” . “ Raça de víboras, como podeis dizer boas coisas, sendo maus” ?

Dessas declaracões resulta uma conclusão: atos maus, expressam sentimentos maus; sentimentos maus só existem nos homens maus. O ato é transgressão momentânea; o estado é uma diversrência permanente. E o homem é a causa da diver­gência e da transgressão.

Seria, talvez, mais prático, pelo menos na aparência, e, talvez bem mais fácil, fazer uma lista ou rói de pecados. Não adiantaria nada. O Evangelho não fêz lista de pecados. Denun­ciou, porém, o autor do pecado, para mostrar o único recurso eficaz para modificar a trágica situação do mundo — mudar o homem.

Onde não há pecador, não há pecado. Jesus confirma essa

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mesma verdade, quando diz que “ do coração do homem proce­dem tôdas as formas de pecado” (Mat. 15:19). E quando mos­tra que a única maneira de entrar no reino dos céus é tornar-se humilde como um menino. Dissemos que o estado pecaminoso é uma divergência permanente de Deus. Jesus circunscreve ainda mais essa noção, afirmando que a divergência é o próprio ho­mem. “ Êste povo honra-me com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Mat. 15:9).

Dessas noções que Jesus deu podemos tirar uma lição bem desagradável. Um ato externamente bom, apesar dos benefícios que causa, nem por isso deixará de ser pecaminoso, uma vez que seja praticado por um homem que está em divergência com Deus. E não faltam exemplos para confirmar essa inferência. Haja vista a esmola mencionada e criticada por Jesus Cristo (Mat. 6:1, 2). A própria oração estará nesse caso, como se ve­rifica em Mateus 6:5.

Certa vez um homem pediu o Espírito Santo. Conside­rado exteriormente era um pedido piedoso, mas a negativa do pedido veio acompanhada dessa solene e tremenda declaração: “ Porque o teu coração não é reto diante de Deus” (Atos 8 :22). A própria inatividade do homem pecador é pecaminosa: o ho­mem, nesse caso, é como um instrumento desafinado: está silen­cioso, mas nem por isso está em afinação com os outros instru­mentos. E aqui aparece com tôda a fôrça o ensino da cena pro­fética do juízo final: “ Tive fome, não me destes de comer” . . . Quando há divergência de Deus, o homem tanto diverge pela atividade, como pela inatividade — é pecador.

E’ dessa divergência que fala Isaias na mais expressiva linguagem “ Deixe o homem o seu caminho e o homem maligno os seus pensamentos, porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos. .. Porque assim como os céus são mais al­tos que a terra, assim os meus caminhos são mais altos que os vossos caminhos” . (Isaias 55:7). E’ ainda a essa divergência que se refere o apóstolo quando diz que “ a inclinação da carne é inimizade contra Deus” . E, de fato, a natureza íntima do peca­do é examente essa divergência. O pecador só não diverge de si mesmo. Há nêle um princípio irredutível de oposição a tôdas as criaturas e ao próprio Deus. Por isso também o desfecho inevitável do pecado é a separação da morte.

Em resumo: dizem os nossos catecismos que “ pecado é falta de conformidade com a lei de Deus, ou qualquer trans­gressão dessa lei. Uma vez estabelecida a divergência, o homem perde a sua consonância com a natureza do Criador e se trans­forma numa unidade de atrito com a vontade do seu Deus, com os seus semelhantes e com a sua própria consciência. E’ um fato da experiência.

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Uma palavra para conclusão. — Que pensa Deus a res­peito do pecado?

A resposta divina é a eruz de Jesus Cristo. Aquêle altar em que Jesus foi crucificado é uma figura sugestiva. A cruz é feita de traves divergentes: é a figura material do pecado — di­vergência. E onde há divergência de vontades ninguém pode impedir o sofrimento.

QUESTIONÁRIO:

Que é que Jesus revogou da lei? Como deve ser a justiça dos cristãos? Onde está a sede do pecado? Que é preferível? Que excesso é de procedência maligna? Quem é o modêlo per­feito? Quanto tempo dura o domínio da lei? Desde quando es­tamos livres da lei? Qual era a tristeza de Paulo? Que é que Paulo tinha segundo o homem interior?

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CAPÍTULO L

O ESTADO INTERMEDIÁRIO

Leitura: Lucas 28:33-46 — II Cor. 5:1-10 Texto Áureo: II Cor. 5:1

E’ ponto de fé indiscutido no Igreja Evangélica que os crentes, quando morrem, vão imediatamente para a presença de Deus, enquanto os seus corpos ficam na sepultura até o dia da ressurreição. A êsse estado das almas separadas dos corpos é que se dá o nome de estado intermediário.

Nem sempre os crentes sabem dizer com exatidão quais são as passagens da Bíblia que sustentam êsse ponto de fé, a saber: que as almas dos crentes, após a morte, vão imediata­mente para a presença de Deus. Convém, portanto, fazer uma recapitulação das principais declarações bíblicas referentes ao assunto.

1.°) Lucas 23:33:48 — é o episódio do ladrão na cruz.,A declaração de Jesus é explícita: “ Hoje estarás comigo no pa- raiso” .

Se perguntarmos onde é o paraiso, Paulo dirá que é o ter­ceiro céu (II Cor. 12:3). Em Apocalipse 2:7 se diz que é onde está a árvore da vida. Em Apocalipse 22:1-5 mostra que é onde está o trono de Deus. Nesse lugar é que Jesus disse que o ladrão arrependido estaria com Êle.

Existem algumas objeções ao que acabamos de dizer.a) Jesus não teria dito “ estarás hoje” , mas “ digo, hoje,

que estarás comigo no Paraíso” . No original a ordem das pa­lavras é a seguinte: “ Em verdade digo-te hoje estarás comigo paraíso” .

A essa objeção se dá uma resposta muito simples. “ Hoje” é advérbio. Sua função nessa frase é indicar a circunstância de tempo de um verbo. Ora, nessa frase só há dois verbos: digo e estarás. Pergunta-se: — Qual destes verbos precisava do ad­vérbio hoje? “ Digo” , não precisava porque já traz em si a idéia

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exata do tempo em que à ação se passa. Já “ estarás” , não ê a mesma coisa porque pode ser “ estarás amanhã, na semana que vem ou daqui a mil anos. E era exatamente isso o que interessa­va ao ladrão arrependido — saber quando estaria. Gramatical­mente, pois, a única leitura legítima do texto é “ hoje estarás no paraíso” .

b) Outra objeção é que Jesus disse a Maria “ ainda nãosubi para o Pai”.

E’ verdade, não tinha subido para o Pai. O corpo tinha ficado na sepultura, mas o espírito tinha ido ao Pai. Durante os três dias do sepultamento o seu espírito tinha ficado com o Pai, como se pode ver em Lucas 23:46. A resposta de Jesus ao ladrão arrependido mostra as únicas condições que Deus exige do pecador para introduzí-lo no paraíso, e são as seguintes:

a) Que êle se reconheça e confesse pecador Luc. 23:41.b) Que confie somente em Jesus (Luc. 23:42)c) Que alegue a misericórdia de Deus e não os seus pró­

prios merecimentos.Pode parecer muito esquisito que um grande pecador que

se arrepende só à hora da morte, sem tempo de fazer qualquer coisa boa, entre sem mais delongas na presença de Deus.

Não é da nossa competência discutir, nem limitar o alcan­ce da graça de Deus. Deus perdoa o pecador arrependido. Per­doa por sua livre e soberana graça e, onde há perdão, nada mais se pode exigir do pecador perdoado. Isso é o que está na Bíblia. São Paulo declara que não há mais condenação para os que estão em Cristo Jesus. (Rom. 8:11). E Jesus diz que aquêle que cre nÊle não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida (João 5:24). Além da passagem acima citada, temos mais as seguintes: (II Cor. 5:1, 8 e 9) São Paulo, nesse passo, com­para o corpo humano a uma casa e diz que, desfeita essa casa, o morador tem outra casa, não feita por mãos, eterna nos céus. E acrescenta que enquanto estamos neste corpo vivemos ausen­te do Senhor e, porisso, desejamos deixar êste corpo para ha­bitar com o Senhor. Em Filipenses 1 :23 o mesmo apóstolo Pau­lo declara que tem desejo de partir para estar com Cristo.

Recorrendo a uma série de passagens da Bíblia ficamos sabendo que Cristo, tendo deixado êste mundo, foi para o Pai, foi recebido acima no céu e está à direita do Pai (Joâo 13:1 e 17:3. Atos 1:11 e 7:55.

Ora, se os crentes, como disse Paulo, ao morrer vão para a companhia de Jesus, então, êles vão para a presença de Deus, que é onde Jesus está.

Existem algumas passagens que usam um eufemismo para designar a morte dos crentes. Essas passagens têm sido

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invocadas para dizer que os mortos durante o estado interme­diário ficam dormindo, isto é, inconscientes.

Um exame minucioso dessas passagens mostra que os escritores estam empregando apenas uma figura para atenuar o aspecto desagradável que um cadáver apresenta. Como prova disso podemos citar o fato de Lázaro e as expressões que Jesus usou (João 11:11-14) . Jesus tinha dito que Lázaro dormia e que Êle ia despertá-lo do sono. Como os discípulos, ouvindo isto não tivessem entendido bem, então Jesus disse-lhes claramente: “ Lázaro está morto” . A primeira vez falou figuradamente; a segunda, claramente.

E’ notável que essa figura só se usa no Novo Testamento para a morte dos crentes, e sugere três idéias.

a) Todo sono tem fim. Então o corpo há de acordar um dia também, isto é, ressurgir.

b) O que dorme é o corpo, a mente está sempre em ati­vidade. Assim na morte: o corpo é que vai para a sepultura, o espírito continua ativo na presença de Deus.

c) Assim como o corpo adormecido podei ser desper­tado a qualquer momento, Jesus pode chamar os que se acham nos sepulcros e fazer voltar à vida. A morte está para Cristo, assim como o sono está para qualquer um de nós.

Foi pensando nessas verdades consoladoras da Palavra de Deus, que São Paulo escreveu aos Tesalonieenses, dizendo: “ Eu não quero que sejais ignorantes a respeito dos que já dor­mem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança” (I Tes. 4:13)

QUESTIONÁRIO:

O que é que o povo fazia? Que é que estava escrito em hebraico ? Que é que deve fazer quem está na condenação ? Que sinal deu o ladrão do seu arrependimento? Qual a promessa de Jesus? Para onde foi o espírito de Jesus? Quem fêz as casas no céu? Quem foi que nos preparou para a vida futura? Para que é que deixaremos êsse corpo? Onde devemos comparecer?

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CAPÍTULO LI

O NASCIMENTO DE JESUS

Leitura: Lucas 2:1-38 e João 1:1-14 Texto Áureo: Luc. 2:10-11

Disse Godet que a frase mais profunda que a pena do ho­mem escreveu são as seguintes palavras de São João: “ E o "Ver­bo se fêz carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigénito do Pai” .

Há nessas palavras três coisas diferentes:a) Um grande mistério — Deus feito homem. Falando

dêsse mistério São Paulo disse: “ Grande é o mistério da pieda­de: o que.foi manifestado em carne foi justificado em espírito” .

b) Um fato histórico — “ habitou entre nós”. A exis­tência de Jesus, ou seja a presença de Deus incarnado entre os homens, não é uma lenda, mas um fato histórico rigorosamente comprovado.

c) Uma experiência individual — “ Vimos a sua gló­ria” . João, referindo-se mais tarde a essa experiência indivi­dual, disse: “ Porque a vida já foi manifestada e nós a vimos” .

De tudo isso se conclue que, não obstante a simplicidade das narrativas dos evangelistas, o nascimento de Jesus é um fato de transcedente importância. E’ um fato singular e su­premo na história da raça humana. E’ o maior milagre da oni­potência divina. O Verbo, fazendo-se carne, uniu-se para sem­pre à raça humana. Com isso manifestou as possibilidades es­pirituais da raça, bem como a grandeza do seu destino. O acon­tecimento foi de tais proporções que os anjos apareceram em hostes numerosas para celebrá-lo. Homens sábios, vindos de regiões longínquas, vieram trazer-lhe a sua real homenagem.

Qual teria sido o objetivo da incarnação de Jesus Cristo?Em vez de aceitar qualquer das respostas pela tradição

ou pela teologia, convém citar apenas as Escrituras.a) Jesus disse que veiu a êste mundo para buscar e sal-

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var o que se havia perdido (Luc. 19:10). Declarou, que Êle veio para dar a sua vida em resgate de muitos. (João 10:10, 11 e Mat. 20:28) São Paulo confirmou essa mesma verdade, quan­do disse que Jesus veiu a êste mundo para salvar os pecadores (I Tim. 1:15).

b) A carta aos Hebreus declara que o Verbo se incar­nou para participar de tôdas as coisas que afligem os homens, isto é, para tornar-se em tudo semelhante aos irmãos, e assim poder socorrer aos que são tentados.

O anjo que anunciou o nascimento de Jesus a Maria, deu- lhe dois nomes: o primeiro, Jesus, porque como disse o anjo, Êle salvaria o povo dos seus pecados (Mat. 1:21). O segundo é Emanuel, que significa Deus conosco. Podemos, pois, concluir que o objeto da incarnação é trazer Deus aos homens, propor­cionar os meios para a redenção e estabelecer a intercessão in­falível para tôdas as criaturas humanas. Deus incarnado é o Revelador de Deus e o Redentor e mediador dos homens.

Uma vez incarnado o Verbo, na pessoa de Cristo se en­contram a divindade e humanidade: por meio de Cristo Deus se aproxima dos homens e, em Cristo, o homem se aproxima da di­vindade. Foi por isso que São Paulo escreveu que em Cristo se encontram todos os tesouros da sabedoria de Deus. Foi por isso também que o anjo que anunciou o nascimento de Jesus declarou aos pastores “ Eis aqui vos trago novas de grande alegria que será para todo o povo” .

A incarnação de Jesus estabelece três fases distintas da sua existência:

a) Antes da incarnação era o Verbo, o logos pré-incar- nado (João 1:1-3 e 17:1-5).

b) Depois da incarnação é o Deus homem. Durante a vida terrena o Deus homem se encontra no seu estado de humi­lhação (Fil. 2:7, 8).

c) Depois da ascensão é o Deus homem glorificado (Heb. 2 :9).

Podemos notar no nascimento de Jesus as seguintes cir­cunstâncias :

1.°) Lendo-se o Evangelho de Mateus encontramos fre­qüentemente a expressão “ Para que se cumprisse o que foi dito pelos profetas” . Por essa expressão se verifica que a vida de Jesus ia cumprindo pontualmente um plano de Deus. Muitas foram as circunstâncias que Deus teve de combinar misteriosa­mente, movendo homens que, segundo parecia, não tinham qual­quer influência sôbre os acontecimentos profetizados e cumpri­dos à risca.

Assim foi que Êle moveu o coração de Cesar Augusto, que decretou o alistamento, de sorte que Maria e José se encon­travam na cidade de Belém exatamente na época prevista e

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prefixada pela providência de Deus. E’ que tudo está nas pode­rosas mãos da providência divina (Prov. 21:11)

U 2.°) A VERDADEIRA GRANDEZA

O lugar onde Jesus nasceu não podia ser mais pobre: era um canto do caravansará destinado aos animais. Aí nesse lu­gar, como se fôsse pessoa sem qualquer recurso, a jovem mãe se acolheu, forçada pelas circunstâncias excepcionais, e aí nas­ceu Jesus.

Quando os anjos anunciaram o grande acontecimento aos pastores, deram como sinal de identificação exatamente a sua pobreza. “ Achareis o menino envolto em panos e deitado numa mangedoura” . Parece que o sinal dado pelos anios indi­cava que o poder do novo rei era de ordem moral: nascia desam­parado de qualquer expressão de prestígio mundano e social, para que se visse bem que o seu reino não é dêste mundo.

3.°) MANIFESTAÇÕES ESPECIAIS DE DEUS.

O nascimento de Jesus foi comunicado de diversas ma­neiras: aos pastores, pelos anios; aos masros, pela estrêla; aos escribas, pelas Escrituras; a Simão, pelo Espírito Santo. A ca­da um segundo sua capacidade, seu desejo e, também, para fins diferentes. A cada um Deus falou numa linguagem diferente, mas a mensagem foi a mesma. E cada um reagiu segundo as suas possibilidades e seu estado espiritual. Nem todos tiveram o privilégio dos pastores, dos magos e de Simão oue viram o Salvador. Mas é a visão da fé, e não a visão dos olhos, que faz de Jesus o Salvador dos homens.

QUESTIONÁRIO:.....

Quem governa o mundo? (Luc. 2:1 e João 19:11) A quem José e Maria obedeceram? O berço é sinal de grandeza? Que sentiram os pastores diante dos anjos? Qual foi o sinal dado? Qual o primeiro passo da fé? (Luc. 2:15) Que resulta­do produz a fé? (Luc. 2:20) Como guardava Maria as suas impressões? Quem alumia qualquer homem? Quem estava no mundo?

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— jín d ic e Dos A s s u n t o s

Pág.A HISTÓRIA DA REDENÇÃO — (João 1:1-8) .............................. 7AS ORIGENS (Gen. 1) ..................................................... ................... 11A CRIAÇÃO DO HOMEM (Gen. 1:28-31 e 2:5-24) ...................... 15O PRINCÍPIO DO PECADO (Gen .3 ) .................................................. 19O PROGRESSO DO MAL ....................................................................... 23O DILÚVIO (Gen. 7-9) ......................................................................... 27A NOVA ERA ....................................... ....................................................... 31PERCALÇOS DA PROSPERIDADE MATERIAL (Gen. 13-15,18,

19) ........................................................................................................... 35A DISCIPLINA E O EXERCÍCIO DA FÉ (Gen. 15) ........................... 39ELOS HUMANOS DA PROVIDÊNCIA DIVINA (Gen. 24-27) . . . 45O HOMEM NATURAL (Gen. 25:24-34 e 27 a 32:21) ...................... 49O HOMEM ESPIRITUAL ....................................................................... 53CAMINHOS DA PROVIDÊNCIA (Gen. 37) ........................................ 57A HORA DA PROVIDÊNCIA (Gen. 41) ............................................. 61A EXATIDÃO DA PROVIDÊNCIA (Gen. 45-50) .............................. 65TRANSIÇÕES HUMANAS E FIXIDEZ DA PROVIDÊNCIA (Ex.

1-2) ........ ............................................................................................. 71A VOCACÃO DO LIBERTADOR (Ex. 3-4 At. 7:18-35 e Heb.

11:24-26) ....................................................................................... .......... 77VASO DE IRA (Ex. 1:1-14; 5; 7:1-18 e 8) .......................................... 81INTIMAÇÕES DA PROVIDÊNCIA (Ex. 5. 7:1-18) .......................... 87ULTIMATOS DA PROVIDÊNCIA (Ex. 8-10) ...................................... 91LIVRAMENTO E CASTIGO (Ex. 11-14) .............................................. 95ALIMENTO E COMBATE (Ex. 16-18) .................................................. 99A VOCAÇÃO DO LIBERTADOR (Ex. 18-20) .................................... 103A SOBERANIA DE DEUS (Ex. 20:3 Atos 17:15-34 Apoc. 15:1-8) 109A ESPIRITUALIDADE DO CULTO (Is. 44:1-20 e Ex. 20:4-6) . . . 113O DESCANSO DO SENHOR (Ex. 20-8-11 e 23:10-13) .................. 117PROMESSAS E REGULAMENTAÇÃO (Ex. 21-24) .......................... 123DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS (Ex. 25-27) ...................................... 127O SACERDÓCIO (Ex. 28-31) ................................................................... 133A QUEBRA DA FIDELIDADE (Ex. 32-34) ........................................ 139EXIGÊNCIAS DA JUSTIÇA (Lev. 1-7) .......................................... 145LIMPEZA E SAÚDE (Lev. 13-15)............................................................ 149SANTIDADE E ALEGRIA (Lev. 16-18 e Ex. 30:17,18) ................... 153

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LEIS DE HUMANIDADE (Lev. 19-21) .......................................ORDEM PARA CULTO E GOVÊRNO (Num. 1-4) ..........................O POVO DIRIGIDO (Num. 9-12) ..................................................... ..INCREDULIDADE E DERROTA (Num. 13-14) ..................................A ROTINA DA VIDA (Num. 20-21) .................................................DUPLICIDADE HUMANA (Num. 22-25 e Apoc. 2:14) ................O OCASO DO LIBERTADOR (Num. 27 e Deut. 31 e 34) . . . . . . .BALANÇO HISTÓRICO (Deut. 1-3) .....................................................A REGRA DE FÉ (Deut. 4-6 e Josué 1) .............................................LIÇÕES DA PROVIDÊNCIA (Deut. 8-9) ..........................................RELIGIÃO E SUPERSTIÇÃO (Deut. 10-13) ..................................NOVAS LEIS DE HUMANIDADE (Deut. 15,19,20,22,24) ..............SEVERIDADE E BENIGNIDADE DE DEUS (Deut. 27-30) . . . .A FINALIDADE DO HOMEM (Salmo 19 -R o m . 1) ......................DEUS (João 1:1-18; 4:21-24; 14:6-11) ................................................ORAÇÃO (Mat. 6:5-15 e Luc. 11:1-13) ..............................................A DIVERGÊNCIA DE DEUS (Mat. 5 e Rom. 7) ..............................O ESTADO INTERMEDIÁRIO (Luc. 23:33-46 e H Cor. 5:1-10) O NASCIMENTO DE JESUS (Luc. 2:1-38 e João 1:1-14) ..............

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